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OS TRABALHADORES, OS SINDICATOS E A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO * Presidente da Casa da Moeda do Brasil Sumário: I - Introdução. II - A Nova Ordem Constitucional. III - O Pacto Social e a Constituição. IV - O Papel do Estado. V - A Proteção dos Trabalhadores. VI - Conclusão. I — Introdução A nação brasileira vive a passagem mais rica de sua história contemporânea. De fato, estamos oferecendo um exemplo de maturidade política com raríssima incidência na vida dos povos. Transitar do autoritarismo para a democracia não é novidade. O pêndulo está presente nas sociedades politicamente organizadas, sendo objeto freqüente da análise de cientistas políticos e sociólogos. Aí estão os exemplos recentes, e díspares, da península ibérica, hoje exaltados como esperanças do avanço democrático no mundo de nossos dias. A novidade maior está no fato de termos no Brasil uma ponte que não rompeu com a ordem jurídica elaborada ao tempo da vigência do regime autoritário. A instalação da Nova República faz-se com o mesmo arsenal de 1969, o ano que marcou o ápice da construção institucional autocrática. A eleição de Tancredo Neves não pode ser anunciada sem a explicitação do seu compromisso com a mudança mais comedida. Sabe o Presidente da República, por sua longa biografia, testada experiência e reconhecida sabedoria, que o único cenário possível para solidificar a infância da novel democracia é a conciliação entre os que postulam velocidade nas transformações estruturais e aqueles que demandam a conservação de alternativas mudancistas na esteira dos quadros * Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a partir de 27/06/1996.

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OS TRABALHADORES, OS SINDICATOS E A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL

CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO*

Presidente da Casa da Moeda do Brasil

Sumário:

I - Introdução. II - A Nova Ordem

Constitucional. III - O Pacto Social e a

Constituição. IV - O Papel do Estado. V - A

Proteção dos Trabalhadores. VI - Conclusão.

I — Introdução

A nação brasileira vive a passagem mais rica de sua história

contemporânea. De fato, estamos oferecendo um exemplo de maturidade

política com raríssima incidência na vida dos povos. Transitar do

autoritarismo para a democracia não é novidade. O pêndulo está presente

nas sociedades politicamente organizadas, sendo objeto freqüente da

análise de cientistas políticos e sociólogos. Aí estão os exemplos recentes,

e díspares, da península ibérica, hoje exaltados como esperanças do

avanço democrático no mundo de nossos dias. A novidade maior está no

fato de termos no Brasil uma ponte que não rompeu com a ordem jurídica

elaborada ao tempo da vigência do regime autoritário. A instalação da

Nova República faz-se com o mesmo arsenal de 1969, o ano que marcou o

ápice da construção institucional autocrática.

A eleição de Tancredo Neves não pode ser anunciada sem a

explicitação do seu compromisso com a mudança mais comedida. Sabe o

Presidente da República, por sua longa biografia, testada experiência e

reconhecida sabedoria, que o único cenário possível para solidificar a

infância da novel democracia é a conciliação entre os que postulam

velocidade nas transformações estruturais e aqueles que demandam a

conservação de alternativas mudancistas na esteira dos quadros

*Ministro do Superior Tribunal de Justiça, a partir de 27/06/1996.

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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disponíveis e presentes dede a emergência de 1964. Da articulação dos

interesses dessas forças é que será factível sair soluções de consenso para

vencer os primeiros meses de governo, sem o malogro das expectativas

populares.

É necessário acolchetar também o papel do Congresso

Nacional, que já dá sinais da sua presença mais independente

relativamente aos comandos emitidos pelo Executivo, ainda calçado na

vestimenta da "monarquia presidencial", para usarmos a expressão

cunhada por Hindenburgo Pereira Dinis (cfr. "A Monarquia Presidencial" —

Ed. Nova Fronteira — 1984).

Seria bom lembrar que da campanha realizada pelo Dr.

Tancredo Neves é possível extrair a síntese de cinco compromissos básicos.

Primeiro, o compromisso com a reconstitucionalização, mediante a

convocação do poder constituinte, destinado a recuperar a Federação e a

República. Esta significando o governo "assentado sobre o consentimento

ativo de todos os cidadãos", assegurado o voto livre, universal, secreto e

direto para os cargos de vereador a Presidente da República, a pluralidade

partidária, "a alternância normal de homens e doutrinas na administração

política do país". Aquela significando retirar da União "os excessivos

poderes a que se arrogou, a começar pelo de concentração tributária é

distribuição política dos recursos fiscais". Segundo, o compromisso de rever

os rumos da política econômica, a começar pela dívida externa, a qual será

renegociada em outras bases, tendo presente que "a recessão e o

desemprego não são moedas de ajuste entre povos dignos". Terceiro, o

compromisso com uma "nova concepção do objetivo social da economia".

Aqui estão incluídas as prioridades à agricultura, com o esclarecimento de

que "não há país no mundo que negue subsídios aos produtores rurais", à

pesquisa científica, para a qual não serão admitidos "quaisquer vetos aos

trabalhos dos cientistas brasileiros", à educação, com a "reforma profunda

e imediata" que se faz necessária para formar os profissionais requeridos

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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pelo desenvolvimento do país. Quarto, o compromisso com a revisão das

relações entre o capital e o trabalho, mediante a reforma da CLT e o

fortalecimento dos sindicatos, estes considerados "como legítimo

instrumento dos trabalhadores", sem os quais não há paz social". Quinto, o

compromisso de combater a inflação, "com a assessoria dos grandes

mestres da teoria econômica e os conselhos da razão política", para sanear

a moeda, recuperar a confiança nas atividades produtivas e impedir "a

continuação dessa drenagem enlouquecida de recursos para aplicação em

títulos que, por sua vez, não se destinam a investimentos produtivos, mas

à especulação insensata de um monetarismo hipertrofiado". Para o sucesso

dessa política é vital a adesão da sociedade, a qual não "dará o seu

assentimento se não houver rápida criação de novos empregos,

fovorecimento às iniciativas de trabalho e produção próprias, e o

atendimento às necessidades básicas do povo", assim "além da geração de

empregos, salários justos, uma previdência social eficiente, e solução para

o gravíssimo problema do sistema financeiro da habitação." (cfr. meu

artigo "Recomeçando esperanças" — Última Hora — Rio — 30-12-84 — p.

4) .

Para o Presidente Tancredo Neves, conciliar a realização

simultânea desses compromissos será uma ingente e difícil missão.

Encontrar a justa medida para combater a inflação ascendente, retomar o

desenvolvimento e compatibilizar os salários, não resta duvidança, será a

única saída possível para assegurar a legitimidade que provém da adesão

dos movimentos sociais, intensamente mobilizados para cobrar respostas a

curto prazo. Aliviar a tortura das classes médias e populares reclamará do

governo toda a criatividade possível, sabido como é que os compromissos

anunciados pelo Presidente, na prática, não conseguiram até o presente

convivência satisfatória.

Anote-se, ainda, que ao lado de tais conflitos operacionais

existe um outro que poderá ser, ao longo dos próximos meses, um entrave

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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de maior monta. A composição do governo, ainda que deixe passar para a

sociedade um perfil conservador na ponta econômica, não descarta a

pressão endógena do tecido mais à esquerda originário do núcleo de

apoiamento de seu partido, o PMDB. É até mesmo provável, ainda que não

seja uma fatalidade histórica, que no farnel do entendimento seja servido

com fartura a linhagem conservadora. Mas, o complicador, se tal vier a

ocorrer por falta de saneamento das divergências internas, estará no

enclave da questão social. Nela estará concentrada toda a pressão

mudancista, vinda dos trabalhadores, sofridos pela proletarização

continuada a que vêm sendo submetidos.

É evidente que o povo não espera milagres. Mas, o povo

também não agüentará por mais tempo sem alvíssaras na questão social.

Já dizia o notável republicano que foi Santiago Dantas, ao

apresentar as linhas gerais do seu pensamento para obter a investidura no

cargo de Primeiro Ministro, que lhe foi infelizmente negada, que o quadro

das desarmonias sociais fica mais nítido quando se confronta a posição das

classes proprietárias com a das classes que vivem de rendimentos fixados

ou salários. Estas continuam ausentes, já agora com gravames

insuportáveis, da distribuição da renda nacional, perdurando, assim, a

escabrosa situação já detectada nos anos sessenta. É, pois, na questão

social que o Presidente Tancredo Neves vai travar a sua mais desfavorável

batalha. E é nela que as cobranças não serão sopitadas com paliativos

improvisados. É, também, em torno dela que o entrechoque das tendências

variegadas integrantes do governo vai aparecer à luz do dia.

O pacto social, proclamado, certamente estudado, mas ainda

não definido concretamente, poderá ser a mais importante conquista do

Presidente Tancredo Neves, dando o tom da Nova República. Se as

lideranças nascentes tiverem a compreensão de que o pacto social passa

necessariamente pela nova ordem constitucional, deixando de constituir

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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mero sinal de acordo temporário, sintoma de trégua, aí as esperanças

podem ser alimentadas com maior grau de certeza.

No presente artigo, contribuição modesta no elenco das demais,

gostaria de adiantar o meu entendimento sobre a nova ordem

constitucional, tomando como eixo a idéia do pacto social no contexto dos

trabalhadores e de sua organização formal e institucionalizada, os

sindicatos.

II — A Nova Ordem Constitucional

Já não mais se discute a previsão de uma nova constituição

para o Brasil. Igualmente, existe consenso para o fato de que ela deve

resultar do exercício pelo povo do poder constituinte que originariamente

lhe pertence. Não muda o ensinamento clássico do Direito Constitucional

quando aponta a convocação de uma assembléia nacional constituinte

como essencial ao novo começo na vida dos Estados.

O "fresh start" referido pelo notável constitucionalista inglês K.

Wheare, tem sentido e alcance exatamente naqueles momentos em que

ocorre a interrupção da continuidade da ordem jurídica pré-existente. Não

é o mesmo caso quando a alteração é feita pelos ritos estabelecidos. Em

1964, o movimento militar provocou a rutura das instituições então

vigentes. Os atos institucionais significaram mero exercício do poder de

fato. A carta constitucional de 1967, mesmo considerando de forma

benevolente a sua votação pelo Congresso Nacional, transformado

arbitrariamente em constituinte pelo recurso ao ato institucional, não

representou nem técnica, nem politicamente, a vontade constituinte do

titular originário. Em 1969, a usurpação ficou clara com a outorga da

emenda por autoridades de fato, isto é, baldias de competência para tanto.

Como assinalei em outro artigo, para a ciência do direito

constitucional, a convocação de uma assembléia constituinte tem muito

que ver com a legitimidade da constituição vigente. Mestre Pontes de

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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Miranda ensina muito bem: poder constituinte legítimo = constituição

legítima. Poder de fato (interrupção da juridicidade) devolvendo poder

estatal e poder constituinte ao titular legítimo = constituição legítima.

Constituição feita por quem não é titular do poder constituinte é ilegítima.

Torna-se legítima se houver devolução ao titular: intervenção do poder

constituinte legítimo, referendo, plebiscito (cfr. meu livro "A Democracia

Nossa de Cada Dia" — Forense Universitária e Liv. Winston Editora — 1984

— p. 22).

A convocação da assembléia nacional constituinte é ato pré-

constitucional para devolver ao titular originário o poder de constituir a

Nova República. Promulgada a constituição, a Nova República ganhará

legitimidade.

Mudanças constitucionais deverão ser feitas para garantir

ampla liberdade no processo eleitoral para a constituinte, e maior

densidade na representação política. O mérito da reforma prévia, como

escrevi em artigo anterior, será escoimar a carta vigente das limitações

que contém quanto à livre manifestação do pensamento, tanto ao nível da

organização partidária como do sistema eleitoral. Vejamos alguns tópicos

importantes.

A Carta de 1967, emendada em 1969, reserva todo o Capítulo

III, do Título II, "Da Declaração de Direitos", à disciplina dos partidos

políticos. O teor dos artigos 152 e seguintes é de molde a permitir o

estreitamento da organização partidária, em circunstâncias inoportunas

para o tempo novo da constituinte.

Três alterações, a meu juízo, merecem constar da pretendida

reforma partidária no plano constitucional. A primeira, refere-se à

necessidade de desvincular o funcionamento dos partidos políticos seja do

percentual mínimo de filiação de membros da Câmara dos Deputados e do

Senado Federal, seja do apoio expresso em percentuais mínimos de

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votação distribuídos por Estados, como estipulam os números I e II, do §

2º, do artigo 152. A segunda, decorrência da anterior, é destinada a

garantir a representação de todos os partidos que vierem a ser

organizados, revogando-se para tanto, o § 3º do citado artigo 152. A

terceira, é a eliminação da fidelidade partidária prevista no § 5º do mesmo

artigo.

Outra alteração necessária é a eliminação do voto distrital

previsto no parágrafo único do artigo 148, não aplicado na eleição de 1982

por força da disposição transitória do artigo 216. Não teria sentido aplicar o

sistema distrital, a exigir toda uma estrutura própria, nas vésperas da

inauguração de uma nova ordem constitucional.

Deve ainda constar da reforma constitucional de 1985, a

modificação do artigo 15 da Carta em vigor, relativo à autonomia

municipal, para facultar que os prefeitos das capitais dos Estados e dos

municípios considerados estâncias hidrominerais e daqueles declarados de

interesse da segurança nacional sejam eleitos diretamente pelo povo.

É claro que diversas alterações legislativas se seguem à

reforma constitucional. Duas saltam aos olhos: a extinção do voto

vinculado e a permissão para as coligações partidárias. Uma terceira,

conseqüência natural das facilidades para o funcionamento dos partidos, é

acabar com a sub-legenda.

Essas alterações não significam um julgamento definitivo. O

sentido delas é o de ensejar que a eleição para a assembléia nacional

constituinte seja realizada com a mais ampla liberdade de participação

política e o maior espectro de representação do corpo eleitoral. Não é

concebível que o desejo de reconstitucionalizar o país seja coartado por

regras limitativas de organização partidária, impedindo que correntes de

pensamento com livre curso na sociedade fiquem do lado de fora do

processo constituinte. O pluralismo democrático é de ser sempre

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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respeitado, sob pena de ficar incoerente a pregação pelo novo começo da

história republicana brasileira (cfr. meu artigo "Antes da Constituinte, a

Reforma" — Última Hora — Rio — 23.12.84 p. 4).

Esse cenário a ser construído é fundamental para assegurar a

implantação da nova ordem constitucional. Ele terá o efeito de abrir amplas

possibilidades de acesso ao debate político que precederá a eleição para a

constituinte. E, nesse passo, vale destacar que não será possível construir

instituições democráticas mais longevas do que as que temos tido em

nossa história, se não pudermos conscientizar o corpo eleitoral da

verdadeira natureza da constituição.

Tudo leva a crer, pelos dados disponíveis, que a sociedade

brasileira não conseguiu ainda perceber que uma constituição deve ser

maior que o tempo na qual nasceu e, sobretudo, que a sua força não está

no processo formal de sua elaboração, mas nas suas raízes culturais

subjacentes.

Esse desvio pode decorrer da equívoca vinculação que se faz do

ensino do Direito Constitucional com o aparecimento das constituições

escritas. De fato, é sabido que como ciência autônoma o direito

constitucional é recente de poucos séculos, aparecendo com mais nítido

conteúdo próprio junto com as constituições escritas de fins do século

XVIII. Mas, como adverte Manuel Garcia-Pelayo, isto não quer dizer que

antes mesmo dessa época não existissem no seio da ordem jurídica e da

organização política normas de natureza constitucional capazes de

estimular juristas e tratadistas a desenvolver estudos de Direito

Constitucional em sentido amplo. A Magna Carta de 1215, o pacto dos três

Cantões helvéticos de 1291 e o compromisso dos colonos americanos do

Mayflower de 1620, são bons exemplos (cfr. "Derecho Constitucional

Comparado" - Manuales de la Revista de Occidente - 7ª ed. - 1964 - ps. 22

e ss.). Muitos autores também corrigem a postura comum mostrando que

as origens do Direito Constitucional estão ainda mais atrás, no

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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mediterrâneo oriental, mais precisamente em Atenas, saindo, então,

para a velha Roma.

O nascimento da nova ordem constitucional brasileira deve

levar na devida consideração a irrelevância de produzir um texto escrito

sem que haja respaldo na consciência cultural da sociedade civil.

Importante na passagem que estamos vivendo é compreender que a nova

constituição só será eficaz se representar a manifestação consolidada da

vontade do povo, não apenas no tempo de sua elaboração, mas

também na projeção dos melhores anelos quanto ao futuro. A longevidade

da constituição reside na sua permanente força como disciplina social

duradoura.

A anunciada comissão presidida pelo Professor Afonso Arinos

não pode ter como missão precípua apresentar achegas aos trabalhos da

constituinte a ser eleita em 1986. Ao contrário, deve ele imbuir-se da

responsabilidade maior de promover a conscientização da sociedade para o

verdadeiro significado da constituição como valor cultural.

Para usar uma expressão cunhada pelo Professor Bidart

Campos, a sociedade deve ser provocada para debater os temas do

"direito constitucional do poder". É necessário, assim, discutir a "parte

orgânica da constituição". Para o mestre argentino, afirmar que no direito

constitucional do poder se localiza "la política gobernante y la política

gobernada (desde y hacia el poder), importa destacar que el que hacer

político de los gobernantes es abordado y regulado por el derecho

constitucional del poder en cuanto este señala quienes mandan, cómo

acceden al mando, que funciones ejercen, y cómo las cumplen, etc,

así como el que hacer político de los gobernados es abordado y regulado

por el derecho constitucional del poder en cuanto este muestra las

presiones, gravitaciones, influencias, fuerzas políticas, factores de poder,

etc, que pesan sobre el poder y repercuten en su ejercício, y pormenoriza

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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los derechos políticos de los ciudadanos" (cfr. "El Derecho Constitucional

del Poder" - Ediar - Buenos Aires - 1967 - Tomo I - ps. 17 e 18).

III — O Pacto Social e a Constituição

É no contexto dessa ampla discussão que deve ser encarado o

problema dos trabalhadores e dos sindicatos em face da nova ordem

constitucional. O já famoso pacto social, objeto de diversos

pronunciamentos do Presidente Tancredo Neves e das lideranças

políticas da Aliança Democrática, representa a investidura da Nova

República no trato da questão operária. Este pacto não pode ser

tomado como trégua. Não será solução transformá-lo em fórmula

passageira de compromissos recíprocos esgotáveis em tempo

certo. O pacto social para prosperar eficazmente terá de significar

uma transformação na estrutura do poder de maneira a equilibrar

corajosamente o peso das classes proprietárias com o peso das classes que

vivem de rendimentos fixos ou salários. E essa transformação deve

estar refletida na elaboração constitucional.

Em obra clássica, Charles A. Beard escreveu que não é fácil

conceber a constituição como um documento econômico pela forma com

que é disposta. Penetrar no seu âmago para conhecer as suas implicações

econômicas exige que se percorra a composição da constituinte, os seus

debates, as proposições feitas, assim as aprovadas como as rejeitadas, as

pressões e contrapressões exercidas, enfim, as fórmulas de compromisso

resultantes de todo o processo (cfr. "An Economic Interpretation of the

Constitution of the United States" — The Macmillan Company — New York

— 1913 — ps. 152 e ss.).

De fato, nos sistemas de constituição escrita, racional-

normativa, o texto constitucional não dá a transparência adequada para a

sua melhor compreensão como documento econômico. Freqüentemente, as

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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disposições que contém referem-se a princípios gerais que podem

permanecer longo tempo sem qualquer aplicação prática.

Desde as constituições mexicanas de 1917 e de Weimar de

1919, a tendência ocidental foi a de engordar a constituição com regras de

natureza social, aí incluídas necessariamente os direitos dos trabalhadores.

No caso brasileiro, a Constituição de 1934 representa um marco, ainda que

curta a sua vigência pelo advento da carta autoritária de 1937. A

Constituição de 1946 seguiu o padrão da 1934, sem, entretanto, conseguir

eficácia pela ausência de regulamentação ordinária adequada.

Nos Estados socialistas, a função social e a função ideológica da

Constituição oferecem uma nitidez irrecusável no que se refere ao essencial

conteúdo das constituições do ponto de vista econômico-social. STEFAN

ROZMARYN mostra que as constituições socialistas acolhem as instituições

fundamentais do regime socio-econômico e político, indicando as

seguintes: a) as instituições sócio-econômicas que decidem o tipo de

regime, enquanto regime socialista; b) as instituições políticas que decidem

o caráter de classe do poder do Estado, enquanto poder dos trabalhadores

e que regulamentam o modo de exercício deste poder; c) as instituições

que determinam a posição do cidadão na sociedade socialista (cfr. "La

Constitution, loi fondamentale de l'Etat Socialiste" - Lib. Gen. de Droit et

Jurisprudence - Paris - 1966 - ps. 82 e ss; meu ensaio "Introdução à

Evolução Constitucional da URSS" - in Cadernos da PUC - RJ - nº 2 - 1969 -

p. 26).

O conteúdo da constituição nos Estados socialistas apresenta,

assim, menos complicadores quando se trata de incluir as instituições

sociais e econômicas. Difícil é definir esse conteúdo em Estados como o

Brasil, que se apresentam com forma institucional capitalista, mas com

práticas estatizantes na regulamentação da vida econômica. Esse cenário é

ruim porque a estatização muita vez funciona mais como salvaguarda dos

interesses das classes proprietárias do que das classes trabalhadoras. E,

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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ainda, quando protege o trabalho assalariado o faz sob o molde

paternalista, herdeiro do cooperativismo fascista de Mussolini.

IV — O Papel do Estado

Nesse momento crítico de emergência do poder constituinte

originário, é imperativo discutir amplamente o perfil do Estado que se

deseja para o Brasil na virada do século e que deve figurar na nova ordem

constitucional.

A Nova República será consolidada se vingar a idéia do pacto

social refletido em políticas substantivas que melhorem o padrão de vida da

sociedade como um todo, e, particularmente, que apresentem resultados

concretos em favor dos estratos de baixa renda. Para isso é fundamental

que a constituição reflita uma presença do Estado capaz de enfrentar o

quadro agudo das desarmonias sociais hoje existentes.

O bem comum, entendido aqui como o conjunto de

circunstâncias concretas que permite a plena realização da natureza

essencial da pessoa humana na sociedade em que vive, é o fim do Estado.

E nesse sentido, como ensina a filosofia católica da política, o Estado não

se destina a proteger uma ordem formal, apenas preocupada com a justiça

comutativa, ideal dos primeiros passos do individualismo liberal. Heinrich

Rommen mostra que "a filosofia católica da política reconheceu estas

verdades: primeiramente que as fórmulas ou as doutrinas do

individualismo liberal concernentes ao puro direito constitucional

(Rechsstaat), à liberdade e à igualdade, para as massas proletárias, não

proprietárias, são fictícias, que essas fórmulas vêm a dar num domínio

contestável, por parte da classe proprietária, uma ilimitada avareza e

dureza de coração dos patrões, ficando os operários sem propriedades e

sem defesa (Leão XIII, Rerum Novarum, § 2º). E no campo social e

econômico, enquanto distinto do campo político, as relações entre finanças

e forças produtoras, entre empregadores e operários, tornam-se

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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necessariamente relações de força econômica, supra-ordenação e

subordinação. A divisão do trabalho, o predomínio da propriedade e dos

interesses financeiros numa sociedade capitalista e a existência de uma

grande multidão vivendo na base de contratos de trabalho a curto prazo e

sem propriedade, produz essas subordinações. Assim, as relações

ameaçam, de fato, tornarem-se relações mecânicas de domínio da

propriedade e das finanças sobre o trabalho e o comércio miúdo". O antigo

mestre da filosofia política na Universidade de Georgetown, em

Washington, prossegue a sua análise primorosa mostrando que a idéia do

"Estado Guarda Civil" impede o exercício do poder da justiça distributiva,

ou seja, a proteção necessária ao equilíbrio econômico da vida social. E

afirma que

no mundo econômico, regido efetivamente pela lei de juros do capital, essa concentração do poder econômico, não restringida pelas idéias da justiça distributiva, suscita amargos sentimentos de hostilidade. As classes dominadas começam a sentir que são escravas do salário; nos ruralistas e pequenos negociantes desenvolve-se uma viva animosidade contra a alta finança ou as finanças internacionais. Em lugar da suspirada sociedade de indivíduos livres e iguais, aparece uma sociedade classista, com interesses em forte oposição, onde a teoria socialista reclama, em nome da liberdade e da igualdade e expropriação dos expropriadores. Na base dos mesmos direitos de liberdade, o trabalho justamente reclama o direito de organização. Quanto mais viva a concentração econômica do capital, tanto mais há de crescer a força da organização do trabalho. A esperada sociedade de indivíduos livres e de harmonia social torna-se uma sociedade em que se levanta uma enorme coletividade de massas, organizadas em torno dos interesses do capital e do trabalho, agrícolas e industriais, por sua mesma natureza insistindo, de modo predominante, nas tendências antagônicas e não nas forças unitivas. E como os indivíduos são organizados de acordo com os seus interesses antagônicos, sem consideração direta de seus interesses comuns de cidadãos, não resulta harmonia social.

Para superar esse quadro de aberrações, Rommen propõe: "A

"vida virtuosa", e a "perfeição da ordem", implica para o Estado (isto é, a

autoridade política) na base justiça distributiva, direito e dever de intervir

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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na ordem econômica, assim como os cidadãos tem, pela justiça legal,

dever de contribuir para o Estado. Essa contribuição não é na base da

igualdade formal (justiça comutativa) mas na proporção de seus dons

pessoais e de suas posses econômicas. O bem comum é o terreno em que

repousa o direito e o dever que tem o Estado de intervir nas relações

econômicas e sociais, (cfr. "O Estado no Pensamento Católico" — tradução

das Monjas Beneditinas - Abadia de Sta. Maria - São Paulo - Ed. Paulinas -

1967 - ps. 328 e ss.).

Enfrentar corretamente as questões de liberdade e de igualdade

será a grande missão do constituinte dos oitenta. Em comunicação que

apresentei ao V Congresso Brasileiro do Direito Constitucional, realizado no

Rio de Janeiro, destaquei que se pensarmos na convocação de uma

Assembléia Nacional Constituinte, necessária e reclamada, nos mesmos

termos da tipologia racional-normativa, estaremos fadados a prolongar a

nossa convivência com a crise, a nossa cumplicidade com o

empobrecimento geral da sociedade, a nossa co-autoria no crime doloso de

deixar ao desabrigo do direito a maioria do povo brasileiro. Uma nova

constituição será ineficaz se vier apenas para chancelar o sistema de

poder, plantado em estruturas envelhecidas, corroídas pelas práticas mais

aviltantes da fisiologia política, do tráfico de influências, da expansão

gulosa do poder econômico, da inoperância da representação política. Uma

nova constituição será eficaz se considerar que é sua função regular os

direitos que o cidadão pode opor ao Estado.

Em síntese, a defesa de uma Assembléia Nacional Constituinte

nada tem com a teoria "austiniana" da autoridade legal, ou, para dizermos

com modernidade, com a consagração da autoridade para decidir pela

reconstrução de uma sociedade injusta (cfr. "Constituinte: a nova utopia

brasileira". Jornal do Brasil - Caderno Especial - 09-12-84 - p. 4).

V — A Proteção dos Trabalhadores

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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Para tornar efetivo esse papel do Estado, compatibilizar a

constituição com a realidade social e buscar a construção de uma sociedade

mais justa, a nova ordem constitucional não pode ficar no plano ideal das

declarações de direitos. Ele deve, obrigatoriamente, regular

adequadamente o chamado direito constitucional do trabalho.

Como ensina mestre Evaristo de Moraes Filho, o fundamento do

Direito do Trabalho, produto típico do século XIX, é promover o homem

que trabalha ao patamar de uma vida digna. "Materialistas e idealistas,

homens de direita, do centro ou da esquerda, afirma o festejado professor,

chegaremos todos, com maior ou menor calor, à mesma convicção: era

preciso elevar o trabalhador à sua condição de dignidade, inerente à

própria manifestação da pessoa humana". (cfr. "Introdução ao Direito do

Trabalho" - Forense - 1956 - Vol. I - p. 320) . No mesmo sentido, é a lição

de Mário de la Cueva:

Esperamos una sociedad construida sobre el inmutable princípio del respeto a la dignidad de la persona humana. No queremos, ni el Estado totalitário, ni el império del Capital. Deseamos el reino de la justicia, cuyas formulas nos parecen bastante sencillas: Una oportunidad social, igual para todos los hombres, que permita a cada ser humano realizar su destino; la exigencia de una conduta honesta, en la cual debe estar incluida la exigencia de un trabajo util a la sociedad, pero libre; y la seguridad, presente y futura, de una existência armonica com la dignidad de la persona humana. El derecho del trabajo y ésta es su unica defensa, aspira a realizar, en un régimen de propriedad privada, los tres principios enunciados (cfr. "Derecho Mexicano del Trabajo" - Porrua - 1966 - Tomo I - p. XIII).

É seguindo esse rastro que o constituinte dos oitenta deve

cumprir a sua missão nessa rica página da história republicana brasileira.

Além da manutenção da declaração de direitos sociais já incorporada à

tradição constitucional brasileira, quatro questões devem ser encaradas

com determinação para garantir aos trabalhadores brasileiros os seus

direitos a um existir conforme à sua natureza livre, racional e social:

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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liberdade de organização sindical; justa retribuição salarial; estímulo à

geração de empregos; legítimo direito de greve.

No âmbito deste artigo não cabe examinar em detalhes cada

uma das questões indicadas. Cabe, isso sim, deixar fora de qualquer

dúvida o fato de que a Constituição da Nova República não pode ficar no

plano das meras declarações de princípios. A marca do constituinte dos

oitenta será uma clara delimitação do direito constitucional do trabalho,

com regras que sejam auto-aplicáveis, independentes, assim, dos humores

ideológicos de cada legislatura.

Para que se tenha idéia do risco de deixar o direito

constitucional do trabalho no nível dos enunciados basta que sejam

tomados dois exemplos: a organização sindical e a participação dos

trabalhadores nos lucros das empresas.

A nossa organização sindical reflete toda a inspiração fascista

de sua criação. A pluralidade sindical e a sua completa autonomia, inscritas

no artigo 120 da Constituição de 1934, não tendo sido regulamentado

caíram no vazio. E a Carta vigente que faz referência no artigo 166 à

liberdade de associação sindical não teve qualquer eficácia porque a

regulamentação expedida manteve o sindicato ao reboque do Estado.

Como mostra o sempre citado Délio Maranhão, "a única alteração

realmente já verificada no sentido da democratização do nosso sistema de

organização sindical foi o reconhecimento do direito de greve e assim

mesmo, regulamentado por lei, (...), em termos tais, que tornam a

regulamentação legal praticamente incompatível com o próprio direito cujo

exercício foi disciplinado, maxime considerando-se a proibição

constitucional de greve nos serviços públicos e atividades essenciais (art.

162)" (cfr. "Direito do Trabalho" - Fundação Getúlio Vargas - 1972 - 2ª

ed., 2ª tiragem - ps. 299/300).

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

17

Como mostram Rivero e Savatier, do ponto de vista social, a

instituição essencial no campo das relações de trabalho é o sindicato (cfr.

"Droit du Travail" - Paris – 1956 - p. 45). O mais importante aspecto da

questão é a liberdade sindical. Não se pode pensar em sindicato livre

quando este é vinculado ao Estado, é coartado na sua autonomia, é

subordinado a exigências tão minuciosas que desqualificam a sua natureza

jurídica como associação de direito privado. Desde a lei de 1884, na

França, que o sindicato é considerado como uma associação privada,

ligada ao exercício de uma liberdade individual (cfr. Rivero e Savatier -

op. cit. - p. 49). O pluralismo da organização sindical, escoimado das

limitações impostas pela interferência do Estado, deve ser o objetivo

preponderante da nova ordem constitucional. É esse o único caminho

possível para fortalecer a organização dos trabalhadores, a sua

mobilização, para a defesa dos seus direitos.

A participação dos trabalhadores nos lucros das empresas foi a

grande novidade da Constituição de 1946 no que concerne à vida

econômica. Prevista no nº IV, do artigo 157, como "participação obrigatória

e direta nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei

determinar", permaneceu letra morta. Repetido o princípio em 1967, ficou

inscrito no nº V, do artigo 165, da Emenda nº 1, de 1969, como modo de

"integração na vida e no desenvolvimento da empresa", facultando-se,

excepcionalmente, também a participação na gestão. Igualmente não teve

qualquer eficácia. Sendo recomendação constitucional depende de lei

ordinária que até o presente não foi votada, ainda que existam projetos de

lei em andamento no Congresso Nacional.

O que o legislador constituinte deve enfrentar é a questão de

estabelecer regra self-executing, tornando, de logo, auto-aplicável o que

desde 1946 é apenas regra programática, não bastante em si. É claro que

não é fácil desvendar o melhor caminho em tema tão complexo, objeto de

estudos e congressos internacionais desde o século passado. Pontes de

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

18

Miranda explicitando as controvérsias e revelando os mais diversos ângulos

para o entendimento da idéia da participação dos trabalhadores nos lucros

das empresas, assinala que "a participação nos lucros não é impraticável;

nem seria saída para os legisladores ordinários, uma vez que a Constituição

a pôs por princípio, a alegação da sua impraticabilidade." E mais adiante:

"Certamente, na grande empresa, o que se tira para a participação nos

lucros é muito para a empresa e, distribuído por milhares de empregados,

pouco. Pouco, principalmente se atendermos a que, em todo o mundo, o

"aumento" dos salários, nos últimos trinta anos, é soma superior, de muito,

à soma dos dividendos distribuídos aos acionistas. Para os que reputam

sem solução a luta de classes, a argumentação contra a participação nos

lucros é fortificada pelo interesse maior do empregado no salário e nos

seus aumentos; porém, desde que se admita solução, não há como

considerar-se fora de cogitações, por impraticável, ou difícil, ou ilusória, a

participação dos empregados nos lucros. A atitude de proscrevê-la é,

técnica e e politicamente, evidentemente grave", (cfr. "Comentários à

Constituição de 1967 - Editora Revista dos Tribunais - 1968 - Tomo VI - p.

121).

O passo a ser dado nessa matéria pela constituição da Nova

República será importante se efetivamente mudar a natureza da regra

constitucional de programática para cogente.

A participação dos trabalhadores nos lucros das empresas deve

ser considerada no contexto da justa remuneração, ampliando-se, assim, o

conceito de salário-mínimo. Este já não é mais capaz de satisfazer,

conforme as condições de cada região, as necessidades normais dos

trabalhadores e as de suas famílias. A fome da inflação galopante destruiu

por completo a previsão constitucional. O salário-mínimo hoje é baldio

porque fora da realidade econômico-social. O avanço possível é no sentido

de vincular o salário com outras formas obrigatórias de remuneração,

dentre as quais a participação nos lucros.

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

19

Igualmente, o constituinte da Nova República deve ter presente

a necessidade de prescrever estímulos à geração de empregos por meio de

uma adequada política de incentivos às empresas para a absorção de mão-

de-obra.

Sob a Constituição de 1946, o parágrafo único do artigo 145,

prescrevia: "A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna.

O trabalho é obrigação social." Com o advento da Constituição de 1967, a

fórmula foi alterada, inscrevendo-se entre os princípios diretores da ordem

econômica e social, nos termos do artigo 160, a "valorização do trabalho

como condição da dignidade humana" (nº II) e a "expansão das

oportunidades de emprego produtivo" (nº VI). Houve retrocesso. Como

ensinou Nélio Reis, na luz da Constituição de 1946, "nenhuma outra

medida, a nosso ver, pode ser mais completa na luta contra os efeitos

danosos da desocupação que o da garantia de trabalho efetivo. Acima do

simples auxílio econômico, a preservação do exercício do trabalho assegura

os aspectos morais, intelectuais e técnicos que a paralisação (ainda que

assistido, o empregado, economicamente) põe em perigo. Compreende-se,

assim, que, ultrapassando os limites do direito especial Do trabalho, se

inscreve o princípio do direito Ao trabalho como dogma constitucional, e

dos aspectos contratuais entre empregados e empregadores se tenha

evoluído para o sentido nitidamente institucional do contrato de trabalho"

(cfr. "Problemas Sociológicos do Trabalho" - Liv. Freitas Bastos - 1964 - ps.

33 e 34). O princípio constitucional não deve ser apenas contido nas

vertentes de valorizar o trabalho como condição da dignidade humana e de

expandir as oportunidades de emprego produtivo. O princípio constitucional

deve ser o de considerar o trabalho como um direito da pessoa humana,

sendo obrigação social do Estado criar condições concretas para torná-lo

eficaz. Acredito que o Constituinte dos oitenta, adotando a fórmula da

Constituição de 1946, deve explicitar os instrumentos para a consecução

do princípio. E nesse sentido vale lembrar a classificação das medidas

possíveis, apresentada por Miguel Hernainz Marquez. Para o mestre

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

20

espanhol "puede hacerse una síntesis de las más usuales, distinguiendo a

tal efecto das preventivas, o sea las que van encaminadas a evitar que la

desocupación se produzva, y las reparadoras, cuyo sentido es buscar um

adecuado remedio a una situación de paro que ya se ha producido. Dentro

del primer grupo tal vez pueda hacerse distinción entre las que tienen una

eficacia directa y clara, de aquellas otras que solo de un modo

circunstancial o indirecto puedan lograrla" (cfr. "Tratado Elemental de

Derecho del Trabajo" - Inst. de Estudios Políticos - Madrid - 9ª ed. - 1964 -

p. 919). No plano constitucional interessa acolher as medidas preventivas.

E dentre estas deve ser considerada a alternativa de flexibilizar a carga

tributária das empresas em função do quadro de pessoal.

Inovação que o constituinte da Nova República deve agasalhar

é o seguro desemprego. Como mostra Evaristo de Moraes Filho, "em tese,

sob o aspecto doutrinário e do ideal de seguridade social, segundo os

próprios documentos internacionais - toda e qualquer pessoa, que viva do

seu trabalho, deveria ter direito à proteção contra o desemprego" (op. cit. -

p. 69). No caso brasileiro, essa forma especial de seguro facultará uma

garantia ao trabalhador nesse momento histórico de crescimento

econômico anômalo, flutuante, com repercussão intensa nos níveis de

absorção da mão-de-obra pelo mercado. O desemprego dos últimos anos,

ainda que apresentando taxas ligeiramente declinantes, ainda é

gravíssimo, impondo ao trabalhador o pesado ônus da ociosidade forçada

como permanente ameaça. Com o seguro desemprego ocorre dificuldade

semelhante àquela encontrada para estabelecer a forma própria para a

participação dos trabalhadores no lucro das empresas. A sua criação vai

exigir muita cautela, com a fixação de critérios rigorosos, para evitar

sangria na vida econômica. A dificuldade para criar o seguro desemprego,

como revela E. Perez Botija, não é tanto "por las deficiências o

imprecisiones del cáculo actuarial del riesgo, sino por la índole del mismo,

por la indeterminación jurídica de su contenido y, sobre todo, por el

enorme dispendio de fuerzas económicas que su adecuada organización

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

21

exige" (cfr. "Derecho del Trabajo" - Ed. Tecnos - Madrid - 6ª e. - p.

482/483).

Conseqüência dessa nova postura do Direito Constitucional do

Trabalho será a elaboração do Código do Trabalho, há tanto tempo

desejado. A nossa Consolidação já não reflete o tempo que estamos

vivendo. A sua substituição representará uma passagem para a mais

moderna regulamentação das relações de trabalho, conforme aos melhores

anelos de uma justiça social mais efetiva.

VI — Conclusão

A nova ordem constitucional deverá indicar a mudança na

direção do verdadeiro humanismo, do humanismo integral referido por

Jacques Maritain. É sob essa luz que o Direito Constitucional do Trabalho

pode produzir efeitos concretos, saindo do plano meramente programático.

É da responsabilidade desse ramo da ciência jurídica criar condições

concretas que facultem a realização do bem comum. Como ensinou João

XXIII, na Mater et Magistra, essas condições concretas significam "dar

trabalho ao maior número possível de empregados; evitar que se

constituam grupos privilegiados dentro do país e mesmo no próprio meio

dos trabalhadores; manter um nível de salários em harmonia com o custo

de vida; tornar acessível ao maior número possível de cidadãos os bens e

as vantagens de um nível cultural mais elevado; eliminar totalmente, ou

pelo menos conter dentro de certos limites, as desigualdades entre os

diversos setores da economia - agricultura, indústria e serviços; manter o

equilíbrio entre a expansão econômica e o desenvolvimento dos serviços

públicos, particularmente através da ação da autoridade pública; adaptar,

na medida do possível, as estruturas da produção aos progressos das

ciências e das técnicas; finalmente, fazer com que a elevação do nível de

vida já obtido não aproveite apenas a geração presente, mas também sirva

para assegurar o bem-estar das gerações futuras" (MM, 79).

Os Trabalhadores, Os Sindicatos e a Nova Ordem Constitucional

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O maior objetivo da mudança é fazer com que o Direito

Constitucional do Trabalho trate com regras cogentes, "self-executing", de

modo a assegurar aos trabalhadores os direitos necessários a um existir

digno. O Direito Constitucional do Trabalho será, dessa maneira,

instrumento para a construção de uma sociedade mais justa e mais feliz,

que permita a todos os homens e ao homem todo a plena realização de sua

natureza.