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10/28/13 Osesp na Filarmônica de Berlim: quando a música é o que importa | Música | DW.DE | 22.10.2013 www.dw.de/osesp-na-filarmônica-de-berlim-quando-a-música-é-o-que-importa/a-17177465 1/5 CULTURA Osesp na Filarmônica de Berlim: quando a música é o que importa Sinfônica de São Paulo e regente Marin Alsop conquistam um dos principais palcos de música na Europa, legendário por sua história e acústica. Ao piano, o mito Nelson Freire. Uma confirmação do poder da boa arte. Poucos minutos antes da apresentação da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo na sala da Filarmônica de Berlim, a regente Marin Alsop falava aos instrumentistas: "Não há por que ter medo. Vocês merecem estar aqui, vocês são músicos fantásticos. It's all about the music – O que importa é a música." São palavras de encorajamento e apreço como as de um amigo mais experiente e seguro, a outro momentaneamente necessitado de confirmação. Para os músicos, é a estreia na Philharmonie, enquanto a maestra já se apresentou naquele palco anos antes, à frente da Bournemouth Symphony Orchestra. O consenso entre Alsop, instrumentistas e organizadores da orquestra é que o concerto de segunda- feira (21/10) na disputada sala alemã, é um dos pontos altos da turnê pela Europa – que, em três semanas, passa por França, Suíça, Áustria, Alemanha, Irlanda, para encerrar-se em Manchester, Inglaterra, em 28 de outubro. Um ápice e, ao mesmo tempo, mais um passo significativo num projeto consequente, expressado pelos diretores Arthur Nestrovski e Marcelo Lopes: a médio prazo, estabelecer a Osesp como principal corpo sinfônico profissional da América Latina. Duas salas e a busca da acústica ideal Sozinho, o prestígio da própria sala já é um fator para a relevância especial do evento. A Berliner Philharmonie foi criada "para" o então titular da orquestra Filarmônica de Berlim, o visionário e autocrático maestro Herbert von Karajan – com base num projeto do arquiteto Hans Scharoun (1893- 1972). Desde então, é raro o astro da música erudita que não passou pelo palco, que completa 50 anos de existência em 2013. Indiscutivelmente revolucionária à época, a estética modernista do prédio – com seu exterior amarelo- escuro e um perfil que, de acordo com o ângulo, evoca um iate, um pagode oriental, uma tenda – é NOTÍCIAS / CULTURA E ESTILO

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CULTURA

Osesp na Filarmônica de Berlim: quando amúsica é o que importaSinfônica de São Paulo e regente Marin Alsop conquistam um dos principais palcos demúsica na Europa, legendário por sua história e acústica. Ao piano, o mito Nelson Freire.Uma confirmação do poder da boa arte.

Poucos minutos antes da apresentação da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo na sala daFilarmônica de Berlim, a regente Marin Alsop falava aos instrumentistas: "Não há por que ter medo.Vocês merecem estar aqui, vocês são músicos fantásticos. It's  all  about  the  music – O que importa é amúsica."

São palavras de encorajamento e apreço como as de um amigo mais experiente e seguro, a outromomentaneamente necessitado de confirmação. Para os músicos, é a estreia na Philharmonie,enquanto a maestra já se apresentou naquele palco anos antes, à frente da Bournemouth SymphonyOrchestra.

O consenso entre Alsop, instrumentistas e organizadores da orquestra é que o concerto de segunda-feira (21/10) na disputada sala alemã, é um dos pontos altos da turnê pela Europa – que, em trêssemanas, passa por França, Suíça, Áustria, Alemanha, Irlanda, para encerrar-se em Manchester,Inglaterra, em 28 de outubro.

Um ápice e, ao mesmo tempo, mais um passo significativo num projeto consequente, expressado pelosdiretores Arthur Nestrovski e Marcelo Lopes: a médio prazo, estabelecer a Osesp como principal corposinfônico profissional da América Latina.

Duas salas e a busca da acústica ideal

Sozinho, o prestígio da própria sala já é um fator para a relevância especial do evento. A BerlinerPhilharmonie foi criada "para" o então titular da orquestra Filarmônica de Berlim, o visionário eautocrático maestro Herbert von Karajan – com base num projeto do arquiteto Hans Scharoun (1893-1972). Desde então, é raro o astro da música erudita que não passou pelo palco, que completa 50 anosde existência em 2013.

Indiscutivelmente revolucionária à época, a estética modernista do prédio – com seu exterior amarelo-escuro e um perfil que, de acordo com o ângulo, evoca um iate, um pagode oriental, uma tenda – é

NOTÍCIAS  /  CULTURA  E  ESTILO

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controvertida, tendo lhe valido apelidos como "Circo Karajani". Por outro lado, a acústica da sala de

concertos é objeto de louvor unânime de artistas e público: a partir de quase qualquer ponto nela,

mesmo para o espectador sentado atrás do palco, a clareza e presença sonora são praticamente

palpáveis.

Acústica é um assunto que ocupa a Osesp no momento, como seu gerente, Joel Galmacci, revelou à

DW. A sonoridade do local de apresentações da orquestra, a Sala São Paulo, já é considerada

excelente, sendo comparada aos tradicionais Musikverein de Viena e Concertgebouw de Amsterdã, por

exemplo. No entanto, o projeto paulistano, que inclui diversos elementos acústicos móveis, lança o

desafio de encontrar a configuração "ideal", que contribua ao máximo para o resultado artístico final.

Esse processo de pesquisa é complexo e delicado – até por se apoiar numa boa dose de subjetividade

–, tendo envolvido ensaios de orquestra com três horas de duração, só para afinação acústica. No

entanto, já no fim da primeira parte do concerto em Berlim, Galmacci anunciava: "Depois de escutar a

Osesp aqui, nós temos um parâmetro de qualidade, é um modelo a se perseguir".

Sistema de anteparos acústicos garante som envolvente na Filarmônica de Berlim

Música de câmara em massa

Não é raro a relação entre regente e músicos de orquestra ser pautada no autoritarismo, hostilidade

recíproca e chicanas, com berros de uns, lágrimas de outros. O fenômeno está registrado em inúmeras

piadas e ditos tão chistosos quanto implacáveis. Uma amostra: "Para que serve um maestro? – Para

resolver os problemas que, sem a presença dele, não existiriam."

Entretanto, presenciar um ensaio ou concerto da Sinfônica de São Paulo com Marin Alsop prova que

também é possível reverter essa dinâmica, tomar como ponto de partida a confiança e respeito

mútuos. É o convite "vamos fazer isso juntos", no lugar do sinistro "agora eu vou obrigar vocês a

fazerem o que eu quero".

Traduzindo em termos musicais: a impressão é de uma civilizada, porém intensa, sessão de música de

câmara, um jogo entre parceiros equivalentes, que se escutam mutuamente. Sem disputa de egos; nível

de estresse emocional, zero. E isso, numa profissão altamente competitiva e que exige excelência

absoluta. Aqui, "it's  all  about  the  music".

Neste sentido, é, de fato, difícil imaginar um parceiro mais perfeito para o "trio" do que Nelson Freire,

que acompanhou a Osesp em quase toda a turnê europeia. Mal se nota, ele já está ao piano,

concentração pura, ensaiando para si, alheio à algaravia orquestral em torno.

Guerreiro minimalista

A presença física do pianista irradia dignidade e parcimônia. Nada indica a carga de distinções e

adulações com que o mundo da música erudita o cumula. Freire não desperdiça palavras:

praticamente toda comunicação com a regente se dá através da música: Alsop pede, ele responde em

sons. Se verbaliza algo, só a interlocutora percebe, tão monossilábicas e raras são as suas intervenções.

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Marin Alsop e Nelson Freire, ao piano: escutar o outro, o princípio da boa música de câmara

E no entanto, diante do público, esse homem, que três dias antes completara 69 anos, domina como

um guerreiro o Concerto  para  piano  e  orquestra  nº  4, de Ludwig van Beethoven. Com força

minimalista, não existe extremo de lirismo ou de violência que o mineiro de Boa Esperança não

alcance sem mover um músculo a mais, sem mudar a expressão. E Alsop-Osesp o secundam com

placidez clássica ou furor beethoveniano, segundo as circunstâncias.

Apesar das décadas de fama de Nelson Freire, não seria de espantar se boa parte do público

internacional reunido na Filarmônica o estivesse assistindo pela primeira vez. Afinal, a porcentagem

de jovens espectadores era grande, e os tempos tendem a consagrar o show e o exibicionismo

pianístico – na linha do chinês Lang Lang, para citar um exemplo.

Então, se a plateia não conhecia o pianista, tão mais sincero e grato foi o longo aplauso ao fim do

Concerto  op.  58. Reconhecimento que – encerrando a primeira parte do programa – o versátil

virtuose quitou com dois bis surpreendentes, ambos transcrições de obras do século 18: uma para

órgão – o Prelúdio  em  sol  menor  BWV  535, de Johann Sebastian Bach –, outra para flauta e cordas –

a Dança  dos  Espíritos  Abençoados, da ópera Orfeu  e  Eurídice, de Christoph Willibald Gluck.

Pompa sem obviedade

Antes, a abertura da noite coubera a Terra  Brasilis, de Clarice Assad. Essa "fantasia sobre o HinoNacional  Brasileiro" acompanha a dupla Osesp-Alsop desde o primeiro concerto da norte-americana

como diretora musical da orquestra, em março de 2012.

Em seus sete minutos de duração, a peça estabelece a compositora carioca como uma orquestradora

inspirada e segura de si. A partir de um "caos primordial" (evocativo da mata tropical virgem?), ela faz

emergir fragmentos da melodia de Francisco Manuel da Silva, aí as células vão se aglutinando,

transformando-se em frases; ritmos populares despontam.

Cresce o temor no ouvinte mais crítico do nacionalismo compulsivo de parte da música moderna

brasileira: será que a coisa vai – mais uma vez – acabar em samba? Ou numa apoteose patriótica?

Alarme falso: aqui, Assad se revela também uma estrategista musical hábil: ela dá o esperado final

bombástico a seu mini-poema sinfônico, mas sabendo contornar a gratuidade.

Profecia realizada

A verdadeira apoteose da noite veio na forma da Sinfonia  nº  5 de Serguei Prokofiev (1891-1953), que

ocupou toda a segunda metade do programa. A vasta obra em quatro movimentos – já lançada pela

gravadora Naxos em CD e bluray-audio – oferecia ao "duo" a oportunidade de explorar suas reservas

mais extremas de expressão e sonoridade, e a chance não foi desperdiçada.

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Data  22.10.2013

Autoria  Augusto  Valente

Edição  Rafael  Plaisant

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Vitória da qualidade artística na capital alemã

Da filigrana sonora ao tutti ensurdecedor, do primeiro uníssono dos sopros ao moto perpétuo maníaco

do movimento final, do lamento patético aos fogos-de-artifício, a Osesp provou que seu lugar é, desde

já, entre as excelentes orquestras internacionais – sem nem precisar lançar mão do "bônus de sul-

americana".

Mais uma vez, o público não poupou entusiasmo e, ao que tudo indica, se os músicos vindos de São

Paulo convenceram, foi mesmo por suas qualidades. Afinal, frequência brasileira à parte, era

aparentemente elevada a incidência de espectadores que tinham ido parar no concerto sem nenhuma

expectativa definida.

Este era o caso de dois rapazes e uma moça argentinos, que só queriam conhecer a sala da

Filarmônica. Ou das quatro jovens sul-coreanas, de passagem por Berlim, que tinham ouvido que a

regente americana era "muito boa". Um casal alemão mais maduro, por sua vez, ganhara os ingressos

de uma amiga.

Ao fim, todos se diziam felizes com aquele presente do acaso, prometendo, a partir de agora, não

perder uma oportunidade de rever a orquestra de São Paulo, onde quer que estejam. Uma vitória da

arte pura e simples, e prova de que Marin Alsop não se enganara em sua profecia: "O que importa é a

música."

DW.DE

Osesp, uma orquestra brasileira no circuito internacional

Expoente nacional, Sinfônica de SP está a caminho de se afirmar como "principal orquestra da América Latina".

Uma estratégia é atrair para seus quadros os melhores músicos do mundo – sem negligenciar a prata da casa.

(04.09.2012)

"Um regente é capaz de transformar vidas", diz maestra titular da Osesp

Após um semestre juntas, Marin Alsop e Sinfônica de São Paulo fizeram sua primeira turnê internacional. Em

entrevista à DW, em Rheingau, a norte-americana fala de música brasileira, preconceitos e pioneirismo.

(26.08.2012)

Vladimir Ashkenazy: close-up do mito

Para o pianista e regente nascido na Rússia, questões de personalidade são secundárias na arte. Considerado um

dos maiores intérpretes de música erudita nos séculos 20 e 21, ele se vê como artesão a serviço da música.

(06.07.2012)

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