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9 CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001 Vidros Introdução O s materiais vítreos têm uma característica extremamente interessante: seja qual for a nossa necessidade, quase sempre te- mos a possibilidade de vir a utilizá-los nos mais diferentes contextos. Basta, para isto, olharmos ao nosso redor para verificarmos quão grande é a sua onipresença. Certamente, e até por isso, muitas vezes os vidros passam completamente desapercebidos, uma vez que, naturalmente, fazem parte da paisagem. Muito desta situação vem do fato de que os vidros são materiais conhe- cidos há bastante tempo. Alguns estu- diosos chegam mesmo a dizer que, provavelmente, estão entre os mate- riais mais antigos feitos pelo homem, sendo utilizados desde o início dos primeiros registros históricos. Assim, é praticamente impossível falarmos de tais materiais sem fazermos menção à própria História da Civilização. Apesar desta convivência, desta familiaridade, o que realmente sabe- mos sobre os vidros? Responder ape- nas que são materiais frágeis e que, em alguns casos, são transparentes, não nos parece oferecer a dimensão Oswaldo Luiz Alves, Iara de Fátima Gimenez e Italo Odone Mazali Neste trabalho buscou-se abordar os aspectos históricos do desenvolvimento dos vidros enquanto materiais presentes no cotidiano, nas artes e na tecnologia. Adicionalmente, procurou-se desmistificar a definição clássica de vidros, na direção de abranger todos os exemplos conhecidos. Na seqüência, examinou-se brevemente os aspectos teóricos da formação de vidros pelo método clássico de fusão/resfriamento. Finalmente, abordou-se a preparação de vidros, do ponto de vista prático, suas aplicações modernas e, merecendo grande destaque atual, a questão ligada à reciclagem. evolução dos vidros, teoria da formação de vidros, aplicações de vidros, reciclagem de vidros verdadeira de sua importância na so- ciedade moderna. Este artigo visa expandir os conhe- cimentos sobre estes fantásticos mate- riais, ao mesmo tempo tão antigos e tão modernos, procurando con- textualizá-los den- tro da história, da ciência e da tec- nologia relacio- nadas à sua fabri- cação, aplicações e implicações, sejam elas do cotidiano, da alta tecnologia ou da reciclagem. A arte de fazer vidro Tempos antigos: da Idade da Pedra à Renascença Os vidros nem sempre foram fabri- cados pelo homem. Os chamados vi- dros naturais podem ser formados quando alguns tipos de rochas são fundidas a elevadas temperaturas e, em seguida, solidificadas rapida- mente. Tal situação pode, por exemplo, ocorrer nas erupções vulcânicas. Os vidros naturais assim formados, deno- minados obsidian e tektites, permitiram aos humanos na Idade da Pedra con- feccionar ferramentas de corte para uso doméstico e para sua defesa. As características destes vidros naturais fizeram com que logo alcan- çassem alto valor ao lon- go da história, a ponto dos egípcios os considerarem como material precioso, sendo encontrados em adornos nas tumbas e en- gastados nas máscaras mortuárias de ouro dos antigos Faraós. Como ocorre com grande parte dos materiais ditos anti- gos, o descobrimento de sua fabrica- ção é, geralmente, incerto. Plínio, o grande naturalista romano, nascido no ano 23 de nossa era, em sua enciclopédia Naturalis Historia atribui aos fenícios a obtenção dos vidros. Segundo o relato, ao desem- barcarem nas costas da Síria há cerca de 7000 anos a.C., os fenícios improvi- saram fogões usando blocos de salitre sobre a areia. Observaram que, passa- do algum tempo de fogo vivo, escorria uma substância líquida e brilhante que se solidificava rapidamente. Admite-se que os fenícios dedicaram muito tem- po à reprodução daquele fenômeno, chegando à obtenção de materiais Vidros naturais (obsidian e tektites) podem ser formados quando alguns tipos de rochas são fundidas a elevadas temperaturas, como ocorre em erupções vulcânicas, por exemplo

Oswaldo Luiz Alves, Iara de Fátima Gimenez e Italo Odone Mazali · 2021. 2. 15. · Adicionalmente, procurou-se desmistificar a definição clássica de vidros, na direção de abranger

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    CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001Vidros

    Introdução

    Os materiais vítreos têm umacaracterística extremamenteinteressante: seja qual for anossa necessidade, quase sempre te-mos a possibilidade de vir a utilizá-losnos mais diferentes contextos. Basta,para isto, olharmos ao nosso redorpara verificarmos quão grande é a suaonipresença. Certamente, e até porisso, muitas vezes os vidros passamcompletamente desapercebidos, umavez que, naturalmente, fazem parte dapaisagem.

    Muito desta situação vem do fatode que os vidros são materiais conhe-cidos há bastante tempo. Alguns estu-diosos chegam mesmo a dizer que,provavelmente, estão entre os mate-riais mais antigos feitos pelo homem,sendo utilizados desde o início dosprimeiros registros históricos. Assim, épraticamente impossível falarmos detais materiais sem fazermos mençãoà própria História da Civilização.

    Apesar desta convivência, destafamiliaridade, o que realmente sabe-mos sobre os vidros? Responder ape-nas que são materiais frágeis e que,em alguns casos, são transparentes,não nos parece oferecer a dimensão

    Oswaldo Luiz Alves, Iara de Fátima Gimenez e Italo Odone Mazali

    Neste trabalho buscou-se abordar os aspectos históricos do desenvolvimento dos vidros enquanto materiais presentesno cotidiano, nas artes e na tecnologia. Adicionalmente, procurou-se desmistificar a definição clássica de vidros, na direçãode abranger todos os exemplos conhecidos. Na seqüência, examinou-se brevemente os aspectos teóricos da formaçãode vidros pelo método clássico de fusão/resfriamento. Finalmente, abordou-se a preparação de vidros, do ponto de vistaprático, suas aplicações modernas e, merecendo grande destaque atual, a questão ligada à reciclagem.

    evolução dos vidros, teoria da formação de vidros, aplicações de vidros, reciclagem de vidros

    verdadeira de sua importância na so-ciedade moderna.

    Este artigo visa expandir os conhe-cimentos sobre estes fantásticos mate-riais, ao mesmotempo tão antigose tão modernos,procurando con-textualizá-los den-tro da história, daciência e da tec-nologia relacio-nadas à sua fabri-cação, aplicaçõese implicações, sejam elas do cotidiano,da alta tecnologia ou da reciclagem.

    A arte de fazer vidro

    Tempos antigos: da Idade da Pedra àRenascença

    Os vidros nem sempre foram fabri-cados pelo homem. Os chamados vi-dros naturais podem ser formadosquando alguns tipos de rochas sãofundidas a elevadas temperaturas e,em seguida, solidificadas rapida-mente. Tal situação pode, por exemplo,ocorrer nas erupções vulcânicas. Osvidros naturais assim formados, deno-minados obsidian e tektites, permitiramaos humanos na Idade da Pedra con-

    feccionar ferramentas de corte parauso doméstico e para sua defesa.

    As características destes vidrosnaturais fizeram com que logo alcan-

    çassem alto valor ao lon-go da história, a ponto dosegípcios os consideraremcomo material precioso,sendo encontrados emadornos nas tumbas e en-gastados nas máscarasmortuárias de ouro dosantigos Faraós.

    Como ocorre comgrande parte dos materiais ditos anti-gos, o descobrimento de sua fabrica-ção é, geralmente, incerto.

    Plínio, o grande naturalista romano,nascido no ano 23 de nossa era, emsua enciclopédia Naturalis Historiaatribui aos fenícios a obtenção dosvidros. Segundo o relato, ao desem-barcarem nas costas da Síria há cercade 7000 anos a.C., os fenícios improvi-saram fogões usando blocos de salitresobre a areia. Observaram que, passa-do algum tempo de fogo vivo, escorriauma substância líquida e brilhante quese solidificava rapidamente. Admite-seque os fenícios dedicaram muito tem-po à reprodução daquele fenômeno,chegando à obtenção de materiais

    Vidros naturais (obsidian etektites) podem ser

    formados quando algunstipos de rochas sãofundidas a elevadas

    temperaturas, como ocorreem erupções vulcânicas,

    por exemplo

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    CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001Vidros

    utilizáveis. Shelby, em seu livro Intro-duction to Glass Science and Techno-logy (Introdução à Ciência e Tecnologiado Vidro), oferece-nos um cenário su-gerindo que a combinação de salmarinho (NaCl), e talvez ossos (CaO),presentes nos pedaços de madeirautilizados para fazer fogo sobre a areia(SiO2), na beira da água salgada domar (o Mediterrâneo?), reduziria sufi-cientemente o seu ponto de fusão, detal modo que vidro bruto, de baixa qua-lidade, poderia ser formado. Posterior-mente, a arte vidreira teria sido difun-dida através do Egito e Mesopotâmia,sendo desenvolvida e consolidada emtodos os continentes.

    E o vidro segue seu caminho atra-vés da civilização. A ação do homem,agora, faz-se sentir O casamento entrecerâmica e vidro data já do Egito antigo,dado que, quando as cerâmicas eramqueimadas, a presença acidental deareias ricas em cálcio e ferro, combi-nadas com carbonato de sódio, poderiater sido o resultado dascoberturas vitrificadas,observadas nas peçasdaquela época. Sãotambém do Egito anti-go a arte de fazer vi-dros (isentos de cerâ-mica) e a adição decompostos de cobre ecobalto para originaras tonalidades azula-das.

    Um desenvolvi-mento fundamentalna arte de fazer objetos de vidro deu-se por volta do ano 200 a.C., quandoartesãos sírios da região da Babilôniae Sidon desenvolveram a técnica desopragem Através desta, um tubo deferro de aproximadamente 100 a150 cm de comprimento, com umaabertura de 1 cm de diâmetro, permitiaao vidreiro introduzi-lo no forno conten-do a massa de vidro fundida, e retiraruma certa quantidade que, sopradapela extremidade contrária, davaorigem a uma peça oca. Data destaépoca, também, a utilização de moldesde madeira para a produção de peçasde vidro padronizadas. Os primeirosvidros incolores, entretanto, só foramobtidos por volta de 100 d.C., em Ale-xandria, graças à introdução de óxido

    de manganês nas com-posições e de melho-ramentos importantesnos fornos, como a pro-dução de altas tempera-turas e o controle daatmosfera de combustão,os quais tiveram marcadainfluência sobre a quali-dade dos vidros e permi-tiram uma fusão mais efi-ciente dos materiaisconstituintes.

    Desde o princípio, osvidros fabricados tiveramum caráter utilitário, per-mitindo a construção deânforas, vasos, utensíliospara decoração etc. En-tretanto, a idade do luxodo vidro foi o período doImpério Romano. A quali-dade e o refinamento daarte de trabalhar com vidro permitiamcriar jóias e imitações perfeitas de

    pedras preciosas.Recorremos à Tabe-

    la 1 para continuarmoscontanto esta história,resumindo alguns as-pectos apresentados eavançando outros; taisinformações permitem-nos fazer alguns co-mentários adicionaissobre os vitrais. Tratam-se, em realidade, de pe-quenos pedaços de vi-dro polido, de até 15 cm

    de diâmetro, rejuntados com tiras dechumbo e fixados nas construções for-mando janelas. O período de ouro des-ta técnica deu-se no século XV. Cate-drais, igrejas, palácios, átrios e residên-cias tinham janelas decoradas comvitrais. Na Figura 1 é mostrado um dosmagníficos vitrais que ornamentam aCatedral de Chartres, na França. Al-guns historiadores consideram que aexpansão e difusão dos vitrais tenhasido conseqüência direta das altas ja-nelas utilizadas na arquitetura das ca-tedrais góticas.

    Ao nos confrontarmos com a histó-ria dos vidros, fica clara a importância

    Tabela 1: Períodos e regiões onde foram desenvolvidas importantes inovações na artevidreira antiga.

    Período Região Desenvolvimento

    8000 a.C. Síria(?) Primeira fabricação de vidros pelos fenícios

    7000 a.C. Egito Fabricação dos vidros antigos

    3000 a.C. Egito Fabricação de peças de joalheria e vasos

    1000 a.C. Mediterrâneo Fabricação de grandes vasos e bolas

    669-626 a.C. Assíria Formulações de vidro encontradas nas tábuas dabiblioteca do Rei Assurbanipal

    100 Alexandria Fabricação de vidro incolor

    200 Babilônia e Sidon Técnica de sopragem de vidro

    1000-1100 Alemanha, França Técnica de obtenção de vitrais

    1200 Alemanha Fabricação de peças de vidro plano com um dos ladoscobertos por uma camada de chumbo - antimônio:espelhos

    1688 França Fabricação de espelhos com grandes superfícies

    Figura 1: Vitral Oeste. Catedral de Chartres (França). Afigura representa a genealogia de Cristo.

    Os primeiros vidrosincolores foram obtidos

    por volta de 100 d.C., emAlexandria, graças à

    introdução de óxido demanganês nas composiçõese de melhoramentos nosfornos, como a produçãode altas temperaturas e ocontrole da atmosfera de

    combustão

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    CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001Vidros

    dos povos que habitavam o Mediter-râneo e o Adriático. Neste particular,Veneza teve papel fundamental, sobre-tudo na Idade Média, por contar comum grande número vidreiros, fortemen-te influenciados pela arte islâmica. NaRenascença, mais especificamente noséculo XVII, houve um declínio da artede fazer vidros atribuído, em parte, aoaparecimento das técnicas de corte.Muitos dos artesãos venezianos daépoca expatriaram-se para a Alema-nha, radicando-se nas florestas da Ba-vária e da Bohemia. Tais artesãospassaram a produzir um vidro de coresverdeada que, depois de polido,recebia o nome de vidro florestal ouvidro da floresta, do alemão Waldglas.Na Figura 2 é mostrado um dos fornosonde estes vidros eram fabricados, po-dendo, inclusive, ser observadas algu-mas ferramentas.

    A arte da fabricação de vidros foiresumida em 1612 por Neri, em umafamosa publicação denominada L’ArteVetraria, traduzida para o latim e outraslínguas vernaculares. Não obstante

    este livro conter informações úteis,comenta Michael Cable, não passavade um “livro de receitas”, onde asbases do entendimento da ciência dovidro só poderiam surgir se acompa-nhadas de um melhor entendimento daquímica e da física. Desenvolvimentosda química eram necessários para per-mitir a análise tanto dos vidros quantodas matérias-primas, e ainda o enten-dimento das diferenças entre os ele-mentos, tais como o sódio e potássioou cálcio e magnésio. Desenvolvimen-tos da física, por outro lado, eramnecessários para o entendimento doque era o calor, por alguns intuído co-mo uma forma de elemento químico.A esta altura, tanto o fundido resultante

    como a solidificação e a formação dosvidros não eram entendidos.

    Tempos Modernos: da Renascença àatualidade

    Os séculos XVIII, XIX e XX marca-ram importantes desenvolvimentostanto na fabricação quanto na aplica-ção dos vidros, os quais, por que nãodizer, experimentaram a sua populari-zação enquanto material de produçãointensiva. Seria difícil e demandariamuito espaço a descrição destes avan-ços. Por conseguinte, recorreremos àTabela 2, onde apresentamos aquelesque, ao nosso juízo, constituem-se nospontos de destaque destes últimos 300anos.

    Figura 2: Ilustração de um forno para a fa-bricação de vidro segundo a GeorgiusAgricola’s De Re Metallica (1556); (a) tubosoprador de vidro; (b) janela pequena mó-vel; (c) janela por onde era retirado o vidro;(d) pinça e (e) moldes através dos quaisas formas das peças eram produzidas.

    Tabela 2: Principais estudos e desenvolvimentos dos vidros nos últimos 300 anos.

    Data Estudos e Desenvolvimentos

    1765 Início da produção do vidro cristal1787 Utilização de aparelhos de vidro para o estudo das propriedades físicas dos

    gases: Lei de Boyle e Charles1800 Revolução industrial abre nova era na fabricação de vidros. Matérias-primas

    sintéticas são usadas pela primeira vez. Vidros com propriedades controladassão disponíveis

    1840 Siemens desenvolve o forno do tipo tanque, para a produção de vidro emgrande escala; produção de recipientes e vidro plano

    1863 Processo “Solvay” reduz dramaticamente o preço da principal matéria-primapara fabricação de vidros: óxido de sódio

    1875 Vidros especiais são desenvolvidos na Alemanha por Abbe, Schott e CarlZeiss. A Universidade de Jena, na Alemanha, torna-se o maior centro deciência e engenharia do vidro. A química do vidro está em sua infância

    1876 Bauch & Lomb Optical Company é fundada em Rochester, Nova York. Teminício a fabricação de lentes e outros componentes ópticos

    1881 Primeiros estudos sobre propriedade-composição de vidros para a construçãode instrumentos ópticos, tais como o microscópio

    1886 Desenvolvida por Ashley a primeira máquina para soprar vidro1915 A Universidade de Sheffield, na Inglaterra, funda o Departamento. de

    Tecnologia do Vidro, hoje chamado Centro para a Pesquisa do Vidro1920 Griggith propõe a teoria que permite compreender a resistência dos bulbos

    de vidro, o que levou ao entendimento e aperfeiçoamento da resistência dosvidros

    1926 Wood e Gray desenvolveram uma máquina que permitiu a fabricação debulbos e invólucros de vidro em grande escala (1000 peças/minuto)

    1932 Zachariasen publica seu famoso trabalho sobre a hipótese da rede aleatóriae as regras para a formação de vidros no Journal of American Chemical Society

    1950-1960 A companhia americana Ford Motor Co. funda o principal centro de pesquisaem vidro. A Ciência do Vidro torna-se sua maior área de pesquisa

    1960 Turnbull e Cohen propõem modelo para a formação de vidros, baseado nocontrole da cristalização através da taxa de resfriamento

    1970 A Corning Glass americana produz a primeira fibra óptica de sílica, usandotécnicas de deposição de vapor químico para reduzir a atenuação e aumentaro sinal da transmissão

    1984 Marcel e Michel Poulain e Jacques Lucas descobrem os primeiros vidrosfluoretos em Rennes, na França

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    CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001Vidros

    Atualmente as pesquisas estãoconcentradas nos vidros à base deóxidos utilizando processos tradicio-nais de fusão. Nos últimos 20 anos fo-ram desenvolvidos novos processosde fabricação de vidros, como o pro-cesso sol-gel (totalmente químico emque não se usa a fusão) e os pro-cessos baseados na deposição quí-mica de vapor. No que diz respeito àsoutras famílias de vidros que não osóxidos, têm sido objeto de estudo osvidros haletos, calcogenetos e calco-haletos.

    Como são definidos os vidros?Do ponto de vista básico, os primei-

    ros estudos sobre vidros foram reali-zados por Michael Faraday, em 1830,o qual definiu vidros como sendo mate-riais “mais aparentados a uma soluçãode diferentes substâncias do que umcomposto em si”.

    Inicialmente, as definições de vidrobasearam-se no conceito de visco-sidade de sólidos, ten-do em vista que, atéentão, os vidros erampreparados unicamen-te por fusão/ resfria-mento. Segundo o cri-tério de viscosidade,um sólido é um mate-rial rígido, que não es-coa quando subme-tido a forças modera-das. Quantitativamen-te, um sólido pode serdefinido como um ma-terial com viscosidade maior do que1015 P (poises). Com base nesseconceito, definiu-se vidro como “ummaterial formado pelo resfriamento doestado líquido normal (ou fundido), oqual exibe mudanças contínuas emqualquer temperatura, tornando-semais ou menos rígido através de umprogressivo aumento da viscosidade,acompanhado da redução da tempe-ratura do fundido”. Tal definição po-deria ser assim resumida: “vidro é umproduto inorgânico fundido, que atingepor resfriamento uma condição rígida,sem que ocorra cristalização.”

    Na tentativa de explicar a estruturados vidros, Lebedev propôs, em 1921,a Hipótese do Cristalito, a qual consi-derava os vidros como “um fundido

    comum consistindo de cristais alta-mente dispersos”. A hipótese deLebedev levava em conta a inter-rela-ção entre as propriedades e a estruturainterna dos vidros, sendo propostamuito antes dos primeiros resultadosprovenientes dos métodos estruturaisbaseados na difração de raios-X. Hojeem dia ninguém considera a Hipótesedo Cristalito para explicar a estruturados vidros; contudo, a mesma foi dis-cutida e amplamente considerada porvários anos.

    Em 1932, Zachariasen publicou ofamoso artigo The Atomic Arrangementin Glass (O Arranjo Atômico em Vidros),e afirmava que “deve ser francamenteadmitido que não conhecemos prati-camente nada sobre o arranjo atômicodos vidros”.

    A base estrutural para a formaçãode vidros por fusão/resfriamento foi fir-mada por Zachariasen, que propôsque “o arranjo atômico em vidros eracaracterizado por uma rede tridimen-

    sional estendida, aqual apresentava au-sência de simetria eperiodicidade” e que“as forças interatô-micas eram compará-veis àquelas do cristalcorrespondente”. Ain-da segundo o pesqui-sador, a presença ouausência de periodi-cidade e simetria emuma rede tridimensio-nal seria o fator de

    diferenciação entre um cristal e umvidro.

    A Figura 3a se vale de uma repre-sentação bidimensional para apre-sentar o arranjo cristalino simétrico eperiódico de um cristal de composiçãoA2O3, enquanto a Figura 3b mostra arede do vidro para o mesmo composto,onde fica caracterizada a ausência desimetria e periodicidade.

    Englobando-se a Hipótese da RedeAleatória de Zachariasen ao conceitode vidro aceito na época da publicaçãodo trabalho, poderíamos chegar àseguinte definição: “vidro é um produtoinorgânico fundido, baseado princi-palmente em sílica, o qual foi resfriadopara uma condição rígida sem cristali-zação, formando uma rede tridimen-

    sional estendida aleatória, isto é, comausência de simetria e periodicidade”.

    Relativamente a esta última defini-ção, poderíamos fazer algumas impor-tantes indagações, cujas respostassurgiram com o próprio processo deevolução do conhecimento científico:

    • A sílica é um componente neces-sário para a formação de um vidro?

    • Vidros são obtidos somente a par-tir de compostos inorgânicos?

    • A fusão dos componentes é ne-cessária para a formação de um vidro?

    Para as três perguntas, temos uma

    Figura 3: Representação bidimensional: (a)do arranjo cristalino simétrico e periódicode um cristal de composição A2O3; (b)representação da rede do vidro do mesmocomposto, na qual fica caracterizada aausência de simetria e periodicidade.

    A

    B

    Por definição, “vidro é umsólido amorfo com ausên-cia completa de ordem alongo alcance e periodi-cidade, exibindo uma

    região de transição vítrea.Qualquer material, inor-

    gânico, orgânico ou metal,formando por qualquertécnica, que exibe umfenômeno de transição

    vítrea é um vidro”

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    CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001Vidros

    única resposta: não!Podemos formar uma número qua-

    se ilimitado de vidros inorgânicos, osquais não contêm sílica. Tradicional-mente, a maioria dos vidros são forma-dos por compostos inorgânicos, po-rém, atualmente, os vidros metálicose os vidros orgânicos são bastante co-nhecidos. É importante salientar que anatureza química do material não podeser usada como critério para definir vi-dro. Na Tabela 3 é apresentada, a títulode exemplo, uma relação de compos-tos que podem ser obtidos no estadovítreo, pelo processo de fusão/resfria-mento.

    Como comentamos de passagem,os vidros podem ser formados por umgrande número de processos: deposi-ção química de vapor, pirólise, irradia-ção de nêutrons e processo sol-gel,entre outros. O vidro silicato de sódio,por exemplo, pode ser obtido por eva-poração de uma solução aquosa desilicato de sódio (conhecido como “vi-dro líquido”) seguida, posteriormente,de tratamento térmico (eliminação daágua residual). O mais interessantedesta situação é que o produto obtidopor este processo é indistinguível dovidro silicato de sódio, de mesma com-posição, produzido pelo método clás-sico de fusão/resfriamento.

    As respostas dadas a estas indaga-

    ções deixaram clara a necessidade dese adequar continuamente a definiçãode vidros. Assim, novas e diferentesdefinições têm surgido nos livros-textoe na literatura científica. A Tabela 4 traz,de maneira resumida, algumas dasdefinições utilizadas.

    Nas definições modernas de vidroidentificamos o uso freqüente dasexpressões sólido não-cristalino, sólido

    amorfo, material vítreo (ou simples-mente vidro). Tais expressões sãousualmente utilizadas como sinônimas.Em 1995, Gupta publicou o artigodenominado Non-Crystalline Solids:Glasses and Amorphous Solids (Sóli-dos Não-Cristalinos: Vidros e SólidosAmorfos), no qual mostra que cadauma dessas expressões implica numconceito específico e, portanto, nãopodem ser tomadas como sinônimas.

    De acordo com Gupta, um sólidonão-cristalino pode ser dividido, doponto de vista termodinâmico, emduas classes distintas: vidros e sólidosamorfos. Sólidos não-cristalinos seriamtodos aqueles materiais que apresen-tassem uma rede tridimensional esten-dida e aleatória, isto é, com ausênciade simetria e periodicidade translacio-nal. Considerando-se o aspecto termo-dinâmico, um sólido não-cristalinoseria um vidro quando este apresen-tasse o fenômeno de transição vítrea.Consequentemente, sólidos amorfosseriam sólidos não-cristalinos que nãoexibissem a transição vítrea.

    Segundo Gupta, as definições resu-midas na Tabela 4 apresentariam umaimprecisão, na medida em que consi-deram como vidros os sólidos amor-fos. Os vidros e os sólidos amorfosseriam duas classes distintas demateriais não-cristalinos, uma vez que

    Tabela 3: Espécies químicas formadoras de vidro pelo processo de fusão-resfriamento.

    Elementos S, Se, P, Te (?)

    Óxidos B2O3, SiO2, GeO2, P2O5, As2O3, Sb2O3, In2O3, Tl2O3, SnO2, PbO2, SeO2Sulfetos As2S3, Sb2S3, CS2

    Vários compostos de B, Ga, In, Te, Ge, Sn, N, P, Bi

    Selenetos Vários compostos de Tl, Sn, Pb, As, Sb, Bi, Si, P

    Teluretos Vários compostos de Tl, Sn, Pb, As, Sb, Bi, Ge

    Haletos Vidros cloretos multicomponentes baseados em ZnCl2, CdCl2, BiCl3,ThCl4

    Vidros fluoretos à base de BeF2, AlF3, ZrF4, HfF4Nitratos KNO3–Ca(NO3)2 e muitas outras misturas binárias contendo nitratos

    alcalinos e alcalino-terrosos

    Sulfatos KHSO4 e outras misturas binárias e ternárias

    Carbonatos K2CO3 – MgCO3Acetatos Na(CH3COO), Li(CH3COO)

    Compostos o-terfenil, tolueno, 3-metil-hexano, 2,3-dimetil cetona, etilenoglicol,orgânicos simples álcool metílico, álcool etílico, glicerol, éter etílico, glicose

    Compostosorgânicos Poliestireno (-CH2-)npoliméricos

    Ligas metálicas Au4Si, Pd4Si

    Tabela 4: Definições de vidros encontradas em livros-texto publicados na década de 90.

    Definição

    “Vidros são materiais amorfos que não possuem ordem transla-cional a longo alcance (periodicidade), característica de um cristal.Os termos amorfo e sólido não-cristalino são sinônimos nestadefinição. Um vidro é um sólido amorfo que exibe uma transiçãovítrea.”

    “Um vidro é um sólido não-cristalino exibindo o fenômeno de tran-sição vítrea.”

    “Vidro é um sólido amorfo. Um material é amorfo quando nãotem ordem a longa distância, isto é, quando não há uma regulari-dade no arranjo dos constituintes moleculares, em uma escalamaior do que algumas vezes o tamanho desses grupos. Não éfeita distinção entre as palavras vítreo e amorfo.”

    “Vidro é um sólido que tem a estrutura do tipo de um líquido, umsólido “não-cristalino” ou simplesmente um sólido amorfo, consi-derando a característica de amorfo como uma descrição da desor-dem atômica, evidenciada pela técnica de difração de raios-X.”

    “Vidro é um sólido amorfo com ausência completa de ordem alongo alcance e periodicidade, exibindo uma região de transiçãovítrea. Qualquer material, inorgânico, orgânico ou metal, formandopor qualquer técnica, que exibe um fenômeno de transição vítreaé um vidro.”

    Autor [Ano]

    Elliott [1990]

    Zarzycki [1991]

    Doremus [1994]

    Varshneya [1994]

    Shelby [1997]

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    CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001

    apresentam diferenças tanto do pontode vista topológico como do termodi-nâmico.

    Feitas estas considerações, o que,afinal, seria um vidro? Como resposta,poderíamos dizer que “um vidro é umsólido não-cristalino, portanto, comausência de simetria e periodicidadetranslacional, que exibe o fenômeno detransição vítrea (...), podendo serobtido a partir de qualquer materialinorgânico, orgânico ou metálico eformado através de qualquer técnicade preparação”.

    Formação de vidrosNeste tópico serão abordados

    aspectos da formação de um vidro, apartir de um fundido, dado ser este ométodo de preparação mais importan-te em termos práticos. Em seguida, asteorias de formação vítrea serão breve-mente examinadas, tanto pela pers-pectiva estrutural quanto do ponto devista cinético.

    Formação de vidro a partir de umfundido

    Os vidros convencionais são pro-duzidos tradicionalmente através dométodo de fusão/resfriamento. Estemétodo envolve a fusão de umamistura dos materiais de partida, emgeral a altas temperaturas, seguida doresfriamento rápido do fundido. Quan-do as matérias-primas de um vidro seencontram fundidas, suas estruturasguardam grandes semelhanças comaquelas de um líquido. Contudo, à me-dida em que ocorre o resfriamento, oarranjo estrutural interno do materialfundido pode trilhar diferentes cami-nhos, de acordo com a taxa de resfria-mento utilizada. Como mostra a Figura4, um parâmetro conveniente para lan-çar alguma luz sobre o que ocorre inter-namente, durante tal processo, é avariação do volume.

    Quando se fala nos diferentesarranjos internos, eqüivale dizer queexistem várias maneiras de se empa-cotar as unidades formadoras, incor-porando quantidades maiores ou me-nores de espaços vazios, segundo asorientações relativas das unidades.Para melhor compreensão, basta quese imagine a diferença entre os modosordenado e desordenado de se empi-

    lhar um conjunto de objetos quaisquer.Um empilhamento organizado repre-senta um melhor aproveitamento doespaço, fazendo com que o conjuntotodo “caiba” tranqüilamente no mes-mo, dentro de uma caixa, por exemplo.Por outro lado, se todos os objetos fo-rem dispostos ao acaso, alguns fatal-mente ficarão de fora, devido a umexcesso de espaço ocioso. Analoga-mente, como pode ser verificado apartir da Figura 4, o arranjo cristalinoque um fundido pode assumir, após oresfriamento, apresenta um volumemenor do que o estado vítreo.

    Ao ser resfriado abaixo de suatemperatura de líquido (TL), um fundidoatravessa uma região de equilíbriometaestável, ou seja, uma situação deequilíbrio termodinâmico incipiente, oqual pode ceder frente a pequenas per-turbações podendo, por exemplo,cristalizar-se. Durante o processo decristalização, faz-se necessário umcerto tempo para que as pequenas uni-dades se orientem, até atingirem asposições adequadas para formar ocristal. É por isto que um resfriamentorápido faz com que as unidades per-cam a mobilidade antes de se orde-narem. Se a cristalização não ocorrer,

    o líquido permanecerá no estado deequilíbrio metaestável, abaixo de TL.

    Como já mencionado, conforme atemperatura diminui, aproxima-se deuma condição em que a mobilidade,em nível atômico, dentro do líquido,torna-se bastante reduzida e os áto-mos fixam-se em suas posições. Talfenômeno ocorre em uma faixa de tem-peraturas denominada transição vítrea.Por definição, o ponto de interseçãodas linhas extrapoladas, que definema região metaestável e a região de vi-dro, é o parâmetro conhecido como Tg(temperatura de transição vítrea – verquadro). A Tg é, mais rigorosamente, ointervalo de temperaturas em que teminício a chamada relaxação estrutural,quando algumas propriedades comoviscosidade, capacidade calorífica eexpansão térmica começam a mani-festar um comportamento diferente dopadrão verificado até então. A relaxa-ção estrutural ocorre em conseqüênciado desimpedimento dos movimentosdas cadeias umas em relação às ou-tras (movimento translacional). Reite-rando: quando um vidro é formado apartir de um fundido, o processoenvolve a homogeneização dos com-ponentes acima de TL, e o resfriamentoabaixo de Tg. A velocidade de resfria-mento deve ser suficientemente eleva-da para que não se forme uma quanti-dade significativa de cristais, uma vezque o vidro completamente não-crista-lino é uma situação ideal. No outroextremo, temos o cristal ideal. A veloci-dade de resfriamento necessária de-pende das cinéticas de nucleação ecrescimento.

    De onde viria a capacidade de formarvidro? – Teorias de formação

    Além da conceituação de vidro, dacompreensão de sua estrutura e decomo ocorre sua formação a partir deum fundido, outra questão que intrigaas pessoas, no que se refere à existên-cia dos vidros, é por que certas subs-tâncias têm mais facilidade em seapresentarem no estado vítreo do queoutras. Para responder tal pergunta, vá-rias teorias foram desenvolvidas.Levando-se em consideração que, nosprimeiros vidros conhecidos, o compo-nente principal era a sílica, parecebastante natural que as primeiras teo-

    Figura 4: Mudança de volume durante oresfriamento de um líquido. Se o apareci-mento de cristais ocorrer facilmente, o volu-me diminuirá de maneira brusca na tempe-ratura TL. Por outro lado, na ausência decristalização, o líquido permanecerá emequilíbrio metaestável até atingir a Tg, quan-do os rearranjos estruturais passarão a sercineticamente impedidos. Contudo, o volu-me abaixo da Tg continuará a diminuir, comoconseqüência das menores amplitudes devibração dos átomos em torno de suasposições fixas.

    Vidros

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    rias se tenham baseado nos estudosde silicatos fundidos, sendo apenasposteriormente estendidas aos outrostipos de vidros. Duas abordagensdiferentes governaram o estabeleci-mento das diversas teorias. A primeirabuscou dar conta da capacidade deformação vítrea a partir de caracterís-ticas químicas e estruturais dos forma-dores clássicos (teorias estruturais). Aoutra, mais moderna, voltou-se para aformação vítrea como sendo a capaci-dade de todo e qualquer material,desde que hajam condições adequa-das, de evitar a cristalização (teoriascinéticas). Muitas vezes, preparar umvidro não-convencional implica no usode velocidades de aquecimento eresfriamento muitíssimo elevadas, oumesmo no emprego de métodos depreparação diferentes de fusão/resfria-mento.

    4.2.1. Teorias estruturaisVislumbrando descrever os fatores

    químicos determinantes da tendênciaa formar um vidro com maior facilidade,o ponto de partida das teorias estrutu-rais passa pela descrição da estruturavítrea de suas unidades formadoras,como resultante de pequenas varia-ções em ângulos e comprimentos dasligações químicas. Ao se atribuir umcaráter não-cristalino a um vidro, o quese diz, na verdade, é que o materialnão apresenta um ordenamento perió-dico (uma porção da estrutura que se

    repete) a médias e longas distâncias,apresentando apenas um ordenamen-to a curtas distâncias.

    O conceito de ordem a curta distân-cia pressupõe a existência de uma uni-dade formadora bem definida. em umvidro de sílica, por exemplo, as cadeiasconstituem-se de unidades tetraédri-cas SiO4, todas muito parecidas entresi, e ligadas umas às outras formandocadeias. Entretanto, não é possível lo-calizar cadeias de tetraedros SiO4, queestejam dispostas todas da mesmamaneira, como se fossem repetiçõesumas das outras.

    Uma analogia interessante seriaimaginar um átomo de silício “míope”,em um vidro de sílica. Tal átomo nãosaberia dizer se está presente em umcristal ou em um vidro. Isto dar-se-iaporque, ao olhar ao redor, enxergariaapenas os quatro oxigênios maispróximos, todos praticamente à mes-ma distância e configurando um tetrae-dro. Todavia, talvez não percebesse aexistência de variações muito sutis nes-tes ângulos e distâncias, mas que sãosuficientes para que o material comoum todo perca o ordenamento. A capa-cidade de uma substância de incor-porar estas pequenas variações, emuma situação de viscosidade alta osuficiente para que as unidades nãose ordenem em um arranjo cristalino,está diretamente ligada à facilidade deformar vidro.

    4.2.1.1. Formação de vidros óxidos

    Considerando-se que os vidros demaior importância comercial são ba-seados em óxidos, as teorias estru-turais mais difundidas são aquelas queconseguem explicar e prever, commaior sucesso, a formação destes vi-dros. A mais simples e mais antiga teo-ria de formação de vidros baseou-sena observação de Goldschmidt, deque vidros com fórmula geral RnOm for-mam-se mais facilmente quando a ra-zão dos raios iônicos do cátion R e dooxigênio se encontra na faixa entre 0,2e 0,4. Uma vez que as razões nestafaixa tendem a produzir cátions circun-dados por quatro átomos de oxigênio,em uma configuração tetraédrica –característica comum a todos os vidrosconhecidos àquela época –,Goldschmidt acreditava que tais requi-sitos seriam essenciais à formação deum vidro.

    As idéias deste autor foram estendi-das por Zachariasen (1932), em umatentativa de explicar por que certascoordenações (número de oxigêniosao redor do cátion R) favorecem aformação vítrea. Essencialmente,Zachariasen notou que aqueles silica-tos que formavam mais prontamenteum vidro, ao invés de se cristalizarem,exibiam a capacidade de formar ca-deias, na forma de conjuntos detetraedros, conectados entre si pelosvértices. Vale comentar que as formascristalinas também podem apresentartais cadeias; contudo, no vidro, estasperdem a simetria e a periodicidade.Sendo assim, Zachariasen estabele-ceu que a formação de cadeias seriauma condição fundamental para aexistência de um vidro e extraiu, comoconseqüência deste requisito, outrasconclusões sobre o arranjo ao redordos átomos da rede. Em primeiro lugar,nenhum átomo de oxigênio deveriaestar ligado a mais do que dois cátionsda rede, posto que as coordenaçõesde mais alta ordem impediriam asvariações nos ângulos das ligaçõescátion-oxigênio, necessárias à forma-ção de uma rede não-cristalina. Notou-se, entre os vidros conhecidos atéentão, que sua estrutura era formadaapenas por cátions de rede em coorde-nação triangular (B2O3) ou tetraédrica(SiO2, P2O5, GeO2), e que havia uma

    Transição vítreaA temperatura de transição vítrea, Tg, é uma temperatura característica para os vidros,definindo a passagem do estado vítreo para o estado viscoelástico, através da chamadarelaxação estrutural. Os conceitos de estado vítreo e viscoelástico são emprestados daReologia (estudo das propriedades associadas à fluidez). O termo viscoelástico descreveo comportamento de um corpo que responde elasticamente a uma força aplicada,portanto, sem apresentar uma deformação permanente. Adicionalmente, tal respostaelástica não é instantânea, devido a um componente significativo de viscosidade. Emcontrapartida, o comportamento vítreo está associado a um corpo que não pode serdeformado nem permanentemente nem elasticamente, sendo mais propenso a absorvera energia e dissipá-la, quebrando-se. Quando se aquece um vidro acima da Tg, ocomportamento viscoelástico tem início, devido à possibilidade das cadeias escoaremumas em relação às outras, dentro do vidro. Sendo assim, quando uma força é aplicada,as cadeias se movimentam, mas a atração que existe entre as mesmas as faz retornarelasticamente à situação inicial, com uma velocidade relativamente baixa, devido àelevada viscosidade. Diz-se, neste caso, que ocorre um aumento na chamada entropiaconfiguracional do sistema, o que significa que, à medida que as unidades formadorasdo vidro adquirem a capacidade de escoamento, estas podem ser encontradas em umnúmero cada vez maior de diferentes arranjos relativos.

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    tendência destas estruturas a que oscátions se localizassem tão afastadosuns dos outros quanto possível. Taisobservações sustentaram a raciona-lização de que o número de oxigêniosao redor do cátion deveria ser peque-no, e que os poliedros deveriam estarligados entre si pelos vértices, nuncapor faces ou arestas, a fim de distanciaro máximo possível os cátions. Por fim,o caráter tridimensional da rede vítrea,ou seja, que pelo menos três dos vérti-ces do poliedro de oxigênio sejamcompartilhados com outros poliedros.

    Finalmente, Stanworth procuroujustificar o papel de diferentes tipos decátions em um vidro misto, com basena eletronegatividade dos mesmos. Oscátions, cuja ligação com oxigêniofosse algo em torno de 50% iônica e50% covalente, atuariam como forma-dores de rede. Outros cátions, comeletronegatividades muito baixas, ecuja ligação com o oxigênio apresen-tasse um caráter fortemente iônico,causariam uma descontinuidade darede, ou seja, sua quebra, sendo bati-zados de modificadores de rede. E oscátions que, por si só, não formam vi-dros com facilidade, mas que, mistu-rados aos formadores típicos, podemsubstituí-los na rede, foram classifi-cados por Stanworth como interme-diários.

    Teorias cinéticas de formação de vidrosA habilidade para a formação de

    vidro, do ponto de vista cinético, podeser encarada como uma medida darelutância do sistema em sofrer cristali-zação durante o resfriamento do fundi-do. Logo, a formação de vidro podeser considerada em termos de umacompetição entre as velocidades decristalização e de resfriamento. Não sepretende, aqui, realizar um aprofun-damento no formalismo matemáticodesenvolvido para quantificar estesprocessos. Tais deduções poderão serexaminadas no corpo das referênciasbibliográficas sugeridas.

    Formalmente, o termo cristalizaçãose refere à combinação de dois pro-cessos: nucleação e crescimento. Aetapa de nucleação tem lugar quandoo sistema começa a se ordenar emalguns pontos, chamados núcleos. Naverdade, as duas etapas podem

    ocorrer simultaneamente, mas sãodistintas com relação à lei de veloci-dades que obedecem. A etapa denucleação é muito importante, pois senão houverem núcleos presentes acristalização jamais ocorreria. Por suavez, o impedimento do crescimentopode acarretar a existência de núcleoscom tamanho muito reduzido, a pontode não serem detectados, mas o ma-terial, em termos práticos, ainda po-derá ser considerado um vidro. Nestecontexto, as velocidades de nucleaçãoe crescimento, juntamente com a taxade resfriamento, determinam se um vi-dro é ou não formado.

    Esta abordagem permite conside-rar os fatores que conduzem à baixasvelocidades críticas de resfriamento, ede que forma tais fatores se correla-cionam com as teorias estruturais,tratadas anteriormente. A viscosidadedos fundidos é claramente um fatorimportante na formação vítrea. Acristalização será fortemente impedidase o fundido apresentar uma viscosi-dade alta na temperatura de fusão.Alternativamente, se, ao invés de umaviscosidade alta do fundido, este apre-sentar uma variação rápida da viscosi-dade com a temperatura, um efeitoanálogo àquele de uma viscosidadealta será observado.

    Dentre os outros fatores que favore-cem a formação dos vidros, merecemdestaque os elevados valores da razãoTg/TL (Figura 4). Considerando-se quea formação de um vidro requer oresfriamento a partir de TL até Tg,valores grandes de Tg/TL são indica-tivos de que uma composição podeformar vidro com facilidade. A justifi-cativa passa pela lembrança de que,se Tg/TL é grande, o intervalo entre a Tge TL é pequeno e a perda da mobili-dade das cadeias ocorre com bastanterapidez. Junte-se a isto, como outrofator importante, uma grande diferençade composição entre o cristal e o líqui-do, o que irá dificultar a separação dafase cristalina. Aqui entra em jogo umfator chamado tensão interfacial, querepresenta uma espécie de força derepulsão, existente na fronteira entreduas fases quimicamente diferentes.

    Enquanto a habilidade para formarum vidro é definida em termos da resis-tência à cristalização durante o resfria-

    mento de um fundido, a estabilidadedo vidro, por outro lado, é a resistênciaà cristalização durante o reaquecimen-to do vidro. Esta última se tornaimportante nos processos que envol-vem a remodelagem de um vidro jápronto, tais como o processamento defibras ópticas. Embora estas duaspropriedades não sejam idênticas, sãoconfundidas com uma certa freqüênciae, nem sempre, um vidro produzido apartir de um formador fraco será umvidro com uma baixa resistência àcristalização.

    Como são preparados os vidros?Embora os vidros possam ser

    produzidos por uma grande variedadede métodos, a maioria continua sendoobtida pela fusão dos seus compo-nentes, em elevadas temperaturas.Este procedimento sempre envolve aseleção de matérias-primas, cálculodas proporções relativas de cadacomponente, pesagem e mistura doscomponentes para obtenção de ummaterial de partida homogêneo.

    Durante o processo inicial de aque-cimento, as matérias-primas passampor uma série de transformações físi-cas e químicas para produzir o fundido.A conversão deste em um líquido ho-mogêneo pode requerer outros pro-cessamentos, incluindo a remoção decomponentes não-fundidos, impure-zas e bolhas e a agitação.

    Os materiais constituintes de um vi-dro podem ser divididos em cinco cate-gorias, tomando-se por base o papelque desempenham no processo:formador, fundente, agente modifica-dor, agente de cor e agente de refino.Cabe salientar que o mesmo compos-to pode ser classificado em diferentescategorias quando utilizado para dife-rentes propósitos. A alumina (Al2O3),por exemplo, atua como formador emvidros aluminatos, mas é consideradaum modificador na maioria dos vidrossilicatos.

    Os formadores de vidro são os res-ponsáveis pela formação da rede tri-dimensional estendida aleatória; osprincipais formadores comerciais sãoSiO2 (sílica), B2O3 e P2O5. A grandemaioria dos vidros comerciais é, comovimos, baseada em sílica. Os vidrospuros de sílica são muito caros, devido

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    ao fato de que o fundido é obtido so-mente em temperaturas superiores a2000 °C. Os fundentes têm a funçãode reduzir a temperatura de processa-mento para valores inferiores a1600 °C, sendo os mais comuns osóxidos de metais alcalinos (lítio, sódioe potássio) e o PbO.

    Se, por um lado, a adição de fun-dentes na composição do vidro de síli-ca promove um decréscimo na tempe-ratura de fusão, por outro, a presençade grandes quantidades de óxidosalcalinos provoca sérias degradaçõesem muitas propriedades destes vidros,dentre elas a durabilidade química(estabilidade frente a ácidos, bases eágua). A degradação das proprie-dades é usualmente controlada pelaadição de agentes modificadores, osquais incluem os óxidos de metais detransição e de terras-raras e, principal-mente, a alumina (Al2O3).

    Os agentes de refino são adiciona-dos para promover a remoção de bo-lhas geradas no fundido, sendo utili-zados em quantidades muito peque-nas (

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    Levando-se em conta o fato dovidro ser um material transparente,geralmente brilhante, quebrável comfacilidade, há uma tendência de seimaginar que todos os vidros têm amesma composição. Certamente istonão é verdade. As propriedades dosvidros, as quais determinam suaaplicação, dependem diretamente desua composição. Assim, é muitocomum serem descritas na literatura asseis mais importantes composiçõesbásicas de vidros à base de sílica(Tabela 6), as quais permitem queestes apresentem as mais diferentespropriedades: ópticas, condutoras ouisolantes, resistência mecânica etérmica, absorção de radiações de altaenergia e ionizantes e resistência aoataque químico, dentre outras.

    Os vidros naturais (obsidian),provenientes do Monte Vesúvio (Itália),revelaram ser do tipo aluminosilicatos,cuja composição em porcentagem

    molar dos componentesmajoritários é 53,3 SiO2 -9,1 Na2O - 5,8 K2O - 3,2CaO - 20,7 Al2O3 - 5,3FeO. Por sua vez, os vi-dros encontrados no Egi-to, e datados de 1400a.C., eram do tipo “soda-lime” silicato, com com-posição 63,7 SiO2 - 20,0Na2O - 0,5 K2O - 9,1 CaO-5,2 MgO - 1,0 Al2O3.

    Considerando ascomposições da Tabela 6,podemos associar estasfamílias a vários materiais,produtos e aplicações:

    • “Soda”-silicato: age-ntes complexantes emdetergentes sintéticos eem banhos de limpezapara metais;

    • “Soda-lime” silicato:invólucros de lâmpadasincandescentes, garrafas,janelas, isolantes elétri-cos, blocos de vidro paraconstrução, embalagensde alimentos e fármacosetc.;

    • Borosilicato: instru-mentos de laboratório(béquers, pipetas, bure-tas, kitasatos, desseca-

    dores, tubos de ensaio) (Figura 6). Asdenominações Pirex® e Kimax® sãomarcas registradas de vidros borosi-licatos, respectivamente da Corning eda Owens-Illinois (USA);

    • Aluminosilicato: fibras de vidro(reforço de plásticos e concreto), iso-lamento com fibras de vidro resistentesà hidrólise (decomposição pela água),lã de vidro (isolante térmico), fabrica-ção de filtros, roupas e cortinas a provade fogo, tampos de fogões, invólucrosde lâmpadas de mercúrio de altapressão, vidros do tipo opalina (con-tém 5,3% de fluoretos e apresentamaspecto leitoso) usados como louçase objetos de decoração e para visua-lizar chapas de raios-X;

    • Silicato de chumbo: comumentechamado “cristal”, é utilizado em jogosde utensílios de mesa e em peçasartísticas, devido à facilidade para gra-vação e polimento; também emprega-do na fabricação de instrumentos ópti-cos (lentes, prismas), tubos de TV,anteparos para blindagem de radiaçãoγ e como vidro para solda;

    • Alta Sílica: vidros que apresentamum teor de SiO2 superior a 96% e que,devido a sua elevada resistência quí-mica e térmica (fundem em torno de2000 °C), são utilizados em equipa-mentos especiais de laboratório, cadi-nhos, recipientes para reações a altastemperaturas, invólucros para lâmpa-das de altas temperaturas e pré-formaspara fibras ópticas.

    Quando falamos de vidros e suasaplicações, merecem destaque espe-cial os vidros de segurança, as vitroce-râmicas e as fibras ópticas, todos de-senvolvidos nos últimos 30 anos.

    Dentre os vidros de segurança, sa-lientamos o vidro laminado, o vidro à

    Figura 5: Objetos de uso diário fabricados com vidro: (a)utensílios domésticos; (b) diferentes tipos de embalagens(potes, garrafas etc.).

    Tabela 6: Composição das principais famílias de vidros a base de sílica.

    Tipo do vidro SiO2 Na2O K2O CaO MgO B2O3 Al2O3 PbO

    I. “Soda”-silicatoaComposição variável razão SiO2 – Na2O de 1,6 a 3,7(water glass)

    II. “Soda-lime”b silicato 72,1 21,1 – 2,8 – – 2,0 –(lime glass) 72,1 14,0 – 9,9 3,2 – 0,3 –

    III. Borosilicato 81,0 4,5 – – – 12,5 2,0 –

    IV. Aluminosilicato 54,5 – – 17,5 4,5 10,0 14,0 –59,0 11,0 0,5 16,0 5,5 3,5 4,5 –65,8 3,8 – 10,4 – – 6,6 –

    V. Silicato de chumbo 56,0 2,0 13,0 – – – – 29,03,0 – – – – 11,0 11,0 75,05,0 – – – – 10,0 3,0 62,0

    VI. Alta sílica 96,7 – – – – 2,9 0,4 –99,9 – – – – – – –

    asoda (do inglês) = Na2O; blime (do inglês) = CaO.

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    prova de bala e o vidro temperado. Ovidro laminado é constituído como umverdadeiro “sanduíche”, tendo cama-das alternadas de vidro plano e mate-rial polimérico (plástico). É usado nor-malmente em situações nas quais aquebra do vidro não pode dar origema riscos de ferimentos graves. Quandode sua quebra, ao ser atingido por umobjeto, o vidro mantém no lugar ospedaços (cacos) evitando assim queos mesmos sejam projetados em to-das as direções. Tais tipos de vidro são,por exemplo, usados na fabricação depara-brisas de automóveis.

    No caso do vidro à prova de bala,tem-se também um vidro laminado,porém mais espesso, constituído decamadas alternadas de vidro separa-das por material polimérico. Algunsdestes vidros podem absorver a ener-gia de projéteis de grosso calibre, mes-mo quando disparados a curta distân-cia. Tal tipo de material tem sido utiliza-do em portas de bancos, na blindagemde automóveis e lojas e para fins mili-tares.

    Finalmente, o vidro temperado.Diferentemente dos exemplos anterio-res, trata-se de uma peça única. É pre-

    parado através de suces-sivos tratamentos térmi-cos especiais (têmpera)tendo como caracterís-tica o fato de, ao quebrar,sofrer um processo de“estilhaçamento”, produ-zindo pequenos frag-mentos não cortantes.Portas de box para ba-nheiros e portas de segu-rança são exemplos desua utilização.

    As vitrocerâmicas sãomateriais constituídospor uma fase vítrea e ou-tra cristalina. Como já co-locado em sessões pre-cedentes, na maioria doscasos não queremos queo vidro cristalize (devitri-ficação). No caso das vi-trocerâmicas, por outrolado, o crescimento cris-talino (cristalização) con-trolado é deliberadamen-te estimulado nos vidros,visando à obtenção de

    materiais com propriedades especiaise bem definidas. Dentre tais proprie-dades, destaca-se o coeficiente deexpansão térmica próximo de zero (ovolume do vidro não sofre variação emuma ampla faixa de temperatura deutilização), o que lhe confere a capa-cidade de resistir a choques térmicosextremos. Objetos confeccionadoscom este tipo de vidro podem ser reti-rados de um freezer e colocados dire-tamente sobre uma chapa de aqueci-mento ou forno. Sem sombra de dúvi-da, a utilização destes materiais temmodificado substancialmente as práti-cas da cozinha tradicional.

    As fibras ópticas, por sua vez, sãofilamentos finos e flexíveis de vidro,com diâmetros da ordem de algunscentésimos de milímetros e que podem“conduzir” “guiar” a luz. Tal propriedadese verifica pelo fato de que o “núcleo”da fibra é constituído por um vidro comelevado índice de refração (esta gran-deza está relacionada com a veloci-dade de propagação da luz em um de-terminado meio) e, a “casca” é forma-da por um vidro de baixo índice derefração. Na Figura 7a é mostrado oguiamento da luz através de uma fibra

    óptica. O desenvolvimento de fibrasópticas e lasers causou um impactoabsolutamente sem precedentes nasociedade moderna. A aplicação dasfibras ópticas dá-se nos mais diferen-tes campos: telecomunicações (redesde transmissão de dados, Internet);medicina de diagnóstico (endoscopia);microscopia e iluminação de precisão;detecção remota e sensoriamento; es-tudo de fissuras em componentesestruturais (asas de avião), dentre ou-tras. Muitas destas aplicações vêm seconstituindo naquilo que hoje denomi-namos fotônica, ou seja, a possibili-dade de realizar com os fótons (paco-tes de luz) tudo aquilo que é feito comelétrons (eletrônica) e a sua expansãopara novos conhecimentos e aplica-ções. Dentro destas perspectivas, têmtido lugar de relevo novas funcionali-dades dos vidros, tais como os vidrosfluorescentes de alto rendimento. Estesvidros podem emitir luz vermelha, ama-rela ou azul, dependendo dos compo-nentes utilizados na sua fabricação edo comprimento de onda da luz utili-zada na sua irradiação. Na Figura 7bsão mostrados alguns exemplos des-tes vidros.

    Dentre as novas possibilidades deuso de sistemas laser-fibras ópticas,destacam-se as aplicações em medi-cina (tratamento de câncer, tomografia,diagnóstico de lesões cerebrais,cirurgia, análises clínicas), em análise

    Figura 6: Vidros de laboratório: (a) instrumentos de labora-tório; (b) vidros para armazenagem e embalagem de rea-gentes químicos. A coloração escura (âmbar) é devida àadição de óxidos de metais de transição.

    Figura 7: (a) fibras ópticas guiando luz; (b)vidros emissores de luz visível (lumines-cente) após irradiação.

    Vidros

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    CADERNOS TEMÁTICOS – QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Edição especial – FEVEREIRO 2001

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    química (sensores à fibra óptica paracontrole de fármacos e alimentos) e emmeio ambiente (sensoriamento e aná-lise de emissões industriais), dentreoutras.

    É importante remarcar, neste parti-cular, a contribuição de pesquisadoresda UNICAMP nos estudos que culmi-naram com o desenvolvimento e con-solidação da tecnologia da fibra ópticanacional.

    A questão ambiental: ReciclagemUm ponto que atualmente vem me-

    recendo grande destaque está ligadoà questão ambiental. Os vidros tam-bém vêm fazendo parte das preocu-pações com o ambiente, dado o fatoda indústria vidreira ser intensiva, o quefaz com que produza emissão departículas sólidas e gases, além desubprodutos descartados na forma delixo industrial.

    Além dos resíduos provenientes daindústria vidreira, as embalagens devidro utilizadas no cotidiano são des-cartadas juntamente com o lixo domés-tico.

    Para se ter uma idéia da ordem degrandeza do problema gerado, os vi-dros constituem cerca de 2% do totalde lixo doméstico da cidade de SãoPaulo, o que eqüivale a um descartede aproximadamente 7.000 toneladas/mês de vidro.

    Hoje, o vidro empregado nas emba-lagens já pode ser classificado e intei-ramente reciclado. Outros tipos de vi-dro, tais como tubos de lâmpadasfosforescentes, tubos de televisão,tampos de fornos e fogões etc., têmmerecido grande atenção da pesquisaem vários países, visando ao desen-volvimento de métodos adequados dereciclagem. A reciclagem de vidros po-de ser considerada viável, levando-se

    em conta os seguintes aspectos:• recipientes de vidro são relativa-

    mente fáceis de serem limpos, este-rilizados e reutilizados;

    • vidros podem ser facilmentetransformados em “cacos” e adiciona-dos aos fornos para a produção denovas embalagens (garrafas, vidrospara medicamento etc.). Este proce-dimento aumenta não só a vida útil dosfornos, como leva a uma redução noscustos de produção;

    • vidros são produzidos utilizando-se como matéria-prima areia, carbo-nato de cálcio e outras substâncias,extraídas da natureza por processosque acabam descaracterizando o am-biente e causando o esgotamento dosrecursos minerais;

    • reciclar e reutilizar vidros poderácontribuir para a matriz energética na-cional através da economia de enor-mes quantidades de energia, visto quepara produzir 1 kg de vidro novo sãonecessários 4500 kilojoules, enquantoque para produzir 1 kg de vidro reci-clado necessita-se de 500 kilojoules!

    Um dado importante sobre recicla-gem de vidro recentemente apresen-tado, mostra que em 1999, de cada100 potes de vidro fabricado por umacompanhia líder no Brasil, 38 já eramfeitos a partir do produto reciclado(cacos). Em fevereiro de 2000, a co-tação da sucata de vidro era deR$75,00/tonelada, e mostrava tendên-cia de alta.

    Cabe aos pesquisadores desenvol-ver novas tecnologias de reciclagem eencontrar novas oportunidades deaplicação para o vidro reciclado. Aosgovernos, sobretudo às Prefeituras,cabe encorajar os cidadãos a recicla-rem o vidro, gerando inclusive verbasextra-orçamentárias para a aplicaçãoem programas sociais, a exemplo do

    que tem sido feito, com sucesso, emvárias cidades do Brasil e do exterior.

    Oswaldo Luiz Alves ([email protected]), doutorem química, é professor do Instituto de Química,UNICAMP. Iara de Fátima Gimenez ([email protected]), bacharel e mestre em química peloInstituto de Química da UNICAMP, onde desenvolvetrabalho de doutoramento. Italo Odone Mazali([email protected]), bacharel e mestre em quí-mica pela UNESP – Araraquara, é doutorando no Insti-tuto de Química da UNICAMP.

    Vidros