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em meados de outubro, o filme de Sil- veira já havia superado a marca de 4,6 milhões de espectadores, atingida por Carandiru, de Hector Babenco, em 2003, tornando-se o filme nacional mais visto no país desde 1990 e a quinta maior renda no Brasil em todos os tem- pos, segundo a Columbia, distribuidora do filme, atrás apenas de quatro super- produções hollywoodianas. Ou t ro personagem famoso – talvez o brasileiro mais conhecido no planeta – que já havia sido tema de um documen- tário de Ed u a rdo Escorel e Luiz Carlos Ba r reto na década de 1970, também protagonizou uma recente produção premiada do cinema brasileiro. O docu- mentário Pelé eterno, dirigido por Aní- bal Massaini Neto e com roteiro original de José Roberto Torero, foi premiado no 58º Fe s t i val de Cannes com o troféu Città di Roma-Arcobaleno Latino, uma i n i c i a t i vado Instituto Internacional de Cinema e Áudio Visual dos Países Euro- peus e Latinos patrocinada pela pre f e i- tura de Roma e pela Roma Film Comis- sion. A produção, que custou os mesmos R$ 6 milhões gastos em 2 filhos de Fran- cisco, consumiu quase cinco anos de pes- quisa em arquivos audiovisuais de vários países, para contar a trajetória do Rei do Futebol – que também recebeu o título de Atleta do Século – nos gramados do Brasil e do mundo. O filme de Massaini, além de depoimentos de pessoas próxi- mas ao atleta, traz incontáveis lances de Pelé em jogos do Santos e da seleção, rea- vivando a memória dos que o viram em campo e encantando as gerações mais recentes de amantes do futebol. “Esses filmes tendem a passar mais a ima- gem do país feliz, do brasileiro que deu certo. Daí o sucesso e a identificação do público”, comenta Josette Maria de Souza Manzani, do grupo de pesquisa em 6 0 Atriz premiada: Taís Ara ú j o, no papel de Elza So a res em Garrincha - est rela so l i t á r i a N OVA S P R O D U Ç Õ E S R OTEIROS FOCALIZAM BIOGRAFIAS DE PERSONAGENS DE SUCESSO Breno Silveira, 2 filhos de Francisco, indi- cado em setembro passado, por um júri formado pelo Ministério da Cu l t u r a , para ser o filme brasileiro a concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme conta a história do sonho de um humilde agricultor do interior de Goiás de transformar seus filhos em uma dupla sertaneja famosa. Os percalços e sofri- mentos da família de seu Francisco até a conquista do sucesso por Zezé Di Camargo & Luciano compõem uma história envolvente que atrai ao cinema não apenas os admiradores da dupla ou pessoas que gostam de música sertaneja: A vida de personalidades marcantes no universo da música, da política e do futebol está retratada nas telas do cinema brasileiro em sua fase de reto- mada, a partir dos anos 1990. As biogra- fias homenageiam personagens famosos vivos, como Pelé e a dupla sertaneja Zezé Di Camargo & Luciano, e principal- mente aqueles que já se foram mas com- põem o imaginário popular, como Cazuza, Villa-Lobos, Mauá, Olga e Gar- rincha. Suas vidas inspiraram roteiros de alguns filmes premiados, a maioria com grande sucesso de bilheteria. O destaque mais recente é o filme de

OTEIROSFOCALIZAMBIOGRAFIAS DEPERSONAGENSDESUCESSOcienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v58n1/a26v58n1.pdf · Pelé em jogos do Santos e da seleção, rea-vivando a memória dos que o viram

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em meados de outubro, o filme de Si l-veira já havia superado a marca de 4,6milhões de espectadores, atingida porCa ra n d i ru, de Hector Babenco, em2003, tornando-se o filme nacionalmais visto no país desde 1990 e a quintamaior renda no Brasil em todos os tem-pos, segundo a Columbia, distribuidorado filme, atrás apenas de quatro super-produções hollywoodianas.Ou t ro personagem famoso – talvez ob r a s i l e i ro mais conhecido no planeta –que já havia sido tema de um documen-tário de Ed u a rdo Escorel e Luiz CarlosBa r reto na década de 1970, tambémp ro t a g o n i zou uma recente pro d u ç ã opremiada do cinema brasileiro. O docu-mentário Pelé etern o, dirigido por Aní-bal Massaini Neto e com roteiro originalde José Roberto Torero, foi premiado no58º Fe s t i val de Cannes com o tro f é uCittà di Roma-Arcobaleno Latino, umai n i c i a t i va do Instituto Internacional deCinema e Áudio Visual dos Países Euro-peus e Latinos patrocinada pela pre f e i-tura de Roma e pela Roma Film Comis-sion. A produção, que custou os mesmosR$ 6 milhões gastos em 2 filhos de Fran-cisco, consumiu quase cinco anos de pes-quisa em arquivos audiovisuais de váriospaíses, para contar a trajetória do Rei doFutebol – que também recebeu o títulode Atleta do Século – nos gramados doBrasil e do mundo. O filme de Massaini,além de depoimentos de pessoas próxi-mas ao atleta, traz incontáveis lances dePelé em jogos do Santos e da seleção, rea-vivando a memória dos que o viram emcampo e encantando as gerações maisrecentes de amantes do futebol.“Esses filmes tendem a passar mais a ima-gem do país feliz, do brasileiro que deuc e rt o. Daí o sucesso e a identificação dop ú b l i c o”, comenta Josette Maria de So u z aManzani, do grupo de pesquisa em

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Atriz premiada: Taís Ara ú j o, no papel de Elza So a res em Garrincha - est rela so l i t á r i a

N OVAS PRO D U Ç Õ ES

ROTEIROS FOCALIZAM BIOGRAFIASDE PERSONAGENS DE SUCESSO

Breno Silveira, 2 filhos de Francisco, indi-cado em setembro passado, por um júriformado pelo Ministério da Cu l t u r a ,para ser o filme brasileiro a concorrer aoOscar de melhor filme estrangeiro. Ofilme conta a história do sonho de umhumilde agricultor do interior de Goiásde transformar seus filhos em uma duplas e rtaneja famosa. Os percalços e sofri-mentos da família de seu Francisco até aconquista do sucesso por Zezé DiCamargo & Luciano compõem umahistória envolvente que atrai ao cinemanão apenas os admiradores da dupla oupessoas que gostam de música sertaneja:

A vida de personalidades marcantes nou n i verso da música, da política e dofutebol está retratada nas telas docinema brasileiro em sua fase de re t o-mada, a partir dos anos 1990. As biogra-fias homenageiam personagens famososvivos, como Pelé e a dupla sertaneja ZezéDi Camargo & Luciano, e principal-mente aqueles que já se foram mas com-põem o imaginário popular, comoCazuza, Villa-Lobos, Mauá, Olga e Gar-rincha. Suas vidas inspiraram roteiros dealguns filmes premiados, a maioria comgrande sucesso de bilheteria.O destaque mais recente é o filme de

Page 2: OTEIROSFOCALIZAMBIOGRAFIAS DEPERSONAGENSDESUCESSOcienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v58n1/a26v58n1.pdf · Pelé em jogos do Santos e da seleção, rea-vivando a memória dos que o viram

uma re p re s e n t a ç ã o. “Os documentoshistóricos, tanto na forma escrita quan-to visual, contêm um ponto de vista quei n t e r p reta a evidência empírica. Ne s s esentido, o filme e o programa de televisãoi n t e r p retam os fatos históricos, cuja re-presentação se constrói pela forma que an a r r a t i va assume e se insere numa lingua-gem visual e num gênero estético”, avalia.

OBRA LITERÁRIA VEIO DEPOIS No cami-nho inverso de histórias como a deCazuza e Garrincha, adaptadas para ocinema após o sucesso de vendas naslivrarias, o filme 2 filhos de Fra n c i s c odesencadeou duas obras literárias. Umacom tiragem inicial restrita a patrocina-dores, conta os bastidores da filmagem,e a segunda, com lançamento pre v i s t opara a Bienal de São Paulo, em março, sechama 10 filhos de Helena, e conta histó-rias da família Camargo que não entra-ram no filme. Tanto no cinema quantonas livrarias, o interesse do público porhistórias de vida de pessoas ilustres égrande. “A indústria editorial já mostrouque a biografia é um bom filão de mer-cado”, conclui a pesquisadora.

Rodrigo Cunha

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Cinema e Comunicação, da Un i ve r s i-dade Federal de São Carlos (UFSCar). El aa c redita que a origem pobre desses perso-nagens ilustres, que os caracteriza, a prin-cípio, como brasileiros comuns, podeestar entre os fatores que levam a essa iden-tificação do público com a imagem deb r a s i l e i ro retratada no cinema. Mas, se-gundo a pesquisadora, em filmes como 2filhos de Fra n c i s c o, os brasileiros das telasestariam mais próximos de personagensde folhetim. “A forma e o enredo sãoromanceados, apesar dos ro t e i ros sere mcalcados na história ve r í d i c a”, observa .Nem toda produção recente, no entanto,optou por essa fórmula de retratar osofrimento e as dificuldades de “brasilei-ros comuns” na busca de um sonho. Umdos 11 filmes que disputaram com 2filhos de Fra n c i s c o a indicação para con-c o r rer ao Oscar é um exemplo disso.Ga rr i ncha – estrela solitária, dirigido porMilton Alencar e com ro t e i ro de Ro d r i g oCampos, baseado no livro homônimo deRuy Castro, narra a história dramáticado jogador, marcada pelo vício à bebida,a partir de lembranças de pessoas próxi-mas a ele, como seu companheiro deBotafogo e seleção Nilton Santos, e suam u l h e r, a cantora Elza So a res. Ga rr i nc h anão é recheado com jogadas geniais deMané pelos campos de futebol, comoPelé etern o – e como poderiam esperar osaficcionados pelo esporte e por sua histó-ria –, mas tem cenas de momentos deglória e tragédia. Um dos destaques dofilme é a interpretação de Taís Araújo nopapel de Elza So a res, que lhe rendeu oprêmio Lente de Cristal de melhor atrizno Fe s t i val de Cinema Br a s i l e i ro deMiami. Antes de estrear no circ u i t oc o m e rcial brasileiro, Ga rr i nc h a – pri-meira co-produção Brasil / Chile – foiassistido nas telas do Chile, onde se passap a rte do enredo e o craque botafoguense

das pernas tortas viveu seu apogeu comojogador da seleção no bicampeonatoconquistado em 1962.

I D E N T I DADE NAC I O N A L Em 2004, umaoutra biografia que entrelaça momentosde intensa euforia com grandes tensões econflitos e termina com o fim trágico dop rotagonista levou às salas de cinema dopaís mais de 3 milhões de pessoas.Cazuza – O tempo não pára foi dirigidopor Sandra Werneck e Walter Carvalho, ap a rtir do ro t e i ro de Fernando Bonassi eVictor Na vas baseado na biografia docantor e compositor escrita por sua mãe,Lucinha Araújo. Grande parte dos espec-t a d o res era de adolescentes que sequerconheceram Cazuza em vida, mas que seidentificam com a sua rebeldia e o seujeito libertário de lidar com os padrões dasociedade. Falecido há quinze anos,vítima de Aids, Cazuza protagoniza umahistória que trata abertamente de ques-tões que são sempre atuais entre os jove n s :d rogas, sexualidade, relação com os pais el i b e rdade de escolhas. Mas Ca z u z aagrada não apenas a adolescentes: quemjá passou dos 30 também pôde re v i ve r,com esse filme, um pouco da eferve s c ê n-cia do rock nacional dos anos 1980 e seespantar com a surpreendente seme-lhança do ator Daniel de Ol i veira com opersonagem principal que ele interpre t ano filme.Mônica Kornis, doutora em ciências dacomunicação e pesquisadora do Centrode Pesquisa e Documentação em Hi s t óriaContemporânea do Brasil (CPDOC),da Fundação Getúlio Vargas, consideraque há nesses filmes biográficos uma evi-dente construção de identidade nacio-nal, ainda que eles tenham uma cert atendência para o melodrama. Se g u n d oela, a ficção não é um mero retrato davida desses personagens famosos, mas

Cena do filme 2 fi l h os de Fra n c i sco