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OUTROS TEMPOS e outras histórias

Outros tempos e outras histórias

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Outros tempos e outras histórias é uma coleção de contos sobre a vida simples de pessoas do interior. As memórias da infância parecem que se misturam com reflexões sobre a vida, com questões psicológicas a serem investigadas.

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OutrOs tempOs e outras histórias

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Miguel Nenevé

São Paulo 2009

OutrOs tempOs e outras histórias

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Copyright © 2009 by Editora Baraúna SE Ltda

Capa e Projeto GráficoAline Benitez

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

_______________________________________________________________N36o Nenevé, Miguel Outros tempos e outras histórias / Miguel Nenevé. - São Paulo : Baraúna, 2009. ISBN 978-85-7923-066-0 1. Conto brasileiro. I. Título.

09-4257. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

21.08.09 27.08.09 014616 _______________________________________________________________

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua João Cachoeira, 632, cj.11CEP 04535-002 Itaim Bibi São Paulo SP

Tel.: 11 3167.4261

www.editorabarauna.com.br

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Participação de Cinthia Michele Nenevé com o conto “Entrelaços”.Revisao final de Marinês Nenevé Woitskovski

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Sumário

I - Em cima da árvore . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9II - Poemas de Amor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13III - São José e Nossa Senhora ou Romeu e Julieta . . 17IV - O Corredor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21V - O Desencontro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25VI - O Menino do sótão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29VII - Por um par de óculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35VIII - O quebrador de pedra . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39IX - Sermões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43X - O Pinheiro conta sua história . . . . . . . . . . . . . . . 47XI - A Casa Mal-Assombrada . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51XII - A morte anunciada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57XIII - Uma Morte Desejada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61XIV - No Caminho da Escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65XV - Além das montanhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69XVI - Confinado a um sonho . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73XVII - Um ônibus que carrega lembranças . . . . . . . . 77XVIII - Outros tempos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83XIX - Caçadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87XX - Entrelaços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

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I

Em cima da árvore

Por que estou aqui?Cheguei há mais de três horas. Talvez quatro. O sol

estava alto e agora já se descamba atrás do morro, lá no alto do capoeirão.

E eu ainda aqui!... Será que não poderia descer agora? Se ao menos o meu pé esquerdo não tivesse doendo...

Em cima desta árvore, já passei por todas as posições possíveis. Subi correndo, fiquei agachado, fiquei em pé, tentei deitar em um galho e quase fui ao chão.

Teve uma hora em que quase dormi. Vi várias pessoas passarem pela estrada. Cada uma

com uma conversa diferente. Acho que era o Laska que falava alto demais, eu pensei que falava para mim.

E, quando passaram aqueles sem-vergonhas, Zeca e Alfredo, que vontade de jogar um ariticum bem no rosto deles! Só para assustar... Se eu tivesse certeza de que eles não iriam me descobrir...

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Ouvi todos os pássaros da floresta. Alguns chegaram até aqui para comer frutas. Se estivesse com o estilingue, acho que tinha atirado em um. Mas assim desarmado eles até eram meus amigos. Que bom ter em que olhar para passar o tempo. Acho que já passaram tantos passarinhos por aqui. Se fosse o Antonio, ia saber o nome de todos eles. Eu nem sei, mas vi tantos... Nem adianta nada. Nem posso contar para ninguém. Esta árvore cheia de folhas me esconde muito bem, mas me deixa sozinho também.

Lembro-me da vez que subi em um pé de tangerina, lá no terreno do Pedro. Eu voltava da escola e decidi mu-dar de caminho. Fui sozinho para ninguém fazer barulho, e para o Pedro não descobrir. Que gostosas aquelas tange-rinas!!! Eu estava bem lá em cima, chupava uma tangerina e colocava outra na sacola da escola. Vida boa num final de tarde. De repente, aparece o Pedro, o Eugênio e outros senhores... Senhores... E eu lá em cima da árvore rezando para ninguém me ver.

Que tempo mais vagaroso de passar!!! Quando já era quase noite, eles foram embora e eu pude descer. Será que de novo vou ter que esperar anoitecer para des-cer deste ariticuzeiro?

***********************

Se ao menos eu tivesse certeza de que meu pai já não está mais à minha procura. Será que ele já esqueceu? Tal-vez já tenha ido para casa... O Nardo fica me chamando para descer, dizendo que meu pai já esqueceu que queria

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me dar uma surra. Mas se for mentira dele? Se ele fala isso somente para me ver apanhando?

A gente deveria ter mais poder de decisão. Estabele-cer algumas leis para nossos pais. Por exemplo: se passas-sem três horas, não poderiam nos bater mais. Aí eu estava numa boa, indo para casa assobiando. Mas assim... Se eu descer e meu pai me pegar??? Pior do que tudo é ouvir a zombeteria de meus irmãos e meus primos. O Nardo amanhã conta para todo mundo na escola. Vão se divertir com a história que ele inventar em cima de mim: “Fugiu, mas mesmo assim apanhou do pai.” Aí todos os dias vão fazer perguntinhas e piadinhas por causa disso.

E aquele cavaleiro que passou há pouco? Será que ia lá em casa? Conversava demais com o seu cavalo. “Eu vou chegar lá e arrumar um negócio! Eu vou vender você hoje!”

**************************

Eh!!!!!!! Lá vem o Nardo de novo! Vai querer me con-vencer a descer...

– Venha, piá, desce!!!! O teu pai está tomando chi-marrão com o Lisboa. Nem vai ver você chegar em casa. E, se o vir r, você acha que ele tem coragem de te surrar na frente de estranhos?

Que alívio! Santo Lisboa que foi lá em casa! Agora posso descer.

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II

Poemas de Amor

João Renato amava Amália. Ela era a menina dos sonhos. Poderia ficar um dia todo pensando nela, plane-jando uma vida no silêncio de sua solidão. Era gostoso pensar na menina, escrever seu nome, um poema. Poe-mas, já os tinha escrito muitos. Cada encontro adiado, cada vontade de vê-la reprimida acabava em um poema de amor. Como não tivera coragem de mostrar a ela, eles ficavam guardados em uma gaveta, escondidos se-cretamente. Tinha até uma carta preparada para entregar junto com os poemas. Uma vez ensaiou uma história de amor, com final feliz.

Nos seus questionamentos de adolescente tímido, ele sempre perguntava:

– Ela também está gostando de mim? Talvez no seu mundo de menina do interior não teria

coragem de se declarar, guardava os segredos no coração. Deixava sinais que tinha simpatia por ele, talvez uma pai-

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xão, quem sabe amor. Quem poderia dizer se ela não tinha medo dos seus pais como ele? Para aquele mundo do in-terior, um mundo conservador, uma menina de 14 anos não podia ainda pensar em namorado. Talvez ela estivesse sofrendo o mesmo martírio, a mesma vontade de vê-lo que ele sentia em vê-la. Ele vivia e revivia essa incerteza.

Tinha certeza somente de que a vontade de vê-la ar-dia naquelas manhãs frias e percorria sua alma por todo o dia e noite adentro. Lamentava que estudavam em perí-odos diferentes e somente podiam se encontrar nas ceri-mônias ou reuniões especiais da escola. Toda a volta para casa alimentava um grande sonho de avistá-la de longe, balançando os cabelos, caminhando com passos elegantes naquela estrada de macadame que o conduzia para casa. Às vezes, até a encontrava com as amigas, mas aí nem podiam conversar.

João Renato revivia o dia em que se encontraram frente a frente na escola. Ela, com aqueles cabelos dou-rados escondendo um pouco a face, riu para ele ao en-trar na sala. Aquela conversa rápida, um pequeno diálogo com poucas palavras, mas muito desejo. Bastou isso para deixar marcas profundas em seu coração e em sua mente. Isso fazia um mês. Agora a sua imagem percorria seus sonhos. Ele criava e recriava, aumentava, inventava um halo em torno daquela figura. E continuava rabiscan-do poemas românticos, todos com o nome de Amália. Como gostaria de poder escrever como os românticos que ele lia!!!

Um dia sua irmã mais velha encontrou todos aque-les poemas escondidos na gaveta. Queria saber quem era

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a inspiração. Como ele poderia contar? Havia uma carta com o nome de Amália. “Quem seria Amália?”, pergun-tava a irmã.

– Tudo invenção, sei lá, eu copiei de algum livro que não me lembro. É para um colega que quer se declarar para uma menina e pediu que eu escrevesse.

Os poemas eram bons, pensava a irmã. Levou-os à escola.

A professora achou uma graça. Era fantástico que um menino de quatorze anos anos escrevesse poemas. Decidiu publicá-los no mural da escola.

No dia da festa de encerramento das aulas, a profes-sora anunciou: “Eu gostaria de dizer que temos um poeta aqui na escola. Convido todos, depois da cerimônia, a visitar o mural e ver os poemas de João Renato.”

Entre alegre e surpreso, João Renato sentiu uma ponta de orgulho. Agora talvez Amália viesse conversar com ele. Seria o momento de dizer que ela era a inspira-ção, que era a causa de tudo.

Estava usufruindo esses pensamentos quando ela chegou. O paraíso parecia se aproximar.

– Parabéns, João Renato. São lindos seus poemas!Ele quis dizer que todos eram inspirados por ela,

queria dizer que estava apaixonado. Mas não conseguiu dizer nada.

Atrás vinha um menino que também elogiou os poemas.

– Ah, este é o Murilo, disse ela.