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PACIFICAÇÃO, VIOLÊNCIA E INFÂNCIA: O QUE AS CRIANÇAS DO MORRO DOS MACACOS DIZEM SOBRE ISSO? Lorena de Oliveira Jardim Chaves Monografia do Curso de Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profª Drª Anelise Monteiro do Nascimento Nova Iguaçu 2019

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PACIFICAÇÃO, VIOLÊNCIA E INFÂNCIA: O QUE AS CRIANÇAS DO MORRO DOS

MACACOS DIZEM SOBRE ISSO?

Lorena de Oliveira Jardim Chaves

Monografia do Curso de Pedagogia da Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Licenciado

em Pedagogia.

Orientadora: Profª Drª Anelise Monteiro do Nascimento

Nova Iguaçu

2019

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AGRADECIMENTOS

Sempre pensei em como começaria a escrever os meus agradecimentos, a quem

agradeceria; quem iria estar nesse momento tão importante e como poderia expressar toda

a minha gratidão e amor por aqueles(as) que me ampararam nessa caminhada. Pois a

realização deste trabalho não seria possível sem as suas interjeições.

Agradeço à Deus pelo dom do amor e pela vida que me deste. Obrigada por ter me

encontrado e me mostrado a verdade que excede todo o entendimento. Que assim como

você o meu trabalho seja para os pobres, pretos, favelados, marginalizados desse mundo.

Agradeço a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) por ter formulado e

implementado o instituto multidisciplinar em Nova Iguaçu como uma forma de

resistência na Baixada Fluminense. Nesse lugar aprendi que há uma universidade

comprometida com a pesquisa, a aprendizagem e os diversos encontros. Uma salva de

palmas à turma de 2015.2 vocês estarão para sempre no meu coração.

Agradeço à Anelise, por realizar a mais bela de todas as missões que é a orientação

baseada na dedicação, no respeito, na confiança e na autoria. Ter te encontrada foi um

presente.

Agradeço aos professores e professoras da UFRRJ por cada aula, por cada abraço, por

cada bronca, por cada ensinamento. Antes de entrar na universidade vinha cheia dos

achismos e ranços que as pessoas colocam sobre o funcionalismo público, mas vocês

foram e são a prova de que vale a pena lutar. Carregarei para sempre cada um dentro de

mim.

Agradeço aos amigos que me acompanharam dentro desse árduo processo que foi a

graduação na minha vida. Vocês seguraram a minha mão, me inspiraram, me fizeram rir,

me fizeram chorar, me abraçaram, brigaram comigo e me mostraram a verdadeira

amizade é capaz de resistir a todos os trabalhos em grupos; vivemos o luto e celebramos

lindos casamentos. O meu muito obrigada para: Juliana (com J), Giuliana (com G),

Thainá, Tatiana e Renato.

Agradeço às mulheres da minha vida. Mãe você sempre foi tão guerreira, trabalhadora,

amiga e parceira, cresci vendo você mudar toda a sua vida para que um dia alcançássemos

“as estrelas”, como você diz.

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À minha doce e forte avó, Luciene, o meu muito obrigada por ser essa super avó, vivi a

minha infância ao seu lado, sentindo o seu cheirinho e sendo amada por você, eu sou fruto

do seu amor e cuidado; obrigada por cuidar tão bem de mim. Espero que quando eu

“crescer” seja tão boa mãe, tia, esposa, irmã, como vocês foram na minha vida.

À Tawane, minha brava e furiosa irmã, obrigada por sempre ter se metido em todas as

brigas da escola por mim, crescemos e aprendemos a proteger uma a outra e é isso que eu

quero fazer pelo resto das nossas vidas; obrigada por ter trazido luz a nossas vidas com o

nascimento do Pedro Lucas ele é o resumo da fé, da esperança, do amor e da alegria.

E por último e não menos importante ao meu grande amor, companheiro e parceiro de

todas as horas Anderson Charles como é bom poder dividir a vida com você. Obrigada

por respeitar todas as minhas oscilações de humor, por enxugar as minhas lágrimas e

trazer os melhores sorrisos aos meus lábios.

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RESUMO

O presente trabalho pretende convidar ao diálogo as falas e as visões das crianças de seis

a oito anos sobre a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro dos Macacos, em

Vila Isabel. A UPP é uma política de segurança pública implementada pelo Estado do Rio

de Janeiro e a pesquisa indica que ela têm atingido as crianças e impactado suas formar

de viver o território. Chama atenção que ao falarem dessa política, ocorra uma inversão

hierárquica discursiva, que evidencia que as vozes das crianças não são levadas em conta,

ou não são consideradas, mas mesmo assim, elas atuam em um movimento político.

Como estratégia metodológica foram realizadas: observações participantes, entrevistas

com as crianças e registros escritos no caderno de campo. O tema surge de uma

inquietação pessoal, tenho vínculos com essa favela, somada ao desejo de entender o

silenciamento das crianças da periferia nos ambientes educativos, especialmente sobre as

questões que ocorrem para além dos muros da escola, mas que impactam dentro dela. Que

oportunidades encontram essas crianças de falarem sobre temas transversais ligados a

comunidade, a vida, a subjetividade no interior dos espaços sociais? Como adultos lidam

com eles? São essas questões que dão origem a pesquisa. Encaminho esse tema com o

desafio de trazer as crianças para o centro desse trabalho respeitando as questões éticas

que cercam as suas participações entre elas: o rigor e a qualidade, reconhecendo suas

singularidades e as potencialidades infantis. Essa pesquisa se justifica pela necessidade

de aprofundamento de investigações no campo da sociologia da infância que tragam a

percepção das crianças sobre o complexo mundo do qual fazem parte. A Sociologia da

Infância é um campo que reconhece as crianças como sujeitos sociais, históricos e

produtores de cultura e como tais, as pesquisas acadêmicas devem respeitar e evidenciar

esses sujeitos como atores sociais e protagonistas de suas vidas.

Palavras-chave :UPP; sociologia da infância; favela.

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Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 13

Infância e criança: uma aventura na Sociologia da Infância ............................... 13

1.1 Metodologia ................................................................................................. 16

1.1.1 A ética e a participação: os limites da pesquisa ...................................... 17

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................ 21

Da semente a favela ............................................................................................... 21

2.1.1. Vila Isabel: Fazenda dos Macacos .......................................................... 23

CAPÍTULO 3 ............................................................................................................ 28

O campo: do desejo a constituição ........................................................................ 28

3.1 O primeiro contato ...................................................................................... 30

3.1.1 O que você quer saber do morro tu não mora aqui não?.......................... 32

3.1.2 É preciso brincar ..................................................................................... 35

CONSIDERAÇÕES FINAIS: .................................................................................. 37

PRA ONDE NOS LEVA ESSE DEBATE? .............................................................. 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 38

ANEXOS ................................................................................................................... 41

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INTRODUÇÃO

“Contar é muito dificultoso, não pelos anos que já passaram, mais pela

astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se

remexerem dos lugares. A lembrança de vida da gente se guarda em

trechos diversos; uns com os outros acho, que nem se misturam (...) têm

horas antigas que ficaram muito perto da gente do que outras de recentes

datas”.

João Guimarães Rosa1

Caros leitores, por diversas vezes me interroguei ao iniciar esta monografia sobre

o que escrever ou que palavras e memórias deveriam ser resgatadas e classificadas para

chamar-lhes a atenção e persuadi-los para quererem cada vez mais mergulhar nos escritos

desta monografia pela busca das delícias nas entrelinhas.

Me preocupava e perdia o sono sobre o que vocês gostariam de ler, escrevia e

reescrevia pela incerteza e inexperiência. Foi então que descobri que as preocupações

com o outro rodeavam a minha mente me distanciando e não entendendo o meu lugar

neste memorial. A visão era turva e sem forma, as palavras já não faziam sentidos e o

sentindo parecia-se perdido e a escrita era ela por ela. Foi quando precisei voltar para o

centro e entender que era o meu trabalho e neles vocês buscariam por mim.

Diante disso pude entender que a insegurança se explicava desde o início da minha

vida estudantil. Como aluna fui sendo programada para ser a “aluna controlada” para

falar, escrever e copiar. Mas, agora estava diante de outro desafio, as minhas memórias.

Quais deveriam ser resgatadas e contadas?

Segundo Moraes (1992), a escrita de um memorial para o indivíduo representa a

reconstrução da sua própria existência através do resgate das memórias mais célebres.

Portanto, podemos dizer que partir da sua própria existência como um crítico de si mesmo

se torna um trabalho árduo frente as interferências e múltiplas facetas que agregamos a

nossa vida frente aos tempos. Tais fatos nós permitem a seguinte reflexão: como ser

pesquisador(a) da sua própria existência? Como falar de minha vida escolar e acadêmica

sem lembrar e reviver as minhas memórias na infância?

Posso dizer que a minha infância foi ótima. Morávamos na casa da minha avó

materna, após a separação dos meus pais. Éramos quatro mulheres, entretanto, esse

1ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

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número mudaria em dois mil de seis (2006) com o nascimento da minha irmã caçula Ana

Beatriz.

Os melhores momentos se davam quando minha irmã Tawane (1 ano e 6 meses

mais velha) e eu íamos passar as férias na casa da nossa avó paterna. Aquele momento

era único. Todos os primos e primas se reuniam para transformar e recriar cada parte da

nossa realidade naquele quintal: o coqueiro era a nossa casa árvore ou a torre de um

enorme castelo, as árvores eram as nossas florestas, os tempos nublados e chuvosos

davam graça aos deliciosos banhos na chuva, os papelões eram os nossos palácios, um

quadro de giz nos transportavam as nossas escolas e o chão batido de cimento da rua

virava amarelinha, pista de corrida ou qualquer coisa que a gente quisesse.

Falar sobre a minha a vida escolar, minha vida acadêmica é fazer uma espécie de

livro de recordações. É contar coisas boas e más pois, nessa vida não passamos sem ter

marcas. É olhar para um tempo longe e trazê-lo para mais perto, é como se pudesse dar

um “zoom” em momentos especiais que cercaram a minha história. Fico muito envolvida

com esse trabalho e muito emocionada porque falo de um tempo da minha vida que

somente agora entendo como foi e é importante para a minha profissão.

Comecei a minha vida estudantil em 1999, na Creche Municipal Tio Sebastião

Xavier, situada em Vila Kosmos, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Ingressei

com dois anos, no sistema escola, pois, minha mãe precisava voltar ao trabalho. Desta

fase tenho vagas lembranças. Lembro-me que a escola era pequena, mas

aconchegante, tinha uma pintura bem colorida na fachada, as salas eram espaçosas, a

professora era sempre educada e todos que trabalhavam naquele ambiente eram

receptivos. Minha mãe me contou que em certa ocasião quando estava indo à creche

para falar com a diretora me viu sentada longe das crianças e sentindo curiosidade

decidiu perguntar à professora o porquê de tal atitude. Ela explicou que eu tinha sido

afastada, de castigo, por estar comendo as carnes do almoço dos outros colegas. Nesse

sentindo, as primeiras memórias escolares são repletas de afeto. Gostávamos demorar

em Vista Alegre, porém, tivemos que nos mudar depois que o meu tio partiu

precocemente. Seu falecimento abalou a minha avó e toda família, abandonamos o

bairro porque traziam a ela lembranças que não conseguia suportar.

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Por isso, no ano de 2000 nos mudamos de Vila Kosmos para Sulacap, eu tinha 3

anos. Nesse novo lugar estudávamos em um CIEP e em todas as manhãs íamos para a

escola em um lindo carro preto, com o tio Luís ouvindo a rádio Globo.

Uma vez instalada no novo bairro, me matricularam no CIEP Aracy de Almeida.

Essa era a melhor escola do mundo! Eu e a minha irmã estudávamos em período integral

mais o tempo corria muito rápido e todas as manhãs queríamos estar naquele lugar. Minha

professora se chamava Selma, com ela aprendi grandes lições e valores. Iniciei meus

passos no CIEP ainda na creche e fiquei até a classe de alfabetização (antigo CA), com a

professora Selma, e um dos fatos mais impactantes foi quando consegui ler cada palavra.

Saber que os bilhetes secretos, já não era algo indecifrável para mim.

No ano de 2003 nós mudamos para Madureira. Não conseguia entender bem os

motivos de uma mudança repentina quando a sorte parecia estar sorrindo ao nosso favor,

mas, hoje entendo que era pela minha avó. Ela ainda estava deprimida.

A casa ficava situada na rua Silvio Tibiriçá, próxima a fábrica da Piraquê. Era tão

bom acordar e sentir aquele cheiro de biscoitos recém-saídos do forno. Entretanto, foi um

dos momentos mais difíceis das nossas vidas pois minha mãe não conseguia emprego e

só a minha avó estava mantendo as despesas com a sua pensão.

Passei a estudar na Escola Municipal Aspirante Carlos Alfredo lá, todas as manhãs

formávamos em filas para cantar o hino. Isso não era algo tão prazeroso, entretanto, a

minha alegria era a escola. Era pequena por só ter turmas do 1° ao 5° ano, mas tinha um

grande pátio e o que mais me impressionava era a bela e formosa árvore gigante com os

seus cipós. Sempre imaginava ser a minha casa da árvore, a fortaleza que poderia sempre

me refugia na hora do recreio, debaixo dos seus cipós me agarrava e esquecia as

preocupações dos adultos. A hora do recreio era sempre livre: a gente corria, brincava de

jogar bola, mas muitas vezes por ordem de minha mãe eu não tinha recreio, porque eu

tinha dificuldade na tabuada. Nesse momento confesso que parecia que minha vida

andava em câmera lenta ao ver todos os meus colegas se divertirem, e eu lá só olhando

por uma janela com a tabuada na minha frente.

No ano de 2004, aos 7 anos, nos mudamos para Vila Isabel. Foram tantas

mudanças que eu já não sabia se viveríamos para sempre naquele lugar ou se nos

mudaríamos outras vezes, já estava cansada daquelas mudanças excessivas. Queria ficar

em um lugar e parar, formar amigos e amigas para toda a vida, queria ter o primeiro amor.

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Nunca pensei que esse bairro me surpreenderia tanto e nele encontraria o meu objeto de

pesquisa.

Comecei a estudar na Escola Municipal Presidente João Goulart (EMPJG),

localizada no bairro do Andaraí. A escola se situava em um grande terreno atendendo

desde o 1º ano até o 9º ano do Ensino Fundamental. Estudava no período da manhã e

aquele lugar era o encontro dos alunos de duas comunidades de facções rivais e que

disputavam o controle do mesmo território o que gerava a rivalidade entre os mesmos.

Preciso dizer que a fase das séries finais do ensino fundamental não foram as melhores

da minha vida, encarar o antigo ginásio era algo pavoroso quando não se estuda em uma

escola estruturada e a direção parecia recuar as demandas de pais, alunos e professores.

Um grupo de professores não se preocupava comigo e nem estavam com os demais

alunos, só se lembravam do meu nome, muitas vezes, por causa da chamada ou quando

não éramos identificados pelos números que acompanhavam os nossos nomes.

A cada som do sinal trocava-se de matéria e consequentemente de professor

também. Tínhamos nesses momentos que recolher todos os nossos materiais e ir para a

próxima sala. Os conteúdos pareciam não se encontrar. Era como entrar em um mundo

totalmente desconhecido, parecia que não conhecia aquele sistema. Sabe quando você

parece que está num lugar que você não deveria estar? Pois bem, era assim que eu me

sentia nos primeiros quatro meses na escola em que eu estava. Completei todo o meu

ensino fundamental na EMPJG depois dos grandes embates e toda a minha resistência

pude enxergar as belezas daquele lugar.

Em 2012 ingressei no Colégio Estadual Julia Kubistchek (CEJK), no Centro do

Rio de Janeiro, onde dava início à minha formação como professora. Estudar no CEJK

por três anos foi um momento de transformação e desenvolvimentos; pois, ao mesmo

tempo em que eu me lançava no magistério me via cobrada pela proximidade em que

chegava à fase adulta.

Iniciei o curso de formação de professores para satisfazer a vontade a

minha mãe, pensava que assim iria realizar o sonho dela. Porém, não tive como ficar

naquele colégio sem ser contagiada por aqueles ensinamentos. Comecei a desenvolver

em mim conceitos de alteridade e empatia pelo outro. Imaginava uma caminhada solitária,

mas pelo contrário tive ao meu lado, grandes incentivadores, amigos e amigas,

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professores e professoras que realmente se empenhavam com a educação pública e

desejavam que todos pudessem concorrer as vagas no ensino superior.

Fiz o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2014 e no segundo semestre

passei para cursar pedagogia na Universidade Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Comecei

com muito entusiasmo, mesmo que, às vezes, as pessoas me perguntassem ou falassem:

“Mas por que pedagogia?”. “Que coisa sem graça!”. Mas, eu tinha certeza da minha

escolha, por mais louca que se pudesse parecer. Ao passar os dias, percebi que cursar uma

faculdade não é fácil, mas faz a gente formar, pensar e (re)criar conceitos sobre a

educação de todos e, mais ainda, a nossa própria educação. A universidade e este memorial

me trouxeram um novo olhar sobre a minha jornada escolar.

São incontáveis as vezes em que tive algo para falar ou até protestar e não tive

chance por causa do autoritarismo do professor. Era o professor ali na frente autoritário,

muitas das vezes não por terem aquele perfil, mas por precisarem viver uma postura

repreensiva já que a EMJG recebia alunos das favelas; e nós alunos ali um atrás do outro

só copiando coisas que não tinham sabor e nem importância naquele momento. Poucas

eram as aberturas para os temas transversais ligados a comunidade, a vida e a

subjetividade. Pois, o alimento que nos faltava era dialogicidade com os seres que ali

ocupavam aquele espaço. Quando comecei a faculdade, tinha entusiasmo, agora tenho

alegria, prazer e o desafio de aprofundar um tema na monografia. E nesse momento

pensamos o que escolher?

Foi quando ao cursar as disciplinas de Políticas Públicas para a Infância e a

Juventude e a de Educação Infantil, respectivamente, no 3º e 4º período, pude entender

que aquela EMJG, que servia como uma extensão de uma rivalidade pelas disputas

territoriais do tráfico (entre os morros do Andaraí, São João, Pau da Bandeira e dos

Macacos) podia ganhar forças com os alunos vivenciavam diretamente a violência a pela

polícia, os traficantes ou a escola. Tal atitude não poderia ser encarada apenas como um

movimento de rebeldia e violência, mas, sim tensionada por aqueles sujeitos que se viam

engajados a defenderem os seus territórios.

Foi então que diante dessa inquietação e pela política pública de pacificação na

comunidade do Morro dos Macacos (UPP), implantada em 2010 que pude encontrar o

meu objeto de pesquisa. Participando do Grupo de Pesquisa sobre Infâncias de zero a dez

anos (GRUPIs), comecei a desejar entender os fenômenos que para mim não teriam

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explicação na sociedade, já que no dito popular eram assim é ponto, sempre quis entender

o porquê as crianças da classe popular, da periferia não tinham lugar de fala fora das suas

comunidades, sempre quis entender porque a escola em especial trazendo um pouco mais

para as escolas que eu estudei não me pertenciam, eu não fazia parte daquele processo, as

minhas falas só poderiam ser direcionadas a comentário sobre a matéria/ conteúdo. Mas,

no grupo de amigos a minha liberdade existia. E para isso busco uma categoria que por

alguns anos estiveram ausentes de falas sobre seus pensamentos, emoções e sentimentos.

Busco com as crianças saber suas interpretações e representações sobre a infância, a

violência e a pacificação do Morro dos Macacos.

Em função dessas Lorenas e tantas outras crianças que este trabalho se justifica,

não pretendo mostrar verdades irrefutáveis ou absolutas, a verdade é um ponto de vista!

Pretendo trazer a fala e a visão que as crianças têm sobre suas realidades caminhando em

um movimento da Sociologia da Infância que assume a pesquisa com crianças um resgate

a sua participação no mundo.

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CAPÍTULO 1

Infância e criança: uma aventura na Sociologia da Infância

Neste capítulo pretendo trazer apontamentos que nos façam refletir sobre as

“pedras” que tem nos ajudado a construir o caminho acerca do reconhecimento da

infância como uma etapa geracional do protagonismo infantil e das crianças como autores

e produtores dos processos sociais. E nessa aventura vamos dialogar com a Sociologia da

Infância (SI).

Mas, para início de conversa precisaremos situar as diferenças que existem entre

os conceitos de infância e criança. Que embora se constituam de forma recíproca não

institui uma ideia de “sinonimidade”. E para isso constituiremos um breve resumo

histórico sobre infância(s) e criança(s).

Permitam-me conjecturar em pleno século XXI o mundo retrocedendo a Idade

Média e, nesse retrocesso, as crianças retornando à condição de infans2 e tomado pela

ausência da infância. Para isso os convido a imaginar algumas situações comigo.

Imagine-se em um mundo onde todos ao nascerem são denominados como adultos

perante a sociedade, como na Idade Média, não é preciso cuidados especiais, abraços,

carinhos e beijos; as brincadeiras, invenções e descobertas deram lugar ao trabalho e o

consumo; e o ser criança passa a representar uma perda de tempo.

Imagine viver em um mundo onde não há leveza; onde não há gente pequena;

onde brincar na chuva, na lama e ralar o joelho fossem sinal de asneira e desleixo. Imagine

viver em um mundo onde a infância passou a ser um crime.

Conseguiu imaginar? O que seria viver o retrocesso da infância em plena

Contemporaneidade? Imaginou o mundo sem a infância? O que a infância contribui para

pensarmos a relações que temos em nossa sociedade? Será que se deixássemos de viver

a infância teríamos algum malefício?

O conceito de infância, nem sempre foi entendido como o concebemos

atualmente. Segundo Ariès (1986) “a ideia de infância” encontrava-se ausente na Idade

Média e com isso as crianças eram consideradas seres inferiores e julgados como seres

2 Seres sem falas.

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sem falas. E por isso, não se diferenciavam e nem tampouco eram representadas

significativamente pelos adultos.

Como descreve ARIÈS (1986):

Na sociedade medieval a ideia de infância não existia; isto não é sugerir

que as crianças fossem negligenciadas, esquecidas ou desprezadas. A

ideia de infância não deve ser confundida com a afeição pelas crianças:

ele corresponde a uma atenção à natureza particular da infância, essa

natureza particular distingue a criança do adulto, mesmo do jovem

adulto. Na sociedade medieval faltava essa atenção. (p.157)

Neste momento “a ideia de infância” estava ausente e acabava-se por ser uma fase

da vida desconsiderada pela sociedade onde os cuidados diferenciados eram reservados

apenas nos primeiros meses. Logo, as crianças após esse período não eram diferenciadas

dos adultos, portanto acabavam por não receberem um tratamento particularizado. Pelo

fato de as crianças não serem diferenciadas dos adultos, a sociedade as generaliza, ou

melhor, não eram vistas como crianças, como vemos atualmente. Por isso seus corpos

quando retratados nas pinturas carregavam seus rostos cobertos por fortes maquiagens,

suas roupas eram pesadas e as descaracterizavam. Seus brinquedos, sua linguagem e as

outras situações do cotidiano negavam a sua singularidade e subjetividade, não as

separando do mundo adulto, sendo, pois, consideradas um adulto em miniatura.

Entretanto, no século XVI e XVII, surgem os primeiros indícios por um novo

sentimento da infância caracterizado pela “paparicação” e a moralização. O primeiro

indício compreendia a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça a e tornando uma

fonte de distração e de relaxamento para os adultos. Já o segundo advinha de um forte

grupo moralistas que se preocupavam com a disciplina e racionalidade dos costumes pois

viam as crianças como frágeis criaturas e por isso, era preciso preservar e disciplinar os

seus corpos do mundo impuro (idem, p.164).

No século XVIII e XIX,os cuidados das crianças estavam ligados à Medicina e à

Psicologia. Até o século XX, a infância não tinha um espaço próprio para estudo com isso

as suas produções estavam basicamente vinculadas à Medicina e à Psicologia notava-se

que a higiene, a normatização e a prescrição do desenvolvimento das idades faziam com

que as crianças crescessem tendo o adulto como controlador da infância (BORBA e

NASCIMENTO, prelo).

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Por um longo período histórico as crianças foram silenciadas e inferiorizadas. Não

se reconhecia suas particularidades e diante das suas especificidades tornavam-se

invisíveis nos discursos científicos. Nesta vertente Kramer (1982) conclui que:

A ideia de infância não existiu sempre e da mesma maneira. Ao

contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na

medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na

comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel

produtivo direto (“de adulto”) assim ultrapassava o período de alta

mortalidade, na sociedade burguesa ela passava a ser alguém que

precisava ser cuidada escolarizada e preparada para a atuação futura.

Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela

modificação nas formas de organização da sociedade (apud KRAMER,

1996, p.21).

Um marco do reconhecimento social da criança surge na modernidade com a ideia

de infância e criança. Segundo Sarmento (2003) as concepções construídas

historicamente sobre a infância foram sempre baseadas numa perspectiva adultocêntrica

que agia de forma oculta quando se pensava em esclarecera realidade social e cultural das

crianças. À vista disso, foi sendo necessário buscar novas ferramentas que se fizeram

necessárias para dar suporte e rompessem com o modelo epistemológico sobre a infância

até então institucionalizado.

Somente a partir da década de 1980, buscando contrapor-se aos conceitos

estabelecidos constitui-se a Sociologia da Infância, um novo campo de estudo, que tem

se proposto a compreender o universo infantil e resgatar “a infância das perspectivas que

a compreendem como um simples período maturacional do desenvolvimento humano que

se constrói independentemente das condições históricas, culturais e sociais dos

indivíduos” (BORGES et al., 2014, p.273).

Nesse bojo surge o movimento da Sociologia da Infância como uma oposição a:

psicologia do desenvolvimento/ comportamento e à sociologia da educação onde se

pretende colocar em foco os sujeitos então esquecidos: as crianças. A busca não se

centrava mais na criança como um ser que ainda está por vir-à-ser, incompleta quando

colocada em comparação ao adulto como uma tabula rasa que é incapaz para as questões

de decisão sobre si mesma. Mas, como atores sociais que produzem cultura e nela são

produzidas, criam, sentem, crescem, transformam e modificam a sociedade que estão

inseridas.

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Essa concepção será fundamental para entendemos como a Sociologia da Infância

trouxe importantes mudanças conceituais para a construção histórica ligada a infância e

a criança ao fornecer importantes elementos para compreender quem são as crianças do

Morro dos Macacos. Nesta direção Borba (2008) afirma que “é preciso penetrar

verdadeiramente no mundo da criança (...) e compreendê-la do seu próprio ponto de

vista”. E para melhor inserção “é necessário romper com uma ideia (sic) única e universal

de infância e entendê-la em sua singularidade” pelas “diferentes infâncias vividas por

nossas crianças” (BORBA, 2008, p. 74-75).

Para Abramowicz (2011, p. 23-24), o referencial teórico da sociologia da infância

“nos ajuda a pensar a criança e a infância não só como maleta de instrumentos teóricos”

mas “traz em seus movimentos inversões interessantes, novos/outros agenciamentos,

novos pesquisadores, novas perspectivas sobre/ e com as crianças, um outro olhar contra

o adultocrentrismo.”

Não digo que a Sociologia da Infância seja uma terra conhecida, mas o que busco

resgatar é que diante desse caminho de tantos esforços os pesquisadores dessa vertente

inseriram um campo capaz de “pensar a criança para além dos paradigmas hegemônicos”

(ABRAMOWICZ, 2011, p.25).

1.1 Metodologia

Não é possível fazer um trabalho científico sem antes conhecer os “instrumentos”

que nos ajudarão a construir o caminho. A construção de uma pesquisa não se dá de forma

aleatória, é preciso antes, escolhermos quais mecanismos usaremos para percorrer o

campo pois adentrar por um caminho “desconhecido” sem uma metodologia é como

dirigir com uma fenda nos olhos. Desta forma, o pesquisador, saberá se tal escolha o

atenderá e/ou suportará para confirmar ou negar suas hipóteses lançadas.

Nesse caminho um trabalho de pesquisa que envolve as condições das crianças

exige, por um lado, o devido domínio teórico-metodológico do processo de investigação

científica, pois por se tratar de um trabalho científico e o rigor e a qualidade devem ser

prioridades. Sem dispensar a capacidade de estabelecer vínculos com os sujeitos para

construir uma relação de confiança.

Na medida em que a pesquisadora pretendia entrevistar crianças que residiam no

Morro dos Macacos, localizada na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, definiu-se que

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para o favorecimento ao acesso e as informações para o trabalho de campo era preciso

que houvesse um elo entre a pesquisadora e pesquisados. Era preciso que as crianças, que

seriam os sujeitos ativos daquela pesquisa, pudessem achar pontos de identificação/ou

aproximação com a pesquisadora. Era preciso que a história deles se encontrassem, pois

por não ser uma moradora do morro (atualmente) o seu distanciamento poderia

prejudicar/ou mascarar as situações problemas.

Segundo Minayo (2002) a pesquisa qualitativa “se preocupa, nas ciências sociais,

com um nível de realidade que não pode ser quantificado” logo “ela trabalha com o

universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes” (p. 21-22). Ou seja, a

abordagem qualitativa pauta-se na preocupação da exploração, da intuição e do

subjetivismo tendo o seu aprofundamento no mundo das relações humanas. Uma das

grandes contribuições da pesquisa qualitativa está no reconhecimento da subjetividade,

tanto dos sujeitos da pesquisa, como do próprio pesquisador.

Nessa direção Nascimento (2014) indica que,

A pesquisa nas ciências sociais é uma investigação sobre o homem feita

pelo homem. Assim, podemos afirmar que não há pesquisa isenta e

distanciada; ela é um olhar parcial sobre a realidade. Um olhar que é

fruto da experiência de todos os envolvidos. Cabe ao pesquisador a consciência de que a formulação ou a seleção de questões por ele

realizadas influenciam, diretamente, os resultados obtidos (p.11).

Portanto, podemos concluir que o pesquisador não é um elemento indistinto no

processo da pesquisa. À medida que ele observa e participa das ações dos sujeitos ele

avança na compreensão da realidade humana através da socialização.

A pesquisa teve a participação de 4 crianças, três do sexo feminino e um

masculino, sendo duas de sete anos, uma de oito e uma de seis anos. Para uma melhor

definição dos padrões de respostas, ficou delimitado que todas as crianças pertencentes

ao grupo fossem “crias” do Morro dos Macacos. Não se constitui como objetivo desse

trabalho efetuar uma comparação, mas entender como as crianças do Morro dos Macacos

vivem suas infâncias e pensam sobre questões do dia a dia.

1.1.1 A ética e a participação: os limites da pesquisa

A criança é um presente. O presente que ela anuncia é um presente do qual nós

adultos não fazemos parte e desconhecemos, pois é um presente em infância,

como crianças, um tempo que não somos/temos mais.

(Abramowicz, 2011, p.18)

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Muito se tem discutido e (re)pensado sobre a participação das crianças nas

pesquisas brasileiras. Parte dessas discussões se devem aos questionamentos e anseios

que os pesquisadores pela busca por coerência entre as questões teórico-metodológicas e

a concepção que reconhece a infância como uma categoria social atendam aos critérios

de rigor e da qualidade. E ao mesmo tempo, entenda as crianças como sujeitos históricos,

que produzem e são produzidos pela cultura reconhecendo as suas potencialidades

infantis.

Segundo Pereira (2015), em seu artigo “Por uma ética da responsividade:

exposição de princípios para a pesquisa com crianças”, a autora recorre a arte para

expressar como o fazer científico, quando tratamos de pesquisar com as crianças, não

pode se advir de forma homogênea. Para isso Pereira (2015) recorrer a obra do artista

francês contemporâneo Bernard Pras em o Retrato de Facteur Ferdinand Cheval, para

explicar o que se vê e o que está para além da estrutura.

O artista francês, Bernard Pras, desde os anos 60 vem construindo instalações

tridimensionais inspiradas em pinturas famosas de outros artistas, reconstruindo-as a

partir de objetos heteróclitos (mala, guitarra, cabeceira, cama, sofá, carinho de mão) que

a primeiro momento quando visto causa um desconforto ou sugerem um amontoado

caótico. Contudo, quando mudamos o foco e passamos a observar de um outro ponto de

vista reconstitui-se a forma apresentada originalmente na pintura.

O jogo por trás desse compartilhamento que o artista propõe é fazer com que as

diferentes perspectivas e anamorfoses desafiem os nossos modos de percepção. Mas,

porque recorrer a um artigo de 2015 que une a arte para discutir a ética nas pesquisas com

as crianças?

De acordo com Pereira (2015) se um objeto é olhado de várias perspectivas ele

adquire contornos diferentes de acordo com os diferentes ângulos a partir dos quais é

visado, como é possível querer extrair dele uma única resposta que seja suficiente à

especificidade de cada um desses distintos olhares?

Dessa forma, pensar uma ética da responsividade no campo da pesquisa científica

implica abrir mão de uma postura mecânica ou apriorística em relação ao conhecimento

que habita na recusa ao agir inconsequentemente. Sendo assim, é na evocação do outro

que a ideia da ética mora (PEREIRA, 2015, p.57).

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Kramer (2002) aponta que se tratando da pesquisa com crianças, a ética e a autoria

são fatores primordiais no processo que cerca o seu desenvolvimento, visto que, existe

uma força adulta baseada em um nível hierárquico pelas relações de poder.

Diante dessas questões e considerando o referencial teórico no qual essa pesquisa

esta apoiada, avaliei que ainda que fosse um desejo meu revelar a identidade das crianças

para dar coerência ao princípio de considerá-las como sujeitos do início ao final do

processo as suas narrações, poderia expô-las, trazendo repercussões constrangedoras ou

castigos. Ainda que a maioria das falas e situações relatadas não tenham consequências

comprometedoras no âmbito da igreja, da família ou do grupo de pares, o fato de falarem

sobre algo que foge da lógica infantil poderia repercutir como algo perigoso a elas.

Desse modo, decidi perguntar às crianças como gostariam de serem chamadas e

identificadas nos relatos desta pesquisa e para a minha surpresa optaram por manter os

manter os seus nomes originais. Pois na fala de João: o meu nome é João e vai continuar

sendo João (Caderno de Campo, 2019).

O consentimento para a participação na pesquisa e em tudo o que ela envolve: a

observação, as entrevistas, as fotografias, foi constantemente atualizado com as crianças.

Além do consentimento escrito (ver em anexo), da manifestação oral expressa por meio

do diálogo, foi também importante estar atenta a outros modos de expressão das crianças

que revelassem acordos ou desacordos, ou ainda modos diferentes passíveis de ser

incorporados nas estratégias que estavam sendo mobilizadas pela pesquisadora.

Dessa forma, ampliando o debate para a participação Filho e Barbosa (2010) vão

propor que para olhar a criança é preciso que tenhamos uma “lente de aumento” capaz de

nos levar a compreendermos e superarmos o muro que isola adulto e criança; e

pesquisador e pesquisado quando analisamos suas vozes, ações, reações e relações. Pois,

como nas palavras da epígrafe de Abramowicz, a infância é um tempo ao qual nós não

pertencemos e por isso ainda que seja uma etapa igualitária a todos os seres humanos não

poderá ser compreendida pela singularidade. Segundo Motta e Frangela (2013)

A pesquisa com crianças, a partir dessa perspectiva, pode configurar-se

num rompimento com a lógica que leva o intelectual a falar pelo

subalterno, pois que pode romper com a premissa de um sujeito coletivo

constituído numa cultura singular. Se a cultura não é instância rígida e

homogênea, podemos pensar na cultura produzida pelas crianças como

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um dos elementos da heterogeneidade que permite questionar permite

questionar a forma como as crianças são representadas pelos discursos

hegemônicos elaborados a partir de uma lógica adultocêntrica.

(MOTTA & FRANGELLA, 2013, p.188)

Nessa direção Qvortrup (1991 apud Corsaro, 2011, p. 93) propõe a infância como

uma forma integrada à sociedade logo, as crianças em suas infâncias “afetam e são

afetadas por grandes eventos e transformações sociais”. Nesse percurso, por terem um

papel que afetam e são afetadas ouvir as crianças significa trazer a sua participação

coletiva para entender os processos de mutação/metamorfose da sociedade, ao buscar a

interpretação e valorização de suas interações. Garantindo, assim, uma ressignificação, as

hierarquias geracionais dos papéis estabelecidos culturalmente.

Já que considerar a criança como protagonista na pesquisa científica é uma

prerrogativa da própria Sociologia da Infância que prioriza a inclusão das crianças como

sujeitos da pesquisa. E se queremos pesquisar sobre elas nada melhor que elas para nos

dizerem. Esse movimento será interessante para entendermos a diferenciação que ocorre

entre as pesquisas feitas sobre crianças, se caracteriza como um obstáculo ao

conhecimento da realidade da criança visto que os dados e informações partem dos

adultos (escola, família e Estado), e as pesquisas com as crianças que rompe com o

esquecimento que as envolveu na construção da história da própria infância e passa a ter

seu ponto de partida através das concepções, considerações e interações das crianças com

jovens e adultos (NASCIMENTO, 2013, p.49).

Como aponta Sirota (2001)

As crianças devem ser consideradas como atores em sentido pleno e

não simplesmente como seres em devir. As crianças são ao mesmo

tempo produtos e atores dos processos sociais. Trata-se de inverter a

proposição clássica, não de discutir sobre o que produzem a escola, a

família ou o Estado mas de indagar sobre o que a criança cria na

intersecção de suas instâncias de socialização (SIROTA, 2001, p.19).

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CAPÍTULO 2

Da semente a favela

“Favela

1. [Brasil]Conjunto de edifícios, majoritariamente para habitação, de

construção precária e geralmente ilegal.

2. [Depreciativo] Lugar de má fama, suspeito, frequentado por

desordeiros.

3. [Botânica] Planta das caatingas baianas.”

Fonte: Dicionário Online Priberam3

Antes de iniciarmos esse capítulo para conhecermos o terreno que nos foi palco

dessa pesquisa é preciso conhecer o contexto histórico de como as “favelas se originaram.

E para isso acho oportuno esclarecer o porquê que ao longo da minha escrita adotei a

palavra “favela” como uma forma original e autêntica para representar o espaço e as

pessoas que moram nesses lugares, dispensando todo e qualquer eufemismo.

Segundo Arenhart (2016) ao pensarmos na palavra favela existem várias

conceituações e representações sociais que foram construindo-se ao longo das

transformações históricas relacionadas às ocupações do espaço urbano. Historicamente a

favela era definida pelo que não seria ou pelo que não teria, se caracterizando assim, como

um espaço pela ausência de infraestrutura urbana, como: água, esgoto, luz e saneamento

básico. Um lugar sem ordem, sem lei e sem regras.

Minha intenção neste trabalho não é realizar uma discussão aprofundada sobre

esse tema, mas indicar algumas bases em que me apoio para fazer uso da palavra favela.

Já que em geral ao buscarmos referenciais sobre as favelas, na maioria das vezes, “se

fundamentam em pressupostos equivocados, em geral, superficiais” que são “baseados

em estereótipos que não permitem uma compreensão aprofundada sobre a realidade

social, econômica, política e cultural em sua totalidade e complexidade”. Mas afinal o

que é a favela? (OBSERVATÓRIO DE FAVELAS, 2009, p.21).

Segundo o Observatório das Favelas (2009) a constituição de uma favela se dará

pelas seguintes referências:

a) insuficiência histórica de investimento do Estado e do mercado formal principalmente

o imobiliário financeiro e de serviços;

b) forte estigmatização socioespacial, especialmente inferida por moradores de outras

áreas da cidade;

3 Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/favela>

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c) edificações predominantemente caracterizadas pela autoconstrução, que não se

orientam pelos parâmetros definidos pelo Estado;

e) apropriação social do território com uso predominante para fins de moradia;

f) ocupação marcada pela alta densidade de habitações;

g) indicadores educacionais, econômicos e ambientais abaixo da média do conjunto da

cidade;

h) níveis elevados de subempregos e informalidade nas relações de trabalho;

i) taxa de densidade demográfica acima da média do conjunto da cidade;

j) ocupação de sítios urbanos marcados por um alto grau de vulnerabilidade ambiental;

k) alta concentração de negros (pardos e pretos) e descendentes de indígenas, de acordo

com a região brasileira;

l) grau de soberania por parte do Estado inferior à media do conjunto da cidade;

m) alta incidência de situações violências, sobretudo a letal, acima da média das cidades;

n) relações de vizinhança marcadas por intensa sociabilidade, com forte valorização dos

espaços comuns como lugares de convivência.

Com a Lei do Ventre Livre em 1871, a cidade do Rio de Janeiro se encheu de

escravos em busca de trabalho. Nessa época começaram a surgir uma grande quantidade

de cortiços na região central da cidade, que até então era considerada área nobre da cidade,

e se tornou uma importante região de concentração de trabalho com a construção da

Central do Brasil em 1858.

No início do século XIX as elites brasileiras estavam preocupadas com a pobreza

urbana que tomava conta da cidade através das grandes cabeças de porco (cortiços) –

grandes casarões que abrigavam moradores de baixo poder aquisitivo. Com isso,

propunham práticas que pudessem intervir e administrar a pobreza e os seus personagens

(VALLADARES, 2000, p.6-7). Os primeiros interessados em esmiuçar a cena urbana e

seus personagens voltaram seus esforços para tratar os cortiços que ao seu ponto de vista

eram considerados como o “locus da pobreza” pois ali residiam “alguns trabalhadores e

se concentravam, em grande número, vadios e malandros, a chamada classe perigosa”

(idem, p.7).

Segundo Valadares (2000)

caracterizado como verdadeiro “inferno social”, o cortiço era tido como

antro não apenas da vagabundagem e do crime, mas também das

epidemias, constituindo uma ameaça às ordens moral e social (p.7).

Nesse sentido, ter na cidade espaços que não “embelezavam” constituíam-se como

uma condenação ao projeto higienista, orquestrado pelo então prefeito Francisco Pereira

Passos. Pois os antigos cortiços e casebres pelas suas condições precárias com a falta de

saneamento básico favoreciam o contágio de doenças. Com isso medidas administrativas

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precisaram ser tomadas, entre elas: a primeira estava ligada a proibição da construção de

novos cortiços no Rio de Janeiro; e em seguida, iniciava-se uma “caça às bruxas” com a

destruição do maior cortiço da época, o “Cabeça de Porco, com a reforma do prefeito

Pereira Passos, entre 1902 e 1906, que propôs sanear e civilizar a cidade.

A destruição desses espaços habitacionais se caracterizou como um plano de

desmonte e desapropriação do governo para com as pessoas que tinham aqueles lugares

como moradias onde se constituía em um plano desesperado por um embelezamento que

não garantia à população a mínima forma de sobrevivência. Para alguns estudiosos do

cortiço no Rio de Janeiro tal forma habitacional correspondeu como à “semente da

favela”.

Sem saber para onde ir e como recomeçar as suas vidas, após as campanhas contra

os cortiços, a população começam a procurar por novos espaços geográficos e dentro

desse quadro surge a primeira4 favela no Rio de Janeiro, o Morro da Favella, em torno de

1900 – onde mais tarde seria conhecido como Morro da Providência.

Valladares (2000) nos diz que com o fim da Guerra de Canudos chega à cidade do

Rio de Janeiro os ex-combatentes e estes interessados em pressionar o Ministério da

Guerra a pagar os soldos de guerra devidos passam a ocupar o morro localizado aos

fundos desse Ministério, que batizaram de Morro da Favella. Contudo, a autora esclarece

que apesar do morro da Favela, hoje morro da Providência, ser o mais conhecido, a Quinta

do Caju, a Mangueira e a Serra Morena também datam do século XIX e são todas

anteriores ao morro da Favela. O povoamento dessas zonas começou em 1881 e seus

primeiros habitantes eram imigrantes portugueses, espanhóis e italianos. No entanto, foi

o morro da Favela que entrou para história.

2.1.1. Vila Isabel: Fazenda dos Macacos

O bairro de Vila Isabel tem sua fama reconhecida por ter sido o berço do sambista,

cantor e compositor, Noel de Medeiros Rosa, mais conhecido como Noel Rosa.

Considerado um local boêmio do Rio de Janeiro, está situado na Zona Norte da cidade.

Vila Isabel, nome dado em homenagem à Princesa Isabel, surgiu do espírito

empreendedor do Barão de Drummond, que adquiriu a Fazendo do Macaco, de

4 Datam que a Quinta do Caju, a Mangueira e a Serra da Morena como favelas anteriores ao morro da

Favella. Porém, nesse trabalho nos referiremos como o morro da Favella como a primeira devido a sua

importância histórica, social e política.

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propriedade da Imperatriz D. Amélia Augusta Eugênia – esposa do imperador D. Pedro I

– e seus herdeiros quando a Lei do Ventre Livre foi promulgada e os escravos lá residentes

foram libertados.

Fundado em três de janeiro de 1872 teve suas projeções arquitetônicas projetas

nos moldes de Paris, a fazenda tinha como limites o rio Joana, o caminho de Cabuçu

(conhecida atualmente como rua Barão do Bom Retiro) e pela serra do Engenho Novo.

Conforme relatos de moradores mais antigos, a comunidade teve sua origem quando

alguns guardas do antigo parque jardim zoológico decidiram começar a construir casas

de zinco no morro, a fim de impedir sua ocupação irregular. Entretanto, com o passar do

tempo, estes funcionários, passaram a fixar residências com suas famílias no morro dando

início as ocupações irregulares. Por conta do parque zoológico, o morro ficou conhecido

inicialmente como Parque Vila Isabel, passando a chamar-se Morro dos Macacos devido

ao grande número de primatas que viviam no local.

O Morro dos Macacos conta com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)

desde 30 de novembro de 2010. A região localiza-se em uma importante região de acesso

ao Estádio do Maracanã, as estações de trem e metrô e a Universidade do Estado do Rio

de Janeiro (UERJ).

A violência é sem dúvida um dos grandes problemas que vem se arrastando há

décadas no Estado do Rio de Janeiro e por isso notamos a sua crescente presença na

sociedade através dos seus destaques nas mídias sociais, nos rádios, nos jornais, nas

novelas, nos indicadores sociais (IBGE, ISP, Observatórios de Pesquisas), etc. Com isso

não passamos um dia sequer, sem sermos invadidos por notícias que nos assolam a alma

em busca de retirar-nos a empatia, a solidariedade ou a esperança. Parte dessa violência

acaba tendo sua relação pelas chamadas “Guerras do Tráfico” que por suas extensões

ultrapassam os limites geográficos dos morros, local onde sua presença se dá com certa

naturalidade.

Em função dessas experiências fracassadas de programas de segurança pública no

Rio de Janeiro, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) se ressaltam, em seu início,

como uma esperança e resposta aos tempos de caos frente a violência e a criminalidade

no Estado.

As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) surgem no Estado do Rio de Janeiro

em 2008, como um modelo de ação policial voltado para enfrentar nas favelas, o poder

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dos grupos criminosos ilegais armados. Sua regulamentação está garantida pelo Decreto

nº 45.186 de 17 de março de 2015 publicado no Diário Oficial (D.O). O documento

estabelece, em seu artigo 3º, os objetivos das UPPs que são:

I - Retomar territórios sob o jugo de grupos criminosos, visando à extinguir a

coação ilegal sobre seus moradores; II - Reduzir a violência armada,

especialmente a letal; III - Recuperar a confiança e a credibilidade dos

moradores na polícia. (DIÁRIO OFICIAL, 2015)

Durante o governo de Sérgio Cabral, com a Secretaria de Segurança do Estado

(Seseg) sob o comando de José Mariano Beltrame, a primeira UPP foi implementada em

19 de dezembro de 2008 no Morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, zona sul da cidade

do Rio de Janeiro. Seu “nascimento” teve como inspiração uma experiência bem-sucedida

na área de Segurança Pública em Medelín, na Colômbia. Desde 2008, trinta e oito

unidades foram implantadas na região metropolitana do Rio de Janeiro: sendo 37 na

capital e uma em Duque de Caxias (Complexo da Mangueirinha).

Tratava-se de um projeto de “(re)aproximação entre policiais e moradores nas

áreas retomadas de grupos armados pelo estado” onde o “fazer moderno e criativo que

prioriza a construção de redes de confiança para que delas compartilhem polícia e

sociedade”. E com isso “reconquistar a legitimidade do Estado” e “recuperar a confiança

de moradores que foram historicamente excluídos” (MELLO; MUNIZ, 2015, p.48).

Porém, dentro do contexto de crise econômica que atravessa o governo do estado do Rio

de Janeiro, em 2018, foi preciso enxugar algumas unidades reduzindo o seu efetivo e a

desativando5 algumas bases. Nesse trabalho trataremos como nosso objeto de estudo a

unidade do Morro dos Macacos.

Mapa 1 – Favelas com UPPs no RJ

5 Foram elas: Batam (maio); Vila Kennedy e Mangueirinha (junho); Cidade de Deus (agosto); Camarista

Méier (setembro); São Carlos (outubro); Coroa / Fallet / Fogueteiro, Cerro-Corá e Caju (dezembro).

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Fonte: Instituto de Segurança Pública (ISP)

Para que houvesse o estabelecimento de uma UPP era preciso que as áreas

potencialmente suscetíveis a receberem seguissem as diretrizes estabelecidas pela Seseg

e pelo próprio Instituto de Segurança Pública (ISP) como “aquelas compreendidas por

comunidades pobres, com baixa institucionalidade e alto grau de informalidade, em que

a instalação oportunista de grupos criminosos ostensivamente armados afronta o Estado

Democrático de Direito” (DIÁRIO OFICIAL, 2011).

Com o Decreto nº 42.787 de 06 de janeiro de 2011, o governador Sergio Cabral

estabelece os procedimentos padronizados e os objetivos para aplicação da filosofia da

polícia de proximidade. De acordo com o documento, o programa de pacificação envolve

quatro etapas para a sua existência. A primeira é a intervenção tática. Nesta etapa são

deflagradas ações táticas, coordenadas pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais

(BOPE), pelo Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e por outros efetivos com o

objetivo de recuperarem o controle estatal sobre áreas ilegalmente subjugadas por grupos

criminosos ostensivamente armados.

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Após a dominação do terreno acontece a “estabilização”. Nesta segunda etapa,

antecedendo a implementação da UPP, são intercaladas ações de intervenção tática e

ações de cerco da área delimitada. Na terceira etapa a implementação da UPP ocorria

quando os policiais militares capacitados para o exercício da polícia de proximidade

chegam à favela e passam a ocupar a área para a chegada dos demais serviços públicos.

A quarta e última etapa compreende na avaliação e no monitoramento. Nesse

momento, tanto as ações de polícia pacificadora, quanto as de outros atores prestadores

de serviços públicos e privados nas comunidades contempladas passam a ser avaliados

sistematicamente com foco nos objetivos para aprimoramento do programa.

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CAPÍTULO 3

O campo: do desejo a constituição

Meu movimento em direção à definição do campo de pesquisa se orientou

considerando algumas premissas definidas em razão da pertinência do objeto. Sendo

assim, o campo deveria caracterizar-se pelo contexto social e classe social, acesso à

cultura.

Assim, minha ideia inicial era de estudar grupos infantis de seis a oito anos no

espaço escolar, visto que, seria o lugar mais indicado para tal pesquisa pela pluralidade

do campo, ao reunir os sujeitos dessa pesquisa, as crianças. Dessa forma, poderia buscar

dentro dos espaços formais de educação como as vozes das crianças eram tratadas no

interior das instituições escolares. Sem contar que me proporcionaria um melhor acesso

às famílias das crianças para que eu pudesse lhes esclarecer o trabalho e realizar o estudo

de forma consentida e ética.

Sendo assim, comecei a mapear as unidades educacionais que fizessem parte do

quadro de escolas públicas da Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro

(SME), em especial, na região de Vila Isabel, que reunissem o grupo etário que tinha

definido e que atendessem, preferencialmente, as crianças residentes do Morro dos

Macacos. Minhas pesquisas me levaram a encontrar quatro instituições: a Escola

Municipal Equador, a Escola Municipal Noel Rosa, a Escola Municipal Mário de

Andrade e o CIEP Presidente Salvador Allende.

Conheci, primeiramente, a Escola Municipal Equador pois, é uma instituição que

atende majoritariamente6 as crianças residentes do Morro dos Macacos. Esta instituição

atende à alunos da pré-escola ao Ensino Fundamental II nos turnos matutino e vespertino.

Ao chegar no espaço em abril de 2019 fui orientada a procurar a direção. Ao me

apresentar e iniciar a minha fala sobre o que me levará aquele espaço fui surpreendida

por um balde de água fria, sem ter começado a falar do meu projeto fui interrompida e

sem mais esclarecimentos me pediram que procurasse a secretaria de educação.

Em uma contrata partida ao balde de água fria, fui em maio de 2019 a três

instituições por uma indicação: a E.M. Noel Rosa, a E.M. Mário de Andrade e ao CIEP

Presidente Salvador Allende. Nessas instituições pude encontrar o oxigênio, que uma

6 Fala da agente educadora da Escola Municipal Equador.

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recente pesquisadora precisava, pela receptividade da direção e equipe pedagógica ao

apresentar o meu projeto de pesquisa. Tal momento, fez com que brotasse em mim o

entusiasmo e a euforia para logo então “arregaçar as mangas” e começar a minha

descoberta pelo meu novo mundo.

Porém, os processos administrativos se constituíram como uma agrura para a

minha introdução no campo. Ao ir ao prédio da SME, situado na Cidade Nova, com o

projeto de pesquisa foi preciso que me encaminhasse para a 2ª Coordenadoria Regional

de Educação (2ªCRE) pois, precisaria de um documento que alegasse a ciência e

autorização da área pedagógica sobre a minha pesquisa e buscasse o modelo atualizado

do projeto de pesquisa do município do Rio de Janeiro para submissão. Contudo, a

tramitação legal de avaliação pelo Comitê Nacional de Ética em pesquisa, para obedecer

à norma da portaria E/DGED nº 41/2009 a qual estabelece a obrigatoriedade do parecer

desse comitê, levaria até 4 meses para a apreciação.

Nesse sentindo, me vi em um labirinto sobre como continuar a minha pesquisa ao

considerar o calendário escolar e os fatores externos (chuvas, conselho de classe, feriados,

pontos facultativos, etc.) sem contar que eu queria fazer esse estudo em uma escola que

se situa-se no próprio Morro dos Macacos e por ter esse desejo eu bem saberia que os

tiroteios e toques de recolher me levariam a reduzir mais ainda o meu tempo para a

observação.Com isso apenas uma pergunta ficava persistindo em minha mente: como

continuar com esse tema sem ter tempo hábil para fazer a pesquisa na escola? Porém, ao

expor os fatos em uma reunião de orientação resolvemos construir uma nova estratégia,

um novo desafio: reunir as crianças em um espaço não formal.

Me sentia à vontade em realizar a pesquisa em um espaço escolar, como explicado

acima, pois seria um lugar do encontro com a pluralidade e de fácil acesso as crianças,

porém ao ler um artigo de Flávia Dip e Gabriela Tebet (2019) tive um encontro com a

seguinte citação,

Interessante notar que a maior parte dos estudos feitos sobre culturas

infantis foi realizada em contextos escolares, ocupados

predominantemente por crianças e, por isso mesmo, locais onde os

pesquisadores poderiam encontrar mais facilmente seus sujeitos de

investigação. Cabe perguntar se, em outros lugares, nos dias de hoje,

poderíamos encontrar as mesmas evidências da existência de uma

cultural infantil autônoma? Há autores que sugerem que talvez o que

estamos chamando de cultura infantil exista nós espaços e tempos nós

quais as crianças tem algum grau de poder e controle. É o caso dos

pátios da escola, no recreio, nos parques de recreação existentes nas

escolas, nos tempos vagos existentes nas rotinas criadas pelos adultos, nos grupos das ruas, pois são espaços em que geralmente as crianças

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estão livres do olhar adulto. (ABRAMOWICZ; OLIVEIRA

apud DIP; TEBET, 2019, p.47).

Nesse sentido ficou decisivo que ainda que os espaços escolares fossem a área

predominante, pela presença das crianças, ele não poderia se constituir como um único

meio para que a participação e o protagonismo das crianças ocorressem nessa pesquisa.

No entanto, logo vislumbrei alguns entraves para a operacionalização dessa ideia.

Em minha mente como “marinheira” de primeira viagem me via impotente para realizar

uma pesquisa fora de uma instituição escolar visto que só pensava nos desafios que tal

caminho me requereria, tais como: reunir e garantir a participação das crianças, o espaço

e a dificuldade de localizar as famílias e responsáveis.

Assim, convencida de que não mudaria meu objeto de pesquisa e que a minha

pesquisa se realizaria sobre a ótica infantil resolvi desenvolver este trabalho com as

crianças da igreja da qual eu faço parte, em Vila Isabel.

Foram convidados para participar da pesquisa oito crianças. Entretanto, no dia da

reunião, contamos com a presença de quatro participantes, são eles: Sophia, João,

Emanuely Cecília e Mikaelly.

3.1 O primeiro contato

Entro na sala e um misto de emoções invadem a minha alma: a eufórica, o ânimo

e entusiasmo se juntam a alegria por ter conseguido vencer os meus pessimismos. Mas

controlo todos os anseios que rodeiam a minha mente naquele momento pois, das oito

crianças que havia convidado apenas quatro foram com seus responsáveis a aquela

igreja e eu só pensava, e se alguém desistisse? (Lorena, Caderno de Campo, 2019).

“Cresci brincando no chão, entre formigas. De uma infância livre e sem

comparamentos. Eu tinha mais comunhão com as coisas do que

comparação.

Manoel de Barros7

Antes de começarmos a conversar decidi fazer um momento informal

para explicar as crianças as questões que futuramente viríamos a conversar caso elas

aceitassem participar dessa pesquisa. E para isso, busquei ressaltar a importância que a

participação delas nesse estudo para que eu pudesse apresentar um pouco delas ao

“mundo científico”.

7BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas – a terceira infância; São Paulo: Editora, Planeta, 2008.

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Comecei me (re)apresentando as crianças e contando a elas um pouco sobre a

minha vida e da onde eu vinha, elas me conheciam apenas da igreja por isso achei

necessário criarmos um novo vínculo já que elas perceberiam que eu estava ali com um

novo papel, o de pesquisadora, e não o da "tia da salinha da igreja ou irmã da Tawane".

Era do meu interesse que eles soubessem o real motivo por estarem ali sentadas naquele

tapete no meio da minha sala. Antes de iniciarmos a pesquisa combinei que

construiríamos um quadro de "combinados" para o nosso próximo encontro e os perguntei

o que não poderia faltar pra que nossa pesquisa fosse interessante, o que poderíamos ou

não falar, o que eles gostariam de dizer; e que aquilo seria algo que poderíamos mudar a

qualquer momento. As crianças não queriam que aquele momento se tornasse uma

intromissão para os pais ou responsáveis opinarem ou decidirem o que elas poderiam ou

não falarem.

Sendo assim construímos de forma coletiva os seguintes combinados:

- Não falar nada pros pais;

- Os pais não poderiam participar;

- Ninguém é obrigado a falar;

- O Pedro pode participar;

- Não pode mandar calar a boca.

(Caderno de Campo, 2019)

Elucidei as crianças que todos os nomes, locais e informações que pudessem

identificar tanto a escola, a igreja, os seus familiares ou demais pessoas referenciadas

seriam o nosso “segredo” (omitidos ou alterados) caso elas mudassem de ideia até o final

das nossas entrevistas. Pela mesma razão ética, informei que desligaria o gravador sempre

que surgisse algum assunto que um de nós considerasse não apropriado para a gravação

ou que sentissem vergonha de relatar. Todas as crianças mostraram-se interessadas e

curiosas sobre o que iríamos falar e como dito por eles “deve ser coisa séria pra tia trazer

a gente pra casa dela”. Segui o mesmo procedimento para obter a autorização dos

responsáveis e as primeiras falas que sobressaíram daquele grupo de oito responsáveis ao

buscar a sua autorização mostravam as suas preocupações, tais como: “Lorena eles nem

sabem o que é a UPP”; “Lorena isso é perigoso”; “Não é melhor fazer esse trabalho com

adultos”, “Isso não é assunto para crianças”. Aquele momento não me espantou pois

estava preparada para aquelas reações e na minha frente haviam mães, pais, avós,

mulheres e homens que não tiveram as oportunidades de terem as suas vozes

referenciadas na infância; nos rostos daquelas pessoas estavam as preocupações e anseios

que se carrega sobre todo o morador de favela. Entretanto, quatro crianças não puderam

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participar. Por isso nesse estudo monográfico contaremos com a participação de quatro

crianças.

Para a gravação da entrevista, utilizei um gravador de voz digital instalado no meu

telefone e uma câmera fotográfica para os registros e gravações. A entrevista foi realizada

na casa da pesquisadora em 27 de julho e 03 de agosto de 2019, em função das férias

escolares das crianças.

3.1.1 O que você quer saber do morro tu não mora aqui não?

Ao pensarmos em favela somos levados a pressupor as suas representações sociais

ligadas à pobreza, a marginalidade, a falta de saneamento básico e as altas taxas de

criminalidade e violência, e quando levamos a nossa mente ao imaginário das realidades

infantis, existentes nesses espaços, essa ideia não se altera. Neste sentido Bittencourt e

Caldas (2012) vão salientar que ao considerarmos as crianças e as suas infâncias nesses

ambientes é comum conjugar uma vida marcada pela ausência de requisitos básicos para

um desenvolvimento saudável.

A infância das camadas populares, no auge dos anos 70, foi retratada pelas teorias

da “carência” ou “deficiência” cultural que desqualificavam as suas especificidades e

subjetividades quanto as suas experiências de vida (GOUVEA,1993).

Dessa forma, Costa et al. (2015, p.31) propõem que nos processos identitários da

pesquisa, o pesquisador precisara estar entre, na fronteira, para descolonizar os discursos

tidos como especialista (do expert) aos modos de produzir significados e experimentar as

multidirecionalidades para vivenciar as produções de sentidos. Essa perspectiva fica

explícita na fala do participante João: “O que você quer saber do morro tu não mora aqui

não?” (JOÃO, Caderno de Campo,2019).

Ao interrogar a pesquisadora sobre os seus intuitos ao querer saber sobre o Morro

dos Macacos, João quis entender o porque ela, como adulta e moradora da região, teria

o interesse de perguntar a eles o que se passava naquele lugar e o que eles poderiam ter

de interessante para falar. Desse modo, entendemos que:

Dar-se conta da alteridade infantil no desenrolar da pesquisa é fazer aparecer

sua presença e junto com ela compor as aberturas necessárias ao já sabido, ao

já dito, ao já consolidado. Do mesmo modo, dar às crianças a oportunidade de

confrontar-se com experiências com os adultos, que não sendo

necessariamente pedagógicas (mas educativas, pois transformam) reativem

nossas capacidades criadoras de outros mundos[...] (COSTA et al, 2015, p.31).

Para Borba (2006, p.4), As crianças se encontram em um mundo estruturado por relações materiais,

sociais, emocionais e cognitivas que organizam suas vidas cotidianas e suas

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relações com o mundo. É neste contexto que elas vão constituindo suas

identidades como crianças e como membros de um grupo social. Não devem,

todavia, ser vistas como sujeitos passivos que apenas incorporam a cultura

adulta que lhes é imposta, mas como sujeitos que, interagindo com esse mundo,

criam formas próprias de compreensão e de ação sobre a realidade. Isso porque

esse contexto não apenas constrange suas ações, mas também lhes traz novas

possibilidades.

Nessa mesma direção Arenhart (2005) destaca que a relação entre sujeito e

sociedade se organiza de uma forma dialética e que desse modo não se trata nem de mera

assimilação passiva, nem de produção científica, mas de uma troca onde ao mesmo tempo

em que formam, também são formadas por ela.

As favelas por muitos anos foram locais de grande descaso e ausência do Estado

isto favoreceu com que grupos criminosos exercessem nesses espaços importante

protagonismo e controle das relações que nela se dão. Neste sentindo na primeira reunião

com os responsáveis das crianças foi comum ouvir que eles não tinham o que reclamar

dos bandidos já que eles não se apresentavam como um perigo para a sua família e todos

sabiam as ordens do morro, já nos relatos direcionados a polícia, tinham um medo de que

aquilo que os seus filhos(as) fossem apresentar trouxessem grandes represálias. Este

fenômeno é explicado por Mello e Muniz (2015) ao dizer que o uso do poder coercitivo

da polícia se emancipa e se confunde com as paixões daqueles que o exercem e por isso

acaba por transparecer menos segurança e favorece mais os arranjos particulares e

personalistas de proteção.

As crianças também contaram história sobre a relação dos traficantes e da polícia

antes e depois da instalação da UPP, no Morro dos Macacos. Seus depoimentos antes da

UPP:

Emanuelly: “Muito ruim, dava tiro”. João: “O bandido ficava na rua, a polícia chegava,

eles corria, dava tiro e depois fica tudo calmo”. Sophia: “Era ruim, chegou a polícia deu

alguns tirinho...Deu alguns tirinho??? Acertou a janela da minha sala!!”. (Caderno de

Campo,2019)

Dessa forma, ao analisar as narrativas das crianças vemos que os conflitos no

morro, antes da implantação da UPP, sempre foram encarados como algo intenso e que

trazia problemas aos moradores que ali residiam.

Contudo em meio a entrevista surgiu novos relatos sobre a situação atual da UPP.

Para realçar esse momento transcrevo outro episódio:

João: Ficou ruim com a UPP, horrível.

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Sophia: Ah... ficou mais ou menos porque acontece a mesma coisa. O cara agora fica fumando agora ali na

minha porta e vendendo droga. (Caderno de Campo, 2019)

Os principais pontos de descontentamento das crianças estavam atrelados a

presença e a atuação ostensiva e agressiva dos policiais aos moradores. E neste misto de

sensações João trouxe uma observação pessoal sobre o comportamento dos policiais: Tem

muita polícia que não é do bem, tem polícia que é do mal. Então, pra mim, mais ou menos.

(Caderno de Campo, 2019). Tal indagação de um menino tão jovem me fez perceber que

as crianças se atentam a atuação e os comportamentos das autoridades dentro do morro e

como tais relações, entre polícia e bandido, circunscritas entre grupos opostos se atraem.

Nesse sentido que leituras as crianças fazem desse lugar de poder e “liderança”

que os traficantes exercem?

Sophia: Ah tem uns bandidos que moram lá na casa da minha vó Valda. Então eu não tenho medo. O amigo

do meu primo não tinha braço, não conseguia dar tiro, aí o do lado dele ajudou ele. Eles ficam lá, mas eles

só dão tiro quando tem polícia.

Lorena: Vamos começar pelo João. Fala João:

João: Ah eu acho ruim só, só isso...

Lorena: Mas, porque João?

João: Por causa do meu irmão, mas, não fala pra minha mãe. Ele morreu!

Emanuely: Fica triste não João! A gente não vai falar nada.

(Caderno de Campo, 2019).

Temos uma leitura crítica da ação dos grupos dentro da comunidade, mas na fala

das crianças o tom é afetivo? Estaria essa afetividade no laço estendido de amizade do

João? Ou independente deles?

Para nos ajudar a pensar tal temática recorro a fala de Judith Butler (2005) ao

dizer,

Certas vidas merecem ser choradas, outras não, a atribuição diferencial do direito ao luto (grievability), que decide quais

sujeitos devem ser chorados e são efetivamente, e quais sujeitos

devem ser chorados e são efetivamente, e quais sujeitos não devem ser, produz e mantém concepções exclusivas quem é o

humano de um ponto de vista normativo; qual vida é digna de ser

vivida, qual morte deve ser chorada (apud ABRAMOWICZ,

2011, p.24-25)

Em tempos de tanta barbárie temos visto vidas negras, pobres, faveladas, sendo

exterminadas. Nós colocamos diante dos jornais e das mídias com a balança para medir

quem vale mais. Por isso, ver a dor e o desespero daquele menino ao dizer que perdera o

seu irmão de uma forma tão trágica e estúpida, que aquilo não podia ser contato a sua

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mãe, para poupar-lhe o sofrimento, fez com que algumas questões fossem levantadas:

como julgar a dor de alguém? Como dizer por quais vidas podemos chorar? Qual o valor

da nossa vida?

Não estamos dizendo que as crianças são detentoras "de uma verdade absoluta ou

dotadas de um conhecimento puro, inovador e irrepreensível" (SILVEIRA, 2014, p.1-2).

Mas, sim, viabilizar uma escuta sensível sobre seus desejos, medos, temores e alegrias ao

abandonar uma visão predominantemente e singular da criança como alguém inferior ou

de menor valor/importância; a que não precisa ser levada a sério já que não sabemos como

separar a mentira ou a fantasia.

3.1.2 É preciso brincar

A brincadeira é uma palavra estreitamente ligada à infância e às crianças. É sobre

a brincadeira que se dão as interações, diversões e momentos de descontração.

Consideramos que o brincar é um cenário privilegiado para compreendermos como as

crianças produzem e reproduzem nas interações com os seus pares, experiências,

sentimentos e particularidades sobre a vida social na qual estão inseridas, interpretando-

a segundo os seus desejos e necessidades.

De acordo com Vigotski (1987), o brincar é uma atividade humana criadora, na

qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de

interpretação e expressão e de ação das crianças. Porém, ainda é considerada irrelevante

ou de pouco valor em alguns contextos da escola que pensam o brincar como uma

desvalorização do “saber” docente, e em alguns casos assumem um papel paralelo, ainda

que ganhem presença nos planejamentos são associados a uma função de subordinação

as matérias.

De acordo com Borba (2006, p.47), ao brincar “a criança não apenas expressa e

comunica as suas experiências, mas ao reelabora, se reconhecendo como sujeito

pertencente a um grupo social e um contexto cultural”. É através da brincadeira que a

criança intervém sobre a realidade e aprende sobre si, o outro e o mundo.

Desde pequenos somos ligados ao mundo através de brincadeiras. Basta fazermos

um esforço na memória para lembrarmos de como fomos marcados pelos momentos de

intenso prazer e felicidade ao corrermos com os pés descalços no chão, ou ao ralarmos os

joelhos subindo um muro no “pique-altura” ou em uma partida de futebol, ou ao

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cortarmos a mão ao soltar uma pipa, ou pular de um pé só na amarelinha, ou quando uma

caixa de papelão podia virar uma linda casinha, um castelo. A variedade e a riqueza lúdica

desses momentos não pareciam ter limites.

Como diz Sarmento (2003, p.16) "o brincar é a condição da aprendizagem e, desde

logo, da aprendizagem da sociabilidade". Nos relatos das crianças desta pesquisa

conseguimos identificar como elas se conectam através das brincadeiras de rua, as

pedaladas através das bicicletas e dos brinquedos que desejam e como elas têm sobre o

asfalto a ressignificação de um mundo tão assolado. De uma rua que é palco de uma

violenta disputa entre polícia e bandido quando tomada por crianças se transforma como

os contos de faz-de-conta, de uma árvore que serve como escudo elas sobem sem medo

de cair.

João: Eu gosto de brincar de futebol, de boneco, de bicicleta, de pique esconde,

soltar pipa, de várias coisas. Lorena: Vocês brincam na rua? Sophia: Só de correr, brincadeira de correr. Mikaely: Eu brinco na rua! Emanuely: Eu também brinco na rua. Tem dia que a rua tá fechada pro baile e

todo mundo fica em casa. A gente vai lá pro meio da rua e fica brincando lá.

Só quando tem churrasco e quando tem isso (Caderno de Campo, 2019)

Percebemos que as crianças participantes dessa pesquisa, ao mesmo tempo em

que sofrem com a violência através dos abusos do tráfico, da polícia e da discriminação

também contam com o brincar como uma forma de viver.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

PRA ONDE NOS LEVA ESSE DEBATE?

"Nós vamos avaliar se aquelas gravuras realmente foram feitas

por crianças. Até porque quem conhece e estuda o crime organizado,

como eu conheço, sabe que o crime organizado é capaz de tudo".

Wilson Witzel, 16/09/2019.

Ao chegar ao fim dessa monografia, abro as considerações finais com a fala do

governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. No dia 16 de agosto de 2019 o

governador foi a mídia para dizer que os desenhos feitos por crianças moradas da favela

da Maré, que retratavam suas perspectivas da condição social de violência que lhes foi

imposta, deveriam ser questionados já que precisava-se avaliar se realmente aqueles

desenhos partiam das crianças. Esta fala me fez refletir sobre como temos tratado esses

sujeitos em nossa sociedade. Ainda que o desenho apresentasse características e traços de

uma criança houve a dúvida, pois que criança poderia falar sobre violência?

Segundo Pérez e Jardim (2015) a concepção de infância como uma fase de

aprendizado e preparação para a vida adulta acaba por excluir as crianças das formas

instituídas da participação política.

Considerar as crianças como sujeitos sociais é entender que elas são capazes de

provocar e intervir sobre os processos da sociedade a qual pertencem. Logo, podem e

devem participar da construção de políticas públicas. Mas, infelizmente isso ainda não é

algo percebido pelo poder público.

Sendo assim, o debate que propomos nesse trabalho não tem a intenção de mostrar

o “caminho das pedras” mais o seu caráter reside em fomentar a discussão e lançar novas

proposições de como estas e outras crianças têm sido impedidas de participarem e

incorporarem suas opiniões, desejos e demandas às contribuições dos seus discursos sobre

a convivência nas favelas.

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ANEXOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

Prezados pais e/ou responsáveis,

Vimos, por meio deste, solicitar seu consentimento para que seu filho(a) possa

participar da pesquisa realizada pela graduanda Lorena de Oliveira Jardim Chaves da

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ intitulada PACIFICAÇÃO,

VIOLÊNCIA E INFÂNCIA: O QUE AS CRIANÇAS DO MORROS DOS MACACOS

TEM A DIZER SOBRE ISSO?

O objetivo da pesquisa é conhecer e compreender o que as crianças do Morro dos

Macacos têm a dizer acerca das suas experiências com o outro, suas formas próprias de

pensarem, sentirem e interpretarem o mundo e os ensinamentos passados pelos adultos e

consigo no sentido de conhecer sobre seus saberes e competências.

Todos os sujeitos envolvidos nesta pesquisa são isentos de custos. A participação

de seu filho(a) neste estudo é voluntária e ele(a) terá plena e total liberdade para desistir

do estudo a qualquer momento, sem que isso acarrete qualquer prejuízo para ele(a) ou

para a pesquisadora. As informações relacionadas neste estudo são para fins de estudos,

trabalhos acadêmicos e publicações.

Se você tiver alguma observação quanto a algum procedimento adotado na

pesquisa (entrevistas, fotografias e propostas de dinâmicas), favor especificar neste

termo. Caso contrário, favor assinar sem observações.

Desde já agradecemos por colaborarem com nosso trabalho e nos colocamos a

disposição para maiores esclarecimentos.

Lorena de Oliveira (graduanda)

Anelise Monteiro do Nascimento (orientadora)

Rio de Janeiro, ______ de ______de _______

Eu, ______________________________________, RG nº_____________________,

responsável legal por __________________________________________,declaro ter

sido informado e concordo com sua participação no projeto de pesquisa acima descrito.

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

CONSENTIMENTO DAS CRIANÇAS PARA REALIZAÇÃO DE PESQUISA

Queridas crianças,

Estou aqui junto de vocês porque estou interessada em aprender mais sobre as

crianças; como vocês vivem, o que fazem, o que pensam, do que brincam, o que vocês

aprendem e como vocês interagem com o mundo. Assim, depois de ter lhes explicado um

pouco sobre o que pretende essa pesquisa e vocês aceitaram que eu a realizasse junto de

vocês.

Para mostrar que vocês concordaram em participar comigo dessa pesquisa é

importante que cada um escreva nessa cartinha o seu nome. Mesmo que vocês tenham

colocado o nome na cartinha, não quer dizer que sejam obrigados a participar.

Quero agradecer por me receberem com tanto carinho e por me deixarem realizar

esse trabalho com vocês.

Um abraço,

Lorena de Oliveira Jardim Chaves

Rio de Janeiro, ______ de _________ de 2019.

_______________________________________________________

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

AUTORIZAÇÃO DE IMAGEM E SOM

Eu, ____________________________________________________ responsável

pelo(a) participante ___________________________________________ autorizo a

publicação de fotografias de meu filho em possível publicação em forma de livro, artigo

e/ ou apresentações em congressos da área da Educação.

Rio de Janeiro, ______ de _________________ de _____________ .

Assinatura:____________________________________________________

Carteira de Identidade/ CPF______________________________________

Endereço:_____________________________________________________