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Antropologia Teológica 2010 UNIDADE DIDÁCTICA 1 Exercício 1 Quais são as características da antropologia bíblica que se assinalam no tema 1 da Unidade Didática 1? Comenta-as. Uma primeira característica a ter em conta é que a antropologia bíblica é pré-científica. Apesar de estar bem patente nos diferentes escritos uma visão coerente do homem e do seu relacionamento com os outros, com o mundo e com Deus, na verdade não encontramos na Bíblia um tratado explícito e sistemático de antropologia. Podemos mesmo dizer que a concepção de homem que encontramos é semelhante aos escritos gregos anteriores ao período antropológico, em que a filosofia viria a debruçar-se sobre essa questão. Está portanto, distante o pensamento grego clássico, que haveria de trazer ao mundo ocidental não apenas uma outra forma de perceber o homem como também uma preocupação de organização metódica das concepções ou dos pensamentos. Da mesma forma, estava ainda muito longe o advento da ciência e das suas formas de olhar o mundo como uma investigação metódica das leis dos fenómenos. Não podemos, pois, cair em cientismos uma vez que a Bíblia tem um objectivo necessária e substancialmente diferente. De facto a antropologia bíblica é religiosa. Não se preocupa em analisar com rigor científico ou mesmo filosófico o “antropos” em qualquer um dos seus elementos constitutivos ou dimensões. Interessa-lhe apenas a relação do homem com Deus e a relação do homem com os seus semelhantes e com o mundo, duas questões que, como vemos mais claramente no Novo Testamento, se complementam, ou dito de outra forma, se correspondem. No entanto, no relatar destas relações surgem termos como corpo, alma, espírito e coração, termos que viriam a dar azo a uma falsa interpretação da antropologia bíblica, quando esta nos mostra o homem como fruto da palavra de Deus (palavra que é projecto, vontade), fruto do amor de Deus, colaborador no seu projecto, facto que nos leva a ver o homem como depositário desse projecto divino. Calisto Inácio Rocha de Oliveira – Prova de Avaliação à Distância Página 1

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Antropologia Teolgica

Antropologia Teolgica2010

UNIDADE DIDCTICA 1Exerccio 1Quais so as caractersticas da antropologia bblica que se assinalam no tema 1 da Unidade Didtica 1? Comenta-as.

Uma primeira caracterstica a ter em conta que a antropologia bblica pr-cientfica. Apesar de estar bem patente nos diferentes escritos uma viso coerente do homem e do seu relacionamento com os outros, com o mundo e com Deus, na verdade no encontramos na Bblia um tratado explcito e sistemtico de antropologia.Podemos mesmo dizer que a concepo de homem que encontramos semelhante aos escritos gregos anteriores ao perodo antropolgico, em que a filosofia viria a debruar-se sobre essa questo. Est portanto, distante o pensamento grego clssico, que haveria de trazer ao mundo ocidental no apenas uma outra forma de perceber o homem como tambm uma preocupao de organizao metdica das concepes ou dos pensamentos.Da mesma forma, estava ainda muito longe o advento da cincia e das suas formas de olhar o mundo como uma investigao metdica das leis dos fenmenos. No podemos, pois, cair em cientismos uma vez que a Bblia tem um objectivo necessria e substancialmente diferente.De facto a antropologia bblica religiosa. No se preocupa em analisar com rigor cientfico ou mesmo filosfico o antropos em qualquer um dos seus elementos constitutivos ou dimenses. Interessa-lhe apenas a relao do homem com Deus e a relao do homem com os seus semelhantes e com o mundo, duas questes que, como vemos mais claramente no Novo Testamento, se complementam, ou dito de outra forma, se correspondem. No entanto, no relatar destas relaes surgem termos como corpo, alma, esprito e corao, termos que viriam a dar azo a uma falsa interpretao da antropologia bblica, quando esta nos mostra o homem como fruto da palavra de Deus (palavra que projecto, vontade), fruto do amor de Deus, colaborador no seu projecto, facto que nos leva a ver o homem como depositrio desse projecto divino. Podemos dizer, talvez, que esta imagem do homem, resultante desse relacionamento com Deus, diferente nas duas grandes partes da Bblia, pois a noo de Deus tambm diferente, vai-se formando com o passar do tempo, at revelao em Cristo. A figura que se constri do homem de uma criatura frgil, dependente, finita e cuja composio clama por um relacionamento com o seu Criador. Nota-se dentro de tal concepo, que o homem um ser frgil que no tem controlo do seu destino, nem da sua origem e subsistncia. imerecedor do cuidado de Deus e a sua vida to breve como a de toda a criao. Poder este negativismo ter concorrido para a posterior concepo dualista do homem, mas ela mostra o carcter religioso que ser depois melhor entendido com a vinda de Jesus, o Homem-Novo, o que nos permite tambm referir a ltima caracterstica: a antropologia bblica soteriolgica, uma vez que o relacionamento com Deus tem em vista a salvao do homem. No existe ponto maior de distncia do que o que h entre as palavras criador-criatura, e essa mesmo a primeira coisa que pode ser dita sobre o ser humano, a qual fundamental: ele criatura. A antropologia presente nos textos bblicos precisamente a de criatura em busca do Criador, numa resposta ao amor de Deus que se revela.

Exerccio 2Faa um resumo da mensagem que encontramos em Gnesis 1-3. De que forma o completa o Novo Testamento?

Segundo ensina o Catecismo da Igreja Catlica, os trs primeiros captulos do Livro do Gnesis ocupam um lugar nico entre todas as palavras da Sagrada Escritura sobre a Criao, exprimindo que esta tem a sua origem e fim em Deus. O primeiro ponto que poderemos referir o monotesmo presente no texto, clarificando uma distino na sua relao de proximidade com as cosmogonias sincrnicas prprias daquela zona. De facto, o texto segue um formato semelhante aos mesopotmicos mas agora dando relevo ao Deus nico que tudo fez, excluindo dessa forma todas as outras divindades. vista do Novo Testamento, vemos na criao do mundo e do homem o primeiro testemunho do amor omnipotente de Deus e o primeiro anncio do seu desgnio amoroso. Ado o homem que Deus projectou, o homem com a sua identidade perfeita, imagem completada em Cristo, tanto mais que Jesus nos mostra esse projecto realizado na condio histrica sem contudo deixar de ser perfeito na trplice harmonia.Cristo revela-nos na plenitude um Deus que amor, no um deus titnico, que fez o homem como seu escravo, mas um Deus que nos faz sua imagem e semelhana, imagem essa que mais se realiza quanto mais for em liberdade servo fiel desse amor, percebendo que no dever nunca pr em causa a sua dignidade pela idolatria, uma vez que acima dele est apenas esse Deus que tudo fez em amor e para o amor. H pois um vnculo entre a criao e a salvao, at porque o carcter finito e imperfeito da criatura requer uma aliana com Deus e o pecado original altera a maneira como o homem e a mulher acolhem e vivem a Palavra de Deus e a sua relao com o Criador. A aliana afirma a diferena essencial entre Deus e a humanidade e essa diferena contestada pelo homem e pela mulher, e quando a humanidade considera Deus como seu inimigo, a prpria relao do homem e da mulher pervertida, o que condiciona o acesso ao rosto de Deus. Na verdade, outro aspecto importante do texto o carcter pessoal do ser humano, como diz a Carta aos Bispos da Igreja Catlica sobre a colaborao do Homem e da Mulher na Igreja e no Mundo: O homem uma pessoa, em igual medida o homem e a mulher: os dois, na verdade, foram criados imagem e semelhana do Deus pessoal. A igual dignidade das pessoas realiza-se como complementaridade fsica, psicolgica e ontolgica, dando lugar a uma harmoniosa unidualidade relacional, que s o pecado e as estruturas do pecado inscritas na cultura tornaram potencialmente conflituosa. O relato Javista confirma inequivocamente a importncia da diferena sexual, no sentido que a humanidade passa a ser uma realidade relacional, semelhana de Deus, como no-lO deu a conhecer Jesus. Este significado, bastante mais purificado da sexualidade, um etiologia do matrimnio, onde a fecundidade e a unio conjugal so vistas como forma concreta de aproximao de Deus pela abertura relacional ao outro. Excluem-se todos os pessimismos de teor dualista.A dignidade do homem, condicionada pelo afastamento de Deus, passa tambm por saber relacionar-se com o mundo, com o jardim, jardim esse que ele chamado a cultivar, a dominar (excluindo desta forma todos os mitos) de forma a ver nele a lei natural, de forma a ver nele os rasgos da presena do Criador.O Novo Testamento d-nos uma viso mais perfeita do acto criador pelo carcter relacional de Deus, uma vez que nos permite, luz de Jesus e do Esprito Santo, perceber que tudo foi feito para nos tornar participantes do seu Ser.Exerccio 3Assinale os aspectos mais importantes da Antropologia de Paulo.

A antropologia Paulina cristolgica e soteriolgica.Cristolgica porque Jesus Cristo apresentado como o modelo supremo de toda a humanidade. Ele o Homem autntico, a realizao perfeita do projecto de Deus para o homem, o verdadeiro Ado, e por isso o restaurador da humanidade, o que traz uma humanidade nova.Neste sentido, frequente em Paulo a contraposio entre o homem espiritual e o homem carnal, no no sentido dualista da filosofia grega mas no sentido da realizao da dignidade de imago dei na encorporao com Cristo. A questo da carne versus esprito encerra uma concepo antropolgica muito mais ampla. O apstolo quando usa estes dois conceitos est a referir-se a duas possibilidades existenciais. A pessoa-carne a que se contenta consigo mesma e se fecha no seu prprio horizonte. a pessoa na sua existncia terrestre emprica, gerada em contacto com duas carnes que se fazem uma (Gnesis 2,24). Homem-carne o homem biolgico dos rgos e dos sentidos que est em contacto com a terra. um ser-carncia, sujeito ao pecado e morte. Uma existncia carnal a do "homem-sem-Cristo", ou inautntica. O "homem-sem-Cristo", sem o Esprito, no redimido carnal, vendido ao pecado que se ope lei espiritual. Com a carne, ele serve a lei do pecado. Assim, o conceito "carne" para Paulo significa o homem na sua impotncia diante de Deus, depois que a morte e o pecado impuseram a sua influncia sobre o mundo.A pessoa-esprito a que se abre totalmente para Deus, e, consequentemente, para os outros, aclarando uma infinidade de possibilidades de busca, desafio, sempre na procura do novo. Num sentido teolgico significa em Paulo o prprio ser de Deus, de modo especial nas suas intervenes sobre o mundo criado. Ento, o caracterstico do cristo a posse do Esprito. Quem o possui participa do ser ntimo de Deus, tem a fora do amor, da comunho.Em Paulo, parte-se do pessoal para o comunitrio. Ele tem uma viso unitria da pessoa humana, com base na corporeidade. Cada pessoa vista numa grande unidade. Nesta unidade pessoal, cada ser humano realiza-se numa unidade mais ampla, a comunitria, a qual ele compreende como unidade em Cristo ou unidade eclesiolgica. A unidade pessoal e comunitria em Cristo abre as fronteiras para que sejam superadas todas as divises sociais, religiosas, sexuais, raciais (nacionais e biolgicas) e culturais. A pessoa humana uma grande unidade que se realiza na busca transformadora da sociedade e essa a fora dinamizadora da corporeidade, estando j a entrar no carcter soteriolgico da antropologia de Paulo.Paulo v em Cristo o cumprimento de Ado, de um ponto de vista positivo, mas tambm a distncia entre a humanidade pecadora e a humanidade cumprida, projecto realizado; a necessidade de Cristo para a libertao do pecado; a vitria da fora de Cristo sobre a fora de Ado. Apesar de se centrar na condio pecadora do homem, Paulo insiste no optimismo da Graa e na sua importncia na nossa salvao, como dom de Deus (avanando aqui em terrenos um pouco movedios ao afirmar que a salvao no depende das obras mas da f), j que fruto do amor misericordioso de Deus pois que para isso que Cristo vence a natureza corrompida.

Exerccio 4A perspectiva dominante na Bblia v o Homem como uma realidade unitria pluridimensional com umas relaes constitutivas que podem ser expressadas atravs das categorias de corpo, alma e esprito. Explique estas categorias.

Deve-se ter em mente que o hebraico diz uma s e mesma palavra onde ns precisamos usar termos muito diversos. O contexto do respectivo texto em que ocorre o vocbulo que condiciona o significado, pois no se trata de uma lngua rica como o portugus ou o grego mas de uma lngua algo rudimentar e com um conjunto de razes vocabulares muito reduzido. Este facto condiciona as definies categoriais, que nem sempre foram entendidas da melhor forma.As verses tradicionais da Bblia traduzem via de regra por alma uma palavra fundamental da antropologia veterotestamentria: nefesh. Como no francs, me, e no ingls, soul, elas lanam mo da traduo mais frequente de nefesh por na Bblia grega e por anima na latina. Mas nefesh deve ser vista em conjunto com a figura total do ser humano e especialmente com a sua respirao, pelo que o ser humano no tem, mas nefesh. Quando designa o rgo das necessidades vitais sem cuja satisfao o ser humano no pode continuar a viver, para o pensamento sinttico perfeitamente compreensvel que, em grande parte, nefesh signifique a vida mesma.A nefesh pois o centro da pessoa na sua individualidade, o eu subjectivo aberto relao com o que o rodeia e transcende mas que morre com a morte do homem (na concepo hebraica), e no como nos mostra Plato em Fdon, como distinta e contraposta ao corpo, centro autnomo de existncia e no condicionada pela morte.O corpo, no nos detendo j na distino Paulina entre carnal e espiritual, traduz o termo basar, e indica habitualmente a condio dbil e caduca do homem e traduzido pelo grego por que traduz a ideia de carne, ou neste caso a finitude estrutural do homem. Homem-carne o homem biolgico dos rgos e dos sentidos que est em contacto com a terra. um ser-carncia, sujeito ao pecado e morte.No entanto, o corpo o elemento que permite a relacionalidade do homem com Deus, com os outros e com o mundo, elemento que nos remete para uma outra traduo grega da palavra hebraica basar: . Se os hebreus tinham uma ideia ampla de basar, os gregos, ao traduzi-la, vo fragmenta-la consoante os contextos e necessidades, como foi explicitado no incio deste texto. Para os hebreus, designa o homem todo inteiro enquanto pessoa-em-relao-com-outros. Em algumas passagens, "corpo" pode ser traduzido simplesmente por "eu", pois o ser humano corpo, e essa categoria que o distingue visivelmente do tu. A noo de esprito remete mais especificamente para a dependncia de Deus. O termo ruah, o sopro divino no homem, sopro que lhe d a vida e constitui a imagem de Deus na sua criatura, traduzido por no grego e indica a pessoa-corpo-alma enquanto se abre totalmente para Deus, para valores absolutos e se entende a partir deles. Como esprito, o ser humano extrapola os limites de sua existncia como carne-corpo-alma, para se comunicar com a esfera divina. Por isso, um sinal da transcendncia e da destinao divina do ser humano.Partindo do seu significado original de ar, vento, e a partir da de alento vital, ruah a fora que vem de Deus e que mantm o homem vivo, numa relao de profunda dependncia. Para o Novo Testamento, viver no esprito viver uma existncia humana nova no horizonte das possibilidades reveladas pela Ressurreio de Jesus, e em Paulo significa a posse do Esprito Santo, participao do ser ntimo de Deus, participao essa que nos vem pelo Baptismo e que acarreta um significado soteriolgico quando, como dinamismo divino da graa, contraposta condio carnal, marcada pelo egosmo e pelo pecado. No quer isto dizer que Paulo tem uma concepo dualista do homem ( unitrio pluridimensional), at porque nem sempre fcil distinguir em Paulo o Esprito de Deus do seu influxo no homem, at porque este dom, graa, apesar de ser constitutivo do homem, tal como se revela plenamente em Cristo. ele que pauta o comportamento do cristo na busca de se aproximar cada vez mais desse Esprito, no numa luta contra o corpo e a matria (como tantas vezes foi entendida) mas numa necessidade de regular a relao com o criado segundo as exigncias da vontade de Deus.

UNIDADE DIDCTICA 2Exerccio 1Quais so as diferenas fundamentais entre a viso bblica (teocntrica) e a grega (cosmocntrica) do mundo e do homem? Como influiu o choque entre estas duas vises no desenvolvimento da antropologia patrstica?

Na viso grega, o mundo um boa ordem (os esticos consideravam mesmo o kosmos a alma do mundo), uma organizao que obedece a um determinado conjunto de leis, ordenada e destinada a um fim por um divino imanente, ontolgico, cognoscitivo e tico. O homem entendido como uma parte da natureza, um microcosmos, que tem um lugar de relevo uma vez que reflexo da conscincia e da fora normativa do logos universal. Por isso ele deve procurar realizar em si o ideal grego , belo e bom, o resultado do equilbrio pleno das leis da natureza e da sociedade, que nada tm a ver com a interpretao provavelmente narcisista que faria qualquer leitor mais incauto. De facto o homem entendido como um ser-substncia impessoal, sem espao verdadeira subjectividade que fica no reduto da noo de indivduo sem atingir a noo de pessoa. Na viso bblica, teocntrica, o mundo surge tambm como uma realidade ordenada mas o princpio dessa ordem claramente transcendente: a palavra de Deus, curiosamente tambm um logos, a sua sabedoria, a sua vontade criadora e salvfica, claramente transcendente. Este Ser transcendente que deu vida ao homem, criou-o distinto da restante criao e por ela responsvel, e f-lo no um ser-substncia, como vimos na viso cosmocntrica, mas um ser relacional com Deus, com os outros homens e com o mundo onde habita.O homem grego perante o mundoContempla, v;

Valoriza a inteligncia, a razo;V na razo o caminho a seguir para fazer da sua vida um microcosmos, com estabilidade;

Tende a uma viso dualista do homem.

O homem bblico perante o mundoTende a governar, age;Escuta, deixa-se interpelar por Deus;Valoriza a vontade e a liberdade;A sua nica segurana a palavra de Deus e a f;

V o homem como unidade pluridimensional.

O choque entre estas duas vises antropolgicas resultou numa sntese, como diz o manual, de diversa solidez e estabilidade entre razo e f, intelectualismo e voluntarismo, entre determinismo e liberdade, numa tendncia contaminao e consequente desvirtualizao, surgindo a heresia do gnosticismo, o que vai fazer com que nos primeiros sculos os Padres da Igreja se debrucem sobre a questo, no sentido de clarificar e definir determinado nmero de questes.Ao imanentismo pantesta e ao dualismo antropolgico e ontolgico a patrstica responde, mais propriamente na pessoa de Ireneu, com a doutrina da recapitulao, segundo a qual, no somente a morte de Cristo, mas a sua vida toda e em especial a sua encarnao, tem um sentido redentor. Como o Deus encarnado, Cristo redimiu a natureza humana da corrupo do pecado, e como o segundo Ado ele reverteu os efeitos danosos da queda, encabeando ou recapitulando uma nova humanidade restaurada. Surgindo como ideias base as de criao e encarnao, permitiu esclarecer a condicionalidade das realidades terrenas, a diversidade entre o mundo e Deus, assim como a total independncia deste, a dignidade da pessoa humana na sua relacionalidade e , a partir da, o significado positivo e o valor do corpo humano e do mundo, como espao de liberdade.Por outro lado, a escola alexandrina tenta revalorizar os conceitos de Logos para permitir aos crentes de cultura grega entender a economia crist da salvao. Tm como base a doutrina do Logos divino encarnado, em que o homem surge como ser logikos, participante de uma vida divina, em que a imagem de Deus entendida como um dinamismo que nos impulsiona para Deus, e no tanto de uma forma esttica. Como este entendimento que acaba por vingar, o dualismo volta a ser espao comum entre os padres da Igreja, chegando mesmo desembocar nas teorias de Origenes, o que vai trazer Igreja uma viso negativa do corpo, pois recupera, mutatis mutandis, o platonismo quase puro.

Exerccio 2Assinale e comente os aspectos fundamentais da polmica entre S. Agostinho e Pelgio

O que pode fazer o homem para se salvar? uma questo que coloca em confronto a liberdade do homem e o poder da graa divina. A doutrina da graa no havia sido um tema relevante no desenvolvimento teolgico da igreja oriental. Porm, desencadeou-se uma intensa controvrsia em torno dessa questo quando Pelgio, alarmado com a lassido moral da igreja romana, defendeu vigorosamente a necessidade da responsabilidade moral do ser humano. Insistia na necessidade de um constante aperfeioamento pessoal luz da lei do Antigo Testamento e do exemplo de Cristo. Os opositores de Pelgio entre os quais o principal era Agostinho achavam que ele negava o real papel da graa divina no incio e no prosseguimento da vida crist. Ope-se, assim, duas concepes distintas de liberdade: a bblica e a grega; uma em que a liberdade uma compreenso de vida indiscutivelmente marcada pelos gestos de Deus, o prprio fim do homem, posio assumida por Agostinho, e uma outra em que a liberdade fundamentalmente a capacidade de dispor de si com independncia dos outros, posio assumida por Pelgio.Para Agostinho, a posio de Pelgio incorre em trs perigos fundamentais: exalta a liberdade humana, reconhecendo-lhe a possibilidade de evitar o pecado, possibilidade que no possui; reduz a influncia de Cristo a um bom exemplo: Cristo visto somente como um bom mestre e modelo tico; reduz o exemplo de Ado como mau exemplo, que todo o homem pode seguir ou no, usando a sua liberdade. Santo Agostinho, em resposta, faz o aprofundamento de alguns conceitos e doutrinas, de forma a clarificar e/ou contrariar as posies pelagianas:Com a sua doutrina da graa, acentua a primazia de Deus na sua obra de salvao na relao com o esforo humano - trata-se de um dom que o homem recebe, uma irrupo inesperada de Cristo na nossa vida. A vida da graa uma verdadeira e autntica experincia e no apenas o resultado de um esforo pessoal de concretizao de um projecto espiritual. H portanto uma necessidade absoluta de Cristo na libertao do pecado (uma centralidade cristolgica que conduziria mais tarde a um certo hamartiocentrismo), a experincia da caridade ou da liberdade dada por Deus mas vivida em plenitude humana. A graa assim, entendida como o horizonte de uma vida humana autntica, que se realiza na caridade, e o conceito de liberdade surge entendido como a possibilidade de escolher o bem numa busca de autenticidade, um dom da graa, e no apenas como o livre arbtrio. A liberdade e a graa surgem desta forma inseparveis.No entanto, na doutrina do pecado original, Agostinho acentua a parte do pecado, a universalidade do mal e a deteriorao da natureza humana, mais do que a fora e a amplitude da salvao alcanada por Cristo. Insistiu na transmisso da misria de Ado por gerao, a implicao universal no pecado de Ado, e ligou-a concupiscncia sexual, levando as suas consequncias a toda a humanidade, que se converte numa massa condenada.Daqui decorre a doutrina da predestinao, segundo a qual Deus escolheria alguns para mostrar a sua misericrdia deixando os restantes no pecado, para mostrar a sua justia. Agostinho acaba por colocar em causa quer a liberdade do homem quer a essncia amorosa de Deus.Pelgio exalta a capacidade do ser humano, baseado numa antropologia estica (possibilidade humana de fazer o bem e evitar o pecado, pelas suas prprias foras, o domnio de si mesmo), com base num optimismo humanista. Agostinho afirma que o ser humano impotente para salvar-se, devido fora da concupiscncia e do mundo e s v a salvao na ajuda divina, a nica capaz de nos restituir a autntica liberdade, mas caindo no erro da predestinao.A posio de Pelgio, centrada demasiado no ser humano, estimulava prticas de asctica que nada tinham a ver, em alguns casos, com o sentido evanglico de ascese.Pelo contrrio, a posio de Agostinho levava a uma postura pessimista da condio humana, vista mais sobre a ptica do pecado que da graa, e redundou num hamartiocentrismo.Contudo, bem entendido e no seu justo equilbrio, Agostinho teve o mrito de afirmar o carcter central salvfico de Cristo e de conduzir a reflexo crist para o carcter interior e transformante da aco de Deus, em Cristo.

Exerccio 3Indique os rasgos fundamentais da antropologia de S. Toms.

Na sua reflexo antropolgica S. Toms de Aquino define o homem como um animal racional que somente pode ser denominado de homem quando entendido na sua totalidade, ou seja, o homem constitudo por uma alma e por um corpo e nenhum dos elementos separadamente pode ser chamado de homem.Este princpio resultado da recuperao das categorias de substncia, acidente, causalidade, matria, forma, e da influncia do helimorfismo aristotlico, que afirma que todo o ser material um composto, isto , um composto de forma e de matria. Nessa concepo, o ser vivo tem como forma a alma, sendo que no homem essa alma espiritual, subsiste por si mesma e comunica o seu ser ao corpo. No por ter uma alma espiritual que o homem definido como pessoa. O ser humano definido como pessoa no apenas pela alma, mas pela alma e pelo corpo pois por meio destes compostos que a pessoa subsiste.. O esprito humano que por sua essncia a forma do corpo, que faz da matria um corpo, tambm o princpio que pensa, mas o "homem nada pensa seno na e pela experincia do sensvel" (Nicolas). Assim, para a alma humana, como intelecto, convm estar unida naturalmente ao corpo, servindo-se dele e dos sentidos, pois necessrio possuir no apenas a capacidade de conhecer, mas tambm a de sentir (Ladaria). A alma no tem um conhecimento inato da verdade, mas preciso que, com a ajuda dos sentidos, ela o retire da multiplicidade das coisas. Era preciso, portanto, que a alma intelectiva possusse no s o poder de conhecer, mas ainda o de sentir, e, visto que a aco do sentido no se realiza sem um rgo corporal, era necessrio que a alma intelectiva estivesse unida a um corpo apto a servir de rgo para os sentidos.Como podemos perceber desde j, S. Toms de Aquino consegue recuperar o sentido positivo da dimenso carnal do homem, presente na tradio bblica, assim como, pelo valor descritivo do hilemorfismo, revalorizar a doutrina da criao pondo a nfase no acto de existir.O corpo deixa de ser visto como uma substncia completa unida acidentalmente alma ou como uma priso da alma para ser visto como exteriorizao da alma, o seu princpio de individuao, a sua concretizao. A matria a raiz da individuao e por essa unio matria que a forma, isto , a alma, se faz indivduo.Alm disso a substncia pensante de Aristteles tem agora uma abertura infinitude de Deus na adaptao de S. Toms e d lugar liberdade do homem. A pessoa humana definida como um indivduo racional e livre, liberdade essa que tem a sua raiz no conhecimento intelectual. Portanto, a pessoa humana livre nas suas escolhas. Conhece a sua existncia e tem a capacidade de atribuir a si mesma os seus prprios actos, num estado de auto-possesso, apreendendo-se como um todo autnomo e responsvel. Ser pessoa implica no apenas o existir em si e para si, mas tambm ser senhor de si. A substncia pensante converte-se na substncia espiritual, permitindo a doutrina da graa e permitindo um conceito de natureza com autonomia ontolgica, referindo a vontade, inscrita na inteligncia, de buscar a infinitude do bem, de procurar a Deus, facto que por si obra da graa de Deus.A relao com Deus ao mesmo tempo dom gratuito e resposta necessidade da natureza humana uma vez que a graa eleva e aperfeioa a natureza humana.

Exerccio 4Explique e comente o contraste entre a viso tenoma e a autnoma do ser humano que se estabelece sobretudo na poca moderna. Como reagiu a teologia perante a mudana antropocntrica iniciada com Descartes?

Dentro do paradigma da modernidade podemos identificar uma srie de movimentos e sistemas de pensamento (iluminismo, positivismo, evolucionismo, etc.) que foram afirmando gradativamente o antropocentrismo, isto , fizeram surgir cada vez mais a conscincia de que o ser humano est no centro dos acontecimentos, sendo o critrio e o senhor da natureza. Pelo contrrio, o prprio Deus, o Sagrado, ou o Transcendente, so realidades que vo sendo relegadas para um espao secundrio. Passamos de um cosmocentrismo ou teocentrismo para um antropocentrismo que acaba por se revelar exacerbado.Desde o iluminismo que prevalece a compreenso de que o homem, por meio da sua razo, a lei para si mesmo; ele quem se governa e no um outro.Desta forma, no h realidade intrnseca, pelo contrrio, toda a verdade relativa, sendo credenciada pela toda-poderosa razo. Por conseguinte, a razo quem legitima o que quer que seja que tenha pretenso a existncia. Reivindicar existncia ou relevncia pela sua prpria condio de ser, seria o mesmo que negar a autonomia da razo, elegendo assim um outro padro epistemolgico paralelo e marginal. Ficamos desta forma, perante uma questo que vai acabar por criticar e/ou interpelar a f crist uma vez que ao afirmar a autonomia se coloca em causa a teonomia, e apesar de esta nova corrente surgir no contexto da tradio bblico-crist, nomeadamente com o aristotelismo tomista da valorao da natureza humana, a verdade que se trata de uma relao de contraste que leva ao nascimento e ao progressivo reforo de dois grupos que se opem: por um lado os defensores da laicidade (autonomia) e por outro os defensores da dependncia de Deus (teonomia).A primeira reaco, como seria de esperar, foi a de combater toda a pretenso moderna de autonomia, atravs da restaurao da teonomia. Outros, como Toms More e Erasmo de Roterdo, tentam conciliar a teonomia com as descobertas da cincia e a conquista da razo mas ambas as partes da contenda ficam insatisfeitos pelo que surge quer o racionalismo de Descartes quer, por outro lado, a intransigncia luterana do solus Deus.Todas as antropologias decorrentes da autonomia do homem produzem na Igreja uma atitude inicial de defesa mas acabam por despertar inquietudes, pois trouxeram tambm alguns valores que se tornaram teis para a teologia aprofundar o seu conhecimento do homem.S em pleno sculo XX o documento Gaudium et Spes marca uma mudana importante, e tenta reconciliar e encontrar uma sntese entre ambas. o regresso da perspectiva cristocntrica, que oferece uma base para que a antropologia dialogue com os modernos e ilumine o mistrio do homem. Abre o caminho a uma antropologia integral que relaciona o homem com Deus, com o cosmos e a natureza, com os outros homens e com a histria.Podemos concluir, numa anlise atual, que a genuna autonomia exige a coragem da teonomia - a submisso aos princpios de Deus. Sem o discernimento concedido por Deus, no temos condies de avaliar o mundo que nos rodeia e apresentar uma resposta crist capaz de se revelar como verdadeira alternativa. Os valores reais no so simplesmente fruto da sociedade mas provm do Deus transcendente e pessoal que Se revela e Se relaciona connosco.

UNIDADE DIDCTICA 3 e 4Exerccio 1Faa um resumo da cosmoviso de Teilhard de Chardin como proposta de superao do falso dilema entre criao ou evoluo, voltando ao cristocentrismo dos Padres prenicenos.

A concepo do cosmos era esttica, herana da cultura hebraica, e ,desde Niceia, que o papel central de Cristo estava limitado redeno e restaurao do ser humano. Nesta perspectiva compreendia-se a criao, a providncia, a escatologia, mas este equilbrio foi posto em causa pelo evolucionismo no sc. XIX, tendo surgido uma separao ainda mais profunda entre o pensamento religioso e o pensamento cientfico, o que criou vrios equvocos. Estes equvocos foram ultrapassados apenas com o pensamento de Teilhard Chardin que trouxe uma perspectiva evolucionista da criao com cariz cristocntrica.Para Teilhard, a natureza e as suas leis retratam a presena e a aco de Deus. Ele no somente tem uma confiana forte na compatibilidade entre a cincia exacta e a f crist, mas v que uma contribui para a outra. A ordem extraordinria do mundo natural reflecte a sabedoria e a bondade de Deus. Teilhard via, na evoluo, o dedo de Deus Criador. Encarou a evoluo como a estratgia que Deus adoptou na criao do universo, subindo desde as formas mais primitivas da vida para chegar ao ser humano, no processo de hominizao. Para ele, a evoluo no era uma teoria contrria aos relatos bblicos. Pelo contrrio, mostrou a presena de Deus na natureza e no cega, mas, segundo a lei dos grandes nmeros, ela tem uma flecha, uma direco, a que chama de ortognese.Ele v a progresso do universo a tender para a plenitude em Cristo. O universo, nas suas maravilhas e belezas, revela-se e brilha como obra-prima de Deus. Para ele, a evoluo no era cega, mas avanava a nveis cada vez mais altos, passando pela biognese at chegar hominizao na noosfera. Tudo tende ao ponto Omega, plenitude em Cristo.Influenciado pelas ideias de So Paulo sobre a actuao de Cristo no universo, viu na evoluo a obra de Cristo aperfeioando a natureza que criou, e nesse sentido que refere que tudo converge para o ponto Omega, na plenitude de toda a criao em Cristo.No conceito de Cristo csmico, Teilhard recuperou aspetos da teologia crist antiga, especialmente da Igreja Oriental. Enquanto a Igreja Catlica no ocidente dava enorme nfase ao Pecado Original, que desfigura e enfraquece o ser humano, levando Paixo e Morte de Cristo para a salvao da humanidade, vrios telogos orientais patrsticos viam a Encarnao mais como parte do plano de Deus de elevar o ser humano a uma participao na prpria vida divina. Nessa concepo, no foi o pecado de Ado (felix culpa) que levou Encarnao, mas foi o plano eterno de Deus Pai. Teilhard no negava o Pecado Original, mas dava mais ateno vontade do Pai de elevar o ser humano. A f no Criador ajuda a crer que toda a pr-histria e histria do universo tem um sentido e que ela vai convergindo para a plenitude em Cristo. Conforme o Prlogo do Evangelho, segundo Joo, Tudo foi feito por meio dele, e sem ele nada se fez do que foi feito (Jo 1,3). Na Carta aos Efsios, Paulo prev o que Teilhard chama o ponto Omega: levar os tempos sua plenitude: reunir o universo inteiro sob um s chefe, Cristo! (Ef 1,10). Essa viso do Cristo csmico une a f crist e o estudo do universo pela cincia.Cristo o plo de atraco de todo o processo evolutivo e a partir desta base que Teilhard desenvolve a sua cosmoviso em trs planos: fenomenolgico-cientfico, onde o desenvolvimento da realidade postula um ponto de chegada (mega); um plano filosfico, onde postula um mega transcendental, divino, pessoal, como motor do caminho evolutivo; um plano teolgico, que lhe permite identificar esse omega com o Cristo da Revelao, fundamento, base de sustento e cumprimento da criao. Esboa um evolucionismo radical, desde a filognese at cristognese (entendida como direco ltima do processo evolutivo que encontra em Cristo histrico a sua antecipao e no Cristo escatolgico ressuscitado o seu plo de atraco). Assim, a criao deixa de ser vista como um acto nico e pontual de Deus para ser vista como uma actividade contnua, um processo que s na consumao escatolgica poder considerar-se terminado, estando a aco divina encaminhada para recapitular todas as coisas em Cristo e sendo o universo o ambiente divino e o lugar da sua presena activa.A partir deste horizonte T. de Chardin rel os grandes ncleos da revelao e do dogma cristo (criao, salvao, graa, igreja, sacramentos, escatologia), numa profunda unidade cristocntrica superando o falso dilema entre criao e evoluo.Apesar de a resposta j ir longa, parece-me interessante referir que S. Agostinho, no seu comentrio sobre os primeiros captulos do livro do Gnesis, escreveu que no se devia insistir numa interpretao literal dos textos da Bblia, porque poderia acontecer que a cincia mostraria que as coisas no eram assim, e, dessa forma, causaria desprezo pela f crist. Foi de facto uma afirmao interessante e com alguns sculos de avano com que Galileu argumentou, na carta que escreveu Gr-Duquesa Cristina, durante o conflito sobre os seus escritos, mas de nada lhe valeu.Felizmente, a viso de Teilhard oferece uma maneira de encarar o universo como criao de Deus em total concrdia com a cincia actual, numa viso bem mais digna e mais adequada, porque integra a cincia e a f numa unio mutuamente benfica.

Exerccio 2Comente brevemente essas estruturas do ser humano (teologal, pessoal, social e csmica) que encontram em Cristo a sua resposta e superao. Como se explica que o ser humano na sua prpria constituio est espera de Cristo?

O homem um conjunto de relaes (com Deus, consigo prprio, com os outros e com o mundo) que so constitutivas da pessoa humana e mostram-nos a capacidade que o mesmo tem de ser completo, tanto quanto possvel, imagem e semelhana de Cristo.A estrutura teologal a da abertura, encontro e dilogo com Deus, a base da dignidade e superioridade sobre todas as outras criaturas, e, se a histria da teologia lhe d um determinado carcter extrnseco, a teologia dos anos cinquenta devolve-lhe o fundamento bblico afirmando a conexo entre criao e salvao.Tambm a estrutura pessoal nos coloca em dilogo com Deus, uma vez que somos Sua imagem tanto mais perfeita e realizada quanto mais na liberdade formos relacionais, espao de encontro dos nossos limites com a perfeio divina. Na verdade a liberdade no pode ser entendida como angelismo, uma liberdade sem condicionamentos, mas sim como um assumir desses condicionamentos da vida criatural e orient-los na busca da perfeio, semelhana de Cristo. Esta corporeidade do homem, com todos os seus limites, traz consigo tambm uma outra dimenso, a social, que estruturante e insuprimivel, e que implica a complementaridade, a reciprocidade e a solidariedade como caractersticas fundamentais do nosso ser relacional, no sentido de fazer tambm cumprir em ns o projecto divino e o desafio concretizvel do Homem-Novo. S. Paulo v este ideal em vias de realizao na Igreja, a qual ele entendia como Corpo de Cristo, unificando toda a humanidade e ultrapassando todos os impossveis, viso que falta no mundo moderno que no consegue conciliar a dimenso pessoal com as comunitria e social.Alis, s com um correcto entendimento dessa dimenso pessoal poderemos entender tambm a supra denominada estrutura csmica do ser humano. Quando o homem feito imagem e semelhana de Deus no deixa de ser criatura com todas as outras criaturas, a sua corporeidade expresso concreta que o liga ao mundo, com o qual ele tem uma misso (crescer e multiplicar) que tambm ela expresso da busca de Deus quanto toda a busca de Deus nos faz, mesmo que apenas pelo conhecimento da lei natural, mais prximos de Cristo, j que nos leva abertura s necessidades da humanidade.E nesta busca de ser completo, atravs do exemplo de Cristo, que reside a espera de Cristo e que faz parte do projecto de Deus de criar todas as coisas em Cristo: assim, o homem foi criado e est predestinado no mesmo Cristo salvador a vivenciar a salvao e a plenitude, dom com carcter prvio e totalmente gratuito por parte de Deus em Jesus Cristo.

Exerccio 3Resuma brevemente a doutrina sobre o pecado original centrando-se no seu ncleo dogmtico definido no Conclio de Trento.

O ncleo dogmtico sobre o pecado original est formulado em seis cnones do decreto tridentino de 1546, que recordam as precedentes intervenes do magistrio (cann.1-4), tomando depois posio frente doutrina luterana (cann. 5) O Cnone 1 faz referncia aos Cnones do Conclio de Orange, que afirmou que Ado, pela sua transgresso, perdeu a santidade e justia original, merecendo a morte e uma deteriorao na alma e no corpo. Significativamente, relativiza a referncia liberdade deteriorada, na medida em que podia ser interpretada de maneira favorvel pela posio luterana. O Cnone 2 recorda o Cnone II de Orange, com algumas alteraes, afirmando a transmisso do pecado de Ado, com as suas consequncias, a toda a sua descendncia e tendo como fundamento bblico Rom. 5, 12. O Cnone 3 relaciona-se com o Conclio de Cartago, afirmando que o pecado original transmite-se por gerao e no por simples imitao, mostrando-se contra a teoria luterana de imputao extrnseca, afirma que est em cada um como prprio, reiterando a necessidade absoluta de Cristo para a salvao. O Cnone 4, tambm citando Cartago, declara que o Baptismo necessrio para todos, inclusive para os filhos de pais cristos. O Cnone 5 ope-se explicitamente s doutrinas luteranas: o baptismo elimina verdadeiramente o pecado e no se limita a cobri-lo com o manto da misericrdia divina, deixando o homem corrompido. A culpa verdadeiramente perdoada. A concupiscncia permanece no baptizado, mas no como pecado, mas como ocasio de luta pelo bem. O Cnone 6 limita-se a confirmar que tudo o que se disse anteriormente se aplica sobre todos os homens com excepo da Virgem Maria.Podemos concluir que h referncia s noes de morte e concupiscncia, apontando numa direco que tenta contrariar o pelagianismo, e que se nota uma abordagem Paulina da questo, j que surge subordinada doutrina da redeno universal em Cristo

Exerccio 4Comente a dimenso social do homem.

A profunda verdade sobre o homem, donde deriva a sua dignidade, consiste em ser imagem e semelhana de Deus e estar chamado comunho com Ele. No podemos, pois, tecer qualquer comentrio dimenso social do homem que no passe pela sua dimenso teologal.A dimenso social do homem, enquanto imagem e semelhana de Deus, expressa-se no seu relacionamento com esse mesmo Deus, na abertura para acolher o seu projecto e manifesta-se na vivncia especfica de cada homem na buscada mais profunda fraternidade e solidariedade, pois num mundo em que Deus Pai todos so chamados a viver como irmos.O homem foi criado imagem e semelhana de Deus. Tendo sido feito dessa forma, o homem no pode esgotar a representao do Ser infinito de Deus, mas traz em si, por constituio divina, duas vocaes: Criado imagem de Deus, deve resplandecer nele a comunho com os irmos, semelhana daquela que as pessoas divinas possuem entre si, pois assim como entre as pessoas divinas, entre os homens tambm devem existir a fraternidade e o verdadeiro amor; Constitudo para actuar em semelhana com o agir de Deus, o agir do homem em reciprocidade de respeito e de liberdade para com os outros, expressa a dimenso social que o liga ao mundo dos outros como pessoa e como sociedade, e na mais profunda dimenso de pessoa, interliga-o tambm com Deus atravs dos irmos, pondo em destaque a fraternidade, baseada na dignidade individual do ser humano, permitindo um respeito mtuo.A dimenso social da imagem de Deus realiza-se plenamente na obra da sua criao, gerando no homem uma concepo de criatura e de imagem e semelhana ao seu Criador, no relacionamento em amor perfeito, fruto da verdadeira caridade para com o seu semelhante, no esquecendo que o individuo humano algo mais: tem a dignidade de pessoa. Ele no apenas uma identidade mas algum. capaz de conhecer-se, de possuir-se e de doar-se livremente e entrar em comunho com outras pessoas, e chamado, por graa, a uma aliana com o seu Criador. A dimenso social do homem tende construo do corpo de Cristo que a Igreja, que se rene imagem da Trindade.Tendo como paradigma a Trindade, no se pode esquecer o seu projecto ao criar o homem, isto , no podemos distanciar a dimenso da fraternidade e da comunho, pois quando Deus cria o homem sua imagem, d-lhe uma capacidade natural de conhec-lo e am-lo. Esta mesma capacidade de se relacionar com Deus, significa principalmente a capacidade de conhecer e amar o Criador, mas tendo presente que este amor ao Criador s se realiza concretamente no amor ao prximo (tudo o que fizerdes ao mais pequenino a mim que o fazeis) esta relao com Deus que nos abre correctamente ao relacionamento com o tu, com um outro eu que tambm ele imagem e semelhana de Deus. Ora este ponto fundamental para interpretarmos a sociedade que nos rodeia e todas as lacunas com que quer construir o mundo.Se se quer que a ordem social tenha uma base estvel, necessrio um fundamento absoluto que no esteja merc das opinies versteis ou dos jogos do poder, e s Deus fundamento absoluto. Deve-se, portanto, evitar a separao, mais ainda, a contraposio entre as dimenses religiosa e social da pessoa humana, concluso evidente no momento actual: medida que se perdem as razes religiosas de uma comunidade, as relaes entre os seus componentes tornam-se mais tensas e violentas, porque se debilita e inclusive se perde a fora moral para actuar bem. De facto, o atesmo, nas suas diferentes manifestaes, um dos fenmenos mais graves do nosso tempo e as suas consequncias so perniciosas para a vida em sociedade pois reduzem a dimenso social da pessoa ao individualismo, ao imediatismo, ao consumismo, ao interesse particular, tendncias que se quisermos relacionar com a crise que temos hoje nos revelam rapidamente que se trata de uma crise de valores e vises, e no uma crise econmica (por isso mesmo uma crise financeira).

Exerccio 5Partindo de um ponto de vista teolgico, o que podemos afirmar acerca da existncia de anjos e demnios e do seu significado para a antropologia crist?

De facto, tenho de confessar que tenho algumas dificuldades em acreditar em anjos e diabos pois dessa forma estaria a condicionar o amor que Deus me tem e a omnipotncia divina. Inclino-me mais em seguir a concepo de H. Haag, e afirmar tambm que o que encontramos sobre seres intermdios nos textos bblicos no mais dos que restos de crenas alheias que provinham dos povos circundantes ou que foram remanescendo na religiosidade menos bem formada, quer aquando do A. Testamento quer no N. Testamento.De qualquer forma, e porque esta doutrina continua a ser reiterada pela tradio catlica, podemos afirmar que os anjos e os demnios esto relacionados com o bem e com o mal, respectivamente. Os anjos so, resumidamente, os mensageiros de Deus que falam do Bem e se relacionam com a mensagem de Deus. No estamos a falar de seres fsicos, como o o ser humano, mas de figuras espirituais, associadas beleza indescritvel aos olhos do ser humano que traduz a presena de Deus na nossa vida. Por isso apresentam-se, muitas vezes aos olhos dos seres humanos, vestidos de branco e com uma cor que nem sempre o homem consegue descrever na perfeio.Os demnios, pelo contrrio, so seres associados ao mal. O prprio sub-ttulo deste captulo bastante sugestivo: os demnios como anjos cados que se opem ao projecto de Deus sobre o homem. O prprio Jesus Cristo falava de Satans, como seu adversrio e cujo destino seria a derrota.Importa reter que ambos fazem parte da vida do ser humano, que convive com o Bem e com o mal e que, em todos os momentos, escolhe entre esse Bem e esse mal. Estes so, de facto, os anjos e os demnios, respectivamente. Quando fazemos o Bem, escutamos e pomos em prtica a mensagem crist e tambm somos chamados de anjos; se escolhemos o mal, afastamo-nos de Deus, como os demnios, anjos cados.

Exerccio 6Depois de estudado o manual, tente resumir num breve texto os contedos abordados, assinalando apenas as ideias que considera fundamentais. Ou seja, o que nos traz nossa prpria autocompreenso como seres humanos o estudo da Antropologia Teolgica?

Depois de estudados os contedos da disciplina, fcil retirar algumas concluses.O ser humano, criado imagem e semelhana de Deus, s se realiza no seu relacionamento com o outro se for capaz de descobrir nele a dignidade de pessoa humana. preciso uma nova compreenso antropolgica que se baseie em Jesus de Nazar que, para a nossa f, revelador do ser de Deus, mas tambm do ser humano. Com efeito, Jesus que nos revela o que humano, ou para dizer de outra maneira, o que significa ser humano neste mundo. A compreenso do ser da humanidade, neste sentido, no parte de minha experincia de humanidade, uma experincia fragmentada e incompleta, mas sim da vida de Jesus, o novo Ado, isto , o fundador da nova humanidade e, por isso, revelador do ser humano. Claro que a formulao antropolgica da teologia deve levar em conta os avanos da cincia, sobretudo as chamadas cincias humanas, que ajudam a compreender o significado da humanidade. Hoje, existem mltiplas antropologias, formas de compreenso do significado do humano no mundo. Mas o avano tcnico da humanidade, resposta ao desafio de Deus -crescei e multiplicai-vos, est prisioneiro de uma viso do homem que o reduz ao seu egosmo e que lhe retira a sua verdadeira dignidade.A humanidade tem mais conhecimento do que em qualquer outra poca ou civilizao mas o conhecimento das coisas j no uma premissa para uma aco e m busca da verdade ou da justia, ou do bem comum, mas antes para desbravar novas formas de aumentar lucros e mais-valias, mesmo sabendo de antemo que se est a por em causa o bem-estar, ou a vida, de um ou mesmo de um milho de semelhantes.A pessoa de Jesus Cristo deve ser a medida da dignidade da pessoa humana e o fundamento de sua promoo. Se, pela encarnao, ele se uniu a cada ser humano, a sua dignidade, a do ser humano, no significa apenas que ele no possa ser tratado como meio, no possa ser manipulado como se fosse uma coisa. Significa que possui uma dignidade sagrada, que envolve a nossa relao com Deus. A promoo humana, por sua vez, no deve restringir-se apenas ao econmico, ao poltico, ao cultural. Deve envolver tambm a dimenso transcendental e religiosa do ser humano.No podemos, de facto, querer entender o homem sem ser num dinamismo de criao divina, dinamismo esse em que ns assumimos um lugar fundamental, pois tudo existe para que ns possamos ser, tendo em conta o conceito de imago Dei, e tendo em conta a centralidade da Pessoa de Jesus Cristo e a proposta de caminho que nos apresenta no sermo da montanha, com um radical na caridade, que no mero servio ao prximo mas sim comunho realizada com ele, comunho com o seu sofrimento, com a sua necessidade de libertao. Ser homem pois ser reflexo da imagem de Cristo, ser-Lhe fiel, j que Cristo revela, antes de tudo, a dignidade sagrada do ser humano. Ele possui uma vocao divina. Encontra-se numa relao nica com Deus. seu filho no s no sentido de que Deus criador de tudo o que existe mas Pessoa Divina, que nos revela um Deus relacional, e o ser humano filho no Filho de Deus que se encarnou. Se retirarmos Cristo da antropologia retiramos-lhe toda a possibilidade de entender a pessoa humana na sua completa dimenso pois teremos de retirar a ressurreio. Jesus demonstrou tambm que a nossa condio definitiva no morte, e esta a grande diferena da antropologia teolgica crist, que nos mostra como a anulao pode provocar o engrandecimento, como a morte pode provocar e provoca a vida. preciso colocar a questo antropolgica aos ps de Jesus, e dele aprender o que significa a humanidade que partilhamos.O discurso antropolgico da teologia no pode ser simplesmente funcionalista ou ideolgico. Tem de ser teolgico, partir da Revelao, pois no posso escolher uma antropologia segundo as minhas convices ou vontades pessoais, mas sim ver qual ou quais antropologias resistem critica de Jesus.

Calisto Incio Rocha de Oliveira Prova de Avaliao DistnciaPgina 1