29
  At itude intelectual na tur al e ciência natu ral [p . 17 ] A ti- tude inte lectual filosófic a (reflex iva) [p . 18] As contra- dições da reflexão sobre o conhecimento na atitude natu- ral [p. 20] — A dupla tarefa da verdadeira crítica do conhe- cimento [p . 22] — A verdadeira crítica do conhecimento como fenom enologia do conhecimento [p. 23 ] — A nov a dimensão da filosofia; o seu método próprio perante a ciên- cia [p. 24].  HUSSERL, Edmund. Primeira lição, seg unda liç ão; in A Idéia da Fenomenologia

Páginas de HUSSERL, Edmund.A Idéia da Fenomenologia - primeira e segunda parte

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Subsídio para disciplina de filosofia contemporânea.

Citation preview

  • Atitude intelectual natural e cincia natural [p. 17] Atitude intelectual filosfica (reflexiva) [p. 18] As contradies da reflexo sobre o conhecimento na atitude natural [p. 20] A dupla tarefa da verdadeira crtica do conhecimento [p. 22] A verdadeira crtica do conhecimento como fenomenologia do conhecimento [p. 23] A nova dimenso da filosofia; o seu mtodo prprio perante a cincia [p. 24].

    HUSSERL, Edmund. Primeira lio, segunda lio; in A Idia da Fenomenologia

  • / Em lies anteriores, distingui a cincia natural e a /17/ cincia filosfica; a primeira promana da atitude espiritual natural, e a segunda, da atitude espiritual filosfica.

    A atitude espiritual natural no se preocupa ainda com a crtica do conhecimento. Na atitude espiritual natural viramo-nos, intuitiva e intelectualmente, para as coisas que, em cada caso, nos esto dadas e obviamente nos esto dadas, se bem que de modo diverso e em diferentes espcies de ser, segundo a fonte e o grau de conhecimento^ Na percepo, por ex., est obviamente diante dos nossos olhos uma coisa; est a no meio das outras coisas, vivas e mortas, animadas e inanimadas, portanto, no meio de um mundo que, em parte, como as coisas singulares, cai sob a percepo e, em parte, est tambm dado no nexo da recordao, e se estende a partir da at ao indeterminado e ao desconhecido.

    A este mundo se referem os nossos juzos. Fazemos enunciados, em parte singulares, em parte universais, sobre as coisas, as suas relaes, as suas mudanas, as suas dependncias funcionais ao modificar-se e as leis destas modificaes. Exprimimos o que a experincia directa nos oferece; Seguindo os motivos da experincia, inferimos'--. o 'no ^ experimentado a

    m -

  • partir do directamente experimentado (do percep- donado e do recordado); generalizamos, e logo de novo transferimos o conhecimento universal para os casos singulares ou deduzimos, no pensamento analtico, novas generalidades a partir de conhecimentos universais. Os conhecimentos no se seguem simplesmente aos conhecimentos maneira de mera fila, mas entram em relaes lgicas uns com os outros, seguem-se uns aos outros, concordam reciprocamente, confirmam-se, intensificando, por assim dizer, a sua fora lgica.

    Por outro lado, entram tambm em relaes de contradio e de luta, no se harmonizam, so abolidos por conhecimentos seguros, / rebaixados ao nvel de simples pretenses de conhecimento. As contradies nascem talvez na esfera da legalidade da forma puramente predicativa: sucumbimos a equvocos, cometemos paralogismos, contmos ou calculmos mal. Se assim , restauramos a concordncia formal, desfazemos os equvocos, etc.

    Ou ento, as contradies perturbam a conexo motivacional que funda a experincia: motivos empricos pugnam com motivos empricos. Como nos vamos desenvencilhar ? Ora, ponderamos os motivos em prol das diversas possibilidades de determinao ou explicao; os mais dbeis devem ceder aos mais fortes que, por seu turno, s valem enquanto resistem, isto , enquanto no tm de render-se, num combate lgico semelhante, perante novos motivos cognitivos, que introduz uma esfera de conhecimentos ampliada.

    Assim progride o conhecimento natural. Apodera-se num mbito sempre cada vez maior do que de antemo e obviamente existe e est dado e apenas segundo o mbito e o coitedo, segundo os elementos, as relaes e leis da realidade a investigar de mais perto. Assim surgem e crescem as distintas cincias naturais, as cincias naturais enquanto cincias da natureza e da natureza psquica, as cincias do esp-

  • rito e; por outro lado, as cincias matemticas, as cincias dos nmeros, das multiplicidades, das relaes, etc. Nestas ltimas cincias, no se trata de realidades efectivas, mas de possibilidades ideais, vlidas em si mesmas, de resto, porm, tambm de antemo aproblemticas.

    Em cada caso do conhecimento cientfico natural, oferecem-se e resolvem-se dificuldades, e isto de um modo puramente lgico ou segundo as prprias coisas, com base nos impulsos ou motivos cognitivos que justamente residem nas coisas, que parecem, por assim dizer, sair destas como exigncias que elas, estes dados, pem ao conhecimento.

    Contrastemos agora com a atitude intelectual natural, ou com os motivos cognitivos naturais, os jilos- Jicos

    Com o despertar da reflexo sobre a relao entre conhecimento e objecto, abrem-se dificuldades abissais. / O conhecimento, a coisa mais bvia de todas /19/ no pensamento natural, surge inopinadamente como mistrio. Devo, porm, ser mais exacto. bvia , para o pensamento natural, a possibilidade do conhecimento. O pensamento natural, que actua com uma fecundidade ilimitada, e progride, em cincias sempre novas, de descoberta em descoberta, no tem nenhum ensejo para lanar a questo da possibilidade do conhecimento em geral. Sem dvida, como tudo o que ocorre no mundo, tambm o conhecimento se toma de certo modo para ele um problema; toma-se objecto de investigao natural. O conhecimento um facto da natureza, vivncia de seres orgnicos que conhecem, um factum psicolgico. Pode, como qualquer factum psicolgico, descrever-se segundo as suas espcies e formas de conexo e investigar-se nas suas relaes genticas. Por outro lado, o conhecimento , por essncia, conhecimento da objectalidade (Erkenntnis von Gegenstndlichkeit) e tal em virtude do sentido que lhe imanente, com o qual se refere

  • objectalidade. O pensamento natural tambm j se ocupa destes aspectos. Transforma em objecto de investigao, em universalidade formal, as conexes apriricas das -significaes e das vigncias significativas, as leis apriricas que pertencem objectalidade como tal; surge assim uma gramtica pura e, num estrato superior, uma lgica pura (um complexo ntegro de disciplinas graas s suas diversas delimitaes possveis) e, alm disso, brota uma lgica normativa e prtica como tcnica do pensamento e, sobretudo, do pensamento cientfico.

    At aqui, encontramo-nos ainda no solo do pensamento natural (l).

    Mas, justamente, a correlao entre vivncia cognitiva, significao e objecto correlao a que acabmos de aludir com o fito de uma contraposio da psicologia do conhecimento lgica pura e s ontologias a fonte dos mais profundos e mais difceis problemas, em suma, do problema da possibilidade do conhecimento.

    /20/ O conhecimento , em todas as suas configuraes, uma vivncia psquica: conhecimento do sujeito que conhece. Perante ele esto os objectos conhecidos. Mas, como pode o conhecimento estar certo da sua consonncia com os objectos conhecidos, como pode ir alm de si e atingir fidedignamente os objectos? O dado dos objectos cognitivos no conhecimento, bvio para o pensamento natural, toma-se um enigma. Na percepo, a coisa percebida deve imediatamente ser dada. A est a coisa diante dos meus olhos que a percepcionam; vejo-a e agarro-a. Mas a percepo simplesmente vivncia do meu sujeito, do sujeito que percepciona. Igualmente so vivncias subjectivas a recordao e a expectativa, todos os actos intelectuais sobre elas edificados em virtude dos quais se

    (1) Cf. Anexo I.

  • chega posio mediata de um ser real e ao estabelecimento de quaisquer verdades sobre o ser. De onde sei eu, o cognoscente, e como posso eu saber confiada- mente que no s existem as minhas vivncias, estes actos cognitivos, mas tambm que existe o que elas conhecem, mais ainda, que, em geral, existe algo que havera que pr frente ao conhecimento como seu objecto?

    Devo dizer que s os fenmenos so verdadeiramente dados ao cognoscente, que jamais ele vai alm desta conexo das suas vivncias; que, portanto, s pode afirmar com pleno direito; Eu existo, todo o no-eu simples fenmeno e se dissolve em nexos fenomenais ? Devo, pois, instalar-me no ponto de vista do solipsismo? Dura exigncia! Devo eu, com Hume, reduzir a fices toda a objectividade transcendente, fices que podem explicar-se mediante a psicologia, mas no podem racionalmente justificar- -se? Dura exigncia tambm esta. Porventura, a psicologia de Hume no transcende, como toda a psicologia, a esfera da imanncia? No opera ela, sob as rubricas de hbito, natureza humana* (human nature), rgo sensorial, estmulo, etc., com existncias transcendentes (e transcendentes, segundo a sua prpria confisso), quando o seu objectivo rebaixar ao nvel de fico todo o transcender as impresses e idias actuais?(I)

    Mas de que serve referir contradies, se a / pr- jz ij pria lgica est em questo e se tomou problemtica? Efectivamente, a significao real da legalidade lgica, que est fora de toda a questo para o pensamento natural, toma-se agora problemtica e, inclusive, duvidosa. Ocorrem sequncias de idias biolgicas. Recordamos a moderna teoria da evoluo, segundo a qual o homem se desenvolveu na luta pela existncia e

    (l) Cf. Anexo II.

  • graas seleco natural, e com ele, naturalmente, tambm o seu intelecto e, com o intelecto, igualmente todas as formas que lhe so prprias, isto , as formas lgicas. Por conseguinte, no exprimem as formas e leis lgicas a peculiar ndole contingente da espcie humana, que poderia ser de outro modo e se tomar diferente, no decurso da evoluo futura ? O conhecimento , pois, apenas conhecimento humano, ligado s

    formas intelectuais humanas, incapaz de atingir a natureza das prprias coisas, as coisas em si.

    Mas, bem depressa irrompe de novo um contra- -senso: tm ainda sentido os conhecimentos com que opera uma tal opinio e as prprias possibilidades que considera, se as leis lgicas so abandonadas em semelhante relativismo? A verdade de que h tal ou tal possibilidade no pressupe implicitamente a validade absoluta do princpio de contradio, segundo o qual uma verdade exclui a contradio?

    Devem bastar os exemplos seguintes. A possibilidade do conhecimento em toda a parte se toma um enigma. Se nos familiarizarmos com as cincias naturais, achamos tudo claro e compreensvel, na medida em que elas esto desenvolvidas de modo exacto. Estamos seguros de nos encontrar na posse da verdade objectiva, fundamentada por mtodos fidedignos, que realmente atingem a objectividade. Mas, logo que reflectirmos, camos em enganos e perplexidades. Enredamo-nos em manifestas incompatibilidades e at contradies. Estamos em perigo permanente de deslizar para o cepticismo ou, melhor, para qualquer uma das diversas formas do cepticismo, cuja caracterstica comum , infelizmente, uma s e a mesma; o contra-senso.

    A arena destas teorias obscuras e contraditrias, /22/ bem como das infindas disputas concomitantes, /

    a teoria do conhecimento e a metafsica, com ela intimamente entretecida, tanto histrica como objectiva- mente. A tarefa da teoria do conhecimento ou crtica

  • da razo teortica , antes de mais, uma tarefa crtica. Tem de denunciar os absurdos em que, quase inevitavelmente, se envencilha a reflexo natural sobre a relao entre conhecimento, sentido do conhecimento e objecto do conhecimento, ergo, tem de refutar as teorias aberta ou ocultamente cpticas sobre a essncia do conhecimento mediante a demonstrao do seu contra-senso.

    Por outro lado, a sim tarefa positiva resolver os problemas concernentes correlao entre conhecimento, sentido do conhecimento e objecto do conhecimento, graas inquirio da essncia do conhecimento. Entre estes problemas encontra-se tambm a patenteao do sentido essencial da objectalidade cognosci vel ou, o que o mesmo, da objectalidade em geral: do sentido que lhe est prescrito a priori (isto , segundo a essncia), em virtude da correlao de conhecimentos e objectalidade do conhecimento. E isto concerne tambm, naturalmente, a todas as configuraes fundamentais de objectalidades em geral, traadas de antemo pela essncia do conhecimento. (As formas ontolgicas, tanto as apofnticas como as metafsicas).

    Justamente graas ao cumprimento destas tarefas se toma apta a teoria do conhecimento para ser crtica do conhecimento ou, mais claramente, para ser critica do conhecimento natural em todas as cincias naturais. Pe-nos ento, efectivamente, em situao de,interpretar de modo correcto e definitivo os resultados das cincias naturais a propsito do ente. Gom efeito, a perplexidade terico-cognoscitiva a que nos arrojou a reflexo natural (pr-gnoseolgica) sobre a possibilidade do conhecimento (sobre uma possvel apreensibilidade do conhecimento), condiciona no s opinies falsas acerca da essncia do conhecimento, mas tambm interpretaes fundamentalmente errneas, porque em si mesmas contraditrias, do ser que conhecido nas cincias naturais. Segundo a interpret

  • taao considerada como necessria em virtude dessas reflexes, uma e a mesma cincia natural se interpreta em sentido materialista, espiritualista, psicomonista, positivista ou em outros sentidos diversos. S, pois,

    /23/ a reflexo gnoseolgica origina a separao de / cincia natural e filosofia. Unicamente por ela se toma patente que as cincias naturais do ser no so cincias definitivas do ser. necessria uma cincia do ente em sentido absoluto. Esta cincia, que chamamos metafsica, brota de uma crtica do conhecimento natural nas cincias singulares com base na inteleco, adquirida na crtica geral do conhecimento, da essncia e da objectalidade do conhecimento segundo as suas diferentes configuraes fundamentais, e com base na inteleco do sentido das diversas correlaes fundamentais entre conhecimento e objectalidade do conhecimento.

    Se abstrairmos das metas metafsicas da crtica do conhecimento, atendo-nos apenas sua tarefa de elucidar a essncia do conhecimento e da objectalidade cognitiva, ela ento fenomenologia do conhecimento e da objectalidade cognitiva e constitui o fragmento primeiro e bsico da fenomenologia em geral.

    Fenomnologia designa uma cincia, uma conexo de disciplinas cientficas; mas, ao mesmo tempo e acima de tudo, fenomenologia* designa um mtodo e uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosfica, o mtodo especificamente

    filosfico.Tomou-se quase um lugar comum, na filosofia

    contempornea, na medida em que pretende ser uma cincia rigorosa, afirmar que s pode haver um mtodo cognoscitivo comum a todas as cincias e, portanto, tambm filosofia. Esta convico corresponde perfeitamente s grandes tradies da filosofia do sc. xv ii, a qual tambm defendeu que a salvao da filosofia depende de ela tomar como modelo metdico as cincias exactas e, acima de tudo, pois, a matem-

  • tica e a cincia natural matemtica. equiparao metdica est tambm ligada a equiparao de objecto da filosofia com as outras cincias; e, hoje, deve ainda designar-se como predominante a opinio de que a filosofia e, mais concretamente, a doutrina suprema do ser e da cincia pode estar no s relacionada com todas as restantes cincias, mas tambm fundada nos seus resultados, / da mesma maneira que as /24/ cincias se baseiam umas nas outras e os resultados de umas podem actuar como premissas das outras. Lembro assim as fundamentaes arbitrrias da teoria do conhecimento mediante a psicologia do conhecimento e a biologia. Nos nossos dias, aumentam as reaces contra estes preconceitos funestos. So, efectivamente, preconceitos.

    Na esfera natural da investigao, uma cincia pode, sem mais, edificar-se sobre outra e uma pode servir outra de modelo metdico, se bem que s em certa medida, determinada e definida pela natureza do respectivo campo de investigao. A filosofia, porm, encontra-se numa dimenso completamente nova. Precisa de pontos de partida inteiramente novos e de um mtodo totalmente novo, que a distingue por princpio de toda a cincia natural. Da que os procedimentos lgicos, que do unidade s cincias naturais com todos os mtodos especiais, que variam de cincia para cincia , tenham um carc- ter principal unitrio, a que se contrapem os procedimentos metdicos da filosofia como uma unidade em princpio nova. E da tambm que, dentro do conjunto total da crtica do conhecimento e das disciplinas crticas, a filososofia pura tenha de prescindir de todo o trabalho intelectual realizado nas cincias naturais e na sabedoria e conhecimentos naturais no cientificamente organizados, e dele lhe no seja permitido fazer qualquer uso.

  • A seguinte reflexo desde j nos aproximar desta doutrina, cuja fundamentao pormenorizada ser fornecida pelas consideraes ulteriores.

    N o ambiente cptico que necessariamente gera a reflexo crtdco-cognoscitiva (refiro-me primeira, a que precede a crtica cientfica do conhecimento e se realiza no modo de pensar natural), toda a cincia natural e todo o mtodo cientfico natural deixam de valer, como uma posse disponvel. Com efeito, a apreensibilidade objectiva do conhecimento em geral tomou-se, segundo o sentido e a possibilidade, enigmtica e, em seguida, at duvidosa. E, por conseguinte, o conhecimento exacto tomou-se

    /25/ no menos enigmtico que o no-exacto, o cientfico / no menos que o pr-cientfico. Pe-se em questo a possibilidade do conhecimento, mais precisamente, a possibilidade de como ele pode atingir uma objecti- vidade que, no entanto, em si o que . Mas isso supe que fica em questo a efectuao do conhecimento, o sentido da sua pretenso de validade ou legitimidade, o sentido da distino entre conhecimento vlido e conhecimento simplesmente pretenso; por outro lado, tambm o sentido de uma objectalidade que existe e o que , quer seja ou no conhecida e que, no entanto, enquanto objectalidade objectalidade de um conhecimento possvel, cognos- cvel por princpio, mesmo se facticamente jamais foi conhecida e o venha a ser; que em princpio perceptvel, representvel, determinvel mediante predicados num possvel pensamento judicativo, , etc.

    Mas no de prever como o emprego de pressupostos tomados do conhecimento natural ainda que nele estejam exactamente fundados, possa ajudar- -nos a resolver as dvidas gnoseolgicas, responder aos problemas crtico-cognoscitivos. Se o sentido e o valor do conhecimento natural em geral se tomatam problemticos juntamente com todos s seus recursos metdicos, com todas as suas fundamentaes exactas,

  • ento igualmente a problematidade atinge toda a proposio extrada da esfera do conhecimento natural pretensamente aduzida como ponto de partida e todo o mtodo de fundamentao supostamente exacto, A mais rigorosa matemtica e a mais estrita cincia natural matemtica no tm aqui a menor superioridade sobre qualquer conhecimento, real ou pretenso, da experincia comum. , pois, claro que de nenhum modo se pode dizer que a filosofia (a qual, no entanto, comea com a crtica do conhecimento e radica com tudo o mais que ela na critica do conhecimento) tem de orientar-se metodicamente (ou at quanto ao seu objecto!) pelas cincias exactas; que deve delas tomar a metdica como modelo; que apenas lhe cabe prosseguir e levar a cabo, segundo uma metdica principalmente idntica em todas as cincias, o trabalho feito nas cincias exactas, A filosofia, repito, situa-se, perante todo o conhecimento natural, numa dimenso nova, e a esta nova dimenso, por mais que tenha como j transparece no modo figurativo de falar conexes essenciais com as antigas dimenses, corresponde um mtodo novo novo desde o seu fundamento , que se / contra

    pe ao natural. Quem isto negar nada compreendeu do genuno estrato de problemas da crtica do conhecimento e, por conseguinte, tambm no entendeu o que a filosofia realmente quer e deve ser, nem o que lhe confere a especificidade e a sua prpria justificao, perante todo o conhecimento e a cincia naturais (1).

    ( l) C f. n Apndice. da lio.

  • O comeo da crtica do conhecimento: o pr-em-questo de todo o saber [p. 29] Obteno do solo absolutamente seguro, em ligao com a meditao cartesiana sobre a dvida [p. 30] A esfera dos dados absolutos [p. 31] Repetio e complemento; refutao do argumento contra a possibilidade de uma crtica do conhecimento [p. 32] O enigma do conhecimento natural: a transcendncia [p. 34] Demarcao de dois conceitos de imanncia e de transcendncia [p. 35] O primeiro problema da crtica do conhecimento: a possibilidade do conhecimento transcendente [p. 36] O princpio da reduo gnoseolgica [p. 39].

  • / A o encetar a crtica do conhecimento, importa, /29/ pois, adjudicar o ndice da questionahilidade a todo o mundo, natureza fsica e psquica e, por fim, tambm ao prprio eu humano, juntamente com todas as cincias que se referem a estas objectalidades.A sua existncia, a sua validade ficam por decidir.

    A questo agora : como se pode estabelecer a critica do conhecimento? Enquanto autocompreenso cientfica do conhecimento, quer determinar conhecendo cientificamente e, portanto, objectivando o que em essncia o conhecimento, o que reside no sentido da referncia a uma objectalidade que . lhe atribuda e no da validade objectiva ou apre- ensibilidade, quando deve ser conhecimento na verdadeira acepo. A Inoxiu que a crtica do conhecimento deve exercitar, no pode ter o sentido de que ela no s comece por, mas tambm persista em impugnar todos os conhecimentos ergo, tambm os seus prprios , no deixando valer dado algum, portanto, tambm no aqueles que ela prpria estabelece. Se nada lhe permitido pressupor como previamente dado, deve ento comear por algum conhecimento, que ela no toma sem mais de outro ldo, mas antes a si mesma o d, que ela prpria pe como conhecimento primeiro. '

  • A este primeiro conhecimento no permitido conter absolutamente nada da obscuridade e incerteza que normalmente conferem aos conhecimentos o caracter do enigmtico, do problemtico, o qual nos lana por fim em tal perplexidade que somos induzidos a dizer que o conhecimento em geral um problema, uma coisa incompreensvel, carente de elucidao, duvidosa quanto sua pretenso. Em termos correlativos: se no nos lcito aceitar ser algum como previamente dado, porque a obscuridade cr- tico-cognoscitiva faz com que no compreendamos que sentido pode ter um ser que seja em si e que, no entanto, seja conhecido no conhecimento, ento deve poder mostrar-se um ser que devemos reconhecer como absolutamente dado e indubitvel, / na medida em que est dado justamente de um modo tal que nele existe plena claridade, a partir da qual toda a pergunta encontre e deva encontrar a sua resposta imediata.

    E, agora, recordemos a meditao cartesiana sobre a dvida. Ao considerar as mltiplas possibilidades de erro e de iluso, posso enredar-me num tal desespero cptico que acabe por dizer: nada de seguro h para mim, tudo duvidoso'. Mas, logo se toma evidente que, para mim, nem tudo pode ser duvidoso, pois, ao julgar que tudo duvidoso, indubitvel que eu assim julgo e, por conseguinte, seria absurdo querer manter uma dvida universal. E em cada caso de uma dvida determinada indubitavelmente certo que eu assim duvido. E o mesmo se passa em toda a cogitatio. Sempre que percepciono, represento, julgo, raciocino, seja qual for a certeza ou incerteza, a objec- talidade ou a inexistncia de objecto destes actos, absolutamente claro e certo, em relao percepo, que percepciono isto e aquilo e, relativamente ao juzo, que julgo isto e aquilo, etc.

    Descartes fez esta considerao em vista de outros fins; podemos, porm, utiliz-la aqui, convenientemente modificada.

  • Se perguntamos pela essncia do conhecimento, inicialmente o prprio conhecimento seja qual for a situao da dvida quanto sua apreensibindade e seja qual for a condio desta um ttulo de uma multiforme esfera do ser, que nos pode estar absolutamente dada e que, por vezes, pode dar-se absolutamente em formas singulares. De facto, as configuraes intelectuais, que realmente levo a cabo, so-me dadas, contanto que eu ref licta sobre elas, as receba e ponha tal como puramente as vejo. Posso falar de um modo vago de conhecimento, de percepo, representao, experincia, juzo, raciocnio, etc.; ento, quando reflicto, est certamente s dado, se bem que absolutamente dado, este fenmeno do vago falar e opinar acerca do conhecimento, da experincia, do juzo, etc. J este fenmeno da vaguidade um dos que caem sob o rtulo de conhecimento, no mais amplo sentido. Mas posso tambm efectuar concretamente uma percepo e olhar para ela; posso, alm disso, representar-me na fantasia ou na recordao uma percepo e para ela dirigir o olhar neste dar-se na fantasia. Ento, j no tenho / um dis- /31/ curso vazio ou uma vaga opinio, representao da percepo, mas a percepo est, por assim dizer, diante dos meus olhos como um dado actual, ou como dado da fantasia. E assim para toda a vivncia intelectiva, para toda a configurao intelectual e cognitiva.

    Acabei aqui de comparar a percepo reflexa intuitiva e a fantasia reflexa intuitiva. Segundo a meditao cartesiana, haveria primeiro que salientar a percepo : percepo que, em certa medida, corresponde chamada percepo interna da teoria do conhecimento tradicional a qual , sem dvida, um conceito ambguo. 1j

    fT oda a vivncia intelectiva e toda a vivncia em geral, } rao ser levada a cabo, pode fazer-se objecto de um puro ver e captar e, neste ver, um dado absoluto. Est dada/

  • como um ente, como um isto-aqui (Dies-da), de cuja existncia no tem sentido algum duvidar. Posso, certamente, reflectir sobre que ser ser esse e como este modo de ser se comporta relativamente a outros; posso, ademais, considerar que significa aqui dado e posso, se prosseguir na reflexo, incluir np meu ver o prprio ver, em que aquele dado, ou este modo denser, se constitui. Mas, em tudo isso sobre um fundamento que constantemente me movo: esta percepo e permanece, enquanto dura, um absoluto, um isto-aqui, algo que c em si o que , algo com que posso medir, como se fora uma medida definitiva, o que podem querer dizer, e aqui devem dizer, existir e estar dado, pelo menos, naturalmente, no tocante espcie de existncia e de dado que mediante o isto-aqui, se exemplifica. E para todas as configuraes intelectuais especficas que isto vale, onde quer que estejam dadas. Todas elas podem tambm ser dados na fantasia, podem estar por assim dizer diante dos olhos e, no entanto, no estar a como presenas actuais, como percepes, juzos, etc., actualmente levados a cabo. Tambm ento so, num certo sentido, dados; esto a intuiti- vamente; falamos delas no apenas com uma vaga aluso, numa meno vazia; vemo-las e, vendo-as, podemos destacar intuitivamente a sua essncia, a sua constituio, o seu caracter imanente, e podemos, em pura proporo, adaptar o nosso discurso plenitude de claridade intuda. Isto, porm, / imediata- jnente exigir um complemento mediante o exame

    antemo, assinalar uma esfera de dados absolutos; e a esfef a de que justamente precisamos, se que deve ser possvel a nossa aspirao a uma teoria do conhecimento. De facto, a obscuridade acerca do conhecimento no tocante ao seu sntido ou sua essncia

  • exige uma cincia do conhecimento, uma cincia que nada mais pretende do que trazer o conhecimento claridade essencial. No quer explicar o conhecimento como facto psicolgico, nem investigar as condies naturais segundo as quais vm e vo os conhecimentos, nem as leis naturais, a que esto ligados no seu devir e na sua mudana: investigar isso a tarefa que se prope uma cincia natural, a cincia natural dos factos psquicos, das vivncias de indivduos psquicos que vivem. A crtica do conhecimento quer antgsjgucidar, larficarTlIustrar^a essncia do conhecimento e a preten^~3e~validade que pertenceJ sua essncia; que outra, coisa significa isto seno traz-I~a~Hr-se a s mesma (Selbstgegebenheit) directamente?

    o

    r

    Recapitulao e Complemento j . O conhed- /a/ mento natural, no seu incessante e eficiente progresso nas diferentes cincias, esta inteiramente certo da sua apreensibihdade e no tem nenhum motivo para encontrar aporia na possibilidade do conhecimento e no sentido da objectalidade conhecida. Mas, logo que a reflexo se vira para a correlao de conhecimento e objectalidade (e, eventualmente, tambm para o contedo significativo ideal do conhecimento na sua relao, por um lado, com o acto de conhecimento e, por outro, com a objectalidade do conhecimento), surgem dificuldades, incompatibilidades, teorias contraditrias e, no entanto, supostamente fundamentadas, que compelem a admitir que a possibilidade do conhecimento em geral, no tocante sua apreensi- bilidade, um enigma.

    Quer aqui nascer uma nova cincia, a crtica do conhecimento, que pretende desfazer estas perplexidades e elucidar-nos sobre a essncia do conhecimento.Da boa^sorte desta cincia depende, claro est, a possibilidade de _uma~metafsica a cincia do ser em sentido absoluto e ltimo. Como / pode, , porm, instaurar-se uma tal . cincia do conhecimento; em

  • geral? O que uma cincia pe em questo no pode por ela ser utilizado como fundamento previamente dado. Mas o que esta posto em causa, j que a crtica do conhecimento pe como problema a possibilidade do conhecimento em geral e, naturalmente, em relao sua apreensibilidade, todo o conhecimento. Para a crtica, no seu comeo, no pode valer como dado nenhum conhecimento. No lhe , pois, permitido ir buscar seja o que for a nenhuma esfera de conhecimentos pr-cientfica; todo o conhecimento leva o ndice da questionabilidade.

    Sem conhecimento dado como ponto de partida, tambm no h conhecimento algum como continuao. Por conseguinte, a crtica do conhecimento de nenhum modo pode comear No pode haver em geral, uma tal cincia.

    Ora, o que eu queria dizer que o correcto em tudo isto que, no incio, no pode valer nenhum conhecimento como previamente dado sem exame. Mas, se crtica do conhecimento no lcito aceitar de antemo nenhum conhecimento, pode ento comear por a si mesma dar conhecimento e, naturalmente, conhecimento que ela no fundamenta, no infere logicamente o que exigira conhecimentos imediatos, que deveram previamente ser dados, mas conhecimento que ela imediatamente mostra e que de toma espcie tal que exclui, com clareza e de modo indubitvel, toda a dvida sobre a sua possibilidade, e nada absolutamente contm do enigma que fornecera a ocasio de todas as perplexidades cpticas. E referi-me. aqui meditao cartesiana sobre a dvida e esfera de dados absolutos ou crculo de conhecimento absoluto , que fica compreendida sob o ttulo de evidncia da cogitatio\ D everaagora mostrar-se com maior preciso que a Jmanndajdcste conhecimento que o qualifica para servirhe primeiro poiito de partidada teoriado conher "amento; e que, ademais, graas a estamanncia, est

  • livre da qualidade de enigmtico, que a fonte de todas as perplexidades cpticas; e ainda, finalmente, que a itnanncia em geral o carcter necessrio de todo o conhecimento terico-
  • tos que, a princpio, se impe por toda a parte, e que eu, ento, mergulhando numa perplexidade universal, diga: o conhecimento em geral um enigma enquanto depressa se revela que o enigma no assedia alguns outros conhecimentos. E assim sucede, na realidade, como veremos.

    Disse eu que os conhecimentos, com que iniciar se deve a crtica do conhecimento, nada podem conter de discutvel e de exposto dvida, nada de quanto nos arrojou perplexidade gnoseolgica e que impulsiona toda a crtica do conhecimento. Temos de mos trar que isto se aplica esfera da cogitatio. Mas, para isso, necessria uma reflexo que v mais fundo, a qual nos trar encorajamentos essenciais.

    Se examinarmos de mais perto o que to enigmtico e nos lana na perplexidade nas reflexes mais mo sobre a possibilidade do conhecimento, vemos que a sua transcendncia. Todo o conhecimento natural, tanto o pr-cientfico como tambm j o cientfico, conhecimento que objectiva transcenden

    t s / temente; / pe objectos como existentes, pretende atingir cognoscitivamente estados de coisas que no esto nele dados no verdadeiro sentido, no lhe so imanentes.

    Olhada de mais perto, a transcendncia tem, sem dvida, dois sentidos. Pode, pr um lado, querer dizer que o objecto de conhecimento no est como ingrediente contido no acto cognitivo, de modo que por dado no verdadeiro sentido ou dado imanente- mente se entende o estar inclusamente contido. O acto de conhecimento, a cogitatio, tem momentos ingredientes, que como ingredientes a constituem; mas a coisa que ela intenta e que supostamente per- cepciona, de que se recorda, etc

  • significa aqui inclusamente imanente, na vivncia cognitiva.

    Mas, h ainda uma outra transcendncia, cujo contrrio uma imanncia inteiramente diversa, a saber, o dar-se absoluto e claro, a autopresentao em sentido absoluto. Este estar dado, que exclui toda a dvida sensata, um ver e captar absolutamente imediato da prpria objectabdade intentada e tal como , constitui o conceito pleno de evidncia e, claro, entendida como evidncia imediata. transcendente no segundo sentido todo o conhecimento no evidente, que intenta ou pe o objectal (das Gegenstndliche), mas no o intui ele mesmo. Nele vamos alm do dado em cada caso no verdadeiro sentido, alm do que directamente se pode ver e captar. A pergunta aqui: como pode o conhecimento pr como existente algo que nele no est directa e verdadeiramente dado ? / /b/

    Estas duas imanncias e transcendncias mescla- ram-se inicialmente, antes de a meditao crtico- -cognoscitiva ter ido mais fundo. E claro que quem levanta a primeira questo acerca da possibilidade das transcendncias ingredientes, faz propriamente intervir tambm a segunda, atinente possibilidade da transcendncia para alm da esfera do dado evidente.Com efeito, supe tactamente que o nico dado realmente compreensvel, inquestionvel, absolutamente evidente, o do momento contido como ingrediente no acto cognoscitivo e, / por isso, surge-lhe /36/ como enigmtico, problemtico, tudo o que no est como ingrediente contido numa objectalidade conhecida. Veremos em breve que isto um erro fatal.

    Quer se entenda a transcendncia num ou noutro sentido ou, antes de mais, num sentido equvoco, ela 0 problema inicial e guia da crtica do conhecimento; o enigma que bloqueia o caminho do conhecimento natural e constitui o impulso para as novas investigaes. Podera, no comeo, designar-se como tarefa da crtica do conhecimento a resoluo

  • deste problema, dar, portanto, assim nova disciplina a sua primeira definio preliminar, em vez de caracterizar como tema seu, de uma maneira mais geral, o problema da essncia do conhecimento.

    Ora se, de qualquer modo, logo no estabelecimento inicial da disciplina o enigma aqui est, ento determina-se agora com maior preciso o que no lcito utilizar como previamente dado. A saber, no permitido, pois, empregar algo de transcendente como dado de antemo. Se eu no concebo como possvel que o conhecimento possa alcanar algo que lhe transcendente, ento tambm no sei se possvel. A fundamentao cientfica de uma existncia transcendente em nada me ajuda agora, pois toda a fundamentao mediata retrograda para uma ime-

    /c/ diata, e o imediato contm j o enigma /.No entanto, talvez algum diga: ( coisa segura

    que o conhecimento, tanto mediato como imediato, contm o enigma. Mas o enigmtico o como, ao passo que o facto (Dass) absolutamente seguro; nenhum ser racional duvidar da existncia do mundo e o cptico desmentido pela sua prtica. Ora bem, ripostamos-lhe com um argumento mais forte e de maior alcance; com efeito, ele prova no s que, no princpio da teoria do conhecimento, no permitido recorrer ao contedo das cincias naturais e transcendentemente objectivantes, mas tambm o no no seu total desenvolvimento. Prova, pois, a tese fundamental de que a teoria do conhecimento jamais pode edi-

    ficar-se sobre a cincia natural de qualquer espcie. Perguntamos, pois: que pretende o nosso adversrio encetar com o seu saber transcendente? Pomos ao seu livre dispor toda a proviso de verdades transcen-

    /37/ dentes das / cincias objectivas e supomo-las no alteradas no seu valor de verdade pelo enigma, j suscitado, de como possvel a cincia transcendente. Que quer ele encetar com o seu saber omni-englo- bante? Como pensa ele chegar do facto ao como?

  • O seu saber, enquanto facto, que o conhecimento transcendente real, garante-lhe como algo de logicamente bvio que o conhecimento transcendente possvel. O enigma, porm, como ele possvel. Pode ele resolv-lo em virtude da prpria posio (Setzmg) de todas as cincias, ou sob o pressuposto de todos os conhecimentos transcendentes ou de quaisquer deles ? Pensemos: que que lhe falta ainda, verdadeiramente? Para ele, bvia, sim, justamente bvia de modo puramente analtico, a possibilidade do conhecimento transcendente, j que a si mesmo diz: Existe em mim saber do transcendente/ E manifesto que lhe falta (1). -lhe obscura a referncia transcendncia; obscuro lhe tambm o
  • transcendente, se o conhecimento e o objecto esto realmente apartados, ento ele nada pode ver e a sua esperana numa via de chegar, porm, de qualquer modo claridade, mesmo mediante a inferncia a partir de pressupostos transcendentes, uma patente tolice.

    38/ / S e fosse consequente, devia, perante estas idias, abandonar tambm o seu ponto de partida: deveria reconhecer que, nesta situao, impossvel o conhecimento do transcendente, que o seu pretenso saber a tal respeito um preconceito. O problema j no seria, ento, como possvel o conhecimento transcendente, mas como se pode explicar o preconceito que atribui ao conhecimento uma consecuo transcendente: justamente, a via de Hume.

    Abstenhamo-nos, no entanto, disso e, para ilustrao da ideia fundamental de que o problema do como como possvel o conhecimento transcendente e, inclusive, mais em geral, como possvel o conhecimento jamais pode resolver-se com base num saber previamente dado acerca do transcendente, em proposies de antemo dadas a seu respeito, extradas seja de onde for, mesmo que das cincias

    /d/ exactas, acrescentemos o seguinte / : um surdo de nascena sabe que h sons, que os sons criam harmonias e que nesta se baseia uma arte magnfica; mas, ho pode entender como que os sons fazem isso, como so possveis obras de arte sonoras. No pode para si representar coisas assim, isto , no as pode intuir e, vendo-as, captar o como. O seu saber a propsito da existncia em nada o ajuda e seria absurdo se ele pretendesse derivar, com base no seu saber, o como da arte dos sons, e elucidar .as possibilidades da mesma mediante inferncias a partir dos seus conhecimentos. No vivel o deduzir a partir de existncias simplesmente sabidas e no vistas. O ver no pode demonstrar-se ou deduzir-se. manifestamente um nonsens querer clarificai possibilidades (e,

  • claro, possibilidades j imediatas) por derivao lgica a partir de um saber no intuitivo. Portanto, ainda que eu esteja inteiramente seguro de que h mundos transcendentes, ainda que deixe valer no seu contedo integral todas as cincias naturais, no posso junto destas contrair emprstimos. Jamais me lcito imaginar que chego, atravs de suposies transcendentes e de argumentaes cientficas, aonde quero ir na crtica do conhecimento, a saber, a ver a possibilidade da objectividade transcendente do conhecimento. E, evidentemente, isto vale no s para o comeo, mas tambm para o curso completo da crtica do conhecimento, justamente enquanto esta permanece no problema de elucidar como possvel o conhecimento. / E isto vale, claro est, no s /39/ para o problema da objectividade transcendente, mas para a clarificao de toda a possibilidade.

    Se com isto conectarmos a tendncia, extraordinariamente poderosa, para julgar em sentido transcendente e, portanto, para cair numa fjLerPaai tk XXo yvo, em todos os casos em que se realiza um acto intelectual referido transcendncia e em que importa fazer um juzo com base nesse acto, ento, produz-se a deduo suficiente e completa do princpio gnoseolgico: em toda a inquirio terico-cog- noscitiva, quer se trate deste ou daquele tipo de conhecimento, h que levar a cabo a reduo gnoseo- lgica, isto , h que afectar toda a transcendncia concomitante com o ndice da desconexo, ou com o ndice da indiferena, da nulidade gnoseolgica, com um ndice que afirma: no me importa aqui absolutamente nada a existncia de todas estas transcendncias, quer eu nela creia ou no; aqui, no o lugar de sobre ela julgar; isso fica completamente fora dej g

    Todos os erros fundamentais da teoria do conhecimento se ligam com a (xeTpaat mencionada, por um lado, o erro bsico do psicologismo, por outro,

  • o do antropologismo e do bilogismo. Ela age assim de um modo sumamente perigoso, porque nunca se esclareceu o sentido genuno do problema e ele se perde de todo na (lerpocai e, em parte, tambm porque mesmo aquele que para si o clarificou s com dificuldade pode manter continuamente eficiente esta claridade, e na reflexo superficial sucumbe novamente s tentaes do modo natural de pensar e ju lgar, bem como a todas as maneiras falsas e sedutoras de pr o problema, que crescem no seu solo.