Paleografica

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Edio Paleogrfica Digital

Secretaria de Administrao

GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO Blairo Borges MaggiGovernador

Silval da Cunha BarbosaVice-governador

SECRETARIA DE ESTADO DE ADMINISTRAO Geraldo de Vitto Jr.Secretrio

Romeu Honorato MendesSecretrio Adjunto de Administrao

Paulo Roberto Francisco da SilvaSecretrio Adjunto de Administrao Sistmica

ARQUIVO PBLICO DE MATO GROSSO Jos Roberto StopaSuperintendente

da Camara do Cuyab1719-1830

Annaes do Sennado

ACERVO Arquivo Pblico de Mato Grosso APMT FONTE Anais do Senado da Cmara de Cuiab EQUIPE TCNICA DE ELABORAO DA TRANSCRIOTranscrio paleogrfica

Yumiko Takamoto SuzukiColaboradores

Candelria Gomes Monteiro de Campos Neta | Eliane Fernandes | Hilario Noriyuki Teruya | Vanda SilvaDigitao

Leandro Aparecido de PaivaDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Annaes do Sennado da Camara do Cuyab : 1719-1830 / [transcrio e sua organizao Yumiko Takamoto Suzuki]. -- Cuiab, MT : Entrelinhas ; Arquivo Pblico de Mato Grosso, 2007. Edio com a transcrio do documento original, segundo as normas recomendas pelo Arquivo Nacional. Inclui duas edies digitais : fac-similar e da transcrio. Vrios colaboradores. 272 p. : il. ; 30 cm ISBN 978-85-87226-60-0 (Entrelinhas Editora) ISBN 978-85-60869-00-8 (Arquivo Pblico) 1. Cuiab Histria Perodo colonial 2. Cuiab Histria Perodo imperial 3. Mato Grosso Histria Perodo colonial 4. Mato Grosso Histria Perodo imperial I. Suzuki, Yumiko Takamoto. 07-4017 ndices para catlogo sistemtico: 1. Mato Grosso : Histria 981.72 CDD-981.72

Editora

Maria Teresa Carrin CarracedoReviso paleogrfica

Ana Mesquita Martins de PaivaProjeto Grfico

Maria Teresa Carrin CarracedoProduo Grfica

Ricardo Miguel Carrin CarracedoFotos

Francisco Venncio (reproduo dos flios) e Helton Bastos (detalhes para design)Assistentes na edio

Walter Barbosa Galvo e Ronaldo Guarim Imagem da capa Prospecto da Villa do Bom Jesus de Cuiab... (Fragmento). Acervo do Museu Botnico Bocage, Lisboa, ca. 1790Av. Senador Metello, 3.773 Jd. Cuiab CEP 78.030-005 Cuiab-MT Telefax (65) 3624 5294 www.entrelinhaseditora.com.br [email protected] [email protected]

da Camara do Cuyab1719-1830

Annaes do Sennado

Edio com a transcrio do documento original, segundo as normas recomendadas pelo Arquivo Nacional. Edio Paleogrfica Digital.

Cuiab, 2007

Referencial para o futuroA preservao da memria de um povo, constituda de registros histricos dos mais variados matizes manuscritos, imagens, monumentos arquitetnicos, tradies, costumes, culinria, manifestaes artsticas, como a dana e a msica , componente essencial formao de sua identidade cultural. O patrimnio histrico material e imaterial, no seu conjunto, que perpetua as caractersticas marcantes de um povo: suas lutas, suas conquistas, sua formao tnica, tica e moral. No podemos, por todas essas razes, relegar a preservao dos nossos registros histricos a um segundo plano, como algo de valor secundrio ou estritamente acadmico, a ser guardado e esquecido nas prateleiras e arquivos dos centros de memria. A identidade cultural o referencial que baliza a construo do futuro de um povo. Esta publicao, portanto, se reveste da maior importncia. Reproduz, observando as normas tcnicas do Arquivo Nacional para a transcrio e edio de documentos manuscritos, os Annaes do Sennado da Camara do Cuyab, que registra o perodo de 1724 a 1830. So registros de mais de um sculo de funcionamento do parlamento de Cuiab, ou seja, do equivalente, poca, Cmara de Vereadores do municpio. Relatam curiosos e interessantes fragmentos da vida cotidiana da populao, mas tambm momentos histricos de suma importncia para a compreenso do processo de fundao e consolidao da nossa capital. Conhecer o passado de Cuiab tambm fundamental para entendermos a origem do Estado de Mato Grosso, pois tudo comeou com as lavras de ouro nos rios e crregos que cortam a capital. Da surgiram os pequenos povoados, fundados por bandeirantes paulistas que por aqui aportaram. Ao tomar a iniciativa de publicar essas verdadeiras relquias, que so os Annaes do Sennado da Camara do Cuyab, escritos num portugus que, por si s, revelador de um passado que poucos conhecem, o Arquivo Pblico de Mato Grosso d valiosa contribuio preservao da nossa memria, do nosso patrimnio cultural. Permite, enfim, que no apenas historiadores, pesquisadores e estudiosos, mas tambm cidados comuns tenham acesso a documentos reveladores da nossa histria.

Blairo Borges MaggiGovernador do Estado de Mato Grosso

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Espao abertoNos ltimos anos, o Arquivo Pblico de Mato Grosso vem sendo reestruturado, passando por um processo de reconhecimento e valorizao de seus trabalhos pelo Governo do Estado, que v o Arquivo, no como um depsito de papis velhos, mas uma instituio de preservao da cultura e da histria do povo mato-grossense. Esta publicao mais um testemunho das transformaes pelas quais o Arquivo Pblico passa. A necessidade de difundir o que se preserva e colocar ao alcance da populao e de pesquisadores tesouros da Histria de Cuiab e de Mato Grosso mostra a preocupao que temos com o passado e a responsabilidade com o futuro, com a influncia dos aspectos histricos de Mato Grosso no desenvolvimento da atual e das futuras geraes. Este Annaes do Sennado da Camara do Cuyaba a segunda grande obra lanada pelo Arquivo Pblico nesta administrao e no ser a ltima. A continuidade da divulgao cultural e histrica deste Estado um compromisso assumido por este Governo e que vem sendo cumprido. Em decorrncia desta nova forma de administrar, o Arquivo Pblico de Mato Grosso , hoje, um espao aberto e conhecido pela comunidade acadmica, escolar e por parte da populao. Outrora, poucas pessoas o conheciam. Tornou-se ponto de referncia para historiadores, pesquisadores, estudiosos e estudantes, que buscam aprofundar-se nos conhecimentos guardados e preservados pela instituio. O Arquivo Pblico agora faz parte do cotidiano cultural de Mato Grosso e vem trabalhando em busca da excelncia na preservao, resgate e na divulgao da memria do Estado. Os atos de conhecer e valorizar o passado nos remetem ao respeito e entendimento do presente, alm de contribuir para a construo do futuro de Mato Grosso. Parabns ao Estado por esta grande obra!

Geraldo A. de Vitto Jr.Secretrio de Estado de Administrao

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Edio para pesquisadores com grande satisfao que o Arquivo Pblico de Mato Grosso, em parceria com a Entrelinhas Editora, apresenta os Annaes do Sennado da Camara do Cuyab 1724-1830 a pesquisadores de todas as reas do conhecimento, interessados em conhecer, decifrar e compreender o processo histrico-cultural mato-grossense. Trata-se de um dos mais importantes documentos para a histria de Cuiab e de Mato Grosso, que narra os acontecimentos considerados marcantes no perodo. Esta edio diplomtica dos Annaes constitui-se em valioso instrumento de pesquisa. Apresenta a transcrio paleogrfica do documento em suporte convencional, acompanhada de duas edies digitais: uma fac-similar, que reproduz o documento por meio fotogrfico ideal para checar dvidas , e a edio indexada da transcrio, que permite ao pesquisador a busca instantnea atravs de qualquer palavra-chave. Esta medida amplia a divulgao do documento ao mesmo tempo em que poupa o original de maiores desgastes com a sua manipulao. Ao longo dos seus mais de dois sculos de existncia, os Annaes sofreram desgastes e supresses que permanecem um mistrio a ser desvendado por pesquisadores e historiadores, nicos com possibilidades de reconstitu-lo a partir de um trabalho aprofundado. A ao do tempo, a conservao e restauraes inadequadas suprimiram-lhe flios, linhas de texto e parte da paginao original. Disponibilizar este documento a especialistas e estudiosos dos quais o Arquivo Pblico de Mato Grosso espera receber valiosa contribuio com informaes que permitam aprimorlo e reconstitu-lo o incio dos trabalhos para a elaborao de edio crtica ou popular, com atualizao ortogrfica e gramatical, para que possa ser compartilhada de forma mais ampla. Preservar os documentos sob a nossa custdia uma obrigao constitucional do Estado. A deciso de publicar este documento a expresso do compromisso em preservar, difundir e facilitar o acesso ao acervo, numa proposta de democratizar a riqueza de contedo dos documentos aqui existentes, atendendo ao direito que todo cidado tem sua memria.

Prof. Jos

Roberto Stopa

Superintendente do Arquivo Pblico de Mato Grosso

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RelatosAo transcrever o documento Annaes do Sennado da Camara, a historiadora, professora Yumiko Takamoto Suzuki, esmerou-se a fundo neste seu objetivo, isto , na possibilidade de trazer a pblico um dos documentos mais importantes do municpio de Cuiab, outrora Villa Real do Senhor Bom Jesus do Cuyab. Constitui, portanto, um mergulhar minucioso nos inmeros documentos produzidos pelo Sennado da Camara de Cuyaba e suas mltiplas informaes oficiais, que ressaltam as ocorrncias no cotidiano do lugar, firmando-se como um preito histria de um povo. Relatos, como a elevao das Minas do Cuyaba condio de Villa Real do Senhor Bom Jesus do Cuyab; a chegada da imagem do Senhor Bom Jesus, trazida do Citio de Camapoan; o ataque feroz dos indgenas quando pelejaro das nove da manh at as duas da tarde; a descoberta da quina e sua casca medicinal nas Serras do So Jernimo; as notcias de que o Brasil tornara-se livre e independente (1822), confirmam a importncia deste documento. Era a maneira com que os antigos vereadores escreviam os acontecimentos mais notveis do seu tempo, desempenhando, fielmente, as obrigaes do seu cargo e fornecendo matria para a Histria e para muitas memrias. Dominando, pacientemente, a prtica de trazer a lume o significado das diferentes composies ortogrficas, produzidas por diferentes escrives da Cmara, a historiadora transcreveu os contedos documentais gerados nos mais diversos momentos histricos da Villa do Cuyab e regio. Produzir os Annaes do Sennado da Camara era, na verdade, uma imposio do governo colonial s Cmaras Municipais, tidas como a menor unidade administrativa, judiciria, fazendria e de polcia existentes, atendendo aos preceitos da Real Proviso, de 20 de Julho de 1782. Com esta transcrio, o Arquivo Pblico de Mato Grosso disponibiliza aos seus consulentes mais uma eficiente ferramenta de pesquisa.

Odenil SantAna da SilvaProf. Mestre do APMT

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Sobre esta transcrio

O trabalho de transcrever os Annaes do Sennado da Camara do Cuyab foi um enorme desafio que enfrentei em 2002, responsabilidade que me foi confiada pelo ento Superintendente do Arquivo Pblico de Mato Grosso, professor Clementino Nogueira de Sousa. Em alguns momentos cheguei a pensar que no iria conseguir. Afinal, eram 198 folhas (frente e verso). Talvez parea um exagero falar dessa maneira, mas as dificuldades encontradas foram muitas; primeiro, pela responsabilidade de transcrever um documento to importante para a Histria de Mato Grosso e, em especial, para o municpio de Cuiab; segundo, pela responsabilidade prpria do transcrever, pois me sentia e ainda me sinto uma aprendiz. A minha experincia de historiadora/arquivista me oferecia alguns elementos para a transcrio de manuscritos do sculo XVIII, mas o Annaes me desafiava a conhecer um pouco mais de paleografia1, exigncia necessria para a transcrio. Infelizmente, a paleografia um conhecimento pouco considerado nos cursos de Histria, mas de extrema importncia para os historiadores que se aventuram pelos labirintos da escrita dos manuscritos do sculo XVIII. Esta transcrio tem como objetivo preservar o documento original, pois o constante manuseio pelos pesquisadores contribui para o seu desgaste, alm do compromisso da Gerncia de Documentos Escritos do Arquivo Pblico de Mato Grosso, no s com a preservao mas tambm com a divulgao do nosso acervo.

Estudodascaractersticasextrnsecasdosdocumentoselivrosmaunscritos,parapermitiraleituraetrancriodosmesmos, segundo,Berwanger.AnaReginaeLeal,JooEurpidesFrankklin.NoesdePaleografiaedeDiplomtica.2.ed.SantaMaria:Ed.UFMS,995.p.2.

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Ao transcrever os Annaes do Sennado da Camara do Cuyab, procurei fazer uma cpia fiel do documento original, de acordo com as Normas Tcnicas para Transcrio e Edio dos Documentos Manuscritos do Arquivo Nacional. Estas normas fixam diretrizes e convenes para a transcrio e edio de documentos manuscritos e destinam-se a unificar os critrios das edies paleogrficas, possibilitando uma apresentao racional e uniforme2 dos documentos transcritos pelos arquivos brasileiros. A partir destas orientaes de ordem metodolgica, procuramos realizar essa transcrio da maneira mais fiel possvel; primeiramente, no atualizando a linguagem do documento; em segundo, as notas, as observaes e esclarecimentos do Ouvidor Diogo de Toledo Lara Ordonhez, existentes nas bordas do documento, foram colocadas na forma de notas de rodap; em terceiro, as palavras de difcil compreenso foram indicadas entre colchetes. No posso deixar de registrar, infelizmente, a falta de vrios flios neste documento: no incio dos Annaes faltam os flios 3 a 8; no ano de 1795, faltam os flios 84 e 85; nos anos 1799 e 1800, os flios 94 a 99; no ano de 1801, os flios 104 a 107; nos anos 1808, 1809 e 1810, os flios 132 a 143; e nos anos 1811, 1812 e 1813, faltam os flios 145 a 154. Para resgatar a integridade do contedo dos Annaes, reproduzimos os trechos relativos aos flios subtraidos, como citao, tendo como fonte publicaes realizadas a partir de outros manuscritos, em 1850 e 1898, pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro e Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, respectivamente. Por fim, para facilitar o acesso informao, foi criado o ndice onomstico. Assim, acredito que a entrega deste trabalho aos historiadores, pesquisadores e ao pblico em geral cumpre, no apenas com o papel de se garantir a preservao dos documentos, como tambm de possibilitar o conhecimento e o contato com a documentao que est sob a guarda do Arquivo Pblico de Mato Grosso.

Yumiko Takamoto SuzukiResponsvel pela transcrio destes Annaes...

2 http://www.arquivonacional.gov.br/normas.htm.

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7bro ........................... Setembro 8bro ........................... Outubro 9bro, Nov.o ............... Novembro Acolhimento Acolhim.to ................

AbreviaturasDez.or . ....................... Desembargador Diam.o . ..................... Diamantino Diffr.te, Difr.te .......... Diferente Diligncia Dilig.a ........................ Divertim.os ............... Divertimentos D.o .............................. Dito Dom.os....................... Dr., D.or. .................... Domingos Doutor

Joaq.m ........................ Joaquim Juram.to .................... Juramento Lanam.to ................. Lanamento L.e . ............................. Leite Leald.e ....................... Lealdade Liberalm.te ............... Liberalmente Livrem.te ................... Livremente L.o .............................. Livro Mag.de ....................... Majestade M.as. ........................... Mesmas Max.do ...................... Maxado Maxm.o .................... Mximo M.e ............................. Mestre Medr.o ...................... Medeiro M.el ............................ Manoel M.er ............................ Mulher Merecim.to . .............. Merecimento Min.o ......................... Ministro Mir.da, Mir.a ............. Miranda M.mos ......................... Montr.o ..................... Monteiro Mor.a ......................... Moreira M.s ............................. Mais Mt.o(a) ........................ Muito (a) Municipalid.e . ......... Municipalidade N. S. do Rozr.o ........ Nossa Senhora .................................... do Rosrio Naq.la, Naq.la .......... Naquela Nascim.to ................. Nascimento Necessid.e ................. Necessidade Neg.ates ...................... Negociantes Novam.e ................... Novamente N.sso ........................... Nosso N.te ............................ Neste N. Sr.r ....................... Nosso Senhor Ocaz.m . ..................... Ocasio Ocid.e ........................ Ocidente Off.es ......................... Oficiais Off.o .......................... Ofcio Olivr.a, Olv.a,............ Oliveira Orden.a .................... Ordenana Ouv.r, Ouv.or ............ Ouvidor Oz.o............................ Ozrio P. .............................. Para Particularm.e ........... Particularmente

Actualm.e ................. Atualmente Ag.to. .......................... Agosto Ajd.e........................... Albuq.e ...................... Ajudante Albuquerque

Alf.es .......................... Alferes Almd.a....................... Almeida Alz. ............................ Alvarez An.to .......................... Antonio Ar.o ............................ Arajo Asociabilid.e ............ Associabilidade Ativam.e.................... Ativamente Ativid.e...................... Atividade Aus.e .......................... Ausente Authorid.e ................ Autoridade Az.do .......................... Bap.ta ......................... Azevedo Batista

Effetivam.e ............... Efetivamente Enc.am ....................... Encarnaam, Enc.ao......................... Enq.to......................... Encarnao Enquanto

Escr.m, Escr.am ......... Escrivo Esper.a...................... Esperana Espontaneam.e ........ Estud.es ..................... Espontaneamente Estudantes

Ex.a, Ex.cia . ............... Excelncia Exm., Exmo. .......... Excelentssimo F. ................................ Folha Faz.da ......................... Fazenda Felicid.e. .................... Felicidade Ferr.a, Frr.a, Fr.a ....... Ferreira Fevr.o ......................... Fidelid.e Fevereiro .................... Fidelidade

Bastantem.te ............. Bastantemente Bond.e ....................... Bondade Brevid.e ..................... Brilhantem.te ........... Brevidade Brilhantemente

Cam.o ........................ Caminho Camr.a....................... Cmara Cap.al ......................... Capital Cap.am ....................... Capito Cap.nia ....................... Capitania Car.o, Carv.o. ............ Carvalho Cid.e........................... Comm.e. ................... Cidade Comandante

Formalid.e ................ Formalidade Fr. .............................. Frei Frz.es .......................... Fernandes G.al ............................. Geral G.e. ............................. Guarde Gen.l, Gnr., G.al, Gn.al ..................... General Glz. ............................ Gonalves Gov.o ......................... Governo Gov.or ........................ Governador Guim.es ..................... Gul.e .......................... Guimares Gularte

Comp.a ...................... Companhia Conserv.o ................ Conservao Cons.o ....................... Conselho Contentamento Contentam.to ...........

Cordialid.e................ Cordialidade Cor.el ......................... Coronel Corr.a......................... Corr.e . ....................... Correia Corrente

Humanid.e................ Humanidade Igr.a. ........................... Igreja Ilm., Ilmo. .............. Ilustrssimo Immediatam.e ......... Imediatamente Imp.or ........................ Imperador Inteiram.e ................. Inteiramente Inumerid.e ............... Inumeridade Janeiro Janr.o .........................

Correg.o, Correg.or.. Corregedor Cumprim.to .............. Cumprimento Daq.la D.e, ........................ Daquela Deus D.s.......................

Dezbro. ..................... Dezembro

J.e................................ Jos

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P.e .............................. Parte Peq.na . ....................... Pequena Pe.nos ......................... Pequenos Pereira Per.a ...........................

Ricam.te .................... Ricamente Rigorid.e ................... Rigoridade R.l ............................... R.no ............................ Real Reino

Sr., Snr. ..................... Senhor S.ta ............................. Santa St.os ............................ Santos Suced.a ...................... Sucedida Suntuosid.e .............. Suntuosidade Syqr.a ......................... Siqueira Sz.a ............................ Souza Tab.am . ...................... Tabelio Tavar.es, Tav.es . ........ Tavares Ten.e .......................... Tenente Terrivelm.e .............. Terrivelmente Th ............................ At Trind. ........................ Trindade Tr.o . ........................... Terceiro Tr.os ........................... Termos Tt.or . .......................... Testador Unicam.e . ................. Unicamente Uniformid.e ............. Uniformidade V. M.ce ...................... Vossa Merc V. M.ces .................... Vossas Mercs V.a B.la ...................... Vila Bela Va. Ma. ....................... Vila Maria V.a .............................. Vila Verdad.ro .................. Verdadeiro Verd.e ....................... Verdade Ver.or, Ver. ................ Vereador Vigr.o ........................ Vigrio V.o, V. ........................ Verso Vr.a ........................... Vieira X.er ............................ Xavier

P.lo .............................. Pelo Portr.a........................ Portaria Posterid.e ................. Posteridade Por P.r ...............................

R.o de Janr.o.............. Rio de Janeiro Roiz.e. ........................ Rodrigues Rozr.o ........................ Rosrio S.A.R. ....................... Sua Alteza Real S. Mag.e ..................... Sua Majestade S.a. .............................. Silva Sacram.to .................. Sacramento Sagr. .......................... Sagrado Salg.o ......................... Salgado Sarg.to ....................... Sargento Satisf.to ...................... Secret.a Satisfeito ..................... Secretaria

Preze., prze. ............. Presente Prezid.e ..................... Presidente Principalm.te Pr.o ........... Principalmente ............................ Primeiro

Proc.or ....................... Procurador Propriam.te .............. Propriamente Prov.a ........................ Provncia .................... Provisria Provis.a

Pr. q, Porq. ............... Porque Q, q.......................... Que Ql ............................... Qlqr., Qesqr. ............... Qual Qualquer

Secretr.o .................... Secretrio Seg.do, Segd.o ............ Segundo Seg.e ........................... Semelh.e Seguinte ................... Semelhante

.................................... Quaisquer Q.m ............................ Quem Qn.do ........................ Quando ................... Qualidade Qualid.e

Sentim.to .................. Sentimento Sobred.o .................... Sobredito Som.e, S. Ex.a Som.te ........... Somente ....................... Sua Excelncia

Quer.do ..................... Querendo Reg. ........................... Registro Regim.to .................... Reg.te ......................... Regimento Regente

S. Ex.cia R.ma ............ Sua Excelncia .................................... Reverendssima S.M.I.......................... Sua Magestade .................................... Imperial S.M. ........................... Sua Majestade S. M. q Ds Ge ............ Sua Magestade .................................... que Deus Guarde S.S. M.M.. ................. Suas Magestades

Requerim.to .............. Requerimento Resp.to ....................... Respeito Rev.do, R.do ............... Reverendo Ribr.o ........................ Ribeiro

m d[ilegvel] [----------] | [fl.x] [fl.xv]

Nota escrita por Diogo de Toledo Lara Ordonhez.

Smbolos e convenes

Nota ou observaes relativas a falta de flios nos Annaes. Palavra ilegvel. A ltima linha do flio est cortada. Barra indicativa de fim e inicio de flio. Indicao da linha em que tem incio o flio original, reproduzido na edio fac-similar digital. Idem. A letra v significa verso.

1 Annaes do Sennado da Camara do Cuyab | 119 1830

SumrioSobre esta transcrioYumiko Takamoto Suzuki............................... 14

Abreviaturas, smbolos e convenes ......... 17 Mnima histria dos AnaisProf. Dr. Carlos Alberto Rosa.......................... 21

Chronicas do Cuyab Annos de 1719, 1720, 1722, 1723 ....................45 Anno de 1724 ................................................... 51 Anno de 1725 .................................................... 52 Transcrio paleogrfica dos Annaes do Sennado da Camara do Cuyab Anno de 1725 (continuao) ................................. 52 Anno de 1726 .................................................... 53 Anno de 1727 ....................................................56 Anno de 1728 ....................................................58 Anno de 1729 .................................................... 61 Anno de 1730 ....................................................62 Anno de 1731 ....................................................64 Anno de 1732 ....................................................66 Anno de 1733 ....................................................66 Anno de 1734 ....................................................67 Anno de 1735 ....................................................69 Anno de 1736 ....................................................69 Anno de 1737 ....................................................70 Anno de 1738 ....................................................70 Anno de 1739 .................................................... 71 Anno de 1740 .................................................... 71 Anno de 1741 ....................................................73 Anno de 1742 ....................................................73 Anno de 1743 ....................................................73 Anno de 1744 ....................................................73 Anno de 1745 .................................................... 74 Anno de 1746 .................................................... 74

Anno de 1747 .................................................... 75 Anno de 1748 .................................................... 75 Anno de 1749 .................................................... 75 Anno de 1750 .................................................... 76 Anno de 1751 .................................................... 76 Anno de 1752 .................................................... 76 Anno de 1753 ....................................................77 Anno de 1754 ....................................................77 Anno de 1755 .................................................... 77 Anno de 1756 .................................................... 85 Anno de 1757 .................................................... 86 Anno de 1758 .................................................... 88 Anno de 1759 .................................................... 88 Anno de 1760 .................................................... 88 Anno de 1761 .................................................... 88 Anno de 1762 .................................................... 88 Anno de 1763 .................................................... 89 Anno de 1764 .....................................................91 Anno de 1765 .....................................................91 Anno de 1766 .....................................................91 Anno de 1767 .................................................... 94 Anno de 1768 .................................................... 95 Anno de 1769 .................................................... 95 Anno de 1770 .................................................... 96 Anno de 1771 .................................................... 96 Anno de 1772 .................................................. 100 Anno de 1773 .................................................. 102 Anno de 1774 .................................................. 103 Anno de 1775 .................................................. 103 Anno de 1776 .................................................. 106 Anno de 1777 .................................................. 109 Anno de 1778 ...................................................110 Anno de 1779 ...................................................113 Anno de 1780 ...................................................118 Anno de 1781 .................................................. 121 Anno de 1782 .................................................. 125 Anno de 1783 .................................................. 125

18 Annaes do Sennado da Camara do Cuyab | 119 1830

Anno de 1784 .................................................. 126 Anno de 1785 .................................................. 128 Anno de 1786 .................................................. 130 Declarao e aprovao do Dr. Juis de Fora Prezd.e ....................... 134 Memrias do anno de 1787........................... 134 Memrias do anno de 1788 .......................... 136 Memrias do anno de 1789........................... 136 Memrias do anno de 1790 .......................... 138 Memrias do anno de 1791........................... 139 Memrias do anno de 1792 ..........................140 Memrias do anno de 1793 .......................... 141 Memrias do anno de 1794 ..........................142 1795 ...............................................................146 Memrias do anno de 1796 .......................... 149 Memrias do anno de 1797 ..........................155 Memrias do anno de 1798 ..........................156 1799.1 ..............................................................158 1800. ..............................................................159 1801. ............................................................... 163 Memrias do anno de 1802 ..........................168 Memrias do anno de 1803 .......................... 170 Memrias do anno de 1804 .......................... 172 Memrias do anno de 1805 .......................... 174 Memrias do anno de 1806 ..........................177 Memrias do anno de 1807 ..........................180 Memrias do anno de 1808 .......................... 182 1809. ..............................................................190 1810. ...............................................................196 Memrias dos cazos mais notaveis Anno de 1811 .............................................197

1812. ...............................................................201 1813. ...............................................................202 Memrias do anno de 1815 ...........................207 Memrias do anno de 1816 ...........................209 Memrias do anno de 1817 ........................... 214 1821 Visto em correio de 1821 ..............227 Memria do anno de 1818 ...........................228 Memria do anno de 1819 ...........................229 1826 Visto em Correio de 1826 ............. 231 Memrias do anno de 1825, at 1827 ..........232 Anno de 1820 ..................................................237 Anno de 1821 ..................................................238 Anno de 1822 ..................................................243 Anno de 1823 ..................................................244 Anno de 1824 ..................................................245 Acrescenta-se ao anno de 1825 ....................246 Acrescenta-se ao anno de 1826 ....................246 Acrescenta-se ao anno de 1827 ....................247 Anno de 1828 ..................................................248 Anno de 1829 ..................................................248 Anno de 1830 ..................................................249 ndice Onomstico .......................................253

Edies digitais Fac-similar .................................. CD encartado Da transcrio paleogrfica ...... CD encartado

Citaodeoutrasfontes.

19 Annaes do Sennado da Camara do Cuyab | 119 1830

Mnima histria dos Anais

Carlos Alberto RosaProf. Dr. do Departamento de Histria da UFMT

A publicao dos Anais do Senado da Cmara do Cuiab certamente favorecer novas percepes sociais de mltiplos aspectos da histria desta parte mais central. Dentre esses aspectos destacam-se as aes da cmara da Vila Real, postas em prtica por homens cuja importncia histrica tem sido pouco notada. E bom que mudem as percepes da histria de Cuiab e de Mato Grosso, nestes tempos de explicitao das diversidades e de reconhecimento de que o que no sculo XVIII se denominava bem comum (conceito que volta a manifestar-se em alguns segmentos sociais de hoje) era um referencial fundado na aceitao possvel, poca, de que a repblica feita com grandes e pequenos. superintendncia do Arquivo Pblico do Estado de Mato Grosso e a seus tcnicos em especial Yumiko Takamoto Suzuki, responsvel pela transcrio devemos todos nosso reconhecimento pelo inestimvel servio prestado atual e s futuras geraes de mato-grossenses. Os assim chamados Anais do Senado da Cmara do Cuiab foram produzidos por vereadores eleitos a partir de 1786, como atividade formal da cmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiab. Cmaras eram instituies locais, que tiveram papel fundamental na formao e manuteno da Amrica portuguesa. Ao iniciar a colonizao do Cuiab, nas primeiras dcadas dos anos 1700, a coroa portuguesa j acumulara experincia secular no ultramar, espacializara-se em imprio por trs continentes. Consolidara duas instituies bsicas, urbanas: as cmaras (ou conselhos, ou senados da cmara) e as irmandades laicas.1

CharlesR.Boxer.O imprio colonial portugus (1415-1825).Lisboa,Edies70,98.

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Tal imperium ultramarino, baseado em instituies colegiadas de vilas e cidades, foi feito dia aps dia, durante sculos, alimentado por fluxos de comunicao escrita entre metrpole e colnia, entre colnia e metrpole.2 Interesses coloniais faziam-se representar nas cmaras, compostas por restrita parcela da populao (homens, brancos, livres, possuidores de significativo patrimnio, homens de bens, homens bons). As cmaras tendiam a representar prioritariamente interesses das elites locais. Contudo, marcadas pelo princpio de bem comum,3 representavam tambm, conjunturalmente, camadas subalternas do povo.4 Cmaras eram feitas com eleies, estatutos e posturas municipais, normatizao da edificao, da higienizao, da sade, da alimentao, das festas. E concesso de privilgios e imunidades aos homens da governana (vereadores, juzes, oficiais camarrios), para praticar com a iseno possvel o bem comum. A coroa portuguesa refinou durante sculos o reconhecimento poltico dos poderes locais, por meio da criao de cmaras. Na concepo de sociedade do antigo regime portugus, as honras das cmaras eram superiores s de titulados e senhores grandes, pois, se estes tinham a honra que o rei larga de sua majestade, as cmaras retm parte do que de si largaram aos prncipes. Cmaras eram senhorios, tendo domnio sobre seu termo5. Na vila ou cidade e no termo, as cmaras eram cabea de governo.6 A cmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiab se identificava assim perante o rei: apresentamos a Repblica destas minas do Cuiab, de quem como cabea falamos. Os homens eleitos para as cmaras gozavam o direito de serem tratados como nobres, por ocuparem os cargos de juiz ordinrio, vereador, procurador e almotac.7

2 MariaFernandaBaptistaBicalho.A cidade e o imprio:ORiodeJaneironadinmicacolonialportuguesa.TesedeDoutoramentoemHistria.SoPaulo,USP,997.A.J.R.Russel-Wood.Centroseperiferiasnomundoluso-brasileiro,500-808.Revista Brasileira de Histria,998,vol.8,n36,p.87-250. 3 Sobreagenealogiaaristotlico-tomistadobemcomum,v.JacquesLeGoff.O apogeu da cidade medieval.SoPaulo,Martins Fontes,992eAntonioManuelHespanha.ParaumateoriadahistriainstitucionaldoAntigoRegime,inAntonioManuel Hespanha(org.).Poder e instituies na Europa do Antigo Regime.Lisboa,FundaoCalousteGulbenkian,984,pp.29-30.Sobrerepresentaesdeconcrdiaebemcomum(bonum commune, bene di tutti, common good),v.ChiaraFrugoni.Una lontana citt Sentimenti e immagini nel medioevo.Torino,Einaudi,983. 4 MariaFernandaBaptistaBicalho.AsrepresentaesdacmaradoRiodeJaneiroaomonarcaeasdemonstraesdelealdade dossditoscoloniais.SculosXVIIeXVIII;inO municpio no mundo portugus Seminrio Internacional.Funchal,998,pp. 523-543.MariaFernandaBaptistaBicalho.Sertodeestrelas:adelimitaodaslatitudesedasfronteirasnaAmricaportuguesa;Vria Histria Revista do Departamento de Histria Programa de Ps Graduao;BeloHorizonte,UniversidadeFederaldeMinasGerais,n.2,jul/999,pp.73-85.MariaFernandaBaptistaBicalho.Asfronteirasdanegociao:ascmaras municipaisnaAmricaportuguesaeopodercentral.Anais do XX Simpsio Nacional da ANPUH,SoPaulo,Humanitas,999, pp.467-483. 5 Otermoeraoquechamaramoshojedeterritriomunicipal. 6 AntoniodeOliveira.As cidades e o poder no perodo filipino.RevistaPortuguesadeHistria,t.XXXI,vol.2,996,pp.306-340, aquip.33. 7 LusVidigal.Nomicrocosmosocialportugus:umaaproximaocomparativaanatomiadasoligarquiascamarriasnofim doAntigoRegimepoltico(750-830);inO municpio no mundo portugusSeminrioInternacional.Funchal,998,pp.202.

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Reunindo em si os poderes legislativo, judicirio e executivo, poderes delegados a homens livres eleitos indiretamente, cmaras administravam territrio de grandeza varivel, o termo, dentro do qual se delineava outro, urbanizvel, o rossio, em cujo centro se erguia um espao edificado, a vila (ou a cidade). O padro ordenador dos ambientes urbanos coloniais, extrado das Ordenaes do Reino e de normas eclesisticas e operacionalizado pelas cmaras, tornava as vilas lugares da poltica. Seu centro, alm de conter o pelourinho, era circundado pela igreja Matriz e pela casa-da-cmara-e-cadeia, seculares expresses materiais do urbano portugus.8 A atuao das cmaras era formalizada pelas posturas, prtica de governabilidade portuguesa remontvel aos anos 1300.9 No ainda possvel saber quando foram aprovadas as posturas da Vila Real, mas quase certo que isso ocorreu ainda em 1727. A cmara do Cuiab normatizava o espao urbano, o fornecimento de gneros alimentcios a moradores da vila, o exerccio de ofcios mecnicos na vila e seu termo por meio de exames de Mestres de Ofcios, a sade (contratando cirurgies para atender as camadas mais pobres do povo e seus escravos, devido constelao do pas), a concesso de terras sesmariais. E, no Cuiab, a partir de 1786, sua cmara passou a produzir estes Anais. Anais que, se por um lado, constituem-se em fonte preciosa para a produo e a reproduo perenes da histria do termo da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiab, por outro tm sua prpria histria, complexa e merecedora de ateno. De incio, pode-se afirmar que os Anais da Vila Real resultaram da combinao de quatro vetores: os Estatutos ou Posturas da Vila Bela da Santssima Trindade, o trabalho individual do advogado licenciado Jos Barbosa de S, a carta proposta do provedor da Fazenda Real Felipe Jos Nogueira Coelho, doutor em leis pela Universidade de Coimbra, e uma Ordem Rgia de Dona Maria Primeira. Fica reiterada assim, desde j, a complexa importncia desse documento, no apenas para a histria do Cuiab (ou da repartio do Cuiab, expresso setecentista), mas tambm para a histria da repartio do Mato Grosso (ou termo da Vila Bela da Santssima Trindade). Em sntese: da capitania de Mato Grosso. Os Estatutos ou Posturas da Vila Bela da Santssima Trindade, aprovados em 1753, determinavam:

8 PauloThedimBarreto.OPiauesuaarquitetura.RevistadoServiodoPatrimnioHistricoeArtsticoNacional,vol.02, 938,pp.87-223.E,domesmoautor,CasasdeCmaraeCadeia.Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional,vol., 947,pp.9-95. 9 MariaHelenadaCruzCoelho.Opoderconcelhioemtemposmedievais,balanohistoriogrfico;inO municpio no mundo portugusSeminrioInternacional.Funchal,998,p.52.

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Como tenha mostrado a experincia, que do pouco zelo e cuidado de escrever os sucessos, esto a maior parte das Povoaes e vilas do Brasil sem conhecimento e notcia alguma dos seus princpios, o que muitas vezes danoso Republica, e pelo contrrio este cuidado e zelo pode ser proveitoso, no s a elas mais ainda a todo o Reino, visto que esta Vila se acha no seu principio, e em termos de poder fazer memria, ainda desde o descobrimento destas Minas: Acordaram que nesta comarca houvesse um Livro de Anal em que se escrevessem no fim do ano todos os outros sucessos pertencentes a estas Minas e Vila, a saber: descobrimentos assim de ouro como de terras, rios, Gentios, (danificado) novas e suas causas, mudanas de Governos, assim sua (danificado) e quaisquer outros sucessos extraordinrios de (danificado), os da arte, cujo cuidado ter o segundo vereador, fazendo memria do dia, ms e ano, nomes das pessoas e suas qualidades, para no fim do ano, conferida em Cmara, se lanar no dito Livro de anal em que assinaro todos os oficiais dela, porque possa este assento ter a todo o tempo plenicissima f para os vindouros, e que o vereador segundo que for no ano que entra, far diligncia e obrigao ou averiguao desde o primeiro descobrimento destas Minas, at ao presente; e o dito vereador a quem competir fazla no seu ano e faltar a este zelo e cuidado, se tomar assento em Cmara que fique inabilitado e expulso de tornar a servir nela.10

Esse item das posturas municipais da Vila Bela diz bem da preocupao dos membros da segunda vereana da vila recm-fundada, do Juiz de Fora Teotnio da Silva Gusmo, doutor em leis pela Universidade de Coimbra e por seu cargo de presidente da cmara. Alis, Gusmo, certamente, teve papel importante na formulao do item 5 em 1753, como principal letrado na incipiente vila. No devia ignorar iniciativas postas em prtica no reino, como a Real Academia de Histria, nem a condio de vila-capital da Vila Bela, nem a delicada circunstncia de ser vila fronteira, fronteando domnios hispnicos num momento em que o disposto no Tratado de Madri estava ainda por ser efetivado por comisses demarcatrias. Mas, para ser breve, basta frisar, neste ponto, a institucionalizao da feitura de Anais pelo segundo vereador, a ser discutida e consensualmente aprovada pelo colegiado camarrio. Essa iniciativa pode ser tomada como primeira reflexo oficial a respeito da produo de conhecimento histrico nesta parte central da Amrica do Sul.

0 CarlosAlbertoRosaeNaukMariadeJesus(transcrioanotada).EstatutosMunicipaisouPosturasdaCmaradaVilaBela daSantssimaTrindadeparaoRegimentodaRepblicanoscasosemquenohleiexpressasegundooEstadodoPas.Captulo2.Dos(danificado)Reais,(danificado)OficiaisdaCmara,tem5;inCarlosAlbertoRosaeNaukMariadeJesus(orgs.) A terra da conquistaHistriadeMatoGrossocolonial.Cuiab,Adriana,2003,p.99.Noanoanteriortranscriodomesmo documentofoipublicadanarevistadoProgramadeMestradoemHistriadaUFMT:CarlosAlbertoRosaeNaukMariadeJesus[Transcrioanotada].EstatutosMunicipaisouPosturasdaCmaradeVilaBeladaSantssimaTrindade[ComNaukMariadeJesus].Territrios e FronteirasRevistadoProgramadePsGraduaoemHistriadaUniversidadeFederaldeMato Grosso,vol.IIIn.2jul-dez/2002Cuiab,MT,pp.4-62.OmanuscritooriginalestnoacervodoArquivoPblicodoEstado deMatoGrosso(Mss.,Avulsos,Lata753A).ParaumainterpretaodagnesedosAnaisdeVilaBela,queatribuiainiciativaaoescrivodacmaravilabelense,verPauloPitalugadaCostaeSilva.Prefcio,inJananaAmadoeLenyCaselliAnzai (organizadoras).Anais de Vila Bela 1734-1789.Cuiab,Carlini&Caniato/EdUFMT,2006,pp.7-9.

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Vinte e trs anos depois, em 1776, morria na Vila Real do Bom Jesus do Cuiab o advogado licenciado Jos Barbosa de S. Dono de uma das grandes bibliotecas particulares da vila, S deixava inditas duas obras: os Dilogos..., uma obra enciclopdica concluda em 1769 e dedicada ao governador Lus Pinto de Souza Coutinho (e indita at hoje) e a Relao das povoaes do Cuiab e Mato Grosso, de seus princpios at os presentes tempos, que a mais conhecida. Esta ltima circulou dentro e fora da capitania de Mato Grosso, em cpias manuscritas. No mesmo ano em que S morria, chegava Vila Bela da Santssima Trindade o doutor em leis por Coimbra Felipe Jos Nogueira Coelho, nomeado pela rainha como provedor intendente da Real Fazenda. Em 1780, Nogueira Coelho escreveu uma carta dirigida ao ento governador Lus de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres, que pode ser vista como uma segunda reflexo historiogrfica.11 Por sua decisiva importncia, indispensvel cit-la ainda que parcialmente. Em sua carta ao governador, Nogueira Coelho afirmava:[...] jamais encontrei idia mais til, no s instruo dos ministros, mas Histria em geral, do que a bem advertida lembrana da cmara desta vila, que manda escrever por um vereador os Anais ou Memrias do que sucede anualmente, digno de histria. [...] Se uma to admirvel providncia fosse presente ao elevado conhecimento dos nossos soberanos, ela talvez teria feito em qualquer tempo parte da sua legislao. E se nas cmaras do Reino houvesse uma tal advertncia, no se experimentaria aquela grande falta, de que informaram os corregedores e provedores, quando por ordem Real expedida pela Real Academia da Histria Portuguesa fizeram naquelas cmaras exatas averiguaes, a fim de fornecerem notcias quela iluminada corporao que se acabara de estabelecer. Como a serventia interina do cargo de ouvidor no me permite fazer correio na vila do Cuiab, falta-me a ocasio de poder persuadir quela cmara este bem comum e esta glria singular da capitania, que deve transcender a todas as suas vilas, pelo exemplo da cabea da comarca; mas os desejos de ver aumentadas e gloriosas estas colnias, me conduzem presena de V. Ex., rogando se digne faz-los eficazes, com a determinao de que a cmara12 d efetivo princpio a uma ao to louvvel e que servir de grande socorro para a Histria do Brasil.13 No a deve dificultar a falta que houve no princpio. Quando se fundou Vila Bela no ano de 1752, j havia o descoberto do Mato Grosso desde o ano de 1734, e aos Anais que tiveram princpio com a vila, precedeu no livro uma breve Relao ou Memria (mas por ordem cronolgica) do mesmo descoberto e fatos respectivos. Na vila do Cuiab se poder observar o mesmo, por pessoa instruda e de bom discernimen-

OquesegueestfundadoemmanuscritoexistentenoArquivoPblicodoEstadodeMatoGrosso,emCuiab(SrieAvulsos, Lata780).Omanuscritodatadode04-04-780efoiescritonaVilaBeladaSantssimaTrindade. 2 DaviladoCuiab. 3 Note-sequenestepargrafoNogueiraCoelhotransitadoparticularparaogeral,pormeiodecontnuasampliaes:aproduodememriasescritasnacmaradoCuiabserviraobem comum,capitania,ouaestas colnias(o Cuiabeo Mato Grosso)e,porfim,Histria do Brasil.

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to e lhe fornecer luzes no s a tradio, mas o livro manuscrito ou Memrias que deixou o Licenciado Jos Barbosa14 e outras mais, que me consta haver na dita vila.15 [...] Poder tambm obstar que naquela vila h poucos fatos memorveis, por no ser residncia do governo, nem cabea da comarca, mas o tempo e os descobertos podero fazer que por separao venha ainda ser uma e outra coisa.16 [...] Mas no deve impedir que deixe de escrever-se anualmente as memrias das fundaes e estabelecimentos e de outros fatos, que a sociedade civil e o comrcio costumam produzir em povoaes grandes e j civilizadas, deixando aos historiadores futuros a escolha dos fatos que a boa crtica lhes ditar que devam entrar nos seus tratados. E sendo certo que s a eles pertence imitar os Tucdides, os Lvios e os Barros, estas Memrias s se devem escrever em estilo tnue, ou ordinrio,17 e nada extenso, ou asitico.18 E porque a formalidade que se deve seguir na narrao dos fatos deixar perplexos os vereadores, eu ajunto uma cpia do Anal desta vila do ano de 1779, conhecendo que na cmara daquela vila h a maior vantagem em ter presidentes Ministros Letrados, que com o seu zelo e discernimento ho de promover este bem comum. Mas no posso deixar de lembrar que as ditas memrias so aqui escritas pelo vereador segundo (atendido o impedimento que pode ter o primeiro, servindo de juiz), que no fim do ano as apresenta em cmara. Sendo ali reconhecidas verdadeiras, se mandam registrar no livro destinado para elas, lavrando o escrivo no fim do registro um Alvar de Confirmao, em que assina todo o Corpo da cmara, atestando que os fatos daquele Anal passaram na verdade. O livro deve ser rubricado, grande, digno da obra, e escolhido para a durao. Ao escrivo da cmara determinou o ouvidor Doutor Miguel Pereira Pinto, em correio, se pagasse o salrio da raza19 em dobro, para que fizesse o registro com asseio e com certeza e para que, no escrevendo muito bem, procurasse escrevente capaz, dando-lhe a metade do salrio. O escrivo costuma mandar este livro com os mais da cmara, s correies dos ouvidores.

Lus de Albuquerque enviou cpia dessa carta rainha, e, em 1782, Dona Maria assinou ordem rgia dirigida a todas as capitanias da Amrica portuguesa. Apenas para exemplificar, segue um desses casos, referente comarca do que , hoje, o estado do Paran, colhido na internet:

4 JosBarbosadeS. 5 Acrer-senestapassagemdeNogueiraCoelho,existiamnaviladoCuiab,nasegundametadedosculoXVIII,outrasmemriasescritasalmdaRelao...deBarbosadeS. 6 Em780,portanto,aidiadeumaseparaodasduasrepartiesqueformavamacapitaniadeMatoGrosso,o Cuiabeo Mato Grosso,eraclaramenteexplicitadacomoargumentolgico;certamenteexpressavaumamaterialidadedeinteresses antagnicos. 7 Descritivo. 8 Reflexivo/interpretativo. 9 Custas.

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Proviso Rgia expedida pelo Conselho Ultramarino em 20 de Julho de 178220 Dona Maria por Graa de Deos, Rainha de Portugal, e dos Algarves daquem, e dalem, mar em frica, Senhora de Guine e da conquista etc. Fao saber ao governador e capito general da capitania de So Paulo que eu sou servida Ordenar-vos que pelos ouvidores das comarcas, faais praticar o arbitro, de se mandar efetivamente fazer todos os anos as Memrias anuais dos novos estabelecimentos, fatos, e casos mais notveis e dignos de histria, que tiverem sucedido desde a fundao dessa capitania e forem succedendo; sendo estes escritos pelo Vereador segundo, atendendo-se o impedimento que pode ter o primeiro, servindo de Juiz, o qual no fim de cada um ano, os apresentar em Camara onde lidos e examinados se faro registrar em um livro destinado para este fim; dando f todo o corpo de Vereadores por escrito de serem aqueles fatos e sucessos na verdade. Recomendo outrossim que os mesmos ouvidores em correio tenham particular inspeo em to interessante matria. A Rainha nossa Senhora, o mandou pelos conselheiros do seu Conselho Ultramarino abaixo assignados e se passou por duas vias. Antonio Ferreira de Azevedo a fez em Lisboa a 20 de Julho de 1782 O secretrio, Joaquim Miguel de Lavre o fez escrever Miguel Serro Diniz Joaquim Baptista Vaz Pereira. Est conforme. Miguel Carlos Ayres de Carvalho Est registrada em um dos livros de registro da cmara municipal da cidade de Paranagu.

A partir de 1782/1783, a ouvidoria da capitania de Mato Grosso, sediada na Vila Bela, comeou a pressionar a cmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiab, para que desse cumprimento ordem rgia. Mas dada a animosidade entre a cmara cuiabana e o governo e ouvidoria sediados na Vila Bela, dentre outras razes pela apropriao das rendas de So Pedro del Rei (atual Pocon), pertencente ao termo da Vila Real, a execuo da ordem se foi postergando. Em abril de 1784, o Juiz de Fora do Cuiab, Antonio Rodrigues Gaioso, sofreu atentado de morte na casa junto igreja de Santana na Chapada:[...] lhe dispararam um tiro de arcabuz com balas e perdigotos, que miraculosamente o no acabou logo ali, e a sua felicidade esteve em o agressor (pelo que se alcana do estrago que fizeram os pelouros na parede e batente da porta em que ento se achava o dito ministro) disparar-lhe o tiro encostado ou muito chegado parede da igreja, ao correr da qual se achava a porta, e por isso irem os pelouros aos solais; assim mesmo ficou muito maltratado, porque entranharam-lhe perdigotos pela barriga, pelo quadril e pela mo esquerda, e suposto viveu, no deixou contudo de ficar puxando algum tanto ou quanto da perna esquerda, por causa de uma bala que lhe entrou nesse quadril. Foi conduzido para esta vila em uma rede, que carregaram os ndios com muito trabalho, porque ele era bastante cheio e alto [...].

20 www.patrimoniocultural.pr.gov.br/arquivos//benstombados/File/BIBLIOGRAFIA

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Tal acontecimento, por sua gravidade, deve ter tambm contribudo e, mais diretamente, para que se prorrogasse o cumprimento da ordem rgia pela cmara foi na verdade grande o rumor dos povos.21 S em meados de 1786 teve incio a produo dos Anais do Cuiab. Figura proeminente nesse processo foi o Juiz de Fora Diogo de Toledo Lara Ordonhes, de poderosa famlia paulistana e com laos de parentesco entre membros da elite do Cuiab. O ano de 1786 parece ter sido um desses anos em que relaes da colnia com a metrpole e relaes intra-coloniais tiveram suas contradies aguadas. Manifestaes claras de processo conceituado por Fernando Novais como crise do Antigo Sistema Colonial. Por um lado, o esboar-se de um projeto de descolonizao; por outro, o claro delineamento de uma ao recolonizadora. Permeava, porm, essas duas grandes, complexas e contraditrias foras, o escravismo que freava o movimento de ambas. Nesse ano, um astrnomo paulista, Lacerda e Almeida, estando na vila do Cuiab, denunciava coroa portuguesa seu colega das Gerais Antonio Pires da Silva Pontes:[...] rarssimos so os dias em que o Dr. Antonio Pires da Silva Pontes, com insultos e improprios ditados pelo seu natural satrico e insultante, diretamente no desafie a nossa tolerncia [...]. Esta verdade provarei com todas as pessoas mais autorizadas de Mato Grosso, juntando que todos tem sido ridculo objeto para os seus olhos, no respeitando as Pessoas que pelo seu honrado proceder e sua dignidade deveriam ter escapado a sua indiscreta lngua. Este seria o menor de seus crimes, se pelo esprito de rebelio que nele reina, pudesse por em prtica os discursos que imprudentemente tem proferido de dever ser Minas Gerais, sua Ptria, cabea de um grande Reino, faltando obedincia devida a nossa soberana e aos deveres de cidado. [...].22

Simultaneamente, confrontos entre famlias poderosas do Cuiab e o governo sediado na Vila Bela levaram o governador Lus de Albuquerque a inusitado destempero, acusando, sem identificar, moradores do Cuiab e fazendo ameaas graves:[...] andam como pregando malvadamente certas Misses, para que ningum se mude desse domiclio para este Pas (que alis necessita de ser povoado como sua Majestade quer e manda precisamente), que todos o abominem, pintando-lhe como um agregado de misrias com outras mais cores denegridas e ingratssimas, a fim de fraudar os interesses e Servio da mesma Senhora, quando o dito Pas excede muito e em muitas coisas a esse do Cuiab, no lhe cedendo em nada mais que em haver nesse um pouco mais de peixe ruim com alguma carne de vaca. [...] dou a minha palavra

2 JoaquimdaCostaSiqueira.CompndiohistricocronolgicodasnotciasdeCuiab,repartiodacapitaniadeMatoGrosso. Desdeoprincpiodoanode778atofimdoanode87.Revista trimensal de histria e geografia ou jornal do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.trimestrede850,pp.3-4. 22 FranciscoJosdeLacerdaeAlmeidaaMartinhodeMeloeCastro;Cuiab,24.09.786;mss.Microficha346,(AHU)-NDHIR/ UFMT.

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de que [...] ho de ser imediatamente apreendidos e transportados fora para este dito Pas [...].23

Simultaneamente, ocorria Visita Geral da Comarca Eclesistica do Cuiab, estimulando denncias de pecados sexuais, concubinatos, heresias. Foi nessa conjuntura que Diogo de Toledo presidiu a produo de uma histria do Cuiab, eminentemente laica. Em junho de 1786, Diogo de Toledo assinava o Termo de Abertura de Livro, que deveria conter a Relao Cronolgica dos estabelecimentos, fatos e sucessos mais notveis que aconteceram nestas Minas do Cuiab desde o seu estabelecimento. Dava incio, assim, ao cumprimento da Ordem Rgia de 1782. Em dezembro de 1786, o Senado da Cmara aprovava a Relao Cronolgica concluda, cobrindo 67 anos e incluindo anotaes de Diogo de Toledo. Em seis meses, portanto, foi produzida verso oficial sobre o processo histrico da repartio do Cuiab, com algumas referncias do Mato Grosso. De acordo com o modelo de Vila Bela e com a ordem rgia de 1782, a redao coube ao segundo vereador, o texto final sendo aprovado pelo presidente e demais camaristas. Dada a extenso temporal a ser coberta por essa narrativa, sua elaborao, anlise e aprovao e escritura final ocupariam muito mais tempo que o efetivamente utilizado. O fato de o ento segundo vereador ser Joaquim da Costa Siqueira, que gozava da total confiana de Diogo de Toledo, certamente facilitou o apressamento da aprovao. Alm disso, Siqueira compilou, com alteraes significativas, a Relao ... de Jos Barbosa de S, at o ano de 1765. O terceiro vereador, Manuel Nunes de Brito Leme, natural de Gois, era tambm aparentado a Diogo de Toledo. Nessas condies, o Juiz de Fora tinha maioria na cmara, o que tornou mais fcil obter a concordncia do vereador mais velho, Joaquim Lopes Poupino e do genro deste, Manuel Ventura Caldas ambos portugueses.24 Ainda anexadas ao ttulo de seu trabalho, Costa Siqueira fornecia as seguintes observaes sobre as fontes que utilizou e as tcnicas que empregou:[...] por no achar outras algumas lembranas antigas, nem tambm pessoas daquele primeiro tempo para os poder mendigar, se viu obrigado a escrever fielmente tudo quanto havia escrito Jos Barbosa de S, advogado que foi dos auditrios desta

23 LusdeAlbuquerquedeMeloPereiraeCceresaoMestredeCampoAntonioJosPintoFigueiredo;Casalvasco,06.2.786; mss.,LivrodeRegistroC-26,cit.,f.s.9-92v;APMT. 24 EssaRelao CronolgicapassouaserconhecidacomoAnais do Senado da Cmara de Cuiab,ttulocomquereferidaaindahoje.TestamentoeInventriodeManuelNunesdeBritoLeme;Cuiab,05-05-792;mss.,SrieInventriosdoCartrio do5Ofcio,Mao42,Processo597,APMT.SilvaLeme,Genealogia Paulistana,vols.II,III,IV,VeVIII.A.deE.Taunay,Histria Geral...,vol.X,pp.27272;JosBarnabdeMesquita.JooPoupinoCaldas.Revista do Instituto Histrico de Mato Grosso,934,pp.737.

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Vila e seu republicano, que ainda nesse tempo pde conseguir algumas notcias antigas e as mais que presenciou e sucederam estando ele nestas Minas, at o ano de 1765; corrigindo unicamente aquilo que pde achar contrrio e acrescentando os que se omitiram, talvez por falta de lembranas e prosseguindo do dito ano de 1765 em diante com os mais fatos que ocularmente presenciou e outros que so constantes, e praticando o mesmo sistema que teve aquele primeiro escritor, de relacionar tambm todos os Ministros e Procos que se tm seguido do dito ano para c.25

Mas, no texto que produziu, aprovado por seus pares camaristas, Costa Siqueira deixou claro que introduziu muita coisa no discurso de Barbosa de S, e que utilizou outras fontes, que no cita. Assim, por exemplo, ao narrar acontecimentos de 1726, introduziu transcries de cartas rgias dirigidas a paulistas, seguindo em tudo a obra de Pedro Taques de Almeida Paes Lemes, Informaes das Minas de So Paulo e dos Sertes da Sua Capitania desde o ano de 1597, at o presente de 1772, com Relao Cronolgica dos Administradores dela, que em 1786 ainda estava indita. Mas em nenhum momento explicita a obra de Taques como fonte. Prefere manobra diversionista, referindo-se aos arquivos do Conselho Ultramarino:[...] que todas se acham registradas na Secretaria do Conselho Ultramarino, no livro dos registros intitulado Cartas do Rio de Janeiro, que principiam em 28 de maro de 1673 e acabam em 15 de dezembro de 1700 [...].

Como, porm, Siqueira nunca esteve em Lisboa transcrevendo documentos dos arquivos do Conselho Ultramarino, h de ter obtido essas transcries ou diretamente de seu primo Pedro Taques, ou de Diogo de Toledo. Num ou noutro caso, o intrigante o silncio sobre Taques e sua obra.26 A essas sobreposies preciso acrescentar as anotaes feitas por Diogo de Toledo Lara Ordonhes, discutindo basicamente afirmaes colhidas na Relao... de S e trasladadas para os Anais. A narrativa dos Anais do Cuiab , at 1765, feita com, pelo menos, quatro camadas: Jos Barbosa de S, Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Joaquim da Costa Siqueira e Diogo de Toledo Lara Ordonhes. A partir de 1766, at 1786, Siqueira foi narrador exclusivo. Depois, nos anos subseqentes, vieram outros segundos vereadores.

25 Anais do Senado da Cmara de Cuiab,mss.ArquivoPblicodoEstadodeMatoGrosso.EstesAnais,cujottulodeveriaser Relao Cronolgica...,foramimpressosparcialmentepelaprimeiraveznaRevista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo,vol.IV,898-899,pp.4-27,comumterceiropr-ttulo:CrnicasdoCuiab. 26 Utilizeiparaestasobservaes,aediode980dasInformaes das Minas de So Paulo...,dePedroTaques,publicadascom ottuloNotcias das Minas de So Paulo e dos Sertes da mesma Capitania,SoPaulo/BeloHorizonte,EDUSP/Itatiaia,pp.4250,52,54,87,88,40,45,46,quecorrespondemspp.39,40,4e42dasCrnicasdoCuiab.

30 Annaes do Sennado da Camara do Cuyab | 119 1830

Alm disso, h faltas de pginas (ou flios), anos seguidos sem registros, feitos posteriormente, aspectos que, por sua vez, so tambm indcios da historicidade da produo e da conservao dos Anais. Assim, por exemplo, faltam pginas referentes a 1795, ano em que o confronto da cmara do Cuiab com o governador Joo de Albuquerque de Melo Pereira e Cceres foi muito intenso, com prises e violncias. Faltam tambm pginas referentes aos anos de 1799, 1801, 1808, 1809, 1810, 1811, 1812 e 1813 , o que est por ser explicado. Talvez o ano de 1801 tenha sido marcado pelo ataque espanhol ao forte de Coimbra, mas isto precisa ainda ser examinado. A emancipao poltica entre 1821 e 1822, a nova legislao que, em 1828, introduziu mudanas na estrutura das cmaras municipais e a Rusga de 1834 podem ter contribudo para um progressivo abandono das atividades camarrias no que respeita continuidade da produo dos Anais. Futuros estudos devero esclarecer isto. Uma tentativa de tornar mais visvel todos esses movimentos internos no documento que agora entregue ao pblico pode ser o grfico elaborado em fins dos anos 1970 pela historiadora Neuza Maria Bini Pereira, que fez, na Universidade Federal de Mato Grosso, transcrio indexada dos Anais, infelizmente no publicada. Uma adaptao desse grfico est nas pginas 32 e 33. O trabalho da historiadora Neuza Bini tambm compe a histria j secular dos Anais. Tanto no que respeita ao estudo dos mesmos, quanto sua preservao. Nessa parte mais recente da j longa histria dos Anais, no deve ser silenciada a efetiva participao da historiadora Terezinha de Jesus Arruda, do Reitor Gabriel Novis Neves, e, antes de todos e especialmente, do historiador Estevo Anastcio Monteiro de Mendona. Estevo de Mendona no apenas organizou o Arquivo Pblico do Estado de Mato Grosso, como cuidou da encadernao dos Anais com Avelino de Siqueira e foi responsvel pela sobrevivncia desse documento, quando ocorreu incndio no arquivo da cmara de Cuiab. Agora, certamente, os Anais, gerados por vastas e ainda pouco visveis relaes sociais, ganha sobrevida que dever ser multissecular, como que retornando s mos da grande maioria invisvel que, direta e indiretamente, possibilitaram sua produo e preservao. Com trabalho. Das mos e das mentes.

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ESTRUTURA TEMPORAL DA NARRATIVA DOS ANAIS 1

Narrativa de Joaquim da Costa Siqueira, realizada no segundo semestre de 1786, referente aos anos de 1719-1786. Siqueira compilou, com alteraes significativas, a Relao das povoaes do Cuiab e Mato Grosso..., de Jos Barbosa de S, de 1719 a 1765, e outros. A partir de 1765, Siqueira narrou os fatos que ocularmente presenciou 3 .

Em 20 de julho de 1782, a rainha de Portugal Dona Maria, atravs de proviso rgia expedida pelo Conselho Ultramarino, ordena aos ouvidores das comarcas que se faa [...] as Memrias anuais dos novos estabelecimentos, fatos, e casos mais notveis e dignos de histria, que tiverem sucedido desde a fundao dessa capitania e forem sucedendo; sendo estes escritos pelo Vereador segundo [...] 2 .

A narrativa dos Anais do Cuiab , at 1765, feita com pelo menos quatro camadas: Jos Barbosa de S, Pedro Taques de Almeida Paes Leme, Joaquim da Costa Siqueira e Diogo de Toledo Lara Ordonhes .

1719 1720

1730

1740

1750

1760

MOMENTO 1

AdaptadodeNeuzaMariaBiniPereira.IntroduoaosAnaisdoSenadodaCmaradeCuiab,dat.,EncontrodePesquisadoNcleodeDocumentaoeInformaoHistricaRegionalUFMT,Cuiab,977.NeuzaMariaBiniPereira.OProjeto AnaisdoSenadodaCmaradeCuiab,dat.ComunicaoapresentadanoIXSimpsioNacionaldaANPUH,RiodeJaneiro, 977. 2 CitaodotextodeCarlosRosa,nestaedio. 3 TrechodaordemrgiadarainhadonaMaria,citadanotextodeCarlosRosa,nestaedio.

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1770

Narrativas anuais realizadas pelos segundos Vereadores, no fim de cada ano (de 1787 a 1817)

Narrativas realizadas posteriormente

ltimo Pargrafo Anotado

Perodo relatado 1818-1819

Perodo relatado 1825-1827

Perodo relatado 1820-1824 1825-1827 1828-1830

1780

1790

1800

1810

1786 1787

1817

1821

1820

1827

M O M E N TO 2Anos em que as narrativas foram realizadas

MOMENTO 3Intervalo de tempo entre os anos de 1830/1843

MOMENTO (786) Narrativa organizada por Joaquim da Costa Siqueira, segundo vereador, por ordem do ouvidor Diogo de Toledo Lara Ordonhes, compreendendo uma cronologia de 79 a 786. De 79 a 765, SiqueiratrazparaosAnaisacronologiadeJosBarbosadeS, entreoutros.

MOMENTO2(787-87)Asnarrativasforamrealizadas anualmentepelossegundosvereadores. MOMENTO3(82,827,830)Asnarrativasforamrealizadas posteriormente, abrangendo os perodos destacadosnoinfogrfico.

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1830 1843

A CMARA DO CUIAB NO CONJUNTO ADMINISTRATIVO SETECENTISTARei/Rainha

Sec. Est. Neg. Marinha e Domnios Ultramarinos

Desembargo do Pao

Conselho da Fazenda Contos do Reino e Casa

Conselho Ultramarino

Casa da Suplicao

Mesa da Conscincia e Ordens

Governador Geral do Estado do Brasil Conselho da Fazenda Relao direta Relao do Estado do Brasil Justia Desembargadores Governador/ Capito - General Justia Ouvidor Tabelies do Pblico e do Judicial Escrives Meirinhos

Bispado Cuiab 1808

Fazenda Provedor

Tropa de Linha

Prelazia

Fazenda

Tropa de 1 Linha

Tropa Auxiliar/ Ordenanas

Freguesias Parquias

Cmara Juiz de Fora (presidente) Vereadores Juzes Ordinrios Procurador Almotac Alcaide Escrivo Porteiro Carcereiro

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O Instituto de pesquisas Histricas Dom Aquino Corra, no empenho de salvaguardar o nosso precioso patrimnio histrico, mandou restaurar os Anais do Senado da Cmara de Cuiab, contando para isso com o alto patrocnio do ilustre Secretrio de Educao e Cultura do Estado de Mato Grosso Dr. Gabriel Novis Neves e com a colaborao valiosa do Sr. Adalberto Barreto, diretor do Laboratrio de Restaurao da Biblioteca Nacional.

Cuiab, 26 de agsto de 1968

Pe. Wanir Delfino Csar Dr. Luiz Philippe Pereira Leite Dr. Olyntho Gonalves Filho

38 Annaes do Sennado da Camara do Cuyab | 119 1830

Este livro h de servir para nelle se lanarem as Memorias annuais dos novos estabelecimentos, factos e cazos mais notaveis e dignos da historia, que tiverem sucedido desde a fundao desta Capitania e forem sucedendo [ilegvel] Memorias ho de ser escritas pelo Vereador Segundo deste Sennado, e apresentadas ao mesmo no fim de cada hum anno, para serem revistas, examinadas, emendadas e approvadas, tudo na conformidade da Real Provizo de 20 de julho de 1782, enviada por copia pelo Dr. Ouvidor Geral da Commarca com carta sua de oficio dattada a 18 de Fevr.o do presente anno. Vai numerado e rubricado por mim Juiz de Fora Prezid.te do mesmo Sennado com a m custumada rubrica de Ordonhez.

[fl. 1]

Cuyaba, 20 de Junho de 1786

Diogo de Toledo Lara Ordonhez V.to em Correio de 1805 [assinatura ilegvel] V.to em Corr de 1799 [assinatura ilegvel]

Visto em Correio de 1821 Vai com Provimento a fl. 175 Chaves [fl. 1v, em branco]

41 Annaes do Sennado da Camara do Cuyab | 119 1830

Rellaao Chronologica dos estabalecimentos, factos e sucessos mais notaveis que acontessero nestas Minas do Cuyab, desde o seo estabalecimento que por ordem da Raynha Nossa Senhora expedida pelo seo Tribunal do Conselho Ultramarino em 20 de Julho de 1782, que se acha no Arquivo do Senado da Camara desta Villa, e registado no L do registo das Provizoins a f. 196 verso sendo Prezidente deste mesmo Senado o Doutor Juis de Fora Diogo de Tolledo Lara Ordonhez, Vereadores o Capitam Joaquim Lopes Poupino, o Tenente Joaquim da Costa Siqueira, o Alferes Manoel Nunes de Brito Leme, e Procurador Manoel Ventura Caldas, escreveo o Segundo Vereador j declarado, que por no achar outras algumas Lembranas antigas, nem to bem Pessoas daquelle primeiro tempo para as poder mendigar, se vio obrigado a Escrever fielmente tudo quanto havia escripto Joz Barboza de S, Advogado que foi dos Auditorios desta Villa, e seo Republicano, que ainda nesse tempo pode conseguir algumas noticias antigas; e as mais que prezenciou, e sucedero estando elle nestas Minas th o anno de 1765 corrigindo unicamente aquilo que pode achar contrario e acrescentando as que se omitiro talvez por falta de Lembrana, e prosseguindo do dito anno de 65 em diante com os mais factos que ocullar mente prezenciou, e outros que sam constantes, e praticando o mesmo sistema que teve aquelle primeiro escriptor, de relacionar, to bem todos os Menistros e Parrochos que se tem seguido do dito anno para c.

[fl. 2]

[fl. 2v, em branco]

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Chronicas do Cuyab 1Entre as mais colonias do brazileo Estado ou America Portugueza merece primazia a celebre cidade de S. Paulo, famosa planta do santo e veneravel Padre Jos de Anchieta, missionario do Brazil, da companhia de Jesus, natural das ilhas de Canaria, no territorio chamado dos seus naturaes Piratininga, regado com as aguas dos rios Tiet e Tamanduatiba, adonde a F levantou o primeiro padro e arvorou os seus estandartes, fazendo celleiro da Palavra Divina para extender nas dilatadas sementeiras deste extenso hemispherio, cultivando os agrestes silvados do paganismo em fructiferos vergeis da Egreja Santa. Continuando, os moradores daquella extensa capitania, operarios desta santa lavoura, em militares progressos, a expugnaram dos comarcos de onde colhiam almas para Deus e utilidades humanas, augmentos com que se estabeleceram aquelle paiz e seus adjacentes. Invadidos os mais propinquos, foram se extendendo aos longes, fazendo com os mesmos neophitos guerra s mais remotas barbaridades. Huns para os Catagos, sitio chamado hoje Minas-Geraes, para os Catezes, Coroados, Puris e outras naes at o rio de S. Francisco. Outro, cursando o vasto poder do Cayap, chegaram aos Goyas, Carayas, Quirixs e outros varios que de todos tiravam muita somma delles e reduziam do agreste vida catholica e urbana. Outros, com dobradas foras, rodando as aguas dos rios Tiet e Anhambahi, chamado hoje Rio Grande, foram colhendo varias gentes at as barras do rio Panema, Pardo e Anhanduhi, entre varios lances de fortuna em continuao dos tempos de quem seguiremos os passos como objecto da nossa historia. Versando estes famosos aventureiros, tanto americanos a quem chamavam paulistas pela nominao da patria, como europeus chamados emboabas, nome derivado das gallinhas caladas por no largarem as meias e sapatos em todo o servio, auxiliados dos mesmos indios que amansavam, com quem faziam guerra as barbaridades. Acharam nos principios alm do rio Panema algumas povoaes de gentes catholicas, reduzidas pelos padres missionarios castelhanos, com egrejas j levantadas e offerecidas, e officinas de varias fabricas que expugnaram, prenderam muitos dos indios, lanaram os brancos e destruiram as feitorias. Acha-se ainda hoje por memoria nesses logares um monto de telha arrumada, coberta de matto, um quarto de legua afastado da barra do rio Panema. Subindo o Rio Pardo e tomando a barra do Anhanduhy e Anhangoby, que so dous rios nascidos de uma madre, navegando estes acima, acharam seis povoaes de gente castelhana, brancos, indios e mestios, com egrejas, casas de telha e officinas de

Segundoregistroalpisnafolha9dosAnnaes,em28dejunhode950oGen.SilveiradeMelloconstatouafaltadasfolhas3 a8.Parapermitiraleituradestatranscrio,foipossivelrecomporotextodooriginaldesaparecidoapartirdareproduode partedoartigopublicadonaRevistadoInstitutoHistricoeGeogrficodeSoPaulo,emsuaedioreferenteaosanos898899(volume4),excluindoasnotas.ODr.A.deToledoPiza,sciodoInstituto,recuperou,recomps,anotouepublicouoriginaismanuscritosdeJoaquimdaCostaSiqueira,vereadordaCamaradoCuyaba.Naapresentaoaotextopublicadonarevista,ToledoPizaquerecebeuessesoriginaisdasmosdafamiliadotenente-generalJosArouche,informa:Diz o chronista [JoaquimdaCostaSiqueira]que, para os factos occorridos[de723]at o anno de 1765, no fez mais do que copiar, com algumas correces, as Chronicas do Cuyaba de Jos Barbosa de S, e que daquela data em deante descreveu os factos por conta propria, conforme o conhecimento pessoal que delles tinha.d

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varias operaes, bois, cavallos e carneiros, a quem os nossos famosos capites, como fieis portuguezes, fizeram guerra, e pondo em fuga os brancos recolheram muitos indios, destruiram e queimaram as feitorias, vendo que pertenciam aquelles logares aos dominios portuguezes, adonde se acha por memoria algum gado vaccum, chamado hoje A Vaccaria, o que causou tanto espanto e terror s povoaes castelhanas da provincia do Paraguay que no tornaram a fazer passagem para c, e si assim no fra seriam hoje os castelhanos senhores de todos estes nossos logares at S. Paulo, Goyas e Minas Geraes. Correndo os tempos, continuando aquelles aventureiros as suas conquistas, chegaram a navegar o rio Paraguay, descendo uns pelo Coxim, outros pelo Matetu e pelo Cahy, que sahem ambos das mesmas Vaccarias, e entrando pelas grandes bahias que acompanham as margens deste rio foram achando tantas naes de gentes que no cabem nos archivos da memoria, e s me lembram as seguintes: Corays, Pacoacentes, Xixibes, Axans, Porrudos, Xacoreres, Aragoars, Coxipones, Popucunes, Arapocunes, Mocor, Paragoanes, Apecones, Boripocunes, Itilapores, Jaymes, Goats e Aicurs. Divertidos aquelles portuguezes com estas gentes e fertilidade das terras, adonde se colhem os fructos sem plantar, esquecidos das patrias, mulheres e filhos e, sobretudo, das obrigaes de catholicos passavam as vidas, annos e annos, at que subiram o rio Cuyab, assim chamado por acharem em suas margens cabaas plantadas pelo gentio, de que faziam cuias para seus usos. Outros affirmam que o nome de Cuyab era nome de gentio, que neste rio habitava. Dos capites das bandeiras antigas no achei memorias e s sim dos que exercitaram estes empregos nos tempos proximos ao invento destas minas, que eram os seguintes: Manoel de Campos, paulista, e seu filho Antonio Pires de Campos, Joo de Farias Taveira, europo, seu filho Joo de Farias, Francisco Xavier, europo, Pedro Leme, Antonio Borralho de Almada, Joo Leme e seu irmo Loureno Leme, Gabriel Antunes e seus irmos Antonio Antunes Maciel e Filippe Antunes Maciel e Paschoal Moreira Cabral, todos paulistas. Destes, o primeiro que subiu o rio Cuyab foi Antonio Pires de Campos em procura do gentio Coxipon, chegou a uma aldeia delles no lugar aonde esteve a capella de So Gonalo, que por isso tem hoje o nome de So Gonalo Velho, e ahi prendeu muitos e voltou para baixo em procura das mais frotas, que andavam por essas bahias solicitando as mais naes. No seguinte anno proseguiu Paschoal Moreira Cabral o mesmo rumo em busca dos Coxipons, chegou ao logar da aldeia j destruida e, no achando vestigio algum delles, subiu o rio Coxip acima, nominao derivada do nome do mesmo gentio, e, fazendo pouso logo acima da barra, acharam ouro em granetes cravados pelos barrancos. Neste pouso e primeiro descoberto deixou o capito a bagagem e seguiu rio acima at o logar chamado hoje Forquilha; ahi achou o gentio, em quem fez suas presas com bastantes mostras de ouro em botopuis e outros enfeites e buscando os companheiros com elles desceu a fazer pouso no logar de So Gonalo Velho, a que chamavam aldeia velha. Ali formaram seu arraial para tomarem descanso, cantando a victoria que alcanaram contra a pobreza e fadigas de suas largas peregrinaes, dando uns aos outros parabens por suas fortunas, a quem reciprocamente offereciam laudemios de alegria. Os que haviam ficado na bagagem achavam-se uns a cem outavas, outros

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a meia libra de ouro, a cincoenta outavas e os mais a este respeito, conforme a deligencia que fizeram em cavar com as mos que outros instrumentos de mineirar no tinham, e os que haviam acompanhado o capito-mr mais aproveitados, e o mesmo capito Paschoal Moreira com libra e meia de ouro, todos por fim partecipantes dos aurinos fructos. Alli se foram arranchando, fazendo casas e lavouras pelas margens do mesmo rio Coxip e Cuyab acima, extincta uma aldeia que se achava no logar que hoje o Porto do Borralho. Passados alguns dias chegou ao arraial a bandeira dos Antunes, que eram os tres irmos de que j falamos, chamados Gabriel Antunes, Antonio Antunes Maciel e Filippe Antunes Maciel, e com a noticia do invento do ouro uniram-se aos descobridores, e fazendo suas consultas assentaram que fosse logo Gabriel Antunes para S. Paulo dar noticia e levar as amostras dos descobertos e trazer os ordens necessarias para o bem commum e servio de S. Magestade, que com effeito seguiu logo viagem, e juntos os que ficaram mandaram escrever um aranzel para seu regimen, cuja copia a seguinte: Aos oito dias do mez de Abril de mil setecentos e dezenove annos, neste arraial do Cuyab fez junta o capito-mr Paschoal Moreira Cabral com os seus companheiros e lhes requereu a elles este termo de certido para noticia do descobrimento novo que achmos no ribeiro do Coxip, invocao de Nossa Senhora da Penha de Frana, depois que foi o nosso enviado, o capito Antonio Antunes, com as amostras que levou do ouro ao senhor General com a petio do dito capito-mr, fez a primeira entrada onde assistiu um dia e achou pinta de um vintem, de dous e de quatro vintens e meia pataca, e a mesma pinta fez na segunda entrada, em que assistiu sete dias, e todos os seus companheiros, as suas custas, com grandes perdas e riscos, em servio de Sua Real Magestade, e como de feito tem perdido oito homens brancos, fra negros, e para que a todo o tempo v isto a noticia de Sua Real Magestade e seus governos para no perderem seus direitos e por assim ser verdade nos assignamos neste termo, o qual eu passei bem e fielmente a f do meu officio como escrivo deste arraial. Paschoal Moreira Cabral Simo Rodrigues Moreira Manoel dos Santos Coimbra Manoel Garcia Velho Balthazar Ribeiro Navarro Manoel Pedroso Louzano Joo de Anhaia de Lemos Francisco de Siqueira Ascenso Fernandes Diogo Domingues Manoel Ferreira Antonio Ribeiro Alberto Velho Moreira Joo Moreira Manoel Ferreira de Mendona Antonio Garcia Velho Pedro de Ges Jos Fernandes Antonio Moreira Ignacio Pedroso Manoel Rodrigues Moreira Jos da Silva Paes. No mesmo dia, mez e anno atraz nomeados elegeu o povo em vz alta o capitomr Paschoal Moreira Cabral por seu guarda-mr regente at a ordem do senhor General para poder guardar todos os ribeiros de ouro, socavar, examinar, fazer composies com os mineiros e botar bandeiras, tanto aurinas como aos inimigos barbaros, e visto elegerem ao dito lhe acataro o respeito que poder tirar autos contra aquelles que forem regulos, como amotinador e aleves, que expulsar, e perder todos os seus direitos e mandar pagar dividas, e que nenhum se recolher at que venha o nosso enviado, o capito Antonio Antunes, o que todos levamos a bem hoje, 8 de Abril de 1719 annos, e eu Manoel dos Santos Coimbra, escrivo do arraial, que o escrevi. Paschoal Moreira Cabral.

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Aos vinte e quatro dias do mez de Junho botou o guarda-mr Paschoal Moreira Cabral uma bandeira a descobrimento de ouro, adonde foi por guarda-mr Manoel Garcia Velho junto com o escrivo das datas, adonde descobriu um ribeiro, por nome So Joo, com pinta de oitava e meia, de meia pataca e de dois vintens, e outro ribeiro, Santo Antonio, com a mesma pinta; ribeiros de parte para se repartir, e por assim ser verdade mandou o guarda-mr passar este termo por mim escrivo das datas, que o escrevi bem e fielmente a f do meu officio, hoje quinze do mez de Agosto de 1719. Paschoal Moreira Cabral Manoel Garcia Velho. Por esta escripta aqui copiada do mesmo original mostra-se ser Antonio Antunes Maciel o enviado com as noticias e mostras de ouro do novo descobrimento, mas por asseverao de alguns daquelle tempo, com quem conversei e de quem alcancei estas noticias, dizem que fra seu irmo Gabriel Antunes Maciel; sem embargo disso devemos dar maior credito escripta por ser documento mais verosimil. Fosse elle qual fosse, chegado a povoado com as noticias, fez tudo patente s justias de S. Paulo e estas ao General da capitania, o conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida, residente em Villa-Rica de Ouro Preto, e este o noticiou logo ao marquez de Angeja, Dom Braz Balthazar da Silveira, vice-rei do Estado na cidade da Bahia, e um e outro Sua Magestade. Divulgada a noticia pelos povoados, foi tal o movimento que causou nos animos, que das Minas Geraes, Rio de Janeiro e de toda a capitania de S. Paulo se abalaram muitos, deixando casas, fazendas, mulheres e filhos, botando-se para estes descobertos como se fra a Terra da Promisso ou Paraizo incoberto, em que Deus pz nossos primeiros paes. Entrado o anno de 1720, fizeram viagem para estas minas algumas gentes divididas em diversos comboios, subindo o rio Anhanduhy, atravessando a Vaccaria, descendo pelo Matete, e deste pelo Paraguay acima. Padeceram grandes destroos, perdies de canas nas cachoeiras por falta de pilotos e praticos, que ainda ento no havia, mortandades de gentes por falta de mantimentos, doenas, comidas das onas, e outras muitas miserias. No sabiam ainda pescar, nem caar, nem o uso de toldar as canas, que tudo lhes apodrecia com as chuvas, nem tambem dos mosqueiteiros para a defesa dos mosquitos, que muitos annos depois foram a experiencia e a necessidade ensinando todas estas cousas pelo que padeceram de miserias sobre miserias os que escaparam da morte. Houve comboyo de canas em que morreram todos sem ficar um vivo, pois eram achadas as canas e fazendas podres pelos que vinham atraz, e os corpos mortos pelos reductos e barrancos. As pessoas de maior nome das que chegaram neste primeiro anno foram as seguintes: o capito Jos de S Arruda, com perda de muita escravatura e camaradas; o capito Jacintho Barbosa Lopes; o sargento-mr Joo Carvalho da Silva; o capito de mar e guerra Joo Martins de Almeida e seu irmo Innocencio Martins de Almeida; o capito Jos Pires de Almeida, que, morrendo-lhe a escravatura e perdendo tudo o mais que trazia, chegou a dar um mulatinho que tinha em conta de filho por um peixe pac por conservar a vida; Joo Leite de Barros; Pedro Corra de Godoy; o padre Fr. Florencio dos Anjos, religioso carmelita; o padre Jeronimo Botelho, do habito de S. Pedro; o padre Andr dos Santos Queiroz, do habito de S. Pedro; o padre Fr. Pacifico dos Anjos, franciscano, irmo do capito-mr Jacintho Barbosa Lopes.

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Chegados estes no fim do anno de 1720 ao arraial e logar chamado hoje S. Gonalo Velho, dahi se passaram logo todos para o Cuxip acima, ao logar de que j tratamos, chamado a Forquilha, aonde formaram arraial e levantaram egreja com o titulo de Nossa Senhora da Penha de Frana, celebraram-se os officios divinos, sendo o primeiro que fez vezes de capello por eleio dos mais o padre Jeronimo Botelho e depois o padre Andr dos Santos Queiroz. Correndo o anno de 1722 chegou mono de povoado com maior destroo do que a passada, morrendo innumeraveis pessoas a fome e peste e comidas das onas, cujos corpos eram achados pelos que vinham posteriormente, assim como as fazendas podres, as canas largadas pelas margens dos rios, e outros mortos dentro dos ranchos nas mesmas redes em que se haviam deitado. Chegaram, comtudo, bastantes gentes, divididas em varias conservas, e com ellas o padre Justo, do habito de S. Pedro, feito vigario curado e da vara pelo Exmo. Bispo do Rio de Janeiro D. Francisco de S. Jeronimo; falharam no Carand seis mezes, onde levantaram altar e se celebrou missa, por ter noticia que no havia nas minas mantimento algum. No mez de Outubro deste anno fez Miguel Sutil, natural da villa de Sorocaba, viagem para uma roa que havia principiado a beira do Cuyab, logar que depois foi sitio de Manoel dos Santos Ferreira, depois do padre Joo Alves Torres, quem comprou Luciano de Souza Moreira e este D. Lucrecia de Moraes Siqueira e hoje se acha reduzida a tapra. Chegado a este logar a proseguir os fins das suas plantaes, mandou no seguinte dia dous indios ao mel com os preparatorios necessarios, que eram machados e cabaas; passado o dia chegaram ao rancho alta noite sem mel algum os dous enviados, contra os quaes enfurecido o amo os reprehendeu asperamente por haverem gasto o dia todo sem montaria, a cujas vzes respondeu o mais ladino: Vs viestes a buscar ouro ou a buscar mel, e perguntando-lhe o amo si tinha achado ouro, metteu o indio a mo ao seio de um jaleco de baeta que tinha vestido, cingido com um cinto por cima, e tirou um embrulho de folhas do matto e o metteu nas mos do amo; abrindo este as folhas achou 23 granetes de ouro, que todos pesaram 120 oitavas, dizendo o indio que achara muito daquillo. Naquella noite no dormiram o Sutil e um camarada europo chamado Joo Francisco, por alcunha o Barbado, considerando-se mimosos da fortuna e livres das penses da pobreza. Apenas raiava a luz do dia quando j o Sutil, camarada e indios que comsigo tinha, estavam postos a caminho seguindo o famoso meleiro, que to bas colmeias tinha achado. Guiados por elle chegaram ao logar onde se acha hoje esta villa, que era todo coberto de matto serrado e grandiosos alvoredos, e no que hoje chamado Tanque do ..., sitio da capella de Nossa Senhora do Rosario, mostrou o indio o seu invento, onde logo foram vendo ouro sobre a terra, apanhando-o as mos sem cavar. Recolheram-se pela tarde aos seus ranchos, o Sutil com meia arroba de ouro, a maior parte delle cavado em seixos, e o camarada Joo Francisco Barbado com duzentas e oitenta oitavas por ser s e no ter quem o ajudasse. No segundo dia regressaram para o arraial Cuxip e fizeram publico o descoberto, ao que se seguiu despejarem todos o arraial e mudarem-se para este sitio, a que chamaram Lavra do Sutil, em que foram formando arraial e defructando-as com a grande machina de ouro que extrahiram, pois consta ser a maior mancha que se tem achado em todo o Brazil. Isto succedeu no logar em que est hoje o tanque, pela qua-

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dra abaixo at o corrego, e cousa de vinte braas para cada lado, avaliou-se tirar-se deste logar o melhor de quatrocentos arrobas de oiro. Neste mesmo anno levantou o capito-mr Jacintho Barbosa Lopes, a sua custa, a Egreja Matriz, coberta de palha, no mesmo logar em que se acha a que hoje existe, dando-lhe o titulo de Egreja do Senhor Bom Jesus do Cuyab, adonde celebrou primeiro missa seu irmo Fr. Pacifico dos Anjos, religioso franciscano. Entrando o anno de 1723 partiu mono para povoado de bastantes canas carregadas de ouro, em que foram os primeiros quintos que destas minas sahiram para Sua Magestade, e por conductor delles e da mais comitiva o padre Andr dos Santos Queiroz. Chegada esta a povoado e sabida a grande e quantiosa machina de ouro que ia e que noticiou o dito padre, cuja vz tudo atroava, foi uma trombeta que chegou ao fim do orbe e soando a fama do Cuyab por todo o brazilico Hemispherio, at Portugal, e ainda pelos reinos estranhos, tanto que chegaram a dizer que no Cuyab serviam os granetes de ouro de chumbo nas espingardas para caar veados, que de ouro eram as pedras em que nos foges se punham a cozer as panelas e que para o tirar no era preciso mais do que arrancar as tossas de capim e nellas vinham pegados os troos de ouro, e outras mais exageraes que chegavam a fabulosas; si bem que isto de arrancar-se capim e verem-se pegados nas raizes granetes de ouro foi visto por muitas vezes, tanto nas ditas Lavras do Sutil como nas da Conceio, que depois foi arraial. Os primeiros quintos de ouro que nestas minas se cobraram para El-Rei foram os que arrecadou Paschoal Moreira Cabral, desde que se comeou a minerar at est