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Palestra nas Lojas de saber, Coimbra, sobre Telegrafia visual
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TELEGRAFIA ÓTICA EM PORTUGAL
1. Breve referência à telegrafia ótica até finais do sec XVIII 2. A telegrafia ótica na Europa em finais do sec XVIII 3. Dois SISTEMAS TELEGRÁFICOS PORTUGUESES:
3.1 Sistema de Ciera (inicio séc. XIX) 3.2 Sistema Heliográfico (finais séc. XIX)
4. Considerações finais
A palestra enquadra-‐se no problema geral da comunicação entre os homens que sempre foi essencial na vida em sociedade, numa procura de meios cada vez mais rápidos e eficientes que a ciência e tecnologia da época permitiam. A telegrafia ótica terrestre constituiu, assim, um dos primeiros passos na evolução das telecomunicações
O texto tem como objetivo essencial apresentar dois sistemas de telegrafia ótica montados em Portugal, no século XIX, por portugueses, relativamente pouco conhecidos.
A descrição destes sistemas é precedida pelos pontos 1 e 2 que apresentam os sistemas usados antes do século XVIII, na Europa, e que tiverem influência determinante no sistema português desenvolvido por Ciera.
A palestra termina com considerações finais sobre o interesse atual do conhecimento de Ciera e da sua obra e em especial para Coimbra e sua Universidade.
1. Breve referência à telegrafia ótica até finais do século XVIII
Até o finais do século XVIII, na Europa, não havia nenhum sistema de comunicações que permitisse o envio de mensagens a distâncias consideráveis, por via terrestre. O meio mais usado era o mensageiro (ou embaixador, que transmitia a mensagem verbalmente), o que, dadas as insuficiências da rede de estradas existente, era muito moroso, arriscado e impraticável em situações de cerco, frequentes na época medieval.
Utilizavam-‐se então meios muito diversos, relativamente simples como sinais sonoros, tais como o toque de sinos a rebate, o rufar de tambores, toques de trombetas, sinais de fumos como os índios americanos, pombos correios, ou sinais visuais como bandeiras e pendões nos campos de batalha.
Ainda antes do final do século XVIII havia comunicações óticas que viriam a influenciar os sistemas criados posteriormente e que foram:
• As almenaras: cadeias de torres, que permitiam, acendendo fogueiras de noite ou produzindo fumo de dia, alertar para perigo iminente. Algumas destas estruturas ainda se encontram preservadas em alguns países, embora não em Portugal, tanto quanto eu saiba.
(No filme “o Senhor dos Aneis”, há uma cena que mostra as almenaras, no cimo dos montes, a acenderem-‐se, sucessivamente, numa noite escura.
ver em http://www.youtube.com/watch?v=i6LGJ7evrAg&sns=em)
• As comunicações por sinais: usando bandeiras conjugadas com bolas para fazer sinais, obedecendo a um código, foi um sistema utilizado pela Marinha, incluindo a portuguesa, desde o século XVI, pelo menos, para comunicações a distâncias relativamente curtas entre navios ou entre os navios e a terra.
(Foi com um sistema destes que o almirante Nelson, antes de iniciar a batalha de Trafalgar, em 1805, transmitiu a célebre mensagem: “A Inglaterra espera que cada homem cumpra o seu dever”.
Mais recentemente, o filme de Sergei Eisenstein, de 1925, “O couraçado Potenkin” apresenta a troca de sinais, através de bandeiras, entre a esquadra russa e o revoltoso couraçado
ver em http://youtu.be/s6kPHVSPzvo)
Em Portugal, no início do século XIX, existia um sistema ótico, deste tipo, designado por Linha da Barra ou do Mar, montado entre o cabo da Roca e o castelo de São Jorge com estações a distâncias não superiores a 2,5 km. O sistema, além de outras funções ligadas à segurança e controlo alfandegário, facultava à população de Lisboa informação do tráfego marítimo do porto de Lisboa. Os sinais eram apresentados no Castelo de São Jorge, o código não era secreto e permitia que a população interessada tomasse conhecimento, em cima do acontecimento, da partida ou chegada de navios a Lisboa.
Em suma, na Europa, em finais do século XVIII, estava por encontrar uma solução mais rápida e fiável que o uso de mensageiros para comunicações terrestres . Vejamos a resposta dada na Europa a este desafio, primeiro em França
2. A telegrafia ótica na Europa dos finais do século XVIII
Claude Chappe, que vemos na figura, foi designado pelos seus compatriotas como o “primeiro engenheiro telegráfico”. O sistema por ele inventado, surgiu em 1792, em plena Revolução Francesa, e foi apresentada à Convenção, no chamado período do Terror. Dominavam os
jacobinos, a situação interna em França era complicada e havia que fazer frente à enorme ameaça militar das monarquias europeias, claramente contrárias à revolução.
O sistema de Chappe foi facilmente aprovado por Robespierre, dadas as vantagens que trazia a sua aplicação para a controlo da situação interna e para fazer face à ameaça externa. O sistema de Chappe compreendia:
o Um conjunto de estações colocadas em pontos altos, a distancia média da ordem de 12 km, visíveis sucessivamente entre si e colocadas tanto quanto possível em linha reta, formando um cadeia da estação emissora à recetora.
o Aparelhos designados por telégrafos óticos e respetiva guarnição, destinados a transmitir a mensagem sucessivamente até ao fim da cadeia
o Lunetas em cada estação para observação dos sinais das estações contíguas o Um código interpretativo dos sinais.
Como podemos observar este sistema tinha torres com semelhanças às utilizadas nas almenaras, bem como com o código e telégrafo usados no sistema da Marinha. As diferenças mais significativas são os telégrafos de Chappe serem francamente mais robustos e a necessidade de introdução de lunetas especiais, dada a maior distância entre estações.
A figura permite descrever o funcionamento do sistema Chappe. Vemos três estações, de pedra e cal, no cimo de montes. A estação da esquerda, que admitimos ser a primeira da linha, está a fazer um sinal diferente das outras duas. Isso resulta de cada estação ter que repetir, ao longo da cadeia, os sinais da estação anterior, processo que continuará até à estação destinatária.
O passo seguinte é a 2ª estação reproduzir o sinal transmitido pela 1ª, o mesmo fazendo depois a 3ª em relação ao da 2ª e assim sucessivamente.
Os operadores não conheciam o código, o que era, normalmente, apenas reservado às entidades remetentes e destinatários. O operador da primeira estação só recebia do remetente
um conjunto de números que tinha que transmitir. Esse conjunto de números, que lhe era enviado pelo remetente, era a mensagem codificada a transmitir. O sistema poderia considerar-‐se, em linguagem atual um sistema “intensivo de mão de obra”, o que não era grande problema porque os salários eram miseráveis,
O Código de Chappe era um livro, com páginas e linhas numeradas. Cada linha continha uma frase, uma palavra, um número ou uma letra. O remetente da mensagem que pretendia transmitir uma determinada frase, constante do código, indicava dois números: o da página e o da linha dessa frase.
Para incluir mais frases, acrescentava mais pares de números. O operador da estação transmitia, assim, para a estação seguinte um conjunto de pares de números, correspondendo cada número a uma dada posição das três peças do telégrafo
O destinatário decifrava a mensagem com as parelhas de dois números que indicavam a coluna e linha correspondentes do código.
Vejamos como funcionava o operador no interior da estação
Na parte superior estava o telégrafo. A peça central podia ter duas posições: a inclinada a 45º, que vemos, ou a posição horizontal. As peças laterais podiam ter 8 posições (4 a 45º, duas horizontais e duas verticais). A posição que coincidia com a peça central não era utilizada, pelo que cada peça lateral utilizava 7 posições. Isto conduzi a que fossem possíveis 2x7x7 = 98 sinais diferentes. Destes apenas eram usados, na transmissão de mensagens, correspondentes às páginas do código e linha da página. As restantes eram usadas como indicações de serviço. (do tipo “fim de transmissão”)
Olhemos agora para o interior do edifício.
Existia um mecanismo com três manivelas que o operador, através de um sistema de roldanas, punha numa posição rigorosamente idêntica à dos sinais a transmitir. Era um mecanismo simples mas engenhoso da autoria de Breguet, relojoeiro francês que colaborou com Chappe.
O sistema de Chappe representou um enorme salto qualitativo nas telecomunicações terrestres, pelo que teve rapidamente expansão em França. Basta dizer que, em 1794, foi inaugurada a linha Paris-‐Toulouse, com 224 km. Uma mensagem demorava cerca de alguns minutos a ser transmitida, enquanto um mensageiro, a cavalo, não o faria em menos de 10 horas.
Não é, pois, de estranhar que a invenção de Chappe tivesse forte repercussão noutros países europeus que procuraram, nos anos seguintes, encontrar soluções próprias.
Na Suécia, logo em 1794, Edelcrantz apresentou o seu telégrafo
As principais diferenças entre o sistema de Edelcrantz e o de Chappe residem no código, evidentemente, e no telégrafo. Este tem 10 persianas que podem estar abertas ou fechadas, permitindo um total de 1024 combinações.
Vejamos agora a solução inglesa de Murray, que vemos na gravura
O telégrafo que construiu, em 1795, também se integrava num sistema basicamente idêntico aos anteriores, mas apenas com 6 persianas, 3 das quais se encontram fechadas, na gravura.
Ciera indica que, com este telégrafo é possível fazer 64 sinais diferentes pela apresentação de 1 a 6 persianas fechadas.
Até agora traçámos o quadro geral em que se verificavam as comunicações terrestres antes do seculo XVIII e as repercussões da invenção de Chappe, elementos de que dispôs Ciera para desenvolver o telégrafo português .
3. DOIS SISTEMAS TELEGRÀFICOS PORTUGUESES
3.1 Sistema de Ciera ( início do sec XVIII)
Para se falar no sistema desenvolvido por Francisco Ciera é preciso referir o papel de D. João VI, então príncipe Regente.
O papel do rei foi determinante, ao nomear, em 1803, Francisco António Ceira para dirigir a Linha a Barra ou do Mar, a que já nos referimos, dando-‐lhe liberdade de ação para a remodelar e expandir. Ciera não demorou a fazê-‐lo, permitindo que o rei, nas suas estadias em Queluz, Mafra, ou Salvaterra de Magos, estivesse a par do tráfego marítimo no porto de Lisboa, confirmando o acerto da escolha de Ciera.
No Brasil D. João VI implementou o sistema de Ciera, como fizera em Portugal para poder receber no palácio real as informações do tráfego marítimo do porto do Rio de Janeiro.
De acrescentar duas curiosidades a respeito de D. João VI: a primeira é que ele também praticava a arte de enviar mensagens através do sistema de Ciera, como um simples operador. A segunda é que, depois de regressar do Brasil após a Revolução liberal de 1820, não prescindiu de continuar a ter o seu sistema privativo de informação do tráfego marítimo do Porto de Lisboa.
D João VI teve, assim, o mérito de ter impulsionado a telegrafia ótica em Portugal e no Brasil, facto confirmado pela investigação dos coronéis José Canavilhas e Costa Dias.
Passemos agora a falar de Francisco Ciera, que teve a sua formação na Universidade de Coimbra e é um figura de reconhecido valor na da cartografia nacional. Em 1803, quando foi nomeado para dirigir a Linha da Barra era lente da Real Academia da Marinha. Em 1810, foi nomeado diretor do Corpo Telegráfico (uma unidade militar criada por razões de segurança nacional pouco antes da invasão francesa de Massena), tendo sido o único civil a comandar uma unidade militar. Faleceu em 1814.
O sistema criado por Ciera resultou do estudo que fez do telégrafos de Chappe, Edelcrantz e de Murray, que referimos. O seu sistema, aliás, era basicamente idêntico aos dos seus antecessores. A diferença é que procurou um telégrafo “o mais simples possível” e conseguiu-‐o claramente, nos três modelos que apresentou.
Vejamos o primeiro.
Trata-‐se do modelo construído pelo coronel Costa Dias, com a preciosa ajuda do sargento Paínho das Neves, e apresentado nas Comemorações do Bicentenário do Corpo Telegráfico, levadas a efeito, pelo Exército, em 2010.
Neste telégrafo, são possíveis 8 posições mas apenas as posições 1 a 6 são aplicadas na transmissão de mensagens, sendo as duas restantes utilizadas para sinais de serviço.
O Código, também criado por Ciera, designado por Táboas Telegráficas apenas utilizava 6 algarismos para codificar as mensagens.
Este modelo do chamado telégrafo de persianas foi apresentado, na mesma altura do anterior, pelo coronel Costa Dias que também o construiu com a colaboração do sargento Paínho das Neves.
Permite também transmitir 8 sinais, como o anterior e com o mesmo significado, como mostra a figura. Deste modo as Táboas Telegráficas são aplicáveis.
O terceiro telégrafo criado por Ciera é o de bolas, que em vez das três persianas tem três bolas e tudo se passa do mesmo modo que o do telégrafo de persianas.
A existência deste modelo foi assinalada, pela primeira vez, em 2010, pelo coronel José Canavilhas.
A obra de Ciera, na área das telecomunicações, prolongou-‐se meio século depois da sua morte, pelo que, tanto a Arma das Transmissões como os CTT, Correios de Portugal se consideram, atualmente, seus herdeiros históricos. Com efeito, o Exército reconhece o Corpo Telegráfico como a primeira unidade de transmissões do Exército e os CTT –Correios de Portugal como a base da introdução, em 1864, da telegrafia elétrica nos Telégrafos do Reino seu antecessor.
Do património que Ciera nos legou na área das telecomunicações fazem parte:
• A remodelação da Linha da Barra, de que foi nomeado diretor, em 1803, suprimindo estações e prolongando-‐a até às residências reais.
• O Corpo telegráfico, criado em 1810 por decreto real e que Ciera dirigiu. Inicialmente tinha cerca de 100 homens, na sua maioria reformados do Exército, e era destinado a operar e manter o sistema de telegrafia ótica existente. Em 1808, após a derrota de Junot, surgiu um projeto de alargar a rede, agora com objetivos claros de defesa e segurança nacionais, perante a previsível existência de novas invasões francesas. A linha, construída em 1810 pelo Corpo Telegráfico, destinava-‐se a vigilância de duas penetrantes, a primeira por Almeida, na Beira Alta e a segunda por Elvas, no Alentejo. O Corpo Telegráfico, participou na defesa das linhas de Torres Vedras, a pedido de Wellington. Recordemos que as Linhas de Torres eram um impressionante conjunto de fortificações, protegido nos flancos pela poderosa Armada Inglesa, na frente Atlântica e no Tejo como a figura mostra.
Wellington tinha a vantagem sobre as forças francesas de dispor de comunicações óticas (que os franceses não tinham) entre as fortalezas mais importantes da 1ª linha (Torres Vedras) e da 2ª (Mafra) que distavam entre si cerca de 12 km utilizando telegrafia ótica.
O sistema era operado por marinheiros ingleses utilizando o chamado telégrafo de balões de que se dá uma ideia na figura e que hoje é apresentado, todos os anos, em Torres Vedras, no âmbito do turismo cultural, aproveitando o enorme prestígio que tem o duque de Wellington, entre os ingleses, pela sua vitória sobre Napoleão na Guerra Peninsular.
Este sistema funcionava bem, mas Wellington, a certa altura, duplicou-‐o com o sistema português em cada uma das 10 estações montadas (8 em fortalezas e 2 de retransmissões fora das fortalezas, para assegurar a sua continuidade).
A presença dos telégrafos portugueses nas linhas de Torres resultou de um braço de ferro entre Wellington e o almirante Bercklay, comandante da esquadra inglesa. O problema era “o subsídio de embarque” que os telegrafistas ingleses não recebiam por estarem em terra a operar o telégrafo, ao contrário dos seus camaradas que embarcados. Tanto o almirante Bercklay como o poderoso Almirantado britânico consideravam mais do que justa a reivindicação dos marinheiros-‐telegrafistas, o mesmo não acontecendo a Wellington que não estava interessado em abrir os cordões à bolsa.
A duplicação dos dois sistemas de telegrafia ótica foi a opção de Wellington para não ficar sem comunicações no caso da retirada dos marinheiros telegrafistas ingleses. Mas, como Wellington acabou por satisfazer as reivindicações dos marinheiros, e como o sistema de bolas inglês funcionava, o sistema português não chegou a ser utilizado. No entanto, através das ligações óticas do sistema português para sul, Wellington comunicava com Lisboa, o que o sistema inglês não permitia.
De acrescentar que a opção de Wellington de montar o sistema português, resultou da boa impressão que tivera da sua eficácia quando, nos combates com as guardas avançadas francesas, na Beira Alta, antes da Batalha do Buçaco, teve a oportunidade de observar o seu funcionamento na linha Lisboa-‐Almeida.
Depois da Guerra Peninsular o Corpo Telegráficos teve altos e baixos. O seu número de elementos variou entre uma e quatro centenas e o número de estações entre 28 e 85. As lutas liberais trouxeram-‐lhe nova importância . Em 1828 o Corpo Telegráfico teve uma grande reforma e a rede expandiu-‐se para o Algarve. Em 1855, foi inaugurado o telégrafo elétrico que pelas suas enormes vantagens se expandiu rapidamente e deu lugar a um declínio acentuado da telegrafia ótica.
Mas o desaparecimento da Telegrafia Ótica não acabou com o Corpo Telegráfico, a quem foi atribuída a operação da nova rede de telegrafia elétrica e obrigou a reconversão do pessoal do Corpo Telegráfico à nova tecnologia. A rede de telegrafia elétrica expandiu-‐se rapidamente e foi aberta ao público em 1857.
Até à sua extinção, em 1864, o Corpo Telegráfico prestou serviço à população em geral. Nesse ano, o seu pessoal foi totalmente integrado nos Telégrafos do Reino, a exemplo do que sucedia na Europa.
Para terminar apenas uma observação sobre o telégrafo de bolas inglês usado na Guerra Peninsular que não teve aplicação significativa em Portugal, ao contrário do que sucedeu com o sistema de Ciera, sendo dos poucos casos em que uma tecnologia portuguesa se impôs claramente a uma tecnologia de um país como a Inglaterra.
3.2 Sistema heliográfico
A introdução da rede heliográfica, em Portugal, em 1880, constitui um retorno à telegrafia ótica que, como referimos, o telégrafo elétrico, em 1855 (vinte e cinco anos atrás) parecia ter condenado a desaparecer. A telegrafia heliográfica, como a telegrafia elétrica, utiliza o código morse, que surgiu em 1832.
A sua introdução em Portugal resultou de o heliógrafo, e outros meios, terem passado a ser adotados pelos Exércitos europeus como meios alternativos do telégrafo elétrico, no caso deste falhar. Tal como acontecera com Ciera, a ideia base que levou à introdução do heliógrafo entre nós foi de “acertar o passo com a Europa”, o que viria a acontecer .
Comecemos por apresentar dois dos protagonistas deste retorno à telegrafia ótica: Fontes Pereira de Melo e Bon de Sousa.
Sobre Fontes Pereira de Melo, considerado um dos maiores estadistas portugueses de sempre, limitar-‐me-‐ei a dizer que teve o mérito de nomear em 1880, um oficial de Infantaria, para Diretor do Serviço Telegráfico segundo um critério meritocrático pois o nomeado (Bon de Sousa) era indiscutivelmente o melhor.
A nomeação foi polémica pois a Engenharia (Arma a que Fontes Pereira de Melo pertencia) considerava que, a exemplo do que sucedia na Europa o cargo devia ser atribuído a um oficial de Engenharia.
Porém, a opção revelou-‐se acertada pois Bon de Sousa permaneceu no cargo durante 20 anos, desde o posto de major a General de Brigada reformado.
Bon de Sousa era um nobre, autodidata, oficial de Infantaria, que foi membro honorário da Academia das Ciências . Dedicou-‐se a estudar as Transmissões dos Exércitos dos principais países do mundo, que adotavam o princípio da sobreposição de meios para procurar garantir a todo o custo a ligação dentro do Exército entre os seus diversos sectores, evitando ficar sem comunicações.
Como não havia nenhum meio completamente seguro, pois mesmo o telégrafo elétrico exigia a continuidade das linhas, era necessário ter outros meios disponíveis a utilizar, pois com isso aumentava a probabilidade de a mensagem chegar ao seu destino.
O serviço dirigido por Bon de Sousa era um serviço de Transmissões Permanentes ou de Guarnição, de ligação entre os quarteis das unidades, muito mais parecido com um sistema de transmissões civil do que com um serviço de campanha, necessariamente com um carater muito mais móvel e usando equipamentos mais robustos e transportáveis.
Na altura, considerava-‐se que o pessoal das redes de guarnição deveria constituir uma reserva de pessoal bem treinada para atuar rapidamente em situações de conflito, dando tempo à formação de novos telegrafistas, pelo que havia que dotar o serviço de guarnição com os mesmos meios de transmissões e treinar o pessoal na sua prática.
A melhor preparação dos telegrafistas da rede de guarnição viria a refletir-‐se na I Guerra Mundial, onde o serviço de Transmissões no Corpo Expedicionário Português foi considerado “o serviço que melhor atuou”, o que se deve ao pessoal telegrafista da rede de guarnição ter um treino muito superior ao de campanha na prática do Morse
Da aplicação do princípio da sobreposição de meios nas transmissões de campanha, que Bon de Sousa aplicou na rede de guarnição, resultou a introdução dos pombais militares, a reintrodução da telegrafia ótica em Portugal com a introdução de novos telégrafos óticos e dos heliógrafos, ambos aplicando o código Morse
O uso heliógrafos teve alguma expressão no Exército (55 estações) e durou até meados do século XX.
O sargento Martins, o principal auxiliar de Bom de Sousa inventou a solução portuguesa do heliógrafo que se mostra.
O sistema é constituído por um conjunto de dois espelhos., sendo que o segundo espelho é aplicado quando o sol está nas costas do operador. Os sinais são transmitidos pelo acionamento de um pequeno manípulo que desvia ligeiramente os raios solares refletidos para transmitir os sinais morse.
Este rede teve alguma expressão no Exército (56 postos), era feita sobretudo para treino dos operadores.
A rede heliográfica não teve, contudo, qualquer expressão na sociedade civil, cuja regra geral é apostar na introdução de novos meios mais evoluídos tecnologicamente, mais eficientes e mais fiáveis que não era, obviamente, o caso dos heliógrafos.
4. Considerações finais
A palestra até aqui tem apenas tratado do passado, referindo-‐se aos dois sistemas de telegrafia ótica introduzidos no século XIX e que representaram uma bem sucedida aproximação ao que de melhor se fazia na Europa, quer no campo civil quer no militar.
Mas será que estes sistemas, indiscutivelmente obsoletos, estarão condenados a ser definitivamente esquecidos? A última década tem demonstrado que, sobretudo em relação ao telégrafo de Ciera, têm sido feitas realizações muito relevantes. Entre elas:
• A publicação de várias obras, das quais destaco o trabalho de Isabel Luna, Ana Catarina de Sousa e Rui Sá Leal “Telegrafia Visual na Guerra Peninsular”, a magistral obra coordenada por Maria Fernanda Rollo “A história das Telecomunicações em Portugal” e o trabalho do académico espanhol, da universidade Complutense de Madrid, prof Giles Mutinger, “subrevuelo da de la telagrafia óptica en lusitanea “
• A Exposição “Telecomunicações Militares” em 2008 • A comemoração do Bicentenário do Corpo Telegráfico, em 2010
• A comemoração dos 250 anos do nascimento de Francisco António Ciera em 2014 • No campo da divulgação do sistema de Ciera nas Linhas de Torres são apresentados,
com regularidade, o telégrafo de Bolas britânico, que se mostrou na palestra , e também o de Ciera no âmbito do Turismo cultural.
Pode dizer-‐se que é pouco, sobretudo em relação ao que é feito noutros países. Mas, há dez anos, não havia praticamente nada. É sintomático que tenha apresentado gravuras de Chappe, Edelcrantz e Murray, tiradas da net. De Ciera não há. Nas comemorações dos 250 anos de Ciera foi intensamente procurado nos arquivos, mas sem resultado.
Em minha opinião, no campo da telegrafia ótica Francisco António Ciera merece ser recordado, tanto quanto Edelcrantz e Murray que, como ele, criaram versões próprias, inspiradas em Chappe. Mas, quanto mim, Francisco António Ciera destaca-‐se de todos eles se tivermos em conta a sua indiscutivelmente reconhecida obra, na área da cartografia.
Por estranho que pareça, a Universidade de Coimbra parece estar alheada deste processo de recuperação da memória de Francisco António Ciera e da sua obra. E o empenhamento desta Universidade, que faço votos sinceros para que se venha a verificar, seria um catalisador e dinamizador do processo que lhe daria outra dimensão e projeção.
Estou convencido que Ciera e a sua obra bem o mereciam.
Há dois argumentos que favorecem esse desejável empenhamento:
1. Coimbra foi a sede de duas estações de telegrafia ótica: uma, no antigo Observatório Astronómico, cujo edifício, no Páteo da Universidade já foi demolido e outro em Santo António dos Olivais, que não sei se dele resta algum vestígio. Por Coimbra ainda passou todo o tráfego governamental que circulou entre Lisboa e Porto, durante várias décadas
2. A Universidade de Coimbra foi a Instituição onde Ciera fez a sua formação Académica, estando assim na origem de toda a sua notável obra de que o país beneficiou.