Upload
vokiet
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
PAMPULHA: atualização simbólica de uma paisagem modernista
FERNANDES, P.
KU LEUVEN. OSA / UFMG. NPGAU
Agripa Vasconcelos, 140 - Belo Horizonte, MG
RESUMO
A recente inclusão do conjunto da Pampulha à lista de monumentos da UNESCO apresenta-se como momento oportuno para uma atualização simbólica do mesmo, que parte da sua criação e dá enfoque à contemporaneidade. Como parte de pesquisa de doutoramento em curso, propõe-se uma reflexão, sob uma lente semiótica, que inclua não somente os valores e significados que permearam a gênese de arquitetura, arte e paisagismo tão singulares no passado, mas sobretudo a significância da lagoa hoje como importante elemento da paisagem cultural e espaço de diversidade e encontro da cidade. O trabalho deve ser introduzido por breve levantamento do contexto cultural, econômico e políticos nos quais sua gênese se insere, a partir de revisão bibliográfica, literária e arquivo-documental. Tal revisão deve contextualizar a criação da Pampulha em especial momento histórico, em que o temos o Estado Novo e Juscelino Kubitschek como atores fundamentais para a advento da modernidade no Brasil, esta por sua vez amplamente traduzida em artefatos urbanos. Em seguida, o trabalho analisa e expõe os diversos papéis exercidos pela Pampulha nos âmbitos culturais e simbólicos, considerando a região tanto como pólo turístico, recreativo e esportivo, atuando como referência simbólica no estado de Minas Gerais e no Brasil, mas também como espaço quotidiano de lazer e moradia na cidade. Esta seção se apóia em, além de revisão bibliográfica e literária, entrevistas e observações em campo. A análise é importante não somente para avaliar e comparar a Pampulha de hoje e a do passado, elucidando seus processos de transformação e re-significações, mas também como importante documentação da Pampulha atual no exato momento que antecede a implementação do grau máximo de proteção de seu patrimônio a fim de melhor guiar políticas de planejamento, gestão e proteção do Conjunto da Pampulha.
Palavras-chave: Pampulha; modernismo; história; paisagem; semiótica
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Introdução
O Conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, recebeu recentemente o título de Patrimônio
Mundial Cultural da Unesco, não somente pelas obras arquitetônicas ali projetadas pelo
arquiteto Oscar Niemeyer, mas sobretudo pelo conjunto que é formado com sua represa.
Neste momento, torna-se de extrema importância relembrar e refletir acerca da formação de
tal paisagem. Como paisagem cultural, acrescenta-se às características fisico-
geomorfológicas do local dadas pela natureza aquelas as que são sobrepostas pelo homem
(Corner, 1999). Esse contribui em primeiro lugar na conformação do espaço físico, com
obras de terraplanagem, barragem e arquitetura, mas sobretudo acrescenta à paisagem
símbolos e significados próprios de seu tempo. Assim, a Pampulha não nasce apenas com
suas obras, mas é todo o resultado das conjunturas sociais e políticas que a precedem. Da
mesma maneira, as transformações na cidade e na sociedade implicam em transformações
na paisagem que alteram suas características visuais e simbólicas, tornando palimpsesto
(Corboz, 1983). O artigo pretende portanto trazer à tona tal sobreposições espaço-temporais
de maneira a refletir sobre qual é a Pampulha que deve ser preservada pela Unesco,
quantas das suas camadas devem ser preservadas e quantas ainda podem, e devem,
emergir.
Antecedentes da Pampulha: A Belo Horizonte dos anos 20 e 30
Em Belo Horizonte, a década de 1930 - aquela que antecede a construção da Pampulha -
pode ser caracterizada por sentimentos paradoxais que oscilam entre a euforia e as
expectativas de uma cidade e sociedade em processo de amadurecimento, modernização e
expansão e as decepções e insatisfações sobre uma cidade ainda incompleta e vazia. `
Às sensações dúbias de otimismo e decepção, acrescentam-se percepções contrastantes
sobre a materialização da cidade que, por um lado, crescia desordenadamente nos
subúrbios e, por outro, parecia ainda esvaziada no seu centro que se encontrava ao mesmo
tempo ainda em construção e já parcialmente em ruínas com seus canteiros de obras
abandonados (Salgueiro, 2001).
Se de um lado o governo de Belo Horizonte criava, já em 1934, a “Comissão Técnica
Construtiva da Cidade” com o objetivo de levantar seus problemas - amplamente
relacionados à descontrolada expansão suburbana - e eventualmente suscitar propostas; de
outro ainda havia um sentimento generalizado de incompletude.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Em 13 de outubro do mesmo ano a Revista Bello Horizonte publica uma coluna de autor
identificado como Malzarte com o título “Ruas sem História” que exemplifica bem este
sentimento no seguinte trecho:
“Em Bello Horizonte havia ruas bonitas, no tempo do Curral d’El Rey - informa-nos o ex-senador Modestino Gonçalves. Hoje, senador, nem ruas antigas, nem modernas. O que há por aqui são longas filas de árvores só (apenas os bungalows do Santo Antonio se insinuam, atrevidos, na paysagem, enquanto as casinhas tipo b e c procuram ocultar-se mais no seio da maltaria”. (MALZARTE, 1943)
Nesta passagem fica clara a comparação que o autor faz entre as casas que se insinuam na
paisagem no bairro Santo Antônio, nas bordas do plano original de Aarão Reis, e as casas
inseridas nas ruas geométricas do plano (provavelmente no bairro dos Funcionários),
devidamente tipificadas segundo a posição que ocupava seu proprietário (Lemos, 1998),
que ainda apresentavam-se timidamente detrás da protuberante vegetação plantada ao
longo das novas novas ruas. Tanto o texto quanto as fotografias da época testemunham a
preponderância da vegetação sobre as construções neste período em que a cidade ainda se
encontrava parcialmente vazia. Vê-se ainda deste texto a angustia do Belo Horizontino dos
anos 30 que se encontra no limbo entre o antigo e o moderno, no saudosismo do antigo que
já não há - se foi com a demolição do arraial - e da modernidade que ainda não veio.
Figura 1: Vista da Avenida Afonso Pena, 1947. Fonte. APCBH, Coleção José Goes
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Ainda sobre a preponderância da vegetação sobre a urbanização cabe citar Pedro Nava
que, em suas memórias, registra uma Belo Horizonte dos anos 20 - a da sua infância e
adolescência - que é quase que só natureza, cheia de árvores e de ruas sem calçamento
com sintetizado por Luciana Andrade (2004). Em seu estudo sobre a Belo Horizonte dos
modernistas ela cita uma passagem de Nava na qual descreve a vista da varanda da casa
dos pais, na Serra:
“Via-se seu amontoado de casas depois dum intervalo cheio de folhas. Primeiro a vegetação do terreno fronteiro a nossa casa, depois os arvoredos do Dr. Aleixo, dos Gomes Pereira, adiante os do Estevão Pinto, mais embaixo a arborização urbana, espessa naquele tempo como floresta.”
(1976, p.291, citado por Andrade, 2004, p. 144)
O desenvolvimento urbano da Capital em suas primeiras décadas, da sua inauguração em
1897 até o fim da década de 1920, é frequentemente retratado como um período de
estagnação e lenta construção (Lemos, 1998; (Castriota e Passos, 1998) Salgueiro, 2001;
(Plambel, 1979)), principalmente se comparado às décadas seguintes nas quais houveram
grandes transformações formais e estruturais dentre as quais podemos citar a construção da
Pampulha e o crescimento da indústria. Tal “estagnação” refere-se tanto à falta de
investimentos da administração pública na construção da cidade quanto à lenta
consolidação de seu centro, ainda despovoado. Todavia, o mapa cadastral de 1928 nos
Figura 2: Planta Geral da Cidade de Belo Horizonte, 1928. Fonte: APM
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
revela que esta situação remete somente às áreas centrais, enquanto as áreas suburbanas
estavam em plena expansão - que ocorria desde a inauguração da Capital - ocupando nesta
data área equivalente ou maior do que a Zona Urbana inicialmente projetada.
Reconhecido o crescimento da cidade, várias ações foram direcionadas, na década de 30, à
tentativa de controlar o expansão suburbana que se desenrolava de forma desordenada e
precária, acarretando em graves problemas à população, incluindo falta de abastecimento
d’água. Dentre as medidas podemos citar o Decreto n. 54 de 1935 que, ao criar ônus
financeiros e técnicos às novas subdivisões de terrenos, visava limitá-las. Em seu relatório
administrativo referente aos anos 1935-1936 o então prefeito Octacílio Negrão de Lima
dedica uma seção à questão da aprovação das Vilas no qual ele argumenta que
“O número excessivo de vilas, aprovadas sem ônus alguma para os proprietários, estendeu de tal forma a área povoada de Belo Horizonte que criou, para a administração pública os mais graves e sérios problemas. Sente-se, (…) a necessidade de pôr um dique às aprovações e percebe-se de outro lado, o receito dos Prefeitos em abrir luta franca com os interessados na sua maioria homens de recursos.
Muitas fortunas particulares, em Belo Horizonte, fizeram-se à custa da vilas, enriqueceram-se os seus proprietários, criando, para os cofres públicos, problemas de saneamento, conforto, policia e assistência que custarão dezenas e dezenas de milhares de contos de réis.” (Belo Horizonte, 1937).
Como é sabido, tal ação não somente foi incapaz de “pôr um dique” às subdivisões de
terreno mas agravou a situação, uma vez que a partir de então a ilegalidade da prática
aumentou seu grau de precariedade.
O relatório de Negrão de Lima abordou também duas importantes ações que mudariam o
percurso de Belo Horizonte daquele momento em diante. A primeira é a criação do Parque
Industrial e a segunda é a construção da Barragem da Pampulha. Neste momento a
barragem é apresentada como solução necessária ao abastecimento de água da cidade, em
amplo crescimento físico e demográfico. Enquanto dois parágrafos são dedicados às
justificativas técnicas de tal empreendimento, duas pequenas frases determinarão o futuro
da Pampulha, como pólo de turismo, lazer e também o surgimento de urbanismo e
arquiteturas únicas na cidade e no país, quando dizem: “Em torno do lago, constrói-se uma
avenida com extensão de 14 quilômetros. A acumulação prestar-se-á a prática de esportes
aquáticos.” (Belo Horizonte, 1937, p. 54)
Nasce portanto, a partir da conjunção da avenida e do corpo d’água a paisagem que se
tornará um conjunto único. No mesmo período, o prefeito discursa na Câmara divulgando a
“edificação de um novo e pitoresco bairro de lazer” na Pampulha (Anais da Câmara
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Municipal de Belo Horizonte, 1936, citado por (Ferreira, 2007), prevendo assim a futura
construção um bairro que adicionar-se-á à prática de esportes.
A criação de um bairro na Pampulha é contrária ao plano de Lincoln Continentino, elaborado
durante a administração do Prefeito José Osvaldo de Araújo (1938-1940) que preconiza a
consolidação e o aumento da densidade da ocupação de Belo Horizonte, aconselhando a
não aprovação de novos projetos de subdivisão de terrenos fora do perímetro de então
(Castriota e Passos, 1998). Data, porém, da mesma administração o Decreto n.55 de 1939
que ministra sobre a divisão dos lotes e as construções nos terrenos marginais à represa.
Destaca-se nessa legislação o papel a ser desempenhado pela administração municipal,
tornando-se o principal agente de urbanização na região, todavia em terrenos privados, com
ônus ao proprietário. Em seu primeiro artigo o decreto determina que:
“Os projetos, levantamentos e nivelamentos de subdivisão dos terrenos marginais à represa da Pampulha, numa faixa de quinhentos metros para cima da avenida Getúlio Vargas, serão feitos pela Prefeitura, a requerimento dos proprietários, (…)
Parágrafo Único ‐ Projetados pela Prefeitura o arruamento e a subdivisão em lotes, será a planta entregue ao proprietário para completa‐ la com as indicações prescritas do artigo 4º do mencionado decreto, sendo facultado articular com ela a subdivisão do terreno acaso restante.”
O segundo artigo, ao prescrever 20 metros de frente e 1.000 metros quadrados de área
como dimensões mínimas do lote, estabelece nas margens da Pampulha um caso
excepcional no município - firmando exceção em relação ao decreto 54/1935 que regia
sobre a subdivisão de lotes - ao mesmo tempo que determina que tipo de uso, e portanto
que tipo de padrões e classe social, se estabeleceria naquele local.
O decreto determina também, ainda em exceção à regra para o restante do território
municipal, parâmetros urbanísticos e arquitetônicos a serem adotados dos quais se destaca
o item a) do artigo quarto que prevê: “estilo colonial, néo‐ colonial, missões ou normando,
não se admitindo, em caso algum, estilo que destoe do ambiente campestre; as pinturas
externas deverão ser de cores claras, não se permitindo o revestimento de cimento
penteado ou côr equivalente;”
Fica claro na década seguinte que tanto o urbanismo quanto a arquitetura da Pampulha,
sabidamente revolucionários e inovadores no contexto de Belo Horizonte e do país, só
foram possíveis dado um certo grau de desobediência aos padrões vigentes. Quando o
paradigma era densificar e concentrar no centro, a construção da Barragem, à doze
quilômetros do marco zero se mostrou como uma nova oportunidade para escapar às
restrições da malha estritamente ortogonal imposta pelo plano, formando uma nova cidade
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
em paisagem totalmente nova, construída e moldada à vontade do homem, uma vez que o
“centro antigo” já se deteriorava e popularizava antes mesmo de ser acabado. Como bem
explica a historiadora Thais Pimentel ((Pimentel, 1997), em Belo Horizonte “o que surge
como radicalmente novo, seja em termos de idéias, posturas, realizações, parece ficar velho
no momento seguinte quando se advoga a sua substituição. Foi assim no início, continua
assim até hoje.”
É sob o paradigma da novidade, sempre iminente, que nos anos 1940 a inauguração dos
novos bairros e complexos de lazer na Pampulha significa um recomeço para esta nova-
velha cidade. A arquitetura de Niemeyer também rompe barreiras com o antigo instaurando
nas margens da represa tons de modernidade que foram fundamentais não somente para a
construção de uma nova paisagem mas sobretudo de novas práticas sociais e tipos de
urbanidades a ali também se instalarem.
A ocupação da Pampulha se deu portanto de forma completamente distinta dos bairros
operários que vinham surgindo na zona suburbana de Belo Horizonte, resultantes de
processos mais ou menos espontâneos de urbanização - loteamentos ou urbanização de
colônias agrícolas - combinados à expansão demográfica. A Pampulha seria o resultado de
intervenções estatais motivadas pelo ideário modernista, associada à criação de topografias
artificiais e à formação de novos enclaves sociais, como veremos a seguir.
Figura 3: Vista aérea da Pampulha, 1948. Fonte. APCBH, Coleção José Goes
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
A construção da paisagem modernista
As contradições próprias da modernidade vistas nas primeiras décadas de Belo Horizonte
evidenciam caráter ambivalente na medida em que se celebra a cidade moderna e
racionalista mas ao mesmo tempo a ressente. A cidade que nos anos 20 é vazia, tediosa e
monótona para muitos, parece se tornar densa, cosmopolita e agitada menos de duas
décadas depois. Isso ocorre na medida em que ela começa a se verticalizar e também em
que as mazelas dos subúrbios começam a se tornar mais aparentes e presentes na vida
quotidiana. Entre 1920 e 1930 sua população dobrou, passando de 55.563 habitantes para
116.981.
Este sentimento de ambivalência foi capturado por Luciana Teixeira Andrade ao analisar a
Belo Horizonte dos modernistas sob a luz das obras de Carlos Drummond de Andrade, Cyro
dos Anjos e Pedro Nava. Segundo a autora, “o que iremos encontrar em suas obras são
percepções muito ambivalentes, seja em relação à organização geométrica do espaço, seja
no que tange aos novos valores e formas de interação social que começavam a se difundir
nos centros urbanos.” (de Andrade, 2004, p. 16). Ainda na análise de Andrade, tal
ambivalência “trata-se (…) de um problema geral e não apenas regional ou idiossincrático, e
intimamente ligado à modernidade” (ibid, p. 17). Assim, contestava-se a tradição, o
provincialismo e a moralidade ao mesmo tempo em que demonstrava-se apego a formas
tradicionais de relação social. Em relação à cidade, ainda segundo a autora, nota-se uma
“tensão entre uma cidade tradicional claustrofóbica e uma cidade moderna agorafóbica”
(ibid. p.17). Portanto, a construção da Pampulha é fruto dessa claustrofobia à cidade
“antiga” e quadriculada; mas sua difícil e lenta consolidação é resultado também da
resistência agorafóbica ao vazio do novo. A região foi - e talvez ainda seja na memória de
alguns - por muito tempo considerada como “fora da cidade”. É comum ouvir na fala dos
moradores da Pampulha relatos que informam que eles “vão à cidade” para esta ou aquela
atividade. Pode se tratar de fato de um velho costume mineiro de se referir ao centro como
“a cidade” ou pode ser ainda retrato de uma memória da Pampulha que é fora dela.
O Prefeito Juscelino Kubitschek, em seu relatório administrativo de 1940-1941 se refere à
Pampulha como a “Cidade Satélite”, denominação dada pelo urbanista Agache em visita à
Belo Horizonte à época. Preocupado com as disparidades sociais vistas em Belo Horizonte,
Agache havia sugerido a criação de uma Cidade Satélite para abrigar trabalhadores no
entorno da lagoa (Segre, 2012). Porém, Kubitschek tinha objetivos diferentes para a
Pampulha, onde ele já havia imaginado bairros luxuosos beirando a lagoa que iriam não
somente perpetuar a imagem de uma cidade moderna mas também garantir rendas
advindas de impostos e da indústria turística. Neste relatório, no qual quinze páginas de
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
texto e numerosas fotografias são dedicadas às obras na Pampulha, fica clara a importância
e a dedicação que Kubitschek as dá. Porém, são difusas e ambíguas as justificativas e
intenções da Administração quanto às obras. O relatório relembra a necessidade da
barragem para o abastecimento de água potável em vista do crescimento recente da cidade
como já argumentado pelos prefeitos anteriores. Todavia Juscelino dá destaque maior ao
papel da Pampulha como atração turística, sobretudo para justificar os gastos direcionados
à construção dos equipamentos que, segundo ele, compensariam as inversões de capital
feitas nas obras. (Belo Horizonte, 1941). Tais equipamentos se tratam, além da barragem e
estação de tratamento de águas, de obras arquitetônicas contratadas ao arquiteto Oscar
Niemeyer, das quais trataremos mais adiante.
Assim, fica claro o oportunismo (no bom sentido da palavra) de Jucelino ao se aproveitar
das já encaminhadas obras de engenharia para acrescentar uma série de valores e
significados à paisagem em formação criando tanto uma desejada atração turística para
Belo Horizonte, quanto uma vantajosa valorização para o local, esta última mencionada
diversas vezes no relatório. Apesar do texto invocar algumas vezes o nome “Cidade
Satélite” e fazer menção ao bairro residencial que ali se formava, a função residencial da
Pampulha é apenas um detalhe dentro de um grande projeto urbanístico voltado ao turismo,
à cultura, à monumentalidade, e é claro, ao aumento dos tributos. Quanto ao urbanismo,
Juscelino o descreve: “a Pampulha está sendo edificada dentro de um plano inteiramente
diverso do traçado para a capital, lançando-se alicerces de um bairro residencial em moldes
completamente diferentes, mas de acordo com a paisagem que oferecem o lago e as
construções ali levadas em diante pela Administração Municipal com o apoio decisivo do Sr.
Governador do Estado.” (Belo Horizonte, 1941, p. 38)
Tal plano, por ele descrito, não se trata de um plano no sentido do traçado, do desenho da
forma urbana como é característico da disciplina, mas de um conjunto de ações pontuais e
fragmentadas que fazem parte de uma ideia geral um tanto abstrata. Assim, não houve
desenho holístico que incluísse os edifícios ao projeto da malha viária. Sua concepção foi
separada, ainda que concomitante, às obras arquitetônicas. Depois das experiências no
centro da cidade já eram reconhecidas as dificuldades, tanto financeiras quanto práticas de
se elevar um plano, visto que a construção da cidade perdurou por mais de quarenta anos.
Isso se torna ainda mais pertinente no início dos anos 40 vistas as dificuldades financeiras e
de aquisição de material em virtude do conflito mundial, também mencionadas por
Kubitschek na introdução de seu relatório administrativo. Como já introduzido na sessão
anterior, os loteamentos nas margens da represa foram realizados de acordo com o
interesse dos proprietários, às custas dos mesmos, mas com parâmetros especiais
determinados por lei e projeto e execução por parte da Prefeitura.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Os equipamentos, edificados para servir ao o turismo e ao lazer - o Cassino, a Casa do
Baile, o Iate, e posteriormente a Igreja - encontram mais pertencimento ao conjunto que
formam entre si e a lagoa do que à um plano urbanístico. Ao voltarem-se para si, tendo o
corpo d’agua e a avenida marginal como elementos de ligação e síntese, formam um
conjunto independente, elemento externo aos bairros que os circundam.
A genialidade de Oscar Niemeyer, contribuiu, sem sombra de dúvida, para a composição
desta paisagem. A feliz parceria estabelecida na Pampulha se deu em função de Oscar ter
sido anteriormente convidado pelo governador Benedito Valadares para desenhar um
cassino a ser construído no Acaba Mundo, que não se concretizou. O arquiteto foi então
convidado por Juscelino, com influência de Rodrigo Melo Franco de Andrade, do IPHAN e
Gustavo Capanema, então ministro de Educação e Saúde (Bojunga, 2001).
Além de sabida inovação dos padrões arquitetônicos - os quais, apesar de importantes não
fazem parte do foco principal deste artigo - as obras da Pampulha trouxeram inovação
também quanto às praticas sociais da sociedade de Belo Horizonte. Isso se dá
principalmente em relação ao Cassino, peça fundamental, ao ver de Juscelino, para o
turismo. Sua intenção era “antes de tudo, dar a Belo Horizonte uma obra que não só
refletisse o seu vertiginoso progresso, como ainda tomasse um espelho da cultura mineira”
(Belo Horizonte, 1941, p.42), donde nota-se mais uma vez a ambivalência entre o progresso
e a tradição mineira.
A Revista Bello Horizonte de Julho de 1934, 9 anos antes da inauguração do Cassino da
Pampulha, publicou uma nota, assinada pelo jornalista J. Guimarães Menegale, a respeito
da inauguração do Cassino Montanhês, à rua Guaycurus, 648, no centro de Belo Horizonte,
em que dizia haver escutado uma conversa que dizia: “Nós aqui - continuou a espevitada
mineirinha - não podemos, à cara e a descoberto, irmos a um casino assim, porque
seriamos julgadas injustamente mal” Menegale (Menegale, 1934). Uma década depois se
tornaria então comum à sociedade mineira - tanto homens como mulheres - frequentar o
Cassino e jantar no “grill-room” sem serem julgados por isso, seguindo finalmente um
modelo de Cassino cosmopolita que havia se fixado desde a instalação do Cassino da Urca,
no Rio de Janeiro, em 1932 (Bojunga, 2001).
Os usos das novas obras da Pampulha não são assim tão diferentes do que já havia na
cidade de Belo Horizonte. Nessa época, já funcionava o mencionado Cassino Montanhês; já
havia sido inaugurado em 1939 o Parque Santo Antonio (atual Minas Tênis Clube); o Clube
Belo Horizonte e os diversos cafés na rua da Bahia exerciam o mesmo papel da Casa do
Baile que era o de festas populares. O que difere a Pampulha portanto, além da arquitetura
totalmente nova de Niemeyer e do aspecto do moderno que flutuava sobre ele, é, sobretudo,
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
esta paisagem criada artificialmente a partir do represamento do córrego Pampulha. Ela se
define portanto como uma paisagem construída pelo homem, diferenciando-se daquela que
é natural e dada, mas é construção cultural (CORNER, 1999).
Assim, a Pampulha não é somente seu conjunto arquitetônico mas também o conjunto de
água e avenida, uma paisagem devidamente domesticada, usada para contemplação,
esportes aquáticos (para os privilegiados) ou mesmo para aqueles que lá iam fazer picnics e
assistir às corridas de carros.
Sua arquitetura, sem dúvida, contribuiu imensamente dentro de contexto de construção da
identidade nacional através da arquitetura à época, que começou na Pampulha e depois deu
prosseguimento em Brasilia. Suas aspirações estão, obviamente, inseridas dentro de um
contexto nacional de formação da identidade brasileira através de arte e arquitetura
moderna, que inicia com a Semana de 22 em São Paulo e dá prosseguimento, a nível local,
com a “Semaninha de arte moderna” promovida também por JK em 1944.
Em 31 de maio de 1944 José Lins do Rego publicou no jornal Estado de Minas um artigo de
nome “Kubitschek” no qual ele diz:
Figura 4: Revista Bello Horizonte, 1943. Fonte: APM
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
“Pampulha é como Ouro Preto, dois tempos que se conjugam. Para os que imaginavam a arquitetura como qualquer coisa que não pode mudar, como se as próprias pedras não mudassem, seria um crime permitir que o povo mineiro fosse além de Vila Rica. Tudo já estava feito. Só restava ao mineiro fazer-se zelador de museu. Kubitschek, neto de eslavo entalhador, seria em minas o batedor de uma nova civilização arquitetônica. Vive em Ouro Preto o Aleijadinho como o gênio de seu tempo. Com ele ninguém pode. Mas existe a Pampulha, que é outra grandeza de Minas. Rio de Janeiro, como Kubitschek te faz falta.” (BOJUNGA, 2001)
Transformações na paisagem ao longo das décadas: usos e
significância
A vida social almejada para as obras de Niemeyer não durou tanto quanto seu legado
arquitetônico. Graças às suas formas ousadas, a igreja só foi consagrada em 1959, apesar
de ter sido preventivamente tombada em 1947. Depois de causar uma revolução nos
costumes sociais locais e atraído muitos visitantes para a região, o Cassino encerrou suas
atividades três anos após sua inauguração, com a proibição do jogo no país. Com seu
fechamento, a Casa do Baile acabou também ficando esquecida. Apesar da Pampulha ter
se tornado claramente um destino de lazer e turismo, poucas casas foram construídas nas
primeiras décadas. Muitos ainda desconfiavam de seu sucesso mesmo tendo Kubitschek
construído ali sua própria casa de fim-de-semana, com projetos de Niemeyer e Burle Marx.
Em 1954, a ruptura da barragem pareceu anunciar o início do fim. Diante da ameaça,
iniciou-se uma grande mobilização de esforços para a recuperação da região. A partir então
a barragem foi reparada, a igreja foi consagrada e restaurada, o Museu de Arte da
Pampulha foi instalado no antigo Cassino e a Universidade Federal de Minas Gerais iniciou
sua construção com a desapropriação da Fazenda Dalva, ao sul da lagoa. Portanto, já na
primeira década de desenvolvimento, a Pampulha começa a apresentar suas primeiras
fissuras físicas e conceituais, quando seu sucesso é interrompido em primeiro lugar por
subversões às funções e posteriormente por rupturas físicas.
A partir da década de 1950 e principalmente na década de 1960 a Pampulha começa
portanto a receber equipamentos institucionais e recreativos de grande porte. Se não
construídos pelo próprio Estado ou Prefeitura, eram por influência dos mesmos. Enquanto
vários terrenos foram doados para clubes recreativos e clubes de futebol, o governo investiu
ali na construção da Universidade, dos estádios esportivos hoje conhecidos como ‘Mineirão
e Mineirinho’ (1965), do Zoológico (1957) e na ampliação do aeroporto. Havia na Pampulha
disponibilidade de grandes terrenos a baixos custos e já conectados ao centro de Belo
Horizonte pela Avenida da Pampulha (hoje Avenida Antônio Carlos), cuja construção é
contemporânea à barragem. Além disso, é obvia a intenção dos governantes em
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
estabelecer na Pampulha um pólo de lazer e turismo, atingida através de grandes
investimentos.
Como pretendido, a Pampulha exerce desde seu nascimento seu papel de ‘playground’ de
Belo Horizonte, não somente pela paisagem e possibilidades oferecidas pelo grande corpo
d’água - em uma cidade que está 400 quilômetros distante da costa - mas devido aos
constantes investimentos públicos em nome do lazer. Os esforços na aplicação da imagem
de “paraíso na terra” na Pampulha, através do lazer privilegiado, podem ser interpretados
como as “heterotopias de ilusão” de Foucault, por sua vez típicas da Telle Cittá, a cidade
pós-industrial descrita por Grahame Shane. (Shane, 2008)
Em entrevista, uma moradora da Pampulha desde o fim da década de 70 afirma que, antes
mesmo de se mudar para lá, frequentava a Pampulha para fazer picnics na beira do lago ou
frequentar o bar das Mangueiras (defronte à Igrejinha). Segundo ela, naquele momento o
Parque Municipal, no centro, já havia “popularizado demais” - no sentido de ser
frequentando pelas classes mais populares - e então as pessoas (de elite) se dirigiam à
Pampulha aos domingos. A ida à Pampulha, facilitada pelo acesso através de bondes,
significava portanto uma fuga da cidade, uma vida cosmopolita que se instala fora dela
ainda que sob motivações elitista e segregacionistas.
Foi somente ao fim do “milagre brasileiro” que a Pampulha começou a se consolidar não
somente como destino de lazer, mas também como lugar de moradia. Os enclaves
passaram de residências de fim-de-semana para residências permanentes, enquanto outros
bairros de classe média surgiram concomitantemente à outros assentamentos informais,
estendendo a mancha urbana não somente no entorno da lagoa mas por toda a região norte
da cidade, alcançando os limites com os municípios de Contagem e Venda Nova. A intensa
ocupação ao longo dos vales dos córregos que deságuam na lagoa resultaram em na sua
grave poluição e assoreamento, um problema sério já nos anos 1980 e um constante
desafio.
Como já demonstrado na sessão anterior, os parâmetros urbanísticos e posteriormente os
equipamentos de sociabilidade e práticas ali instalados instauraram na Pampulha uma
ocupação de caráter elitista a partir do momento em que a lagoa era circundada por um
grande cinturão formado por mansões e clubes privados. Porém, os interstícios entre a
lagoa e os grandes lotes - a orla em si - e aqueles formados entre um bairro e outro - como
por exemplo a Avenida Fleming e a Rua Coronel Dias Bicalho - acabaram por se
transformar, ao longo das décadas, em espaços alternativos de sociabilidade e urbanidade
mais inclusivos, onde diversas camadas sociais se encontram e onde o comércio é
permitido. Ademais, as sucessivas as intervenções na região - aos equipamentos das
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
primeiras décadas acrescenta-se o Parque Ecológico (2005) e graduais obras de
melhoramentos das calçadas e pistas de corrida - contribuíram para a popularização e
democratização dos usos ao redor da lagoa. (Alvares e Bessa, 2010).
Apesar do crescimento físico e demográfico, os enclaves da Pampulha e seus
assentamentos ‘periféricos’ permaneceram longo tempo sem seu próprio centro. A maioria
dos entrevistados, moradores do primeiro e parcialmente do segundo anel de ocupação que
tem a lagoa em seu centro, relatou ter sido somente na última década que “a Pampulha
melhorou bastante”, no sentido de agora tornar-se (quase) completamente independente do
centro principal, contando com bancos, supermercados, clínicas de saúde, boutiques e
outros serviços. Esta nova urbanidade inserida na Pampulha ocorre principalmente ao longo
dos espaços que se formaram de maneira mais ou menos espontânea, nos interstícios entre
bairros e no segundo anel de ocupação, com usos mais permissivos.
Desde a lei de zoneamento 1976, sucessivas regulações urbanas reforçaram o modelo
residencial unifamiliar no entorno da lagoa enquanto eram mais permissivas nos bairros
periféricos. “Assim, sob a égide da proteção ambiental, com uso e ocupação altamente
restringidos, os bairros à volta da lagoa reforçaram o enclave urbano de lotes grandes e de
alto valor, distintos daqueles que se verificavam na ocupação do Vetor Norte” (Carsalade,
2007)
O primeiro zoneamento de Belo Horizonte, o de 1976, define os bairros no entorno da lagoa
como ZR1 - Zona Residencial 1 - permitindo, além deste uso, somente os usos institucional
local como escolas, hospitais, auditórios, bibliotecas, clubes, estádios e museus, até no
máximo dois pavimentos (Belo Horizonte, 1976). A partir de 1996 a Lei 7166 de Uso e
Ocupação do Solo de Belo Horizonte define a área como ZP2 - Zona de Proteção 2 (Belo
Horizonte, 1996) - sob justificativa do crescimento demográfico na região, sobretudo na
forma de assentamentos informais ao longo dos córregos, contribuindo para o
Figura 5: Mapas interpretativos da LUOS 1976 e 1996, identificando a a ZR1, ADE da Pampulha e as áreas comerciais (em vermelho. Elaborado pela autora com base da PRODABEL e informações das LUOS 1976 e1996.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
assoreamento e poluição da lagoa, mas, de fato, reforçando o caráter de enclave como
observado por Carsalade. Sobrepõe-se, entretanto, ao zoneamento a ADE Pampulha, área
de diretrizes especiais, que, no seu artigo 90, restringe o uso ao exclusivamente residencial.
O que se observou a partir desta lei, foi a consolidação de áreas de comércio e serviços nas
áreas externas à ADE, tangenciando-a. Isto é visível sobretudo nas já mencionada Avenidas
Fleming no Bairro Ouro Preto e Rua Col. Dias Bicalho no Bairro São José, além na margem
norte da Avenida Portugal no Bairro Jardim Atlântico. Tanto o bairro Ouro Preto, quando o
bairro Jardim Atlântico - em sua porção norte - estão inseridos em Áreas de Adensamento
Restrito onde os parâmetros de uso e ocupação são menos restritivos.
Em 2005, a Lei 9037 institui o plano de ação PROPAM - Programa de Recuperação e
Desenvolvimento ambiental da Bacia da Pampulha - e regulamenta a ADE da Bacia da
Pampulha, da Pampulha e do Trevo, com os objetivos tanto de recuperação e proteção
ambiental quanto de promover um desenvolvimento urbano e econômico para a região, por
meio de:
“ a) requalificação urbana das áreas integrantes da Bacia, de modo a propiciar realização de potenciais econômicos, ampliar oferta e condições de apropriação de espaços públicos e acentuar atratividades da Pampulha como espaço de lazer, cultura e turismo de âmbito metropolitano
b ) definição de parâmetros de ocupação e uso do solo adequados à recuperação ambiental e ao desenvolvimento urbano e econômico da referida Bacia.” (Belo Horizonte, 2005)
Figura 6: Mapa interpretativos da Lei 9037/2005, identificando ADE da Pampulha e as áreas comerciais (em vermelho. Elaborado pela autora com base da PRODABEL e informações das Lei 9037/2005
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Nota-se nesta lei uma significativa abertura e flexibilização quanto aos usos na ADE da
Pampulha, ainda de maneira minuciosamente seletiva. A lei distingue basicamente três tipos
de vias - ou espaços - para as quais define atividades e usos desejáveis ou não. São elas:
(1) as áreas predominantemente residenciais; (2) Avenida Otacilio Negrão de Lima; e (3)
Avenida Fleming; Rua Expedicionário Celso Racioppi; avenidas Alfredo Camarate e Santa
Rosa; Praça Alberto D. Simão; avenidas Francisco Negrão de Lima, Atlântida/Heráclito
Mourão de Miranda, Antônio Francisco Lisboa, Professor Clóvis Salgado, Braúnas, Chaffir
Ferreira e Orsi Conceição Minas e ruas Xangrilá, Versília e Ministro Guilhermino de Oliveira.
Observa-se que tais avenidas são, sobremaneira, aquelas que margeiam os bairros
pioneiros de 43, os aprovados por Juscelino, e também aquelas que situam sobre os vales
dos córregos que desembocam na lagoa, hoje transformados em avenidas sanitárias.
O anexo XXV (substituindo o anexo VII) desta lei apresenta quadro com distinção dos usos
permitidos e proibidos para cada uma dessas áreas. Em suma, grande gama de atividades
de comércio local são permitidos para as avenidas enquanto para a orla apenas alguns usos
específicos são permitidos, como por exemplo o que artigos de bomboniere e semelhantes,
tabacarias, objetos de arte, plantas e flores, papelaria e livraria, souvenirs e artesanatos,
equipamentos para escritório e informática. corretoras de câmbio, caixas eletrônicos, bares,
cantinas, sorveterias, hotéis, produções artísticas de toda espécie, cinemas, casas de
festas, ensino de esporte, biblioteca, museus, centros culturais, dentre outros. Do contrário,
enquanto na orla são tolerados ambulantes de alimentação e bares especializados em
bebidas, esses são proibidos nas demais áreas, evidenciando que atividades de turismo
devem ficar restritas àquela área.
Para as áreas residenciais ficam permitidos padarias, laticínios, comercio de flores, livros,
jornais, sorveterias, academias, laboratórios fotográficos, atividades de artistas plásticos,
clinicas geriátricas e asilos, creche e pré-escolas somente. Ou seja, são tolerados apenas
Figura 7: Bairro São Luís (esq.) e Bairro Ouro Preto (dir). Em vermelho usos não-residenciais e tipologias diferentes da uni-familiar. Elaborado pela autora com base da PRODABEL.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
aqueles de uso estritamente dos moradores dos bairros e algumas poucas atividades de
“fundo de quintal”, desde que artísticas, restringindo ao máximo a frequência de não-
moradores excluindo também outras atividades de uso quotidiano porém um pouco mais
abrangentes tais como cabeleireiros, farmácias, papelarias, chaveiros e lavanderias.
Conclusões
O que ficou evidente na Pampulha nas últimas décadas foi um aumento significativo das
atividades tanto de lazer quanto de uso quotidiano na região podendo finalmente, depois de
seis décadas, ser independente do centro tradicional da cidade, oferencendo serviços tais
como bancos e comercio em diversos níveis de especificação, bem como escolas, clinicas
médicas, restaurantes, etc.
Enquanto isso, porém, o que se observa no interior dos bairros, onde as leis são mais
restritivas e onde os lotes grandes e mansões já não fazem mais parte da realidade sócio-
econômicas de seus herdeiros, é um triste abandono e esvaziamento. Esta situação provoca
problemas de segurança e assim, um aumento da aversão ao outro nesses bairros, quando
o que lhes falta seria justamente “os olhos da rua” como já exaustivamente defendido por
Jacobs e seus adeptos. A flexibilização e democratização dos usos na Pampulha nas
últimas décadas, resultou em movimentos que visavam retomar os parâmetros altamente
restritivos já vistos na lei de 1996. O resultado dessa luta é visto na recente candidatura - e
posterior titulação - da Pampulha junto à Unesco, recebendo seu grau máximo de proteção.
Cabe-nos agora questionar, portanto, quais os graus de proteção mais adequados à
Pampulha, que podem garantir tanto a proteção de seu patrimônio arquitetônico e paisagem
cultural estabelecida ao redor da lagoa, mas que possa também garantir a permanência dos
demais usos e públicos que lhe foram acrescidos, mesmo nas margens e nos interstícios,
mas que hoje lhe dão vida.
Observamos através das sucessões de legislações que ora restringem e ora flexibilizam,
que na Pampulha, e em Belo Horizonte, ainda é possível reconhecer as ambivalências entre
modernidade e tradição na medida em que se deseja buscar o novo mas ainda se atém ao
passado, às tradições mesmo sendo elas intrinsecamente novas elas mesmas.
A Pampulha se abre, flexibilizando os usos ao reconhecer os ganhos sociais e econômicos
e turísticos da diversidade adicionada à Pampulha ao longo das décadas. Porém, isso
aparentemente pode se tornar uma ameaça ao patrimônio, à lagoa mas, na realidade, à
homogeneidade e hegemonia estabelecidas naqueles bairros pioneiros, garantidas graças
às proteções patrimoniais em diversas instâncias.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Referência
ALVARES, L. C.; BESSA, A. S. M. O turismo como agente de transformações socioespaciais no território da Pampulha. Revista Acadêmica Observatório de Inovação do Turismo, n. 2, p. 04-05, 2010. ISSN 1980-6965.
BELO HORIZONTE, P. D. Lei nº 2662/76 - Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte 1976.
______. Lei nº7166/1996 - Parcelamento, Uso e Ocupação do solo urbano de Belo Horizonte 1996.
______. Lei nº9037/2005 - Institui o PROOPAM e Regulamenta as ADE's da Bacia da Pampulha 2005.
BELO HORIZONTE, P. M. D. Relatorio apresentado pelo prefeito Octacilio Negrao de Lima ao Governador Benedicto Valladares Ribeiro em 1935-1936. Imprensa Official do Estado. Belo Horizonte. 1937
______. Relatorio apresentado pelo prefeito Juscelino Kubitschek Oliveira ao Governador Benedicto Valladares Ribeiro. 1941
BOJUNGA, C. JK: o artista do impossível. Editora Objetiva, 2001. ISBN 8573024070.
CARSALADE, F. D. L. Pampulha. Conceito, 2007.
CASTRIOTA, L. B.; PASSOS, L. D. C. O “estilo moderno”: arquitetura em Belo Horizonte nos anos 30 e 40. Arquitetura da modernidade. Belo Horizonte: Editora da UFMG, p. 127-182, 1998.
CORBOZ, A. The land as palimpsest. Diogenes, v. 31, n. 121, p. 12-34, 1983. ISSN 0392-1921.
CORNER, J. Recovering landscape: Essays in contemporary landscape theory. Princeton Architectural Press, 1999. ISBN 1568981791.
DE ANDRADE, L. T. A Belo Horizonte dos modernistas: representações ambivalentes da cidade moderna. Editora PUC Minas, 2004.
DECKKER, Z. Q. Brazil built: the architecture of the modern movement in Brazil. Taylor & Francis, 2001. ISBN 0415231787.
FERREIRA, L. M. As várias Pampulhas no tempo e no espaço. In: PIMENTEL, T. (Ed.). Pampulha Múltipla. Belo Horizonte: AAMHAB, 2007.
LEMOS, C. B. A Cidade Republicana: Belo Horizonte, 1897-1930. In: CASTRIOTA, L. B. (Ed.). A Arquitetura da Modernidade. Belo Horizonte: IAB-MG, 1998. p.310. ISBN 85-7041-157-X.
MALZARTE. Revista Bello Horizonte. Belo Horizonte 1943.
MENEGALE, J. G. Comentário sobre a inauguração de um grande casino. . Revista Bello Horizonte. 38 1934.
PIMENTEL, T. V. C. Belo Horizonte ou o estigma da cidade moderna. Varia História, 1997.
PLAMBEL, B. H. O processo de desenvolvimento de Belo Horizonte: 1897-1970 Belo Horizonte 1979.
SALGUEIRO, H. A. Cidades capitais do século XIX: racionalidade, cosmopolitismo e transferência de modelos. EdUSP, 2001. ISBN 8531406145.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
SEGRE, R. Reflexões sobre o centenário de Belo Horizonte. as duas modernidades: de Aarão Reis a Oscar Niemeyer. Anais: Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, v. 5, n. 2, 2012.
SHANE, D. G. Heterotopias of illusion. Heterotopia and the City: Public Space in a Postcivil Society, p. 259, 2008. ISSN 0203089413.