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FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS Artigos Heron do Carmo analisa os dez anos do “Plano Real” e conclui que este plano marcou o encerramento da era da superinflação no Brasil. Carlos Antonio Luque e Tomás Anker analisam as contas públicas nacionais desde o início dos 90 e destacam as dificuldades para a redução dos gastos públicos e conseqüente aumento da poupança do setor público. Roberto Luis Troster utiliza os conceitos de políticas de processo e políticas de ordenação para fazer uma análise crítica da política monetária em três fases do Real: 1993 a 1995; 1995 a 1999 e pós 1999. Simão Silber analisa a política cambial e o comportamento do setor externo desde o Real, destacando o papel da introdução em 1999 do regime de câmbio flutuante para o ajuste externo. Rubens Nunes analisa o desempenho da agropecuária na era do Real e enfatiza que os efeitos positivos dos ajustes no sistema agroalimentar foram mais intensos entre 1994 e 1997 e resultaram em uma queda de preços relativos dos alimentos de cerca de 20%. Antonio Lanzana e Luiz Martins Lopes comentam que o desempenho da economia brasileira nos últimos dez anos foi medíocre e discutem os principais desafios que cabe superar para dar maior dinamismo à geração de produto e emprego a partir do próximo ano. Panorama Macroeconômico Segundo a carta Fipe, o País está em crescimento econômico mesmo com uma taxa real de juros de 10%!? Rodrigo Celoto descreve os resultados das finanças públicas no acumulado do ano até maio de 2004, comparativamente ao mesmo período de 2003. Roberto Troster analisa o potencial da cidade de São Paulo para se tornar um centro financeiro regional, a exemplo de Nova York, Tóquio, Londres e Hong Kong. Heron do Carmo destaca que o crescimento das exportações tem sido fundamental para a recente retomada no nível de atividade na economia do País neste ano. Manuel Enriquez Garcia comenta os principais indicadores de atividade recém- divulgados que apontam para a retomada do nível de atividade. ISSN 1234-5678 Nº 286 Julho / 2004

Panorama Macroeconômico

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Page 1: Panorama Macroeconômico

FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS

ArtigosHeron do Carmo analisa os dez anos do “Plano Real” e conclui que este plano marcou o encerramento da era da superinflação no Brasil.

Carlos Antonio Luque e Tomás Anker analisam as contas públicas nacionais desde o início dos 90 e destacam as dificuldades para a redução dos gastos públicos e conseqüente aumento da poupança do setor público.

Roberto Luis Troster utiliza os conceitos de políticas de processo e políticas de ordenação para fazer uma análise crítica da política monetária em três fases do Real: 1993 a 1995; 1995 a 1999 e pós 1999.

Simão Silber analisa a política cambial e o comportamento do setor externo desde o Real, destacando o papel da introdução em 1999 do regime de câmbio flutuante para o ajuste externo.

Rubens Nunes analisa o desempenho da agropecuária na era do Real e enfatiza que os efeitos positivos dos ajustes no sistema agroalimentar foram mais intensos entre 1994 e 1997 e resultaram em uma queda de preços relativos dos alimentos de cerca de 20%.

Antonio Lanzana e Luiz Martins Lopes comentam que o desempenho da economia brasileira nos últimos dez anos foi medíocre e discutem os principais desafios que cabe superar para dar maior dinamismo à geração de produto e emprego a partir do próximo ano.

Panorama MacroeconômicoSegundo a carta Fipe, o País está em crescimento econômico mesmo com

uma taxa real de juros de 10%!?

Rodrigo Celoto descreve os resultados das finanças públicas no acumulado do ano até maio de 2004, comparativamente ao mesmo período de 2003.

Roberto Troster analisa o potencial da cidade de São Paulo para se tornar um centro financeiro regional, a exemplo de Nova York, Tóquio, Londres e Hong Kong.

Heron do Carmo destaca que o crescimento das exportações tem sido fundamental para a recente retomada no nível de atividade na economia do País neste ano.

Manuel Enriquez Garcia comenta os principais indicadores de atividade recém- divulgados que apontam para a retomada do nível de atividade.

ISSN 1234-5678

Nº 286 Julho / 2004

Page 2: Panorama Macroeconômico

INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO

ISSN 1234-5678

CONSELHO CURADOR

Maria Cristina Cacciamali (Presidente) Carlos Antonio Luque

Carlos Roberto Azzoni Elizabeth M. M. Q. Farina

Hélio Nogueira da Cruz Simão Davi Silber

André Franco Montoro Filho

DIRETORIA

DIRETOR PRESIDENTE

José Paulo Z. Chahad

DIRETOR DE PESQUISA

Antonio Evaldo Comune

DIRETOR DE CURSOS

Antonio Carlos Coelho Campino

PÓS-GRADUAÇÃO

Simão Davi Silber

SECRETARIA EXECUTIVA

Domingos Pimentel Bortoletto

COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES - SUPERVISÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO

Eny Elza Ceotto

EDITOR CHEFE

Heron C. E. do Carmo

CONSELHO EDITORIALIvo Torres

Lenina Pomeranz Luiz Martins Lopes

José Paulo Z. Chahad Maria Cristina Cacciamali

Maria Helena Pallares Zockun Simão Davi Silber

ASSISTENTES

Maria de Jesus Soares Luis Dias Pereira

PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO

Sandra Vilas Boas

Nº 286 JULHO DE 2004

AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE

PANORAMA MACROECONÔMICO

carta Fipe .......................................................................................................................... 3

finanças públicas ............................................................................................................ 4RODRIGO RODRIGUES CELOTO

política monetária .......................................................................................................... 6ROBERTO LUIS TROSTER

setor externo .................................................................................................................... 8HERON CARLOS ESVAEL DO CARMO

nível de atividade e emprego ...................................................................................... 9MANUEL ENRIQUEZ GARCIA

ARTIGOS

11 .................................................................................................. inflação na era do RealHERON CARLOS ESVAEL DO CARMO

15 ............................................................................... a difícil solução da questão fiscalCARLOS ANTONIO LUQYE, TOMÁS ANKER

18 ............................................................................. a política monetária do Plano RealROBERTO LUIS TROSTER

23 .................................... o Plano Real, o câmbio flutuante e o ajustamento externo SIMÃO DAVI SILBER

26 ............................. dez anos depois do Plano Real, os preços reais dos alimentos permanecem 20% mais baixos

RUBENS NUNES

30 .............................................. viabilidades e desafios para aumentar o dinamismo do produto e do emprego

ANTONIO E. T. LANZANA, LUISZ MARTINS LOPES

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julho de 2004

panorama macroeconômico

carta Fipe

O Brasil está vivendo um período de boas notícias eco-nômicas. Todos os indicadores de atividade econômica nos últimos meses estão acima das expectativas. De um lado, existe uma excelente notícia, que é o fato do país estar crescendo, na margem, a uma taxa superior a 4,0%. É bom lembrar que isso não acontecia desde 2001. De outro lado, isso é uma má notícia. Como assim? Isto é, o país já está crescendo de modo expressivo mesmo com uma taxa real de juros da ordem de 10%!

O nó desse aparente paradoxo é fiscal. Crescer, mesmo com uma taxa real de juros tão alta, é uma má notícia, pois ao constranger o Banco Central em reduzir a taxa básica de juros, impede-se um declínio do estratégico indicador dívida/PIB para um dado superávit primário de 4,25% do PIB. Vejamos o seguinte: com um superá-vit primário de 4,25%, mantido o atual nível de juros reais de 10% e crescimento de 3,5% neste ano, a relação dívida/PIB ficará constante.

A novidade da atual recuperação econômica, ao con-trário das anteriores, é que uma de suas fontes é o setor externo, através do elevado saldo comercial. Este, até junho, já era de US$ 15 bilhões. Já se estima um valor de exportação de US$ 90 bilhões em 2004. Esse exce-lente desempenho apresenta um duplo aspecto: se ele é muito bom do ponto de vista do necessário ajuste externo, ele resulta em menor espaço para o crescimen-to da absorção interna, para um dado crescimento do produto potencial.

Entretanto, a absorção interna já está em franca expan-são. Os dados do IBGE para o mês de maio indicam um aumento de 10% no volume de comércio relativa-mente a maio de 2003. Nos primeiros cinco meses do

ano o crescimento comercial foi de 8,0%. Quanto ao emprego, em junho ele foi 3,4% superior ao de junho de 2003, enquanto a PEA cresceu 1,8%. Com isso, a taxa de desemprego em junho foi de 11,7% contra 13,0% em junho de 2003. Isto é, o mercado de trabalho já apre-senta números favoráveis. Seria muito importante que essa recuperação do mercado de trabalho continuasse a frente, mas de modo sustentável.

Quanto ao investimento, ele também apresenta expan-são de acordo com os dados de produção de bens de capital. Isso, a despeito do crescimento das exportações de bens de capital. O investimento precisará continuar crescendo e a taxas mais elevadas. Ele vem crescendo a taxas superiores ao PIB desde o terceiro trimestre de 2003. Em maio, o crescimento dessazonalizado da produção de bens de capital foi de 3,7% contra 2,2% da média da produção industrial. Em relação a junho de 2003, a produção brasileira de bens de capital cresceu 26,0% contra 8,2% da média da produção industrial.

Portanto, o que temos delineado é uma forte recupera-ção da despesa agregada neste ano de 2004. A novidade e a boa notícia é que os investimentos e o setor externo são grandes contribuintes para essa recuperação. Exis-tem nuvens no horizonte? Sim, principalmente nos lados da economia norte-americana e dos preços de commodities (soja, por exemplo). No entanto, o con-sumo interno já está em processo de recuperação. Essa recuperação do consumo vai limitar a continuidade do afrouxamento da política monetária nos próximos me-ses e a conseqüente queda dos juros reais. O problema brasileiro é paradoxal, pois o país cresce com taxas reais de juros de 10% ao ano! Até quando?

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janeiro-maio 2003 2004 % 04/03Receita Total 148.472 167.688 12,9%Receitas do Tesouro 118.917 132.667 11,6%Receita da Previdência 29.182 34.575 18,5%Transferências 27.857 28.666 2,9%Receita Líquida 120.615 139.023 15,3%Despesa Total 92.086 109.687 19,1% Pessoal e encargos 30.638 33.047 7,9% Benefícios previdenciários 36.910 44.806 21,4% Custeio e Capital 23.891 31.093 30,1%

Transferências ao Banco Central 199 229 14,8%Despesas do Banco Central 447 513 14,6%

Resultado Primário Gov. Central 28.529 29.336 2,8% Tesouro Nacional 36.331 39.633 9,1% Previdência Social (7.728) (10.231) 32,4%

Banco Central (74) (67) -10,2%Resultado Primário Governo/PIB 4,80% 4,50% -6,3%

RODRIGO RODRIGUES CELOTO (*)

finanças públicas

Acumulado de Janeiro a Maio de 2004

a) Tesouro Nacional

A Receita total do Tesouro Nacional cresceu de 12,9% nos primeiros cinco meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado, saltando de R$ 148,4 bilhões nos primeiros cinco meses de 2003 para R$ 167,7 bilhões no mesmo período de 2004. A receita do Tesouro foi de R$ 132,7 bilhões contra R$ 118,9 bilhões no mesmo período do ano passado, um crescimento de 11,6%, sendo que as receitas da Previdência cres-ceram 18,5%, saltando de R$ 29,2 bilhões para R$ 34,5 bilhões.

As transferências passaram de R$ 27,9 bilhões nos primeiros cinco meses do ano passado para R$ 28,7 bilhões no mesmo período do ano em curso, um crescimento de 2,9%. A receita líquida apresentou um crescimento de 15,3%.

A despesa total cresceu 19,1% nos primeiros cinco meses do ano contra igual período do ano passado, saltando de R$ 92,1 bilhões para R$ 109,7 bilhões. As despesas com Pessoal e Encargos sociais foram de R$ 33 bilhões no período, as despesas com benefícios previ-denciários foram de R$ 44,8 bilhões e as despesas com custeio e capital foram de R$ 31,1 bilhões. Os três itens de despesa acima apresentaram, respectivamente, um crescimento de 7,9%, 21,4% e 30,1%.

O Resultado Primário do Governo Central ficou em R$ 29,3 bilhões (4,5% do PIB) contra R$ 28,5 bilhões (4,8% do PIB) no mesmo período de 2003, sendo R$ 39,6 bilhões o superávit do Tesouro Nacional, R$ 10,2 bilhões o déficit da Previdência Social e o R$ 67 milhões o déficit do Banco Central.

Fonte: STN.

b) Necessidade de Financiamento do Setor Público

O superávit primário dos primeiros cinco meses do ano foi de R$ 38,3 bilhões (5,87% do PIB) contra R$ 37 bilhões (6,22% do PIB) no mesmo período do ano passado.

O governo central diminuiu seu superávit de R$ 28,45 bilhões (4,79% do PIB) para R$ 30,23 bilhões (4,63% do PIB). Os governos regionais obtiveram um superávit de R$ 8,5 bilhões (1,3% do PIB) nos cinco primeiros meses do ano contra R$ 7,9 bilhões (1,33% do PIB) no mesmo período do ano passado. As estatais saíram de um superávit primário de R$ 0,6 bilhões (0,11% do PIB) para um déficit de R$ 0,5 bilhões (0,07% do PIB).

Os juros nominais de janeiro a maio totalizaram R$ 52 bilhões (7,96% do PIB) contra R$ 65,3 bilhões (11%

tabela 1 - resultado do tesouro nacional - R$ milhões

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R$ milhões Correntes % PIB

2003 2004 2003 2004 Discriminação Jan-Mai Ano Jan-Mai Jan-Mai Ano Jan-Mai

Nominal 28 332 79 032 13 674 4,77 5,22 2,10 Governo central 12 118 62 153 1 129 2,04 4,10 0,17 Governo federal1/ 11 640 74 065 2 945 1,96 4,89 0,45 Bacen 478 -11 912 -1 816 0,08 -0,79 -0,28 Governos regionais 15 706 27 002 13 035 2,64 1,78 2,00 Governos estaduais 13 085 22 936 10 799 2,20 1,51 1,66 Governos municipais 2 621 4 067 2 237 0,44 0,27 0,34 Empresas estatais 508 -10 123 - 491 0,09 -0,67 -0,08 Empresas estatais federais 2 122 -7 834 - 766 0,36 -0,52 -0,12 Empresas estatais estaduais -1 525 -2 311 216 -0,26 -0,15 0,03 Empresas estatais municipais - 89 21 59 -0,02 0,00 0,01 Juros nominais 65 312 145 205 51 942 10,99 9,58 7,96 Governo central 40 568 100 896 31 361 6,83 6,66 4,81 Governo federal1/ 40 164 113 003 33 244 6,76 7,46 5,10 Bacen 404 -12 107 -1 882 0,07 -0,80 -0,29 Governos regionais 23 596 40 824 21 536 3,97 2,69 3,30 Governos estaduais 20 226 34 851 18 437 3,40 2,30 2,83 Governos municipais 3 370 5 973 3 099 0,57 0,39 0,48 Empresas estatais 1 148 3 484 - 956 0,19 0,23 -0,15 Empresas estatais federais 1 254 1 763 -2 500 0,21 0,12 -0,38 Empresas estatais estaduais - 191 1 482 1 448 -0,03 0,10 0,22 Empresas estatais municipais 85 239 95 0,01 0,02 0,01 Primário -36 980 -66 173 -38 268 -6,22 -4,37 -5,87 Governo central -28 450 -38 744 -30 232 -4,79 -2,56 -4,63 Governo federal -36 252 -65 343 -40 530 -6,10 -4,31 -6,21 Bacen 74 195 67 0,01 0,01 0,01 INSS 7 728 26 405 10 231 1,30 1,74 1,57 Governos regionais -7 890 -13 821 -8 501 -1,33 -0,91 -1,30 Governos estaduais -7 141 -11 916 -7 638 -1,20 -0,79 -1,17 Governos municipais - 749 -1 906 - 863 -0,13 -0,13 -0,13 Empresas estatais - 640 -13 608 466 -0,11 -0,90 0,07 Empresas estatais federais 868 -9 597 1 733 0,15 -0,63 0,27 Empresas estatais estaduais -1 334 -3 793 -1 232 -0,22 -0,25 -0,19 Empresas estatais municipais -174 -217 -36 -0,03 -0,01 -0,01

Fonte: BCB.Notas: 1 - Inclui o INSS. (+) déficit (-) superávit.

tabela 2 - necessidades de financiamento do setor público

do PIB) no mesmo período de 2003. Os gastos com juros do governo central caíram de 6,76% do PIB nos primeiros cinco meses do ano passado para 5,10% do PIB no mesmo período de 2004. As estatais reduziram seus gastos com juros de 0,19% do PIB para -0,15% do PIB e os governos regionais também diminuíram seus gastos com juros de 3,97% do PIB para 3,3% do PIB.

O resultado nominal decorrente do desempenho apre-sentado acima foi de R$ 13,7 bilhões (2,1% do PIB) de

déficit contra um déficit de R$ 28,3 bilhões (4,77 % do PIB) no mesmo período de 2003. O governo central fechou esses cinco primeiros do ano com um déficit nominal de 0,17% do PIB, os governos regionais com um déficit de R$ 2% do PIB e as empresas estatais com um superávit de 0,08% do PIB.

(*) Economista – Participante do Grupo de Conjuntura da FIPE.

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O setor financeiro mundial está vivendo um processo de consolidação e se concentrando espacialmente em algumas cidades como Nova York e Chicago, na América do Norte, Hong Kong e Tóquio, na Ásia, e Frankfurt e Londres, na Europa. A proximidade de empresas do mesmo setor gera complementaridades e apresenta benefícios nos relacionamentos entre as instituições, na contratação de mão-de-obra e na compra de insumos, além, é claro, de criar vantagens para o país-sede.

A conglomeração em uma localidade causa um proces-so que se auto-alimenta, atraindo mais empresas e for-necedores que querem usufruir suas externalidades. Um exemplo foi a concentração da indústria automo-bilística no ABC paulista, outro, o pólo petroquímico de Camaçari. Em ambos os casos o investimento na região aumentou, gerando novas oportunidades e expandindo os horizontes.

Na América Latina, São Paulo apresenta um potencial como centro financeiro regional. Está bem localizado, dispõe de uma infra-estrutura conveniente: aeropor-tos, hotéis, telefonia etc. e concentra a atividade finan-ceira brasileira. A quase totalidade dos bancos privados nacionais e outras instituições complementares – a Bovespa, a BM&F, as clearings de ativos e câmbio e a Câmara Interbancária de Pagamentos – têm sua sede na capital paulistana.

O sistema de pagamentos brasileiro é um dos mais sofisticados e eficientes do mundo. Ilustrando o ponto, uma TED entre São Paulo e Santarém permite transferir recursos em poucos minutos e, apesar de sua complexidade – envolve tecnologia avançada, criptografia, transporte, segurança, estrutura física, câmaras de compensação, mão-de-obra qualificada etc. – custa em média R$ 11,27 Reais.

ROBERTO LUIS TROSTER (*)

política monetária

Nos Estados Unidos, a mesma operação custa o equivalente a R$ 45,00. Uma operação semelhante no Brasil seria o envio de um pacote de até 1 Kg entre as mesmas duas cidades. Essa encomenda custa e demora respectivamente R$ 79,00 e dois dias pelo Sedex, R$ 40 e três dias pela Varig Log Normal, R$ 105,00 e um dia pela Varig Log Primeiro Vôo, e R$ 192,16 e quatro dias pela DHL. Os números são contundentes.

O setor bancário nacional é sofisticado e, diferente-mente aos de outros países, evoluiu num ambiente econômico turbulento, com inflação galopante e volatilidade macroeconômica elevada, e conseguiu conceder crédito, rolar a dívida pública, preservar a poupança nacional e desenvolver sistemas de paga-mentos, bolsas de negociação, derivativos financeiros e câmaras de compensação e liquidação eficientes e seguras.

São Paulo tem também algumas desvantagens. O qua-dro institucional onde está inserido é, em alguns as-pectos, obsoleto. A dificuldade em executar contratos, uma estrutura normativa defasada, uma indefinição na competência concorrente de órgãos subnacionais, a morosidade e politização das decisões do judiciário, algumas decisões descasando moedas, o abuso de expedientes protelatórios e o excesso de formalismo criam custos desnecessários para a intermediação financeira local.

A maior desvantagem é o nosso sistema tributário. Impostos sobre operações em bolsa de valores deslo-caram operações e empregos da Bovespa e do resto do mercado de capitais para o exterior. No setor bancário, os depósitos compulsórios – os mais altos do mundo – e FGC, CPMF, PIS, Cofins, IOF, e IRF encarecem o crédito e inviabilizam sua expansão sustentada. A re-lação crédito/PIB do Brasil é baixa quando comparada

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julho de 2004com outros países, e muito baixa se levarmos em conta seu potencial de desenvolvimento.

A soma dos prós e contras faz com que São Paulo seja a matriz de decisões de algumas instituições ou linhas de produtos financeiros para a América do Sul, mas não de todas. Entretanto, não é algo definitivo. A América Latina está mudando a passo acelerado e as multinacionais estão ajustando com freqüência suas estruturas organizacionais para a adequação mais conveniente às mudanças.

Outros países têm aspirações de desenvolver centros financeiros em seu próprio território e estão tomando atitudes para se tornarem centros regionais. Estão adotando políticas pró-ativas com esse objetivo: mo-dernizando seu quadro regulatório, racionalizando os procedimentos legais, aumentando a previsibili-dade de conflitos judiciais, criando condições para acelerar as decisões dos tribunais, eliminando os depósitos compulsórios, racionalizando a tributação, adequando a legislação trabalhista e investindo em infra-estrutura.

Uma política nacional adequada pode aumentar prós e eliminar contras de São Paulo. Com isso seriam ge-rados mais empregos e atraídos outros investimentos para o Brasil. A adoção de uma política para moder-nizar o ambiente legal e tributário do setor financeiro serviria para atrair mais empresas de outros setores, bem como para expandir o crédito internamente.

É uma oportunidade. São Paulo pode ser um futuro centro financeiro regional ou um futuro do pretérito.

(*) Fipe, Febraban e PUC/SP.

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Contrariando as expectativas de que com o aumento da atividade econômica interna o saldo comercial tenderia a apresentar redução, o superávit comercial em junho atingiu o nível recorde de US$ 3,8 bilhões. Este valor representou um aumento de 44,7% em relação ao valor de junho do ano passado e de cerca de 22% comparativamente ao recorde de maio deste ano (US$ 3,1 bilhões). Essa sucessão de resultados favoráveis indica que vem ocorrendo uma mudança estrutural no comércio exterior do País, cujos efeitos vêm se desdobrando para outras áreas da economia interna e ampliando as possibilidades de crescimento sustentado com taxas gradualmente mais reduzidas de inflação.

Encerrado o primeiro semestre deste ano, o superávit comercial já alcança US$ 15 bilhões, ou seja, um incre-mento de cerca de 45% sobre o número do primeiro semestre do ano passado. Isto, apesar do aumento do preço do petróleo, da incerteza que afetou os mercados financeiros ao redor do mundo, só atenuada com a decisão da autoridade monetária americana de elevar a taxa de juros americana em 0,25% e de sinalizar que o aumento dos juros se dará de modo gradual, e das recentes pendências comerciais com importantes par-ceiros como a China e a Argentina.

É importante destacar que tanto as exportações como as importações cresceram a taxas mais elevadas que o agregado do comércio internacional, apesar do expressivo crescimento deste – aproximadamente 16% ao ano. Nos primeiros seis meses de 2004, as ex-portações alcançaram US$ 43,3 bilhões, valor cerca de 29% superior ao do mesmo período do ano passado. O dinamismo das exportações não tem se limitado aos produtos básicos, mas é extensivo aos manufaturados, principal item da pauta, com crescimento previsto de 28% para este ano.

Por sua vez, as importações também evoluíram em ritmo forte, tendo atingido US$ 28,3 bilhões, com ganho de 23,0% sobre o período janeiro a junho de 2003. Na pauta de importações têm apresentado importância crescente as compras de matérias-primas (+26,7% no

semestre) e de bens de capital, com crescimento de cerca de 14,1% em relação aos seis primeiros meses de 2003. O aumento das importações de matérias-primas está associado ao aumento da atividade econômica no mercado interno, enquanto o aumento das importações de bens de capital, após a queda expressiva ocorrida no primeiro semestre do ano passado, indica que a taxa de investimento deve estar crescendo neste ano.

Em termos acumulados, para os últimos doze meses, as exportações e importações atingiram US$ 83,4 bilhões e US$ 53,9 bilhões, respectivamente, ou seja, um saldo de US$ 29,5 bilhões. Em vista disto, a perspectiva para o ano é de que as exportações atinjam cerca de US$ 90 bilhões e as importações alcancem cerca de US$ 60 bilhões, com isto o saldo da balança comercial chegaria a cerca de US$ 30 bilhões.

O superávit comercial será fundamental para a obten-ção de um superávit na conta de transações correntes, que deverá chegar a cerca de US$ 6 bilhões, e assim contribuir para reduzir a vulnerabilidade externa do País. Além disso, o aumento significativo no fluxo de comércio externo, previsto para US$ 150 bilhões, melhorará vários indicadores que influenciam o risco País, como é o caso da relação dívida/exportações e o nível de reservas cambiais.

O desempenho das exportações tem sido fundamental para a recente retomada do nível de atividade e, con-seqüentemente, na oferta de empregos no mercado formal, reduzindo o potencial de tensões sociais. Por outro lado, o aumento das importações de bens de ca-pital sinaliza que o setor produtivo, apesar dos gargalos de infra-estrutura, deverá aumentar os investimentos visando assegurar sua participação no mercado externo e atender a uma demanda interna crescente. Devido às restrições fiscais, que têm limitado tanto os inves-timentos públicos como os privados, o dinamismo da economia brasileira ainda depende fundamentalmente do crescimento das exportações.

(*) Professor da FEA-USP.

HERON CARLOS ESVAEL DO CARMO (*)

setor externo

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julho de 2004

Segundo informações do IBGE, o PIB - Produto Interno Bruto cresceu, em termos físicos, 1,6% na comparação entre o primeiro trimestre de 2004 com o último trimestre de 2003 e 0,0% quando se comparam os últimos quatro trimestres com os quatro imediata-mente anteriores.

Já na comparação do primeiro trimestre de 2004 com igual período de 2003, o crescimento do PIB, em ter-mos reais, ou seja, descontada a inflação, foi de +2,7%. Essa variação positiva na produção física foi resultante do desempenho do setor Agropecuário (+3,3%), da Indústria (+1,7%) e dos Serviços (+0,4%).

O crescimento observado no setor Agropecuário (+3,3%) foi favorecido pelo desempenho positivo de alguns produtos cuja colheita é relevante no pri-meiro trimestre do ano, como é o caso do arroz e da soja. Na atividade industrial, o subsetor que mais se destacou foi o da Indústria de Transformação, com variação positiva de +6,0%, alavancado pelo incre-mento da produção de máquinas e equipamentos, e de automóveis. No setor Serviços, dos sete subsetores, cinco apresentaram incrementos positivos, dentre os quais destacam-se Transporte (+7,4%) e o Comér-cio (+5,1%), enquanto que Comunicações (-1,9%) e Outros Serviços (-2,1%) foram os que registraram variações negativas.

A oferta global de bens e serviços – o PIB, a preços de mercado – totalizou, no primeiro trimestre de 2004, o valor de R$ 387,7 bilhões, sendo que deste total R$ 344,3 bilhões referem-se ao Valor Adicionado a preços básicos e R$ 43,5 bilhões a impostos sobre produtos.

Sob a ótica da demanda, no primeiro trimestre de 2004 em face de igual período de 2003, o Consumo das Famílias apresentou incremento positivo de +1,2%; a Formação Bruta de Capital Fixo registrou variação

positiva de +2,2%, enquanto que o Consumo do Go-verno experimentou crescimento positivo de +1,5%. Já as exportações de Bens e Serviços cresceram +19,3%, enquanto que as importações registraram um expres-sivo crescimento (+11,7%).

O Consumo das Famílias no primeiro trimestre de 2004 situou-se em R$ 221,6 bilhões, o Consumo do Governo em R$ 64,7 bilhões e a Formação Bruta de Capital Fixo totalizou R$ 74,8 bilhões. Nesse mesmo período, as exportações representaram a soma de R$ 65,2 bilhões e as importações totalizaram R$ 49,8 bilhões, ou seja, houve um superávit na balança co-mercial de R$ 15,5 bilhões. Por sua vez, a variação de estoques, nesse mesmo período de tempo, situou-se em R$ 11,2 bilhões.

Por outro lado, a Renda Disponível Bruta no primeiro trimestre de 2004 atingiu o valor de R$ 376,9 bilhões contra R$ 339,1 bilhões em igual trimestre de 2003; desse total, a Despesa para Consumo Final represen-tou R$ 286,3 bilhões no primeiro trimestre de 2004 contra R$ 265,4 bilhões observados em igual período de 2003; por seu lado, a Poupança Bruta, isto é, a renda que não foi gasta em consumo, alcançou a soma de R$ 90,6 bilhões no primeiro trimestre de 2004 contra R$ 73,7 bilhões em igual período do ano anterior. À Poupança interna agregou-se a poupança externa, sob a forma de Investimento Estrangeiro Direto, que atingiu a soma de R$ 7,9 bilhões contra R$ 6,9 bilhões registrados em igual trimestre de 2003.

Dados pontuais, coletados tanto pelo IBGE quanto pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), têm corroborado o quadro de recuperação da economia brasileira. Segundo informações do IBGE, referentes ao mês de maio, a Indústria experimentou um incre-mento positivo de +2,2% ante o mês imediatamente anterior, atingindo, desse modo, o maior patamar de

MANUEL ENRIQUEZ GARCIA (*)

nível de atividade e emprego

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produção já registrado pela Pesquisa Industrial Mensal, iniciada em 1991. Essa mesma fonte de dados revela que, relativamente a maio de 2003, a Indústria cresceu +7,8% (a nona taxa positiva seguida), influenciada pela baixa base de comparação do ano passado.

Segundo a CNI, o setor industrial atingiu em maio de 2004 o nível de utilização da capacidade instalada de 81,6%, na série com ajuste sazonal, e de 82,5%, na série original, o maior nível alcançado desde o ano de 1992, ano de início da pesquisa pela CNI - Confederação Nacional da Indústria. Todavia, muitos setores ainda registram níveis altos de ociosidade, caso do setor de veículos automotores, com ociosidade de 40%, e o de Alimentos, onde se registra um nível de utilização da capacidade instalada de 69%.

O crescimento observado pelo IBGE na produção industrial, na passagem de abril/04 para maio/04, foi fruto da expansão registrada em todas as categorias de uso: Bens de Capital (+3,7%), Bens Intermediários (+1,7%), Bens de Consumo Duráveis (+3,2%) e Bens de Consumo Semi e não Duráveis (+1,7%).

Nesses dados, merece destaque o crescimento positivo observado pelo setor de Bens de Consumo Semi e não Duráveis. Ao que tudo indica, o efeito multiplicador do setor exportador está se espalhando por outros setores da economia, atingindo setores tipicamente voltados para o consumo doméstico, como é o caso de Calçados e Couros (+8%), Farmacêutica (+4,1%), Têxtil (+2,6%) e Vestuário (+0,9%).

Informações da CNI, por sua vez, dizem que as vendas reais da Indústria de Transformação cresceram 7,11%, em maio de 2004 ante o mês imediatamente anterior; 20,33% em relação a igual mês do ano anterior e acu-

mulam incrementos positivos de 14,67% de janeiro a maio de 2004. Quanto ao emprego, os dados da Indústria revelam que ocorreu crescimento positivo de +0,9% na passagem de abril/04 para maio/04; de +1,58% ante igual mês do ano anterior e de +0,67 no acumulado de janeiro a maio de 2004.

A massa salarial, com base nas informações coletadas pela CNI, também mostra sinais de recuperação, com incremento positivo de +1,19% na passagem de abril/04 para maio/04 e de +7,46% nos cinco primeiros meses de 2004. A CNI informa que, comparativamente a maio de 2003, o valor real de salários líquidos pagos foi +8,71% maior. Quanto ao total de horas trabalha-das, os dados registraram, em maio/04, um crescimento de 4,16% ante abril/04; um incremento positivo de +8,71% em face de igual mês do ano anterior; e uma variação positiva de +7,46% de janeiro a maio deste ano de 2004.

(*) Professor da FEA-USP.

Os artigos do Panorama Macroeconômico foram escritos entre 30 de junho a 21 de julho de 2004.

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julho de 2004

artigos

HERON CARLOS ESVAEL DO CARMO (*)

inflação na era do Real

O aspecto considerado pela maioria dos economistas como mais relevante do Plano Real foi o referente ao conjunto de medidas com a finalidade de preparar a desindexação da economia introduzidas em fevereiro de 2004. Entre essas medidas a mais importante foi a URV-Unidade de Referência de Valor, que assumiria a função de unidade de conta da nova moeda a ser criada futuramente. Os preços em geral passaram a ser expressos em cruzeiros reais e em URVs, sendo a URV reajustada diariamente de acordo com o com-portamento previsto dos principais indicadores de inflação.

Devido à complexidade do sistema de indexação de contratos, foi necessária uma preparação anterior à implantação da URV, seguida de um período poste-rior de acomodação da sociedade brasileira. Apesar disto, restaram alguns problemas, principalmente no mercado de locação imobiliária, cujas regras de reajuste foram mantidas mesmo depois da URV. Em síntese, a URV permitia sincronizar as variações de preços, sendo que os acertos de preços relativos, à medida que contribuíam para acelerar a inflação em cruzeiro real, se refletiriam em uma inflação em URV, que deveria ser controlada pelos instrumentos de política econômica.

Além dos problemas apontados, quando da trans-formação da URV em Real a inflação na nova moeda

poderia ser afetada por um efeito similar a um choque de demanda, devido à brusca redução do imposto in-flacionário, e a um efeito similar a um choque de oferta pela tendência à aproximação para cima dos preços de produtos e serviços convertidos de cruzeiros reais para reais. No entanto, com a consolidação do plano de estabilização a expectativa era de convergência da inflação em 12 meses para um dígito. Isto veio a ocorrer em janeiro de 1997, como mostra o Gráfico 1.

gráfico 1 - IPC-FIPE: variações anuais e trimestrais

No Gráfico 1 é possível identificar duas fases no com-portamento da inflação: até dezembro de 1998 e após janeiro de 1999. Na primeira fase, a inflação mostrou nítida tendência de queda, passando do patamar de variação de 7,5% ao trimestre e 32,3% em doze meses, tomando como referência posterior junho de 1995, para –0,54% e –1,79%, respectivamente, quan-do dezembro de 1998 é tomado como referência de

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encerramento do período. Após a reforma cambial de janeiro de 1999, a inflação em doze meses, exceto no período em torno da última eleição presidencial, a inflação se manteve entre 4% e 9% em bases anuais e entre 0,5% e 4,0% em bases trimestrais. No período em torno da última eleição presidencial houve forte aumento da inflação, o IPC-FIPE chegou a atingir variações acumuladas de 6,82%, no trimestre nov02 a jan03, e de 14,74%, no período jun02 a mai03. Uma vez superada a fase mais aguda de incerteza acerca do novo governo, a inflação voltou a recuar, tendendo a se situar no patamar entre 4% e 7%.

Em termos gerais, chama atenção o fato de que apesar dos choques de várias ordens que afetaram a economia brasileira no período do Real, a inflação se manteve sob controle. Já no début do Real, a crise mexicana tornou necessária a adoção de medidas bastante restritivas que frearam o crescimento. A partir de 1997, em quase todos os anos a economia brasileira vem sendo afetada por choques, a maioria deles de origem externa: crise da Ásia em 1997; crise da Rússia em 1998; choque de preços do petróleo em 1999; crise da Argentina em 2000, que se aliou, após setembro de 2001, às incertezas geradas pelos ataques terroristas aos EUA em 2001 e à desva-lorização do dólar e aumento no preço de commodities, principalmente Petróleo, nos últimos anos. No plano interno merecem destaque a adoção do racionamento de energia em 2001 e as incertezas associadas às eleições e ao novo governo em 2002 e 2003.

Até 1998, os efeitos das crises eram acomodados pelas autoridades econômicas com medidas de restrição ao crédito, ampliação da carga tributária, não necessaria-mente acompanhada de controle nos gastos públicos, e aumento da taxa básica de juros, enquanto a taxa de câmbio era mantida sob controle. Após a mudança no regime cambial de janeiro de 1999, as crises se refleti-ram, principalmente, em mudanças na taxa de câm-bio. É de reconhecimento, praticamente geral entre os analistas da economia brasileira, que o arcabouço institucional que vem norteando a política econômica desde 1999 é mais consistente que o anterior. Ou seja,

a combinação câmbio flexível com o estabelecimento de metas de inflação, aliado ao aumento do superávit fiscal primário, tudo indica, tem permitido acomodar com menor custo social os choques tanto de origem externa como interna.

O efeito desses vários choques pode ser analisado com base em séries desagregadas do IPC-FIPE, em que os agregados foram escolhidos segundo duas alternativas: de acordo com o processo produtivo e por categoria de uso, que é classificação tradicional-mente adotada em IPCs. Adotando como critério de classificação o processo produtivo, em que ficam mais evidentes os efeitos de choques de oferta sobre a traje-tória de inflação, os itens que compõem o índice foram agrupados em duas categorias principais: Produtos e Serviços. Desde a última revisão da metodologia do IPC-FIPE, realizada em dezembro de 1999, o agregado de Produtos tem peso de cerca de 51% e o de Serviços de aproximadamente 49%. Esses agregados foram subdivididos em subgrupos, sendo apresentados na Tabela 1 os de maior interesse para a análise das pressões inflacionárias. Na Tabela 2 são mostrados os índices segundo o critério padrão de categoria de uso em que artigos e serviços com processos de formação de preços às vezes muito distintos podem ser incluídos em um mesmo item, subgrupo ou grupo.

Uma primeira evidência que pode ser obtida na Tabela 1 diz respeito ao fato de que o indicador do Núcleo do IPC-FIPE convergiu para taxas em torno de 2% a partir do terceiro ano após a mudança de moeda para o Real, manteve-se nesse patamar até a desvalorização cambial de 99, quando passou a oscilar em torno do patamar de 5%, tendo se desviado significativamente desse nível somente no período em torno da última eleição presidencial. Com relação aos dois grandes agregados de Produtos e Serviços, observa-se que apesar dos choques cambiais, de preços de commodities e em especial de preço do petróleo, o conjunto dos Pro-dutos no IPC-FIPE, e provavelmente em outros IPCs, acumulou em dez anos de vigência do Real variação inferior à do agregado de Serviços.

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julho de 2004tabela 1 - taxas anuais de variação do IPC-FIPE e de agregados desde o Plano Real

JUL/94 JUL/95 JUL/96 JUL/97 JUL/98 JUL/99 JUL/00 JUL/01 JUL/02 JUL/03 JUL/94 JUN/95 JUN/96 JUN/97 JUN/98 JUN/99 JUN/00 JUN/01 JUN/02 JUN/03 JUN/04 JUN/04

ÍNDICE GERAL 32,31 17,84 7,08 1,87 -0,50 6,90 6,23 5,75 14,22 5,59 145,09NÚCLEO 27,82 12,95 1,35 -1,29 2,19 2,66 3,60 5,24 11,90 5,02 94,17PRODUTOS 19,20 8,06 2,84 0,34 -1,88 6,70 5,98 5,31 17,23 4,23 89,79COMBUSTÍVEIS -2,80 26,91 15,53 1,18 -3,94 48,41 26,73 7,07 18,48 -3,68 218,35SERVIÇOS 57,34 37,25 15,05 4,94 2,33 6,63 6,45 6,18 10,99 6,82 281,25SERV. PUB E TAXAS 15,47 33,82 19,57 7,54 4,81 12,40 10,67 8,71 16,40 8,41 255,35

Para analisar com mais detalhe a tendência de preços dos Serviços é interessante recorrer, em complemento às informações da Tabela 1, aos dados da Tabela 2, que mostra, para os mesmos períodos, as variações dos principais itens do IPC-FIPE classificados na forma padrão por categorias de uso. No primeiro ano pós-Real, a principal fonte de pressão foram itens de ser-viços, com destaque para: Aluguel (209,99%); Serviços

Domésticos (74,58%); Serviços Pessoais (112,03%) e Serviços Médicos (61,87%). No caso do Aluguel, cujos preços foram praticamente multiplicados por 5 vezes em dois anos, aos efeitos gerais da mudança de moeda foram acrescentados os efeitos da mudança na “Lei do Inquilinato” promovida na fase de preparação do “Plano Real”, que só se tornou efetiva com a estabili-zação monetária.

tabela 2 - evolução anual do IPC-FIPE por grupos e principais itens desde o Plano Real (em %)

GRUPOS E ITENS JUL/94 JUL/95 JUL/96 JUL/97 JUL/98 JUL/99 JUL/00 JUL/01 JUL/02 JUL/03 JUL/94JUN/95 JUN/96 JUN/97 JUN/98 JUN/99 JUN/00 JUN/01 JUN/02 JUN/03 JUN/04 JUN/04

ÍNDICE GERAL 32,31 17,84 7,08 1,87 -0,50 6,90 6,23 5,75 14,22 5,59 145,09HABITAÇÃO 58,09 34,56 12,34 2,19 1,19 6,68 4,20 6,52 9,48 6,19 240,19SERV DE UTIL PÚB 5,81 36,49 22,11 4,98 2,66 15,18 9,23 16,20 15,38 10,88 255,48SERV DOM. E CONS 74,58 27,13 9,23 7,70 3,93 8,31 5,25 7,68 11,79 8,07 302,41ARTIGOS DE LIMPEZA 8,29 13,18 4,22 1,14 7,87 6,36 2,85 8,03 22,82 -2,14 97,95ALUGUEL 209,99 78,77 20,09 1,49 -3,01 -2,35 -0,16 -0,49 0,70 0,63 543,99MOBILIÁRIO E DECOR 56,33 5,02 2,96 -4,21 6,56 2,37 5,05 7,78 11,85 11,08 148,47APAR DE IMAG E SOM 17,36 -9,39 -12,14 -8,97 0,49 1,10 -0,46 5,08 3,40 -6,97 -13,06EQUIP. ELETROELET 33,20 5,23 -5,21 0,14 -0,12 3,41 0,79 4,64 15,61 5,37 76,56ALIMENTAÇÃO 24,20 9,16 2,73 3,61 -3,31 4,25 6,08 3,77 23,04 4,01 104,90INDUSTRIALIZADOS 7,89 12,72 -1,23 -0,21 -1,31 4,41 2,37 3,96 29,94 0,87 72,29SEMI-ELABORADOS 9,79 11,35 6,87 10,76 -2,21 6,31 10,15 3,33 26,00 3,69 123,69PRODUTOS IN NATURA 95,72 -2,89 3,93 -2,88 -11,53 -2,12 9,98 2,86 8,72 8,77 122,25TRANSPORTES 17,65 22,01 14,03 4,41 3,90 19,01 16,23 5,65 16,15 5,35 217,55MANUT DO VEÍCULO 10,89 20,22 12,11 0,88 -0,92 30,72 18,17 7,49 17,94 1,41 196,68AQUIS DE VEÍCULO 4,01 -5,51 5,74 -5,99 -0,42 11,11 14,89 6,94 7,15 12,71 60,37TRANSP COLETIVOS 32,01 32,28 19,02 12,49 12,58 3,14 15,82 2,73 21,35 1,67 298,51DESPESAS PESSOAIS 22,79 16,44 2,10 -1,05 0,98 3,60 2,75 7,14 13,93 6,01 100,90FUMO E BEBIDAS 21,96 19,97 0,40 -1,75 -0,61 0,43 3,28 8,95 16,92 9,01 106,61RECR E CULTURA 18,08 16,44 5,34 0,83 0,96 9,94 3,20 9,03 12,34 4,66 114,44ART DE HIG E BELEZA 7,36 10,59 -2,01 -3,93 3,38 4,46 1,08 4,55 15,76 0,44 48,32SERVIÇOS PESSOAIS 112,03 15,38 1,38 -2,04 0,53 -1,41 0,19 1,47 6,76 5,64 176,07SAÚDE 41,13 24,52 14,02 4,24 4,00 4,11 4,69 5,67 11,89 7,62 201,26CONT DE ASSIST MÉD 37,71 35,48 19,21 11,88 5,90 6,06 8,99 5,88 9,25 8,24 281,38SERVIÇOS MÉDICOS 61,87 29,05 11,60 4,09 0,40 3,68 5,71 4,40 12,00 7,18 234,66REM E PROD. FARMAC 11,32 17,10 18,33 4,53 10,53 5,84 -1,01 5,48 14,68 6,94 141,54VESTUÁRIO 18,21 -9,33 -0,13 -6,96 -7,08 0,84 1,40 5,98 8,52 2,36 11,40ROUPA DE MULHER 12,87 -12,98 3,19 -9,18 -9,77 -3,92 -0,68 7,20 4,98 -1,85 -12,46ROUPA DE HOMEM 18,02 -12,36 1,66 -6,87 -7,71 1,01 -0,03 6,62 12,08 -1,27 7,67ROUPA DE CRIANCA 24,35 -7,98 14,23 -4,00 7,93 1,84 -1,98 3,12 9,48 -0,93 51,20CALÇADOS E AC VEST 24,34 -4,28 -10,87 -6,11 -11,66 6,00 6,49 4,20 7,71 11,64 24,44EDUCAÇAO 45,31 35,12 9,57 4,71 1,53 9,66 5,30 6,35 10,46 10,46 242,69

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É interessante ressalvar que entre julho de 1994 e ju-nho de 1995 a maioria dos serviços de utilidade pública não puderam, por força de Lei, ser reajustada e, por-tanto, o item Serviços de Utilidade Pública registrou variação de apenas 5,81%, atribuída, principalmente, ao reajuste das tarifas de transporte público autorizada ainda em junho, que afetou o índice do mês seguinte. Quanto aos Produtos, os destaques no primeiro ano do Real foram Produtos In-Natura (95,72%) e Mobiliário e Decoração (56,33%).

No segundo ano do Real, a variação do IPC-FIPE situou-se em 17,84%, praticamente a metade da taxa de 32,31% do primeiro ano e cerca de um terço da taxa de junho de 2004 (50,75%). Quanto aos componentes do índice, itens do agregado de Serviços (37,25%) continuaram a responder pelas contribuições mais expressivas para o aumento do custo de vida, com destaque para o Aluguel (78,77%); Serviços de Utili-dade Pública (36,49%); Transportes Coletivos (32,28%); Contratos de Assistência Médica (35,48%) e Educação (35,12%). Em contraposição, a variação do agregado de Produtos já registrava variação de um dígito (8,06%), puxada por Fumo e Bebidas (19,97%) e Remédios e Produtos Farmacêuticos (17,10%), justamente dois itens compostos por artigos sujeitos a controle de preços. Entre os Produtos, vários itens já mostraram deflação no período, como Vestuário (-9,33%); Aqui-sição de Veículos (-5.51%) e Aparelhos de Imagem e Som (-9,39%). Do ponto de vista de estabilização, em junho de 1996 o “Plano Real” já havia ultrapassado, com vantagem, o limiar de tempo em que os planos anteriores haviam sucumbido.

Na fase seguinte, entre julho de 1997 e junho de 1999, o processo de estabilização teve continuidade a ponto de no último ano da série, apesar dos efeitos da des-valorização cambial de janeiro de 1999, o IPC-FIPE ter registrado deflação (-0,50%). Nesse período, a brusca recomposição de preços de tarifas de serviços públicos, com destaque para a telefonia, aliado a aumentos no preço dos combustíveis, se constituiu em uma das principais fontes de pressão sobre o IPC. Esses movi-mentos de preços se tornaram relativamente mais im-portantes após a flexibilização do câmbio em 1999.

Após 1999, combustíveis e tarifas públicas passaram a dominar a cena inflacionária. O preço dos com-bustíveis passou a incorporar diretamente, além dos

efeitos das desvalorizações cambiais, os sucessivos “choques do petróleo”. Por sua vez, esses mesmos dois fatores passaram a afetar indiretamente, via IGP-FGV, a formação de preços das tarifas de serviços públicos. Além desses dois fatores, que podemos identificar mais precisamente, há o impacto difuso de desvalori-zações cambiais sobre os custos de produção dos mais variados produtos e serviços. No entanto, a inflação, excetuando-se o período correspondente ao nono ano de vigência do Real, manteve-se sob controle, mostran-do tendência ligeiramente declinante desde o pico de quase 7%, entre julho de 99 e junho de 2000.

No nono ano do Real, que inclui justamente a fase mais intensa da campanha eleitoral, a eleição e o início do novo governo, o IPC-Geral e seus componentes apresentaram comportamento diferente relativamente ao período anterior e posterior. Alimentos e produtos industrializados, em geral, lideraram as pressões, o que não havia ocorrido em outras oportunidades em que a taxa de câmbio havia desgarrado. Uma prová-vel explicação para isso é que os agentes econômicos agiram defensivamente em relação ao novo governo; preferiram operar com “mark-ups” maiores mesmo co-locando em risco suas participações no mercado. Desta feita, as causas imediatas da depreciação do câmbio estavam associadas ao aumento da aversão ao risco no mercado internacional e às incertezas suscitadas pela mudança de governo. A deterioração das expec-tativas inflacionárias levou as autoridades econômicas do novo governo a adotar um conjunto de medidas para reverter esse processo, tais como: elevação na taxa básica de juros e aumento no superávit primário. Com isso, foi revertida a tendência de depreciação do Real e reduzida a pressão inflacionária a ponto de, no último ano da década pós-Real, a inflação ter se situado em 5,59%, porcentual um pouco inferior ao registrado entre julho de 2001 e junho de 2002.

Finalmente, quanto às perspectivas de continuidade do processo de estabilização, o fato de que com a mudança de governo ter se mantido, em linhas gerais, o paradigma de política econômica evidencia que o “Plano Real” marcou o fim da era da superinflação no Brasil.

(*) Professor da FEA-USP.

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Todo o debate desenvolvido durante os anos nos quais a economia brasileira apresentava elevadas taxas de inflação cristalizava-se na discussão de quais seriam as medidas necessárias para que o Brasil pudesse retomar as elevadas taxas de crescimento econômico que havia apresentado até o final da década de 70. Argumenta-va-se, com inteira razão, que era impossível que nossa economia pudesse apresentar uma elevação das taxas de crescimento do produto e emprego, enquanto as taxas de inflação permanecessem em patamares tão elevados. A seqüência de planos de estabilização que conseguiam reduzir as taxas de inflação por apenas alguns meses representava todo o envolvimento que os responsáveis pela condução da política econômica tinham que apresentar a fim de evitar que a inflação fugisse do controle. O planejamento de longo prazo e a preparação de nossa economia para uma nova etapa de desenvolvimento eram perspectivas lon-gínquas. Eles exigiam, inicialmente, a estabilização dos preços.

O advento do Plano Real e sua efetiva capacidade de controlar a inflação foram percebidos por todos como o início de uma nova etapa para a economia brasileira. Uma etapa que poderia representar a recuperação efetiva de um processo de crescimento econômico auto-sustentado. Os anos iniciais que se sucederam confirmavam essa esperança. A taxa de crescimento do produto, se não eram excepcionais, foram elevadas o suficiente para poderem ser celebradas. O Brasil cresceu 4,22% em 1995, 2,66% em 1996 e 3,27% em 1997. Entretanto, a partir de 1998, e com exceção do ano 2000, as nossas taxas de crescimento do produto têm sido muito baixas, revelando que nossa economia não consegue apresentar um processo de crescimento econômico auto-sustentado.

Tradicionalmente tem sido apontado que a questão do crescimento econômico de um país passa por algumas

questões essenciais e básicas, como a estabilidade macroeconômica, a adequação do sistema de preços relativos tal que garanta a inexistência de distorções microeconômicas e instituições organizadas dentro de um sistema jurídico que garanta regras estáveis para os agentes econômicos. Apesar da inflação em patama-res reduzidos não garantir padrões mais elevados de crescimento econômico, indica ao menos a condição de que as contas públicas estão relativamente em ordem, no sentido de estarem com mecanismos de financiamento que não comprometam a estabilidade de preços. As explicações de por que o País não tem conseguido revelar altas taxas de crescimento passam por vários fatores. O leitor interessado pode consultar, entre outros, Bacha e Malan (2004) e Castelar (2003) para uma resenha muito ampla acerca dessas questões. Um ponto que tradicionalmente é destacado relacio-na-se com a nossa incapacidade de elevar as taxas de investimento. Argumenta-se que a recuperação de nossa capacidade de investimento se associa com a recuperação da poupança. Neste particular, destaca-se o papel estratégico da recuperação da poupança pública como forma de alavancar a nossa capacidade de investimento. Em outras palavras, caímos no velho problema das contas públicas.

A recuperação da poupança pública é estratégica, pois o seu aumento é fundamental para a recuperação de nossa capacidade de investimento, não apenas pelo efeito direto que ela tem sobre a capacidade de acumulação, mas também pelo efeito indireto sobre a canalização das demais fontes de poupança (privada e externa). Pode-se admitir que a recuperação da ca-pacidade de poupança do setor público transmitirá, para os demais agentes econômicos, uma condição orçamentária adequada do setor público, permitindo que sua política econômica possa ser desenvolvida no sentido de orientar seus investimentos para áreas estratégicas de desenvolvimento. Exemplos desta

CARLOS ANTONIO LUQUE (*) TOMÁS ANKER (**)

a difícil solução da questão fiscal

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orientação são investimentos no campo educacional, que se realizam por meio da melhoria gradativa da qualidade de nossa mão-de-obra, assim como na infra-estrutura adequada para o desenvolvimento dos vários setores produtivos. Adicionalmente, não podemos esquecer de que esse aumento de credibili-dade, por conta da recuperação da poupança pública, certamente poderá atrair novas fontes de poupança, notoriamente a poupança externa.

Quando se observa a evolução da carga tributária no Brasil, nota-se que ela vem crescendo de maneira significativa durante todos estes últimos anos. Como se percebe na Tabela 1, enquanto em 1994 a carga tri-butária como proporção do PIB representava 27,9%, em 2003 já passava a representar 36,1%. Pelo lado da receita, já não se consegue maiores oportunidades de crescimento sem as conseqüências cada vez mais negativas sobre a atividade produtiva. É fundamental encontrar-se o equacionamento do déficit público pela redução das despesas. Certamente, qualquer pessoa de bom senso apontaria esta estratégia.

Uma análise mais geral das contas públicas já pode dar uma dimensão de que a redução de despesas, ainda que seja fundamental para o equilíbrio das contas, é uma tarefa difícil quando se considera o quadro econômico e social do nosso País. Na Tabela 2 apresenta-se a evolução das despesas por categoria do orçamento da União para o período de 1992 até o ano de 2003. Observando-se inicialmente a despesa de pessoal, nota-se que entre o ano de 1994 e 1995 há um crescimento bastante expressivo, passando de R$ 73, 1 bilhões para R$ 95,0 bilhões. A partir daí a despesa se estabiliza ao redor desse nível, e em 2003 é reduzida para R$ 85,0 bilhões. É muito interessante notar que durante os anos de 1992 e 1993, anos em que a inflação ainda era bastante elevada, a despesa de pessoal vinha crescendo de maneira significativa. Ao contrário, durante os anos de inflação baixa, esta despesa fica estabilizada. Quando a inflação se elevou, como durante o ano de 2002, a despesa com pessoal reduziu-se. O que se verificou nesse ano é que a partir do momento em que as negociações salariais são efe-tuadas dentro de um ambiente de inflação reduzida, quando ela subitamente se eleva, esse movimento aca-

ba se traduzindo numa redução dos salários reais. De qualquer maneira, durante os últimos anos observa-se uma relativa estabilidade das despesas de pessoal.

Por outro lado, nota-se um crescimento bastante significativo das despesas com juros e encargos da dívida. Este resultado deriva basicamente da política monetária desenvolvida durante todos esses anos, que se caracteriza pelas elevadas taxas de juros. Assim, enquanto em 1995 os juros consumiam algo como R$ 42,0 bilhões, em 2003 consomem em torno de R$ 70,7 bilhões.

Um outro item que desperta a atenção pelo seu cresci-mento é o referente às despesas previdenciárias. Como se observa, enquanto em 1995 essas despesas giravam ao redor de R$ 81,6 bilhões, em 2003 já respondiam por R$ 116,8 bilhões.

Finalmente, têm-se as chamadas despesas de custeio, que também sobem de maneira bastante significativa. Em 1995 representavam R$ 196,3 bilhões e em 2003 algo como R$ 257,6 bilhões.

Essa exposição simples das contas permite que se possam extrair algumas das dificuldades existentes no âmbito das contas públicas, especialmente na questão da redução das despesas.

Em primeiro lugar, deve-se destacar que o setor público no Brasil é pressionado, de maneira muito forte, pela a elevação de gastos derivados de inúmeros problemas sociais. Assim, existe um excesso de demanda genera-lizado por serviços públicos, especialmente nas áreas de saúde, educação e segurança. Essa pressão acaba se transformando num aumento da oferta desses serviços e, conseqüentemente, na expansão do custeio.

O outro ponto que merece destaque é a questão dos inativos. O aumento da expectativa de vida, além da expansão de outros mecanismos de contratação de trabalho, tem levado a um aumento bastante signi-ficativo do déficit do sistema previdenciário. Aqui também tem-se um exemplo do grau de dificuldade em se controlar esse tipo de despesa, pois não existe nenhuma solução exeqüível que forneça resultados mais expressivos no curto prazo.

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Pinheiro, A.C., Uma Agenda Pós-Liberal de Desenvolvimento para o Brasil, TD IPEA N°989, 2003

(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP. (**) Mestrando em Economia de Empresas da FGV-SP.

Este é o panorama sintético das contas públicas no âmbito federal. Se, por um lado, ele mostra o desafio e a dianteira que o setor público deve tomar para alavancar a geração de poupança do nosso País, por outro, revela um quadro engessado e com pouca mar-gem de manobra por parte do próprio setor público. Isto porque a demanda por gastos públicos que dêem conta de sanar os problemas sociais continua, sem que haja fontes extras de receita que não onerem mais a produção e que os financie. Se alguns itens, como despesas com pessoal, custeio e benefícios previden-ciários possuem pouca flexibilidade, parece que o direcionamento do problema passa cada vez mais pela redução das despesas com juros e encargos da dívida. Esta despesa, seguindo a lógica da política monetária contracionista, mantém-se elevada no orçamento da União. Esta situação espelha a taxa Selic que, na esteira da afirmação da credibilidade dos governos, foi man-tida elevada durante bom tempo. É por conta destas evidências que a queda das despesas do orçamento federal e a criação de poupança pública, medidas

essenciais para se efetivar o crescimento sustentado, dependem cada vez mais da política monetária que se faz a partir de então.

tabela 1 – evolução da carga tributária brasileira (como % do PIB) - 1990 a 2004

Fonte: IPEA e IBPT

tabela 2- evolução das despesas do orçamento fiscal da União por grupo – 1992 a 2003

OBS : 1) Valores Corrigidos pelo IGP-DI do ano vigente. 2) Benefícios Previdenciários são pagamentos de inativos, pensões, outros benefí-cios previdenciários. 3) Amortização da Dívida em Despesas de Capital excetua os valores referentes ao refinanciamento da Dívida Pública.

Fonte: STN.

REFERÊNCIAS

Bonelli, R. e Bacha, E.L. , Accounting for Brazil’s Growth Experience - 1940 – 2002, TD IPEA N° 989, 2004

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A literatura costuma dividir a política econômica em políticas de processo e políticas de ordenação, em que as primeiras seriam as políticas para mudar o ambiente institucional e as segundas para resolver problemas específicos. Este trabalho analisa, sob a ótica das duas, a política monetária do Plano Real, que apresentou re-sultados ambíguos, ou seja, simultaneamente, acertos e equívocos.

Rigorosamente, estaremos analisando três combi-nações de políticas econômicas diferentes com um mesmo nome: a) a política do Real stricto sensu, que se inicia em maio de 1993 e termina em março de 1995, definida por uma combinação criativa e consistente de políticas monetária, fiscal, cambial e de rendas; b) a etapa intermediária, que termina com a desvalorização em 1999 e se caracteriza pela miopia e o populismo econômico; e c) a etapa atual, baseada no tripé: câmbio flexível, metas de inflação e controle fiscal.

A fase inicial da política stricto sensu foi abundante em anúncios de uma transformação estrutural radical na política monetária. A oferta de moeda passaria a apre-sentar características de exogeneidade maior, de mais independência e de uma melhor transparência. Essas mudanças se consubstanciariam na chamada Âncora Monetária, que basicamente se referem a políticas de processo em três frentes: mudanças institucionais no Banco Central, alterações na atuação da mesa do Banco Central e modificações na operação da política monetária.

Três foram as mudanças institucionais da autoridade monetária: uma independência maior do Banco Cen-tral, maior transparência das operações monetárias e uma separação das contas do Banco Central e Tesouro; as duas últimas mudanças ficaram conhecidas como a abertura da “caixa preta”. O Banco Central havia assu-mido, ao longo do tempo, a obrigação de empréstimos externos não liquidados e, como compensação por esse passivo, recebeu títulos do Tesouro Nacional. Dessa forma, parte do passivo do Banco Central – obrigações

da dívida externa – escapava de seu controle, dificul-tando, por sua vez, o controle da base monetária.

A abertura da caixa preta, ocorrida em setembro de 1993, consistiu em passar quase todas as obrigações externas do Banco Central ao Tesouro (com os títulos correspondentes), e dar uma transparência maior às contas do Banco Central. A conseqüência disso foi um controle efetivo maior da base monetária e a possibi-lidade de um monitoramento melhor da atuação do Banco Central. Quanto à questão da independência, pouco ou nada foi feito na primeira e segunda fases. Só quando houve a implantação do regime de metas em 1999 é que se avançou nessa frente, apesar de a independência legal ainda ser objeto de debates.

Em relação à transparência, houve avanços. Na fase inicial (entre maio de 1993 e março de 1995), as informações eram desnecessariamente demoradas, imprecisas e sem base de comparação. Registraram-se mudanças de critérios sem uma justificativa consisten-te com poucas melhorias; somente após a implantação do regime de metas é que a qualidade e quantidade dos dados melhoraram e hoje existe uma abundância de informações, mais confiáveis e rápidas.

A segunda frente nas políticas de processo refere-se à atuação do Banco Central. A condução da política monetária estava voltada para a fixação de metas de taxas de juros, que eram determinadas diretamente e discricionariamente pela mesa do Banco Central. Nesse contexto, os agregados monetários eram de-terminados indiretamente – embora já existissem restrições legais que impunham metas de agregados desde 1964. A equipe econômica comprometeu-se a operar com metas de agregados a serem determinadas na Programação Monetária, o que, num primeiro mo-mento, se traduziu em metas para a base monetária e depois passou a incluir a base ampliada.

A Programação Monetária tem o mérito de mostrar à sociedade as metas de expansão dos agregados

ROBERTO LUIS TROSTER (*)

a política monetária do Plano Real

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julho de 2004monetários. Desde 1965, com o então orçamento mo-netário, o Banco Central manifestara os objetivos de sua atuação – apesar de sistematicamente distante da realidade. Em 1986, com a separação das contas entre Banco Central, Tesouro Nacional e Banco do Brasil, foi implantada a Programação Monetária.

A equipe da fase stricto sensu aperfeiçoou o sistema e apresentou avanços, apesar de haver espaço, na fase ini-cial, para uma definição mais acurada das metas e uma divulgação maior sobre modelos utilizados, funções estimadas, sazonalidade dos parâmetros, especificação da demanda de moeda utilizada etc. Com a implanta-ção do regime de metas de inflação, cinco anos depois, houve um segundo avanço na interação entre o Banco Central e os analistas, com um aumento da qualidade e da quantidade de informações, possibilitando um moni-toramento mais acurado da política a ser adotada.

A política de metas de base foi um fiasco: na primeira fase subestimou-se a monetização e, ao invés de re-conhecer a falha, optou-se por mudar os critérios de cálculo de média e de evolução da base. Uma melhoria foi incluir a base monetária ampliada como a variável a ser controlada. Com isso, o Banco Central eliminou as restrições que a base monetária apresenta como meta, com a vantagem de a base ampliada representar o passivo quase-monetário do sistema emissor cons-tituído pelo Banco Central e o Tesouro Nacional. Seu controle imporia uma restrição ao endividamento do setor público. Dessa forma, um controle da mesma implicaria controle dos gastos fiscais. Entretanto, os resultados apresentados ficaram bem aquém dos inicialmente anunciados porque, logo no início de sua implantação, no começo da fase intermediária, o controle fiscal deixou de ser uma prioridade, o regime monetário mudou e os juros passaram a ser determinados pela restrição externa, não mais pelo crescimento dos agregados.

A terceira frente do conjunto de políticas de processo da fase stricto sensu estava voltada para a operação da política monetária, que era conduzida basicamente via mercado aberto, com o Banco Central realizando, sistematicamente, leilões de títulos e zerando posições no final de cada dia. A equipe acenou com o uso mais intenso do redesconto, um dos instrumentos “clássi-cos” de política monetária.

A vantagem é que o Banco Central, alterando a taxa de juros do redesconto, afetaria uma fonte de recursos à qual apenas os bancos teriam acesso. Ou seja, um aumento da taxa de juros tem o efeito de mudar as carteiras dos bancos, enxugando a liquidez do sistema, e alterando, indiretamente, toda a estrutura de taxas da economia. Quando o Banco Central opera com os dois instrumentos – redesconto e mercado aberto –, os dois instrumentos se complementam. O redesconto está voltado para regular liquidez de curto prazo e o mercado aberto para administrar a dívida pública; todavia, nada foi feito com relação ao redesconto.

Na prática, a atuação do Banco Central se mostrou ex-cessivamente ambígua quanto ao controle da liquidez. Por um lado, o aperto na liquidez bancária, por meio de uma série de depósitos compulsórios draconianos, provocou a pior crise de insolvências da história; por outro, o endividamento do setor público teve uma ex-pansão incompatível com o arrocho do setor privado, provocando um deslocamento dos ativos privados no total de agregados financeiros e catalisando a crise bancária.

Apesar dos processos de estabilização promoverem o crescimento nos sistemas bancários, o Brasil do Plano Real, que tinha um sistema atrofiado, viveu a maior crise de sua história. É proposição aceita que uma in-flação inesperada beneficia bancos. Entretanto, num contexto de inflação crônica, em que os agentes já estão adaptados, isso não ocorre. Existe uma relação do tipo “Curva de Laffer” entre lucros de bancos e inflação, qual seja, a partir de determinado tempo e valor, os fatores negativos da inflação prejudicam mais do que beneficiam o sistema bancário.

Vale destacar que a estabilidade traz consigo fatores que favorecem os bancos: maior demanda de crédito, menos incerteza, um volume de investimentos maior, melhores perspectivas para o país. A experiência internacional mostra uma correlação negativa entre inflação e crescimento de ativos financeiros. Eviden-temente, existem muitos outros fatores explicando o crescimento dos mesmos: regulamentação, tecnologia, aspectos conjunturais etc. Entretanto, é claro que a inflação crônica, como a brasileira, tinha um impacto negativo.

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A política bancária do Real na fase stricto sensu foi fun-damentada num diagnóstico de que o sistema bancário estava “inchado” por causa da inflação. Resumida-mente, a visão era de que a participação das institui-ções financeiras no PIB estava fortemente relacionada com a inflação, que haveria no Brasil muitos bancos e que a estabilização provocaria um encolhimento do sistema bancário. O argumento pode ser dividido em três partes: a) a questão do número de bancos; b) a participação das instituições financeiras no PIB; e c) os efeitos da inflação nas instituições bancárias.

A questão relativa ao número de bancos, ou seja, quantos bancos o Brasil comporta, é uma questão mal formulada, uma vez que o relevante é a dimensão dos serviços bancários e não o seu número. Ou seja, a mesma quantidade de serviços pode ser oferecida por diferentes estruturas de indústria bancária. Há um sem-número de combinações, que dependem de diferentes fatores, tais como: economias de escala e de escopo; tecnologia; regulamentação; dispersão geográfica da atividade econômica; concentração de renda; o conjunto de produtos oferecidos; etc.

Isso nos leva à questão de como aferir a dimensão do setor bancário. A participação de instituições finan-ceiras no PIB é usada como indicador da mesma. En-tretanto, seu uso como indicador da variação do setor denota um desconhecimento básico de contabilidade nacional, muito bem descrito na literatura econômica e conhecido como “Anomalia Bancária”, e que explica por que os critérios utilizados em outros setores não são válidos para o setor financeiro. O próprio IBGE, em seus manuais técnicos, coloca que o caráter inter-mediário do setor e o papel dos juros na formação de sua receita criam um setor fictício que depois é deduzido. As análises econômicas, no entanto, não mostram, nas publicações de nossas contas nacionais, a dedução realizada.

O IBGE explica, ademais, que os métodos tradicionais podem produzir um resultado negativo para o setor, e que a participação financeira deve ser feita indireta-mente. O comitê internacional, composto pela ONU, FMI, Banco Mundial e OCDE, responsável pelos crité-rios técnicos, coloca explicitamente em seus manuais a questão em tela. Pesquisa da FIPE-USP também aprofunda a questão, mostrando como é errado usar a participação no PIB no caso de instituições financei-

ras. Resumidamente, usar a participação no PIB como indicador da dimensão do setor é um indicador de, no mínimo, desconhecimento técnico.

A causa para o fraco desempenho dos bancos bra-sileiros com a estabilização pode ser encontrada na política bancária adotada. A mesma possui um notado viés concentrador e uma administração da liquidez sistêmica míope. Por um lado, com a Resolução 2.099, de agosto de 1994, o Banco Central subiu, surpreen-dentemente, o nível de capital mínimo dos bancos de forma súbita e sem critérios conhecidos de mais de meia centena de bancos pequenos, tornando-os mais frágeis; por outro, a retirada de liquidez dos bancos foi desproporcional.

O arrocho monetário drenou a liquidez dos bancos. No primeiro semestre do Plano Real os recolhimentos compulsórios em espécie, excluindo os depósitos judi-ciais, aumentaram 422,8%, uma cifra muito expressiva. Com a estabilidade de preços, a demanda e a oferta de crédito subiram vertiginosamente. Os volumes e prazos aumentaram tanto que o governo teve que limitar o prazo de operações de crédito e elevar os recolhimentos compulsórios a níveis inimagináveis. O comportamento das reservas bancárias brasileiras no período não tem paralelo no mundo.

No primeiro ano do Real, o Banco Central divulgou mais de quarenta normas versando sobre o recolhi-mento compulsório que incidia sobre uma dezena de modalidades diferentes – depósitos a prazo, emprés-timos, garantias prestadas etc., além de depósitos a vista. Em 30 de junho de 1994 eram necessários 28,8% dos depósitos a vista mais depósitos a prazo e letras de câmbio para cobrir os recolhimentos compulsórios de Instituições Financeiras no Banco Central; em apenas 6 meses esse valor subiu para 65,8%!

Esse enxugamento desproporcional da liquidez locali-zada obrigou os bancos a dificultar a renovação de ope-rações no seu vencimento. Os agentes com condições favoráveis de liquidez honraram os compromissos as-sumidos; os demais, embora podendo apresentar boas condições de solvência, dada a restrição de liquidez, tornaram-se inadimplentes. O processo foi auto-ali-mentado, e foi catalisado pelas restrições de prazos e juros altos praticados pelo Banco Central. Todavia, na fase intermediária do plano, houve avanços.

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julho de 2004Na primeira fase, o Plano Real foi bem-sucedido em eliminar três décadas de indexação da economia brasileira. A inércia inflacionária foi sempre um fator desestabilizador da política econômica, um processo crônico que afetava quase todos os setores da ativi-dade; e foi praticamente extinta. O senão à política monetária na fase stricto sensu foi a questão bancária.

A segunda fase, a intermediária, foi uma combinação de populismo e miopia. A estabilidade de preços, uma condição intermediária para o crescimento, virou um fim em si mesmo, e com um alto custo que ainda hoje compromete o crescimento. Foi uma combinação inconsistente de irresponsabilidade fiscal, câmbio pré-fixado e uma política monetária esdrúxula.

O desempenho fiscal, na fase intermediária, surpreen-deu a todos pelo seu caráter perdulário, enquanto que na fase stricto sensu houve probidade na questão fiscal e colocou-se, de maneira acertada, como pré-requisito para a mudança de moeda, o equilíbrio das contas públicas. A atitude então adotada era consistente com a experiência acumulada atribuindo o insucesso dos planos de estabilização a um desajuste nas contas do setor público. Aprovou-se a emenda do FSE – Fundo Social de Emergência –, que serviria para ajustar as finanças públicas durante os exercícios de 1994 e 1995. Durante esses dois anos seriam promovidas as mu-danças necessárias para obter um equilíbrio durável. Entretanto, o resultado foi decepcionante; apesar do crescimento das receitas públicas, acrescido da receita das privatizações, não houve um esforço expressivo para controlar gastos, e em vez de uma reforma fiscal tivemos a criação de mais impostos, contribuições e elevações de alíquotas.

Sobressaem, de modo adverso, as distorções da estru-tura tributária no setor bancário. Além da tributação excessiva e a imposição de custos de observância desproporcionais, as medidas adotadas durante a última década deterioraram ainda mais a estrutura existente. As alterações impostas não atendem a crité-rios mínimos de eqüidade, eficiência ou estabilidade. A premência de mudanças na gestão fiscal é grande.

Existe consenso sobre os pontos básicos que uma reforma fiscal deve incluir. Nos governos de Sarney e Collor, formaram-se comissões de notáveis para apontar soluções para ajustar financeiramente o setor

público, além de propostas da sociedade. Apesar da existência de alguns detalhes que são objeto de debate, os encaminhamentos para as questões fundamentais são conhecidos e aceitos.

Em mais de uma década, a condução econômica foi criativa e efetiva em algumas áreas. Contudo, não conseguiu sequer apresentar um projeto de ajuste fiscal de longo prazo. Existem na literatura projetos fecundos de controle fiscal, tais como a proposta de um conselho fiscal, a desconstitucionalização dos tributos, a de mudar o caráter participativo do orçamento e a de limitar o crescimento das vinculações tributárias.

Todavia, o controle de gastos foi feito pontualmente, e até a presente data, julho de 2004, não existe uma proposta fiscal de longo prazo que siga os preceitos de simplicidade, eqüidade, certeza, economia de custos de observância e estabilidade. Desde a época do Im-pério, o calcanhar de Aquiles de todas as retomadas tem sido o desajuste fiscal. Uma solução definitiva para as contas públicas é condição sine qua non para a retomada do crescimento sustentado.

A combinação do regime de câmbio valorizado e pré-fixado na fase intermediária criou um dano considerá-vel nas contas públicas e no potencial de crescimento do País, atuando por meio de quatro mecanismos: na elevação da taxa de juros, no descasamento de moedas, na valorização do real e na falta de ajuste dos gastos públicos.

O fato mais nerval nesta fase era o preço do dinheiro; a taxa de juros era fixada sobremaneira para conseguir financiamento internacional para o déficit externo. O piso da taxa de juros era então determinado pela soma da taxa de juros externa, mais o risco (País e de desvalorização), mais a tributação. Num primeiro momento, em que a percepção do risco País era baixo, funcionou, mas à medida que o desequilíbrio externo e fiscal se agravou, a política econômica entrou num círculo vicioso de juros altos e desequilíbrio fiscal insustentável.

A deterioração deste quadro ocorria devido ao des-casamento de moedas e pela necessidade de um estoque elevado de divisas, acima de US$ 50 bilhões, para absorver ataques especulativos. Como as divisas eram remuneradas a uma taxa inferior à necessária

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para rolar a dívida pública, criou-se um mecanismo que pressionava a dívida pública à medida que au-mentava o risco País.

A falta de ajuste do setor público se refletiu na evo-lução do superávit primário acumulado em 12 meses (receitas menos despesas, excluindo juros), que caiu de 4,37% em março de 1995 para 0,31% em janeiro de 1999. Apesar do aumento da carga tributária e das privatizações, a dívida líquida do setor público apresentava uma tendência declinante e estava em 28,92% do PIB, em março de 1995, quando começou a fase intermediária; em janeiro de 1999 alcançou 50,49% do PIB! A isto deve ser acrescido que a combinação de valorização cambial com juros reais elevados encolheu a base tributária do País.

Nesta fase, o País viveu a maior crise bancária de sua história. O Banco Central agiu rapidamente para enfrentar o impasse criado com a situação de inviabi-lidade de alguns bancos privados. Com a criação do Seguro de Depósitos e do Proer foi possível injetar recursos nos bancos com problemas e evitou-se uma crise maior.

Outra medida acertada do Banco Central foi a agili-zação nas transferências de controles de instituições financeiras que ficaram “vendidas”, importante para promover a eficiência da intermediação bancária. Em razão das boas perspectivas do setor bancário nacio-nal, combinadas com globalização de alguns grupos bancários internacionais, o Brasil viveu uma atividade inusitada na área de fusões e aquisições de bancos.

Não obstante, existem restrições quanto ao seguro de depósitos. O mesmo foi regulamentado para solucio-nar problemas existentes anteriormente à sua criação, tais como o de utilizar prêmios para pagar sinistros anteriores à criação do seguro. A abertura do setor ao exterior apresentou-se oportuna. O sistema como um todo ganhou eficiência e estabilidade. Muitas das instituições que entraram, pagaram um pedágio para isso, absorvendo os prejuízos existentes. Na área de normas, a atuação do Banco Central foi na direção correta.

A crise bancária vivida no início do plano foi uma com-binação de três causas: a) a elevação do capital mínimo absoluto; b) o enxugamento da liquidez provocado

pelo aumento dos compulsórios; e c) o afloramento de problemas anteriores ao plano (Bamerindus, Na-cional e Econômico). O enfrentamento da crise pelo Banco Central foi rápido e incisivo. Por meio de vários instrumentos como o Proer, o Proes, Proef, Seguro de Depósitos, venda de bancos a instituições estrangeiras e promoção de soluções internas, foram rapidamente solucionados os problemas existentes. Neste sentido, a atuação do Banco Central foi digna de méritos.

A política da fase intermediária era insustentável; a elevação contínua da dívida pública, a pressão de alta dos juros e a saída de divisas inviabilizou sua continuidade. A realidade foi mais forte. O País con-seguiu um aporte de recursos com o Fundo Monetário Internacional em fins de 1998, o Real foi desvalorizado em janeiro de 1999 e a necessidade de um ajuste fiscal tornou-se imperativa.

O tripé – câmbio flutuante, ajuste fiscal e metas de inflação – foi adotado em 1999, e é o regime que vigora até hoje. Todavia, o impacto da dívida pública elevada, da perda de competitividade com o real valorizado e os baixos investimentos no quadriênio 1995-1998 dei-xaram seqüelas, e na política monetária a mais grave é o patamar elevado dos juros reais.

Na questão bancária não se avançou. Num momento em que todos os países adotam políticas para aumen-tar a eficiência de sua indústria bancária, no Brasil, apesar de avanços na questão prudencial, há entra-ves ao desenvolvimento que devem ser removidos: compulsórios draconianos, uma tributação obsoleta e ineficiente e um quadro institucional arcaico. Solu-cionar estes entraves é condição necessária para um Brasil melhor.

(*) Fipe, Febraban e PUC/SP.

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julho de 2004

As mudanças de política cambial introduzidas em janeiro de 1999 visavam corrigir uma das grandes vulnerabilidades da economia brasileira após a intro-dução do Plano Real. A âncora cambial, inaugurada em julho de 1994, foi um instrumento importante no sucesso da estabilização, mas introduziu uma trajetória explosiva nas contas externas. Os efeitos das mudanças do regime cambial demoraram a surtir efeitos substanciais sobre o balanço de pagamentos. O primeiro superávit comercial só apareceu em 2001, e o grande superávit só ocorreu em 2003. As informações estatísticas apresentadas a seguir procuram destacar

algumas destas mudanças, responsáveis pelo ajusta-mento externo.

Em primeiro lugar, apresentam-se as estatísticas do balanço de pagamentos a partir do ano em que ocorre a grande mudança de regime cambial. Em 1998, no auge da aversão ao risco a empréstimos a mercados emergentes, o Brasil tinha uma necessidade de re-cursos externos impossíveis de serem financiados. O déficit de transações correntes era de US$ 35 bilhões e as amortizações de empréstimos atingiam US$ 34 bilhões.

SIMÃO DAVI SILBER (*)

o Plano Real, o câmbio flutuante e o ajustamento externo

A introdução do regime de câmbio flutuante passou a sinalizar para o mercado que a partir daquela data a magnitude do déficit externo seria menor. Em outras palavras, haveria uma desvalorização real da taxa de câmbio compatível com o equilíbrio das contas

Fonte: BC.

externas. Nos três primeiros anos os resultados não foram significativos. Em 2001, o déficit externo ainda era de US$ 23 bilhões, uma redução modesta quan-do comparada ao pico de 1998. Nos anos de 2002 e 2003 é que há a grande guinada e o déficit externo

tabela - balanço de pagamentos do Brasil - US$ bilhões

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se transformou em um superávit no ano passado. As informações estatísticas do balanço de pagamentos, apresentadas acima, permitem vislumbrar que o maior ajuste foi na balança comercial e em menor escala na conta serviços. De um modesto superávit comercial de US$ 2,6 bilhões em 2001, chega-se a um megassuperávit de US$ 24,8 bilhões em 2003 e deve-se superar este resultado em 2004. A redução do déficit em serviços seria previsivelmente menor, já que boa parte das despesas é contratual e o passivo externo líquido do País é elevado. Portanto, não poderia haver uma grande redução nas despesas com juros da dívida externa, nem de remessas de lucros e dividendos. No agregado, o déficit em serviços recuou para o patamar dos US$ 23 bilhões em 2003, contra os US$ 30 bilhões de 1998.

O resultado comercial pode ser visualizado com os dois gráficos da seqüência: no primeiro é apresentado o saldo comercial de doze meses (anualizado) e, no segundo, uma desagregação do saldo comercial entre as exportações e importações de doze meses.

saldo comercial - 12 meses - bilhões de US$

Fonte: Banco Central.

O comportamento do saldo comercial teve ciclos bem definidos na última década: antes do Plano Real, o superávit era elevado; com a âncora cambial, o supe-rávit se transformou em um grande déficit. A partir de 1998, a aceleração das minidesvalorizações cambiais possibilita uma reversão do déficit comercial. Porém, é no novo regime cambial que se dá a grande mudança, particularmente a partir de 2001. As fortes desvaloriza-ções cambiais de 2001 e 2002 mudaram radicalmente

a trajetória do saldo comercial, culminando com um superávit próximo a US$ 25 bilhões no ano passado. De um lado, houve um significativo crescimento das exportações, de outro, uma queda nas importações. Isto pode ser visualizado na próxima figura.

Existem pelo menos três fatores que podem ser uti-lizados para explicar o comportamento das exporta-ções e importações: o nível de atividade doméstica, o crescimento da renda mundial e a taxa de câmbio. O forte desaquecimento da demanda interna, observa-do a partir do segundo semestre de 2002, reduziu as importações; a recuperação do crescimento de alguns mercados relevantes em 2003 e a forte desvalorização cambial incentivaram as exportações. Em 2003, as exportações cresceram 21%, enquanto as importações permaneceram estagnadas. A mudança de patamar da taxa de câmbio é um dos elementos decisivos na rever-são do comportamento do balanço comercial. Foram três ciclos de desvalorização cambial que culminaram com uma desvalorização cambial real significativa. O próximo gráfico apresenta o comportamento da taxa de câmbio real, destacando a desvalorização e apre-ciação do período recente.

taxa de câmbio efetiva real - 1995 = 100

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julho de 2004A partir do início de 2003 verifica-se uma valorização da taxa de câmbio real, que não deverá se refletir no desempenho comercial de 2004, dada a magnitude da desvalorização cambial anterior. Os dados disponíveis até meados de 2004 apontam para um superávit co-mercial da ordem de US$ 30 bilhões.

Com relação ao balanço de pagamentos, deve-se analisar, finalmente, o comportamento do movimento de capitais. Aqui ocorreram algumas transformações importantes. Em primeiro lugar, houve uma queda expressiva no ingresso de investimento direto. Isto se deve a uma tendência internacional de redução do investimento direto estrangeiro no mundo (IDE). O auge da expansão do IDE ocorreu em 2000, quando se desfez a bolha especulativa das “empresas ponto com”; houve uma redução do ritmo de crescimento das principais economias do mundo; foi descoberto o escândalo da maquiagem de balanços em grandes empresas; houve o ataque terrorista aos Estados Uni-dos e, para finalizar, a moratória argentina. Dentro deste contexto, não havia clima para a manutenção do IDE, e ele foi reduzido à metade no mundo. No Brasil, a queda foi mais significativa ainda: o IDE caiu a um terço de seu pico, de US$ 30 bilhões para US$ 10 bilhões. A redução do escopo do Programa de Privatização, o “apagão”, as incertezas regulatórias e o baixo dinamismo do crescimento econômico podem ser avocadas para explicar esta queda mais acentua-da do IDE no País. Além disto, o encurtamento dos prazos nos financiamentos internacionais reduziu o ingresso de recursos no País, mantendo o resultado líquido de fechamento de câmbio negativo durante o ano todo, forçando o País a renegociar, mais uma vez, um empréstimo do FMI. Este fenômeno pode ser visualizado pelo gráfico a seguir. Mesmo com o aumento da liquidez internacional e dos empréstimos aos países emergentes ocorrido a partir de 2003, o Brasil atravessou o período recente com saída líquida de recursos financeiros. Isto também ocorreu em 2002, em razão das incertezas com a transição política que ocorreu no País.

fechamento de câmbio financeiro - segmentos livre e flu-tuante - média trimestral - US milhões

Fonte: Banco Central.

O movimento da conta de capital mostra que apesar dos ajustamentos ocorridos nas transações correntes, o País resgatou ainda sua credibilidade externa de forma convincente. Para que isto seja atingido é fun-damental avançar ainda mais no controle das contas públicas para que a trajetória da dívida do governo seja declinante e afaste, definitivamente, a ameaça de reestruração da dívida.

(*) Professor da FEA-USP.

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O desempenho da agropecuária e, de modo geral, do sistema agroindustrial pode ser avaliado pelo cresci-mento da produção, pela competitividade externa, traduzida em excedentes na balança comercial, e pelo comportamento dos preços dos alimentos ao consumi-dor. Qualquer um desses critérios mostra a pujança da agropecuária brasileira nos últimos dez anos. Discutire-mos aqui apenas esse último aspecto: o comportamento dos preços dos alimentos ao consumidor.

Durante a segunda metade década de 90, por influên-cia de diferentes mecanismos, os preços dos alimentos no varejo tenderam a elevar-se em ritmo inferior ao dos demais preços da economia. Muito embora a importância exata desse fenômeno na estabilidade de preços conquistada pelo Plano Real seja motivo de discussão na literatura, há suficiente evidência de que a influência foi favorável. A idéia, que já chegou a ser expressa com o título de “âncora verde”, é a de que, ao lado da “âncora cambial”, a oferta agroalimentar (produção mais importações) teve papel crucial na estabilização.

Entre agosto de 94 e agosto e 97, o preço real dos ali-mentos nas regiões metropolitanas brasileiras reduziu-se em cerca de 20%, mantendo-se nesse patamar pas-sados dez anos do Plano Real. O Gráfico 1 apresenta o comportamento dos preços dos alimentos levantado pela Fipe na Região Metropolitana de São Paulo. Os dados do IBGE, empregados para a elaboração do INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, coletados em nove regiões metropolitanas brasileiras, fornecem um quadro muito semelhante. Contudo, alguns produtos específicos, como derivados de leite, tiveram seus preços reduzidos entre 30% e 40% até 97, sem recuperação posterior. O iogurte ficou famoso no cenário pós-estabilização.

gráfico 1 – índice de preços ao consumidor – grupo alimentação, deflacionado pelo índice geral - ago. 1994 a jun. 2004 (ago.1994=100)

Fonte: Fipe.

Um aumento de volume de demanda da ordem de 80% ocorria paralelamente a uma redução de preço de 40% real! O frango transformou-se em outro ícone do plano de estabilização. Certamente esse compor-tamento de preços comprimiu margens ao longo da cadeia produtiva, incluindo o produtor primário. A despeito de margens menores, o sistema agroindus-trial brasileiro deu um salto para frente: as mesmas forças que propiciaram o acirramento da disputa pelo “voto monetário” do consumidor permitiram também a reestruturação produtiva (em ritmos diferentes nos diversos segmentos do agronegócio) e a redução real dos preços dos insumos agrícolas.

É possível mencionar todo um conjunto de fatores que teriam contribuído para dar lugar à queda nos preços relativos da agricultura nos anos 90. (Dias e Amaral, 2000; Homem de Melo, 1999). Os mais tradicionais são: a) a elevação da produtividade da terra, numa tendência que teria se iniciado com muita anteriori-dade, mas que teria se acentuado durante a década de 90 (Mendonça de Barros, Rizzieri e Picchetti,

RUBENS NUNES (*)

dez anos depois do Plano Real, os preços reais dos alimentos permanecem 20% mais baixos♦

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julho de 20042001); b) a valorização cambial, que teria acentuado os efeitos da liberalização comercial durante a maior parte da década de 90 (Homem de Melo, 1998); c) a pressão exercida pela abertura comercial, que teria re-duzido margens de lucro ao longo da cadeia produtiva e ao mesmo tempo promoveu a redução dos custos de produção; d) a queda acentuada nos preços inter-nacionais dos produtos agrícolas após a crise asiática, que teria compensado – ou mais que compensado – os efeitos altistas exercidos pela desvalorização cambial de janeiro de 1999; e) a “normalização” dos funciona-mentos dos mercados depois de superada a confusão de preços relativos típica de períodos de hiperinflação, que teria, por fim, permitido a redução de preços para o consumidor final. (Dias e Amaral, 2000).

A não ser por um breve período, entre novembro de 1994 e outubro de 1995, que provavelmente deu origem ao mito da “âncora verde”, os preços indus-triais caíram, em termos reais, mais do que os preços agrícolas, o que constitui indício da contribuição dos segmentos pós-porteira para a redução dos preços dos alimentos no varejo. A relação entre preços recebidos e preços pagos pelo produtor rural mostrou-se estável nos últimos dez anos, apesar de a economia brasilei-ra ter sofrido uma série considerável de choques no período (Gráfico 3). Assim, o desempenho agregado do setor agropecuário, que se mostrou positivo, não pode ser creditado apenas aos incentivos dados pelos preços relativos. A relação entre índices de preços recebidos e pagos pelos produtores rurais esconde, de fato, o efeito dos ganhos de produtividade do setor. O crescimento da produtividade induziu o aumento da oferta de produtos agropecuários, mesmo que os preços relativos (no agregado IPR/IPP) não tenham se alterado significativamente. Numa análise desa-gregada, observa-se que além dos ajustes referentes à substituição de insumos em resposta a mudanças nos preços relativos ocorreram mudanças tecnológicas (facilitadas pela abertura comercial), organizacionais intra-firma e nas relações entre firmas em todos os segmentos do sistema agroalimentar, e não só, nem principalmente, no segmento agropecuário. Se não fosse assim, os preços reais dos alimentos não cairiam mais que os preços agrícolas.

Ao avaliar as fontes de redução dos preços dos ali-mentos no último quartel do século XX, Mendonça de Barros, Rizzieri e Picchetti (2001) atribuíram à agricultura o maior peso. Para esses autores, a contri-buição dos ganhos de produtividade na indústria de processamento e no sistema de distribuição não teria sido decisiva. No período iniciado com o Plano Real, entretanto, encontramos evidências de que a contri-buição desses setores superou a da agropecuária. A contribuição dos produtos industriais para a conten-ção da inflação deve ter sido maior que a dos preços agrícolas, por duas razões: os produtos industriais têm peso maior que os agrícolas nos índices de preço e pelo

gráfico 2 – relação entre preços agrícolas e industriais (IPA-OG-grupo i: produtos agrícolas / IPA- OG-grupo ii: produtos industriais) – jul. 1994 a jun. 2004

Fonte: GV/Conjuntura econômica (em www.ipeadata.gov.br).

gráfico 3 – índices de preços recebidos (ipr) e preços pagos (ipp) pelo agricultor; relação IPR/IPP (ago. 1994 = 100)

Fonte: Brasil - Ministério da Agricultura (www.agricultura.gov.br).

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fato de que os preços industriais cresceram menos que os preços agrícolas (medidos pela evolução do índice de preços agrícolas no atacado), à exceção do breve período já apontado.

Ainda que os preços agrícolas sejam importantes na formação do preço dos alimentos, trata-se, obviamen-te, de produtos diferentes, não apenas em vista dos mercados em que são transacionados, mas também pelo fato de que os alimentos que chegam ao consu-midor passam, em geral, por transformações indus-triais e por canais de distribuição no setor terciário. Assim, boa parte do valor dos alimentos que chegam ao consumidor é agregada nos segmentos industrial e de serviços dos sistemas agroindustriais.

Farina e Nunes (2003) entrevistaram executivos de diversos segmentos do sistema agroalimentar e iden-tificaram alguns importantes ajustamentos microe-conômicos às mudanças no ambiente competitivo pós-Real:

1) Redução de postos de trabalho – A redução de pos-tos de trabalho ocorreu tanto na área administra-tiva quanto produtiva. Várias empresas relataram quedas impressionantes no número de diretores e de níveis hierárquicos. No entanto, também no chão de fábrica ocorreram reduções importantes que resultaram de automação e da eliminação de ineficiências que produziram aumentos significa-tivos de produtividade.

2) Realização de investimentos em capital fixo – Tais investimentos são consistentes com a desmobili-zação de ativos que, em parte, lhes serviram de financiamento. A redefinição do leque de produtos e atividades englobados pelas empresas tornou possível a alienação de ativos e investimento em outros. Ainda assim, houve um aumento do endi-vidamento das empresas, o que levou, em alguns casos, à sua venda para empresas de maior porte, tanto nacionais como estrangeiras.

3) Redução dos estoques de insumos e produtos – Quase a metade das empresas entrevistadas informou ter havido reduções de estoques de maté-

rias-primas e produtos acabados, em conseqüência da otimização dos processos industriais e de me-lhoras na logística de distribuição e de suprimento. Este último aspecto permitiu que os mesmos níveis de segurança no abastecimento passassem a ser obtidos com estoques menores, com impacto direto sobre a necessidade de financiamento (capital de giro) das empresas.

4) Melhora na qualidade da matéria-prima – Espe-cialmente no setor de lácteos, mas presente em ou-tras indústrias de alimentos, melhoras na qualidade da matéria-prima permitiram reduzir perdas no processamento industrial, com redução direta dos custos. A capacidade de identificação e segregação de atributos específicos das matérias-primas deu margem à implementação de estratégias de dife-renciação de insumos adequados a determinados usos industriais, melhorando o rendimento na produção industrial e o resultado econômico.

5) Recurso a consultorias especializadas para diag-nóstico de processos e posicionamento estratégico das empresas – Mesmo empresas de médio porte recorreram a consultorias como forma de enfrentar as ameaças colocadas pela abertura econômica e, posteriormente, pela estabilização. Os resultados, entretanto, foram mais lentos do que se esperava e com a necessidade de novas consultorias. Os ajustamentos sugeridos incluíam desde a raciona-lização dos processos de gestão e produção até as estratégias de produto, tais como refocalização das atividades.

6) Treinamento de pessoal – A capacitação do pessoal foi entendida pelos empresários entrevistados como um complemento dos investimentos em capital fixo. Em um dos casos relatados, o inves-timento em capital fixo não gerou os resultados esperados (melhora da qualidade do produto, no caso específico), porque os trabalhadores diretos não tinham a percepção clara da importância da qualidade do produto, nem das conseqüências de procedimentos inadequados. Os relatos dos execu-tivos sugerem ainda uma elevação da qualificação da mão-de-obra contratada.

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julho de 20047) Melhorias na logística de abastecimento e dis-

tribuição – Os investimentos em sistemas mais eficientes de logística foi um dos itens mais citados nas entrevistas. Tanto para as redes de supermer-cados como para grandes empresas processadoras, os investimentos e racionalização dos centros de distribuição proporcionaram vantagens competiti-vas a custos menores. Segundo uma empresa líder na indústria brasileira de alimentos, a distribuição ainda é uma das barreiras à entrada mais importan-tes no Brasil. Tal realidade difere de mercados como o europeu ou norte-americano, onde existem em-presas que prestam esse serviço de forma eficiente e muito competitiva. O controle de uma rede de distribuição capilarizada e eficiente ainda constitui, no Brasil, uma grande vantagem competitiva que pode ser usada como plataforma de lançamento de produtos e parcerias com outras empresas.

8) Investimentos para reforçar marcas – Foram relata-dos esforços no sentido de padronizar dimensões, cores e circunstâncias de uso da marca até despesas vultosas com publicidade em diversos meios. Em geral, o reforço da marca estava relacionado com a redefinição do grupo estratégico em que a empresa compete.

9) Melhora da gestão de informações – A redução dos custos de coletar, armazenar e processar informa-ções é subjacente à maior parte das mudanças rela-tadas pelos executivos das empresas entrevistadas. Incluem-se nessa rubrica processos de gestão da qualidade que dependem de sistemas de controle e de registros de informação sobre processos, tais como HACCP e ISO. Tais sistemas resultam não apenas em gestão da qualidade e segurança do alimento, mas também em fonte de redução de custos decorrentes de menor número de horas de retrabalho ou de “recalls”, assim como redução dos custos de testes laboratoriais que demandam tempo e elevados custos de oportunidade.

10) Busca de canais alternativos de comercialização – Algumas indústrias e cooperativas relataram esforços bem-sucedidos para a criação ou revita-lização de canais alternativos de comercialização,

como o pequeno e médio varejo de alimentos, os pequenos estabelecimentos que preparam ali-mentos para o consumo final (“rotisseries”, lojas de comida congelada, restaurantes, bares e lanchone-tes), cozinhas industriais, cestas básicas e redes de franquias de serviços de alimentação.

Os efeitos positivos dos ajustes do sistema agroali-mentar concentraram-se no período 1994-1997. Se não houve um esgotamento completo das possibili-dades de ganhos de produtividade, as oportunidades tornam-se mais escassas à medida que as empresas resolvem os problemas mais óbvios. A escalada dos preços dos alimentos no segundo semestre de 2002, revertida parcialmente nos últimos 18 meses, sugere que a estabilidade do nível geral de preços favorece a competição no varejo, pois o consumidor tem mais e melhor informação e, em conseqüência, induz a redução dos preços dos alimentos.

♦ Este texto reproduz resultados de Farina e Nunes (2003).

Referências BibliográficasDias, G.L.S., Amaral, C.M. Mudanças estruturais na agricultura

brasileira, 1980 – 1998. In: Baumann, Renato (coord.), Brasil: uma década em transição. Editora Campus, 2000, Capítulo 6, p. 223-254.

Farina, E.M.M.Q; Nunes, R. A evolução do sistema agroalimentar no Brasil e a redução de preços para o consumidor: os efeitos da atuação dos grandes compradores. Texto Para Discussão, Brasília, v. 970, p. 1-68, 2003.

Homem de Melo, F. Agricultura brasileira nos anos 90: o real e o futuro. Economia Aplicada, v. 2, n. 1, p. 163-182, jan./mar. 1998.

_______. Os efeitos negativos da política cambial sobre a agricultura brasileira. Economia Aplicada, v. 3, n. especial, p. 35-46, março, 1999.

Mendonça de Barros, J.R.; Rizzieri, J.A.B.; Picchetti, P. Os efeitos da pesquisa agrícola para o consumidor. Relatório de Pesquisa. São Paulo: Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, 2001.

(*) Professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – FZEA-USP (Campus de Pirassununga).

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1- Considerações Iniciais

Passados dez anos, o Real é, sem dúvida, a mais bem-

sucedida experiência de combate à inflação vivida

pelo País ao longo das últimas décadas. A inflação

anualizada de 5.000% em junho de 1994 é reduzida

para uma taxa que vem convergindo para próximo de

6% a 7% em 2004. A meta é de 4,5% em 2005, em 2006 a meta de longo prazo é de 4% a.a..

Ao mesmo tempo, porém, percebe-se que o lento ritmo de crescimento não é, nesse período, diferente do que se vem observando desde o início dos anos oitenta. E, da mesma forma, a volatilidade das taxas de cres-cimento continua presente (Gráficos 1 e 2).

ANTONIO E. T. LANZANA LUIZ MARTINS LOPES (*)

viabilidades e desafios para aumentar o dinamismo do produto e do emprego

crescimento (% de variação anual do PIB)

crescimento (% de variação anual do PIB; média móvel 10 anos)

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Na realidade, pode-se concluir que embora a esta-bilização tenha sido conquistada, a tarefa ainda está incompleta, dado que o dinamismo do crescimento não foi retomado, uma vez que não se criou um clima favorável à expansão dos investimentos no País (Grá-fico 3). Como conseqüência, os índices de desemprego continuam elevados.

Embora os avanços observados no País (estabilização da moeda, câmbio flutuante, programas de metas de inflação, ajuste fiscal, entre outros) sejam signi-ficativos, o desafio da política econômica persiste: reverter a tendência de crescimento medíocre que o País vem assistindo desde o início dos anos oitenta. O grande desafio é aumentar o dinamismo do produto e do emprego de modo sustentável. E crescimento sustentado é a necessidade de investimento e de au-mentos da produtividade e do emprego da economia em níveis maiores, para o período dos próximos dez a trinta anos. A situação real da economia brasileira é, portanto, retomar seu potencial de crescimento, ao invés do comportamento positivo muito moderado e de domínio das bruscas oscilações do último quarto de século, em que o País cresce em alguns anos e recua para próximo da estagnação em outros.

2 - Produto e Emprego

As equações a seguir apresentadas mostram a dinâ-mica do processo de crescimento do produto e do emprego e ajudam a identificar as medidas que o País precisaria adotar para superar o desafio do crescimen-

to auto-sustentado. Iniciando-se com a equação do produto, ter-se-ia:

(1),

onde:

taxa de crescimento potencial do PIB.

taxa de investimento.

relação produto-capital (sendo “g” no setor público, “e” nas grandes empresas e “me” nas pequenas e médias empresas).

participação no estoque de capital (“g” no setor público, “e” nas grandes empresas e “me” nas pequenas e médias empresas).

Em termos de emprego, ter-se-ia:

(2),

onde:

taxa de crescimento do emprego.

participação no emprego (“g” no setor público, “e” nas grandes empresas e “me” nas empresas de pequeno porte).

investimento (% do PIB - trimestral)

* Estimativas; Fonte: IBGE* * Potencial para aumentar o Dinamismo do Produto e do Emprego: Investimento + de 25%; Crescimento + de 5% a 7%; Emprego + de

2% a 3% (relação entre emprego e produto algo acima de 0,5).

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Eg = elasticidade emprego-produto (relação em-prego-produto; “g” no setor público, “e” nas grandes empresas e “me” nas empresas de pequeno porte).

taxa de crescimento do produto (setor público (g), grandes empresas (e) e pequenas e mé-dias empresas (me)).

Os determinantes do processo de crescimento apre-sentados nas duas equações especificam as contribui-ções das quantidades de capital e de mão-de-obra. Os aumentos anuais de produtividade da economia são omitidos e são adicionados residualmente. Em nível mais agregado, a taxa de crescimento do produto do País é determinada pelo nível de investimento, que contempla o aumento anual do capital, e pelo resíduo de produtividade da economia, que engloba aumentos anuais da qualidade residual do capital e do trabalho efetivo, no setor privado e no governo, os quais geram, ao lado do capital, o crescimento anual potencial do País. Observações do lento crescimento desde 1999, in-cluindo estimativas até 2004, mostram um crescimento médio em torno de 2.0% aa, gerado por aumentos anuais de algo em torno de 1.3% de capital e de + de 0.7% do resíduo de produtividade.

Concentrando a análise na equação (1), pode-se veri-ficar que a contribuição do setor público, em termos de crescimento do produto, depende diretamente de

(a) e indiretamente de seus efeitos, em

termos de política sobre (b) (investi-

mentos das grandes empresas) e (c)

(investimentos das pequenas e médias empresas).

Analisando-se a atuação do setor público, inclusive a forma de ajuste fiscal que se tem observado pós 1999, verifica-se que esta tem contribuído para a redução do potencial de crescimento do País.

No que se refere ao termo (a), percebe-se que nos últimos anos, apesar do aumento da carga tributária, o setor público perdeu capacidade de investir em vir-tude do crescimento explosivo das despesas de custeio. Tais despesas, que representavam menos de 20% do PIB nos anos setenta, atingiram cerca de 35% do PIB recentemente. As distorções na composição do gasto público podem ser constatadas pelo crescimento mé-dio anual de 3,8% no consumo do governo (1995/2002), enquanto que no mesmo período a formação bruta de capital cresceu 0,7% a.a.

Como conseqüência desse quadro, a infra-estrutura do País (transportes, portos, saneamento básico, energia elétrica etc.) vem sofrendo forte processo de deterio-ração. Como os investimentos do setor privado (equa-ções (b) e (c)) são dependentes da disponibilidade de infra-estrutura, o investimento geral da economia tem tido comportamento retraído.

A incapacidade financeira do setor público de realizar os investimentos em infra-estrutura obriga o governo a compartilhar dessa responsabilidade juntamente com o setor privado. Ocorre, porém, que o setor privado somente pode ser atraído a atuar na área de infra-es-trutura (onde o retorno privado é menor que o social) se houver clima favorável aos investimentos, o que passa por uma perspectiva de retorno e estabilidade das “regras do jogo”. Para isso, a questão regulatória assume um papel fundamental, e aí encontra-se uma segunda grande limitação ao crescimento. As críticas do setor empresarial nessa área são inúmeras: a) au-sência de regulamentação adequada em toda a área de infra-estrutura (energia elétrica, transportes, logís-tica, saneamento etc.); b) dificuldade na obtenção de licenças ambientais; c) constantes mudanças nas regras existentes; d) instabilidade nas regras de funcionamen-to das agências reguladoras; e e) indefinição quanto ao papel da iniciativa privada e do poder público nos investimentos de infra-estrutura do País.

As limitações ao investimento privado estão também na forma como o governo tem conseguido ajustes nas contas públicas, isto é, via aumento da carga tributária.

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julho de 2004Além de reduzir a rentabilidade dos investimentos, as constantes mudanças no sistema tributário geram insegurança para o investimento privado.

No que se refere à criação de empregos, há motivos para supor que a contribuição das empresas de pequeno e médio porte poderia ser muito mais expressiva do que ocorre efetivamente no País. Concentrando a análise na equação (2), pode-se verificar que a contribuição das empresas de pequeno e médio portes para o cres-

cimento do emprego é dada por

, isto é, pelo produto da participação do segmento no emprego, pela relação emprego-produto e pela taxa de crescimento desse mesmo segmento. A contribuição dessas empresas poderia ser mais significativa, uma vez que a tendência natural é de maior expansão do setor serviços, exatamente onde se encontram as empresas de menor porte. Além disso, é natural que a relação emprego-produto seja maior nesse segmento

do que nas grandes empresas (isto é, Eme > Ee).

Partindo dessa perspectiva, seria importante, para se alcançar um maior dinamismo na geração de empregos, a criação de um ambiente favorável à ex-pansão dos pequenos negócios, o que efetivamente não tem sido observado. A adoção de uma política macroeconômica consistente é condição necessária, mas não suficiente, para a expansão dos negócios. É preciso criar um estado de espírito favorável à em-presa e ao empresário, um ambiente que permita o desenvolvimento do espírito empresarial, por meio do investimento.

As empresas de médio e pequeno porte têm desem-penhado papel importante em outros países, mas têm encontrado dificuldades de ocupar um maior espaço no Brasil. Além das dificuldades de ordem financeira (juros elevados e ausência de fontes de financiamento) e tributária (carga excessiva e freqüentes mudanças na regra do jogo, como ocorreu recentemente com o aumento da tributação sobre as empresas de serviços), nota-se que o excesso de regulamentação tem sufocado o segmento.

As dificuldades vão desde a abertura, passam pelo desenvolvimento e permanecem no fechamento. Na

abertura, nota-se que as exigências são excessivas, não há respostas por parte do setor público para pleitos importantes para o desenvolvimento das atividades, as taxas são muito elevadas e existem muitas restri-ções para o enquadramento como pequena empresa. No desenvolvimento dos negócios, as empresas de pequeno e médio porte se defrontam com obrigações incompatíveis com seu tamanho, são tratadas pelos fiscais como se fossem empresas de grande porte e ainda se defrontam com fiscalização punitiva e não orientadora. E no encerramento, as exigências conti-nuam excessivas.

A conseqüência desse quadro é um desestímulo à abertura de novos negócios e aumento da informa-lidade.

3 - Desafios

As conclusões extraídas ao longo do texto permitem identificar que os desafios para a obtenção de maiores taxas de expansão do produto e do emprego estão em duas grandes áreas. A primeira delas é a questão da regulamentação. De um lado, é preciso definir com urgência as pendências regulatórias que estão em-perrando a decisão do setor privado na área de infra-estrutura. E nessas decisões é evidente a importância do papel reservado ao setor privado, para prosseguir e aprofundar o desenvolvimento, juntamente com a persistente atuação do governo, porque, sem dúvida, a rota está dada, mas ainda há muito por fazer no pro-cesso de reformas pendentes e de clareza das regras simples e estáveis da economia.

Ainda na questão de regulamentação, é preciso “facilitar a vida” dos pequenos empreendimentos, facilitando a abertura, o desenvolvimento e o encer-ramento de empresas. Em países como a França, por exemplo, com um único documento é possível abrir uma empresa, o que é feito de forma quase automática. Parece indispensável criar uma consciência de que a falta de emprego é conseqüência também da falta de empreendedores.

A segunda questão é a necessidade de se alterar a forma como vem sendo promovido o ajuste fiscal. A

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política fiscal está sendo conduzida de forma adequa-da do ponto de vista do controle do déficit: geração de superávit primário, que vem permitindo a necessária estabilidade e até redução da dívida pública. Entre-tanto, é necessário mudar o regime fiscal. Não é mais possível conviver com um crescimento tão expressivo das despesas de custeio do setor público. Ao impor aumento da carga tributária e corte de investimento para alcançar o equilíbrio fiscal, o pesado ônus do custeio “liquida” o investimento privado, na medida em que não disponibiliza a infra-estrutura e reduz o retorno pelo aumento dos impostos.

Argumenta-se que a elevação do custeio do governo tem contribuído para aumentar o nível de emprego, dada a elevada relação emprego-produto no setor público. É importante destacar, porém, que o emprego deve ser criado a partir da geração de produção, o que garante a expansão contínua de novas oportunidades de trabalho. O que se observa atualmente é a criação de empregos pelo setor público, por aumentos exces-sivos do gasto de custeio do governo, que aumenta a demanda agregada, mas que não gera produto poten-cial. Ao contrário, limita a capacidade de expansão da economia, pela falta de infra-estrutura, pela redução do patamar de investimento, que não gera aumento da oferta agregada.

É preciso que o setor público reduza as despesas de custeio para que os novos empregos sejam amplia-dos pelo aumento dos investimentos: por parte do governo, mediante investimentos tradicionais e de infra-estrutura, e por parte do setor privado, por meio de parcerias com o governo (PPP), bem como por ampliação do investimento potencial e setorial. Afinal, o investimento privado é o indutor principal da economia do País.

A situação da economia é favorável em dez anos do Real do ponto de vista de estabilização interna e exter-na. A inflação é reduzida devido à redução do déficit público. As exportações crescem continuamente, re-duzindo o déficit em transações correntes e a relação da dívida externa sobre as exportações.

O risco de vulnerabilidade da economia enfrentado no passado associava-se às questões de inflação alta e de endividamento público insustentáveis. Na situação atual, o risco de vulnerabilidade da economia está associado ao baixo crescimento potencial do País. O nível de juros, dado pela Selic, algo próximo de 9% real (16% menos inflação, em julho-2004), acima do necessário para controlar o risco financeiro, é fruto da política monetária com restrições em excesso (o juro básico poderia estar convergindo para algo próximo de 5% a 6% real na situação atual: juro nominal de 12%, inflação próxima de 6% e viabilidade de menor risco do título público) e da expansão fiscal de aumentos reais excessivos do custeio (em lugar de expansão fiscal realizando o investimento do governo em fluxo anual maior), que controlam, de forma adversa, a demanda agregada em níveis somente compatíveis com lento ritmo de crescimento potencial.

A obtenção de crescimento maior que 5% a 7% ao ano, nas próximas décadas, a começar em 2004 e 2005, é fundamental para que o País não retorne às condições de vulnerabilidade de inflação alta e de endividamento público insustentáveis de anos pas-sados antes do Real.

(*) Professores da FEA-USP.