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Planejamento do Desenvolvimento Sustentável Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA Universidade Federal do Pará – UFPA ROSANE MARIA ALBINO STEINBRENNER PARA ALÉM DA INFORMAÇÃO: DILEMAS E DESAFIOS À PARTICIPAÇÃO Belém, 2006

PARA ALÉM DA INFORMAÇÃO: DILEMAS E DESAFIOS À ...repositorio.ufpa.br/jspui/bitstream/2011/2528/1/Dissertacao_Para... · ... Comparação entre a teoria hipodérmica e a teoria

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Planejamento do Desenvolvimento Sustentvel Ncleo de Altos Estudos Amaznicos NAEA

Universidade Federal do Par UFPA

ROSANE MARIA ALBINO STEINBRENNER

PARA ALM DA INFORMAO:

DILEMAS E DESAFIOS PARTICIPAO

Belm, 2006

Planejamento do Desenvolvimento Sustentvel - PLADES

Ncleo de Altos Estudos Amaznicos NAEA

Universidade Federal do Par UFPA

Esta dissertao foi apresentada como quesito parcial

para a obteno do ttulo de mestre em Planejamento

do Desenvolvimento Sustentvel PLADES, Programa de

Ps-Graduao Interdisciplinar em Desenvolvimento

Sustentvel do Trpico mido PDTU, submetida

e aprovada pela seguinte banca examinadora:

_______________________________________________

Prof. Dr. Thomas Hurtienne. Orientador

_______________________________________________

Prof. Dr. Armin Mathis Examinador

______________________________________________

Prof. Heribert Schmitz Examinador Externo

Janeiro de 2006

Planejamento do Desenvolvimento Sustentvel - PLADES Ncleo de Altos Estudos Amaznicos NAEA

Universidade Federal do Par UFPA

ROSANE MARIA ALBINO STEINBRENNER

PARA ALM DA INFORMAO:

DILEMAS E DESAFIOS PARTICIPAO

Dissertao submetida ao Programa de Ps-Graduao Interdisciplinar

em Desenvolvimento Sustentvel do Trpico mido PDTU, como

quesito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em

Planejamento do Desenvolvimento Sustentvel,

sob orientao do Prof. Dr. Thomas Hurtienne

Belm, Janeiro de 2006.

Agradecimentos

Agradecimentos gerais so mais seguros, pois no se corre o risco de deixar de

citar quem muito merece. So no entanto sem cr e sem afeto. Como acredito que s

movidos pela compreenso alheia conseguimos insistir em pesquisar as coisas do

mundo e da vida, vou detalhar um pouco meu muito obrigada:

Gostaria de agradecer a todos os membros do Conselho Municipal de

Desenvolvimento Rural de Moju, de forma especial ao seu Aldenor , incansvel em suas

memrias que tanto contriburam com esta pesquisa e ao apoio fundamental do

Vanderlei , sem o qual chegar at as comunidades rurais no teria sido nada simples.

Agradeo tambm s famlias do seu Deca e Dodival, de Catarino e Tiana, tambm

Evaristo, e de dona Rosalina e sua turma, que permitiram que eu estendesse minha rede

e os enchesse de perguntas. Foram meus guias e informantes generosos.

Obrigada tambm ao Luciano Marques e James Johnson, que franquearam o

acesso pleno s informaes do GESPAN. No poderia deixar de agradecer aos amigos

que leram e discutiram o que aqui tentava se construir, em especial a Max Steinbrenner

e Benno Pokorny, como tambm s sugestes preciosas do Dr. Heribert Schmitz. Por

fim, meu total obrigada confiana e apoio do meu orientador, professor Dr. Thomas

Hurtienne.

Dedico este trabalho ao meu marido Max,

s minhas filhas Vitria e Anna Jlia.

Porque me agentam, me adoam e, ao final, me fazem rir da vida.

SUMRIO

Introduo ........................................................................................................... 14

CAPTULO 1 Caminhos Tericos .................................................................. 23

1.1 A Comunicao no centro da questo ............................................ 23

1.1.1 Comunicao como processo ......................................................... 28

1.1.1.1 Processo de comunicao em duas etapas ............................... 31

1.1.1.2 Lderes-comunicadores no centro da comunicao................. 33

1.1.2 Comunicao como parte da realidade humana ............................. 37

1.1.2.1 A comunicao segundo Luhmann.......................................... 38

1.1.2.2 O contraponto de Habermas .................................................... 40

1.2 Participao mltipla e diversa....................................................... 42

1.2.1 Nveis da participao .................................................................... 44

1.2.2 Participao e Poder ....................................................................... 46

1.3 Capital Social e Participao .......................................................... 49

1.4 Capital social e capital simblico ................................................... 51

1.4.1 Comunicao e informao como capital simblico...................... 55

CAPTULO 2 Contexto Geral ......................................................................... 58

2.1 Os caminhos da participao .......................................................... 58

2.1.1 Nos passos da democracia .............................................................. 59

2.1.2 Os Conselhos como novas formas de participao ........................ 64

2.1.3 A origem histrica dos conselhos................................................... 68

2.2 Desenvolvimento na Amaznia e Participao .............................. 70

2.2.1 Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar ............................. 74

2.2.2 O surgimento do PRONAF e a multiplicao dos CMDRs ........... 77

CAPTULO 3 Contexto Local......................................................................... 87

3.1 O Local: Moju ................................................................................ 87

3.2 Populao, condio scio-econmica e organizao local ........... 90

3.2.1 Breve histrico de Moju ............................................................... 102

3.3 O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Meio

Ambiente ...................................................................................... 107

3.3.1 Primeira fase: origem e primeiros anos ........................................ 107

3.3.2 Segunda fase: o CMDRMA com PRONAF................................. 111

3.3.3 Terceira fase: O CMDRMA sem PRONAF e com GESPAN...... 113

3.3.3.1 O projeto GESPAN................................................................ 113

3.3.3.2 Antecedentes do projeto ........................................................ 119

3.3.3.3 Fortalecimento do CMDRMA............................................... 122

3.3.3.4 Fortalecimento do CMDRMA nas Comunidades Rurais ...... 126

3.3.4 Quarta fase: CMDRMA sem PRONAF, sem GESPAN e com novo

cenrio poltico local. ................................................................... 130

CAPTULO 4 Cenrios e Interaes ............................................................. 147

4.1 A Pesquisa .................................................................................... 147

4.2 Principais resultados e discusso.................................................. 164

4.2.1 Anlise quanto participao....................................................... 164

4.2.2 Anlise quanto comunicao ..................................................... 173

Concluso ......................................................................................................... 180

Bibliografia ....................................................................................................... 188

ANEXO ............................................................................................................ 205

Lista de Figuras

Figura 1: Comparao entre a teoria hipodrmica e a teoria de Lazersfeld. .................. 33

Figura 2: O Processo de Folkcomunicao .................................................................... 34

Figura 3: Mapa do Par com localizao do municpio de Moju (Fonte IBGE.cidades@) ......................................................................................... 87

Figura 4: Regies Administrativas de Moju (Fonte: PROJETO GESPAN, 2002). .... 100

Figura 5: Representao dos Conselheiros efetivos do CMDRMA............................ 134

Figura 6: Forma de escolha dos conselheiros efetivos do CMDRMA......................... 134

Figura 7: Mecanismo de comunicao entre conselheiros efetivos e suas bases ......... 135

Figura 8: Gnero dos Membros Efetivos...................................................................... 139

Figura 9: Faixa Etria dos Conselheiros -CMDMA Moju ........................................... 139

Figura 10: Nmero de gestes como conselheiro dos membros efetivos do CMDRMA............................................................................................................ 140

Figura 11: Capacitao dos conselheiros efetivos do CMDRMA MOJU................. 140

Figura 12: Escolaridade dos conselheiros efetivos do CMDRMA MOJU............... 141

Figura 13: Principais assuntos discutidos nas reunies do CMDRMA........................ 142

Figura 14: Avaliao do impacto do funcionamento do CMDRMA na gesto Semagri................................................................................................................. 143

Figura 15: Avaliao do grau de compromisso do governo municipal com as decises tomadas pelo CMDRMA...................................................................................... 144

Figura 16: Posicionamento poltico dos informantes ................................................... 146

Figura 17: Filiao partidria conselheiros efetivos do CMDRMA............................ 146

Figura 18: Candidatura poltica dos conselheiros efetivos do CMDRMA................ 146

Figura 19: Evoluo dos nveis de participao do CMDRMA................................... 172

Figura 20: Esquema do processo de comunicao observado...................................... 175

Lista de Tabelas

Tabela 1: Evoluo do crescimento populacional no Municpio de Moju ( 1940 a 2005)......................................................................................................... 91

Tabela 2: Comparativo do ndice de Desenvolvimento Humano (Fonte PNUD, 2000)....................................................................................................................... 92

Tabela 3: Evoluo da Extrao Vegetal e Silvicultura no municpio de Moju............. 94

Tabela 4: Evoluo de produo pecuria no municpio de Moju. ................................ 96

Tabela 5: Evoluo da produo Agrcola do municpio de MOJU............................... 97

Tabela 6: Evoluo do nmero de estabelecimentos rurais (NE) por extratos de rea Moju (PA)............................................................................................................... 99

Tabela 7: Sntese da participao do CMDRMA ......................................................... 172

Tabela 8: Nvel de informao sobre o CMDRMA nas comunidades rurais visitadas ................................................................................................................ 177

Lista de Abreviaturas e Smbolos

ABC - Agncia Brasileira de Cooperao (rgo do Itamaraty)

CEBE - Comunidade Eclesiais de Base

CMDR - Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural

CMDRMA Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente de Moju

DFID Department for International Development (Departamento para Desenvolvimento Internacional (UK)

EMATER - Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

DENDROGENE Projeto de Conservao Gentica em Florestas Manejadas da Amaznia

FAO Food and Agriculture Organization

FNO - Fundo Constitucional de Financiamento do Norte

GESPAN Projeto Gesto Participativa de Recursos Naturais

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IDESP- Instituto de Estudos Econmicos, Sociais e Polticos de So Paulo.

IDH - ndices de Desenvolvimento Humano

IICA Instituto Interamericano de Cooperao para a Agricultura

INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

LDO - Lei de Diretrizes Oramentrias

MCF Meios de Comunicao de Folk

MCM Meios de Comunicao em Massa

MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

ONG Organizao No Governamental

PIB - Produto Interno Bruto

PLANAF Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PMDR - Plano Municipal de Desenvolvimento Rural

PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

PPG7 - Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil

PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PR-UFRA - Projeto de Fortalecimento Institucional da Universidade Federal Rural da Amaznia

PROVAP - Programa de Valorizao da Pequena Produo Rural

SAF / MDA - Secretaria de Agricultura Familiar / MDA

SECTAM Secretaria de Cincia e Tecnologia e Meio Ambiente

SEMAGRI Secretaria Municipal da Agricultura

QI-MCS - Questionrio Integrado para Medir Capital Social

UEPA Universidade Estadual do Par

UFRA Universidade Federal Rural da Amaznia

VBP - Valor Bruto de Produo

ZEE-P - Zoneamento Ecolgico Econmico Participativo

Resumo

Na era da chamada sociedade da informao, tende-se a pensar que saber das

coisas faz toda a diferena na hora da escolha por determinado comportamento. O que

se percebe, no entanto, que, sem desmerecer a relevncia da informao nos processos

de tomada de conscincia e empoderamento social, tal correlao est longe de ter uma

evidncia to direta. Apesar disso, inmeras instituies voltadas ao desenvolvimento,

mesmo com discursos avanados, ainda se mantm atreladas a vises difusionistas

ultrapassadas, que tratam informao e comunicao como sinnimos. Tentar entender a

relao entre comunicao e participao cidad foi o que motivou este estudo, que tem

como foco o espao rural amaznico. Para tanto foi realizado um estudo de caso,

levando em conta um processo determinado de induo externa ao desenvolvimento

local sustentvel (Projeto GESPAN), com destaque para os processo de participao de

um ator social especfico (Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural). Evidenciou-

se que a comunicao, enquanto processo de produo e consumo de mensagem, como

normalmente entendida pelos agentes de interveno, desempenha um papel

ambivalente nas dinmicas do desenvolvimento rural. Podem contribuir para a

participao e incluso das comunidades rurais ou, o contrrio, podem limitar,

manipular ou impedir o acesso informao e, portanto, promover um isolamento ainda

maior das comunidades perifricas. Revelou-se tambm uma correlao entre capital

social e disseminao da informao relevante nas comunidades.

Palavras chaves: Comunicao, participao, Conselho Municipal de

Desenvolvimento Rural, Gespan.

Abstract

In the age of the so called society of information, one tends to think that "to

know about the things" makes the difference in the moment of the choice for a

determined behaviour. What can be perceived, however, is that, without undeserving the

relevance of the information in the processes of constructing consciousness and social

empowerment, such correlation is far to have a that direct evidence. Nevertheless, many

institutions dealing with development, even thus using an advanced discourse, still

remain leashed to an outdated diffusionistic understanding, which treat information and

communication as synonyms. To try to understand the relation between communication

and participation of citizens, was what motivated this study, which focuses the

Amazonian country side, considering a process defined by an external induction of

sustainable local development (Project GESPAN), with prominence on the processes of

participation of a specific social actor (The Municipal Council for Rural Development

of Moju City). It turned evident that communication itself and the central actors in the

communication process play an ambivalent role in the dynamics of agricultural

development. They can contribute for participation and inclusion of rural communities

or on the contrary, can delimit, manipulate or even obstruct the access to information

and therefore, promote an even increased isolation of communities in peripheries. Also

a correlation between social capital and dissemination of relevant information in the

communities has been revealed.

Key Words: Communication, participation, social capital, Municipal Council

for Rural Development

Para Alm da Informao 14

Introduo

Eu quero estar por dentro, quero saber das coisas. Esta frase, dita por uma

liderana comunitria numa distante comunidade rural no interior da Amaznia,

respondia inquietao de um agricultor que, entretido na lida diria e vendo o outro

saindo para mais uma reunio, perguntava - Mas porque tu te mete nisto (sic)?. Para

cientistas sociais, polticos, tcnicos e gestores de polticas ou de aes pblicas, essa

mesma indagao tem a seguinte traduo: afinal, o que motiva a participao?

Na era da chamada sociedade da informao, tende-se a pensar que saber das

coisas faz toda a diferena na hora da escolha por determinado comportamento. Numa

viso muito linear poderia se argumentar que, considerando a informao como insumo

bsico do desenvolvimento (BORGES, 2000), que sem comunicao no h informao

(BORDENAVE, 1982) e que a participao, portanto, depende intrinsecamente do

exerccio da comunicao, ampliar as habilidades e as oportunidades de comunicar, de

indivduos e grupos sociais, contribui para a expanso das capacidades (capabilities)

das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam (SEN, 2002, pg 32).

Teramos a ento, uma correlao direta entre comunicao e participao, ou

seja, quanto maior o volume de informao relevante adquirida em processos de

interao entre indivduos ou grupo de indivduos, maiores tambm as possibilidades de

participao. Tal parece ser o entendimento de inmeras iniciativas externas de induo

ao desenvolvimento local. O que se percebe, no entanto, que, sem desmerecer a

relevncia da informao nos processos de tomada de conscincia e empoderamento

social, tal correlao est longe de ter uma evidncia to direta.

Para Alm da Informao 15

Tentar entender esta correlao entre participao e comunicao foi o que

motivou este estudo, que se situa de certa forma no territrio do contexto

comunicacional das mensagens, o que implica em situar processos comunicativos em

determinada conjuntura ou perspectiva social, cultural ou poltica (SANTAELLA,

2002). Como o campo de estudo proposto o rural, optou-se pelo estudo de caso de

uma dada territorialidade um municpio com caractersticas essencialmente rurais -

levando-se em conta um processo determinado de induo externa ao desenvolvimento

local sustentvel, com destaque para os processo de participao de um ator social

especfico.

A escolha do lcus a ser observado recaiu sobre Moju, municpio

eminentemente rural no Nordeste Paraense, que carrega em si a diversidade e

heterogeneidade tpica do cenrio rural amaznico, e onde foi desenvolvido, entre 2001

e 2005, o projeto GESPAN - Gesto Participativa de Recursos Naturais que, por sua

proposta e abordagem, oferecia um contexto extremamente favorvel linha de

pesquisa deste estudo. Resultado de uma cooperao tcnica entre EMBRAPA

Amaznia Oriental, Departamento para o Desenvolvimento Internacional (DFID -

Reino Unido) e Agncia Brasileira de Cooperao (ABC), tinha como objetivo central

proporcionar uma nova estratgia de desenvolvimento local com enfoque na incluso

social e na gesto participativa de recursos naturais. Ou seja, o GESPAN assumiu como

elemento estruturante a participao e adotou a comunicao como estratgia

participativa (PECOM, 2003).

Dentro desse objetivo, o fortalecimento do Conselho Municipal de

Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente de Moju (CMDRMA) tornou-se um de seus

principais produtos e sua ao primeira. Na verdade desde o incio do projeto no

Para Alm da Informao 16

municpio o Conselho foi no s o parceiro-chave, mas tambm o ator escolhido para

mediatizar as relaes dos parceiros e das atividades do projeto especialmente junto a

seus beneficirios diretos - as comunidades rurais (PROJETO GESPAN, 2005a). Isso

significa dizer que a figura do Conselho de desenvolvimento rural do municpio situou-

se numa posio central no processo comunicacional em questo. Por esse motivo,

nossa observao tambm tem o Conselho como eixo de observaro e anlise.

A inteno deste estudo , portanto, antes de tudo, uma anlise do contexto

criado pelo GESPAN1, a partir de um incremento no volume de informao dirigida ao

fortalecimento do protagonismo local, no sentido de avaliar, no campo do

desenvolvimento rural, as possveis mudanas na participao, antes, durante e depois

da ao de externos, com um recorte especfico sobre os possveis efeitos do incremento

da informao, sobre a atuao e funcionamento do Conselho de Desenvolvimento

Rural e Meio Ambiente de Moju (CDRMA).

Atravs do projeto, o Conselho vivenciou um intenso processo de fortalecimento

- que inclua inmeras aes de comunicao (reunies, oficinas, treinamento, viagens,

deslocamentos). Pretendeu-se entender nesse sentido, a relao entre este novo e

provisrio contexto comunicacional, desenvolvido a partir de uma induo externa, e a

participao nos processos de tomada de deciso. Nesse sentido, procurou-se perceber

at que ponto um maior volume de informao, ofertado pelas aes de comunicao do

1 So vrios os fatores que sugerem a importncia de uma anlise e avaliao do projeto GESPAN, entre os quais poderia se

destacar sua proposta de uma abordagem inovadora na gesto dos recursos naturais, o volume de recursos investidos (1,2 milho

de libras esterlinas) e tambm a visibilidade alcanada o projeto GESPAN tornou-se referncia para o Estado na formulao do

Zoneamento Ecolgico Econmico do Par e acaba de receber (dezembro de 2005) o Prmio Chico Mendes de Meio Ambiente,

verso 2005, promovido pelo Ministrio do Meio Ambiente, obtendo o primeiro lugar na categoria Cincia e Tecnologia. Neste

estudo, porm, no tem como objetivo uma avaliao do projeto. Algumas aes realizadas, mtodos utilizados e resultados obtidos

pelo GESPAN sero analisados sim, mas essencialmente por serem, em algumas situaes, contexto e indicador de resultado do

processo comunicacional observado.

Para Alm da Informao 17

GESPAN, fortaleceu a relao da entidade com suas bases rurais, afetou a participao

do Conselho nas polticas e aes pblicas do municpio, voltadas ao desenvolvimento

rural, mas tambm influenciou a participao mais direta de agricultores nos processos

de tomada de deciso do CMDRMA.

A problemtica que motivou este estudo foi a constatao de que, apesar das

boas intenes e do consenso terico que a partir dos anos 90 passou a apresentar a

participao como componente fundamental na construo do desenvolvimento

sustentvel, inmeros projetos ainda fracassam por deficincias nos processos de

participao dos grupos locais. (BANDEIRA, 1999; BARBANTI, 2004). Muitas vezes

toda a dinmica de mobilizao patrocinada por estmulos exgenos cessa com a sada

dos externos, o que resulta em impactos negativos - do desperdcio de recursos

frustrao dos atores locais - que contribuem para aumentar o descrdito em relao

eficcia das aes pblicas. A comunicao, enquanto processo de interao e

agregao social (WIENER, 1973; SANTAELLA, 2002; VELOSO, 1969), que tem

como papel decisivo transmisso de significados entre pessoas no processo de

insero e integrao do indivduo na organizao social (DUMAZEDIER, 1966),

portanto, como componente constitutivo da participao, parece estar situada no centro

da problemtica.

Uma questo relevante, que essa dicotomia quanto participao - inmeras

vezes existente entre o discurso e a prtica das instituies voltadas ao desenvolvimento

- alcana tambm a noo da comunicao. Mesmo diante de parmetros tericos

contemporneos de teor sociolgico (LUHMAN, 1998; HABERMAS, 1990), que

expandem o entendimento da comunicao para alm da informao, ainda o modelo

difusionista (ROGERS, 1962), com base na sociologia da modernizao (LERNER,

Para Alm da Informao 18

1958) que, na prtica, ainda permanece na pauta, ou nas veias, dos agentes de

interveno social.

Nesse sentido, de forma geral, pode-se dizer que a problemtica em torno da

comunicao encarada do ponto de vista da privao de informao. Nesse caso, ficar

de fora da rede por onde circulam informaes relevantes para a tomada de decises

finda gerando privao de liberdades substantivas, como a liberdade de participao

poltica ou a oportunidade de receber educao bsica ou assistncia mdica ou ainda de

ter acesso a mercado e renda (SEN, 2002). O trabalho de mobilizao, no entanto,

quando se d atravs dos chamados segmentos ideais, i.e. das lideranas expontneas ou

representantes formais, exclui assim os atores mais isolados ou menos habilitados

participao.

A informao relevante acaba restrita como coloca Beltro (1980) figura dos

lderes-comunicadores, no caso os conselheiros ou lideranas das comunidades, que

recebem em primeira mo a mensagem, com o compromisso de posteriormente

multiplicar essa informao entre os demais membros do seu grupo social - o que nem

sempre acontece ou feito de forma restrita por fatores diversos, que englobam desde a

questo dos interesses pessoais desses mediadores de informao at impedimentos ou

limitaes de ordem material. Para esses atores mediadores sociais, ou lderes-

comunicadores, a informao assume o carter de capital simblico (BOURDIEU,

1989) fundamental manuteno de sua posio no jogo de foras das relaes locais.

Abordagens que, por exemplo, de certa forma impem ou limitam-se ao trabalho

em grupo, excluem os que no fazem parte do grupo. Conseqentemente, a dinmica

estar tendencialmente dominada pelos mais fortes, mais aptos ou mais adaptados ao

processo de participao. Sem que se perceba, a opo por este conceito implicita

Para Alm da Informao 19

apoiar e fortalecer as elites locais e descartar os mais desfavorecidos nas comunidades,

os quais precisariam de suporte ainda mais urgente. (POKORNY, comunicao verbal

in STEINBRENNER, 2004; BARBANTI, 2004).

O referencial terico e metodolgico que orienta a pesquisa funda-se numa srie

de autores que por caminhos nem sempre convergentes auxiliam numa anlise das

dinmicas em torno da comunicao e da participao social, tendo em vista

essencialmente fatores microssociais (BORDENAVE; 1982,1994; BELTRO, 2004

PUTNAM; 1986; GROTAERT et al, 2003), como, por exemplo, o funcionamento e

perfil dos participantes da organizao social analisada a relao entre as lideranas

(conselheiros) e seus adeptos ou o vislumbre das formas de organizao e os laos

existentes nas comunidades rurais, mas tambm o entendimento dos fatores

macrossociais (GOHN; 1997; FISCHER, 2002; HOUTZAGER et al, 2005; CHAZEL,

1995), como por exemplo, as condies e o contexto da emergncia e da trajetria do

ator coletivo em questo (Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural).

A anlise baseou-se em dados primrios e secundrios. Como fontes secundrias

foram consultados: a) documentos internos produzidos pela instituio gestora do

projeto (como relatrios, anlise de consultoria externa, manual de treinamento); b)

documentos de informao pblica produzidos pelo projeto (informaes

socioeconmicas e diagnstico ambiental de Moju, Zoneamento Ecolgico e

Econmico Participativo de Moju (ZEE-P); Plano Municipal de Desenvolvimento

Rural, informaes sobre o CMDRMA de Moju); c) documentos internos e pblicos do

ator social analisado (atas e listas de presena de reunies do CMDRMA, regimento

interno e lei municipal; d) informaes censitrias (Censos demogrficos, Perfil dos

Municpios Brasileiros, Censos Agropecurios) sobre o municpio, ndice de

Para Alm da Informao 20

Desenvolvimento Humano (IDH) e ainda e) dados de livros, artigos e outros textos de

diversos autores contendo dados histricos, sociais ou econmicos do municpio e do

ator social em questo.

Como fonte de dados primrios so utilizados: f) os livros de Atas do Conselho

Municipal de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente de Moju, bem como as listas de

presena existentes; g) o acompanhamento do processo de avaliao final do projeto

GESPAN (entrevistas e oficina de avaliao de resultados; h) entrevistas realizadas com

agentes sociais envolvidos na gesto do projeto gerador da informao e proponente das

aes de comunicao (GESPAN) bem como i) dos envolvidos na recepo da

informao (membros do CMDRMA, lideranas e pessoas-chave de comunidades rurais

selecionadas) e tambm i) a observao direta nas comunidades rurais selecionadas bem

como de reunies e assemblias do Conselho (CMDRMA).

A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de fevereiro de 2004 e

novembro de 2005, no municpio de Moju (com exceo de algumas entrevistas

realizadas com gestores do projeto na cidade de Belm). Alm da sede administrativa do

municpio, onde alm de entrevistas foram tambm acompanhadas reunies do

CMDRMA e realizada a pesquisa documental, foram realizados levantamentos,

incluindo observao direta, passeios participantes, entrevistas abertas semi-estruturadas

e estruturadas em trs comunidades rurais selecionadas especialmente segundo critrios

distintos de isolamento (distncia da sede e acessibilidade) e envolvimento nas

atividades do projeto, num total de 57 entrevistas. As trs comunidades selecionadas

(Caet, Socco e Soledade) funcionaram como localidades-plo durante os processos de

mobilizao dos atores locais e a articulao era feita basicamente por membros do

CMDRMA de Moju.

Para Alm da Informao 21

No sentido de melhor perceber as formas de organizao nas comunidades

selecionadas em relaes ao contexto local, e assim buscar entender os nveis de

interao e visibilidade do Conselho junto s comunidades rurais, optou-se em inserir

nas entrevistas com as lideranas locais indagaes2 sobre relaes de confiana,

solidariedade, participao em redes sociais, acesso informao e ao poltica, que

pudessem ajudar a entender melhor as dinmicas locais, dentro do que Putnam (1986)

chama de condies de sade cvica ou estoque de capital social existente nas

comunidades.

Esta dissertao est dividida em quatro captulos, que buscam conduzir de

forma coerente o desenvolvimento dos caminhos tericos seguidos e sua relao com o

trabalho emprico efetuado. O primeiro captulo trar ao leitor parte do referencial

terico e metodolgico de anlise tanto no que diz respeito s categorias centrais desse

estudo participao e comunicao bem como ir apresentar outros conceitos caros

ao entendimento e anlise do objeto proposto, como as noes de informao, capital

social, poder e empoderamento

O segundo captulo introduz questes de contexto geral, buscando situar a

questo da participao e da comunicao na perspectiva dos diferentes modelos de

desenvolvimento pensados para a Amaznia nos ltimos 30 anos; a relao entre

agricultura familiar, participao e desenvolvimento rural; da discusso dos processos

de democratizao e o surgimento de novas formas de participao institucionalizada,

como os conselhos municipais de desenvolvimento rural, multiplicados a partir da

2 As perguntas tiveram como base o Questionrio Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS). Banco Mundial (Coordenadores: Christiaan Grootaert, Deepa Narayan, Veronica Nyhan Jones e Michael Woolcock, 2003) Disponvel em:

http//:www.Questionario%20Integrado%20para%20medir% 20Capital%20Social%20Banco%20Mundial.pdf

Para Alm da Informao 22

Constituio de 88 e incrementados nos anos 90 a partir do surgimento do PRONAF

(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).

O terceiro captulo apresentar o contexto focal, ou seja, o lcus de ao dos

agentes e instituies envolvidos nos processos comunicacionais e participativos em

foco. Nesse sentido ser caracterizado o municpio de Moju, o Conselho Municipal de

Desenvolvimento e Meio Ambiente e tambm uma apresentao do projeto GESPAN

tendo em vista os pontos mais relevantes a este estudo. O quarto captulo ser reservado

para a apresentao das ferramentas metodolgicas utilizadas e uma discusso dos

principais resultados obtidos. Finalmente, mas sem nenhuma pretenso de encerrar o

assunto, a concluso buscar pontuar com clareza as dedues centrais obtidas ao longo

deste trajeto de investigao e anlise.

Para Alm da Informao 23

CAPTULO 1 Caminhos Tericos

Neste primeiro captulo pretendemos apresentar um conjunto de postulados

bsicos, de autores diversos, que nos ajudaram a compreender e situar nosso objeto de

estudo, tendo como base justamente as duas categorias aqui relacionadas: a

comunicao e a participao. O entendimento de algumas noes, que contribuem para

o entendimento da realidade observada, como capital social e poder simblico, tambm

so abordadas, ainda que breve e modestamente. Alguns dos autores e suas proposies

tericas orientaram a coleta de dados e sua anlise, como os entendimentos de

Bordenave (1986) sobre os nveis e tipos de participao ou a compreenso da

importncia de tentar detectar a existncia de elementos chave da noo de capital

social nas interaes entre os atores locais (PUTNAM, 1986; GROTAERT et al, 2003).

Outros foram revelados pela prpria demanda da empiria a exigir confirmao,

ou como diria Merton (1970), como resultado dos saltos intuitivos ou das

observaes inacabadas e mesmo das felizes ocorrncias que vo surgindo

desordenadamente durante a pesquisa (1968, p. 20). Este o caso do acesso Paul

Lazarsfeld (1944) e sua compreenso dos processos de comunicao em dois estgios e

Luiz Beltro (1980), com sua percepo da figura dos lderes-comunicadores como

elementos-chave da comunicao, especialmente em comunidades perifricas.

.

1.1 A Comunicao no centro da questo

A comunicao uma experincia diria em nossas vidas. No h tema na vida

social que seja estranho comunicao, j que no h sociedade ou comunidade sem

comunicao entre os homens (BRAGA e CALAZANS, 2001, p.10), o que significa

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dizer que a comunicao tem uma abrangncia avassaladora. Somos naturalmente

levados a comear com a pergunta clssica: o que afinal comunicao? No sentido

etimolgico da palavra o termo Comunicao, do latim. communicatione, definido

como o ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de mtodos

e/ou processos convencionados, quer atravs da linguagem falada ou escrita, quer de

outros sinais, signos ou smbolos, quer de aparelhamento tcnico especializado, sonoro

e/ou visual. Comunicao tambm pode ser entendida como a capacidade de trocar ou

discutir idias, de dialogar, de conversar, com vista ao bom entendimento entre pessoas

(AURLIO, 1996).

Definir, porm, o conceito de comunicao, por sua natureza multidisciplinar,

no algo simples. Fiske (1990 apud SANTAELLA, 2002), por exemplo, define

comunicao como interao social atravs de mensagens. Prietto (1966) acrescenta a

intencionalidade como critrio para se definir comunicao. Segundo o autor, inteno,

na comunicao, pode ser entendida como a tentativa consciente do emissor de

influenciar o receptor atravs de uma mensagem. Alm da intencionalidade, outros trs

conceitos so muito empregados para definir comunicao: dilogo, consenso e

congruncia.

A noo mais comum acerca da comunicao aquela que a define como

dialgica (SANTAELLA e NTH, 2004). Isso quer dizer que o prottipo de um

processo de comunicao o dilogo, no qual, numa troca recproca de papis, o

emissor torna-se receptor e o receptor, emissor (IDEM, p.49). A influncia no

unidirecional, ambos os agentes de comunicao influenciam-se mutuamente. Essa a

noo bsica defendida por Paulo Freire j nos anos 70, quando ao lanar seu olhar de

educador sobre a questo da transferncia de tecnologia no mundo rural, acaba

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inserindo um marco na mudana de paradigma da extenso rural. Em Extenso ou

Comunicao?, Freire (1988) afirma categoricamente que na comunicao no h

sujeitos passivos. Ao contrrio, a comunicao implica uma relao de reciprocidade

que no pode ser rompida.

Com relao aos outros dois conceitos implicados na comunicao o consenso

e a congruncia podem ser entendidos em parte, como um objetivo geral daqueles

que se comunicam ou como mero ideal ou uma mera possibilidade da comunicao.

O consenso entre emissor e receptor pode ser pensado tanto do ponto de vista da relao

que se estabelece entre eles quanto do contedo da mensagem. Santaella (2002), citando

Meggle (1991), aponta como aspecto bsico da prpria comunicao o conhecimento

comum sobre o fato de que a comunicao est ocorrendo naquele dado momento. J o

ideal da congruncia diz respeito noo elementar da comunicao como um processo

de seleo de mensagens que tem como critrio a noo de sentido, operacionalizado a

partir do uso de cdigos comuns (LUHMANN, 1998).

Se o termo comunicao traz em si o desafio da polissemia, a tentativa de

demarcar seus domnios no fica por menos. Nenhum tema, como coloca Braga e

Calazans (2001) estranho s interaes humanas - mediatizadas ou no que

compem, como comunicao social, o processo simblico/prtico das atividades do ser

humano em sociedade. A partir da revoluo eletro-mecnica, a multiplicao

crescente e acelerada dos meios que o ser humano dispe para criar, registrar, transmitir

e armazenar e reproduzir linguagens e informaes - culminando na revoluo digital

dos tempos modernos e globalizados - transformou em voz corrente a idia de que

estamos decisivamente inseridos em uma civilizao da comunicao (SANTAELLA e

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NTH, 2004; MATTELART & MATTELART, 2003; BAYLON e MIGNOT apud

SANTAELLA, 2002).

Por essa diversidade e complexidades crescentes dos fenmenos ligados

comunicao, a comunicao em si considerada um campo em construo, com trs

vises dominantes:

[...] a viso de que a investigao deve abranger todos os processos de comunicao,

estejam onde eles estiverem; [...] a viso que identifica a comunicao com as teorias

dos meios de comunicao e, mais recentemente, das mdias em geral; [...] a viso que

considera a comunicao como parte da realidade scio-histrica humana, localizando

seus estudos sob o guarda-chuva da sociologia, da cultura, da scia-poltica ou da teoria

geral da sociedade (SANTAELLA e NTH, 2004, p.36).

Neste estudo, nosso foco de ateno recai sobre um processo de comunicao,

patrocinado por agentes externos, que tm como eixo de sua atuao o aumento do

volume de informao considerada relevante tomada de deciso de atores locais.

Como detalharemos no captulo III, a idia de comunicao dentro do GESPAN (Gesto

participativa de Recursos Naturais) - projeto que contextualiza o cerne de nossa

observao - revela uma viso operacional da comunicao, que tem a difuso da

informao como ao estratgica voltada consecuo dos objetivos do projeto. Na

introduo ao Plano Estratgico de Comunicao (PECOM, 2003), elaborado por uma

equipe de consultoria para o projeto GESPAN, fica clara essa opo:

O componente de comunicao , sem dvida, fator crucial para o xito das aes de

fomento ao desenvolvimento humano sustentvel. por meio dele que se disseminam

os novos conceitos, metodologias, tcnicas e tecnologias que vo contribuir para a

contnua melhoria da qualidade de vida das pessoas e comunidades. pela

comunicao, tambm, que os indivduos vo, progressivamente, apropriando-se dos

novos conceitos difundidos e adotando novas atitudes e comportamentos em relao a

questes fundamentais do seu processo de crescimento pessoal e social. (PECOM,

2003, p.5).

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Se bem que o GESPAN insira como princpio a participao, tal entendimento

da comunicao aponta a influncia persistente da teoria da modernizao, que tem em

Daniel Lerner (1958) seu principal artfice, base do modelo de difuso de inovao de

Everett Rogers (1962), modelo clssico e ainda hoje dominante de extenso rural. A

teoria da modernizao - hegemnica entre os anos 50 e 60 - interpreta o

desenvolvimento como um processo de transio de um estado tradicional a um estado

de modernizao, que s pode irradiar do centro para a periferia. Seguindo as teorias das

etapas de crescimento de Rostow (1955), que defendia que a ao dos meios de

comunicao, especialmente a televiso, podia atuar como catalisador para encurtar as

fases e criar um ambiente favorvel que associasse modernizao a uma mudana

necessria de comportamento.

A concepo do desenvolvimento-modernizao contida na obra inicial de

Rogers sobre o assunto The Diffusion of Innovations, publicado em 1962 - idealiza um

tipo de mudana social, no qual novas idias so introduzidas em um sistema social

tendo em vista produzir um aumento da renda per capita e dos nveis de vida, mediante

mtodos de produo mais modernos e de uma organizao social aperfeioada

(MATTELART & MATTELART, 2003, p. 50). Dentro dessa moldura terica, o

modelo clssico de extenso rural, baseado no modelo difusionista de transferncia de

tecnonologia, nutre uma viso entusistica do conhecimento tcnico, acreditando que

informar e persuadir os agricultores a adotar melhores prticas (Fonseca, 1985, p. 41;

apud Schmitz, 2001) seria a receita para aumentar a produtividade e promover o

desenvolvimento no campo.

O cerne da teoria da modernizao tecnolgica est centrado em uma viso

relativamente otimista dos potenciais de mudana cientfica que levem s solues para

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os problemas de natureza social e poltica (POLANYI, 1999). Os especialistas da

sociologia da comunicao rural de vrios pases do Terceiro Mundo, como o brasileiro

Bordenave (1983), foram severos crticos da teoria difusionista por no levar em conta

as relaes de fora no interior de sociedade profundamente segregadas, nas quais a

deciso de adotar ou rejeita uma inovao est fortemente condicionada pelos

mecanismos de poder (MATTELART & MATTELART, 2003).

Essa correlao otimista entre informao e desenvolvimento - seja por fatores

diversos (que podem ir desde a convico baseada num entendimento terico que se

torna senso comum, at opo metodolgica movida por uma simplificao do que

complexo) - ainda est presente nas abordagens de instituies voltadas ao

desenvolvimento, especialmente no meio rural.

Como informao pode-se entender todo contedo da mensagem emitida e

recebida, i.e., tudo aquilo que comunicamos, trocamos com o mundo exterior e que faz

com que nos ajustemos a ele. Informao relevante, nesse caso, pode, por sua vez, ser

compreendida como dados com sentido, capazes de reduzir incertezas para a tomada de

decises (WIENER, 1973; ECO, 1970), encarada, portanto, nesse sentido, como um

insumo bsico participao.

1.1.1 Comunicao como processo

O ponto de vista que elege os processos de comunicao como campo de

estudo enfatiza a comunicao como relao, transmisso, agenciamento, influncia,

troca e interao (SANTAELLA E NTH, 2004, p.36). Segundo os autores, para que

qualquer desses fatores seja realizado, preciso que exista pelo menos duas entidades e

um meio de conexo entre ambas, o que significa recorrer clssica trade emissor,

Para Alm da Informao 29

mensagem, receptor. Ou seja, dentro desse ponto de vista, estamos diante dos modelos

de comunicao como forma de ajudar a entender fenmenos complexos.

H nesse sentido, uma tendncia em se questionar a pertinncia e a legitimidade

do uso de modelos propriamente comunicativos para o estudo da comunicao, na

medida em que, segundo seus opositores, a multiplicidade de saberes e a variedade de

fatores que influem nos fenmenos comunicacionais no estariam neles contidas. No

entanto preciso considerar que modelos podem ser entendidos como uma moldura,

dentro da qual se considera um problema ou como um mapa, que representa traos

selecionados de um dado territrio - capaz de fazer relaes entre informaes e traos

selecionados, coloc-los em relevo - porm como um mapa, o modelo tambm no pode

ser completo (FISKE, 1990; DEUTSCH, 1952; apud SANTAELLA, 2003).

A partir de enfoques diversos surgiram a partir dos anos 50 diversos modelos

sugeridos por pesquisadores ligados comunicao. A maioria deles difere entre si na

forma, na linguagem, na presena de um ou outro componente (RABAA e

BARBOSA, 2001), mas segundo observa Menezes (1973), todos parecem derivar do

esquema tricotmico de comunicao (retrica, dialtica e argumentao) apresentado

por Aristteles: a pessoa que fala, o discurso que pronuncia, a pessoa que escuta (fonte

mensagem receptor).

O mais reconhecido modelo de processos de comunicao teve incio com a

Teoria da Informao ou teoria matemtica da informao de Shannon e Weaver

(1948), a partir de estudos sobre telecomunicaes publicados sobre o ttulo The

Mathematical Theory of Communication (SANTAELLA, 2002, MATTELAR, 2003,

RABAA e BARBOSA, 2001 BORDENAVE, 1982). Conhecido como modelo

mecnico, apresenta uma teoria sobre a transmisso otimizada das mensagens, atravs

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de meios ou canais disponveis, conseguindo um mximo de informao e um mnimo

de rudo (tudo que interfere na transmisso ou na recepo da mensagem). Nesse

sentido, a transmisso de uma mensagem original entre uma fonte (codificador) e um

destinatrio (decodificador), distintos no tempo e/ou no espao, utilizando um canal

adequado e um cdigo comum.

Apesar de ter sido criado especialmente para a comunicao eletrnica, o

modelo de Shannon e Weaver representou um marco cientfico, sendo aplicado aos mais

diversos contextos - biolgico, psicolgico, social, lingstico, etc. As principais crticas

que recaram sobre esse modelo dizem respeito a sua linearidade, expressam nos dois

plos do processo (emissor receptor) que definem um princpio e um fim e apontam

uma causalidade simples e uma representao considerada pouco adequada para os

fenmenos complexos da comunicao. Seja como for, mesmo questionado, o modelo

de Shannon foi imitado, alterado, transformado, dando origem uma srie de modelos

subseqentes.

O cientista poltico Harold Lasswell, por exemplo, professor da Universidade de

Chicago, props no mesmo ano (1948) um outro modelo muito simples de comunicao

verbal, destinado a examinar os variados aspectos nos estudos da comunicao de massa

(Mass Communication Research). A frmula que o deixou clebre resumida numa

nica frase averiguadora: quem diz o qu por que canal e com que efeito?

(MATELLART, 2002). A partir da, a sociologia funcionalista da mdia foi dotada de

todo um quadro conceitual, traduzido em diversas linhas de pesquisa (anlise de

controle, anlise de contedo, anlise das mdias e dos suportes, anlise da audincia e

anlise dos efeitos) que passaram a influenciar fortemente as pesquisa de comunicao

(comunication research) nos Estados Unidos. Para a anlise tanto de temas polticos e

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sociais, como comerciais, foram desenvolvidas tcnicas e ferramentas de pesquisas de

opinio que se tornaram referncia mundial em propaganda poltica e publicidade

(SANTAELLA, 2002).

Ampliando os modelos de Shannon e Lasswell, outro norte-americano, Wilbour

Lang Schramm introduziu, em meados dos anos 50, dois outros elementos do processo

da comunicao, a noo de feedback, ou retroinformao i.e. a percepo da reao

do receptor ante a mensagem transmitida (RABAA e BARBOSA, 2001)- e repertrio,

que ele chama de campo de experincia compartilhado, como elemento facilitador da

comunicao. Schramm define a comunicao coletiva como uma comunicao

interpessoal, que tem como componentes bsicos: a fonte (que pode ser uma pessoa ou

uma organizao); a mensagem (que pode assumir formas diversas, desde a tinta no

papel ou ondas sonoras at um gesto ou a fala - todos so sinais, que para serem

compreendidos precisam estar adequadamente codificados); o destino (que tambm

pode ser uma pessoa, um grupo de pessoas ou uma grande audincia - como ouvintes de

rdio ou telespectadores).

Junto com Everett Rogers e Daniel Lerner, Schramm um dos tericos norte-

americanos que estudaram o problema da comunicao a servio do desenvolvimento,

dentro da chamada corrente difusionista, exercendo significativa influncia nos foros da

UNESCO e no discurso das doutrinas da comunicao para o desenvolvimento, surgido

na Amrica Latina, especialmente a partir dos anos 70.

1.1.1.1 Processo de comunicao em duas etapas

no ps-guerra, tambm dentro das pesquisas de comunicao de massa, que

surge um outro modelo ou esquema que inclui uma figura intermediria no processo de

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comunicao. Trata-se do esquema do pesquisador austraco, naturalizado norte-

americano, Paul Felix Lazarsfeld3 (1944), que dizia haver no processo da comunicao

coletiva duas etapas significativas: a do comunicador ao lder de opinio e a deste ao

receptor comum. Suas pesquisas sobre a influncia que exercem as mdias sobre a

deciso dos eleitores foi o que lhe permitiu desenvolver sua clebre teoria (Two-step

flow Theory), publicada em 1944, no livro Peoples Choice, que tem na figura dos

lderes de opinio seu ponto-chave. Segundo Lazarsfeld, em todo grupo existem

indivduos que tem mais contato com os meios de comunicao e, ao mesmo tempo,

direcionam a comunicao interna do grupo. Estes lderes de opinio em seus grupos

sociais so em geral pessoas acessveis, extrovertidas e gregrias, ocupam posies na

comunidade consideradas adequadas e personificam interesses especficos e

principalmente, tm acesso a informaes relevantes proveniente de fora de seu crculo

imediato (BELTRO, 2004).

A teoria criada por Lazersfeld vai contra os conceitos da teoria hipodrmica4

onde cada elemento do pblico pessoal e diretamente atingido pela mensagem. A

oposio entre a teoria hipodrmica e o modelo do two steps flow of communication

poderia ser graficamente representada como na Figura 1 (CORNIANI, s/d).

3 Lazarsfeld (1901 1976) mais particularmente reconhecido pela importncia de seus trabalhos sobre os efeitos da mdia sobre a

sociedade e por sua utilizao de tcnicas de enquetes para coletar informao. Ele foi por sua vez um observador rigoroso da

influncia crescente dos meios de comunicao de massa sobre a existncia humana e um crtico atento de seus abusos.

4 A Primeira Guerra Mundial (1914-1919) motivou o surgimento da primeira teoria crtica da comunicao de massa. A teoria

hipodrmica pretendia indicar quais os efeitos provocados pela mass media, em especial a propaganda. Alguns intelectuais at

mesmo a definem como teoria da propaganda e sobre a propaganda. Obviamente, a teoria hipodrmica por demais simplista para

ser aceita sem restries. Inexperientes no quesito "mdia", os primitivos tericos da comunicao desconheciam o poder das

diferenas individuais. Observatrio da Imprensa. Disponvel em:http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/

gue0204200396.htm

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Figura 1: Comparao entre a teoria hipodrmica e a teoria de Lazersfeld. (Grfico reproduzido do artigo O que Folkcomunicao?. CORNIANI, s/d). Disponvel em: www.pmc_acervo_pingos_fabio.pdf)

Teoria Hipodrmica Teoria de Lazersfels

No esquema da teoria hipodrmica, o fluxo da comunicao parte dos meios de

comunicao de massa direto para a audincia. J no esquema de Lazarsfeld, a

mensagem passa por um intermedirio antes de chegar at sua audincia final. Este

intermedirio o lder de opinio.

1.1.1.2 Lderes-comunicadores no centro da comunicao

Com base nos estudos de Lazersfeld sobre difuso massiva, o jornalista e

pesquisador pernambucano, Luiz Beltro (1918 -1986) identifica o processo do que ele

veio a chamar de folkcomunicacional (MELO, 2003). Uma fonte transmite uma

mensagem atravs de um canal, que no processo representado pelos meios de

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comunicao de massa, chegando at uma audincia, onde esto contidos os lderes de

opinio, estes intitulados por Beltro como lderes-comunicadores. Em um processo

comunicacional padro (fonte-mensagem-canal-receptor) o fluxo pararia por aqui. Mas

no processo folkcomunicacional, neste ponto inicia-se um novo ciclo no fluxo da

mensagem (Figura 2). Os lderes se tornam comunicadores e transmitem uma

mensagem atravs de um canal folk, chegando ento ao que Beltro intitulou de

audincia folk, que seria as comunidades perifricas rurais e urbanas.

Figura 2: O Processo de Folkcomunicao Fonte: Esquema reproduzido de BELTRO, 1980, p.42.

A Folkcomunicao, segundo definio de seu fundador, constitui uma

disciplina cientfica dedicada ao estudo dos agentes e dos meios populares de

informao de fatos e expresso de idias. O termo surgiu em decorrncia de sua tese

de doutorado (1967), que por sua vez germinou de um artigo da revista Comunicaes

& Problemas (1965), tratando das esculturas, objetos, desenhos e fotografias

depositadas pelos devotos nas igrejas, que possuam ntida inteno informativa. Eram

peas que deixavam de ser acerto de contas celestiais, veiculando jornalisticamente o

potencial milagreiro dos santos protetores. Seu interesse, no Brasil dos anos 60, foi

motivado principalmente pela inquietao como jornalista diante de uma indagao

central Como se informavam as populaes rudes e tardias do interior do nosso pas?

Para Alm da Informao 35

Porque meios, por quais veculo manifestavam o seu pensamento e sua opinio?

(BELTRO, 1971, p.111).

O objeto de estudo da Folkcomunicao, situa-se na fronteira entre o Folclore,

enquanto resgate e interpretao da cultura popular, e a Comunicao de Massa,

enquanto difuso industrial de smbolos por meios mecnicos ou eletrnicos, destinados

a audincias amplas e annimas (MELO, 2003). Os lderes-comunicadores identificados

pelos estudos de Beltro e seus discpulos (caixeiros-viajantes, repentistas,

caminhoneiros) tm a personalidade caracterstica dos lderes de opinio. Segundo

Toussaint (1992), lderes de opinio so os indivduos que recebem em primeira mo

as informaes dos meios para transmiti-las depois a pessoas desvinculadas disso, mas

incluindo a sua prpria interpretao da informao recebida. So pessoas que no se

desviam de seus grupos; andam pelo mesmo caminho que os outros, mas adiante.

(TOUSSAINT, 1992, p. 32).

A audincia da Folkcomunicao seria formada por grupos excludos ou

marginalizados do sistema poltico ou do sistema dominante de comunicao social.

Nesse caso, seria formada por trs grandes grupos ou comunidades perifricas: os

grupos rurais marginalizados (sobretudo devido a sua situao de isolamento

geogrfico, sua penria econmica e baixo nvel intelectual; os grupos urbanos

marginalizados, compostos por indivduos com restrito acesso a bens e servios,

desassistidos e sub-informados; e os grupos culturalmente marginalizados, urbanos ou

rurais, que representariam contingentes de contestao ao princpio, moral ou

estrutura social vigentes (BELTRO, 1980)).

J nos anos 80, Beltro apontava para pesquisas recentes que ampliariam

o conceito do processo de comunicao em duas etapas, passando a entender a hiptese

Para Alm da Informao 36

do fluxo de comunicao no apenas como uma difuso em dois estgios, dos meios

por intermdio dos lderes para o pblico sob sua influncia, mas, antes, em mltiplos

estgios, compreendendo meios, lderes com seu grupo mais ntimo, lderes com outros

lderes (BELTRO, 2004, p.79), at chegar audincia maior entre as comunidades

perifricas.

Em certo sentido, de acordo com MELO (2004), em seus estudos sobre

folkcomunicao, Luiz Beltro antecipava observaes empricas que embasariam a

teoria das mediaes culturais, o cerne da contribuio de Jesus Martn-Barbero e dos

culturalistas ao pensamento comunicacional latino-americano. Beltro reconhecia nos

agentes de folkcomunicao, nas sociedades rurais ou perifricas, um carter

nitidamente institucional, semelhante quele que Barbero atribuiria mais tarde aos

agentes educativos, religiosos ou polticos nas sociedades urbano-metropolitanas.

Ambas as vises caracterizam-se por operar uma ruptura com a idia

determinista contida no clssico modelo mecnico, no qual comunicar fazer chegar

um significado j pronto de um plo a outro. Dentro dessa concepo clssica, segundo

Martn-Barbero, a recepo um ponto de chegada daquilo que j est concludo, e

no um lugar de partida (MIRANDA COSTA, 2004).

Para o autor, cujo pensamento mantm proximidade com a linha de Estudos Culturais

de Birmingham e com a obra de Bourdieu, essa nova perspectiva significa recolocar os

problemas da comunicao em outro lugar, o dos processos socioculturais, por isso

propes o estudo dos fenmenos de comunicao atravs das mediaes, ou seja, indica

a entrada no campo pelo estudo das instituies, organizaes e sujeitos, pelas diversas

temporalidades sociais e multiplicidade de matrizes culturais (JACKS, 1999). Ver a

comunicao a partir de mediaes conceb-la como uma interao entre diversas

instncias que, em maior ou menor escala, exercem um variado sistema de trocas e

negociaes (p.ex. o bairro, o local de trabalho e a famlia) (MIRANDA COSTA, 2004,

p.131).

Para Alm da Informao 37

Segundo a autora, tal reflexo indica que uma teoria da comunicao deve

incluir as prticas socais de comunicao, ou seja, os espao, os processos e os agentes

sociais envolvidos nessa situao, sem eliminar ou inocentar tanto a figura do emissor

quanto do receptor.

1.1.2 Comunicao como parte da realidade humana

Em meio a uma poca de mudanas sociais de alta velocidade, presentes em

todos os cantos do globo, embaladas por sistemas e redes sociais inseparavelmente

ligados a um desenvolvimento tecnolgico at bem pouco tempo inimaginvel

(STOCKINGER, 2001), surgem tambm novas formas de entender os processos

comunicativos a partir de uma viso sociolgica e mais complexa da comunicao.

Fala-se hoje no mais da Era da Informao - conceito da virada do sculo

XX, que denomina uma sociedade, na qual a informao aparece como uma energia

efetiva, ou, do ponto de vista econmico, como um fator de produo, que se iguala na

sua importncia aos fatores capital e trabalho, ou at as supera, dominando a formao

social (STOCKINGER, 2001, p.2) mas numa transio para o que seria a Sociedade

da Comunicao , na qual a realidade social no tem outra maneira de se expressar a

no ser em forma de comunicao e onde, mais do que um fator de produo, a

comunicao opera a base dos macro e microssistemas sociais (Idem). Nessa transio,

os indivduos de sociedades complexas encontram-se saturados e sobrecarregados de

dados e informao que, muitas vezes sem sentido, tornam-se inteis. A Internet

globalizada o melhor exemplo disso.

J no se trata apenas de discernir, acumular e comercializar dados e

informaes, mas, sobretudo de process-los de forma cada vez mais diferenciada.

por isso que novos sistemas e ambientes de comunicao desafiam o esprito

Para Alm da Informao 38

contemporneo que afeta especialmente responsveis de todos os tipos pais,

educadores, cientistas, gerentes, empresrios e polticos - e oferecem a qualquer um

inmeras possibilidades de participao social ativa (STOCKINGER, 2001, p.3).

1.1.2.1 A comunicao segundo Luhmann

Nessa vertente, um dos autores mais citados na atualidade o socilogo e

filsofo alemo Niklas Luhmann (1927-1997), que fornece essa compreenso da

comunicao como construtora da sociedade. Luhmann aspirava contrair uma

superporia sociolgica para a era da comunicao, pela combinao de trs teorias, que

at ento se desenvolveram paralelamente, ainda que com pontes de ligao e

convergncias em vrios momentos de sua construo. Trata-se da teoria de sistemas, da

teoria da evoluo e da teoria da informao e comunicao.

Segundo Luhmann (1998), a comunicao justamente o que distingue os

sistemas sociais dos outros sistemas, onde ocorreriam simplesmente processos

informacionais, ou seja, onde haveria apenas transmisso de sinais quantificveis de um

lugar a outro, conforme modelo matemtico de Shannon -Weaver. Nesta nova viso,

dentro de uma reinterpretao da teoria da evoluo, os sistema sociais usam a

comunicao como seu modo particular de reproduo autopoitica, termo que deriva

dos radicais gregos auto (prprio) e poiesis, (criao, produo), utilizado

originalmente pelos chilenos Marturana e Varela (1974) para designar a capacidade de

auto-reproduo de sistemas biolgicos. Ao final, o sistema, tanto biolgico quanto

social, seria tanto produtor como produto. A idia de que a vida um processo de

conhecimento, construdo de forma incessante e interativa.

Ao focar a comunicao de forma inusitada, complexa e sofisticada,

Luhmann reordena e/ou reinterpreta os elementos constituintes bsicos do processo de

Para Alm da Informao 39

comunicao. A informao , vem a ser na teoria sistmica de Luhmann o resultado de

uma certa seleo entre alternativas disponveis com determinada inteno (MATHIS,

2001). Mensagem aquilo que na prtica objetiva a informao, o que a materializa e a

coloca disposio dos interlocutores para que dela possam partilhar (ESTEVES,1993).

Os Interlocutores ou agentes de comunicao, so designados Alter e Ego. O cdigo

desempenha uma papel essencial no processo de comunicao na viso de Luhmann.

ele que regula o processo, que determina o que pode ser comunicado e revela ao longo

do tempo as transformaes na capacidade de comunicao de acordo com aquilo que

cada poca entende como o seu centro de sentido. Trata-se de um cdigo binrio, ou

seja, um puro operador capaz de trabalhar com as duas alternativas do binrio

afirmaes e negaes. Um ltimo elemento, a compreenso, reordenado na

concepo de Luhmann j para alm do processo de comunicao propriamente dito.

tida como uma consequncia sempre contingente deste mesmo processo, a ponto de se

poder consider-la como o derradeiro processo de seleo (ESTEVES, 1993, p.13).

pode-se dizer que, para Luhmann, a comunicao transforma a diferena entre

informao e ato de comunicar na diferena da aceitao ou recusa da comunicao

(LUHMANN, 1998).

Uma das mudanas principais das concepes de Luhmann sobre a Teoria Geral

dos Sistemas, aplicada realidade social, que tinha como vertente Talcot Parsons, diz

respeito relao entre sistema e meio. Na viso de Luhmann, ao contrrio da verso

tradicional, onde a posio central na relao parte-todo estava sempre reservada ao

indivduo, o homem deixa de ser considerado como parte (a fundamental) desse

mesmo organismo social e torna-se-lhe exterior passa a constituir um meio ambiente

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do sistema e como tal, fonte permanente geradora de problemas, criadora de

complexidade (ESTEVES; 1993).

1.1.2.2 O contraponto de Habermas

Conterrneo e contemporneo de Luhmann, o socilogo Jrgen Habermas vem

lhe oferecer a crtica e o contraponto. Enquanto para Luhmann, a categoria central no

mais o ator, mas o observador, no mais a ao mas a comunicao, Habermas assim

como Boaventura Santos, valoriza as experincias, o cotidiano, o mundo vivido, o senso

comum dos indivduos em geral, buscando, com isso, aproximar realidades que esto

distantes e isoladas (GUIMARES E SILVA & MARINHO JUNIOR, 1996). Enquanto

para Habermas, a comunicao considerada como sinnimo de consenso, de busca do

entendimento, para Luhmann, pode-se comunicar tambm para se marcar o dissenso,

pode-se querer o conflito.

Habermas em sua Teoria da Ao Comunicativa trabalha com trs elementos

principais: dilogo, linguagem e grupo. A linguagem, pea essencial da TAC,

entendida pelo ngulo de um processo racional no seu uso cotidiano, o que o autor

chama de razo comunicativa:

"(...) os indivduos socializados, quando no seu dia-a-dia se comunicam entre si por

meio da linguagem comum, no tm como evitar que se empregue essa linguagem

tambm no sentido voltado ao entendimento. E, ao fazer isso, eles precisam tomar como

ponto de partida determinadas pressuposies pragmticas, nas quais se faz valer algo

parecido com uma razo comunicativa". (HABERMAS, 1990, p. 98).

A transmisso da realidade da vida por meio da linguagem que constitui o

mundo das idias. a linguagem comum que revela, atravs de argumentos, a validade

e a verdade do que pensamos e dizemos, mesmo que, no futuro, tal noo possa ser

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alterada mediante novas informaes e experincias (GUIMARES E SILVA &

MARINHO JUNIOR, 1996).

Em Habermas, assim como em Freire, a comunicao concebida como um

processo dialgico, atravs do qual sujeitos capazes de linguagem e ao interagem com

fins de obter um entendimento. O interesse emancipatrio o fio condutor da obra do

autor e a comunicao tida como fundamento nuclear a partir do qual os processos

sociais podem ser compreendidos e a realidade social modificada (SAMPAIO, 2001,

p.4).

A emancipao um tipo especial de auto-experincia, porque nela os processos

de auto-entendimento se entrecruzam com um ganho de autonomia. (HABERMAS,

1990, p.100). Mas, no lugar do termo emancipao, Habermas coloca os termos

entendimento e agir comunicativo, que se referem quilo que acontece constantemente

na prtica do cotidiano. A maneira de abordar os grupos com os quais se quer socializar

a informao deve levar em conta que em um processo de esclarecimento existem

somente participantes" (HABERMAS, 1990, P. 97).

A crtica feita a Habermas a da idealizao de um contexto ou da realidade.

Segundo ele prprio responde, no h interesse em construir na escrivaninha as normas

fundamentais de uma sociedade bem organizada (HABERMAS, 1990, p. 98). E

afirma: O meu interesse fundamental est voltado para a reconstruo das condies

realmente existentes" (Idem). Pondera, no entanto, que "(...) a prtica cotidiana,

orientada pelo entendimento, est permeada de idealizaes inevitveis" (Ibidem).

Para Alm da Informao 42

1.2 Participao mltipla e diversa

No h exclusividade no entendimento do termo participao, ao contrrio,

conceito complexo, de difcil delimitao, tanto emprica quanto analtica. Partimos do

princpio de que participao tanto pode ser ao individual, quanto uma ao em grupo

ou ao coletiva, exercida de formas distintas e assumindo caractersticas diferentes,

dependendo dos nveis de influncia sofrida pelo meio sobre um determinado processo

de escolha. O termo participar, de forma genrica, designa tanto o ato de comunicar,

fazer saber ou informar quanto o de tomar parte em algo (MICHAELIS, 2000). Pode-se

dizer tambm que, percebida atravs do seu inverso a marginalidade participao a

condio de no estar margem, ter capacidade de intervir (BORDENAVE, 1995).

A definio do "Manual de Participao do Banco Mundial" se aproxima do

entendimento pretendido neste estudo: "Participao um processo no qual os

envolvidos influenciam e compartilham o controle sobre iniciativas de desenvolvimento

e as decises e os recursos que os afetam" (WORLD BANK, 1996: apud SCHMITZ et

al., 2004). Nessa definio explicita-se uma desigualdade na participao, na medida em

que um toma a iniciativa sobre a ao. Esse o caso, por exemplo, de intervenes

sociais sob a gide do marco terico e poltico da participao. Ao promover a induo

ao desenvolvimento local atravs do convite participao popular est se gerando uma

oferta para a qual no existe demanda original. Esse o caso tambm da criao de

novas formas de participao institucionalizadas a partir da Constituio de 88, como os

conselhos setoriais de forma geral e os Conselhos de Desenvolvimento, foco especfico

de nossa ateno. Em ambos os casos, trata-se do que Bordenave (1995) classifica de

participao voluntria - j que as pessoas no so formalmente obrigadas a participar,

porm provocada por estmulos externos.

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Bordenave (1986) prope um entendimento quanto aos diferentes tipos e nveis

de participao a partir dos limites e possibilidades de envolvimento e influncia nas

aes que nos dizem respeito. Antes de mais nada, fundamental levar em conta que h

diversas maneiras do indivduo participar da vida social. H por exemplo, segundo o

autor, a participao sem uma organizao estvel ou propsitos claros e definidos, a

no ser os de satisfazer necessidades essenciais como a participao de fato no seio da

famlia nuclear ou em tarefas de subsistncia ou satisfazer necessidades psicolgicas

de pertencimento e expresso, de receber e dar afeto como a participao espontnea -

comum nossa rotina de convivncia social como entre grupos de amigos e vizinhos.

H ainda a participao imposta, caso em que o indivduo obrigado a fazer parte de

grupos e realizar certas atividades consideradas indispensveis, como se submeter

disciplina escolar ou ao exrcito. (BORDENAVE, 1994).

Existe tambm a participao concedida, onde a influncia exercida fruto da

outorga do poder dominante e no de conquista do indivduo ou grupo. Estamos

falando, por exemplo, da participao nos lucros de uma empresa e em alguns casos no

chamado planejamento participativo que quando implantado por alguns organismos

oficiais, freqentemente no mais que um tipo de participao concedida [...] de modo

a criar uma iluso de participao poltica e social (BORDENAVE, 1994, p.28). No

se deve deixar de considerar que mesmo concedida, a participao guarda em si um

potencial de crescimento da conscincia crtica e da capacidade de tomar deciso.

Como j foi citado, h tambm a participao voluntria, na qual o grupo

criado pelos prprios participantes, que definem sua prpria organizao e estabelecem

seus prprios objetivos e mtodos de trabalho (idem) ou ainda onde a inteno de

satisfazer objetivos especficos, individuais ou comuns, motiva o indivduo a participar

Para Alm da Informao 44

das decises e aes coletivas de um determinado grupo. E este o caso dos sindicatos

livres, das cooperativas, associaes profissionais, partidos polticos e certas ONGs

temticas (p.ex., ambientais e em defesa dos direitos humanos).

Mas a participao, mesmo voluntria, no entanto, pode no surgir como

iniciativa dos membros do grupo. Quando por exemplo agentes externos ajudam,

facilitam provocam, estimulam ou motivam agentes locais a realizarem seus objetivos

estamos falando de uma participao provocada. Podem ser considerados enfoques mais

ou menos institucionalizados de participao provocada, como a extenso rural no seu

molde clssico e ainda dominante, o servio social, a educao em sade, os trabalhos

das pastorais e muitas aes voltadas ao desenvolvimento de comunidades. Muitas

vezes, corre-se o risco, ainda que bem intencionada, de se passar de uma participao

provocada para uma participao dirigida ou manipulada, que quando h algum tipo

de manipulao a fim de atingir objetivos externos previamente estabelecidos.

Percebe-se ento, que dentro dessa abordagem, seria muito difcil, tendo como

objeto de estudo dinmicas sociais, considerar apenas um ou outro tipo de participao.

Mais adequado ser pensar em formas diversas que se sobrepes, intercalam-se,

confrontam-se ou complementam-se, dependendo do tipo de interao e dos atores em

jogo.

1.2.1 Nveis da participao

Se h muitas maneiras de participar h tambm muitos graus de

influncia dessa participao. Segundo Bordenave (1994), ao se falar no nvel de

participao alcanada em determinada situao preciso pensar numa dupla questo

central: qual o grau de controle dos membros sobre as decises e quo importantes

so as decises de que se pode participar. Os diferentes graus que se pode alcanar

Para Alm da Informao 45

com a participao numa organizao qualquer, como no caso de um conselho gestor de

polticas pblicas, vo depender do menor ou maior acesso ao controle das decises.

Dentro dessa concepo, o menor grau de participao o da informao,

quando dirigentes informam os membros da organizao sobre decises j tomadas.

Pode parecer pouco, mas pondera-se que j se constitui em avano diante de casos

freqentes de autoridades que ainda insistem em achar que no devem satisfao a

ningum. Em alguns casos, a reao informao recebida levada em conta e influi ou

no a deciso a ser tomada a seguir.

O nvel seguinte de participao a consulta facultativa, quando a deciso de

consultar os membros da organizao, solicitando crticas, sugestes ou dados,

facultada apenas aos dirigentes. Quando a consulta obrigatria, passa a existir uma

maior presso sobre os dirigentes, ou seja, os subordinados devem ser consultados em

certas ocasies especficas, ainda que a deciso final no esteja em suas mos. Este o

caso das datas-base, que por imposio legal obriga a negociao entre patres e

empregados a acontecer em perodos determinados.

Um outro grau de participao, mais elevado, a elaborao/recomendao,

quando os dirigentes podem aceitar ou rejeitar as propostas dos subordinados, mas

ficam comprometidos a justificar sua posio. J num grau superior de participao, a

co-gesto, a organizao compartilhada mediante mecanismos de deciso conjunta,

como por exemplo, nos comits, conselhos e outras formas colegiadas de tomar deciso.

A delegao diz respeito a espaos de autonomia dos subordinados antes

reservados aos administradores, mas a delegao implica tambm, por outro lado, a

noo de uma participao no conquistada, mas concedida por quem domina o poder

de deciso. O grau mais elevado de participao seria, segundo Bordenave, a auto-

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gesto, na qual o grupo determina seus objetivos, escolhe seus meios e estabelece os

controles pertinentes sem referncia a uma autoridade externa (BORDENAVE, 1994,

p.33). Nesse caso, a diferena entre administradores e administrados tende a

desaparecer. J que se trata de uma ao comum, ou seja, uma ao coletiva

desenvolvida de forma conjunta por atores normalmente com nveis de poder similar e

interesses comuns. O mutiro, onde pessoas de um local trocam a sua mo de obra,

um exemplo para este tipo de participao.

A outra questo central quando se trata de participao a importncia das

decises s quais os membros tm acesso. Segundo sua relevncia, as decises podem

tambm ser organizadas em diferentes nveis. Pode-se participar de um nvel mais geral,

por exemplo, na formulao da poltica, dos princpios, mas ficar de fora da

determinao de objetivos e estratgias. Pode-se ainda participar da elaborao de

programas e projetos, mas no influir na alocao de recursos e na execuo dos

mesmos. Pode-se ainda, participar de quase todos os momentos formulao,

planejamento, execuo - mas no estar includo na etapa final da avaliao.

1.2.2 Participao e Poder

O ideal da participao o acesso democrtico a todos os nveis de deciso,

acabando com a diviso de funes entre quem planeja e decide e os que so afetados

pelas decises. Muitas vezes o acesso amplo tomada de decises dificultado por

questes de falta de capacitao ou experincia dos grupos atingidos. Outras vezes, a

dificuldade maior est na mentalidade dos dirigentes (mas no raro tambm dos

dirigidos), acostumados a atitudes autoritrias ou paternalistas, ficando o campo das

decises restrito ao time dos burocratas, tecnocratas e lideranas formais.

Para Alm da Informao 47

A ampliao do acesso da populao aos diversos nveis de deciso e controle

das aes das quais so beneficirios faz parte do que se convencionou chamar

empoderamento dos grupos sociais locais. Termo traduzido da lngua inglesa,

empowerment, pode se entender genericamente empoderamento como o aumento de

poder e autonomia pessoal e coletiva de indivduos e grupos sociais nas relaes

interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relaes de

opresso, dominao e discriminao social (VASCONCELOS, 2003, p.20).

Se o empoderamento de comunidades ou grupos locais significa o aumento de

seu potencial de controle das decises que lhe afetam, conseqentemente isso significa a

diminuio do poder de outros atores que integram o campo das relaes locais. Um

exemplo disso so os conselhos de polticas setorias, como os Conselhos de

Desenvolvimento Rural (CDRs), foco desse estudo, criados no bojo do processo de

redemocratizao e descentralizao do pas, a partir da Constituinte (87/88), como uma

ferramenta de empoderamento de setores at ento excludos dos processos de deciso.

Para Demo (1986), ao tratar da participao estaremos ingressando irredutivelmente no

campo das relaes de poder. Segundo o autor, a participao se aloja dentro de outra

questo, que lhe complementar e antagnica - a da dominao ao longo da histria. A

dominao (ou poder) para Demo um fenmeno histrico-estrutural, na medida em

que no h sociedade que no tenha se movimentado em torno de questes do poder, o

qual por sua vez se reveste inevitavelmente de um carter desigual: um lado comanda,

outro obedece (DEMO, 1986, P.68). O autor, no entanto, oferece uma noo

dicotmica de poder, como um fenmeno que traz em si uma dupla intencionalidade de

cima para baixo e de baixo para cima (Idem).

Para Alm da Informao 48

Essa noo ampliada de poder como relao o que define o entendimento de

Crozier e Friedberg (1977). Dentro da perspectiva da Sociologia da Ao, o poder

entendido como uma relao entre atores (nvel da ao) e no como dever de obedecer

(nvel estrutural, dominao). O poder entendido como relao, traz implcita uma troca

entre pessoas que tenham um interesse comum, que de alguma forma as torna

dependentes. Outra condio da relao de poder o desequilbrio na troca, i.e.

caracteriza-se por um processo de negociao desigual, no qual um ator teria mais

vantagem que o outro.

Como as questes de poder revelam-se concretamente no cotidiano das cidades e

regies, a anlise dos poderes locais remete s relaes de fora, por meio das quais se

processam alianas e conflitos entre os atores sociais em torno de interesses comuns,

bem como formao de identidades e prticas de gesto especficas (FISHER, 1993,

p.13). A discusso sobre o incremento de poder, no que se refere a comunidades, est

vinculada principalmente ao debate sobre o surgimento dos novos movimentos sociais e

novas formas de gesto pblica. Estratgias de "empoderamento" da comunidade

supem entre outras iniciativas, a educao para a cidadania, a socializao de

informaes, o envolvimento na tomada de decises dentro de um processo

participativo de gesto de iniciativas sociais (OPAS, s/d). Na prtica, o dilema de

inmeras iniciativas voltadas ao fortalecimento do protagonismo local tem sido a

continuidade do processo de empoderamento e a manuteno dos espaos de dilogo e

articulao aps a sada dos estmulos externos. Nessas discusses, com freqncia

entra em cena o questionamento sobre a qualidade dos laos existentes entre os

indivduos e organizaes locais e sua capacidade de organizao em torno de aes

Para Alm da Informao 49

coletivas, uma idia que no nova, mas nos ltimos anos desencadeou uma srie de

abordagens e estudos sobre o que se se convencionou chamar de capital social.

1.3 Capital Social e Participao

A idia de capital social na ltima dcada tem sido utilizada de forma crescente

nas cincias sociais, tanto na literatura terica, quanto na literatura aplicada

(GROTAERT ET ALL, 2003). A abordagem mais comum acerca do capital social

associada ao cientista poltico Robert Putnam (1996), para quem o capital social

constitudo pelo conjunto de caractersticas da organizao social, como confiana,

normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficincia da sociedade, facilitando

as aes coordenadas (PUTNAM, 1996, p.177). Nesse sentido, refere-se natureza e

extenso do envolvimento de um indivduo em vrias redes informais e organizaes

formais (desde a conversa com vizinhos ou a participao em atividades de recreativas,

at a filiao a organizaes e partidos polticos), onde a cooperao voluntria

facilitada sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de participao cvica

(Idem).

Dentro dessa concepo, o capital social usado como um termo conceitual para

caracterizar as formas diversas de interao existentes entre os membros de uma

comunidade, tornando possvel traar um mapa da vida associativa da comunidade e,

com isso, perceber seu estado de sade cvica (GROTAERT et al., 2003, p.6). Dentro

dessa vertente, Franco (2001), define o estoque de Capital Social de uma sociedade a

partir do padro de organizao e o modo de regulao adotados por essa sociedade

(FRANCO, 2001, p.24). Nesse sentido, quanto mais horizontais (menos hierarquizadas)

forem as relaes entre os diversos atores envolvidos e quanto mais democrticos forem

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os processos de tomada de deciso e de regulao de conflitos, acredita-se que mais

favorveis ser a produo, acumulao e a reproduo do capital social.

Para Woolcok (1996, apud CASTILHOS, 2002), o capital social no um

conceito definido, mas um arcabouo terico emergente, com expressivas possibilidades

de contribuio nos estudos que buscam entender a importncia das relaes sociais no

processo de desenvolvimento. Ao contrrio de Putnam, Woolcok no aposta tanto nos

dados culturais mas aponta o Estado como detentor de um papel relevante na gerao

de capital social, em especial entre comunidades mais pobres.

No que diz respeito aos diferentes tipos de vnculos e formas de participao,

potenciais geradores de capital social, adota-se uma distino comum entre capital

social de ligao definido a partir de laos entre pessoas similares, no sentido de

que compartilham caractersticas demogrficas, tais como familiares, vizinhos, amigos e

colegas de trabalho e capital social de ponte entendido da existncia de laos que

ligam as pessoas que no compartilham muitas dessas caractersticas (GROTAERT et

al, 2003, p. 6). Recentemente, alguns estudiosos sugeriram uma outra classificao

conceitual, chamada capital social de conexo, (Idem).

Essa dimenso refere-se aos laos mantidos com as pessoas que detm posies de

autoridade, tais como representantes de instituies pblicas (polcia, partidos polticos)

e privadas (bancos). Enquanto o capital social de ponte, como a metfora sugere,

essencialmente horizontal, (isto , conecta as pessoas de posio social mais ou menos

igual), o capital social de conexo mais vertical, uma vez que conecta as pessoas a

recursos polticos (e outros) chave e instituies econmicas isto , entre diferenciais

de poder.(...) lderes locais e intermedirios contribuem para facilitar as conexes entre

as comunidades pobres e a assistncia externa ao desenvolvimento, incluindo programas

governamentais , constituindo assim, uma importante fonte de capital social de

conexo. (GROTAERT et al, 2003, p. 6).

Para Alm da Informao 51

Com isso, pode-se dizer que de um lado esto os laos do tipo ligao: a

confiana que se forma com base na identidade social dos atores, em seu sentimento

comunitrio de pertencer ao mesmo universo, partilha de tradies e valores comuns.

So laos importantes, mas, por si s, insuficientes para permitir a mobilizao de

recursos capazes de estimular iniciativas inovadoras exigidas por processos de

desenvolvimento. Segundo Abramovay (2001), tais laos podem, no extremo,

representar o fechamento deste conjunto social sobre si prprio, cristalizando as formas

locais de dominao, resultando na impossibilidade de incorporar as aspiraes das

novas geraes e de novas demandas (ABRAMOVAY, p. 06). necessrio, portanto,

um outro tipo de vnculo entre os indivduos, do tipo ponte e do tipo conexo, que vem

a ser a capacidade de um determinado grupo de ampliar o crculo de relaes alm

daqueles que participam imediatamente de sua vida social.

1.4 Capital social e capital simblico

Nas diferentes concepes e definies sobre o capital social, destaca-se a

importncia da presena de elementos chave como confiana, reciprocidade,

solidariedade, capacidade de participao e acesso informao e empoderamento

(GRANOVETTER, 1985; COLEMAN, 1988; PUTNAM, 1996; FUKUYAMA, 1995;

FRANCO, 2001; WOOLCOCK, 2001; GROTAERT et al, 2003). Diversos autores

concordam, inclusive, que a existncia de um bom estoque de capital social sob a

forma de regras de recipro