Paracococcidiodomicose

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  • 7/23/2019 Paracococcidiodomicose

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    J Bras Pneumol. 2009;35(12):1245-1249

    Captulo 6 - Paracoccidioidomicose*

    Chapter 6 - Paracoccidioidomycosis

    Bodo Wanke, Miguel Abidon Aid

    ResumoA paracoccidioidomicose uma micose sistmica causada pelo fungo dimrfico Paracoccidioides brasiliensis. Adoena restrita Amrica Latina. a principal micose sistmica no Brasil, com maior frequncia nas regies sul,sudeste e centro-oeste. A doena adquirida atravs da inalao de propgulos do fungo. Nas reas endmicas,a infeco primria ocorre durante a infncia e envolve o sistema imunolgico. A forma crnica do adulto maisfrequente de disseminao multifocal, com envolvimento dos pulmes, linfonodos, pele e mucosas. Essa formatem evoluo crnica com diagnstico tardio. Tosse, dispneia e perda de peso associada a leses cutneas e dasmucosas so evidentes e constituem as queixas principais da doena. A radiografia simples de trax apresentainfiltrado reticulonodular difuso mais evidente nos lobos superiores. O diagnstico etiolgico se baseia na achadode P. brasiliensisno exame microscpico direto de espcimes clnicos, tais como aspirado de gnglios ou material

    de LBA, complementado pelo crescimento do fungo em cultura. O exame histopatolgico de amostra de tecidosevidencia a parede espessa e birrefringente do fungo, assim como o aspecto tpico de multibrotamento na clula-me. A imunodifuso em duplo gel de gar muito til no diagnstico quando o fungo no encontrado nosexames micolgicos. O tratamento de escolha realizado com sulfametoxazol e trimetoprima, mas o itraconazol a melhor droga. A anfotericina B usada nos casos graves da doena.

    Descritores:Paracoccidioidomicose; Micoses; Pneumopatias fngicas.

    AbstractParacoccidioidomycosis is a systemic mycosis caused by the dimorphic fungus Paracoccidioides brasiliensis. Thedisease is restricted to Latin America. It is the principal systemic mycosis in Brazil, with higher incidences in thesouthern, southeastern and central regions. The disease is acquired by inhaling fungal propagules. In endemic

    areas, the primary infection occurs during childhood and involves the immune system. The most common chronicform of paracoccidioidomycosis in adults is the multifocal form, in which there is dissemination to the lungs,lymph nodes, skin and mucosae. This form of the disease has a chronic progression, and the diagnosis is typicallydelayed. Cough, dyspnea and weight loss due to cutaneous and mucosal lesions are evident and are the principalcomplaints reported by paracoccidioidomycosis patients. Chest X-rays reveal diffuse reticulonodular infiltrates,which are more evident in the upper lobes. The etiologic diagnosis is based on the identification of P. brasiliensisinclinical specimens, such as lymph node aspirates or BAL fluid, by direct microscopy and culture. Histopathologicaltesting of tissue samples reveals the thick birefringent cell wall of the fungus and the typical pattern of multiplebudding around the mother cell. Double agar gel immunodiffusion is useful for the diagnosis when the funguscannot be detected through mycological tests. Although paracoccidioidomycosis is most often treated with thesulfamethoxazole-trimethoprim combination, itraconazole is preferable. Amphotericin B is used in severe cases.

    Keywords:Paracoccidioidomycosis; Mycosis; Lung diseases, fungal.

    * Trabalho realizado na Universidade Federal Fluminense UFF Niteri (RJ) Brasil.Endereo para correspondncia: Miguel Abidon Aid. Rua Uirapuru, 118, Itaipu, CEP 24355-100, Niteri, RJ, Brasil.Tel 55 21 2710-8740. E-mail: [email protected] financeiro: Nenhum.

    Recebido para publicao em 5/8/2009. Aprovado, aps reviso, em 5/8/2009.

    Introduo

    A paracoccidioidomicose uma micose sist-mica originalmente descrita por Adolfo Lutz em1908, autctone da Amrica Latina, sendo amaior incidncia registrada em pases da Amricado Sul (Brasil, Argentina, Colmbia e Venezuela).No Brasil, a maioria dos casos tem sido relatadanas regies sul, sudeste e centro-oeste. A para-

    coccidioidomicose tem carter endmico entreas populaes da zona rural, acometendo osindivduos do sexo masculino, na faixa etriaprodutiva da vida (30-60 anos) e est relacio-nada s atividades agrcolas. O agente etiolgico um fungo termodimrfico (Paracoccidioidesbrasiliensis).(1,2)

    Curso de Atualizao Micoses

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    Consenso Brasileiro em Paracoccidioidomicose, aclassificao relaciona-se com os dados clnicose a histria natural da doena(3):

    1) paracoccidioidomicose infeco2) paracoccidioidomicose doena

    3) forma aguda/subaguda infantil/daadolescncia

    4) forma crnica do adulto: unifocal emultifocal

    5) forma residual

    Formas clnicas

    Aguda/subaguda (juvenil/adolescncia)

    a forma clnica da paracoccidioidomicoseda infncia, do adolescente e do adulto at30-35 anos de idade. Representa 3-5% dos casosde paracoccidioidomicose. Linfonodomegaliassuperficiais e profundas, com supurao de massaganglionar, hepatoesplenomegalia e diversossintomas (digestivos, cutneos e osteoarticu-lares) so as principais manifestaes da doena,alm de anemia, febre e emagrecimento, comrpida deteriorao do estado geral da criana.

    raro o comprometimento pulmonar.

    (3)

    Forma crnica unifocal/multifocaldo adulto

    a forma mais frequente (90% dos casos), compredomnio no sexo masculino. Caracteriza-sepor evoluo crnica, predominando sintomasde fraqueza, emagrecimento, febre, tosse, disp-neia, infiltrado reticulonodular (geralmente nosdois teros superiores dos pulmes) e hipertrans-

    parncia distal bibasal: essa a forma unifocal.Quando a doena compromete outros stiosextrapulmonares, tais como a pele, a mucosaoral (estomatite moriforme), mucosas da faringee/ou da laringe e o pice dos dentes, conside-rada como forma multifocal, gerando sintomasde dor durante a mastigao, sialorreia e odino-fagia. O indivduo demora muito a procurarassistncia mdica, muitas vezes instalando-seum quadro de caquexia. A radiografia de traxrevela as mesmas leses da forma unifocal.

    Outros locais envolvidos pela paracoccidioi-domicose so as suprarrenais, o sistema nervosocentral, os linfonodos cervicais e submandibu-lares, os intestinos, o sistema osteoarticular, oepiddimo, o fgado e o bao.(3,5)

    A paracoccidioidomicose representa umimportante problema de sade pblica devidoao seu alto potencial incapacitante, alm deprovocar mortes prematuras.

    Epidemiologia

    A paracoccidioidomicose uma doena semnotificao compulsria e sem dados precisossobre sua incidncia no Brasil.

    Acredita-se que a incidncia anual emzonas rurais endmicas varie de 3-4 novoscasos/1.000.000 de habitantes at 1-3 novoscasos/100.000 habitantes. considerada aterceira causa de morte por doena infecciosacrnica, resultando em uma taxa de mortalidadede 1,65 casos/1.000.000 de habitantes.(3)

    A incidncia da paracoccidioidomicose maior entre os homens (1:10-15 homens) nafaixa etria de 30-50 anos. infrequente abaixodos 14 anos de idade, faixa na qual no existepredomnio de sexo.(4)

    Fisiopatologia (histria naturalda paracoccidioidomicose)

    A porta de entrada do fungo a via inalatriae, na maioria dos casos, em indivduos jovens.Propgulos infectantes (microcondios) chegam via area inferior, onde h formao de umcomplexo primrio, com possvel disseminaodo fungo por via linftica e hematognica paraoutros rgos, na dependncia da quantidadede inculos, da patogenicidade e da virulnciado fungo, assim como da integridade do sistemade defesa e de possveis fatores genticos. Emindivduos com resposta imunolgica satisfa-

    tria, o desenvolvimento da infeco contido,havendo resoluo do processo. O fungo perma-nece nesses locais, em meio a leses fibrticas,em estado latente, porm vivel. Aps umperodo prolongado de tempo, a infeco podeprogredir e dar origem as formas crnicas doadulto (reativao endgena). Menos frequente-mente, a doena pode progredir do foco primrioou mesmo devido a reexposies a inculos emzonas endmicas, originando a forma agudo-

    subaguda da infncia e adolescncia.(1-3,5)

    Classificao

    Segundo o Colquio Internacional emParacoccidioidomicose (1986), citado pelo

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    e 90%, respectivamente. sempre desejvel que

    a ID seja titulada para uma melhor interpretaoda resposta teraputica.(7)

    Aspectos radiogrficos

    Na radiografia simples de trax (Figura 1),pode ser visualizado infiltrado reticulonodular,predominante nos dois teros superiores deambos os pulmes, assimtrico, com hipertrans-parncia junto s bases pulmonares.(1,2,4)

    Na TCAR (Figura 2), podem ser visualizadosndulos, opacidades em vidro fosco, aspecto emrvore em brotamento, leses acinares, bandasparenquimatosas, espessamento do interstcioperibroncovascular, cavidades, reticulosidades,sinal do halo invertido, enfisema paracicatri-cial e bronquiectasias de trao.(8,9)

    Diagnstico diferencial

    O principal diagnstico diferencial comtuberculose pulmonar, muito semelhante paracoccidioidomicose em relao s altera-

    es radiogrficas e s manifestaes clnicas(Quadro 1). O que define o diagnstico apresena, nos espcimes analisados, do fungo(paracoccidioidomicose) ou do bacilo de Koch(tuberculose). Tuberculose e paracoccidioidomi-cose podem comprometer um mesmo indivduo,e essa associao ocorre em 5,5-19% dos casos,tornando mais difcil o diagnstico de ambas asdoenas.(4,6)

    Investigao inicial

    Na investigao inicial, devem serrealizados(3):

    anamnese dirigida para as formas clnicas

    do adulto e da criana radiografia de trax

    hemograma completo

    VHS provas de funo heptica

    ureia, creatinina, sdio e potssio

    Investigao especfica

    O diagnstico definitivo (padro ouro) oachado do fungo em espcimes clnicos ou debipsia tecidual.

    O exame a fresco com KOH a 10% em esfre-gao de lmina sob lamnula para pesquisadireta do fungo altamente eficaz e de baixocusto, podendo ser utilizado em vrios esp-cimes, como escarro, raspados de leses cutneas

    e de mucosas, aspirado ganglionar e materialobtido por fibrobroncoscopia. A colorao pelastcnicas de prata de Gomori/Grocott e de cidoperidico de Shiff imperiosa nos fragmentosde bipsia tecidual para a visualizao do fungo.A cultura em gar Sabouraud deve ser sempresolicitada, pois ser mais uma ferramenta diag-nstica, apesar de tardia.(1-3,5)

    As provas sorolgicas tm importncia noauxlio diagnstico, como tambm avaliam aresposta ao tratamento e as recadas da doena.Nesses casos, a elevao dos ttulos de anti-corpos costuma preceder a recada clnica. Aimunodifuso (ID) em duplo gel de gar oexame mais disponvel na prtica clnica, comsensibilidade e especificidade superiores a 80%

    Quadro 1 -Principais diagnsticos diferenciais paraparacoccidioidomicose.

    a) Tuberculose pulmonar e micobacterioses atpicas

    b) Sarcoidose

    c) Histoplasmose

    d) Pneumonite intersticial difusa idioptica

    e) Silicose crnica

    f) Coccidioidomicose

    g) Cromoblastomicose

    h) Leishmaniose cutnea e visceral

    i) Hansenase

    j) Neoplasias cutneas e da laringe

    Figura 1 -Radiografia do trax em incidncia pstero-anterior: infiltrado reticulonodular, predominandonos dois teros superiores, bilateral e assimtrico.

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    1) sulfametoxazol/trimetoprima, comprimidosde 80/400 mg e de 160/800 mg dose inicial: 3 comprimidos (80/400 mg)

    a cada 12 h por 21 dias 2 comprimidos a cada 12 h por 21 dias

    1 comprimidos a cada 12 h por 2 anos Crianas: 8-10 mg/kg/dia de trime-

    toprima ou 40-50 mg/kg/dia desulfametoxazol a cada 12 h

    > 80% de cura2) Cetoconazol, cpsulas de 200 mg

    dose: 400 mg/dia por 3 meses, seguidode 200 mg/dia por 9 meses

    usar com uma grande refeio efeitos colaterais: ginecomastia,

    diminuio da libido, hepatopatia,teratognico

    3) Itraconazol, cpsulas de 100 mg dose: 200 mg/dia nas grandes refeies

    por 6-9 meses efeitos colaterais: distrbios digestivos,

    teratognico crianas < 30 kg de peso ou > 5 anos:

    5-10 mg/kg/dia4) Fluconazol, cpsulas de 50 mg; 100 mg;

    150 mg

    dose: 400 mg/dia, por 3-6 meses manuteno: 100 a 200 mg/dia por6-12 meses

    crianas: 3-6 mg/kg/dia5) Voriconazol(10)

    dose: 200 mg a cada 12 h efeitos colaterais: diminuio da acui-

    dade visual e viso turva6) Anfotericina B, 50 mg/frasco

    indicao: formas graves; alergia, resis-tncia e intolerncia a sulfas

    dose: 1 mg/kg/dia; total de 25-35 mg/kg(at 1-2 g)

    manuteno com sulfa por 1-3 anos efeitos colaterais: reteno azotada, potssio, anemia, febre, calafrios eflebite

    outras apresentaes farmacolgicas: anfotericina de disperso coloidal:

    1 mg/kg/dia anfotericina lipossomal: 3-5 mg/kg/dia anfotericina complexo lipdico:

    5 mg/kg/dia7) Rifampicina (formas graves, disseminadas,

    associada anfotericina B) dose: 600 mg/dia + anfotericina B,

    25 mg/kg/dia, 3 por semana.

    Tratamento

    Consideraes gerais

    Os seguintes pontos devem ser observados:a) Devem-se adotar medidas de suporte

    perante complicaes clnicas.b) O itraconazol a melhor opo nas formas

    leves/moderadas.c) A associao sulfametoxazol e trimetoprima

    a alternativa mais utilizada no tratamentoambulatorial da paracoccidioidomicose.

    d) Deve-se restringir fumo e lcool.e) Deve-se realizar tratamento das parasi-

    toses intestinais, muito frequentes nessesdoentes, notadamente a estrongiloidase.

    f) O tratamento de longa durao.g) Os pacientes devem ser acompanhados at

    atingir os critrios de cura.

    Doena grave

    Nos casos graves, podem ocorrer(1):a) perda de mais de 10% do IMCb) dificuldade de deglutioc) insuficincia respiratria: PaO

    2/FiO

    2< 250

    d) manifestaes neurolgicas e comprome-timento do SNC

    e) comprometimento das suprarrenais

    Esquema de tratamento: formas leves/moderadas

    Os seguintes esquemas tm sidoutilizados(1,2,10):

    Figura 2 - TCAR de trax. Opacidades em vidrofosco, padro em rvore em brotamento, cavidade,bronquiectasias, espessamento peribroncovascular,

    ndulos centrolobulares e subpleurais.

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    Interao medicamentosacom azis e sulfas

    Esse tipo de interao causa aumento daconcentrao dos seguintes frmacos: aminofi-

    lina, bloqueadores de canal de clcio, cumarnicos,hipoglicemiantes e inibidores de proteases.(3,10)

    Nota: O voriconazol no pode ser associado rifampicina ou rifabutina.

    A sulfa diminui o efeito dos contraceptivos eaumenta a supresso da medula ssea ao meto-trexato.(3,10)

    Sequelas da paracoccidioidomicose

    As principais sequelas causadas pela para-

    coccidioidomicose so(10)

    : piora da DPOC disfuno da suprarrenal (15-50% dos

    casos) disfonia e/ou obstruo da laringe reduo da rima bucal epilepsia e/ou hidrocefalia (6-25% dos

    casos)

    Critrios de cura(10)

    Os critrios de cura so os seguintes(10): melhora clnica, radiolgica e micolgica estabilizao da ID em 1:2 ou negati-vao em duas amostras com intervalo de6 meses aps o tratamento

    eletroforese de protenas, VHS, mucoprote-nas com resultados normais, por 3 mesesconsecutivos, como alternativa na falta daID.

    Sobre os autores

    Bodo WankeMdico Pesquisador do Servio de Micologia. Centro de Pesquisa do Hospital Evandro Chagas, Fundao Oswaldo Cruz Fiocruz Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

    Miguel Abidon AidCoordenador do Curso de Especializao em Pneumologia. Universidade Federal Fluminense UFF Niteri (RJ) Brasil.