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PATRICK KOBAYASHI RODRIGUES PARADIGMA DE EXPANSÃO – A EVASÃO NA GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFPR CURITIBA 2008

PARADIGMA DE EXPANSÃO - Portal do SCH/UFPR · de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil e no Paraná (o “que”), e analisado o perfil dos alunos de Ciências Sociais

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PATRICK KOBAYASHI RODRIGUES

PARADIGMA DE EXPANSÃO – A EVASÃO NA GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

DA UFPR

CURITIBA

2008

PATRICK KOBAYASHI RODRIGUES

PARADIGMA DE EXPANSÃO – A EVASÃO NA GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

DA UFPR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais do Curso de Graduação em Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Márcio Sérgio B. S. de Oliveira.

CURITIBA

2008

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como principal objetivo avaliar as causas sociais,

econômicas, educacionais, institucionais e profissionais que acarretam na evasão do aluno

de graduação nas Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná.

Primeiramente, serão apresentadas algumas definições e as bases teóricas.

Posteriormente, a fim de definir melhor o cenário das Ciências Sociais na UFPR, buscarei

responder a seguinte pergunta: Quem evade do que? Para isso, será analisado o processo

de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil e no Paraná (o “que”), e analisado o

perfil dos alunos de Ciências Sociais da UFPR do ano de 2007 (o “quem”), sendo seguido

por entrevistas que buscam aprofundar algumas possíveis variáveis encontradas que

acarretam na evasão do aluno de Ciências Sociais.

1.1 DEFINIÇÃO

Antes de se realizar o diagnóstico do problema estudado nesta monografia, é

importante explicitar a definição do termo evasão que foi utilizado para os propósitos dessa

pesquisa, pois a definição deste termo determina o objeto pesquisado e evitará confusões

em relação à abordagem.

Conforme o banco de dados da Universidade Federal do Paraná existem as

seguintes formas de evasão, conforme constam os dados cedidos pela Coordenação do

Curso de Ciências Sociais: Abandono; Cancelamento Pedido do Aluno; Descumprimento

Cota Racial; Descumprimento Cota Social; Descumprimento Documentação PROVAR;

Descumprimento Documentação Vestibular; Desistência PROVAR; Desistência Vestibular;

Formatura; Mudança de Habilitação; Mudança de Modalidade; Não Confirmação de Vaga

Vestibular; Novo Vestibular; Reopção de Curso; Término de Mobilidade Acadêmica;

Transferência Externa.

A evasão, para as finalidades utilizadas na pesquisa – quais sejam: analisar as

variáveis sociais, econômicas, educacionais, culturais e profissionais que incidem na

desistência e/ou no desinteresse pelo curso de Ciências Sociais – teve como recorte os

alunos que ingressaram no curso de Ciências Sociais, cursaram por algum espaço de tempo

– passando por uma experiência e relação com o curso de algum modo – e depois

abandonaram, mas abandono este que seja resultado de uma opção deliberada pelo aluno

e não por outras forças, tais como questões administrativas. Neste trabalho, portanto,

somente serão consideradas formas de evasão: a) abandono; b) cancelamento a pedido do

aluno; c) novo vestibular e d) reopção de curso. Portanto, evasão será entendida aqui

conforme estes critérios e os dados apresentados como evasão são os dados selecionados

que apresentam as características acima, em seu conjunto.

O curso de Ciências Sociais a que se refere este trabalho é o curso de graduação

como um todo, envolvendo todas as suas habilitações: bacharelado, licenciatura e

bacharelado com licenciatura.

1.2 DIAGNÓSTICO

Para que se possa analisar a questão da evasão, é preciso avaliar a dimensão deste

e fenômeno e em que medida ele se constitui um problema.

A evasão nos cursos de Ciências Sociais em todo o Brasil tem sempre se mantida

em um elevado índice ao longo dos anos. Na UFPR, o número de trancamentos de

matrícula e de abandono segue no seguinte gráfico:

GRÁFICO 1 – NÚMERO DE TRANCAMENTOS (2002-2007) E ABANDONO (2005-2007).

0

10

20

30

40

50

60

70

80

2002 2003 2004 2005 2006 2007

Trancamentos

Abandonos

F

FONTE: Coordenação do Curso de Ciências Sociais da UFPR.

Os dados disponibilizados sobre o abandono, no Gráfico 1, vão de, somente, 2005 a

2007. O trancamento é definido como a interrupção temporária, a pedido do aluno, de sua

matrícula, por interesses pessoais, mas pode indicar, também, uma redução do interesse

e/ou da prioridade do curso de Ciências Sociais na vida e no projeto profissional do

indivíduo. Como o Gráfico 1 mostra, o número de abandonos acompanha proporcionalmente

o número de trancamentos. Quando o número de trancamentos se eleva, eleva-se

igualmente o número de abandonos, permitindo afirmar que o trancamento está diretamente

relacionado ao abandono, como duas manifestações similares de uma relação negativa com

o curso como um todo.

Em relação a outros cursos de Ciências Sociais no país, pode-se utilizar o exemplo

da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo VILLAS BÔAS (2003), “no período de

1939 a 1988, matricularam-se no curso de ciências sociais 2.936 alunos. Desse total,

45,29% graduaram-se” (p. 47).

Através dos dados apresentados, pode-se concluir que a evasão nos cursos de

Ciências Sociais, mais especificamente o da UFPR – que em um universo médio de

aproximadamente 350 alunos matriculados, chegou-se ao número de 58 abandonos e 74

trancamentos em 2007 – têm-se mantido em elevados índices.

1.3 EVASÃO: PROBLEMA?

Haja vista esse elevado índice de evasão, tanto na UFPR quanto na UFRJ, em que

um número grande de alunos tranca ou abandona o curso, ao longo de vários anos,

algumas dúvidas surgem.

Ao realizar o levantamento bibliográfico dos trabalhos sociológicos já realizados

sobre a evasão no curso de Ciências Sociais, foi constatado um número muito pequeno de

artigos publicados1. Primeira dúvida: como que diante de um elevado índice de evasão nos

cursos de Ciências Sociais, presente em grandes instituições de ensino, não foram

publicados trabalhos científicos nas próprias ciências sociais que tratam deste fenômeno? A

hipótese inicial: a evasão se constitui como um problema, tanto de política pública como

sociológico, somente em tempo muito recente. A possível causa do não estudo do

fenômeno será discutida quando tratarei do processo de institucionalização das Ciências

Sociais no Brasil e no Paraná.

A relevância do fenômeno da evasão tem se ampliado nos últimos anos, haja vista

algumas mudanças ocorridas no cenário educacional nacional, tanto em aspectos mais

amplos como a política universitária quanto às Ciências Sociais em si, quanto nos aspectos

profissionais.

1 Foram encontrados somente um artigo e um relatório de pesquisa: Currículo, iniciação científica e evasão de estudantes de ciências sociais, de autoria de Glaucia K. Villas Bôas, publicado em 2003, e Permanência e evasão entre alunos de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, de Ester Pereira Ribeiro, relatório escrito que não foi publicado até o momento e cujos dados obtive com a própria pesquisadora.

Primeiro, a influência da política educacional no país, tendo como principal agente o

Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais –

REUNI. O REUNI foi instituído pelo Decreto Nº 6.096, de 24 de Abril de 2007, que

disponibiliza recursos para as instituições de ensino superior que aderirem alguns critérios,

sendo uma delas:

Art. 2o O Programa terá as seguintes diretrizes:

I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno;

A adesão ao reuni trouxe como uma de suas metas a redução da evasão e a maximização

do uso das vagas disponíveis. Tal medida tem como característica o modelo gerencial

(CHIAVENATO, 2006) adotado pelos gestores e governos desde 1994, principalmente com

o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização – GESPUBLICA, em que um

dos objetivos é a maximização da relação investimento/benefícios nos serviços prestados ao

contribuinte. Portanto, existe forte interesse na administração pública em reduzir a evasão e

a ociosidade, em troca de um volume maior de recursos públicos. Para poder receber os

recursos que possibilitam uma maior estrutura e ampliação, os departamentos das

universidades necessitam tomar medidas para atingir as metas necessárias. É neste sentido

que o fenômeno da evasão na graduação começa a tornar-se um problema.

O segundo evento que afeta consideravelmente o cenário das Ciências Sociais no

Paraná é a obrigatoriedade do ensino de Sociologia no Ensino Médio. Segundo o jornal

Gazeta do Povo,

O Brasil precisa de 15 vezes mais professores de filosofia e 40 vezes mais de sociologia para que todas as escolas de ensino médio passem a ter aulas das duas disciplinas.

(...)

Estudo feito pelo Ministério da Educação (MEC) mostra a dificuldade que as escolas terão para se adaptar à nova legislação. Além da falta de docentes dessas áreas, há

ainda material didático insuficiente e poucos estudos sobre um currículo atual de sociologia e de filosofia.

Hoje, o País tem 20.339 professores de sociologia atuando nas escolas; no entanto, só 12,3% deles (2.499) são licenciados na área. O restante se graduou em áreas como história, geografia e português (GAZETA DO POVO, 21/07/2008).

Temos, então, dois eventos importantes, o segundo como conseqüência do primeiro:

primeiro, a expansão do mercado de trabalho nas Ciências Sociais e, segundo, a ocupação

destas vagas por profissionais formados em outras áreas, devido à falta de profissionais

licenciados em Ciências Sociais. Com efeito, aqui a evasão torna-se igualmente um

problema. Um número elevado de alunos que abandonam o curso não permite uma

ocupação mais ampla das vagas de trabalho disponíveis para a área, e então estas acabam

sendo “invadidas” por profissionais de áreas “afins”, como geógrafos, historiadores e

pedagogos. Se o mercado de trabalho tem expandido, teoricamente o número de

interessados em cursar na área poderá aumentar, mas não necessariamente a evasão se

reduzirá. Portanto, o aumento de ingressos pode elevar o número de concluintes, mas não

acarreta em uma redução da evasão2. É preciso, para tal, que exista uma relação direta

entre as expectativas em relação ao curso e o projeto individual do aluno ou que o curso

possa proporcionar dentro do campo de possibilidades (VELHO, 2003). Sobre isso será

discorrido mais detalhadamente em outro capítulo.

Logo, estes dois fatores contribuem para tornar o fenômeno da evasão um problema.

O primeiro, de ordem institucional, que é o REUNI e a política governamental de reduzir a

evasão e, segundo, de ordem profissional e mercadológica, a ocupação da demanda por

professores de Sociologia no Ensino Médio. Este é o cenário atual, diferente de anos

anteriores, e que trás grande relevância aos estudos sobre evasão no Ensino Superior.

2 Um exemplo disso é o PROVAR – Processo de Ocupação de Vagas Remanescentes, da UFPR. O Processo tem como objetivo ocupar as vagas ociosas dos alunos que evadem e que não chegam a confirmar a matrícula, mesmo após múltiplas chamadas. O ingresso através do PROVAR pode ser através de transferência interna (utilizando o score do vestibular), externa, e de complementação de estudos (para ex-alunos da UFPR que já se formaram). Desta maneira, é possível ter um número maior de concluintes, pois o número de ingressantes é maior, mas a evasão ainda permanece.

1.4 METODOLOGIA

Com o propósito de abarcar de forma aprofundada o objeto de estudo, a pesquisa foi

realizada em três abordagens/níveis: a) abordagem institucional; b) abordagem sócio-

econômica dos alunos (grupo) e c) entrevistas (indivíduos). Devido a essa divisão na

pesquisa, para depois reuni-las e retomá-las como um todo na conclusão, as respectivas

metodologias e bases teóricas serão discutidas com maior profundidade em cada capítulo.

A abordagem institucional foi utilizada para melhor definir as características do curso

de Ciências Sociais da UFPR, sua formação, cientifização e consolidação. A abordagem

institucional foi utilizada na historiografia sobre as Ciências Sociais no país na obra

organizada por Miceli em A História das Ciências Sociais no Brasil (2001a), e por

Schwartzman (1991), e estes servirão como base teórica para este trabalho.

Quanto à história das Ciências Sociais no Paraná, “nenhum estudo sistemático sobre

a sociologia no Paraná, e mesmo sobre as ciências sociais de modo geral, foi realizado até

o momento” (MELO, 2005, p. 20). Como fontes historiográficas serão utilizadas os artigos

publicados em As Ciências Sociais no Paraná, organizado por OLIVEIRA (2006a), e

monografias e dissertações de outros autores, como MELO (2005), OGANAUSKAS (2007) e

BALHANA (1980).

Na pesquisa realizada com os alunos, foram aplicados 60 questionários aos alunos

de Ciências Sociais ingressantes em 2007, com o objetivo inicial, na época, de traçar o perfil

sócio-econômico dos alunos. Os dados levantados serviram como material de pesquisa para

avaliar quem são os alunos de Ciências Sociais da UFPR e comparar com o perfil dos

alunos que evadiram até a metade do ano de 2008. Através desta análise comparativa, é

possível avaliar quais variáveis podem influenciar no fenômeno da evasão. Como base

teórica para esta parte da pesquisa, foi utilizado o conceito de habitus, conforme definido por

Pierre Bourdieu:

Os condicionamentos associados a uma classe particular de condições de existência produzem habitus, sistemas de disposição duradouros e transponíveis, estruturas estruturadas que funcionam como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizadores de práticas e representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a visada consciente de fins e o controle expresso das operações necessárias para atingi-los, objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem ser em nada o produto da obediência a regras e sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um maestro (BOURDIEU apud BONNEWITZ, 2003, p. 77).

O habitus é um sistema de disposições duradouras que são construídas (estruturadas)

durante o processo de socialização. As disposições são “atitudes, inclinações para perceber,

sentir, fazer e pensar, interiorizadas pelos indivíduos em razão de suas condições objetivas

de existência, e que funcionam então como princípios inconscientes de ação, percepção e

reflexão (BONNEWITZ, 2003, p. 77). As questões elaboradas no questionário aplicado

serviram para definir o habitus do aluno, levando em consideração aspectos econômicos,

sociais, e educacionais, com o objetivo de observar onde cada um se posiciona na estrutura

social, com seus valores, projetos e perspectivas.

Na terceira abordagem, foram realizadas entrevistas com alguns dos alunos

evadidos. O propósito é o de buscar razões que possam ter acarretado a evasão do aluno, e

que não puderam ser abarcados através do questionário. Como base teórico-metodológica

foram utilizados dois conceitos de Gilberto Velho, o de projeto e o de campo de

possibilidades (VELHO, 2003). Na entrevista foi levantada parte sobre a biografia dos

indivíduos entrevistados no que trata de sua relação com as Ciências Sociais, desde a

escolha do curso até após o seu abandono, buscando a memória e seus projetos, e como

as Ciências Sociais participaram e participam no trajeto de suas vidas (VELHO, p. 101).

Conforme dito anteriormente, os aspectos teórico-metodológicos serão aprofundados

nos capítulos de cada parte da pesquisa.

2 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO BRASIL E NO PARANÁ: INSTITUCIONALIZAÇÃO E

CONSOLIDAÇÃO

Como foi apresentado na Introdução, o objetivo desta parte da pesquisa é o de

definir alguns aspectos do curso de Ciências Sociais da UFPR atualmente, ou seja, buscar

compreender “do que” os alunos estão evadindo.

Para entender o campo das Ciências Sociais, existem inúmeras possibilidades e

diferentes abordagens, que abrangem as dimensões sociais, culturais, políticas e

econômicas, tanto da perspectiva dos agentes do campo intelectual das Ciências Sociais

quanto da abordagem que envolve a análise do desenvolvimento e consolidação de suas

instituições.

Utilizo para as finalidades expostas neste trabalho a perspectiva “institucional” ao

invés da perspectiva dos estudos dos intelectuais das Ciências Sociais, de seus “agentes”.

Embora os alunos de graduação de Ciências Sociais que evadem cheguem a se envolver

diretamente com o curso, dificilmente se configuram como “agentes” dentro deste mesmo

campo, uma vez que suas relações com o curso têm curta-duração e não chegam a ter

impactos academicamente ou profissionalmente na área. As ações analisadas aqui serão

consideradas como uma relação entre aluno/alunos e a instituição – Ciências Sociais e

UFPR – que é uma relação que antecede (desde antes do vestibular) antes mesmo de se

relacionarem com os agentes do campo3.

Outro fator para se utilizar a abordagem institucional, é o fato de que é a melhor

maneira de se observar os impactos das políticas públicas para o Ensino Superior, como o

REUNI, e a forma como isto afeta a estrutura do curso. A forma como as políticas públicas

3 Para esta parte da pesquisa, somente os aspectos institucionais serão relevados. Para uma abordagem que envolva a relação dos alunos entre si e/ou com professores, ou outros agentes do campo, será dado mais ênfasena terceira parte da pesquisa.

afetaram o desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil, em um processo de

dependência em relação ao Estado, é um aspecto importante e será discutido adiante.

2.1 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO BRASIL

Para os propósitos deste trabalho, o pensamento social no Brasil será dividido em

duas fases. Em um primeiro momento, temos um período anterior à institucionalização das

Ciências Sociais no país, que vai desde o século XIX até o início do século XX (mais

especificamente, até o final da década de 20). Neste período, o pensamento social brasileiro

era produzido por uma classe letrada, vinculada aos grupos politicamente e

economicamente dominantes, ou seja, por uma elite, “e que produziam um ‘ensaísmo’ que,

apesar de muitas vezes ser baseado em pesquisas empíricas, não chegaram a formar um

conhecimento sociológico sistemático como viria a ocorrer depois” (MELO, p. 11). Aqui, “as

ciências sociais tinham em nosso país uma ‘legitimidade social’, mas não gozavam de uma

‘legitimidade científico-acadêmica’” (ARRUDA apud MELO, p. 9) e não existiam ainda

instituições que sistematizassem o conhecimento “ensaístico” produzido. Esta fase é muito

importante para se estudar e conhecer os “grandes temas” da sociedade brasileira em sua

história, e suas influências no pensamento social brasileiro até o presente, porém, como não

estamos estudando o conteúdo das Ciências Sociais, mas sim sua forma, portanto, nos

manteremos em analisar somente após essa fase, ou seja, estudar somente a fase depois

do processo de institucionalização – criação das faculdades de filosofia, ciências e letras

que possuíam Ciências Sociais – pois é o período em que é possível analisar a formação do

curso, sua formação profissional, e pensar em evasão.

A universidade, por criar condições institucionais à produção de conhecimento e congregar um número significativo de intelectuais teve papel importante na formulação de princípios guiados por critérios de cientificidade. Referimo-nos, nesse caso, às exigências acadêmicas impostas à elaboração de idéias. É por isso que a análise dos paradigmas não pode se descurar dos quadros institucionais de onde brotam. As diferentes “formas de pensamento” manteriam, então, nexos com as instituições (ARRUDA, 1995, p. 122).

Conforme o trecho acima, a universidade teve papel fundamental no processo de

surgimento de um pensamento mais elaborado, sistemático, científico. Para as Ciências

Sociais, o marco inicial de sua institucionalização é a criação – em São Paulo – da Escola

Livre de Sociologia e Política (1933) e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo (1934).

Os anos de 1930, período em que surgem as primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do país, são acompanhados pela criação dos cursos de Ciências Sociais junto às mesmas. É um momento no qual o país ainda se encontra numa fase de transição, buscando superar velhas condições herdadas do período do Império, o latifúndio, a monocultura de exportação, a ignorância, a doença, a fome, estruturas arcaicas que não possibilitavam a instauração da modernidade. Modernidade esta entendida a partir de uma visão positivista de progresso e de desenvolvimento econômico que visavam à arrancada para um país industrializado e letrado, na medida em que o avanço econômico assim o exige (OGANAUSKAS, 2007, p. 5).

É neste espírito de modernidade que surgem os cursos de Ciências Sociais de São Paulo

que, segundo MICELI (2001a), se desenvolveram de modo diferente em relação à

Universidade do Distrito Federal (1935) e da Faculdade Nacional de Filosofia da

Universidade do Brasil (1939), ambas do Rio de Janeiro. O impulso por modernidade da São

Paulo dos anos 30, uma classe burguesa que demandava por um desenvolvimento cultural,

e a mudança na estrutura produtiva rumo à industrialização – que criava novas

necessidades na área profissional - foram o que permitiu um desenvolvimento autônomo

das Ciências Sociais em São Paulo – uma relativa autonomia em relação ao governo central

- em oposição às universidades do Rio de Janeiro que eram fortemente influenciadas pela

política local.

O processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, tanto em sua

primeira fase (1930-1964), quanto em sua segunda fase (1964 até meados de 1990),

ocorreu de modo peculiar:

O processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil indica uma constituição de caráter específico e singular em comparação aos processos pelos quais passaram países de relevância da gênese das Ciências Sociais. Enquanto noutros países essa gênese se da em meio a sociedades democráticas e de

capitalismo mais avançado, gerando uma ciência social de sociedade civil que alcançava sua institucionalidade na vida acadêmica apenas posteriormente, na realidade brasileira, esta gênese esteve mais relacionada com a um projeto intelectual das elites, de caráter conservador e ligado a uma existência universitária sem expressão na vida social, isolada dos problemas sociais e limitada pelas repressões do Estado Novo (OGANAUSKAS, p. 30).

As fases de institucionalização e expansão das ciências sociais no país são marcadas pelo

presente autoritarismo do Estado Novo quanto da ditadura militar do pós-64, mas que

ocorreram com algumas diferenças.

Durante a primeira fase – do Estado novo até antes de 1964 – devido ao grande

projeto de industrialização e urbanização do governo Vargas, as universidades se tornaram

grandes centros da capacitação profissional para suprir as necessidades da indústria e das

cidades. A universidade era voltada exclusivamente para a formação profissional4.

O período de pós-64 pode ser considerado “marco para uma nova fase no campo

das ciências sociais no Brasil” (MELO, p. 17). Neste período “Em nível estrutural, tem-se

uma racionalização que atinge a sociedade como um todo; no nível da esfera política essa

racionalidade incorpora uma dimensão coercitiva inerente ao regime militar” (ORTIZ apud

MELO, p. 17). Nesta fase, surge ainda uma demanda cada vez maior pelo ensino superior,

principalmente pelas camadas médias. Como os cursos mais tradicionais, como medicina,

engenharia e direito, demandavam tempo integral e então eram ocupados pelas elites

econômicas e políticas, foram para as Ciências Humanas que as camadas médias

ascendentes da população entraram. Esta nova característica do recrutamento nas Ciências

Humanas, o que inclui as Sociais, trará um novo perfil para o cientista social do período5.

4 Algo diferente iria ocorrer na USP e na ELSP. Devido às suas resistências em relação ao governo central, a concepção de universidade seria um pouco diferente do pensado pelo governo Vargas, em que se tentaria tornar a universidade como um centro de reflexão crítica do país e da sociedade (OGANAUSKAS, p. 31).

5 A idéia de “recrutamento” terá papel fundamental em minha análise sobre o perfil dos alunos, que será discutido posteriormente. Neste período, a mudança do perfil dos alunos de ciências sociais, saindo de uma área composta pela elite “letrada” para uma classe média ascendente teve papel fundamental na definição dos grandes temas das Ciências Sociais e na forma como as ciências sociais então iriam caminhar.

A construção social dessa elite intelectual profissionalizada ocorreu no contexto de um regime autoritário cujas políticas educacionais favoreceram a expansão do ensino superior enquanto espaço prioritário de atendimento às reivindicações de melhoria formuladas pelos setores médios que vinham se batendo, desde o fim dos anos 50, com a questão dos chamados “excedentes” (MICELI, 1995a, p. 10).

Posteriormente, na década de 70, é criado um sistema nacional de pós-graduação que

“traduzia também o esforço político de ‘internalizar’ o treinamento e a reprodução das

gerações subseqüentes da mesma elite intelectual” (MICELI, 1995a, p. 10), sendo que estes

eram marcados pela internalização da excelência acadêmica, “que acabam adotando como

sua ideologia profissional favorita” (MICELI, 1995a, p. 10, grifos meus).

Com o processo de racionalização do período militar, surge grande incentivo à

ciência, principalmente através da criação de instituições governamentais e não-

governamentais de fomento à pesquisa, como a CAPES, o CNPq e, como instituição

privada, a Fundação Ford. Segundo Miceli, graças a estas instituições, dentre outras, que as

Ciências Sociais devem seu êxito: “os cientistas e as Ciências Sociais brasileiras lograram

sua consolidação material, acadêmica e profissional, por terem se beneficiado em medida

crescente das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento científico e tecnológico”

(MICELI, 1995a, p. 10-11). A criação de uma rede de agência públicas de apoio e

financiamento à pesquisa possibilitou a conversão de seus beneficiários, principalmente os

programas de pós-graduação e as instituições de pesquisa, como os interlocutores da

comunidade científica e tecnológica (MICELI, 1995a, p. 11).

Nessa direção, a história dos cientistas e das Ciências Sociais se traduziu na montagem das redes envolvendo as lideranças das agências e dos mutuários e os mecanismos decisórios e de avaliação que foram sendo constituídos ao longo dessas duas últimas décadas. A exemplo do que se passou com as ciências “duras”, os cientistas sociais também conseguiram garantir, numa proporção menor ajustada às dimensões da área, a continuidade dos fluxos de recursos através de alianças azeitadas entre os dirigentes burocráticos e as lideranças intelectuais dos diversos setores da produção científica (MICELI, 1995a, p. 11).

Essa aliança – esse relacionamento privilegiado junto aos órgãos governamentais –

segundo Miceli desenvolveu uma divisão do trabalho,

fazendo com que essa área acadêmica de formação fosse se tornando um espaço diferenciado de suprimento de quadros técnicos e de mão-de-obra altamente qualificada para postos executivos de alto nível dentro e fora das agências de fomento da atividade científica e tecnológica (MICELI, 1995a, p. 11).

A qualificação dos cientistas sociais e a proximidade junto a estes órgãos possibilitaram a

estes profissionais “encampar” os órgãos de fomento. Tal fato tornou o cientista social como

o profissional com disponibilidade para o trabalho político e resultou em um fluxo maior de

recursos para a pesquisa científica na área, porém, ao mesmo tempo, a necessidade de

recursos públicos aumentou, proporcionalmente, a necessidade de sintonia com os

detentores do poder (MICELI, 1995a, p. 11-12).

Outra característica do cenário institucional das Ciências Sociais, desde a década de

50 é a grande dependência dos recursos públicos para financiamento à pesquisa nas

instituições e nos centros de pós-graduação:

Diversamente do que sucede na maioria dos países desenvolvidos onde ora os gastos com ciência e tecnologia recaem mais sobre o setor privado (casos do Japão e da Alemanha Ocidental, por exemplo), ora acabam sendo rateados de maneira equilibrada entre o setor público e privado (casos dos Estados Unidos, Itália, Inglaterra, entre outros), o governo brasileiro contribui com 91% dos gastos com ciência e tecnologia segundo estimativas da Unesco. (...) Para resumir a pré-história desse processo de desenvolvimento científico e tecnológico, poder-se-ia afirmar que as primeiras iniciativas nessa direção foram impulsionadas no contexto de uma aliança entre militares e cientistas, ambos os grupos mobilizados pelos desafios da energia nuclear e suas conseqüências para a formulação e implementação de uma política de segurança nacional no pós-guerra (MICELI, 1995a, p. 19).

A grande participação do setor privado no investimento à pesquisa nas Ciências Sociais foi

da Fundação Ford6, mas o grande volume dos investimentos dependia – e se desenvolveu

graças – das instituições de fomento à pesquisa e à pós-graduação, como o CNPq, a

CAPES, a FINEP e, em São Paulo, a FAPESP.

A ocupação dos espaços na estrutura burocrática de financiamento à pesquisa, que

permite um maior fluxo de recursos para a respectiva área – graças ao corporativismo

profissional que caracteriza o cientista social (MICELI, 1995a, p. 11-12) – o que gerou uma

6 Segundo Miceli, das maiores doações da Fundação Ford no Brasil, entre 1962 e 1992, 55% foram destinadas às Ciências Sociais, totalizando mais de US$ 42 milhões (MICELI apud Melo, p. 18).

consolidação institucional na área de pesquisa científica que permitiu, inclusive, uma

estrutura segmentária dentro da área da própria pesquisa:

A própria compreensão da dinâmica das relações no interior do campo intelectual e científico requer hoje uma familiarização com a nomenclatura classificatória com que uns e outros se referem aos parceiros e aos concorrentes. Alto clero e baixo clero, produtivistas e puristas, empiricistas e teóricos, filosofantes e sociologizantes, elitistas e populistas, eis algumas das oposições com que os agentes do campo em questão costumam remendar simbolicamente diferenças de situação material, de graus de reconhecimento e prestígio, de identificação e de estilos de vida e de pensamento. (...) O fundo de verdade em todas essas designações não consegue esconder a partição havida no interior do campo intelectual das Ciências Sociais, e cujas conseqüências, em todo seu vigor, vão se fazendo sentir em todos os domínios da vida intelectual, desde as discussões e os concursos para preenchimento de posições docentes e de pesquisa, passando pelas tomadas de posição relativas ao peso da docência e da investigação na definição do que seja o cientista social, pelas posturas teóricas, métodos empregados, objetos identificados, até a montagem de chapas para a diretoria das sociedades cientificas da área (MICELI, 1995a, p. 22, grifos meus).

A segmentação que ocorre dentro da área da pesquisa científica, entre o “alto e baixo clero”

(idem), a definição do que é o cientista social, seus ofícios e posturas, que ocorre através da

legitimação dentro da própria área – e influenciada pela centralização do fluxo de recursos

para determinados centros privilegiados – não afeta somente de forma interna dentro do

campo científico, mas também entre as diferentes formas de atuação profissional do

cientista social:

O mercado de ensino universitário e os centros privados de investigação são reconhecidamente identificados tanto pelos que aí se acham inseridos como por aqueles que se vêem (e se sentem) excluídos como os espaços mais cobiçados na carreira de cientista social, abrigando aquela minoria de cientistas sociais que logram impor suas atividades e realizações como os modelos de excelência para o conjunto do campo profissional.

(...)

Entretanto, a simples consulta às letras A e B do cadastro de Sócios da Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo, cujo universo total chega a 2000 membros, mostra a importância do ensino de segundo grau, das agências de pesquisa de mercado, mídia e opinião, dos serviços de planejamento urbano, dos setores especializados em recursos humanos nas empresas privadas e ainda das chamadas organizações militantes não-governamentais (...), como principais espaços de emprego para cientistas sociais excluídos da carreira acadêmica (MICELI, 1995a, p. 13-14, grifos meus).

Ao longo do processo de institucionalização das Ciências Sociais no país, a área da

pesquisa científica acadêmica foi a que conseguir lograr êxito e consolidação, graças à

proximidade dos cientistas sociais junto aos órgãos públicos de fomento, que possibilitou

fluxo maior de recursos para os setores de pesquisa de ponta, legitimando a carreira

acadêmica como o ápice e o exemplo de área profissional dentre todas as possibilidades

profissionais para o cientista social e, dentre a própria área de pesquisa, as instituições e

centros de pós-graduação que servem como modelos a serem seguidos pelas instituições

“periféricas”, fora das “ilhas de conhecimento”.

No Brasil a distinção no campo científico parece ter ocorrido com mais sucesso. A produção científica no campo das ciências sociais começa a surgir após a institucionalização dos cursos nesta área começa a defender sua legitimação por ter essa condição. Já no campo profissional a delimitação parece não ter se dado com o mesmo sucesso.

O que vemos, de modo geral, é que as ciências sociais no Brasil marcam um campo de relações sociais de uma categoria de profissionais de nível superior marcada por uma acentuada tendência à especialização e à segmentação de interesses e representação. As relações institucionais-acadêmicas que invocam na reproduçãotanto da categoria profissional quanto da própria ciência, de que falamos anteriormente, são o que marcam principalmente este campo, ocorrendo com isso uma valorização maior das carreiras no mercado universitário e nos centros privados de investigação. Fora do meio acadêmico o espaço do cientista social se encurta, a disputa com profissionais de outras áreas para exercer funções no mercado de trabalho aumenta. Em conseqüência essa dimensão do campo torna-se menos cobiçada e reforçando as relações institucionais-acadêmicas como o que mais marcariam as ciências sociais no Brasil (MELO, p. 19-20).

Como dito anteriormente, o mercado científico foi o que logrou êxito nas Ciências Sociais,

sendo que seu espaço é reservado graças ao corporativismo e à imposição das

“credenciais” necessárias para inserir-se no campo e ser reconhecido como um “igual”

perante os demais (SORJ, p. 323), enquanto que as demais áreas profissionais dos

cientistas sociais não possuem uma delimitação clara de suas atividades, e muito menos

mecanismos que impeçam a invasão de profissionais formados em outros cursos de

graduação em seu “líquido” espaço de atuação7.

Em suma, podemos afirmar que o processo de institucionalização das Ciências

Sociais no Brasil tem as seguintes características, conforme aqui apresentado: a) carreira

acadêmica – pesquisa na pós-graduação e nos institutos privados de pesquisa – como a 7 Para os propósitos deste trabalho, as áreas de atuação do cientista social serão divididas em três: a) o mercado científico/acadêmico; b) o mercado dito profissional, o que inclui as áreas de pesquisa de mercado, mídia e opinião, a área de atuação como sociólogo junto aos órgãos públicos e às entidades do “terceiro setor”, que são áreas profissionais não-acadêmicas; e c) a carreira de professor no Ensino Médio.

mais desenvolvida (senão a única), consolidada, legítima, e disputada; b) corporativismo dos

grupos já consolidados; c) estratificação dentro da carreira de pesquisa científica como

desta em relação às demais áreas de atuação; d) desenvolvimento graças às instituições

públicas de incentivo e financiamento à pesquisa, e com forte dependência dos recursos

públicos; e) fraca consolidação das demais carreiras profissionais – profissões não-

acadêmicas e licenciatura para o Ensino Médio - estas consideradas de menor prestígio e

“invadida” (BONELLI, 1995) por profissionais com outra formação.

2.2 AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO PARANÁ

A maior parte dos estudos sobre as Ciências Sociais no país giram em torno do eixo

Rio-São Paulo, que são os estados cujas instituições de ensino conseguiram lograr um

desenvolvimento muito mais rápido que nos estados mais “apartados” 8, sendo que só muito

recentemente podemos encontrar um conjunto de trabalhos sobre o tema de forma

organizada (cf. OLIVEIRA, M. 2006a).

Para compreender melhor o surgimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

do Paraná, seu curso de Ciências Sociais, suas características iniciais e seus agentes, é

importante compreender o cenário da época.

Nas três primeiras décadas do século XX, o Paraná passava por um conflito

intelectual (BALHANA, 1980). De um lado, os chamados anti-clericais, grupo de intelectuais

influenciados pela franco-maçonaria européia, com ideais que vieram para o Paraná junto

com seus imigrantes, que era composto pelos maçons, rosa-cruzes, martinistas,

kardecistas, filósofos positivistas, e outras designações, que se denominavam “livres-

8 O desenvolvimento diferenciado entre as regiões se deu, além do exposto na parte 2.1 desta monografia, também pelo apoio dos governos estaduais no fomento à pesquisa, que é o caso do estado de São Paulo, com a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, na década de 60, antes mesmo da criação de um sistema nacional de pós-graduação.

pensadores”, tendo como seu principal agente Dario Vellozo, até então professor de História

no Colégio Paranaense, instituição de onde saíam as elites intelectuais locais.

Posteriormente, iriam se centralizar no Instituto Neo-Pitagórico, como principal instituição de

combate aos intelectuais católicos. Do outro lado, encontram-se os intelectuais católicos e

párocos que, apesar de uma produção menor de material escrito, possuíam o apoio

institucional da Igreja Católica e, devido à sua força no estado, das camadas populares. O

combate do lado clerical teve como principal agente D. Francisco Braga “que assume a

diocese em 1908 e aqui permanece até 1935, enfrentará e vencerá a batalha com os

anticlericais” (BEGA, p. 42).

Diante deste cenário de confronto de idéias, surge o Círculo de Estudos

Bandeirantes:

Com o crescimento da ação da Igreja Católica sobre os aparatos culturais com a exclusão dos anticlericais dos ambientes educacionais e dos jornais locais, associado à subida de Caetano Munhoz da Rocha ao governo do Paraná em 1930, há um enfraquecimento das tendências anticlericais e o espaço intelectual local é tomado pelas forças católicas. É neste crescimento que nasce o Círculo de Estudos Bandeirantes, como um movimento defensivo dos intelectuais católicos em 1929, para fazer frente ao movimento anticlerical, ainda presente entre os professores do Ginásio Paranaense e Escola Normal e que contaminava os jovens estudantes (BEGA, p. 47).

O CEB foi criado neste cenário de embate, como uma instituição criada para confrontar o

anti-clericalismo, e parte dos intelectuais do CEB irão compor as cadeiras da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras do Paraná. “Os sacerdotes e letrados católicos, dotados de uma

formação assentada nas Humanidades, irão propor e fundar, em 1938, a Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras, e dentro dela o curso de Ciências Sociais e Políticas” (BEGA, p.

48). A FFCLPr foi criada por intelectuais de forte mentalidade católica que não estariam

preocupados com a criação de um centro de pesquisas ou com uma “ação de ciência”, mas

sim como mais uma ação de reação ao cenário de embates entre clericais e anti-clericais

(OLIVEIRA, M. 2006b, p. 26).

O curso de Ciências Sociais tem como professores Omar Gonçalves da Mota, advogado, que ocupará a cadeira de Sociologia; Loureiro Fernandes, médico, na cadeira de Antropologia e Etnologia e Manuel de Lacerda Pinto, advogado, em Política. Ao longo das duas primeiras décadas, este curso, na mesma tendência dos demais da faculdade, terá como característica a intermitência, a baixa procura e, conseqüentemente, um pequeno número de egressos. Diferentemente de Letras e de História e Geografia, que tenderão a quadros estáveis de professores, nas Ciências Sociais há uma grande dificuldade de constituir quadros, sendo que seus professores serão, por mais de vinte anos, constituído por bacharéis em direito, filósofos, sacerdotes e alguns economistas (BEGA, p. 48).

Conforme a citação acima, o curso de Ciências Sociais sofreu com a dificuldade de recrutar

alunos com certa periodicidade, e número de alunos formados foi muito pequeno. Outra

característica deste período é a formação dos primeiros professores de Ciências Sociais no

Paraná: enquanto na USP os professores foram trazidos da Europa para ministrar aulas e

coordenar as pesquisas em suas respectivas áreas (como é o caso de Lévi-Strauss e Roger

Bastide), no Paraná o maior expoente na área foi Loureiro Fernandes, que desenvolveu a

Antropologia do estado a nível nacional, sendo que a sua formação era de Medicina.

Segundo TOMAZI (2006), podemos dividir o processo de institucionalização da

sociologia no Paraná em três períodos. Primeiro, uma “presença precária de sociologia”

(TOMAZI, p. 87), caracterizada pelo cenário universitário composto por intelectuais de forte

ideologia católica, e que vai desde a criação da FFCLPr (1938), até o início da década de

70, sendo que neste período surgem dois cursos de ciências sociais em Curitiba. O segundo

período é o de “implantação da sociologia no Paraná”, que vai desde a década de 70 até

meados da década de 80, e é aqui que “a Sociologia, propriamente dita, começa a lançar as

suas bases que depois se desenvolverão” (TOMAZI, p. 87) e neste período surgem dois

cursos de ciências sociais em Londrina e um em Arapongas. O terceiro período é o da

“consolidação da sociologia no Paraná”, que vai da segunda metade da década de 80 até os

dias atuais e é

Marcada de um lado, pela desativação dos cursos de Ciências Sociais nas IES privadas, mas também, pela implantação de novos cursos de graduação no final do século XX, (UNIOESTE – Toledo e UEM – Maringá), pela qualificação de seu corpo docente, pela consolidação dos grupos dedicados à pesquisa e ao ensino, pela

implantação da graduação latu e strictu sensu e significativa relação com os outros centros de ensino e pesquisa sociológicos no Brasil e no exterior (TOMAZI, p. 87)

Em suma, temos o curso de Ciências Sociais na FFCLPr caracterizado como tendo

seus agentes forte ideologia católica, sendo que a criação da própria faculdade teve como

objetivo o combate aos anti-clericais, passando por um processo de implantação da

Sociologia – propriamente dita – no Paraná e a sua consolidação, caracterizada pela criação

dos núcleos de pesquisa, por professores titulados na área, e a criação de um programa de

doutoramento em Sociologia no ano de 2004. Observando tais transformações ao longo dos

anos, podemos afirmar que o processo de institucionalização das Ciências Sociais no

Paraná se deu de forma semelhante à ocorrida em São Paulo, mas em tempos diferentes:

enquanto a ELSP e a FFCL da USP já foram criadas com o propósito de desenvolver e

expandir o conhecimento como uma ciência, o processo de cientifização só foi ocorrer no

Paraná no início da década de 60, tendo Loureiro Fernandes como o agente mais

preocupado em tratar os objetos sociais através de uma perspectiva mais científica; embora

em tempos diferentes, podemos citar como características comuns a dependência dos

recursos públicos vindos de órgãos de fomento à pesquisa – sendo que dificilmente poderia

ser diferente – e a consolidação da carreira acadêmica como a principal atuação profissional

do cientista social. Tais características de sua consolidação institucional se desenvolveram

de tal forma – eis minha tese - pelo fato das Ciências Sociais no Paraná, graças a sua

consolidação tardia embora sua precoce institucionalização, serem consideradas

“periféricas”, fora do eixo Rio-São Paulo que possuía já um desenvolvimento científico

consolidado, tomando as instituições paulistas como “modelo” institucional de excelência

acadêmica na área, pelas causas já explicadas na parte 2.1 deste trabalho. Outro fator que

influencia a tomada das instituições paulistas como “modelo” é o fato de que as Ciências

Sociais no Paraná só conseguem reproduzir o seu quadro docente com a recente criação do

curso de doutoramento em Sociologia, na UFPR, em 2004, o que permitiu “tirar este estado

de uma ‘situação de desvantagem’ em relação aos outros estados próximos de si (SP, RS e

SC, só para citar os mais próximos)” (MELO, p. 24), sendo que a maior parte de seu corpo

docente possui sua formação e aperfeiçoamento em instituições como a USP, UNICAMP,

UnB, UFRJ, entre outras, trazendo consigo suas bagagens adquiridas nas instituições de

suas formações, fora do estado do Paraná.

2.3 A CONSOLIDAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E A EVASÃO

Do discorrido sobre os processos de institucionalização das Ciências Sociais no

Brasil e no Paraná, podemos definir melhor o “do que” para a pergunta “Quem evade do

que?”. Uma análise mais profunda da relação entre o processo de institucionalização e a

evasão será realizada na conclusão, mas já é possível levantar algumas colocações.

A dependência dos recursos públicos e das instituições de fomento à pesquisa e à

pós-graduação está relacionada à relevância do problema da evasão atualmente. Ao longo

dos anos de formação e consolidação das Ciências Sociais na UFPR, mesmo diante das

“incertezas e descontinuidades” (TOMAZI, p. 90) da presença de alunos ingressantes e

formados, o curso de Ciências Sociais e seus pesquisadores recebiam recursos públicos e

financiamento, através do Instituto de Pesquisas da FFCLPr e do CNPq,

independentemente do número de alunos matriculados e dos índices de evasão. Isso

possibilitou uma “acomodação” dos agentes da área em relação ao tema9. A relevância da

evasão dentro dos departamentos e cursos de Ciências Sociais ocorre com o REUNI, cuja

única possibilidade de expansão da área no Ensino Superior – e da possibilidade de receber

um volume maior de recursos - é através da adequação às normas do programa o que

inclui, como visto anteriormente, a redução da evasão.

9 Como dito na Introdução, até então a evasão não era considerado um “problema”.

A vida universitária, centrada em departamentos sem estruturas hierárquicas bem estabelecidas, dominadas por um “igualitarismo” que enfatiza direitos e não obrigações, num contexto de deterioração das condições de vida que fortalece o corporativismo inato da vida social brasileira, eliminou as sanções externas na orientação dos cursos e avaliação dos professores. Inclusive, nas universidades federais, a carreira passou a ser estatutariamente estruturada como uma burocracia pública onde a antiguidade é critério para a promoção funcional, homogeneizando os professores no quadro de cargos. A falta de sanção exterior, seja do mercado, seja de estruturas de poder externas ao conjunto dos interessados, e a paralisia interna, limitarão a capacidade de (auto) transformação institucional (SORJ, 1995, p. 323-324).

Diante do que foi apresentado de Sorj, é possível afirmar que programas como o REUNI

permitem uma – ou alguma – transformação institucional, uma vez que funciona como uma

“sanção exterior”, mas não de um princípio negativo – a redução ou a punição – mas sim de

um princípio positivo – a ampliação de recursos, recompensa. O mercado também é uma

forma de pressão que está relacionada – conforme será apresentado mais tarde – com a

evasão, mas o mercado, dentro das Ciências Sociais, só interfere em uma mudança

institucional se estiver relacionada com a evasão: de que outro modo a falta de mercado

pode afetar os departamentos de Ciências Sociais senão no abandono que pode acarretar

em seus alunos, uma vez que existe um mercado consolidado – o da carreira acadêmica –

que já abarca os principais agentes deste campo?

3 OS ALUNOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFPR

Este capítulo busca identificar o perfil do aluno de Ciências Sociais da UFPR, para

responder o “quem” da pergunta “quem evade do que?”.

O que procuraremos aqui é tentar mapear o habitus dos alunos de Ciências Sociais,

inicialmente caracterizando-os como um grupo e posteriormente em suas posições

individuais – mas de forma agregada – para definir em que posição da estrutura social cada

um estes alunos se encontram.

Uma análise multivariada, levando em conta não somente o nível cultural do pai e da mãe, o dos avós paternos e maternos e a resistência no momento dos estudos superiores e durante a adolescência, mas também um conjunto de características do passado escolar, como, por exemplo, o ramo do curso secundário (clássico, moderno ou outro) e o tipo de estabelecimento (colégio ou liceu, instituição pública ou privada), êxito obtido pelos diferentes subgrupos definidos pela combinação desses critérios; e isso sem apelar, absolutamente, para as desigualdades inatas. Conseqüentemente, um modelo que leve em conta essas diferentes variáveis – e também as características demográficas do grupo familiar, como o tamanho da família – permitiria fazer um cálculo muito preciso das esperanças de vida escolar (BOURDIEU, 1998, p. 43).

O que Bourdieu definiu aqui como uma forma de estudo sobre a vida escolar realizarei no

âmbito do Ensino Superior. A análise será divida em duas etapas: o primeiro, uma análise

dos questionários sócio-econômicos que a UFPR aplica aos alunos durante o processo

vestibular e, segundo, uma pesquisa que realizei em 2007 junto aos alunos ingressantes.

3.1 OS ALUNOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFPR: PROGRESSÕES

Inicialmente, irei realizar uma análise dos questionários sócio-econômicos aplicados

pela UFPR aos alunos que se inscrevem no vestibular para ingressar na Universidade. O

universo pesquisado aqui será composto pelos alunos aprovados no curso de Ciências

Sociais da UFPR do ano de 2002 a 2008. Aqui serão analisados umas poucas variáveis que

permitirão “dar forma” aos alunos que fazem parte do recorte da pesquisa mas,

diferentemente da próxima etapa, aqui será analisada a dimensão do tempo e a variação do

perfil ao longo dos anos de 2004 a 2008, o que permitirá uma análise prospectiva para os

próximos anos, o que auxiliará a pensar em duas coisas: as mudanças pelo qual o perfil dos

alunos tem passado e pensar em possibilidades de projeto organizacional – no que trata da

evasão – para o futuro.

GRÁFICO 2 – IDADE NO PERÍODO DO VESTIBULAR

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Mais de 23 anos

23 anos

22 anos

21 anos

20 anos

19 anos

18 anos

17 anos

16 anos

Menos de 16 anos

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.10

Conforme o Gráfico 2, pode-se observar uma variação da faixa etária através do

tempo. De 2002 até 2005, podemos ver uma escala ascendente do número de alunos com

mais de 23 anos e, de 2005 a 2008, uma escala descendente deste mesmo grupo,

ocorrendo a presença de um número maior de alunos mais jovens. Uma presença maior de

alunos mais jovens não permite informações muito precisas por si só, mas é possível

definirmos algumas hipóteses. Primeiro, a presença de alunos jovens pode refletir, de modo

proporcional, a presença do ensino de Sociologia no Ensino Médio, já presente em muitas

escolas do Paraná antes de sua obrigatoriedade. O que temos são alunos onde cujas

possibilidades de terem contato com a Sociologia ocorreram, provavelmente, durante o

10 Gostaria de agradecer à Pró-Reitoria de Graduação e Ensino Profissionalizante – PROGRAD, ao Núcleo de Concursos – NC, e especialmente à Maria Denize Barbosa, pela presteza e pela disponibilidade dos dados.

Ensino Médio, enquanto que faixas etárias mais elevadas podem ter tido contato em outro

curso universitário, no trabalho, e etc. Portanto, a presença de alunos mais jovens reflete a

presença da Sociologia no Ensino Médio. Segundo, a diferença etária permite relacionar

outros aspectos com o perfil dos alunos, tais como um perfil que possui uma estabilidade

financeira, uma dependência maior ou não dos pais, ter ou não cônjuge, uma relação

antecedente com outro curso superior, e o a prioridade em que o curso pode ter para o

aluno em seu projeto de vida.

Portanto, temos uma tendência a ter alunos cada vez mais jovens, graças à

presença da Sociologia no Ensino Médio e, com a obrigatoriedade do mesmo, a

probabilidade de se ter uma proporção maior de alunos jovens ingressando no curso será

muito maior.

GRÁFICO 3 – LOCAL DE RESIDÊNCIA

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Em branco

Outro

MS

SP

RS

SC

Interior do PR

Curitiba e reg. Met.

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

GRÁFICO 4 – SITUAÇÃO QUANTO A MORADIA

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Branco ou erroCasa alugada pelo aluno, paga pelos paisCasa de parentes ou amigosRepública, casa de estudante, pensão ou pensionatoCasa alugada, paga pelo alunoCasa própria, quitada ou financiadaCasa dos pais, alugadaCasa dos pais, quitada ou financiada

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

No Gráfico 3, com exceção do ano de 2004, percebe-se uma leve tendência de

aumento do número de alunos que já residiam em Curitiba antes de iniciar o curso. O fato

do aluno já residir em Curitiba reduz os custos de investimento – em seu sentido financeiro –

para realizar o curso, diferentemente dos alunos que residem no interior do Paraná e

alhures, que possuem seus custos ampliados com moradia, alimentação, e etc. As

implicações do fato do aluno já residir em Curitiba com a evasão serão analisadas no

próximo capítulo. No Gráfico 4, a esmagadora maioria dos alunos moram com os pais,

embora ao longo dos anos essa característica tem reduzido, abrindo um espaço maior para

alunos que moram em uma casa alugada, paga pelos pais ou paga pelo próprio aluno e,

mesmo antes de ingressar no curso de Ciências Sociais, os alunos que já residiam em

casas estudantis, cujos índices eram mínimos nos ano de 2004 e anteriores.

GRÁFICO 5 – NÍVEL DE INSTRUÇÃO DO PAI

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Branco/erro

Não sabe

Superior completo

Superior incompleto

Médio completo

Médio incompleto

Fundamental completo

Fundamental incompleto

Sem escolaridade

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

GRÁFICO 6 – NÍVEL DE INSTRUÇÃO DA MÃE

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Branco/erro

Não sabe

Superior completo

Superior incompleto

Médio completo

Médio incompleto

Fundamental completo

Fundamental incompleto

Sem escolaridade

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

Segundo Bourdieu (1982), a formação, devido ao sistema de ensino, tende a

reproduzir-se de geração em geração; pais com uma quantidade maior de anos de estudo

conseguem melhores condições profissionais e, com isso, educar melhor os filhos e

transmitir seu capital cultural, através de um acesso facilitado e incentivado ao sistema de

ensino e a bens culturais. O grau de instrução dos pais nos permite definir melhor a herança

cultural que os alunos possam ter herdado, além da possibilidade de definir – embora de

forma imprecisa – as condições econômicas do aluno. Conforme os gráficos 5 e 6, o nível

de instrução tem variado ao longo dos anos de maneira instável, mas o número de alunos

que possuem pais com Ensino Superior completo ou incompleto manteve-se a maior parte

do tempo como maioria, o que permite supor que os alunos de Ciências Sociais pertencem

à famílias mais “privilegiadas” nos aspectos educacionais.

GRÁFICO 7 – RENDA TOTAL MENSAL DA FAMÍLIA, 2002-200711

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007

Em branco/erro

Acima de R$ 5001

De R$ 4001 a R$ 5000

De R$ 3001 a R$ 4000

De R$ 2001 a R$ 3000

De R$ 1501 a R$ 2000

De R$ 1001 a R$ 1500

De R$ 501 a R$ 1000

Até R$ 500

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

Pelo Gráfico 7, pode-se observar uma redução do número de alunos que possuem

renda familiar acima de R$ 500112 mensais até o ano de 2004. A partir de 2004, o número

de alunos de tal faixa de renda aumenta vagarosamente, acompanhado de um aumento de

alunos que possuem renda familiar mensal de R$ 2001 a R$ 3000, e uma redução dos que

possuem renda familiar mensal de até R$ 2000. Temos então um pequeno aumento de

alunos de renda familiar mensal mais elevada, um significativo aumento das camadas

médias, e uma redução das camadas mais baixas. Independentemente das proporções,

11 Aqui foram apresentados somente os dados até 2007, pois 2008 apresenta outros valores referenciais.

12 Os valores estão aqui apresentados sem reajuste.

podemos ver que a renda mensal familiar de boa parte dos alunos é mais elevada ou

próxima à média nacional. Mesmo que não seja possível afirmar que os alunos de Ciências

Sociais compõem uma “elite” econômica, pode-se afirmar que possuem renda suficiente

para evitar maiores dificuldades.

GRÁFICO 8 – QUANTAS PESSOAS CONTRIBUEM PARA A OBTENÇÃO DA RENDA

FAMILIAR (%)

0

10

20

30

40

50

60

70

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Uma

Duas

Três

Quatro

Cinco

Seis ou mais

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

GRÁFICO 9 – QUANTAS PESSOAS SÃO SUSTENTADAS PELA RENDA FAMILIAR (%)

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Uma

Duas

Três

Quatro

Cinco

Seis ou mais

Conforme o Gráfico 8, temos uma grande maioria de alunos que possuem famílias

sustentadas por um ou dois indivíduos, totalizando, juntos, aproximadamente 80%, sendo

que a partir de 2006 temos um número maior de alunos que possuem famílias sustentadas

por somente um indivíduo. No Gráfico 9, temos que a maior parcela das famílias sustentam

de três a cinco indivíduos. Podemos inferir que algumas famílias dos alunos de Ciências

Sociais podem ser caracterizadas em um formato mais “tradicional”, com dois pais e um a

três filhos, e outra grande parte em que somente um indivíduo contribui para a renda

familiar.

GRÁFICO 10 – COM QUE IDADE COMEÇOU A EXERCER ATIVIDADE REMUNERADA

(%)

0

10

20

30

40

50

60

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Antes dos 14 anos

Entre 14 e 16 anos

Entre 16 e 18 anos

Após 18 anos

Nunca trabalhou

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

GRÁFICO 11 – OBRIGATORIEDADE DE TRABALHAR DURANTE O CURSO

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Não sabe

Não

Sim, apenas nos últimos anos

Sim, desde o primeiro ano, emtempo parcial

Sim, desde o primeiro ano, emtempo integral

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

Conforme o Gráfico 10, os maiores índices encontrados são os de alunos que nunca

exerceram atividade remunerada, e a curva dos índices ao longo dos anos acompanha a

curva da faixa etária, com a exceção de 2003, em que o número de alunos que nunca

exerceram atividade remunerada ultrapassa os 50%, mesmo possuindo uma população

mais jovem se comparado com os demais anos. Já no Gráfico 11, os dados permanecem

relativamente estáveis, mas pode-se verificar que a porcentagem dos alunos que

responderam “não” e “não sabe”13 tem sido quase a metade do universo dos alunos

pesquisados pelo Núcleo de Concursos, o que nos permite dizer que pelo menos metade

dos alunos de Ciências Sociais possui alguma segurança financeira para concluir o curso

sem dificuldades. Resta saber se é a outra metade que, por questões financeiras e/ou de

trabalho, em um curso integral, compreende a maior parte do número de desistentes no

curso.

13 Considerarei a resposta “não sabe” como compreendido conjuntamente com a resposta “não”, uma vez que não saber se necessitará trabalhar ou não no futuro, permite inferir, minimamente, que o aluno não necessita trabalhar no momento em que respondeu o questionário aplicado pelo Núcleo de Concursos, sendo que somente o futuro é considerado incerto.

GRÁFICO 12 – COMO FEZ OS ESTUDOS DO ENSINO MÉDIO (%)14

0

10

20

30

40

50

60

70

80

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Integralmente em escolapública

Integralmente em escolaprivada

Maior parte em escola pública

Maior parte em escola privada

Escolas comunitárias / CNECou outro

Erro

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

GRÁFICO 13 – EM QUE TURNO FEZ O ENSINO MÉDIO (%)

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

Segundo o Gráfico 12, a maioria dos alunos de Ciências Sociais cursou o Ensino

Médio em escola privada, principalmente em 2003 e até 2004. Depois, em 2005, quando

surgem as cotas para alunos oriundos de escolas públicas, a diferença entre o número de

alunos que estudaram integralmente em escola pública e os que estudaram integralmente

14 Para os anos de 2007 e 2008, a pergunta do questionário agregou tanto o Ensino Médio quanto o Ensino Fundamental.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Todo diurno

Todo noturno

Maior parte diurno

Maior parte noturno

Outro

em escola particular cai consideravelmente, principalmente em 2008, mas com uma

pequena preponderância ainda das escolas privadas. Comparativamente entre os inscritos e

os aprovados, podemos realizar uma breve comparação. Em 2008, a porcentagem dos

alunos que se inscreveram para o vestibular e que estudaram integralmente em escola

pública é de 34,65% (dos aprovados: 37,5%), enquanto que os alunos inscritos que fizeram

os estudos integralmente em escola privada é de 32.52% (dos aprovados: 38,75%); o que

pode se perceber é que o número de alunos que se inscrevem no vestibular estudou

integralmente em escola pública é maior, mas a maior parte que consegue ser aprovada

estudou integralmente em escola privada, sendo que este mesmo fenômeno se repete em

todos os demais anos. Em relação ao Gráfico 13, vemos que a maioria dos alunos estudou

em um curso diurno, chegando a ultrapassar 80% em 2003, o que nos permite dizer que não

houve uma mudança muito drástica nos hábitos de estudos e de trabalho – caso trabalhem

– dos alunos que já residiam em Curitiba (grande maioria).

GRÁFICO 14 – SE JÁ INICIOU UM CURSO SUPERIOR

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Não

Sim, mas já concluiu

Sim, está cursando

Sim, mas não concluiu

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

No Gráfico 14 têm-se dados que trazem à tona um “mito” que é disseminado no

curso de Ciências Sociais: o de que o número de alunos que faz outro curso conjuntamente

com o de Ciências Sociais é elevado e isso faz com que ocorra o abandono, através de uma

mudança de prioridades. Será apresentado na próxima parte em que medida fazer um curso

conjuntamente com o de Ciências Sociais pode acarretar na evasão do aluno. Conforme o

gráfico se vê que a grande maioria – em média mais de 60% - não fez ou faz outro curso

superior, o que supostamente é um número baixo se comparado com outros cursos. Mas, se

observar o número de alunos que responderam que está cursando outro curso, o número

cai: uma média de 13%. Temos então, em dados, uma forma de comprovar a dimensão do

“mito” disseminado. Embora o número de alunos que faça outro curso conjuntamente com

Ciências Sociais seja, supostamente, mais elevado que o de outros cursos, a média do

número destes alunos é baixa o suficiente para que implique no índice de evasão que se

tem no curso ao longo dos últimos anos, mas isso não significa que a presença de outra

graduação não contribua para o fenômeno da evasão; o quero deixar claro, é que não é o

único fator, como às vezes se escuta nos corredores do curso. Melo (2005) ao traçar o perfil

dos alunos de Ciências Sociais da UFPR no ano de 2004, verificou quantos alunos

cursavam outro curso superior conjuntamente com o de Ciências Sociais, e dividiu a

população em três grupos: calouros, intermediários e formandos, realizando a seguinte

análise:

Constatamos que mais de 50% do grupo dos calouros nunca iniciou outro curso além do de ciências sociais. Já o segundo percentual mais alto (...) é o de alunos que estavam fazendo outro curso paralelo ao de ciências sociais (22,9%). Mais do que alunos que já iniciaram e desistiram de outro curso sem concluí-lo (que correspondem a 20%), há este percentual de alunos que estavam fazendo outro curso superior.

(...)

Os números do grupo intermediário mostram (...) que quase três quartos do grupo (73,9%) estava fazendo seu primeiro curso superior. Alunos que já haviam feito outro curso superior, mas não concluíram, formavam o segundo maior índice dentre o grupo intermediário que, porém era quatro vezes menor que o primeiro (...). Aqueles que já haviam concluído outro curso superior ou que estavam cursando algum paralelamente ao de ciências sociais, somavam 4,3% para cada uma das opções.

Vendo também o grupo dos formandos com o índice dos que nunca estiveram em outro curso superior em 80% e não havendo nenhum aluno que esteja fazendo outro curso ao mesmo tempo, podemos dizer que os alunos que entraram no curso de

ciências sociais, sem nunca terem feito, todo ou parcialmente, ou estarem fazendo outro curso superior, tem mais probabilidade de terminá-lo (MELO, p. 83-84).

Portanto, embora realizar outro curso conjuntamente com o de Ciências Sociais não

explique toda, ou a maior parte, da evasão, ela incide de alguma maneira na desistência do

aluno. Conforme a análise dos dados do Núcleo de Concursos, a maior parte dos alunos

(em média 65%) escolheu Ciências Sociais como a primeira e/ou a única opção, e mesmo

assim se tem índices cada vez mais elevados de evasão.

GRÁFICO 15 – DECISÃO QUANTO A ESCOLHA DO CURSO

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Muito indeciso

Indeciso

Decidido

Muito decidido

Absolutamente decidido

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

No Gráfico 15, vemos que o grau de decisão, que vai desde “Absolutamente

decidido” até “Muito decidido”, corresponde a aproximadamente 60%, e tem aumentado nos

últimos anos, com a exceção de 2008. Embora exista a resposta “decidido”, existe uma

graduação de força de decisão nas respostas. Se contar decidido como um índice “regular”

de decisão, e somar às respostas “Indeciso” e “Muito Indeciso”, tem-se um índice

aproximado de 40%, o que pode ser considerado um índice elevado de indecisão.

GRÁFICO 16 – MOTIVO PELA ESCOLHA DO CURSO (%)15

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2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Mercado de trabalho e possibilidades salariaisPossibilidade de contribuir para a sociedadePossibilidade de cursar algo que gostaPor ter habilidades relacionadas ao cursoGosto pelas matérias do cursoBaixa concorrênciaPermite concilar aula e trabalhoOutro

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

GRÁFICO 17 – O QUE ESPERA, EM PRIMEIRO LUGAR, DE UM CURSO SUPERIOR

(%)16

15 As respostas para esta parte do questionário sofreram alterações ao longo dos anos, e elas foram agregadas conforme possuíam o mesmo sentido na resposta. As que não compreendiam nas respostas acima apresentadas, foram colocadas em “outro”. Da porcentagem de 27,5% de “outro” para o ano de 2004, 22,5% são da resposta “Gosto pela profissão a que o curso me habilita”.

16 Em 2008 foi adicionado ao questionário a resposta “Aquisição de conhecimentos que permitam melhorar meu nível social/financeiro e de minha família”, que teve 3,75% como opção dos aprovados nesse ano.

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50

60

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Aquisição de cultura geral ampla

Formação profissional, voltada para o trabalho

Formação teórica, voltada para a pesquisa

Formação acadêmica para melhorar a atividade prática que já estou desempenhando

Aquisição de conhecimentos que me permitam compreender melhor o mundo em quevivemosAquisição de conhecimentos que me permitam melhorar meu nível de instrução.

Diploma de nível superior.

FONTE: Núcleo de Concursos da UFPR.

Observando os gráficos 16 e 17 pode-se avaliar a motivação e a expectativa,

respectivamente, dos alunos de Ciências Sociais. É importante ressaltar que tanto as

motivações quanto as expectativas aqui presentes acontecem durante a inscrição do

vestibular, ou seja, antes de terem tido qualquer contato com o curso de Ciências Sociais;

em suma, aqui é possível captar as impressões que os (futuros) alunos possuem sobre as

Ciências Sociais – tanto o curso como carreira – a perspectiva de “fora” da universidade. No

primeiro gráfico, temos a opção “Gosto pelas matérias do curso” como a opção mais

presente nos dois primeiros anos, e depois caindo para quarta posição em 2007 e terceira

em 2008. As opções que obtiveram um crescimento ao longo dos anos foram “Possibilidade

de contribuir para sociedade”, com um crescimento estável, e “Possibilidade de cursar algo

que gosta”, com altas e baixas, mas com um crescimento médio ao longo dos anos. No

segundo gráfico, a resposta cujo índice mais tem crescido no decorrer dos anos é

“Aquisição de conhecimentos que me permitam compreender melhor o mundo em que

vivemos”, só não sendo a opção mais respondida em 2004. A resposta que tem se mantido

em segundo lugar é “Aquisição de cultura geral ampla”, com um leve declínio a partir de

2005, chegando a igualar-se, em 2008, a “Formação profissional voltada para o trabalho”.

Esta última decaiu de 2004 até 2006, tendo crescido em 2008. Talvez o mais importante a

ser notado neste gráfico é o fato de que a resposta “Formação teórica, voltada para a

pesquisa” – que é a área, conforme apresentada no capítulo anterior, mais consolidada

dentre as carreiras de Ciências Sociais no país e no Paraná – não ultrapassa o valor de

11,25% em todos os anos analisados; dentre as respostas mais citadas em ambos os

gráficos, temos duas respostas de característica mais pessoal – cursar algo que gosta e

aquisição de conhecimentos que possibilitem conhecer melhor o mundo em que se vive – e

uma com característica mais voltada para a “ação” – possibilidade de contribuir para a

sociedade – imagem esta que as Ciências Sociais muitas vezes possui, a de “intervir”, de

algum modo, na sociedade.

Em suma, pode-se definir o perfil do aluno de Ciências Sociais, definir o “quem”, e

suas tendências pelo seguinte perfil: a) alunos cada vez mais jovens; b) residentes em

Curitiba e/ou região metropolitana; c) moram com os pais em casa própria; d) pais com nível

superior completo ou incompleto; e) possuem renda familiar, como um todo, em valores

muito diversificados, mas acima da média nacional; f) com duas ou uma pessoas

contribuindo para a renda familiar, sendo três a cinco indivíduos sustentados pelos mesmos;

g) nunca trabalharam; h) não necessitará trabalhar durante o curso ou trabalhará em

período parcial; i) fez os estudos do Ensino Médio integralmente em escola privada, em sua

maioria, ou integralmente em escola pública; j) cursou o Ensino Médio em período diurno; k)

não iniciou outro curso superior; l) maior parte encontra-se decidido ou muito decidido em

relação à escolha do curso; m) escolheu o curso pela possibilidade de contribuir para a

sociedade ou para cursar algo que gosta; e n) buscam em um curso superior a aquisição de

conhecimentos que permitam compreender melhor o mundo em que se vive.

Ao analisar as respostas mais constatadas nos dois últimos gráficos, vemos que não

existe uma preocupação muito grande – ao menos antes de iniciar o curso – com mercado

de trabalho e a carreira profissional, o que nos permite inferir duas possibilidades: a) os

alunos possuem outras formas que garantam alguma segurança financeira e/ou profissional

no futuro, como outro curso, ou b) a imagem que as Ciências Sociais possuem na

“comunidade externa” é a de ter um mercado de trabalho tão limitado, que a preocupação

com a profissão não vêm à tona no momento da escolha do curso, ou seja, os alunos

escolhem as Ciências Sociais já tendo conhecimento da sua limitação no mercado de

trabalho. Acredito nesta segunda hipótese, embora ambas não se excluam. O problema,

pode-se assim dizer, é que, pelo fato das Ciências Sociais não estarem relacionadas com

mercado de trabalho ou carreira profissional no momento da escolha do curso nas respostas

dos alunos, o curso de Ciências Sociais pode perder prioridade significativa quando estas

mesmas questões vêm à tona, principalmente quando se trata de trabalho e emprego. Como

se percebe, pelo Gráfico 2, tem-se um público cada vez mais jovem ingressando no curso e

que, conforme se observa no Gráfico 3, habita no mesmo local em que residia – em Curitiba

– e com os pais (Gráfico 4), não se percebendo de imediato uma necessidade econômica

evidente de trabalho (Gráfico 11), sendo que muitos sequer exerceram alguma atividade

remunerada (Gráfico 10), o que torna as preocupações com mercado de trabalho e carreira

profissional, pelo menos antes de ingressar no curso, de pequena relevância, pois não

existe alteração no projeto de vida de forma imediata. A hipótese aqui é a de que a

necessidade, ou a percepção desta, de trabalhar e a preocupação com a carreira

profissional vêm após a escolha do curso resultam na evasão do aluno caso as (novas)

expectativas não sejam atendidas e – como dito anteriormente – tem-se um curso

consolidado somente na área de pesquisa e na carreira acadêmica, cujas preocupações de

“ação” não são atendidas e as preocupações pessoais - compreender o mundo, cursar algo

que gosta e aquisição de cultura geral – já não são mais as principais prioridades dos

alunos.

Outro aspecto que é importante ressaltar, conforme os dados apresentados, é a

origem dos alunos de Ciências Sociais. Como a esmagadora maioria dos alunos reside em

Curitiba, morando junto com os pais, pode-se concluir que os custos de investimento – tanto

de tempo quanto no sentido financeiro – no curso de Ciências Sociais é muito mais baixo

para estes alunos do que para os alunos que vêm de outros municípios para realizar os

seus cursos superiores, que demandam custos de uma nova moradia, gastos de transporte,

alimentação, mudança de trabalho e de hábitos, uma vez que passa a morar longe de onde

reside a família. Neste sentido, é possível inferir, como demonstrarei mais tarde, que o fato

de o aluno já residir em Curitiba e morar com os pais – ou seja, um baixo custo de

investimento – torna a mudança para outro curso muito mais fácil ou menos custoso, com

uma menor sensação de “perda”, tanto de tempo quanto de recursos.

4 OS ESTUDOS ANTERIORES SOBRE A EVASÃO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Neste momento, é possível realizar uma breve análise sobre os estudos existentes

sobre a evasão, uma vez que o objeto de estudo e parte do diagnóstico começa a tomar

forma.

Conforme dito na Introdução, atualmente existem somente dois estudos nas Ciências

Sociais sobre a evasão na graduação do referido curso, mesmo com altos índices de

evasão afetando cursos consolidados de instituições de grandes instituições de ensino

superior. O primeiro estudo é de Villas Bôas (2003), que relaciona a grade curricular, a

iniciação científica e a evasão no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio

de Janeiro. O segundo estudo é o de Ribeiro, que até o momento não foi publicado, e que

busca traçar o perfil sócio-econômico dos evadidos do curso de Ciências Sociais da

Universidade de São Paulo. Analisaremos aqui o mais denso dentre ambos e que já foi

publicado.

Segundo Villas Bôas, “no período de 1939 a 1988, matricularam-se no curso de

ciências sociais 2936 alunos. Desse total, 45,29% graduaram-se” (p. 47). Dentre uns dos

aspectos que caracterizaram parte do abandono de ciências sociais na UFRJ são

Os obstáculos de ordem econômica e financeira, no decorrer dos anos de formação, bem como as perspectivas sombrias com relação ao mercado de trabalho foram enfrentados por tantos outros que aspiraram ao título de bacharel/licenciado em ciências sociais, ao longo dos anos de 1939 a 1988, influindo ora na demanda do curso, ora no seu abandono (VILLAS BÔAS, p. 46).

Na primeira parte de seu trabalho, Villas Bôas analisa a variação curricular da

graduação ao longo dos anos. O primeiro currículo do curso de Ciências Sociais da UFRJ

(que era Faculdade Nacional de Filosofia nesse período) vigorou de 1939 a 1946, sendo que

as disciplinas de maior peso eram as de Sociologia e Economia, tendo pouco espaço para

Antropologia e Política. Neste período, somente 45,6% dos alunos terminaram a graduação.

Nos anos seguintes, de 1947 a 1955, os debates sobre a redemocratização do regime política e a democratização da cultura levaram à mudança de currículo, mas não influíram na escolha do curso de ciências sociais, a julgar pelo limitado número de alunos (118) matriculados no período de nove anos (VILLAS BÔAS, p. 49).

O número de graduados nesse período cai em relação ao ano anterior, indo de 45,6% para

29,6%. “Esse currículo, diferentemente do primeiro, apresentava três disciplinas de

metodologia e pesquisa, além de maior número de disciplinas no campo da antropologia” (p.

50), ou seja, foram adicionadas novas disciplinas, incluindo disciplinas nas áreas de

Antropologia e Etnografia.

As mudanças de maior impacto, segundo a autora, ocorreram entre 1956 e 1966,

graças à expansão do Ensino Superior, devido ao processo de racionalização e

modernização, já citado no Capítulo 2, onde as ciências sociais tiveram grande legitimação,

“como um saber indispensável para a compreensão das mudanças que ocorriam na

sociedade brasileira” (p. 51). Neste período, o número de graduados foi de 44,5%, subindo

em relação ao período anterior, mas mantendo-se na média dos anos de 1939 a 1946. Os

currículos dessa terceira fase mudaram, sendo divididos em fase básica, fase de formação,

disciplinas complementares e disciplinas optativas e a Antropologia, a Sociologia e a Ciência

Política ocupavam espaços relativamente equilibrados, se constituindo como as principais

disciplinas das Ciências Sociais (p. 51).

Durante o ano de 1967 e 1981, a média anual de estudantes matriculados aumentou

e o porcentual de graduados subiu para 52,2%. É neste longo período que surgem o

sistema nacional de pós-graduação e o fomento à pesquisa (p. 53). Quanto ao currículo,

O novo currículo apenas acrescentava outras matérias àquelas que vinham sendo ministradas, desdobrando-as e aumentando o número de disciplinas. Se, de um lado, o desdobramento das matérias evidenciava que a sociologia, a antropologia e a ciência política se especializavam e se expandiam, de outro lado, mostrava que o currículo seguia a lógica da acumulação, reunindo um número cada vez maior de disciplinas, ordenadas do geral ao particular, sem que sua estrutura fosse efetivamente modificada (p. 54, grifos da autora).

No período de 1982 a 1988, durante o processo de redemocratização e de recessão

econômica, a média de matrículas anuais chegou a 123, média mais alta que a dos períodos

anteriores, porém somente 35% se graduaram neste período.

As modificações introduzidas em 1982 não alteraram a estrutura curricular, havendo apenas substituição de disciplinas e maior oferta das subdisciplinas dos campos constitutivos das ciências sociais. Em 1989, o currículo foi revisto mais uma vez, seguindo-se os mesmos princípios das mudanças anteriores (p. 55).

Conclui a autora, nesta parte, que não ocorreu uma mudança na lógica da estrutura

curricular ao longo dos anos, sendo que sempre se seguiu a lógica da acumulação,

“reduzindo a formação do cientista social à aquisição de um número maior de

conhecimentos em menos tempo” (p. 57).

Em 1988 foi criado o Programa de Iniciação Científica, que funcionou até 1997,

contendo 25 professores e 400 alunos.

Para se ter idéia dos efeitos desse programa sobre a evasão dos alunos, basta dizer que entre seus estudantes o índice de abandono era de 2%. Nos anos de 1988 a 1993, ingressaram 604 alunos no curso de ciências sociais, formando apenas 215 (36%) (p. 58).

O argumento de Villas Bôas é, portanto, o de que a mudança de currículo, por indispensável

que seja, não altera as taxas de evasão (p. 45), e que o Programa de Iniciação Científica

reduziu as taxas de abandono dentre seus integrantes a 2%.

Cabe agora realizar uma breve análise do artigo de Villas Bôas, como talvez a

principal publicação sobre a evasão – da e na área – das Ciências Sociais. Primeiramente, a

mudança na estrutura curricular não afetou nos índices de evasão do curso de Ciência

Sociais pois, como a própria autora afirmou, não houve em si uma mudança na estrutura

curricular, qual seja, o da lógica da acumulação. O que ocorreu em si foi um aumento da

carga horária e das disciplinas, mas não uma mudança em si. As mudanças mais

consideráveis encontradas pela autora foram no movimento de especialização das três

disciplinas-base das ciências sociais, mas não ocorreu nada que alterasse a estrutura em

um aspecto profissional, mais voltada para a licenciatura ou para a “abastecer” a estrutura

burocrática durante a ditadura militar. Nenhuma mudança em si, na grade curricular,

ocorreu, que afetasse os “obstáculos de ordem econômica e financeira” e as “perspectivas

sombrias em relação ao mercado” que afetavam na demanda e na evasão do curso.

Após a criação do Programa de Iniciação Científica, a autora afirma que a taxa de

evasão caiu para 2% dentre seus integrantes. Não obstante a redução da taxa de evasão

entre os alunos que integravam o Programa de Iniciação Científica, o número de graduados

no período da criação do Programa até 1993 foi de 36%, um índice extremamente baixo.

Portanto, pode-se afirmar que com a criação do Programa a taxa de evasão em si, no curso

de graduação, não se reduziu. Em relação à baixa evasão dos alunos que integram o PIC, a

autora desconsiderou o fato de que estar com uma bolsa de iniciação científica, ou

realizando pesquisas juntamente com os professores, já é integrar o aluno – ou direcioná-lo

– para a carreira mais consolidada, e legítima, das Ciências Sociais, a da pesquisa

científica, além de auxiliar o aluno financeiramente. Outro fator ignorado pela autora, é a

possibilidade de já existir um “filtro” que separa, durante a seleção, os alunos que

conseguem ingressar no Programa e aqueles que não conseguem ou optam por não seguir

este caminho, filtro este que, conforme os alunos graduados que passaram pelo PIC, é

definido pelo “talento” (VILLAS BÔAS, p. 59).

Portanto, podemos concluir que a abordagem que Villas Bôas realiza sobre a evasão

não abarca o problema em si, tanto na análise quanto nas conclusões, ou seja: a autora

afirma que uma mudança na estrutura curricular não afeta os índices de evasão, mas obtém

tal conclusão observando uma grade curricular em que não existe mudança em sua lógica

estrutural; do mesmo modo, a autora alega a redução da evasão com a criação do PIC,

porém a redução ocorreu somente dentro do Programa, enquanto que a evasão no curso de

Ciências Sociais foi de 64%. Logo, não se pode afirmar como verdade que uma alteração na

estrutura curricular não afeta os índices de evasão, assim como igualmente não é

verdadeiro o fato da vinculação da graduação com a pesquisa reduzir a evasão.

5 OS ALUNOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS DE 2007

No capítulo 3, foi possível definir o perfil dos alunos de Ciências Sociais e perceber

as mudanças ocorridas no alunado durante os anos, permitindo prever as tendências de

mudanças no perfil dos alunos nos próximos anos. Têm-se agora uma melhor definição para

a pergunta “Quem evade do que?” e, ao cruzar o perfil dos alunos de Ciências Sociais com

os processos de institucionalização e consolidação das Ciências Sociais, foi possível

encontrar algumas dissonâncias, principalmente quanto às expectativas e motivações

relacionadas com o curso; foi possível, enfim, levantar algumas hipóteses sobre a evasão e

conseguir algumas conclusões. Neste capítulo será analisada uma parte do universo

apresentado no capítulo 3, no caso aqui, os alunos de Ciências Sociais de 2007, e que, por

ser um universo menor, a pesquisa foi realizada com mais profundidade; serão testadas

algumas das hipóteses apresentadas anteriormente e será possível obter uma definição

mais específica das causas que resultam na evasão do aluno de Ciências Sociais.

5.1 PROCEDIMENTOS

Quando a pesquisa foi realizada, em maio de 2007, o objetivo principal foi o de

definir o perfil dos alunos de Ciências Sociais que ingressaram naquele mesmo ano. A

possibilidade de estudar o fenômeno da evasão já estava presente naquele período, dentre

muitas outras possibilidades de resultados de pesquisa com os dados coletados; portanto, o

questionário foi muito amplo, procurando abarcar aspectos sociais, econômicos, políticos,

motivacionais e representações. Para a finalidade do estudo sobre evasão, serão

apresentadas aqui somente as variáveis mais significativas.

Ao traçar o perfil dos alunos, buscamos definir o habitus dos alunos de Ciências

Sociais, desde as influências como a família, a escola e, posteriormente e em menor tempo,

a universidade. Através de uma análise com as variáveis citadas no parágrafo anterior, é

possível posicionar cada aluno na estrutura social, e dimensionar, através de sua posição

em uma estrutura de relações, as possibilidades e perspectivas de cada aluno em relação a

seu projeto (VELHO, 2003), e como as variáveis que os definem contribuem para

dimensionar seus horizontes dentro de um campo de possibilidades (idem), realizando a

análise multivariada que BOURDIEU (1998, p. 43) definiu como capaz de auferir as

possibilidades de fracasso ou sucesso na vida escolar. Posicionando o indivíduo, é possível

saber o conteúdo que seu habitus experienciou e internalizou na realidade objetiva à sua

volta, descobrindo como, onde e o que foram apreendidas das suas condições objetivas de

existência (BONNEWITZ, 2003, p. 77).

Para definir o perfil dos alunos, o instrumento metodológico utilizado foi o

questionário. O questionário (anexo 1), foi elaborado de modo a ser auto-aplicável, com

respostas objetivas e discursivas. O mesmo foi dividido em quatro blocos. O primeiro é um

questionário próximo ao questionário sócio-econômico aplicado pelo Núcleo de Concursos

da UFPR, composto por perguntas sobre formação dos pais, renda, situação de moradia e

local de origem. O segundo bloco foi focado nos aspectos educacionais do aluno, desde o

Ensino Médio até sobre as escolhas do curso de Ciências Sociais e seu primeiro contato

com o curso. O bloco 3 foi sobre valores políticos e ideologia e o bloco 4 com algumas

perguntas sobre etnia, religião e uma questão aberta sobre representação. Nem todos os

resultados dos dados serão aqui levantados, mas somente os que interessam ao objeto de

pesquisa.

Os questionários foram aplicados aos alunos de Ciências Sociais que ingressaram

em 2007, para as turmas A e B. Ao todo foram coletados 60 questionários, que foram

aplicados em maio de 2007. O fato de o questionário ter sido aplicado em maio, no final do

primeiro semestre, apresenta uma desvantagem e uma vantagem para a pesquisa sobre

evasão. A desvantagem é que boa parte dos alunos já tinha desistido do curso quando o

questionário foi aplicado, o que acabou excluindo este grupo, impossibilitando captar as

variáveis que possam ter incidido na evasão no começo do curso. A vantagem de aplicar o

questionário no final do primeiro semestre é o fato de os alunos já terem conhecido o curso

com maior profundidade, estabelecendo um contato maior com professores, com as

matérias do curso, com colegas, ou seja, já está em processo de socialização e de

internalização – que constituem o habitus – das condições exteriores, ou seja, da realidade

objetiva do curso em si. Tendo aplicado o questionário depois de decorrido esse tempo, as

impressões captadas sobre a relação dos alunos com o curso já se apresentam como dados

mais consistentes.

A estrutura das oportunidades objetivas de ascensão social e, mais precisamente, das oportunidades de ascensão pela escola condicionam as atitudes frente à escola e à ascensão pela escola – atitudes que contribuem, por uma parte determinante, para definir as oportunidades de se chegar à escola, de aderir a seus valores ou a suas normas e de nela ter êxito; de realizar, portanto uma ascensão social – e isso por intermédio de esperanças subjetivas (partilhada por todos os indivíduos definidos pelo mesmo futuro objetivo e reforçadas pelos apelos à ordem do grupo), que não são senão as oportunidades objetivas intuitivamente apreendidas e progressivamente interiorizadas (BOURDIEU, 1998, p. 49, grifos meus).

Em nota, Bourdieu complementa o que foi exposto:

O pressuposto desse sistema de explicação pela percepção comum das oportunidades objetivas e coletivas é que as vantagens ou as desvantagens percebidas constituem o equivalente funcional das vantagens efetivamente experimentadas ou objetivamente verificadas, dado que elas exercem a mesma influência sobre o comportamento (BOURDIEU, 1998, p. 49, nota 12, grifos meus).

Conforme o que foi exposto de Bourdieu, estou relacionando aqui as características de um

período dos alunos anterior à universidade, onde possuem suas experiências individuais, e

uma segunda fase, após ingressar no curso, em que os alunos estejam a uma altura em que

já possuem socialização suficiente dentro do curso para que possam ser considerados como

um grupo, com experiências, expectativas e impressões compartilhadas e mais

consistentes. Dentre essas experiências, expectativas e impressões compartilhadas, o meu

objetivo é captar as que possam influenciar na evasão do aluno.