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Parecer
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PARECER JURÍDICO
ILMA. SRA. YASMIN
Parecer nº 001/2015
DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE COMPRA E VENDA A NON DOMINO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. MÁ-FÉ E ILICITUDE EVIDENCIADA. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO NÃO PRODUZ EFEITOS. Cabeajuizamento de ação judicial para declarar nulos os atos praticados por quem não tem legitimidade para tanto, bem como ação de reintegração de posse para reaver o veículo alienado, e também o requerimento de indenização pelas perdas e danos.
I. RELATÓRIO
Trata-se de consulta formulada por Yasmin, narrando que ao mês de
janeiro do ano de 2015 deixou seu veículo (FIAT/PUNTO, PLACA ZZZ-000)
sob a posse de ZEBEDEU REVENDA DE VEÍCULOS LTDA, para que esta
intermediasse a venda do veículo pelo valor de R$40.000,00, o que foi tratado
apenas verbalmente entre as partes, sem outorga de mandato. No dia
18/01/2015 um representante comercial da empresa solicitou que Yasmin
fizesse a transferência do veículo para o comprador ZAQUEU através do
Documento Único de Transferência, com intuito de que tal venda se efetivasse
ao dia 19/01/2015, a qual se negou por não ter recebido o valor do veículo.
Posteriormente Yasmin constatou que o seu veículo já havia sido entregue a
ZAQUEU, o qual confirmou que havia feito o pagamento á vista a ZEBEDEU
REVENDA DE VEÍCULOS LTDA, valor este que também não foi repassado á
YASMIN.
É o relatório.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Como evidenciado no caso, demonstra-se que não houve outorga de
mandato pela parte de Yasmin auferindo poderes á ZEBEDEU REVENDA DE
VEÍCULOS LTDA. Nesse sentido o art. 653 do Código Civil nos esclarece:
Art.653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato1.
A proprietária do veículo não auferiu poderes de administração ou
representação á revendedora, o que se evidencia pelo fato de que inexistem
documentos, como a procuração, na relação obrigacional. Segue-se a mesma
linha de raciocínio com os arts. 657 e 661 do Código Civil:
Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito.
Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.
§ 1o Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos2.
Tais dispositivos corroboram o entendimento de que não ouve outorga
de mandato pela parte de Yasmin para com ZEBEDEU REVENDA DE
VEÍCULOS LTDA, sendo que esta empresa apenas recebeu a incumbência de
intermediar a venda, e, portanto sem poderes para efetivar a mesma, tarefa
que se pressupõe que ficou a cargo da própria proprietária do veículo, e a qual
ZEBEDEU ficou incumbido de comunicar quando encontrasse um comprador,
para que prosseguisse com a venda.
Também entende-se que o mandato para a alienação de bens depende
de procuração no qual conste expressamente os poderes atribuídos ao
mandatário, não podendo ser celebrado verbalmente, logo inexistia contrato de
mandato.
1BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015.2BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015.
O art. 662 do Código Civil dispõe que:
Art.662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar.
Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato3.
Assim sendo, conforme a lei, não terão efeitos os atos praticados por
quem não tenha os devidos poderes para a sua prática, ou seja, um falso
procurador4, conforme se constata no caso em questão. Os atos praticados
pela empresa que realizou o negócio indevidamente se tornam sem efeitos
também pela não ratificação da proprietária Yasmin.
O Código Civil ao tratar da tradição expõe:
Art.1268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstancias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono5.
Dessa forma, o que se evidencia é no mínimo uma displicência pela
parte do comprador ao não exigir examinar o contrato de mandato, pois sabia
que por se tratar o vendedor de uma revendedora de veículos, havia grande e
evidente possibilidade de esta não ser a proprietária do bem. Não bastando,
efetuou pagamento indevidamente á quem de direito não o podia receber e dar
quitação.
Constata-se que a mera entrega do veículo ao adquirente, nesse caso,
não transfere a propriedade ao mesmo, pela falta de legitimidade do vendedor
de má-fé para a prática do ato, e também pelo adquirente assumir o risco pelo
negócio praticado.
Segue ementa do TJ do Paraná sobre caso semelhante:
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE ATO JURÍDICO. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL A NON DOMINO -
3BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015.4 TARTUCE, Flávio. Direito Civil 3: Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. São Paulo: Método. 2014, p. 542.5BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015.
ATO NULO QUE NÃO PRODUZ EFEITOS - BOA-FÉ DOS ADQUIRENTES - IRRELEVÂNCIA. Apelo da autora parcialmente provido. Recurso adesivo prejudicado, pela perda de objeto. O ato nulo não produz efeitos. Sendo assim, uma vez comprovado a venda de imóvel a non domino, declara-se a nulidade das escrituras e respectivo registro imobiliário, ineficazes que são em relação à proprietária, sendo irrelevante perquirir da boa-fé ou não dos adquirentes6.
Nesse caso, restou comprovada a venda de imóvel a non
domino,declarou-se a nulidade das escrituras e respectivo registro imobiliário,
ineficazes que são em relação à proprietária, sendo irrelevante a boa-fé ou não
dos adquirentes.
Sobre a posse do bem em questão há dispositivo legal que o fundamenta:
Art. 1210 do CC/02. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1oO possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa7.
Conforme exposto, o proprietário tem o direito de usufruir da posse do
bem, podendo restituir-se da mesma por sua própria força, e caso necessário
usar dos meios legais que lhes são conferidos para recuperá-la.
O art. 876 do CC/02 traz que “Todo aquele que recebeu o que lhe não
era devido fica obrigado a restituir...”, ficando assim ZEBEDEU obrigado a
restituir ZAQUEU pelo pagamento feito indevidamente, ação que incumbe ao
0titular do direito.
O Código Civil em vigor veda o enriquecimento sem causa, consoante
o art. 884: “Aquele que, sem justa, se enriquecer á custa de outrem, será
6PARANÁ, Tribunal de Justiça do PR. Relator: Ivan Bortoleto. Data de Julgamento: 20/04/2010, 6ª Câmara Cível.7BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015.
obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários”8. Sob o mesmo prisma a doutrina traz o seguinte:
[...] O enriquecimento sem causa constitui fonte obrigacional, ao mesmo tempo em que a sua vedação decorre dos princípios da função social das obrigações e da boa-fé objetiva. O atual código civil brasileiro valoriza aquele que trabalha, e não aquele que fica á espreita esperando um golpe de mestre para enriquecer-se á custa de outrem9.
A empresa ZEBEDEU REVENDEDORA DE VEICULOS LTDA,
presentada por seu sócio Zebedeu, visou enriquecer-se ás custas da
proprietária do veículo e do adquirente, agindo de má-fé e lesando os seus
direitos, bem como os princípios gerais do Direito.
Pelo já exposto, o caso enseja correlação com o art. 166 do Código
Civil:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção10.
O negócio jurídico celebrado se mostra nulo de pleno direito, á medida
que constitui ato ilícito com objetivo de fraudar a lei, de enriquecimento ás
custas de outrem, e por ZEBEDEU não possuir procuração formal e expressa
8BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015.9TARTUCE, Flávio. Direito Civil 2: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo: Método. 2014, p. 33-34.10BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015..
de YASMIN, assim não produzindo os efeitos desejados com a não
transmissão da propriedade do bem móvel.
Seguem dispositivos legais:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem11.
A revendedora de veículos contraiu para si, no momento em que
celebrou a compra e venda sem a devida legitimidade para tanto, a obrigação
de reparar o dano causado ao agir de má-fé e ilicitamente alienando coisa
alheia.
III – CONCLUSÃO
Frente ao que foi exposto, entende-se a ineficácia do negócio jurídico,
visto que inexistindo a relação obrigacional entre a proprietária do veículo e o
comprador, e evidenciado a má-fé da revendedora de veículos ao alienar coisa
alheia e a qual não estava autorizado a fazer, o negócio se mostra ineficaz.
Assim é cabível AÇÃODECLARATÓRIA DE NULIDADE do negócio
jurídico, no caso da compra e venda efetuada, baseada no art. 166 do Código
Civil de 2002 e correlatos.
Para recuperar a posse do veículo poderá a prejudicada ajuizar AÇÃO
DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE para a defesa dos seus direitos de usufruir e
de possuir o bem e o manter sobre o seu domínio.
Além disso, poderá a prejudicada pleitear perdas e danos, através da
AÇÃO INDENIZATÓRIA POR PERDAS E DANOS, englobando danos morais
pela situação a que foi exposta, e danos materiais pelos prejuízos que sofreu
11BRASIL. Lei nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 de Junho 2015.
estando entre eles lucros cessantes, por uma possível venda que não foi
possível efetuar nesse tempo em que não estava de posse do veículo.
Santiago, RS, 15 de Junho de 2015.
Guilherme Dorneles do Canto, Sandro Mayer MoyanoLoupache.Acadêmicos de Direito/ Uri Campus Santiago