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O Agronômico, Campinas, 57(2), 2005 15 A influência do solo na ocorrência da vegetação natural Parque Estadual de Porto Ferreira, São Paulo Existe tendência de se associar a vegetação de um determinado local ao clima da região. A idéia de que em regiões tropicais com grande pluviosidade haveria uma vegetação de floresta estacional semidecidual e a de que, em regiões com clima quente e seco, poder- se-ia encontrar o cerrado, são exemplo disso. Porém, nos meios científicos já é muito claro que o clima não é o único fator a influenciar diretamente determinada formação vegetal. atenção tem sido dada à toxidez de elemen- tos e fertilidade do solo, sendo menos es- tudados atributos tais como a constituição mineralógica, a disponibilidade hídrica e a textura do solo. Estes últimos atributos po- dem ser essenciais para uma resposta sobre o motivo da ocorrência, independentemen- te dos fatores climáticos, de determinada vegetação. É claro que não cabe ao solo todas as res- postas, pois há muitas teorias já consagradas para explicar a ocorrência de determinadas formações vegetais associadas a uma re- gião. Em especial para o cerrado, algumas não estão ligadas ao solo. Como por exem- plo, a ocorrência desta vegetação associada a queimadas ou a condições pretéritas que levaram à sua expansão durante as glacia- ções. Assim, com o restabelecimento das condições climáticas atuais esta formação vegetal regrediu para onde é sua região fito- geográfica atual, caracterizada por estações bem definidas e de período seco mais longo, porém permaneceu, em regiões com clima mais úmido, em alguns refúgios, associa- da a fatores de solo. Algumas teorias mais consagradas estão associadas à fertilidade do solo, inserindo o cerrado em regiões com solos pobres e com alto teor de alumínio. Ainda assim, estas teorias não respondem claramente ao porquê da ocorrência de cer- rado, em especial, em condições climáticas mais úmidas e ao lado de outras formações vegetais características de clima úmido. INFORMAÇÕES TÉCNICAS Isabella Ivan Rossi Não é de hoje que se estuda a ocorrência de vegetação associada a outros fatores, além dos climáticos. Sabe-se que a distribuição do cerrado, dentro do seu próprio limite fitogeo- gráfico, é regulada mais pelo solo do que por qualquer outro fator ecológico. Nos primeiros trabalhos de descrição da vegetação do Estado de São Paulo já era relatada a ocorrência concomitante de Florestas, Cerrado, Matas de Araucária e Campos, sendo as florestas, no caso a Mata Atlântica, dominantes na região. O Estado de São Paulo é extenso, apresenta variações climáticas e, com isso, comporta diferentes tipos de vegetação. Contudo, ainda assim, há de se questionar o porquê da ocorrência do cerrado, que seria tradicionalmente encontra- do em regiões de climas mais secos, comuns no Brasil Central. O mais interessante é que não é difícil encontrar nessa região, mesmo em áreas com clima homogêneo, formações vegetais distintas em uma mesma seqüência topográfica, passando de cerrado a floresta estacional semidecidual e, por fim, a mata ci- liar. Isso acontece em curtas distâncias com uma pequena área de transição, podendo-se questionar a razão da ocorrência concomitan- te de vegetações com fisionomias tão distin- tas, sujeitas às mesmas condições climáticas. Um bom início de resposta estaria rela- cionado à constituição do solo. Até hoje são poucos os trabalhos que buscam estabelecer relações diretas e indiretas da vegetação com o solo. Dentro desses poucos, muita Isabel Ricardo

Parque Estadual de Porto ferreira, são Paulo A influência ... · local ao clima da região. A idéia de que em regiões tropicais com grande pluviosidade haveria uma vegetação

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O Agronômico, Campinas, 57(2), 2005 15

A influência do solo na ocorrência da vegetação natural

Parque Estadual de Porto ferreira, são Paulo

Existe tendência de se associar a vegetação de um determinado local ao clima da região. A idéia de que em regiões tropicais com grande pluviosidade haveria uma vegetação de floresta estacional semidecidual e a de que, em regiões com clima quente e seco, poder-se-ia encontrar o cerrado, são exemplo disso. Porém, nos meios científicos já é muito claro que o clima não é o único fator a influenciar diretamente determinada formação vegetal.

atenção tem sido dada à toxidez de elemen-tos e fertilidade do solo, sendo menos es-tudados atributos tais como a constituição mineralógica, a disponibilidade hídrica e a textura do solo. Estes últimos atributos po-dem ser essenciais para uma resposta sobre o motivo da ocorrência, independentemen-te dos fatores climáticos, de determinada vegetação.

É claro que não cabe ao solo todas as res-postas, pois há muitas teorias já consagradas para explicar a ocorrência de determinadas formações vegetais associadas a uma re-gião. Em especial para o cerrado, algumas não estão ligadas ao solo. Como por exem-plo, a ocorrência desta vegetação associada a queimadas ou a condições pretéritas que levaram à sua expansão durante as glacia-ções. Assim, com o restabelecimento das condições climáticas atuais esta formação vegetal regrediu para onde é sua região fito-geográfica atual, caracterizada por estações bem definidas e de período seco mais longo, porém permaneceu, em regiões com clima mais úmido, em alguns refúgios, associa-da a fatores de solo. Algumas teorias mais consagradas estão associadas à fertilidade do solo, inserindo o cerrado em regiões com solos pobres e com alto teor de alumínio. Ainda assim, estas teorias não respondem claramente ao porquê da ocorrência de cer-rado, em especial, em condições climáticas mais úmidas e ao lado de outras formações vegetais características de clima úmido.

INFORMAÇÕES TÉCNICAS

Isabella Ivan Rossi

Não é de hoje que se estuda a ocorrência de vegetação associada a outros fatores, além dos climáticos. Sabe-se que a distribuição do cerrado, dentro do seu próprio limite fitogeo-gráfico, é regulada mais pelo solo do que por qualquer outro fator ecológico.

Nos primeiros trabalhos de descrição da vegetação do Estado de São Paulo já era relatada a ocorrência concomitante de Florestas, Cerrado, Matas de Araucária e Campos, sendo as florestas, no caso a Mata Atlântica, dominantes na região. O Estado de São Paulo é extenso, apresenta variações climáticas e, com isso, comporta diferentes tipos de vegetação. Contudo, ainda assim, há de se questionar o porquê da ocorrência do cerrado, que seria tradicionalmente encontra-do em regiões de climas mais secos, comuns no Brasil Central. O mais interessante é que não é difícil encontrar nessa região, mesmo em áreas com clima homogêneo, formações vegetais distintas em uma mesma seqüência topográfica, passando de cerrado a floresta estacional semidecidual e, por fim, a mata ci-liar. Isso acontece em curtas distâncias com uma pequena área de transição, podendo-se questionar a razão da ocorrência concomitan-te de vegetações com fisionomias tão distin-tas, sujeitas às mesmas condições climáticas.

Um bom início de resposta estaria rela-cionado à constituição do solo. Até hoje são poucos os trabalhos que buscam estabelecer relações diretas e indiretas da vegetação com o solo. Dentro desses poucos, muita

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Figura 1. Mapa detalhado da cobertura vegetal do Parque Estadual de Porto Ferreira, SP.

Buscando esclarecer um pouco mais este questionamento, o trabalho desen-volvido no Parque Estadual de Porto Ferreira, analisa duas toposseqüências (Figuras 1 e 2), que são bem peculia-res, apresentando uma grande varia-ção de vegetação. Foram utilizados os levantamentos e mapeamentos de solo e vegetação executados para o Plano de Manejo do Parque, objetivando ob-ter informações adicionais sobre o solo, tais como atributos físicos, químicos, morfológicos e mineralógicos, relacio-nando-os à ocorrência de diferentes for-mações vegetais.

O Parque Estadual de Porto Ferrei-ra localiza-se no município de Porto Ferreira no Estado de São Paulo, junto à Rodovia SP 215 km 90, centro-norte do Estado, entre as coordenadas UTM 7.579.500 a 7.58�.500 m e 245.000 a 251.000 m, com 611,55 ha. Possui cli-ma mesotérmico de inverno seco (abril a setembro), temperatura média anual de 20,4 oC e precipitação anual média de 1.416 mm. A região tem vegetação

predominante de floresta estacional se-midecidual e a vegetação do Parque é composta por diferentes formações ve-getais, desde o cerrado aberto até a flo-resta com jequitibás e a mata ciliar (Fi-gura 1). A área apresenta sete unidades de mapeamento de solo (Figura 2) que são: latossolos (LV e LVA); argissolos (PV e PVA); gleissolos (GX); neossolos (RU) e organossolos (OY), distribuídos conforme a figura 2.

Apesar da diversidade de solos e de cobertura vegetal, o contorno dos de-lineamentos desses dois elementos se aproxima muito, o que levou à busca por atributos que explicassem ou indicas-sem prováveis relações entre os com-ponentes solo e vegetação. Para tanto, estabeleceram-se duas toposseqüências (A-B e C-D) representativas (Figuras � e 4).

As duas toposseqüências apresen-taram estreita associação da vegetação com o solo e a retenção de água, como pode ser visto nas figuras 3 e 4. De ma-neira geral, os latossolos distróficos as-

sociam-se à vegetação predominante de cerrado, os argissolos eutróficos à vege-tação de mata, e os neoossolos flúvicos à mata ciliar.

É interessante destacar que o cer-rado apresentou maior distribuição em solo pobre (distrófico), com maior teor de alumínio (álicos) e com menores re-tenções de água. Porém, encontrou-se também mata em argissolos (PVe) com altos teores de alumínio e elevada ferti-lidade somente superficialmente (epieu-tróficos), sugerindo que a retenção de água seja um fator importante para a manutenção de vegetação de maior por-te. Esta, por sua vez, se encarrega de fa-zer a ciclagem de nutrientes, mantendo um horizonte superficial rico.

Os solos com maiores teores de argi-la apresentaram maiores capacidades de retenção de água, como pode ser obser-vado na toposseqüência C-D. Todavia, uma comparação feita com a retenção de água, da capacidade de campo até o ponto de murcha permanente, não mos-trou diferença significativa entre os so-

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Figura 2. Mapa detalhado de solos do Parque Estadual de Porto Ferreira, SP.

Figura 3. Toposseqüência A-B indicando os aspectos geológico-geomorfológicos, pedológicos, da vegetação e potencial de armazenamento de água do solo.

LVAd Latosslolo vermelho-amarelo distrófico típico álico A moderado textura médiaLVd Latosslolo vermelho distrófico típico álico A moderado textura médiaLAd Latosslolo amarelo distrófico típico álico A moderado textura médiaPVAe Argissolo vermelho-amarelo eutrófico típico A moderado textura média/argilosaPVe Argissolo vermelho eutrófico típico A moderado textura argilosaRubd Neossolo flúvico gleico ou típico A moderado textura média e argilosa

Alti

tud

e (m

)

Distância (m)

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los das diferentes formações vegetais. Por outro lado, as retenções de água abaixo do ponto de murcha permanente (PMP), estabelecido como água retida a 1500 kPa, mostraram-se significati-vamente diferentes. Os solos de mata apresentaram maior capacidade de re-tenção nestes potenciais.

Esses fatos mostram que deve existir uma clara distinção no tratamento en-tre as áreas cultivadas e as com flores-tas naturais, no que diz respeito à água disponível no solo para as plantas. As florestas apresentam maior distribuição de raízes, dispondo de área maior de raízes do que as plantas cultivadas, não se podendo utilizar o mesmo potencial de PMP. Os resultados obtidos com as diferentes formações vegetais estuda-das indicam capacidade de retirar água até mesmo abaixo do potencial de 1500 kPa, estando as medidas importantes e significativas para esses estudos abaixo

vegetação, e que as formações vegetais nativas perenes têm maior tolerância a deficiência de água e fertilidade que as plantas tradicionalmente cultivadas.

Márcio Rossi e Isabel Fernandes de Aguiar MattosInstituto [email protected]

Ricardo Marques Coelho eIsabella Clerici DeMariaInstituto Agronômico, Centro de Solos( (19) �241-5188 ramal �[email protected];[email protected]

Ivan Carlos de Moraes FerreiraAluno de Mestrado em Gestão de Re-cursos Agroambientais do Curso de Pós-Graduação em Agricultura Tropical e Subtropical do Instituto Agronômico

Figura 4. Toposseqüência C-D indicando os aspectos geológico-geomorfológicos, pedológicos, da vegetação e potencial de armazenamento de água do solo.

desse potencial. Isto é aplicado também para a fertilidade do solo agrícola, onde as formações florestais estudadas apre-sentaram uma tolerância maior para a baixa fertilidade, o que está aliado prin-cipalmente à ciclagem de nutrientes. Este trabalho permitiu concluir que no Parque Estadual de Porto Ferreira a veg-etação possui estreita associação com o solo e seus atributos, principalmente teor de argila, retenção de água e dis-ponibilidade de nutrientes. Ele mostrou que a vegetação não é determinada uni-camente pelo clima, mas também pelo solo, e que o cerrado está localizado em latossolos de textura média, alta satura-ção de alumínio, mais bem drenado e com baixa retenção hídrica.

Concluiu-se também que o fator fertilidade não é o único importante a ser estudado, mas a capacidade de retenção de água merece um grande destaque como fator determinante da