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PARTE I ALTERAÇÕES MONETÁRIAS NUM MODELO DE EQUILÍBRIO GERAL COM PRODUÇÃO

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PARTE I

ALTERAÇÕES MONETÁRIAS NUM MODELO DE EQUILÍBRIO

GERAL COM PRODUÇÃO

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Capítulo 1

EFEITOS NA DISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO CAUSADOS

POR ALTERAÇÕES MONETÁRIAS EXÓGENAS

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1.1. INTRODUÇÃO Os modelos de equilíbrio geral dinâmico têm-se constituído na literatura mais recente,

do ponto de vista formal, como o ponto de partida para a análise dos efeitos da política

monetária numa economia (ver (Walsh, 2003) para um tratamento abrangente deste tipo

de modelos).

Desta literatura emergiram fundamentalmente duas classes de modelos

genéricos. São ambos versões monetárias do modelo standard de ciclos económicos

reais (que é por sua vez uma elaboração do modelo intertemporal de Ramsey (1928)) e

ambos impõem, como hipóteses fundamentais, restrições à flexibilidade no

funcionamento dos mercados.

Por um lado, os modelos Novo-Keynesianos pressupõem que os preços têm um

certo grau de rigidez, no sentido que são impostas restrições ao seu ajustamento

imediato na sequência de determinado choque exógeno, sendo que, em consequência,

existem ajustamentos reais de modo a restaurar-se um novo equilíbrio na economia (ver

Clarida et al (1999), Casares et al (2000), King (2000) e Woodford (2003)).

Por outro lado, nos chamados modelos de participação limitada, é assumido que

os agentes não são capazes de ajustar imediatamente os seus activos na sequência de um

choque monetário (ver Lucas (1990), Christiano (1991), Christiano et al (1992; 1995),

Cooley et al (1999) e Doepke (2005)).

Ambos estes modelos pretendem responder, sobretudo, à questão de como

choques monetários exógenos (quer sobre a quantidade de moeda propriamente dita,

quer sobre a taxa de juro nominal) afectam a evolução das variáveis reais da economia e

a partir daí inferir qual será a política monetária óptima na presença das imperfeições de

mercado já referidas (ver Cole et al (2002), para uma comparação entre estes dois tipos

de modelos). Em particular, e dentro dos modelos Novo-Keynesianos, emergiu uma

literatura que torna de novo o conceito de taxa de juro natural (seguindo a terminologia

de Wicksell (1898, 1906, 1907)) numa peça essencial na articulação da política

monetária (a referência fundamental aqui é Woodford, 2003)1. Nestes modelos

monetários a taxa de juro natural é definida como sendo a taxa de juro real de equilíbrio

(variável ao longo do tempo em função dos choques reais sobre a economia) que seria

1 Para dois pontos de vista algo diversos sobre Woodford (2003), consultar McCallum (2005) e Laidler (2006).

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obtida caso os preços fossem completamente flexíveis (ver Woodford, 2003, p. 248).

Mostra-se então que, no caso de um modelo simples, a política monetária óptima por

parte do Banco Central (BC) (no sentido de manter o produto actual igual ao produto

consistente com preços flexíveis) consiste em colocar, período a período, a taxa de juro

nominal num valor igual à taxa de juro natural acrescido de um eventual valor alvo

(perto de zero) para a taxa de inflação que o BC se proponha alcançar.

Em alternativa, neste capítulo (e no próximo), usamos um modelo formal de

equilíbrio geral dinâmico com ajustamentos completamente flexíveis quer de preços

quer de decisões para responder a uma outra questão, que é: qual a diferença para a

economia (quer em termos de nível de produção total quer em termos de distribuição do

rendimento pelos vários agentes) entre uma situação em que a taxa de juro ou a

quantidade de moeda é determinada pelo BC e outra situação em que estas variáveis são

determinadas pelo encontro da oferta e procura nos mercados? Partindo do conceito de

taxa de juro natural (que, nos modelos que construímos, é a taxa de juro de equilíbrio2

na ausência de intervenção por parte do BC) questionamo-nos, em particular, sobre as

consequências para a economia de uma fixação da taxa de juro de mercado num nível

diferente do nível da taxa de juro natural3.

Especificamente, na esteira dos austríacos, assumimos, que (i) o BC conduz

todas as suas operações usando o canal do mercado de crédito. Isto contrasta com a

tendência presente em muita da literatura recente, onde a política monetária é

materializada através de transferências monetárias directas por parte da autoridade

monetária para os agentes económicos (ver Walsh, 2003, caps. 2 e 3). Aqui, também ao

contrário do que é usual na literatura, assumimos que (ii) as injecções de moeda por

parte do Banco Central são efectuadas através de empréstimos reembolsáveis; por outro

lado, assumimos que (iii) as empresas têm que se endividar para produzir. Desta forma,

a política monetária tem uma influência directa nas decisões de produção, já que as 2 Veremos à frente que um equilíbrio sem intervenção do BC caracteriza-se por ter uma taxa de inflação de zero. As taxas reais e nominais naturais coincidem, portanto. 3 Esta questão está na base de uma literatura já antiga sobre ciclos económicos, a Austrian Business Cycle

Theory (ABCT). Esta literatura nunca foi desenvolvida sob a forma matemática mas que ainda hoje está bem viva. Não é nosso propósito neste trabalho dar uma formalização à ABCT, mas antes incorporar algumas ideias desta teoria num quadro de equilíbrio geral dinâmico, quer quanto às questões que levantamos quer quanto às hipóteses que especificamos. Alguns dos principais pontos de referência da ABCT encontram-se em Mises (1912, 1949), Hayek (1935, 1939, 1941, 1942, 1969), Strigl (1934), Rothbard (1962 [2004]) , Skousen (1990), Garrison (2001, 2004), Horwitz (2000) e Huerta de Soto (1998). Por sua vez, a ABCT teve como influência seminal o trabalho de Wicksell (1898, 1906, 1907).

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condições que as empresas encontram no mercado de crédito são directamente

influenciadas pelo BC. As hipóteses (i) e (iii) são muito comuns nos modelos de

participação limitada. Finalmente, (iv) fazemos uma distinção funcional, em termos de

modelização da economia, entre capitalistas, trabalhadores e empresários. Isto contrasta

com a tendência dominante nos modelos de teoria monetária, que tipicamente assumem

a existência de um consumidor representativo. O facto de fazermos esta separação

funcional permite-nos também contornar um dos pontos metodológicos mais

insatisfatórios e debatidos nos modelos de teoria monetária – o facto de se ter que

arranjar um mecanismo para o agente representativo querer deter moeda, já que a moeda

de per se não confere utilidade ao agente. Os métodos mais usados têm sido a inclusão

do “money-in-the-utility-function” e o “cash-in-advance” mas nenhum deles é

totalmente satisfatório (ver Walsh, caps. 2 e 3). Veremos que, ao usar-se a separação

funcional mencionada, a moeda é detida naturalmente pelos agentes sem a necessidade

de se recorrer, em termos de modelização, a qualquer mecanismo extra.

Essencialmente, veremos que neste modelo a variável fundamental no

mecanismo de transmissão monetária é a taxa de juro nominal. Isto deve-se ao facto de,

com base nos pressupostos do modelo, o salário real pago pelas empresas ser função

apenas da taxa de juro nominal. Daqui segue que se a política monetária do Banco

Central consistir na fixação de um dado nível para a taxa de juro, a consequência que

daí advém é que o valor do salário real é directamente afectado por essa taxa (e, como

tal, a oferta de trabalho e o produto total, ver cap. 2). Este potencial mecanismo de

transmissão está patenteado em muitos modelos de participação limitada, fruto da

hipótese que as empresas se endividam para produzir e, logo, a sua procura por factores

de produção depende directamente do valor da taxa de juro nominal (ver, por exemplo,

Christiano (1991, eq. (19)) e Christiano et al (1995, eq. (19))), mas estes modelos nunca

exploraram os efeitos de fixação directa da taxa de juro nominal, considerando antes a

quantidade de moeda como o único instrumento de política monetária.

Por outro lado, mostramos também que, caso a política monetária do Banco

Central consista na regulação da quantidade de moeda que entra no mercado de crédito

em cada período de tempo, esta política afecta também, em primeira instância, a taxa de

juro nominal e daqui prossegue o mesmo mecanismo de transmissão acima descrito.

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Assim, veremos que estas duas formas de política, e por via de uma consequente

alteração da taxa de juro nominal em relação ao seu valor de equilíbrio (taxa natural),

não são neutrais no sentido em que resultam numa alteração das afectações reais na

economia quer a nível da distribuição dos rendimentos reais entre os agentes

económicos, quer em relação à magnitude do produto total (ver cap. 2 em relação a este

último ponto).

Nesta primeira parte, que é composta pelo presente capítulo e um seguinte,

estudamos uma economia com um sector produtivo onde as transacções são efectuadas

em três mercados – mercado de produto final, mercado de trabalho e mercado de

crédito. Reiterando, o nosso objectivo é analisar as consequências de dois tipos de

acções por parte da autoridade monetária (um Banco Central com capacidade para criar

moeda e/ou fixar a taxa de juro nominal):

i) fixação da taxa de juro nominal que preside às transacções efectuadas no

mercado de crédito;

ii) fixação da quantidade de moeda que é disponibilizada para transacção no

mercado de crédito.

Assim, no respeitante ao ponto (i), a nossa estratégia consiste em resolver um

modelo de equilíbrio geral e calcular a taxa de juro no estado estacionário desse modelo.

A esta taxa de juro chamamos, como já observado, a taxa de juro natural – é a taxa de

juro que vigoraria se não houvesse qualquer interferência de carácter exógeno na

economia (por parte da autoridade monetária, por exemplo). Veremos que neste caso a

taxa de juro é apenas determinada pela preferência intertemporal dos agentes

económicos. De seguida, estudamos as consequências que advêm do facto de a

autoridade monetária estabelecer exogenamente um nível de taxa de juro diferente do

nível da taxa de juro natural. Isto é feito, numa primeira instância, para o caso de uma

economia sem moeda: aqui, a análise é muito similar à análise tradicional de modelos

que lidam com desequilíbrio dos mercados – a taxa de juro deixa de ser determinada

pelo encontro entre a oferta e a procura de crédito e passa a ser um dado exógeno para

os agentes económicos, determinando directamente a quantidade oferecida ou procurada

por cada agente no mercado de crédito por via das suas funções oferta e procura de

crédito; deste modo, a menos que a taxa de juro fixada seja uma taxa de equilíbrio,

existirá uma situação de excesso de procura ou oferta. A quantidade transaccionada no

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mercado será, então, dada pela parte curta desse mercado. Se a procura for superior à

oferta, por exemplo, a quantidade transaccionada corresponderá ao total da quantidade

oferecida, sendo que parte da procura ficará por satisfazer.

No caso do modelo com moeda, a análise já é efectuada num quadro de

equilíbrio geral, já que, como veremos, a capacidade de o Banco Central criar ou

destruir moeda implica a possibilidade de existir sempre equilíbrio, independentemente

do nível da taxa de juro nominal.

No respeitante ao ponto (ii), o Banco Central estabelece uma regra simples para

a quantidade de moeda que é transaccionada no mercado de crédito e deixa a taxa de

juro ser determinada endogenamente pelo sistema. De igual modo, o modelo é aqui

também resolvido num quadro de equilíbrio geral.

Este capítulo distingue-se do próximo pelo facto de aqui a produção ser

considerada fixa: o nível de produto depende apenas da quantidade de trabalho e esta é

oferecida inelasticamente pelo trabalhador representativo. Por outro lado, no segundo

capítulo o nível de produção é variável.

As principais conclusões deste primeiro capítulo são que, para o caso de uma

economia não monetária:

a) a fixação da taxa de juro num nível inferior ao nível da taxa de juro

natural faz com que o nível de rendimento total da economia reverta

progressivamente para os empresários;

b) a fixação da taxa de juro num nível superior ao nível da taxa de juro

natural faz com que o nível de rendimento dos capitalistas aumente em

detrimento do rendimento dos trabalhadores.

Já numa economia monetária, a fixação da taxa de juro num nível superior ao da

taxa de juro natural provoca um aumento do rendimento dos capitalistas em detrimento

do rendimento dos trabalhadores, acontecendo o oposto no caso em que a taxa de juro é

fixada num nível inferior ao da taxa natural.

Finalmente, também numa economia monetária, com o BC a injectar ou a retirar

do mercado de crédito uma quantidade de moeda bem definida por cada período de

tempo, as consequências são que o consumo dos capitalistas diminui e o salário dos

trabalhadores aumenta e vice-versa, consoante se verifique a primeira ou a segunda

daquelas hipóteses.

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Este capítulo está dividido nas seguintes partes. Na secção 1.2 revemos dois

conceitos importantes para este trabalho: a taxa de juro real e a taxa de juro nominal. Na

secção 1.3 apresentamos o modelo que usaremos neste capítulo, sendo que faremos uso

de três agentes heterogéneos: trabalhadores, empresários e capitalistas. Nesta parte não

consideramos ainda a existência de moeda, pelo que não se verifica a distinção entre

taxa de juro nominal e taxa real. Este facto leva-nos a estudar as consequências de uma

fixação directa da taxa de juro real. Na secção 1.4 acrescentamos a moeda propriamente

dita ao modelo já abordado na parte anterior. Aqui, estudamos quer as consequências da

fixação da taxa de juro (agora, nominal), quer da fixação da quantidade de moeda nas

transacções a crédito. Na secção 1.5 faz-se a conclusão deste capítulo. Os resultados de

cariz mais técnico e que não são essenciais para a fluência da leitura são apresentados

separadamente e organizados em apêndices no final do capítulo.

1.2. TAXAS DE JURO REAL E NOMINAL

Esta parte da dissertação estuda as consequências de alterações monetárias quando a

moeda é injectada na economia através do mercado de crédito. Este mercado determina

uma razão de troca intertemporal que tem correspondência na taxa de juro. Quando um

agente A (credor) empresta 100 unidades de um bem qualquer numa certa data t a um

agente B (devedor) sob a promessa de que B reembolsará A em t+1 no montante de 105

unidades do mesmo bem, estamos perante uma transacção a crédito que se efectuou a

uma taxa de juro contratual de 5 por cento. Nesta transacção o agente A cedeu 100

unidades de um bem presente recebendo em troca 105 unidades de um bem da mesma

qualidade numa data futura prefixada.

É claro que qualquer tipo de bem pode ser transaccionado no mercado de

crédito. O único requisito é que se especifique o número de unidades desse bem que

surge na entrega presente (credor cede unidades do bem ao devedor) e o número de

unidades na entrega futura (devedor cede unidades do bem ao credor). Nas economias

monetárias modernas o bem com base no qual são efectuadas correntemente as

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transacções a crédito é o mesmo bem que aparece em todas as outras transacções – por

definição, moeda.4

Mas o facto de as transacções no mercado de crédito serem efectuadas em

moeda traz uma complicação adicional em relação ao caso em que as transacções são

efectuadas em bens “reais”. Se um indivíduo emprestar 100 maçãs no presente contra a

promessa de recebimento de 105 maçãs passado um ano, nada mais há a dizer sobre isto

a não ser que o indivíduo efectuou a transacção porque prefere ter 105 maçãs no futuro

a ter 100 maçãs no presente e que os indivíduos envolvidos no contrato têm capacidade

para aferir da qualidade do bem que é transaccionado (Alchian, 1977). Quando as

transacções a crédito são efectuadas em moeda tendemos a pensar, da mesma forma,

que a moeda que um indivíduo empresta é para ele o equivalente a uma certa quantidade

de bens reais presentes. Se no presente cada maçã custar 1 euro (assumamos que este é

o único bem de consumo real na economia; deve ser pensado como um cabaz de bens e

o seu preço como um índice de preços do consumidor) o indivíduo, ao emprestar 100

euros, está de facto a emprestar 100 maçãs. Portanto, se este indivíduo só estiver

disposto a emprestar 100 maçãs se receber 105 maçãs passado um ano, então ele exigirá

receber o equivalente monetário de 105 maçãs passado um ano. Se o indivíduo estimar

que o preço das maçãs vai ser o mesmo nessa altura então ele vai querer ser

reembolsado em 105 euros e exige uma taxa de juro de 5 por cento. Mas se ele estimar

que o preço monetário das maçãs vai ser o dobro então ele exigirá ser reembolsado em

105 maçãs vezes 2 euros, isto é, 210 euros. Isto implica que a taxa de juro é agora, não

de 5 por cento mas sim de 110 por cento.

Este tipo de raciocínio levou os economistas a distinguirem entre taxa de juro

real e taxa de juro nominal. A taxa de juro nominal é a taxa estipulada no contrato de

crédito e representa a taxa de variação entre o montante monetário emprestado e o

montante reembolsado. Equivale a 110 por cento no exemplo acima. A taxa de juro real

é a taxa de variação entre o número de bens reais que correspondem ao montante

monetário emprestado na altura do empréstimo e o número dos mesmos bens reais que

correspondem ao montante monetário do reembolso na altura do reembolso, 5 por cento

no nosso exemplo.

4 Estamos a excluir as transacções a crédito onde certas unidades de um bem X são entregues no presente contra a entrega de certa unidade de um bem Y (tipicamente moeda) no futuro. Este é o tipo de transacções presente no crédito comercial (venda a crédito).

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Se designarmos por R a taxa de juro nominal, r a taxa de juro real e eπ a taxa de

inflação esperada (a taxa de variação esperada do nível de preços num certo período de

tempo) então estas três taxas relacionam-se através da conhecida fórmula.

1 (1 )(1 )eR r π+ = + +

Esta fórmula relaciona a taxa de juro nominal com a taxa de juro real para uma dada

inflação esperada. Assim, a suposição que os economistas usam é que o agente

económico quando efectua uma transacção a crédito está apenas preocupado com a taxa

de juro real, sendo que negoceia uma taxa de juro nominal mais ou menos baixa

conforme a inflação que esperar for também mais ou menos baixa, de acordo com a

fórmula acima apresentada.

1.3. ECONOMIA NÃO MONETÁRIA

Consideramos um modelo com três tipos de agentes representativos: Capitalistas,

Empresários e Trabalhadores. A conceptualização deste modelo baseia-se em Rothbard

(2004) e a formalização tem semelhanças com Christiano (1991). A distinção entre os

agentes pode ser interpretada como sendo funcional e não pessoal. Assim, a mesma

pessoa pode exercer as três funções de capitalista, empresário e trabalhador. O que

assumimos é que essa pessoa toma as suas decisões numa função de forma

independente em relação às decisões que toma noutra função.

Num determinado momento do tempo, t, a situação é a seguinte: O capitalista

caracteriza-se por deter um determinado stock do único bem de consumo que é

produzido na economia, t

Z . Deste stock ele tem a opção de consumir uma parte e

emprestar a outra parte ao empresário a uma certa taxa de juro. Assumimos que o bem

de consumo é perecível, não durando mais que um período de tempo. O empresário

produz o bem de consumo, sendo que para essa produção contrata tempo de trabalho ao

trabalhador. Assumimos que a produção do bem de consumo requer um período

temporal para ser realizada e que o empresário tem que pagar ao trabalhador (em

unidades do bem de consumo) no início do período, obtendo o produto apenas no fim

desse período.

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Assim, para cada período temporal temos a seguinte descrição das transacções

entre os três agentes.

No início do período o capitalista detém uma quantidade do bem de consumo,

tZ , parte da qual consome,

tc , emprestando a restante parte,

t t tb Z c= − , ao empresário

a uma taxa de juro contratada por ambos de t

r , com promessa de reembolso acrescido

de juros no final do período. O empresário, com o montante que recebeu de empréstimo

do capitalista paga o salário do trabalhador, t

w , que por sua vez fornece trabalho ao

empresário, t

L . Este montante de trabalho empregue no início do período gera uma

quantidade do bem de consumo, t

Y , no final do período. Com esta quantidade assim

obtida o empresário reembolsa o empréstimo contraído acrescido de juros, (1 )t t

b r+ e

consome o que resta, (1 )t t t t

d Y b r= − + . Como, neste processo, o stock anterior, t

Z , foi

totalmente consumido, o novo stock em poder do capitalista no início do período

seguinte, 1tZ + , é igual a (1 )

t tb r+ . Assim, em cada período de tempo há um stock do

bem de consumo transportado do período anterior, que serve para sustentar o capitalista,

tc , o trabalhador,

tw e o empresário,

td .

Formalizamos de seguida a situação de cada um dos agentes.

1.3.1. CAPITALISTAS

O capitalista procura maximizar uma função utilidade intertemporal que depende

apenas do consumo realizado em cada período de tempo, sujeito à restrição de que o

montante consumido mais o montante emprestado em cada período de tempo não pode

ser superior ao stock detido no início do período. Como atrás notado, o stock no período

seguinte é igual ao montante emprestado anteriormente acrescido dos juros. A restrição

orçamental intertemporal do capitalista representativo pode então ser descrita pelas duas

expressões seguintes.

1 1 1(1 ) .

t t t

t t t t t

c b Z

c b b r Z+ + +

+ ≤

+ ≤ + =

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Dado que o capitalista é maximizador da sua utilidade e esta depende da quantidade de

consumo, este agente (na suposição de que pode emprestar a quantidade que quiser) vai

exaurir o seu stock em cada período de tempo e as expressões acima podem ser escritas

com o sinal de igualdade. Substituindo, a seguir, a expressão de cima na segunda parte

da expressão de baixo obtemos a equação que sintetiza a restrição orçamental do

capitalista:

( )1 (1 )t t t tZ Z c r+ = − + . (1.1)

O problema que o capitalista tem que resolver é então o seguinte:

( )

1,0

1

( )

.

(1 ).

t t

t

tc Z

t

t t t t

Max U c

s a

Z Z c r

β+

=

+ = − +

(P1)

Assumimos que a função utilidade para cada momento do tempo,U , toma uma forma

matematicamente compatível (ver apêndice 1B) com a resolução do problema de

maximização. O parâmetro β representa um factor de desconto intertemporal, que se

assume entre zero e um (exclusive) e serve para distribuir os pesos relativos das

diferentes utilidades ao longo do tempo, sendo que o facto de t aparecer no expoente faz

com que consumos mais longínquos no tempo tenham menor utilidade que consumos

mais próximos.

1.3.2. EMPRESÁRIOS

O empresário representativo procura maximizar o seu lucro em cada período de tempo,

isto é, a diferença entre as receitas e as despesas. As receitas do empresário são

constituídas pelas entradas de produto na sua empresa: o que obtém de empréstimo mais

o que obtém da produção; as despesas correspondem às saídas de produto da sua

empresa: o reembolso do empréstimo acrescido de juros mais o salário do trabalhador.

O lucro do empresário é assim igual a:

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(1 )t t t t t t

Y b w L b r+ − − + .

Como a empresa inicia cada período sem fundos próprios, o empresário vai pedir de

empréstimo o montante necessário para pagar os salários. Assim, temos que t t t

b w L= .

Desta forma o problema que o empresário representativo tem que resolver é o seguinte:

,(1 )

.

( ).

t t

t t t tY L

t t

MaxY w L r

s a

Y F L

− +

=

(P2)

Aqui, F é uma função produção crescente e côncava que nos diz qual a quantidade de

produto que é obtida para uma dada quantidade de trabalho.

1.3.3. TRABALHADORES

Em relação ao trabalhador representativo assumimos por agora5 que fornece uma

quantidade fixa de trabalho por período de tempo, t

L L= . Como assumimos que o

trabalhador consome todo o seu salário (o capitalista é, por definição, o único agente

que realiza poupança) não existe por agora qualquer problema de maximização a ser

resolvido pelo agente trabalhador. Este fornece uma quantidade fixa de trabalho,

independentemente do salário que auferir e consome a totalidade de t

w L . (No apêndice

1A, mostramos, contudo, que a oferta de uma quantidade fixa de trabalho (independente

do salário), pode ser obtida através da resolução de um problema de maximização de

utilidade, quando usamos uma função utilidade do tipo Cobb-Douglas.)

1.3.4. EQUILÍBRIO GERAL

Procedemos agora à resolução dos problemas de maximização do capitalista e do

empresário, problemas (P1) e (P2), respectivamente.

5 No capítulo 2 este pressuposto será alterado, admitindo-se aí uma função oferta de trabalho crescente no nível de salário.

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A solução do problema do capitalista, (P1), diz-nos que se tem que verificar a seguinte

condição (ver apêndice 1B)6:

1( ) (1 ) ( )c t t c t

U c r U cβ += + .

Esta condição estabelece a relação que deve existir entre dois fluxos sucessivos de

consumo se o agente estiver a maximizar a sua utilidade. Assim, o agente maximizador,

tomando como dada uma sequência de taxas de juro para todas as datas futuras, afecta o

seu consumo de modo a que o custo marginal de uma afectação diferente seja igual ao

seu benefício marginal. Caso contrário, se o agente tiver escolhido uma afectação que

pode ser melhorada, então ele não pode estar a optimizar. A condição acima diz-nos que

se o agente reduzir o seu consumo em t em uma unidade (na verdade, uma grandeza

infinitesimal), emprestando essa unidade e recebendo, consequentemente 1t

r+ unidades

em t+1, então o seu custo será igual à perda de utilidade em t, ( )c tU c , e o seu benefício

será igual ao ganho de utilidade (descontado para t) em t+1, ( ) ( )11 t c tr U cβ ++ . Se o

agente efectuar esta reafectação a partir da afectação óptima, então o seu custo deve ser

igual ao seu benefício.

Assumimos uma função utilidade para o capitalista da forma:

11

( ) , 01

1

tt

cU c

σ

σ

σ

= >

.

O parâmetro σ mede a elasticidade de substituição intertemporal do consumo em dois

sucessivos períodos de tempo. Quanto maior σ , maior a substituição intertemporal

(maior consumo em t+1 relativamente a t) decorrente de um aumento da taxa de juro7.

Com esta função utilidade a condição de primeira ordem do capitalista

apresentada acima é igual a:

6 ( )

c tU c é a derivada da função utilidade em relação ao consumo no período t, avaliada na quantidade

óptima de consumo para esse período. 7 Ver, por exemplo, Obstfeld et al (1996. p. 28) em relação às propriedades deste tipo de função utilidade.

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1 (1 )tt

t

cr

c

σ σβ+ = + . (1.2)

Em relação ao problema do empresário, (P2), este tem que resolver um problema

estático simples. A resolução deste problema consiste no seguinte: se o empresário

estiver a maximizar, então deve usar uma quantidade de trabalho tal que o salário

acrescido de juros (que o agente toma como dado exogenamente) deve ser igual ao

produto marginal do trabalho. O custo do empresário por cada unidade de trabalho é

igual a w(1+r); o seu benefício é igual ao produto adicional que obtém por unidade

adicional de trabalho, L

F . Se o empresário empregar mais uma unidade de trabalho, vai

incorrer num custo adicional de w(1+r); por outro lado obtém um benefício adicional de

LF . Assim, se o empresário estiver a usar a quantidade óptima de trabalho, o custo

adicional deve ser igual ao benefício adicional e, logo, verifica-se:

(1 ) ( )t t L t

w r F L+ = ,

onde a derivada da função produção é avaliada na quantidade óptima de trabalho.

Considerando uma função produção com rendimentos constantes à escala da

forma (onde A é um parâmetro de produtividade):

( )t t

Y F L AL= = , (1.3)

a condição de maximização de primeira ordem do empresário escreve-se:

(1 )t t

w r A+ = . (1.4)

Definimos agora um equilíbrio para esta economia não monetária como sendo um

conjunto de sequências de preços: 0{ , }t t t

r w∞

= e quantidades: 1, , 0{ , , , , , }L

t t t t t t t tc c Z Y b L d∞

+ =

tais que:

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27

1. Dados Z0 e 0{ }t t

r∞

= o capitalista representativo resolve:

1

11

,0

1

, 01

1

.

(1 )

.

t t

t t

c Zt

S

t t t

S

t t t

cMax

s a

Z b r

b Z c

σ

β σ

σ

+

−∞

=

+

> −

= +

= −

2. Dados 0{ , }

t t tr w

= o empresário representativo resolve:

,(1 )

.

.

Dt t

D

t t t tY L

D

t t

D D

t t t

Max d Y b r

s a

Y L

b w L

= − +

=

=

3. O trabalhador representativo oferece uma quantidade fixa de trabalho por

período de tempo e consome todo o seu salário:

,

.

S

t

S L

t t t

L L

w L c

=

=.

4. Verifica-se igualdade entre oferta e procura nos mercados de produto, de

trabalho e de crédito em cada período t:

,

,

.

L

t t t t

S D

t t t

S D

t t t

Y c c d

L L L

b b b

= + +

= =

= =

De modo a contrastar os resultados deste modelo, onde a taxa de juro é determinada

pelo mercado, com a situação que analisaremos mais à frente em que a taxa de juro é

imposta exogenamente, procuramos a seguir os valores de equilíbrio de todas as

variáveis deste modelo num estado estacionário. Posteriormente comparamos a

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28

evolução da economia, em presença de taxa de juro exógena, a partir do estado

estacionário que aqui obtivermos.

Dizemos que esta economia caracteriza-se por estar em estado estacionário

quando todas as variáveis apresentam valores constantes ao longo do tempo8, tal que

{ }t tx x

τ

== , isto é, quando os valores do consumo, salário, lucro e taxa de juro são

sempre os mesmos ad infinitum. A economia só sai do estado estacionário quando

afectada por um qualquer choque (alteração nas preferências ou na produtividade do

trabalho, por exemplo).

Assim, de acordo com as equações (1.1), (1.2) e (1.4), em estado estacionário têm que

se verificar as seguintes condições, respectivamente (normalizamos e t

A L L= para o

valor 1):

( )( )1Z Z c r= − + , (1.5)

1 (1 )rσ σβ= + , (1.6)

( )1 1w r+ = , (1.7)

Z c w− = . (1.8)

A equação (1.8) descreve a condição de equilíbrio no mercado de crédito, onde Z c− é

a oferta de crédito e w é a procura de crédito. Resolvendo este sistema de equações

obtemos os valores estacionários de , , e t t t t

Z c w r :

11,

1 ,

,

1.

r

c

w

Z

β

β

β

= −

= −

=

=

8 Um estado estacionário não implica forçosamente que todas as variáveis apresentem valores constantes ao longo do tempo. Mais à frente, em presença de uma economia monetária, veremos que podemos caracterizar um estado estacionário com inflação constante, o que implica um aumento progressivo do nível de preços e da quantidade de moeda. O factor chave de um estado estacionário é que este deve apresentar um padrão repetitivo ao longo do tempo.

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29

Assim, a partir do estado estacionário calculado, o capitalista inicia cada período com

uma unidade do bem de consumo, emprestando uma fracção β ao empresário e

consumindo a restante parte do stock, 1 β− . O empresário paga o montante β em

forma de salário, que é consumido pelo trabalhador, e no final do período obtém

1Y L= = . Com esta quantia reembolsa o capitalista em:

1(1 ) 1 1 1w r β

β

+ = + − =

,

pelo que o lucro do empresário é nulo (ver (P2)).

1.3.5. FIXAÇÃO EXÓGENA DA TAXA DE JURO

Mostramos agora os efeitos de uma alteração exogenamente imposta à taxa de juro real

a partir de uma situação em que a taxa de juro se encontra no seu nível de equilíbrio,

que denotamos por Nr . Efectuamos a seguinte experiência: Supondo que a economia se

encontra num estado estacionário, em que, como acabamos de determinar,

11N

tr r

β= = − ; o que acontece quando a taxa de juro é forçada exogenamente para um

valor inferior ou superior a esse valor estacionário?

Antes de mais convém notar que quando a taxa de juro é uma constante o

problema (P1) pode ser resolvido de modo a obter-se uma função consumo (aquilo que

em Programação Dinâmica é conhecido por “policy function”). Esta função consumo

dá-nos o valor de c em cada momento do tempo como função de , e t

Zβ σ . Conforme

mostramos no apêndice 1D, essa função consumo é:

( )1

1 1t tc r Zσσβ

− = − +

. (1.9)

Esta função procura diz-nos que, em cada momento do tempo, o capitalista vai

consumir uma fracção fixa do seu stock do bem de consumo, t

Z , emprestando o

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30

restante. O consumo presente varia inversamente ao factor de preferência intertemporal,

β , e à taxa de juro. Isto é, quanto maiores o factor de preferência intertemporal e a taxa

de juro menor o consumo presente para um dado stock inicial do bem de consumo.

Agora, se substituirmos a expressão para t

c em (1.9) na restrição orçamental

(1.1), onde t

r é agora igual a r , obtemos:

( )( ) ( )1

1 1 1 1t t t

Z Z r Z rσσβ

+ = − − + +

.

O que equivale a:

( )1 1t

t

Zr

Z

σσβ+ = + . (1.10)

Estudamos agora a evolução de

tZ ao longo do tempo, consoante o valor exógeno de r.

Em primeiro lugar, note-se que, para β e σ dados, 1tZ + é igual a

tZ (isto é, o lado

esquerdo de (1.10) é igual a um) se e só se se verificar 1

1rβ

= − .

1.3.5.1. Taxa de Juro fixada abaixo da Taxa Natural

Analisamos agora a situação em que o nível da taxa de juro é fixado abaixo do nível da

taxa de juro natural, 1

1rβ

< − .

Neste caso, o lado direito de (1.10) passa a ser menor do que 1. Isto equivale a

dizer que 1t tZ Z+ < . Isto é,

tZ tende para zero ao longo do tempo. Como, de (1.9),

tc é

uma fracção constante de t

Z , o consumo do capitalista tende também para zero. Por

outro lado, dado que o salário do trabalhador é igual ao empréstimo do capitalista,

t t t

w Z c= − ,

e como ambos os termos do lado direito desta equação tendem para zero, o salário do

trabalhador também tende para zero.

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31

Finalmente, examinamos o comportamento dos lucros do empresário. Notamos

antes de mais que com uma taxa de juro fixada exogenamente o problema de

optimização do empresário tem que ser modificado. Anteriormente, supusemos que o

empresário conseguia obter de empréstimo toda a quantidade desejada para um dado r .

De facto, o valor da taxa de juro ajustava-se de modo a equilibrar o mercado de crédito,

sendo que esse equilíbrio era caracterizado, do lado da procura, por à taxa de juro de

equilíbrio, o empresário tomar de empréstimo precisamente o montante que desejava.

Isso faz parte da própria definição de equilíbrio de mercado. Mas, agora, com uma taxa

de juro fixada exogenamente o montante que o capitalista empresta, t

b , fica

automaticamente determinado, já que t t t

b Z c= − e t

c é totalmente determinado

conforme a equação (1.9), sendo que também t

Z é dado no início do período. Deste

modo o empresário fica restringido a um montante máximo de empréstimo igual a t

b .

Agora note-se que com uma taxa de juro fixada num valor inferior à taxa de juro

de equilíbrio, o capitalista vai emprestar um montante inferior ao montante de equilíbrio

– ver equação (1.9). Por outro lado, uma diminuição da taxa de juro representa para o

empresário uma diminuição dos custos, de modo que ele vai querer aumentar a

quantidade empregue de trabalho de forma a tirar proveito da diferença entre o produto

marginal e custo marginal (agora menor) – ver equação (1.4). Deste modo o empresário

deseja tomar de empréstimo uma quantidade superior à quantidade oferecida pelo

capitalista. Como tal não é possível, o empresário toma de empréstimo a quantidade

máxima que é oferecida à taxa de juro dada exogenamente, isto é, t t

Z c− .

O lucro do empresário é agora igual a ( )( ) 1F L wL r− + , com ( ) 1F L = e

t twL Z c= − , ou seja,

( ) ( )1 1t t td Z c r= − − + .

Mas já vimos atrás que com uma taxa de juro (permanentemente) inferior à taxa de juro

de equilíbrio t t

Z c− tende para zero. Assim, verifica-se:

lim 1 0 1

tt

d→∞

= − = .

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32

Portanto, com uma taxa de juro permanentemente inferior à taxa de juro de equilíbrio,

todo o produto da economia tende a ser consumido pelos empresários.

Resumimos a presente discussão na seguinte proposição: PROPOSIÇÃO 1.1: Com oferta de trabalho inelástica e consequente volume de

produção inalterado ao longo do tempo, uma taxa de juro de mercado fixada abaixo da

taxa de juro natural aumenta (relativamente à situação de equilíbrio geral) o rendimento

dos empresários em detrimento do rendimento de capitalistas e trabalhadores, de tal

modo que o rendimento dos primeiros absorve gradualmente, ao longo do tempo, todo o

produto da economia.

1.3.5.2. Taxa de Juro fixada acima da Taxa Natural

Analisamos agora a situação em que a taxa de juro é fixada num valor acima da taxa de

juro natural, 1

1rβ

> − .

Neste caso, o capitalista vai querer emprestar um montante superior ao montante

resultante da taxa de juro natural. Mas, por outro lado, o empresário vê o seu custo

marginal aumentado e, logo, pretende diminuir a quantidade contratada de trabalho para

um dado salário. Deste modo, o empresário não se encontra agora restringido pelo

montante oferecido pelo capitalista e, logo, vai contratar trabalho de modo a resolver o

problema (P2). Daqui resulta que:

1

1tw

r=

+.

Com oferta de trabalho fixa e igual a 1 esta é também a expressão para o montante que

o empresário toma voluntariamente de empréstimo, t t

w L . Assim, este é o montante

máximo que o capitalista pode emprestar e que é inferior ao montante que ele gostaria

de emprestar à nova taxa de juro. Portanto, ele empresta o máximo que consegue, i.e,

1

1tb

r=

+.

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33

Como assumimos que o bem de consumo não é durável (tem que ser consumido

durante o período corrente), o capitalista vai consumir a parte restante de t

Z que não

emprestou, t t t

c Z w= − . Mas t

Z , agora, tal como vimos no caso do modelo de

equilíbrio, vai ser igual a 1

(1 ) (1 ) 11

w r rr

+ = + =+

. Logo9,

1

11 1t

rc

r r= − =

+ +.

Por outro lado, o lucro do empresário é novamente de zero, como se pode verificar

substituindo a expressão para w na função lucro (com ( ) 1F L = ). Encontramos portanto

os níveis para as três classes de rendimentos no modelo com uma taxa de juro fixada

acima da taxa de juro natural (estes rendimentos, neste caso, estabelecem-se logo no

mesmo período em que a nova taxa de juro entra em vigor e mantêm-se ad infinitum).

Resta, contudo, verificar se os rendimentos de capitalistas e trabalhadores são

maiores ou menores do que os rendimentos gerados sem imposição exógena de taxa de

juro (o rendimento dos empresários é o mesmo).

Em relação ao rendimento dos trabalhadores, quer no primeiro caso quer neste

caso, o salário é igual a 1

1 r+. Mas como agora, Nr r> (onde Nr denota a taxa de juro

natural), então o nível de salário é agora menor.

Consequentemente, como 1

11t t t

c Z wr

= − = −+

, com Nr r> o nível de

consumo dos capitalistas é agora superior.

Podemos, portanto, resumir também esta discussão numa segunda proposição. PROPOSIÇÃO 1.2: Com oferta de trabalho inelástica e consequente volume de

produção inalterado ao longo do tempo, uma taxa de juro de mercado fixada acima da

taxa de juro natural aumenta (relativamente à situação de equilíbrio geral) o rendimento

dos capitalistas em detrimento do rendimento dos trabalhadores, não afectando o

rendimento dos empresários.

9 No momento da alteração exógena da taxa de juro, que é feita, por hipótese, em estado estacionário,

1t

Z = . No momento seguinte, 1 (1 ) (1 ) 1t t

Z b r w r+ = + = + = , também.

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34

1.4. ECONOMIA MONETÁRIA

Introduzimos agora a moeda na estrutura do modelo construído anteriormente. Este

facto vai implicar no nosso modelo as seguintes alterações. O capitalista, agora, em vez

de iniciar cada período temporal com um stock do bem de consumo, passa a ter um

stock de moeda. Assim, no início de cada período, o capitalista empresta parte do stock

de moeda que possui e usa a outra parte para comprar uma certa quantidade do bem de

consumo à empresa ao preço estipulado no mercado do bem de consumo. O empréstimo

monetário é, tal como anteriormente, concedido pelo capitalista à empresa e é utilizado

por esta para contratar tempo de trabalho ao trabalhador representativo. Com a

quantidade de trabalho contratada no início de cada período, o empresário obtém uma

certa quantidade do bem de consumo no fim desse período.

A situação é, portanto, a seguinte (ver figura 1.2. a seguir aos apêndices a este

capítulo). No início do período o capitalista possui t

M unidades de moeda e desta

quantia deposita no BC um montante monetário, t

B , que é emprestado por este ao

empresário. Este, com esse montante, contrata serviços de trabalho, pagando por eles

t tW L , onde

tW representa agora o salário nominal (expresso em unidades monetárias).

A seguir, dentro do mesmo período, o capitalista, com o montante t t

M B− , e o

trabalhador, com o montante t t

W L , dirigem-se ao mercado do bem de consumo e

compram quantidades desse bem ao preço t

P , gastando a totalidade dos respectivos

montantes que levaram para o mercado.

Analisamos agora o comportamento de cada um dos três agentes representativos

no modelo com moeda.

1.4.1. EMPRESÁRIOS

O empresário procura maximizar o lucro da empresa:

Page 24: PARTE I - repositorio-aberto.up.pt · 14 1.1. INTRODUÇÃO Os modelos de equilíbrio geral dinâmico têm-se constituído na literatura mais recente, do ponto de vista formal, como

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( )1

s.a.

( ).

t

t t t t t tL

t t

Max D PY W L R

Y F L

= − +

=

Assumindo, tal como no modelo anterior com 1A = , que a função produção é tal que

uma unidade de trabalho gera uma unidade de produto, i.e,t t

Y L= , a condição de

primeira ordem do empresário é (ver Christiano, 1991, p.8):

( )1t t tW R P+ = . (1.11)

Esta condição diz-nos que, se o empresário estiver a maximizar, o custo por unidade de

trabalho é igual à receita por unidade de trabalho. Se o empresário empregar uma

unidade adicional de trabalho, obtém uma unidade adicional de produto que pode

vender ao preço t

P - este é a sua receita marginal; por outro lado, o emprego de uma

unidade adicional de trabalho representa um custo adicional de ( )1t tW R+ - este é o

custo marginal. Se o empresário estiver a optimizar, a receita marginal não pode ser

nem superior nem inferior ao custo marginal, caso contrário o empresário aumentaria a

quantidade empregue de trabalho no primeiro caso e diminui-la-ia no segundo.

Note-se que substituindo a condição de primeira ordem na função lucro, pode-se

constatar que o lucro do empresário é nulo. Este ponto é importante para a análise que

faremos mais tarde sobre o equilíbrio geral do modelo.

1.4.2. CAPITALISTAS

O capitalista procura maximizar o seu consumo intertemporal sujeito à restrição de que

a despesa em consumo e o montante emprestado não podem exceder a quantidade de

moeda que detém no início de cada período, isto é:

t t t t

M Pc B= + . (1.12)

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36

Escrevemos a restrição já em forma de igualdade, já que com uma taxa de juro positiva

e com utilidade derivada do consumo o capitalista vai exaurir toda a sua moeda ou em

despesa de consumo ou emprestando a uma certa taxa de juro.

No final de cada período o capitalista é reembolsado do empréstimo a uma taxa

de jurot

R e com a quantia desse reembolso efectua novamente, no período seguinte,

gastos de consumo e empréstimos no mercado de crédito:

( ) 1 1 11t t t t tB R P c B+ + ++ = + .

Mas, o lado esquerdo da equação acima é precisamente o montante de moeda com que o

capitalista inicia o período t+1, isto é:

( )1 1t t tM B R+ = + . (1.13)

Substituindo a expressão para

tB , que se obtém da equação (1.12), na equação (1.13),

obtemos uma expressão para a restrição orçamental semelhante à do modelo sem

moeda:

( )( )1 1t t t t tM M Pc R+ = − + (1.14)

Desta forma o capitalista resolve o seguinte problema intertemporal:

( )

1,0

1

( )

.

(1 ),

t t

t

tc M

t

t t t t t

Max U c

s a

M M Pc R

β+

=

+ = − +

(P3)

onde 0M é um dado valor inicial. No apêndice 1E mostramos que a condição de

primeira ordem para este problema, usando a mesma função utilidade da secção

anterior, é igual a:

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37

1 1

1t t

t t

c R

c

σ

σβπ

+ +

= +

, (1.15)

onde,

1 1tt

t

P

Pπ += − ,

denota a variação do nível de preço (taxa de inflação).

Note-se que, pela definição de taxa de juro real (conforme discutido no início do

capítulo),

1

11

Rr

π

++ =

+.

a expressão (1.15) é exactamente a mesma que a obtida no modelo sem moeda (ver

equação (1.2)).

1.4.3. TRABALHADORES

Finalmente, em relação ao trabalhador representativo, consideramos, tal como

anteriormente, que este fornece inelasticamente uma unidade de trabalho por período de

tempo, sendo que este tipo de comportamento, tal como demonstrado anteriormente,

pode ser obtido através da resolução de um problema de maximização de utilidade.

1.4.4. EQUILÍBRIO GERAL

Definimos agora um equilíbrio para esta economia monetária como sendo um conjunto

de sequências de preços: 0{ , , }t t t t

P R W∞

= e quantidades: 1, 0{ , , , , , }L

t t t t t t t tc c M Y B L D∞

+ = tais

que:

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1. Dados M0 e 0{ , }t t t

P R∞

= o capitalista representativo resolve:

1

11

,0

1

, 01

1

.

(1 )

.

t t

t t

c Mt

S

t t t

S

t t t t

cMax

s a

M B R

B M Pc

σ

β σ

σ

+

−∞

=

+

> −

= +

= −

2. Dados 0{ , , }t t t t

P R W∞

= o empresário representativo resolve:

( ),

1

s.a.

.

Dt t

D

t t t t tY L

D

t t

D D

t t t

Max D PY B R

Y L

B W L

= − +

=

=

3. O trabalhador representativo oferece uma unidade de trabalho por período de

tempo e consome todo o salário auferido:

1S

t

S L

t t t t

L L

W L Pc

= =

=.

4. Verifica-se igualdade entre oferta e procura nos mercados de produto,

trabalho e de crédito em cada período t:

,

,

.

L tt t t

t

S D

t t t

S D

t t t

DY c c

P

L L L

B B B

= + +

= =

= =

5. A quantidade de moeda existente na economia em cada período de tempo é

constante ao longo do tempo.

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39

Procuramos agora um estado estacionário para esta economia monetária.

A condição de equilíbrio no mercado de crédito diz-nos que o montante que o

empresário quer pedir emprestado é igual ao montante que o capitalista quer emprestar:

t t t t

W M Pc= − . (1.16)

Agora, por outro lado, a condição de equilíbrio no mercado de produto é que a procura

(em termos monetários) é igual à oferta (também em termos monetários), isto é (note-se

que neste equilíbrio os lucros do empresário são nulos):

t t t t t

Pc W PY+ = .

Mas, o lado esquerdo desta última equação é, pelo equilíbrio no mercado de crédito,

equação (1.16), igual a t

M . O lado direito, por sua vez, usando o equilíbrio no mercado

de trabalho, 1DL = , e dado que 1Y L= = , é igual a t

P . Assim, a condição de equilíbrio

no mercado de produto determina também o nível do preço do produto:

t t

P M= . (1.17)

Substituindo esta expressão na equação (1.16), obtemos uma relação entre o salário real

(consumo do trabalhador), t

w , e o consumo do capitalista:

1tt t

t

Ww c

P= = − . (1.18)

Resta-nos apenas expressar a equação (1.11) de uma forma mais conveniente para a

obtenção de uma solução para o estado estacionário. Rescrevemos aquela equação da

seguinte forma:

1

tt

t

PW

R=

+.

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40

É conveniente expressar esta equação em termos do salário real:

1

1t

t

wR

=+

. (1.19)

Note-se, finalmente, que, dado que

tP é inteiramente determinado por

tM e esta última

quantidade é uma quantidade fixa, segue-se que t

P é o mesmo em todos os períodos de

tempo e, consequentemente, a taxa de inflação,t

π , é zero.

Podemos usar agora as equações (1.15), (1.18) e (1.19) para determinar os

valores estacionários de , e t t t

c w R (note-se que com inflação zero a taxa de juro

nominal é a mesma que a taxa de juro real). Estes valores obtêm-se resolvendo o

seguinte sistema de equações:

( )1 1 ,

1,

11 .

R

wR

w c

σ σβ= +

=+

= −

Donde, obtemos:

11,

,

1 .

R

w

c

β

β

β

= −

=

= −

Estes valores são precisamente os mesmos que foram obtidos no modelo sem moeda.

Com efeito, a quantidade de moeda existente no sistema é irrelevante para a

determinação das variáveis reais no estado estacionário.

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41

1.4.5. TAXA DE JURO NOMINAL EXOGENAMENTE FIXADA PELO

BANCO CENTRAL

Introduzimos agora um sector bancário no modelo que intermedeia todas as operações

de crédito na economia. Como é usual neste tipo de modelos o sector bancário é

representado por um banco que tem poder para emitir moeda e/ou fixar a taxa de juro

em vigor no mercado de crédito (ver Christiano, 1991). Este banco é designado por

Banco Central (BC). Estudamos, nesta secção, as consequências da fixação da taxa de

juro nominal pelo BC. Consideramos que o BC fixa a taxa de juro num certo nível,

t

R R= ,

e injecta ou recebe qualquer montante monetário consoante exista uma situação em que,

para um dado nível de taxa de juro, a moeda procurada no mercado de crédito é superior

à moeda oferecida ou a moeda oferecida é superior à moeda procurada.

Na primeira destas situações o BC fornece o crédito adicional que permita

satisfazer a procura de crédito por parte das empresas e no segundo caso, o BC aceita,

com remuneração de juros, o excesso de capital oferecido pelos capitalistas no mercado

de crédito.

Assim, se o BC emprestar, no período t, um certo montante Xt às empresas,

estas, no fim desse período terão que reembolsar o BC em ( )1t

X R+ . Por outro lado, se

existir um excesso de oferta no mercado de crédito o BC recebe dos capitalistas um

certo montante Xt no período t e tem que reembolsar os capitalistas no fim desse período

no montante (1 )t

X R+ .

O lucro da empresa representativa, Dt, é agora dado pela expressão

( ) ( )( )1t t t t t t t t t

D PY W L B X B X R= − + + − + + .

Nesta expressão,

tX é a quantidade de moeda que o BC acrescenta ou retira no

mercado de crédito em relação à quantidade oferecida nesse mercado pelo capitalista,

Bt. Xt pode ser um valor positivo, caso a procura da empresa por crédito, para um dado

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R , supere a oferta de crédito por parte dos capitalistas; pode ser menor que zero, caso a

procura de crédito seja menor do que a oferta de crédito dos capitalistas, para um dado

R ; ou pode ser igual a zero, caso a procura de crédito seja igual à oferta de crédito dos

capitalistas. Usando o facto de que o montante total do empréstimo, t t

B X+ , é usado

para pagar salários, t t

W L , a expressão para o lucro da empresa simplifica-se.

( )1t t t t t

D PY W L R= − + .

E a condição de maximização do lucro da empresa é a mesma que anteriormente:

1

tt

PW

R=

+. (1.20)

Destas duas últimas expressões, e relembrando que t t

Y L= , verifica-se que o lucro da

empresa é nulo. Isto quer dizer que todo o produto da economia, t

Y , vai ser distribuído

por trabalhadores e capitalistas:

1t t t

Y w c= = + ,

onde, novamente, aquelas duas quantidades designam respectivamente o salário

(consumo) real dos trabalhadores e o consumo real dos capitalistas. Assim, da equação

(1.20) vemos que o salário real é:

1

1w

R=

+.

Logo, o consumo dos capitalistas, dado que, como acabamos de ver, o lucro da empresa

é sempre nulo, é dado por:

1

11 1

Rc Y w

R R= − = − =

+ +.

Daqui surge a consequência natural de uma alteração exógena da taxa de juro nominal,

que expressamos em forma de proposição.

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PROPOSIÇÃO 1.3: Em condições onde o Banco Central fixa exogenamente o nível da

taxa de juro nominal e fornece ou retira do mercado de crédito toda a moeda que esteja

em excesso de procura ou oferta, um aumento da taxa de juro aumenta o rendimento dos

capitalistas em detrimento do rendimento dos trabalhadores; e uma diminuição da taxa

de juro aumenta o rendimento dos trabalhadores em detrimento do rendimento dos

capitalistas.

No apêndice 1F mostramos em maior detalhe o mecanismo através do qual isto

acontece.

1.4.6. QUANTIDADE DE MOEDA EXOGENAMENTE FIXADA PELO

BANCO CENTRAL NO MERCADO DE CRÉDITO

Consideramos uma regra simples para o tipo de intervenção monetária que o Banco

Central pratica no mercado de crédito: em cada período t o Banco Central injecta ou

retira uma quantidade de moeda no montantet

X . Neste caso, a oferta total de crédito é

agora de t t t

M Pc− , a oferta do capitalista, acrescido de t

X (que pode ser um valor

negativo, caso o BC retire moeda do mercado de crédito), a oferta de crédito do Banco

Central.

Assumimos também que esta quantidade, t

X , é igual a uma certa proporção, ϕ , da

quantidade de moeda, t

M , que existe no início de cada período de tempo. Isto é:

t t

X Mϕ= . (1.21)

Finalmente, assumimos que t

X nunca é maior que t

M em valor absoluto, i.e, dado que

tX pode ser positivo ou negativo, assumimos que t tX M< ; o que é equivalente a dizer

que o banco central nunca injecta ou retira no mercado de crédito uma quantidade igual

ou superior à quantidade de moeda existente no sistema em determinado período de

tempo. Na verdade a segunda parte desta hipótese é trivial já que, em determinado

período de tempo a quantidade de moeda oferecida no mercado de crédito pelo

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capitalista nunca pode ser superior a t

M e como tal o Banco Central não pode retirar

uma quantidade do mercado de crédito que não existe. O que acabamos de dizer

pressupõe em relação ao parâmetro ϕ que este só pode tomar valores entre –1 e 1

(exclusive). Mas vamos ser um pouco mais restritivos e assumir, em relação ao valor

mínimo que ϕ pode tomar, que este não pode ser igual ou inferior a ( β− ), isto é:

1β ϕ− < < .

Veremos mais à frente que esta restrição serve para impedir que a taxa de juro nominal

tome valores negativos.

Considerando a existência de equilíbrio no mercado de crédito, o montante que a

empresa vai tomar de empréstimo é igual a:

D

t t t t tB M Pc X= − + .

Neste caso, e pela condição de equilíbrio no mercado de produto (notando que os lucros

são zero - ver secção anterior),

t t t t t

PY Pc W= + , (1.22)

usando a condição de equilíbrio no mercado de crédito, D

t t t t t tW B M Pc X= = − + , (1.23)

e substituindo (1.23) em (1.22), relembrando que 1

tY = , o nível de preços aparece

como:

t t tP M X= + . (1.24)

Ou, usando (1.21), ( )1t tP M ϕ= + . (1.25)

Por outro lado, da restrição orçamental do capitalista,

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( )( )1 1t t t t tM M Pc R+ = − + , (1.26)

e da condição de equilíbrio no mercado de produto,

1

1 11t t

t

c wR

= − = −+

, (1.27)

substituindo (1.27) e (1.25) em (1.26), obtemos a equação que descreve a evolução da

quantidade de moeda em posse dos capitalistas ao longo do tempo:

( )1 1t t tM M Rϕ+ = − . (1.28)

Determinamos agora uma expressão para a taxa de inflação ao longo do tempo que será

útil mais à frente. A taxa de inflação define-se como:

1 1tt

t

P

Pπ += − . (1.29)

Substituindo aqui (1.25) e usando posteriormente (1.28), obtemos:

t tRπ ϕ= − . (1.30)

Isto é, em estado estacionário: Rπ ϕ= − . (1.31)

Agora, da condição de primeira ordem do capitalista em estado estacionário,

1

11

π

+=

+, (1.32)

obtemos o valor estacionário da taxa de juro, substituindo (1.31) em (1.32):

1

β ϕ

−=

+ (1.33)

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Este é o valor estacionário da taxa de juro nominal com política monetária dada por

(1.21). Daqui também a razão para termos assumido de início que ϕ seria superior a

β− : de (1.33), se ϕ β< − a taxa de juro estacionária seria negativa.

Agora, note-se que a taxa de juro natural pode ser escrita como:

1NR

β

β

−= . (1.34)

Comparando (1.33) com (1.34) tiramos então a seguinte conclusão:

Se 0

Se 0 .

N

N

R R

R R

ϕ

ϕ

> ⇒ <

< ⇒ >

Por palavras:

Lema 1.1: Uma política monetária que consiste em injectar moeda no mercado

de crédito de acordo com (1.21) faz diminuir a taxa de juro em relação à sua taxa

natural; uma política monetária que consiste em retirar moeda no mercado de crédito de

acordo com (1.21) faz aumentar a taxa de juro em relação à sua taxa natural.

Finalmente, dado que em estado estacionário verifica-se:

1,

11

1 ,1

wR

cR

=+

= −+

obtemos, usando o lema 1.1, o seguinte resultado que apresentamos em forma de

proposição:

PROPOSIÇÃO 1.4: Com o Banco Central a injectar, em cada período de tempo, uma

quantidade de moeda no mercado de crédito de acordo com a regra (1.21), em

equilíbrio, a taxa de juro reduz-se em relação ao nível da taxa de juro natural e, em

consequência, o consumo dos capitalistas reduz-se e o salário real aumenta. Resultados

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opostos acontecem se o Banco Central retirar moeda do mercado de crédito de acordo

com a regra acima definida.

1.5. CONCLUSÃO

Neste capítulo começamos por estudar as consequências resultantes de uma alteração

exógena da taxa de juro e/ou da quantidade de moeda sobre a economia. Como, apesar

de termos usado uma economia com produção, essa produção foi considerada fixa, o

foco principal foi analisar as consequentes distribuições de rendimento (entre

empresários, capitalistas e trabalhadores) originadas pelas já referidas alterações

exógenas. A nossa estratégia foi, em primeiro lugar, determinar o equilíbrio geral da

economia na ausência de perturbações exógenas e, de seguida, estudar as alterações a

esse equilíbrio decorrentes da fixação exógena de variáveis de outra forma determinadas

endogenamente em equilíbrio.

Assim, começamos por analisar, numa economia não monetária mas com

mercado de crédito, as consequências da fixação exógena da taxa de juro num nível

superior ou inferior à taxa de juro natural (taxa de juro endogenamente determinada

pelo equilíbrio geral dos mercados). De seguida estudamos as consequências de dois

tipos de alterações exógenas numa economia monetária: fixação de taxa de juro nominal

(num valor superior ou inferior à taxa natural) e fixação da quantidade de moeda

transaccionada no mercado de crédito.

Os principais resultados que obtivemos da nossa análise estão sintetizados em

quatro proposições ao longo do texto. As duas primeiras proposições referem-se à

economia não monetária. As restantes duas proposições referem-se à economia

monetária: a terceira proposição refere-se à fixação da taxa de juro; a quarta proposição

refere-se à fixação da quantidade de moeda no mercado de crédito. Essencialmente

vimos que, quer para o caso de uma economia não monetária quer para o caso de uma

economia monetária, um aumento exógeno da taxa de juro faz aumentar o rendimento

dos capitalistas e diminuir o dos trabalhadores, verificando-se o oposto no caso da

diminuição daquela taxa. Uma excepção existe para o caso em que, numa economia não

monetária, a taxa de juro é fixada num nível inferior ao da taxa de juro natural. Neste

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caso, o rendimento da economia reverte, com o tempo, integralmente para o empresário

representativo.

Por outro lado, numa economia monetária, o consumo dos capitalistas diminui e

o salário dos trabalhadores aumenta e vice-versa, consoante a política monetária do

Banco Central consistir em injectar ou retirar do mercado de crédito uma quantidade de

moeda bem definida por cada período de tempo, respectivamente.