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CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III ) Setembro 2008 86 PARTE III: AVALIAÇÃO DO PROGRAMA 5. CONCLUSÕES & RECOMENDAÇÕES 5.1 Alguns aspectos gerais a considerar 5.2 Principais conclusões e recomendações: Resultados alcançados (ou alcançáveis) e contribuição da ON 5.3 Principais conclusões e recomendações: Estratégias, actores sociais, planeamento e M&A 6. THE RIGHT TO A SUSTAINABLE LIVELIHOOD (aim 1) 6.1 Breve caracterização do contexto sectorial 6.2 Contrapartes envolvidos e resultados esperados 6.3 Análise dos resultados e mudanças alcançadas 6.4 Algumas considerações finais sobre os resultados 7. THE RIGHT TO BASIC SOCIAL SERVICES (aim 2) 7.1 Breve caracterização do contexto sectorial 7.2 Contrapartes envolvidos e resultados esperados 7.3 Análise dos resultados e mudanças alcançadas 7.4 Algumas considerações finais sobre os resultados 8. RIGHT TO BE HEARD (aim 4) 8.1 Breve caracterização do contexto: temáticas 8.2 Democratização e boa governação 8.3 Sociedade civil organizada: em busca de novos caminhos 8.4 Problemática fundiária: desafios do passado e do futuro 8.5 Contrapartes envolvidos e resultados esperados 8.6 Análise dos resultados e mudanças alcançadas & Algumas considerações finais 8.6.1 “Democracia e boa governação” 8.6.2 “Participação social e politica da SC organizada” 8.6.3 “Direito e acesso à terra” 9. CONTRIBUIÇÂO DA ON PARA OS RESULTADOS 9.1 Influência do apoio/contribuição financeira 9.2 Contribuição das políticas e práticas de gestão 9.3 Outras contribuições: capacity building, advocacia, etc.

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PARTE III: AVALIAÇÃO DO PROGRAMA

5. CONCLUSÕES & RECOMENDAÇÕES

5.1 Alguns aspectos gerais a considerar

5.2 Principais conclusões e recomendações: Resultados alcançados (ou alcançáveis) e contribuição da ON

5.3 Principais conclusões e recomendações: Estratégias, actores sociais, planeamento e M&A

6. THE RIGHT TO A SUSTAINABLE LIVELIHOOD (aim 1)

6.1 Breve caracterização do contexto sectorial

6.2 Contrapartes envolvidos e resultados esperados

6.3 Análise dos resultados e mudanças alcançadas

6.4 Algumas considerações finais sobre os resultados

7. THE RIGHT TO BASIC SOCIAL SERVICES (aim 2)

7.1 Breve caracterização do contexto sectorial

7.2 Contrapartes envolvidos e resultados esperados

7.3 Análise dos resultados e mudanças alcançadas

7.4 Algumas considerações finais sobre os resultados

8. RIGHT TO BE HEARD (aim 4)

8.1 Breve caracterização do contexto: temáticas

8.2 Democratização e boa governação

8.3 Sociedade civil organizada: em busca de novos caminhos

8.4 Problemática fundiária: desafios do passado e do futuro

8.5 Contrapartes envolvidos e resultados esperados

8.6 Análise dos resultados e mudanças alcançadas & Algumas considerações finais

8.6.1 “Democracia e boa governação”

8.6.2 “Participação social e politica da SC organizada”

8.6.3 “Direito e acesso à terra”

9. CONTRIBUIÇÂO DA ON PARA OS RESULTADOS

9.1 Influência do apoio/contribuição financeira

9.2 Contribuição das políticas e práticas de gestão

9.3 Outras contribuições: capacity building, advocacia, etc.

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5. CONCLUSÕES & RECOMENDAÇÕES

5.1 Alguns aspectos gerais a considerar Como já dissemos, esta avaliação considerou 62% dos 21 contrapartes da ON em Angola no período considerado (2002-2007). (1) Essa escolha privilegiou as 13 principais ONGs parceiras executivas da organização no país, as quais representam 80% dos projectos financiados (32 projectos entre 40) e cerca de 95% do orçamento global previsto pela ON para esse período: 9,4 milhões de Euros sobre um total de 9,9 milhões. (2)

• Avaliação dos resultados: limites e possíveis “desencontros”

Como já indicado anteriormente, (vd. capítulo 2), a avaliação aqui detalhada baseou-se em alguns testemunhos e exemplos dados pelos diversos entrevistados das ONGs e, em alguns casos, por seus parceiros. Infelizmente, a metodologia da avaliação não permitiu aprofundar a busca de evidências no terreno. Por essa razão, e por algum despreparo dos RH de algumas das ONGs avaliadas ou suas insuficiências de dados/informação organizada (situação muito comum em Angola), na maioria dos casos não foi possível obter evidências relevantes e quantificadas desses e outros resultados obtidos por essas organizações. O que limitou sobremaneira a qualidade da avaliação

Por fim, cabe ressaltar que a avaliação dos resultados das actividades das ONGs seleccio-nadas não implica, forçosamente, na correspondente avaliação da vitalidade organizacional/ operativa ou da sustentabilidade institucional dessas organizações. Trata-se, na verdade, de uma fotografia dos resultados obtidos num determinado momento histórico, profundamente condicionados pelo apoio da ON e de outros doadores e pelo contexto geral do país (social, institucional, económico, etc.). Portanto, para esses resultados concorreram inúmeros outros actores sociais e factores contextuais, tanto endógenos como exógenos a essas ONGs.

Nesse entendimento, não se podem tirar ilações ou fazer um paralelismo simplista entre os resultados avaliados/obtidos por uma determinada entidade aqui avaliada, no contexto de determinados projectos (os financiados pela ON) e uma qualquer avaliação institucional sobre essa entidade como um todo, ou sobre o seu programa global de actividades (pertinência, eficiência/capacidade de trabalho, eficácia, sustentabilidade, etc.).

Ou seja, em tese, poderiam perfeitamente existir vários “desencontros” entre os resultados aqui aferidos (de apenas alguns de seus projectos) e a vitalidade organizacional/operativa ou a sustentabilidade institucional dos contrapartes/ONGs avaliadas. O que poderia significar

1 No início da avaliação (Junho 2007), tomou-se a decisão de avaliar a carteira de contrapartes da ON e projectos do período 2002-2006 (universo global das parcerias da ON a partir do qual se escolheu uma amostragem de 13 ONGs). Na prática, contudo, a maioria das análises da avaliação se prolonga até ao final do segundo semestre de 2007.

2 Referimo-nos aos financiamentos previstos para os anos 2002 a 2007 no âmbito dos 40 projectos desses 21 contrapartes (vide detalhes no anexo IVa). Contudo, convém lembrar que além desses projectos, a ON disponibilizou outros pequenos financiamentos no âmbito de iniciativas paralelas “extra-projectos” durante esse período (apoio à realização de oficinas/conferências, realização/publicação de estudos, etc.). Estes, obviamente, não puderam ser considerados nessa estimativa global.

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dois tipos de constatações paradoxais, decorrentes de uma metodologia baseada na observação de apenas uma parte dos projectos dessas ONGs, o que tenderia a distorcer a avaliação do seu verdadeiro potencial global.

Seja sub-estimando esse potencial -- isto é, os resultados obtidos pelos projectos apoiados pela ON poderiam estar aquém do potencial institucional e executivo real dessa ONG, mas este teria sido afectado pela interferência de vários constrangimentos externos ao seu programa. Seja estimando-o além da realidade institucional/executiva real da ONG -- os resultados obtidos, neste caso, estariam além do potencial real dessa ONG, sendo devidos principalmente não à sua capacidade endógena, mas sim às condições anormalmente favoráveis do programa apoiado pela ON (criadas pelos financiamentos da ON, pela contribuição de outros parceiros, pelo contexto favorável, etc.).

No primeiro caso, estaríamos diante de um programa de actividades financiado pela ON desajustado (inferior) ao potencial endógeno das ONGs ou afectado por excepcionais dificuldades do contexto. No segundo, correríamos o risco de estar diante de um típico caso de “prolongamento artificial” de programas e actores sociais (ONGs avaliadas) sem real potencial ou viabilidade para contribuir para mudanças significativas na sociedade. A menos de se beneficiar de condições muito favoráveis que não correspondem ao padrão mais corrente/normal. (3)

• Principais SCOs considerados na avaliação

A avaliação dos 13 contrapartes seleccionados e seus 28 projectos (4) conduziu à identifica-ção de 6 diferentes Strategic Change Objectives (SCOs) entre os 8 SCOs da estratégia global da ON. Contudo, dentre esses SCOs destacaram-se 3 que consideramos os mais significativos do Programa Angola nesse período, devido à sua presença num número maior de contrapartes e de projectos (vd. detalhes na tabela 5.1):

SCO 1.1 Food and income security (aim 1: The right to a sustainable livelihood) 6 projectos de 3 contrapartes;

SCO 2.1 Health (aim 2: The right to basic social services) 7 projectos de 3 contrapartes;

SCO 4.1 Social and political participation (aim 4: Right to be heard)

3 Além disso, em ambos os casos poderíamos estar diante de um desperdício de recursos e oportunidades. Seja em razão do sub-aproveitamento do potencial real da ONG por várias razões (primeiro caso). Seja em razão doa destinação de recursos para ONGs sem potencial real ou adequado (segundo caso), em detrimento de outras organizações e actores sociais mais aptos para garantir maiores impactos transfor-madores com esses recursos.

4 No decurso da avaliação, foi preciso reduzir o número total de projectos considerados na avaliação, de 32 para 28. Visto que não houveram condições de se obter informação ou testemunhos válidos que permitis-sem uma avaliação consistente dos resultados de 4 desses 32 projectos, por estes por serem muito antigos ou muito recentes (vd. anexo V).

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23 projectos de 10 contrapartes.

Tanto por essa maior relevância no Programa Angola, quanto por razões práticas (tempo da avaliação e necessidade de definir prioridades, e.g.), limitamos a maior parte da avaliação a esses 3 SCOs. (5) Por outro lado, para cada um dos 13 contrapartes avaliados foram considerados um ou dois SCOs que mais se destacaram no seu programa de actividades financiado pela ON (de acordo com a opinião prevalecente nas equipas entrevistadas). Em apenas dois casos foram considerados e analisados os resultados de três SCOs numa mesma ONG (como se vê na tabela 5.1).

Tabela 5.1: Distribuição dos SCOs da ON pelos diferentes contrapartes avaliados (*)

Contraparte SCO 1.1 SCO 2.1 SCO 2.2 SCO 3.1 SCO 3.2 SCO 4.1 01 ACORD

02 ADRA Huíla

03 ADRA Nacional

04 ASD

05 CLUSA

06 DWA

08 GW

07 HRW

09 OGB

10 Oxfam Intermón

11 PRAZEDOR

12 Rede Terra

13 SOSH

Total 3 3 1 1 1 10

(*) Não considerados SCOs de projectos financiados por outros doadores (vd. detalhes no anexo V).

• SCOs menos relevantes do programa da ON em Angola

Assim, dois SCOs (3.1 e 3.2), (6) embora presentes na amostragem, não foram analisados por terem sido considerados quase marginais no Programa global da ON abrangido por esta avaliação (cada um desses SCOs envolveu apenas um dos contrapartes da amostragem) ou mesmo no programa real de actividades das ONGs seleccionadas. (7)

Por outro lado, cabe lembrar que alguns dos programas desses contrapartes financiados pela ON eram bastante mais abrangentes na sua generalidade (sobretudo quando a ON forneceu apoio institucional ou financiou programas plurianuais de actividades que se articularam com financiamentos de outros doadores). Razão pela qual podem ter ficado por avaliar algumas áreas temáticas (SCOs) que talvez merecessem um pouco mais de atenção numa avaliação mais aprofundada dos resultados dessas ONGs (algumas dessas áreas

5 Além desses 3 SCOs mais relevantes, consideramos igualmente o SCO 2.2 (Education) no caso da DWA em razão da facilidade que tivemos para obter informações sobre a actuação relacionada com esse SCO.

6 SCO 3.1 (Emergency Aid, aim 3: Right to life and security): 1 projecto de 1 contraparte. SCO 3.2 (Conflict prevention and peace building): 2 projectos de 1 contraparte.

7 Num desses casos (Intermón), tivemos dificuldades para obter informações de impacto/resultados sobre o projecto em questão, por este ser demasiado extemporâneo (foi concluído em 2003).

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podem, inclusive, ter sido desenvolvidas com apoio de outros doadores ao qual se adicionou o apoio indirecto e estruturante da ON).

A “transversalidade” do “género”: diminuição das acções temáticas

Dentre os SCOs da estratégia global da ON que não puderam ser abrangidos pela avaliação -- seja por estarem ausentes, pouco focados/desenvolvidos na prática ou serem pouco representativos nos programas dos 13 contrapartes -- destacamos o SCO 5.1 (Identity) que nos parece particularmente importante. Infelizmente, na globalidade dos 21 contrapartes do Programa da ON em Angola do período considerado (2002-2007), este SCO foi priorizado por apenas um contraparte, mas este não fez parte da amostragem estudada. (8)

Dessa forma, constatou-se que a estratégia de abordagem adoptada com relação a esse tema, considerando-o de actuação dita “transversal” das ONGs, conduziu a um quase desaparecimento de acções/projectos destinados a um público-alvo exclusiva ou maioritaria-mente feminino (com base no princípio de “discriminação positiva”, e.g.). (9) O que tendeu a diminuir a importância e relevância desse tema estratégico no Programa da ON em Angola e, consequentemente, nesta avaliação.

• Visão sintética e globalizada dos resultados

Por último, frisamos que nos capítulos 6, 7 e 8 a seguir procuraremos fazer uma breve síntese dos resultados mais significativos, limitando ao máximo a descrição das actividades de cada ONG (vd. os relatórios específicos de cada ONG, no volume II deste relatório).

Lembrando que esta aferição foi baseada em estimativas globalizadas, não exaustivas (e que nem sempre foi possível quantificar), que privilegiam apenas alguns exemplos e teste-munhos considerados relevantes e ilustrativos dos resultados desses contrapartes. Em parte, porque os limites da metodologia rápida proposta para esta avaliação não permitiram verificar essas evidências no terreno, nem aprofundá-las em termos qualitativos (pertinência, sustentabilidade, impactos negativos, oportunidades perdidas, etc.).

Cabe ainda destacar que esses exemplos, além de não serem exaustivos, não reflectem a totalidade da actuação dessas ONGs (geralmente, bem mais abrangente). Muito embora os resultados aqui apresentados tenham sido, na totalidade dos casos, seleccionados e longa-mente discutidos com os responsáveis e equipas executivas desses contrapartes. E, sempre que possível, eles tenham sido igualmente enriquecidos através da consulta sistemática e/ou elaboração de documentação complementar pertinente (relatórios e documentos, elaboração de tabelas de sistematização de dados, etc.).

8 Apenas um dos contrapartes da ON implantou um projecto no âmbito desse SCO: Rede Mulher, projecto “Promoção do Direito das Mulheres”, 2003 - 2005. Esse projecto, todavia, não teve continuidade. Como também não teve continuidade a parceria da ON com esse contraparte, por razões diversas.

9 Muito embora alguns desses contrapartes tivessem inicialmente planos nessa área. Alguns contrapartes da região da Huíla (ACORD, ADRA e PRAZEDOR, por exemplo), incluíram em seus programas financiados pela ON intenções de desenvolverem acções voltadas para a questão de género. Contudo, não se constataram evidências de que esse trabalho ou seus resultados tenham tido muito destaque.

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5.2 Principais conclusões e recomendações: Resultados alcançados (ou alcançáveis) e contribuição da ON

De um modo geral, procurou-se apresentar ao longo do relatório e suas análises contextuais (no primeiro capítulo da parte II) e sectoriais (nos três capítulos seguintes desta parte III), uma parcela muito significativa das conclusões e recomendações desta avaliação. Às vezes, inclusive, com bastantes pormenores e estimativas quantificadas. Pelo menos, sempre que isso foi possível ou pareceu pertinente e oportuno no contexto global/sectorial observado.

Nessa conformidade, as análises que se seguem (em 5.2 e 5.3) representam sobretudo uma síntese global das conclusões e recomendações da avaliação, devidamente situadas no contexto das transições recentes do país. O que significa dizer que pode ser muito útil, em alguns casos, consultar os trechos do texto que se referem a certas conclusões e recomen-dações preliminares já indicadas com mais pormenores sobre as diferentes áreas temáticas avaliadas ou as estratégias da ON (capítulos 4, 6, 7 e 8).

Consolidar as “mais valias” para potenciar o Programa

Cabe destacar, ainda, que no concernente às recomendações que se seguem procuramos, tanto quanto possível, nos cingir ao mandato da avaliação, que concentra o olhar crítico dos avaliadores ao Programa do período 2002-2007 e limita o aprofundamento de questões estratégias da actuação futura ON em Angola (aqui abordadas apenas superficialmente). Procuramos, outrossim, nos distanciar de propostas que se fundamentassem num conveniente raciocínio linear e “administrativo”, que tenderia a enfatizar aspectos formais, quantitativos e processuais (ou ao clássico “mais do mesmo”).

Assim, procurou-se privilegiar premissas ou leituras mais dinâmicas da realidade local e da possível interacção e evolução do Programa com ela, fazendo sugestões que, no nosso entender, terão mais potencial para consolidar e alargar a contribuição da ON. Por outras palavras, valorizar/consolidar as suas “mais valias” específicas no leque de serviços/ apoio oferecido pelas ONGs e agências da ajuda presentes em Angola, no intuito deliberado de potenciar o Programa e sua capacidade de contribuir para resultados de mudança.

Estas “mais valias”, segundo os avaliadores, repousam em características já presentes ou ainda embrionárias no Programa, que devem ser enfatizadas ou ajustadas/aprofundadas. Ou seja, uma visão global do desenvolvimento multidisciplinar e integradora, socialmente inclusi-va e não imediatista (assente nos direitos fundamentais e privilegiando os processos de longo prazo); abordagens práticas (temáticas, sectoriais, etc.) “dialogantes” e focadas na qualidade dos processos e resultados de mudança; modalidades operativas flexíveis, nego-ciáveis e evolutivas; foco vital na construção de “bridges”, consensos e sinergias entre diferentes actores do desenvolvimento (os contrapartes, os vários matizes da SC organizada, o tecido empresarial e os agentes do Estado ou externos) e, por fim, a ausência de qualquer política de construção de “terrenos de caça privados” ou temáticas de “propriedade” da ON.

Esperamos ter conseguido realizar esse propósito ou, pelo menos, ter contribuído para tal.

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• The right to a sustainable livelihood (aim 1)

Algumas conclusões

O ambiente global do país à volta desta temática é bem mais complexo e preocupante do que o que transparece nas análises do Programa ou dos projectos de seus contrapartes. Este não se caracteriza unicamente pelo passivo de longos anos de guerra e de destruição da base produtiva do país ou pelas tradicionais dificuldades da “transição para o desenvolvi-mento” dos países sub-saharianos num contexto politicamente frágil e pouco democrático. Mas igualmente, e sobretudo, por um projecto global impulsionado no pós-guerra pelo boom da economia petrolífera que, em última análise, visa a construção acelerada de um “capitalis-mo angolano” de natureza marcadamente autoritária, predatória e excludente.

Este, segundo todos os analistas, exclui a participação da SC no debate de um modelo de desenvolvimento harmonioso do país e relega para último plano a satisfação das necessida-des básicas e a viabilidade da subsistência dos três quartos da população da nação -- muito particularmente da imensa maioria das populações que constituem o principal alvo do Programa da ON. As longas análises de contexto desenvolvidas nesta avaliação dão conta dos principais aspectos dessa realidade, a qual nos últimos anos tem avançado significativa-mente no meio rural (emergência de um capitalismo agrário mais agressivo) que constitui o espaço físico e social mais importante para a actuação desta temática específica (aim 1).

Assim, e por essas diversas razões contextuais já longamente descritas (vd. parte II e capítulo 6), desde a influência desse contexto socioeconómico desfavorável (no qual também despon-ta uma insuficiência crónica de políticas públicas voltadas para os mais pobres), as “tradicio-nais” insuficiências intrínsecas apontadas nas ONGs angolanas e o peso histórico da fase “humanitária” nas suas práticas/abordagens, podemos dizer que os resultados do Programa 2002-2007 neste domínio estratégico (aim 1) foram, globalmente falando, bastante incipientes tanto nos meios rurais como suburbanos.

Não obstante, constata-se a existência de indícios de resultados positivos no aumento da segurança alimentar, no incentivo à geração de emprego e renda, na redução dos níveis de pobreza, na indução de processos de desenvolvimento socioeconómico das comunidades envolvidas, etc. (10)

Contudo, via de regra, esses resultados parecem ser quase sempre deveras limitados (social e espacialmente) e com poucas evidências de autonomia social, continuidade ou sustentabi-lidade baseada em processo endógenos.

Resultados em outros domínios, embora igualmente percebidos, não puderam ser aprofun-dados dado as limitações intrínsecas da avaliação (vd. 2.4) e careceriam de maiores aprofundamentos (nas áreas da auto-organização dos produtores rurais ou do acesso ao mercado, e.g.). Muito embora tudo indique que esses resultados possam ser igualmente bastante modestos na sua abrangência social e territorial.

10 A questão fundiária é tratada mais adiante (vd. aim 4).

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Em síntese, não se encontraram evidências de fortes impactos positivos e continuados (ou em perspectiva) nas práticas, nas políticas e nos comportamentos sociais/institucionais relacionados com as diversas dimensões desta temática acima mencionadas.

Parte desses resultados globais mitigados pode, inclusive, ser imputada à relativa fraqueza das linhas de actuação estratégica do Programa e das ONGs para fazer face às dificuldades particulares desta área (aim 1) no período de transição (2002-2007). Tudo parece indicar que essas linhas orientadoras do desenvolvimento sectorial fundaram-se mais em intenções globais pouco contextualizadas e detalhadas ou em metas quantitativas e globais a atingir, do que mais propriamente em propostas e ferramentas de actuação estratégica consolida-das, claras e adequadamente partilhadas (entre os contrapartes do Programa e suas redes de parcerias e de influência).

Essa constatação ficou particularmente evidenciada com relação às orientações e propostas de desenvolvimento sectorial e dos sistemas de produção (com base no uso dos recursos locais mais abundantes, de tecnologias adequadas de baixo custo ou no resgate dos savoir faire dos produtores rurais, e.g.) e às modalidades para actuar de forma eficaz e concertada com vistas a incentivar/alavancar a economia popular/comunitária bastante desestruturada após longos anos de guerra e de perda dos seus activos (tanto económicos como sociais e institucionais). (11) Ou, at last but not least, com relação às linhas de actuação para fazer pressão/lobby em diferentes escalas territoriais e administrativas (local, provincial, regional e nacional) no intuito de influenciar e contribuir para a construção de políticas sectoriais mais incisivas, mais justas e socialmente inclusivas/abrangentes.

Algumas recomendações

i) Definir linhas de actuação estratégica para o desenvolvimento sectorial mais claras, tanto quanto possível elaboradas com base na aprendizagem extraída da experiência acumulada dos diversos participantes do Programa (seus contrapartes e parceiros e suas “melhores práticas”, com resultados e eficácia comprovados). E, sobretudo, capazes de ajudar a estabelecer um “diálogo” construtivo com o contexto local e suas especificidades, ou de aproveitar as “janelas de oportunidade” dessa realidade local, mesmo quando adversa (como ocorre na maioria das vezes). Recomenda-se que sejam consideradas áreas-chave dessas linhas estratégicas:

segurança alimentar e comercialização/renda: contribuir para o aumento da produção e da rentabilidade agro-pecuária (em especial, as de base familiar e associativa) (12) e a

11 Essa carência estratégica foi, em alguns casos, agravada pelos apoios institucionais e “estruturantes” a contrapartes com peso histórico e financeiro significativos no Programa global da ON, mas sem suficiente comprometimento dessas ONGs com linhas estratégicas de actuação sectorial claras e amadurecidas. O que tendeu a favorecer parcela significativa das suas actividades (a ajuda da ON assumindo grande parte dos custos de estrutura) a serviço de outros financiadores do mercado da ajuda local com abordagens assistencialistas ou pouco indutoras de dinâmicas de “desenvolvimento”. Isso, quer queiramos ou não, pode ter significado um certo apoio “indesejado” da ON a agendas de outras agências internacionais nem sempre compatíveis com seus princípios e objectivos de desenvolvimento.

12 Chamando-se a atenção da ON, neste particular, para certos aspectos estratégicos desse aumento e sua sustentabilidade. Como, por exemplo, para as questões ambientais (evitar os impactos negativos,

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melhoria dos processos de armazenamento/conservação das produções de auto-consumo e comerciais dos pequenos produtores familiares e artesanais; ou para o incentivo à transformação dos excedentes dos produtores (maior incorporação de valor à produção) e a facilitação da sua introdução nos circuitos de comercialização (economias de escala, vendas agrupadas, transporte, etc.). Recomenda-se, neste âmbito, particular empenho na introdução e desenho/desenvolvimento de iniciativas/empreendimentos de tipo social business (13) e faire trade adequados à realidade das comunidades locais e suas OSCs (e para os quais a ON possui vertentes de trabalho/campanhas específicas).

serviços de apoio à produção: contribuir para o aumento desses serviços destinados à pequena produção agrícola/rural e artesanal de base familiar e associativa; em particular, através da provisão/garantia de acesso a insumos produtivos, tecnologias e serviços de apoio técnico e financeiro de qualidade e adequadas à escala e às condições sociais da produção familiar/associativa e artesanal (ferramentas, adubos, assistência técnica e crédito de pequena escala, por exemplo);

auto-organização do produtores e comunidades rurais e peri-urbanas: incentivar e apoiar esse processo auto-organizativo trabalhando com o longo prazo (ou superando a visão imediatista e suas metas limitadas à duração dos projectos), em moldes autónomos (seja através de “grupos de interesse”, de cooperativas e associações de produtores, de consórcios de associações comunitárias/locais, etc.), visando desenvolver uma ampla abordagem social/institucional apta a envolver/integrar não só as ONGs mais profissionali-zadas/formais, mas igualmente o potencial associativo “popular” e as suas OSCs mais informalizadas, os movimentos sindicais, os grupos de inspiração religiosa, etc. (vd. igualmente recomendações do aim 4 nesse sentido). Em especial, com vistas a desenvolver as economias de escala e os “nichos” de produção/económicos inovadores, (14) administrar sistemas de micro-crédito solidário, favorecer iniciativas colectivas de transformação e comercialização dos produtos, desenvolver projectos de “investimento social” (serviços, qualificação de RH, culturais, etc.), produtivos e sócio-ambientais de nível comunitário ou regional (em micro-regiões homogéneas), etc.;

incentivar o uso de tecnologias menos agressivas, etc.), a associação da agricultura familiar com a pecuária nas regiões propícias ou promover o resgate/reintrodução e valorização das variedades produtivas nativas (sementes locais e espécies arbustivas ameaçadas de extinção, e.g.). Atenção igual-mente com a valorização dos saberes técnico-tecnológicos ditos “tradicionais” -- geralmente, com fortes índices de adaptação édáfico-ambiental e maior potencial para garantir a independência dos meios de produção dos camponeses, graças à sua autonomia com relação aos fluxos de aprovisionamento exógenos (do agro-business internacional).

13 Trata-se de empreendimentos empresariais geridos pelas comunidades com claros objectivos sociais e forte preocupação para garantir eficácia de retorno financeiro (geração de renda) para as populações envolvidas, como forma de substituir projectos produtivos/sociais de viés assistencialista e pouco sustentáveis. Este modelo de actuação, mesmo se ainda controverso, vem sendo desenvolvido em vários países do Sul desde a década de 1980 e alcançou grande visibilidade nos últimos anos graças a activistas “mediáticos” como Muhammad Yunus.

14 O conceito de “nicho”, neste caso, aplica-se sobretudo à introdução e desenvolvimento de novas culturas ou modos culturais (produção agrícola) mais performantes (economicamente, socialmente ou ambiental-mente), visando satisfazer novas demandas dos mercados locais ou viabilizar a satisfação dos (ou o acesso aos) mercados mais distantes (urbanos, regionais e externos).

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politicas públicas adequadas aos “mais pobres”: contribuir para a definição de políticas públicas sectoriais destinadas a favorecer/incentivar o desenvolvimento da produção rural, do artesanato e da economia popular em geral que constituem a base da subsistência (auto-consumo, emprego e renda) das populações rurais e suburbanas mais pobres (utilizando ferramentas como as campanhas de sensibilização/informação social, a advocacia social, o trabalho de lobby, a organização de grupos de pressão e trabalho em rede das OSCs, etc.); assumem especial relevância -- e devem ser tratados com especial foco no âmbito destas políticas -- certos temas estratégicos, tais como o acesso à terra e a regularização fundiária, o acesso a financiamentos/créditos de incentivo à produção/ comercialização, a assistência técnica aos pequenos produtores e suas associações e a criação de facilidades de transformação/beneficiação dos produtos e sua comercialização;

papel e protagonismo das mulheres: contribuir para o reconhecimento e a valorização social do papel-chave das mulheres na estrutura de produção, nas redes de comercia-lização da economia rural e popular e no desenvolvimento das comunidades/bairros em geral. Em termos práticos, esse reconhecimento deverá se traduzir na facilitação do acesso gradual das mulheres a um protagonismo social mais “visível” (ou socialmente reconhecido) (15) e condizente com a sua importância -- seja em termos de sua valoriza-ção cultural e simbólica, do reconhecimento dos seus direitos sociais e económicos, (16) de sua consulta/participação nas decisões/iniciativas comunitárias, de sua participação activa nos órgãos directivos das OSCs/associações, de sua qualificação ou envolvimento substantivo nas acções de sensibilização/capacitação, etc. (17) Esta recomendação assume uma importância vital para a construção de modelos e experiências de desenvol-vimento mais justos/equitativos, democráticos e socialmente sustentáveis.

ii) De forma complementar, e no intuito de viabilizar os aspectos mencionados em i) acima, enfatiza-se a necessidade de se desenvolver uma abordagem do desenvolvimento (sectorial, social, comunitário, etc.) mais fundamentada e balizada por medidas/iniciativas de qualificação. Ou seja, por uma política mais incisiva de qualificação das propostas e meios dessa abordagem (das linhas estratégicas e sistemas/modelos produtivos, e.g.) ou dos RH visados para a sua implementação.

15 Distinguimos aqui o papel social “visível” das mulheres (ou seja, socialmente reconhecido de acordo com sua importância real na reprodução da família, na vida das comunidades, na economia rural/popular, etc.), do papel social “invisível” (ou seja, exercido na prática, mesmo quando “negado” pelas “tradições”, tabus, estruturas de poder dominadas pelos homens, etc.).

16 No seio destes, destacam-se os seus direitos à terra (uso/propriedade, herança, etc.) os quais ainda estão longe de ser reconhecidos, tanto pelas culturas “tradicionais” e suas práticas consuetudinárias quanto pelo direito positivo consignado na nova legislação fundiária do país (vd. análise em 8.6.3).

17 Com o intuito, inclusive, de poder induzir a mais longo prazo reflexos positivos (da promoção dessa “releitura” do papel social das mulheres) em áreas de fórum privado e familiar mais “delicadas” (em termos subjectivos e culturais/ antropológicos, e.g.) e difíceis de trabalhar no âmbito dos projectos. Como, por exemplo, uma maior percepção/visibilidade e valorização do seu papel na vida/economia das famílias/ comunidades e seus inevitáveis impactos na redução da violência doméstica ou no reequilíbrio do papel das mulheres na “negociação” das relações amorosas/sexuais (este último, com forte incidência nos comportamentos sexuais de risco aos quais elas estão muitas vezes sujeitas, particularmente fatais no contexto da pandemia do VIH/SIDA).

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Em termos práticos, esta abordagem deverá ser mais apoiada do que no passado em estudos/diagnósticos -- os quais têm sido realizados de forma incipiente e pontual, como no caso da temática fundiária (18) -- e em experiências-piloto. Ou, ainda, em programas continuados de qualificação dos quadros/equipas das ONGs. Ou seja, em acções de capacitação baseada, sempre que possível, na aprendizagem téorico-prática e retro-alimen-tada pelas experiências práticas monitoradas dos contrapartes. Com efeito, esta recomen-dação deverá se articular com a anterior (linhas de actuação estratégicas), que sugere valorizar mais o passivo e a experiência acumulada dos diversos participantes do Programa da ON em Angola e na África em geral (essas práticas devendo constituir as primeiras/ principais bases da aprendizagem e qualificação dos RH dos contrapartes e seus parceiros).

Por último, sublinha-se a necessidade de aproveitarem essas diferentes iniciativas/acções acima como oportunidades a não perder para se envolver mais activamente (através de parcerias, colaborações, acções conjuntas, etc.) e influenciar os quadros técnicos/políticos de entidades governamentais (19) ou as lideranças sociais locais (quando estas existam), tanto no nível provincial quanto municipal. (20)

iii) Por fim, e consolidando as duas recomendações anteriores, sugere-se maior atenção do Programa e dos seus contrapartes para a construção de uma memória institucional e operacional/metodológica mais partilhada/comum para facilitar e homogeneizar as actividades financiadas pela ON (suas estratégias sectoriais, suas abordagens práticas, suas ferramentas de trabalho, etc.).

Em que pesem as dificuldades para tal impostas pela filosofia de descentralização e flexibili-zação da ON (implantação dos Programas de país através de contrapartes com uma certa autonomia, não indução directa das opções e modalidades de actuação das ONGs, etc.), (21) não restam dúvidas de que, de uma forma ou de outra, esta maior partilha e homogeneiza-ção das estratégias, métodos e meios seria uma mais-valia muito significativa para qualificar o Programa da ON em Angola como um todo (com significativo potencial para assegurar aumentos de qualidade e de eficácia nos seus resultados ao longo dos anos). Como também seria uma garantia adicional para que o Programa desenvolvesse sua capacidade de aprender com base no clássico processo de “erros e acertos” e nas dinâmicas de

18 E também de forma demasiado enviesada por preocupações teóricas ou por um certo “academicismo”. Os quais, além de serem pouco operacionais, se terminam em publicações ou papers para uso em conferências e workshops que, em última instância, servem mais a promover seus autores do que a orientar ou a desenvolver a actuação prática das OSCs (criando padrões/modelos de trabalho, experiên-cias-piloto, projectos executivos, acções continuadas de capacitação, etc.).

19 Por exemplo, os quadros das entidades das áreas do desenvolvimento rural e da saúde pública (concebidas com a visão abrangente destacada nestas recomendações).

20 O processo de descentralização administrativa e do orçamento, caso venha a ter continuidade, poderá abrir as portas para aumentar essas oportunidades e intensificar o poder de influência das ONGs através de acções desse tipo.

21 Sobretudo com referencia às ONGs em que os recursos disponibilizados pela ON representam uma pequena parte dos seus financiamentos/programas e que, portanto, têm que lidar com diferentes doadores, abordagens e ferramentas por eles mais ou menos sugeridas/impostas e “atreladas” aos financiamentos.

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desenvolvimento incentivadas/acumuladas, ou para que evitasse mais facilmente reproduzir muitos dos erros/insuficiências do passado (disseminando suas melhores práticas).

Além disso, quer nos parecer que a construção dessa memória programática e metodológica tenderia a simplificar a elaboração das novas propostas de projectos, a melhorar a sua implantação (e expansão para outras regiões) e eficácia e, adicionalmente, a facilitar o seu acompanhamento à distância pela ON em Haia e o aprimoramento gradual de um sistema de avaliação dos resultados operacional e fiável (vd. 5.3).

• The right to basic social services (aim 2)

Algumas conclusões

O ambiente global do país à volta destas temáticas sectoriais possui suas raízes na década de 1980 (“humanitarização” da provisão dos serviços sociais básicos) (22) e, mais uma vez, tem apresentado uma complexidade bastante acentuada na última década (vd. capítulo 7). Esta tem sido pouco aprofundada nas análises estratégicas e documentação dos contrapar-tes e do Programa da ON em Angola em geral. Facto esse que, quer queiramos ou não, limita uma ampla “abertura dos horizontes” da análise, em particular para favorecer a construção de linhas estratégicas de actuação inovadoras ou mais adequadas ao contexto actual de Angola. Ou, em todo caso, para escapar às visões demasiado globalizadas e “administrativas”, amiúde influenciadas por um viés assistencialista herdado da fase “humanitária”.

Saúde

Considerando o caso específico do direito à saúde (SCO 2.1), e mais precisamente o VIH/SIDA que mais concentrou as atenções do Programa da ON em Angola, a abordagem que tem vindo a ser privilegiada (nos esforços para favorecer o acesso aos serviços pertinentes) parece ter vindo a apresentar uma polarização excessiva no combate a essa doença específica. (23) Talvez até em detrimento do reforço geral do sistema de saúde ou sem suficiente articulação e complementaridade de trabalho com o combate a outras causas endémicas e destacadas de morbidade/mortalidade do país. (24)

22 Nos anos mais recentes, essa tendência cedeu paulatinamente o lugar à “privatização” dos serviços sociais, como se analisou detalhadamente (vd. capítulo 7). Tendência observada a partir da década de 1980 na maioria dos países do Sul, e nos países africanos em particular, com seus piores impactos sobre as populações mais pobres (como no Burkina Fasso, Malawi, Serra Leoa, etc.). Por sua vez, a necessida-de de legitimar o que alguns sociólogos chamam de “democracia de baixa intensidade” e a extrema monopolização da exploração dos recursos (através das acções de responsabilidade social corporativa), irão originar uma outra tendência em Angola nos próximos anos -- a da “assistencialização selectiva” da provisão dos serviços de saúde às comunidades, fortemente orientada por objectivos de marketing político e social do partido no poder e das grandes empresas multinacionais que mais se beneficiam com a “bolha” económica petrolífera (tendência ainda embrionária, mas já perceptível nos nossos dias).

23 Crítica cada vez mais recorrente feita à ajuda internacional por pesquisadores e especialistas de saúde pública (vd. por exemplo, Reich et al, 2008).

24 Uma das reflexões que nos parece importante a fazer (e que extrapola os limites desta avaliação), para melhor analisar essa realidade, deveria se debruçar sobre o papel/peso institucional dos próprios

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Igualmente preocupante, parece ser o peso dos organismos e agências internacionais da área da saúde no leque de influências dessa polarização temática no VIH/SIDA nos países africanos e em Angola (WHO, UNAIDS, WB, etc.). Ou, mais ainda, o jogo de interesses económicos astronómicos, perceptíveis à escala mundial, que podem estar por trás dessa realidade. Tanto com relação a essa polarização (VIH/SIDA), quanto às opções metodológi-cas para o combate à pandemia (tipo de prevenção, modalidades de tratamento, etc.).

Seja como for, falando especificamente do trabalho na área do VIH/SIDA -- e mesmo com todas as reservas acima mencionadas quanto à estratégia macro-sectorial do Programa -- , pudemos extrair desta avaliação uma conclusão geral sobre seus resultados práticos mais significativos. Estes, como analisamos com maior pormenor adiante (vd. 7.3), situam-se mais no campo da difusão/divulgação da informação e das mudanças na consciência social (populações, administrações municipais/locais, e.g.), do que no das políticas públicas ou das mudanças práticas no comportamento social (de difícil avaliação rápida sem o apoio de estudos de campo preliminares). Valendo lembrar que esses resultados são polarizados na Região Sul (em especial na Huíla), nos segmentos sociais mais urbanizados e não são fruto do trabalho exclusivo dos contrapartes avaliados, mas sim de um amplo leque de ONGs e outras entidades actuantes na região (destacando-se a Rede temática provincial).

Ou seja, evidenciaram-se contribuições significativas (embora pouco mensuradas ou mensuráveis nos limites deste trabalho) para a ampliação da divulgação dessa temática (campanhas, emissões de rádio, trabalho da rede de activistas, etc.) e indícios da sua contribuição para a mudança da consciência das populações e autoridades locais (as quais passaram a dialogar e a colaborar mais com a SC e as ONGs sobre o tema) sobre suas causas, consequências e importância vital do seu combate.

Em contrapartida, não se encontraram evidências de que esse trabalho já tenha conseguido influenciar significativamente as políticas públicas provinciais ou municipais (muito menos as nacionais). Impacto que, todos concordam, necessita de mais tempo de maturação e de outros incentivos e inputs para ocorrer de maneira substantiva (descentralização administra-tiva e das políticas/iniciativas no sector, dotação de meios adequados, etc.).

Também não foi possível determinar em que fase se encontrava a doença nas regiões/pro-víncias e municípios envolvidos (se está em expansão, controlada ou em declínio), pelo menos em moldes “finos” e seguros o suficiente para medir contribuição das ONGs (particu-larmente activas na região Sul). (25) Ou mesmo evidenciar de forma clara mudanças

financiadores/executores da ajuda (como a ON, e.g.) e suas agendas -- os quais geralmente possuem um forte aparato institucional e técnico-científico focado na temática do VIH/SIDA: reflexões estratégicas, políticas específicas, departamentos especializados, “experts” e pessoal sensibilizado/capacitado, etc. -- na indução desse tipo de foco temático nos países financiados. Dito de outra forma, sobre a sua parte de responsabilidade na relativa negligência dos outros temas da saúde pública (tais como malária, doenças diarreicas, tuberculose, tripanossomíase, etc.), para os quais possivelmente exista menos sensibilidade ou perícia no seio dessas instituições, ou com relação aos quais talvez se considere tratar-se do “business ou especialidade de outros doadores concorrentes” (como considerado por um entrevistado, Novembro de 2007).

25 Convém lembrar as dificuldades crónicas da produção estatística do país (metodológicas, de cobertura social, ausência de recenseamentos gerais, etc.) que constituem a base desse tipo de estimativas. Ou,

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comportamentais significativas (superação de tabus e preconceitos, redução dos comportamentos de risco, etc.). Não obstante alguns dos testemunhos colectados junto às equipas das ONGs tendam a confirmar que, se essas mudanças de comportamento ainda não são generalizadas, elas já podem ser detectadas em alguns estabelecimentos hospitala-res e grupos de risco por eles observados (profissionais do sexo e camionistas, por exemplo) ou na juventude urbana mais escolarizada e esclarecida. O que significaria que há boas perspectivas para uma transformação gradual e radical desses comportamentos. (26)

Ainda sobre as políticas públicas de saúde (VIH/SIDA) e o papel das ONGs no seu seio, identificaram-se alguns constrangimentos sérios, que ajudam a explicar grande parte das dificuldades do combate à doença no país e ou o incipiente potencial da ONGs para exercer uma influência decisiva sobre essas políticas.

Com efeito, não obstante Angola se tenha dotado de uma panóplia de ferramentas legais, instituições e programas na área do VIH/SIDA, esse marco legal e programático (criado “para inglês ver”, segundo alguns críticos) parece ser desarticulado e pouco eficiente. Ou seja, na realidade, esse aparato funcionaria de forma bastante inconsistente e desorganiza-da, excessivamente vinculado à alta hierarquia do Estado, com fortes carências de recursos (ou dependente de donativos internacionais, mesmo nos anos de crescimento exponencial das receitas petrolíferas), de pessoal especializado (sobretudo nas províncias) e de sensibili-dade social e criatividade/perícia à altura do desafio do VIH/SIDA no país. Sendo, inclusive, impermeável às lições que se podem tirar de alguns avanços observáveis nos países da região (como no caso do Uganda). Essas características limitam fortemente sua eficácia real (excepto, talvez, no plano do marketing político perante os organismos internacionais e as possíveis inquietações das reduzidas classes média e alta nacionais).

Por outro lado, o papel específico das ONGs (participação e colaboração no seio das políticas de prevenção e combate) levanta alguns questionamentos. Tudo parece indicar que essa participação da SC organizada -- mais ou menos favorecida pela pressão dos principais doadores e agências internacionais -- , é quase que meramente “tolerada” pela maioria dos organismos e autoridades nacionais do sector, encarada com muita descon-fiança (por ser pouco controlável), pouco ouvida/consultada na prática, com pouco (e esporádico) acesso aos recursos e meios para a sua actuação, etc. Assim, e salvo algumas poucas excepções, em realidade ela serviria sobretudo para baratear alguns serviços (informação/divulgação social, distribuição pontual de meios de prevenção, aconselhamento/ apoio aos doentes, etc.) ou legitimar o cumprimento das recomendações dos financiadores quanto à “participação” social.

ainda, o uso politico, o secretismo e a retenção de informações (“herança da fase socialista”, segundo alguns) que envolvem tudo o que se refere à doença em Angola, algumas autoridades não hesitando em “decretar as taxas de prevalência do VIH/SIDA em suas regiões”, segundo os observadores mais críticos. Nesse contexto, as estatísticas provinciais tornam-se quase opacas, pouco confiáveis e tendem a traduzir muito pouco a realidade.

26 Lembrando, mais uma vez, que talvez o problema dessa medição esteja mais no meio utilizado (tipo de avaliação) ou nas suas circunstâncias (carência de estudos sérios/amplos ou de informação, e.g.), do que no objecto mensurado.

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Nessas condições, suas possibilidades de actuar de forma mais decisiva e eficaz, ou de influenciar as políticas do Estado na matéria ficam muito limitadas. Sobretudo, quando se trata de diminuir o peso das inércias burocrático-administrativas do seu aparelho adminis-trativo, de aumentar os recursos disponibilizados para o combate ao VIH/SIDA, de melhorar as abordagens e o diálogo/interacção com as populações e suas OSCs, de valorizar o papel das autoridades tradicionais nesse desafio, etc.

Essas dificuldades parecem ser agravadas pelas insuficiências das ONGs em geral, já longamente analisadas nesta avaliação (vd. 3.2.2 e 8.3, e.g.), e também por um certo “amadorismo” constatado na actuação de muitas das ONGs que se lançaram nessa temática às pressas (ou se criaram a partir dessa “janela” de oportunidades), sob a influência das “ofertas” de financiamento das agências doadoras, mas sem muita (ou qualquer) experiência e perícia nesse domínio. Muitas delas passando assim, nos últimos anos do período aqui avaliado, a funcionar como prestadores de serviços pouco preparados, sem experiência comprovada/acumulada na área, com poucos meios para se informar ou aprofundar sua reflexão temática, suas metodologias e ferramentas de trabalho desde então (muito menos para construir uma abordagem ou ferramentas estratégicas mais eficazes), etc.

Embora as ONGs financiadas pelo Programa da ON sejam, em geral, bastante diferenciadas do padrão “amador” acima esboçado, e despontem entre as que podem ser consideradas mais capacitadas e performantes na área do VIH/SIDA (em grande parte, graças aos esforços de agências como a ON), esse padrão de qualidade está longe de constituir a média da mais de uma centena de ONGs especializadas ou actuantes nessa área no país. Essa problemática é de suma importância, mesmo para as ONGs mais performantes apoiadas pela ON, pois elas dependem do trabalho em parceria e rede com as outras ONGs para que suas acções atinjam suficiente massa crítica. Pelo menos, em moldes a lhes facultar poder de influência sobre as práticas e políticas das instituições governamentais nas suas regiões. Mais ainda no plano nacional.

Essas insuficiências da actuação da maioria das ONGs talvez expliquem a relativa facilidade com que o Governo as tem mantido marginalizadas das instâncias de decisão e dos financia-mentos. Em todo caso, isso certamente justifica que se faça uma reflexão mais geral sobre as actuais linhas estratégicas (ou a ausência delas) (27) de actuação/participação das ONGs no combate ao VIH/SIDA. Mais precisamente, sobre a pertinência, o papel específico e a eficácia do seu trabalho. Em especial, para contribuir mais decisivamente do que no passado para uma inflexão dessas políticas públicas sectoriais no sentido de aprimorar seus métodos e abordagens, aumentar seus meios e cobertura social e melhorar sua eficácia real.

27 Esta assertiva ou hipótese (ausência de linhas de actuação claras), aparentemente excessiva, torna-se mais compreensível quando se deixa de confundir “estratégia de combate ao VIH/SIDA” em termos globais e operacionais/práticos (e “colada” nas directrizes nacionais e internacionais para o sector), com o aprimoramento de uma “estratégia do papel específico das ONGs” (ou da SC organizada lato sensu) nesse combate, a qual deveria contemplar as formas para desenvolver seu peso/influência na construção e reformulação das políticas públicas.

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Educação

Quanto ao caso específico do direito à educação (SCO 2.2), mais precisamente da provisão de infra-estruturas e meios para desenvolver a educação básica na periferia da capital (única vertente trabalhada pelo Programa da ON), consideramos que essa actuação da ON foi bastante marginal no período (limitada a um contraparte). Nessas condições, torna-se difícil tirar ilações mais genéricas ou lições para a globalidade da actuação da ON. Contudo, as reflexões e recomendações que poderiam ser feitas sobre essa única experiência já se encontram detalhadas no corpo da avaliação (vd. 7.3, 7.4 e file da DWA).

Algumas recomendações (focadas na saúde)

i) Incentivar a clarificação do papel das ONGs na luta contra o VIH/SIDA e a construção de linhas estratégicas próprias de actuação nesse domínio (que não são forçosamente as mesmas dos doadores e ainda menos as do Estado), bem como de propostas/projectos próprios, que lhes permitam melhor evitar uma manipulação destinada a legitimar políticas públicas incoerentes e ineficazes, ou divulgar uma certa imagem de que “se está a fazer o que deve ser feito”, etc. Sobretudo, desenvolvendo a reflexão e construindo linhas de orientação que lhes permitam desenvolver seu trabalho nessa área de forma complementar aos serviços e entidades regulares de saúde (mas sem os substituir na provisão de serviços básicos, que são da responsabilidade primária do Estado) e de forma mais estreitamente articulada com o sector de saúde (em especial, os profissionais de terreno), as populações/comunidades e a SC em geral (especialmente os doentes). Inclusive, adicionan-do a todos estes níveis as “mais valias” do trabalho das ONGs (mais flexível e menos burocratizado, mais perto das populações, mais sensível à diversidade cultural, etc.). Entre os exemplos de domínios que representam janelas de oportunidade para isso, destacam-se os estudos/levantamentos de campo com sensibilidade sociológica, o uso de metodologias participativas, a capacitação e enquadramentos de activistas e as campanhas massivas de divulgação/sensibilização social alargada nos meios urbanos e rurais mais;

ii) Recomenda-se, de forma articulada com a recomendação anterior e com base nos mesmos princípios nela enunciados, uma contribuição decisiva do Programa Angola para ampliar a abordagem de trabalho das ONGs com relação ao direito aos serviços básicos de saúde. Ou seja, levando a uma gradual correcção do seu actual foco quase exclusivo no VIH/SIDA, evidando esforços para alargar essa abordagem às outras doenças endémi-cas com forte impacto na saúde pública, na qualidade de vida e na capacidade de reprodução social da populações mais pobres (especialmente das comunidades que são alvo das acções apoiadas pelo Programa da ON) -- vd. análises em 7.1 e box 7.2;

iii) Dar continuidade de forma mais sistemática e programada a um trabalho até agora desenvolvido de forma esporádica: o apoio à qualificação do trabalho das ONGs sobre esta temática, o incentivo à sua actuação colectiva (em rede, por exemplo) e à criação de sinergias (entre as ONGs, entre estas e as OSCs em geral, entre ONGs de várias regiões,

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etc.). Neste intuito, cabe destacar a necessidade de se trabalharem em paralelo dois aspectos complementares fulcrais para o sucesso e eficácia deste apoio:

a urgência de se aprimorar a ferramenta “trabalho em rede”, de forma a superar os seus limites e distorções actuais (polarização do protagonismo da rede, das decisões e dos recursos/apoios em pequenos grupos de ONGs privilegiadas, geralmente de Luanda e das capitais provinciais, por exemplo);

abandonar o princípio de incentivar de “cima para baixo” o trabalho nesta temática a todas as ONGs, de forma indiscriminada (tendência homogeneizadora observada no passado, levando ONGs com foco e/ou perícia em outras áreas a se lançarem em mais esta, com sérios riscos de dispersar suas atenções, diluir a qualidade das suas outras actividades e, em todo caso, de obter resultados medíocres. (28) Em termos mais globais, (29) conviria ponderar uma estratégia de equilíbrio bastante delicado, mas não impossí-vel: que privilegiasse a busca da qualidade das ONGs apoiadas/incentivadas para actuarem neste domínio (traduzida na sua motivação, capacidade e qualidade de trabalho na área, no seu potencial para obter resultados significativos, etc.), aceitando uma redução razoável do seu número global, (30) mas sem induzir níveis inaceitáveis de exclusão das ONGs menos experientes ou profissionalizadas ou actuantes nas regiões mais isoladas (de forma a preservar o potencial de envolvimento das ONGs menores, mais informais, das províncias mais interiores, com menos lobby em Luanda, etc.).

iv) Por fim, recomenda-se colocar a principal ênfase do Programa da ON nesta área (SCO 2.1) na contribuição para incentivar o desenvolvimento das políticas públicas (de provisão de serviços básicos de saúde) socialmente mais abrangentes/inclusivas e eficazes (o que coloca a problemática da cobertura nacional e dos meios disponibilizados, inclusive em termos de parcela das receitas/OGE), devidamente interpretadas no sentido mais amplo da leitura proposta em ii) acima. Por outras palavras, alargando essa abordagem às principais doenças endémicas mais relevantes da problemática da saúde pública no país, trabalhando-as tanto quanto possível de forma articulada entre elas e com o VIH/SIDA.

Esta ênfase nos parece de extrema urgência e importância para complementar e consolidar os esforços centrados em criar melhores condições de vida/subsistência, de produção e de reprodução social (aim 1) nos ambientes rural e peri-urbano que constituem o foco territorial

28 Exemplo típico de indução das actividades das ONGs pelas agências da ajuda, por várias razões. Por exemplo, a prática de oferecer ou “vender” recursos “amarrados” à aplicação em determinadas áreas na moda. Ou, ainda, para cumprir com orientações estratégicas e programáticas “de cima” (dos financia-dores) que, de certa forma, obrigam a desenvolver programas de apoio “em baixo” (junto aos financiados) que devem contemplar/incluir todos os temas da agência doadora.

29 Ou seja, “global” no sentido de uma estratégia a ser desenvolvida não só pela ON, mas a ser incentivada e paulatinamente partilhada com outras ONGs internacionais e agências parceiras.

30 Sobre esse aspecto numérico e seus excessos, é bem conhecida da tendência, observada em Angola e outros países, das ONGs literalmente “se precipitarem” para entrar nas redes temáticas “à caça de recursos”, mas sem qualquer experiência ou actuação relevante particular no tema. O que, inclusive, reforça a tendência das redes a acabarem por funcionar à volta de um pequeno grupo de associados, sobretudo quando escasseiam os recursos.

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do Programa da ON (os mais esquecidos e descobertos por esse tipo de serviços ou amea-çados na sua sobrevivência pelas doenças em questão).

Em termos práticos, ela se operacionaliza no incentivo a acções de articulação institucional e trabalho em rede, de estudo e diagnóstico, de informação/capacitação, de advocacia social e lobby e outras que envolvem não só os contrapartes da ON, mas igualmente a rede de parceiros estratégicos do Programa Angola (destacando-se as redes temáticas, as entidades do sector da saúde, as grandes ONGs nacionais e internacionais e as agências de desenvol-vimento) e demais actores sociais relevantes sensíveis a essa problemática e/ou podendo ampliar a sua divulgação (incluindo organizações sindicais de segmentos sócio-profissionais estratégicos, como os professores, enfermeiros e jornalistas, e.g.).

Por fim, e complementarmente, duas outras ampliações da leitura estratégica dessa abordagem (sobre saúde pública) se impõem para consolidar e conferir maior eficácia de resultados a essa ênfase programática: a sua promoção e revindicação fortemente apoiadas nos direitos sociais das populações (vd. aim 4 a seguir) e, mais uma vez, na valorização social e promoção do papel da mulher no seio dos serviços e atendimentos que essas políticas visam ampliar. Esta última ênfase é vital não só devido ao protagonismo das mulheres em entidades particularmente sensíveis a essa temática, susceptível de alargar a base social desse trabalho (associações e organizações femininas, por exemplo, mesmo se embrionárias), ou a preocupações de equilíbrio de género. Mas igualmente, e sobretudo, pelo papel destacado da mulher na vida das famílias e comunidades, o qual inclui uma maior carga de responsabilidade social na manutenção e criação dos filhos e na “administração” das situações de doença do universo das famílias/comunidades. Sendo, consequentemente, a mais directamente atingida e prejudicada pela carência de políticas públicas.

• Right to be heard (aim 4)

Algumas conclusões

Uma das primeiras conclusões que podemos tirar (a mais óbvia) é que se o peso do contexto foi decisivo para os resultados alcançados nas duas temáticas anteriores (aims 1 e 2), ele foi um factor ainda mais vital e condicionador desses resultados no âmbito de um tema fortemente impregnado de interesses políticos e económicos, da base ao mais alto nível da sociedade e da administração do Estado angolano.

Analisamos longamente as transições da sociedade angolana (parte II e capítulos 6, 7 e 8 a seguir) e ficou bastante claro que a dinâmica dessas transições (especialmente nas duas últimas décadas) foi, com toda a certeza, fortemente influenciada por factores imponderáveis (a evolução da geopolítica mundial/regional, da guerra civil e da economia energética e suas reservas, e.g.). Estes representaram, de alguma forma, a sua “tela de fundo”.

Mas ficou igualmente patente nessa análise que o principal fio conductor das diversas fases desse processo de transição, desde finais da década de 1970, foi configurado pela “constru-ção” (no sentido de uma emergência a partir de uma vontade política continuada e da organi-

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zação dos meios institucionais e materiais para tal) de um novo estamento ou classe social dominante, misto de elite política e de bourgeoisie nacional. Fenómeno esse que ocorreu em paralelo com uma accelerada apropriação privada (ou, mais propriamente, apoiado nessa privatização) de parte substantiva da riqueza do país -- activos económicos do antigo regime colonial e grande parte dos recursos naturais com alto valor de mercado actual ou futuro, e.g. --, com a centralização crescente do poder e das decisões numa gestão autocrática do Estado e com o protagonismo sem precedentes do seu entourage mais próximo.

Desde logo, não admira que os resultados práticos neste domínio temático (seus avanços e recuos) tenham sido tão directamente condicionados e constrangidos pelo contexto geral da última fase dessas transições (2002-2007), quando as tensões abertas ou latentes do ambiente geral do país (institucional, sócio-económico e político-eleitoral) tenderam a se exacerbar, com sérios impactos na margem de actuação e na eficácia de resultados da SC organizada (e, portanto, dos contrapartes e parceiros da ON). Especialmente, se tomarmos em consideração o papel estratégico e polémico (nesse contexto geral e de interesses em jogo) dos temas em que se polarizaram as actividades do programa da ON em Angola aqui avaliados: contribuir para democratização e a boa governação, para consolidar a partici-pação/protagonismo da SC organizada e para o reconhecimento dos direitos fundiários e a luta pelo acesso à terra das populações/comunidades rurais e suburbanas mais excluídas.

O balanço global que se pode fazer sobre os resultados alcançados ou alcançáveis com relação a esses três temas-chave desta vertente do Programa é bastante contrastado, complexo e “arriscado” (no sentido do grande peso do subjectivismo nessas análises). Inclusive, pela natureza desses temas, com relação aos quais todos concordam que os ganhos/resultados ocorrem de acordo com uma lógica temporal diferenciada da dos projectos (geralmente, dependem de prazos mais dilatados do que os dessas acções de curto prazo). Pelo peso excessivo dos factores externos e imponderáveis (que escapam totalmente ao controle dos projectos) na condução dos processos executivos ou, mais ainda, no constrangimento da sua eficácia e resultados finais. Com a agravante de que estes factores ocorrem em várias escalas espaciais e órbitas políticas (local, nacional e internacio-nal) e envolvem um leque muito diferenciado de agentes de difícil envolvimento ou influência directa ou indirecta através dos projectos.

Posto isso, podemos arriscar, em poucas palavras, algumas conclusões de cariz muito geral (a maior parte das quais foi já analisada com mais profundidade no capítulo 8) que decorrem da convergência de várias evidências ou indícios observados:

Democracia e boa governação

No que respeita a este tema, não é exagero concluir que o maior sucesso ocorreu na contri-buição do Programa para a manutenção da visibilidade ou focos nacional e internacional sobre essas questões em Angola (ou seja, nas agendas políticas nesses níveis). Muito embora os avanços práticos observados nessas áreas tenham sido bastante modestos (e se assimilem mais a maquillages do que a mudanças profundas no processo de governação). O que só foi possível, em particular, graças à emergência de um contexto económico e

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geoestratégico favorável, que tendeu a garantir um lastro ou autonomia financeira conside-rável ao país, tornando-o mais “imune” do que no passado às pressões “democratizantes” internacionais (ainda mais no domínio da transparência). Aliás, estas conheceriam uma relativa “acalmia” nos últimos anos, possivelmente ditada pela renovação do jogo de interes-ses económicos na região ou devido a novos players internacionais de peso actuantes no país.

Contaram ainda, para esses resultados mitigados, as incipientes consciência e adesão da SC organizada (com raras excepções) e da população angolana em geral às campanhas internacionais como as que são apoiadas pela ON e outras ONGs internacionais. Principal-mente, devido à pouca correspondência dos seus temas e abordagens com as preocupa-ções ou prioridades da imensa maioria das populações locais, mesmo dos seus segmentos mais urbanos e escolarizados/informados (vd. box 8.5).

No entanto, não podemos deixar de mencionar alguns impactos modestos mas constatáveis, que colocam em perspectiva resultados crescentes em vários domínios. Como os ganhos na consciência social/política das populações urbanas, por exemplo. Ou as iniciativas cada vez mais comuns nas áreas dos DH e civis, tanto por parte dos segmentos sociais mais informados, das OSCs (especialmente das ONGs) e suas lideranças ou da comunicação social, como por parte de algumas entidades governamentais (inclusive, de nível provincial).

Nesse contexto, o trabalho das ONGs internacionais apoiadas pelo Programa (tais como GW e HRW) verificou-se relativamente importante, tanto pela sua capacidade de ter um certo impacto sobre as políticas e decisões do Governo (graças à visibilidade internacional desse trabalho), quanto pela suas relações de complementaridade com o trabalho das ONGs sediadas no país. Especialmente, em termos de inputs de análise/informação, de ampliação da visibilidade desse trabalho (função “caixa de ressonância”) e do eventual apoio de retaguarda que elas podem disponibilizar para defender a continuidade do activismo das ONGs angolanas em áreas politicamente “sensíveis”. Pesem embora o facto de que estas complementaridades carecem de nítidas melhorias ou as insuficiências observadas na actuação dessas ONGs internacionais, sobretudo para alcançar resultados mais concretos e significativos no seu apoio institucional às ONGs angolanas.

Podemos concluir que os avanços práticos globais do país (traduzidos em políticas de Governo) sobre o tema democracia e boa governação são ainda muito tímidos e ambíguos. Um exemplo sobejamente conhecido é o da condução da economia extractiva e da gestão estatal das suas receitas.

Por outro lado, como dissemos, também importa destacar que esse tipo de mudanças são de lento amadurecimento e dependem de contextos nacional e internacional muito amplos, com muitos actores (vd. exemplo do box 8.6). Razão pela qual torna-se difícil mensurar a contribui-ção dos contrapartes do Programa da ON (especialmente no quadro de uma avaliação rápida deste tipo).

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Protagonismo da SC organizada

Os principais resultados foram sem dúvida constatados na actuação das ONGs históricas do Programa da ON na região Sul (especialmente na Huíla) e sua contribuição para consolidar a emergência e protagonismo de dezenas de OSCs/ONGs locais. Note-se que esses resultados foram fruto de um trabalho a “várias mãos” ou associado à criação de sinergias entre as ONGs (levado a cabo por dois contrapartes e suas redes de parcerias nas províncias) e com uma abordagem de longo prazo -- iniciada na década de 1990 e, de certa forma, continuada pelo Programa durante a fase avaliada (2002-2007).

Os resultados verificaram-se muito mais incipientes com relação ao incentivo do protago-nismo das ONGs em outras regiões (Luanda, e.g.) ou de ONGs especializadas (ou com vertentes de trabalho) em certas áreas temáticas (DH e advocacia social, e.g.). Em parte, devido às abordagens adoptadas para tal. Estas mostraram-se demasiado “esporádicas” ou sem continuidade assegurada (em todo caso, sem a persistência histórica observada na região Sul) e com insuficiente amadurecimento (estratégico e metodológico, por exemplo). Mesmo se os avaliadores estimam que essas outras experiências carecem de uma avaliação mais apurada do a que puderam realizar nas circunstâncias desta avaliação (especialmente as levadas a acabo nas periferias de Luanda).

Ficaram, contudo, algumas dúvidas sobre a sustentabilidade desses resultados globais do apoio às OSCs/ONGs emergentes, em especial no difícil contexto que cada vez mais envolve a actuação dessas organizações em Angola (carência de meios e recursos, enqua-dramento institucional autoritário, fuga de quadros capacitados, riscos de cooptação política, etc.). Embora esta só possa ser aferida com mais propriedade no longo prazo, são aponta-das desde já algumas críticas de fundo à sustentabilidade desse trabalho (por exemplo, este teria tendido a colocar o foco nos processos executivos e a negligenciar a qualificação das organizações em termos de pensamento estratégico e de construção de alianças/colabora-ções e sinergias).

Identificaram-se, ainda, algumas outras “ausências” ou “oportunidades perdidas” nesse domínio de actuação. Por exemplo, não se encontraram evidências de que a actuação do programa da ON tenha se destacado do padrão das demais ONGs internacionais e agências doadoras com relação ao envolvimento das OSCs mais informalizadas e/ou de base popular (grassroots organizations), o qual é francamente incipiente. Não obstante os esforços feitos na região Sul, (31) tudo indica que esse envolvimento foi bastante marginal e tendeu a privilegiar as OSCs oriundas da classe média e dos meios urbanos. Por outro lado, pode-se dizer que essa actuação foi igualmente marginal com relação às outras formas de protagonismo social (as organizações sindicais ou de massa/membros, por exemplo).

31 Por exemplo, através do FUPEP ou do PGDR. Este último financiado pelo BM e indirectamente apoiado pela Programa da ON.

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Acesso à terra

Neste domínio do reconhecimento dos direitos fundiários e do acesso à terra das popula-ções/comunidades rurais e suburbanas menos privilegiadas podemos afirmar -- encontra-ram-se suficientes evidências comprovando-o -- que os resultados mais palpáveis deram-se em dois planos: (i) na contribuição histórica e decisiva dos contrapartes do Programa da ON (com o apoio da ON e de vários outros doadores) para a entrada em força da problemática fundiária rural e urbana na agenda política do país, bem como no (ii) seu empenho e resultados obtidos na divulgação social dessa problemática do acesso/direitos à terra dos mais pobres, com indícios de ganhos substanciais de consciência social à escala nacional (sobretudo nos meios rurais de algumas regiões e na grande área metropolitana de Luanda).

Mais uma vez, importa destacar que se tratou de uma temática de trabalho iniciada na década de 1990 (portanto, de amadurecimento e resultados só observáveis a longo prazo) e associada à criação de ferramentas de incentivo à colaboração e à construção de sinergias no seio da SC organizada (redes temáticas de ONGs em nível nacional e regional, e.g.).

Não foi possível obter evidências que confirmassem o mesmo sucesso no domínio de um aspecto vital: o reconhecimento efectivo dos direitos das populações. Muito pelo contrário. Não obstante a actuação das ONGs tenha sido decisiva para prolongar o debate nacional sobre a nova Lei de Terras (inclusive, com um nível de envolvimento da SC jamais visto), ou nela introduzir maior sensibilidade para com a sua operacionalização prática no contexto sociológico e cultural do país, forçoso é constatar que essa sensibilidade sociológi-ca e o reconhecimento dos direitos adquiridos ou costumeiros que dela poderiam advir não foram substancialmente reconhecidos ou preservados na forma final do diploma. Assim, a despeito de alguns avanços, abundam na lei regulamentada inúmeros “esquecimentos, omissões graves e indefinições. O que configura um balanço geral muito aquém do esperado (vd. análise pormenorizada em 8.4).

Destacando-se, na miopia face ao “país real” ou na inobservância dos direitos sociais das populações na forma final da lei, os casos flagrantes dos direitos das mulheres e dos sistemas costumeiros que regulam o uso do fundiário nas comunidades tradicionais do meio rural -- dois segmentos largamente maioritários da população do país. Tornando esse diploma, por conseguinte, de implementação muito conflituosa e com risco de sérias conse-quências negativas para o acesso da maioria da população à terra -- a qual representa o activo mais básico para que esta população possa assegurar condignamente sua subsistência, sua reprodução social e sua moradia.

Pelas razões acima, não admira que muitos observadores concluam que subiste um certo sentimento de frustração ou sejam de opinião de que as ONGs foram “iludidas” por um processo de consulta da SC “largamente manipulado” ou de “cartas marcadas”. O que, segundo esses críticos, era previsível em face dos “altos interesses” em jogo e da “cultura do esbulho” do património (do Estado e das populações) que cada vez mais caracteriza o modus operandi de uma certa elite ascendente.

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Por fim, pode-se identificar pelo menos uma oportunidade perdida no âmbito dessa actuação das ONGs: a ausência de uma campanha massiva de informação/preparação da legalização das terras com condições para atingir amplamente as populações rurais e peri-urbanas. (32) Isso só ocorreu de forma muito limitada e os casos mais adiantados de preparação da legalização de terras comunitárias só se deram à medida em que as ONGs tiveram que mediar alguns conflitos esporádicos.

Algumas recomendações

i) Antes de mais nada, insistimos mais uma vez na necessidade do Programa contribuir de forma mais eficaz e massiva a qualificação das abordagens e do trabalho prático das ONGs, seguindo-se os princípios já indicados em ii) do aim 1 anterior: com base numa aprendizagem que alie teoria e prática e busque assegurar a sua retro-alimentação a partir da monitoria/acompanhamento dos resultados das experiências de campo das ONGs. (33)

Neste caso específico, deverão ter particular destaque os estudos e diagnósticos para orientar a maneira de se trabalharem os sub-temas ou vertentes do tema global right to be heard (tais como os que foram aqui analisados e outros possíveis). Em especial, para enraizar essa actuação na(s) cultura(s) local(ais), adequá-la às tradições/práticas da SC (linguagem e conceitos mais apropriados, modalidades tradicionais de advocacia social, etc.) e facilitar sua incorporação social. Mas esses diagnósticos deverão igualmente identificar outros aspectos-chave. Entre estes destacamos: o tipo de direitos ameaçados a defender em prioridade (ou as formas como tais ameaças ou desrespeitos se manifestam e operam no contexto local, suas consequências, etc.), o tipo (e a formatação) das campanhas com maior potencial de penetração/adesão social ou os actores/agentes de mudança com maior potencial estratégico (da SC, do mercado e do Estado) e as modalidades de trabalho/ diálogo e envolvimento construtivo desses actores.

Em suma, uma qualificação das ONGs e suas equipas feita nesses moldes assume, outros-sim, um papel vital de clarificação das modalidades estratégicas para uma actuação mais eficaz no domínio deste aim 4. Ao mesmo tempo em que certamente limitaria as leituras e abordagens equivocadas da realidade local ou mecanicamente importadas de realidades sociais/sociológicas muito distintas -- ou mesmo algumas leituras demasiado influenciadas pelos brilhantes thik tanks com vínculos políticos e institucionais ou engajamentos no campo da “democracia” e da “paz” que podemos considerar, pelo menos, duvidosos. (34)

32 Muitos sustentam que havia condições para tal (para avançar nessa consciencialização das populações, no levantamento das terras comunitárias e dos conflitos, na preparação da regularização, etc.), muito embora a regulamentação final da Lei só tenha sido oficializada em 2007 (com muito poucas inovações com relação à Lei aprovada anos antes, diga-se de passagem).

33 Lembramos que foi justamente este acompanhamento e seu aproveitamento para assegurar continuidade da capacitação que mais faltou em experiências passadas do Programa da ON neste domínio (vd. o exemplo das acções de sensibilização/capacitação do JOAI na área da advocacia social).

34 Como por exemplo, com relação às instituições desse tipo que pululam nos USA: Instituto da Paz (ligado ao Congresso americano), Center for Strategic and International Studies (ligado a companhias como Coca-Cola, Time Inc., Lehman Brothers, Exxon Mobil, Merrill Lynch, Morgan Stanley, etc.), National Democratic Intitute for International Affairs (liderado pela bem conhecida “democrata” Madeleine Allbright),

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ii) No que concerne o trabalho na área dos DH, recomenda-se “radicalizar” a actuação nessa área, ultrapassando o foco nos direitos civis (individuais e políticos/eleitorais, e.g.) ou de “primeira geração” dos DH, de inspiração marcadamente liberal clássica. (35) Estes, de certa forma, foram bastante privilegiados nos programas da ON em Angola na última década, em parte devido às próprias circunstâncias do contexto local.

Com efeito, no contexto da adesão à economia de mercado (e às liberdades individuais subjacentes) e da guerra/pós-guerra, essa área foi naturalmente privilegiada para consolidar o processo de pacificação e democratização, em paralelo com a consolidação do sistema de propriedade privada e da liberdade de empreender. Assim, pode-se dizer que essa promo-ção da “desmontagem” dos princípios e do Estado “socialistas” da década de 1970 favoreceu o foco das atenções da ajuda internacional numa leitura dos DH como direitos civis. Processo facilitado pelo viés ideológico, a tradição liberal e os interesses económicos mais imediatos da grande maioria das agências internacionais e da ajuda bilateral. (36) As ofertas do mercado local da ajuda, por seu lado, incentivaram a actuação e as especializações de ONGs nos DH com essa leitura restritiva. Mas tendeu a esquecer ou negligenciar as demais dimensões/leituras dos DH, geralmente mais associadas ao conceito de "justiça social". (37)

Nesse contexto, uma organização como a ON, que pauta sua actuação numa leitura mais alargada dos DH, que considera os direitos económicos, sociais e culturais como parte integrante e significante dos direitos fundamentais do homem, deverá reforçar o incentivo do trabalho dos seus contrapartes nessas outras áreas dos DH. Sem, contudo, descurar da continuidade e aprimoramento das acções em temas da área dos DH e outros que já vêm sendo trabalhados (direitos civis e políticos, boa governação, e.g.), através de várias ONGs locais e internacionais (HRW e GW). (38)

International Republican Studies Institute (presidido pelo grande pacifista John McCain) e outros mais generosamente subsidiados pelas grandes corporações e partidos americanos. Poderíamos citar iniciati-vas similares ligadas a entidades supra-nacionais (UN, UE, etc.) ou a outros países com lobbies muito activos em Angola (como o UK na área da “descentralização”, e.g.).

35 Geralmente, considera-se que “os direitos civis e políticos da tradição liberal clássica, consagrados na Déclaration des droits de l’Homme et du citoyen de 1789, seriam os de “primeira geração”, enquanto os direitos sociais e económicos, ancorados na tradição socialista, seriam os de “segunda geração” (Lyra, 2002). Vd. igualmente as objecções de um dos maiores defensores do modelo liberal do Estado e inspirador das políticas de Margaret Thatcher (o que não é pouca coisa) com relação à aplicação dos direitos sociais e económicos -- a qual, na opinião desse ultraliberal, conduziria, inevitavelmente, à degradação e à abolição dos direitos individuais da primeira geração (Hayek, 1973).

36 Vale destacar que, de acordo com um analista da evolução dos DH ao longo do século passado, “a divisão do mundo em dois blocos político-económicos fazia com que se ouvisse, no campo dos movimentos liberais capitalistas, afirmações de que os direitos humanos económicos, sociais e culturais eram direitos comunistas, enquanto no campo dos movimentos de esquerda se ouviam afirmações de que os direitos humanos civis e políticos eram direitos burgueses.” (Lyra, 2002).

37 Por exemplo, não conhecemos muitas ONGs angolanas especializadas na área dos DH com foco e trabalho significativos na promoção dos direitos económicos, sociais ou culturais. Talvez as excepções mais notáveis a esse padrão de comportamento tenham sido a mobilização social para o debate sobre a Lei de Terras e contra os despejos nas periferias em Luanda. Mas ambos ainda com os resultados mitigados que se conhecem.

38 Aliás, a colaboração dessas ONGs (HRW e GW) com o Programa da ON poderia ser bastante consolida-da se suas abordagens e acções fossem melhor ajustas à agenda ou às necessidades/prioridades da SC angolana organizada (permitindo superar alguns insucessos do passado) e melhor aproveitados o

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Por outras palavras, deverá não só actuar em termos produtivos/concretos relacionados com esses direitos (papel que já é desempenhado pelos projectos dos aims 1 e 2, por exemplo), mas igualmente na área da promoção dessas outras dimensões dos DH através de acções de tipo informação/difusão social social, campaigning, advocacia social e lobby (mais características do aim 4).

Essa sugestão não se baseia apenas em razões de coerência programática. Ela visa sobretudo facilitar ganhos na eficácia e sustentabilidade no Programa. No nosso entender, mudanças significativas nas políticas sectoriais (no sentido de uma maior observância ou tradução desses direitos económicos, sociais e culturais em políticas efectivas) indispen-sáveis à promoção da paz e do desenvolvimento social em moldes sustentáveis, (39) só poderão ser alcançadas com uma articulação mais estreita do trabalho nesses aims 1 e 2 mais “concretos” ou pragmáticos com uma actuação mais “radical” no aim 4, pressionando pela definição/aplicação de políticas mais abrangentes e inclusivas nas vertentes econó-mica, social e cultural dos DH (ou em programas de acção governamental no campo desses direitos).

Sem as sinergias criadas por essa articulação e suas formas eficientes de ampliação da escala das pressões sociais (através de trabalho em rede no nível provincial/nacional, da penetração nos meios de comunicação social, da mobilização e das alianças na SC, etc.) os projectos (nos aims citados) continuarão a actuar de forma muito isolada e/ou a ter insuficien-tes “distanciamento” dos processos executivos (ou do activismo do dia-a-dia), massa crítica (em termos produtivos/económicos ou institucionais/políticos, de impacto sectorial, de pessoal actuante, etc.) ou capacidade de envolvimento e diálogo social ou institucional para conseguir realmente construir propostas e influenciar mudanças palpáveis nas políticas desses sectores.

Por último, referindo-nos tanto às políticas públicas aqui mencionadas como a outras em geral, recomendam-se maiores esforços da ON para incentivar a emergência em Angola (no seio da SC organizada) de iniciativas destinadas a incentivar os estudos/diagnósticos e melhorar as formas de acompanhamento/controlo social relacionados com a construção, aplicação e desempenho das políticas públicas (tipo “observatórios” provinciais vocacionados para a monitoria das políticas públicas sociais ou redes de ONGs especializadas na monitoria de determinadas áreas dessas políticas, e.g.).

iii) Com relação ao trabalho para a promoção dos direitos fundiários e do acesso à terra das populações menos privilegiadas, enfatizamos o que já foi dito acima: a urgência da contribuição da ON para se implementar no país uma campanha massiva de informação/ preparação e legalização das suas terras/posses, com condições adequadas para atingir as parcelas rurais e peri-urbanas dessas populações de forma ampla e eficaz.

potencial dessas ONGs, bem como os aspectos positivos e a experiência acumulada do trabalho dessas ONGs em Angola.

39 Note-se que hoje já se fala em “DH de terceira geração”, para se referir à promoção de temas como a paz, o desenvolvimento sustentável, o respeito/preservação do meio ambiente, etc.

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Ou seja, socialmente abrangente (em termos de público-alvo: os potenciais beneficiários, suas entidades, OSCs em geral, administrações, etc.); continuada no tempo e implemen-tada por fases (dotadas de metas bem definidas); dispondo de meios materiais adequados (a serem buscados/providos por um Fundo específico a criar, alimentado e gerido por vários doadores e ONGs, por exemplo); envolvendo na sua condução um largo consórcio de ONGs e demais entidades pertinentes da SC e do Estado -- especialmente a OAA (Ordem do Advogados de Angola) e entidades similares; recorrendo sistematicamente a múltiplos meios de comunicação oral e escrita e ao uso das línguas locais; etc.

No nosso entender, essa campanha deveria ter múltiplas vertentes/objectivos de trabalho articulados. (40) Dentre esses, destacamos 5 que reputamos os mais básicos:

estudar/levantar a situação fundiária (direitos e práticas de uso/posse costumeiros, património fundiário histórico das comunidades, etc.) e os conflitos existentes ou latentes envolvendo áreas familiares e colectivas/comunitárias (incluindo a criação de bancos-de-dados comunitários com esses fins, geridos pelas próprias comunidades);

difundir os direitos e deveres com relação à terra (de acordo com a nova Lei) e sensibilizar as populações e lideranças tradicionais ou outras sobre a urgência/neces-sidade da regularização e as formas legais para tal;

preparar e apoiar a implementação da regularização progressiva das terras, bem como a administração dos conflitos dela decorrentes, com o apoio de formas de facilitação/concertação e controlo comunitário desse processo. Inclusive, envolvendo as estruturas tradicionais e as OSCs e criando formas organizativas/associativas autónomas e representativas, (41) nos vários níveis territoriais (local/comunitário, micro-regional, municipal e provincial), com essa finalidade especifica -- defesa dos direitos fundiários das comunidades aliada à regularização fundiária.

criar mecanismos práticos de apoio e facilitação desses processos de regularização no nível de cada região/município (para diminuir custos, facilitar deslocações/ viagens, reagrupar processos, intermediar contactos/negociações, etc.);

assegurar a continuidade do trabalho das ONGs (informação social, advocacia social, lobby, etc.) visando uma revisão dos aspectos controversos da nova Lei de Terras e da sua regulamentação, de forma a introduzir ajustes e disposições legais para melhor

40 Por outro lado, enfatiza-se igualmente neste domínio o que foi dito várias vezes ao longo deste relatório: a necessidade de valorizar o papel da mulher e de fazer valer os seus direitos. Neste caso, com relação à terra: facilidades de acesso, reconhecimento do seu uso, regularização em seu nome, etc.. Mesmo se for preciso ir, de certa forma, a contra-corrente do instituído na Lei (procurando, em paralelo criar jurisprudên-cia nas práticas do reconhecimento e regularização desses direitos), em moldes a reforçar a luta em prol de futuros ajustes favoráveis ao reconhecimento dos direitos das mulheres nesse diploma legal.

41 A não confundir com as redes temáticas já criadas (no nível nacional ou em províncias como a Huíla, por exemplo), que são da órbita dos “mundo” das ONGs prestadoras de serviços. Estas não representam nem devem representar as populações e comunidades aqui mencionadas. Tal equívoco seria fatal para a qualidade e legitimidade social desse processo, que deve fazer tudo para criar suas bases e autonomia na auto-organização da própria população/comunidades interessadas, ou para os seus resultados (muito embora essas redes devam obrigatoriamente participar activamente desse esforço conjunto, obviamente).

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garantir e proteger os direitos e os interesses (ou património fundiário histórico) da população em geral, e das comunidades rurais e das mulheres em particular.

iv) Com relação especificamente ao incentivo à participação e protagonismo da SC organizada, nossa primeira recomendação vai para um melhor aproveitamento da experiência da Huíla (FUPEP) com vistas a relançar e aprimorar uma actuação mais decisiva da ON no domínio do apoio à emergência e capacitação/qualificação das OSCs (em face da relativa “letargia” ou precariedade dessa actuação específica nos últimos anos, especialmente em termos de meios).

Esta nova iniciativa de “apoio/construção institucional” seria devidamente sustentada em mecanismos similares aos do FUPEP: destaque para capacitação/qualificação de RH; “apoio financeiro selectivo” aos pequenos projectos de arranque das OSCs (ou de sua iniciação no terreno); prioridade às OSCs com melhores resultados (nas etapas de capacita-ção) e maior potencial de trabalho (após avaliação institucional e das propostas); destaque à monitoria da execução das acções financiadas; gestão/operação global nos mesmos moldes (por um conjunto solidário de ONGs gestoras/apoiantes dessa iniciativa); etc.

Por várias razões, sugere-se que a sua implementação seja feita numa escala nacional, mas devidamente “regionalizada”, sob a forma de Iniciativas Regionais -- para facilitar as sinergias, as economias de escala, um melhor domínio das especificidades e necessida-des desse apoio consoante as regiões, etc. A começar pelas regiões “históricas” do Programa (42) e podendo se expandir para outras regiões, à medida que isso se justifique na estratégia de expansão territorial da ON. (43)

Essa recomendação não significa dizer que a nova iniciativa de apoio/construção institucio-nal seguiria obrigatoriamente os mesmos moldes das experiências passadas. Muito pelo contrário. Ela deveria basear-se na avaliação preliminar das experiências anteriores, (44) de forma a tirar lições e, consequentemente, a melhor estudar os aspectos a conservar, a melhorar/corrigir ou a introduzir/inovar na nova iniciativa.

Dentre as modalidades operativas (das experiências passadas) que parecem merecer alguns ajustes e melhorias podemos destacar, por exemplo: os critérios de elegibilidade/partici-pação das OSCs; o ciclo das relações das ONGs com a iniciativa (que engloba sucessivas fases de preparação/apoio); (45) as modalidades/estrutura de gestão e acompanhamento

42 Ou seja, nas três províncias do Sul (assegurando uma certa continuidade do FUPEP ajustado) e na grande região metropolitana de Luanda (em municípios a identificar entre os 9 existentes, e aproveitando-se a experiência já acumulada com o apoio à DWA/CIP).

43 Isto é, em regiões/províncias ou regiões (Planalto Central, por exemplo) em que venham a ser encontra-das ou criadas condições locais objectivas para que essa iniciativa possa ser implementada dentro dos parâmetros mínimos globais observados nas demais regiões.

44 Principalmente do FUPEP da região Sul. Mas pode igualmente ser útil estudar complementarmente algumas modalidades e resultados de outras iniciativas (no Cunene e na região de Luanda, através do CIP, por exemplo), para melhor se perceberem os seus ajustes/variantes em realidades muito diferentes.

45 Este ciclo é parte de uma relação contratual/formal entre o “apoiante” e o “apoiado” e engloba várias fases sucessivas, tais como: candidatura inicial (da OSC), aceitação final (da OSC), capacitação preparatória (da equipa da OSC), elaboração e aprovação da proposta (do micro-projecto), execução do financiamento

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dos micro-projectos financiados; o sistema de M&A dos micro-projectos; (46) as modalidades de financiamento e a gestão/condução globais dessas futuras iniciativas regionais (tanto financeira quanto da informação/dados, do capital institucional/social acumulado, das formas de articulação e colaboração institucional a desenvolver após a fase de capacitação/financia-mento, etc.).

Por fim, essa nova iniciativa também deveria servir para ajudar a desenvolver novos meios -- política adequada, modalidades operativas facilitadas, metas claras, etc. -- para permitir ao Programa da ON dispor de uma ferramenta operacional e capaz de facilitar o alargamento da sua actuação em termos institucionais. Por outras palavras, tanto para ajudar a diversificar os seus contrapartes em Angola, saindo da actual polarização em uma dezena de grandes e médias ONGs, quanto para ensaiar os primeiros passos para envolver mais activamente as OSCs populares e mais informalizadas -- geralmente, com forte presença/enraizamento nas comunidades rurais e bairros periféricos e com fortes carências (organizativas, de capacitação, de apoio/recursos, etc.).

v) Ainda no âmbito da promoção da participação e protagonismo da SC organizada, e em poucas palavras, recomenda-se o desenvolvimento de maiores esforços (em termos estratégicos e programáticos, de modalidades operacionais próprias, etc.) para desenvolver uma actuação mais consistente e capaz de contribuir para desenvolver o papel e o protagonismo de outro tipo de OSCs e actores sociais estratégicos: as organizações de massa ou de membros (incluindo as organizações de base sindical ou socialmente segmentada, como as organizações de mulheres, de jovens/estudantes, etc.).

É bem verdade que as características de grande parte desses actores (passivo histórico e político, “cultura institucional” dominante, insuficiências de preparação dos RH ou na área da gestão, etc.) dificultam sobremaneira a operacionalização de um apoio criterioso e monitora-do à distância (padrão da ON). Mas Também é verdade que nos últimos anos têm surgido novas entidades do género (sobretudo na área sindical), que alguns estimam mais indepen-dentes dos poderes públicos e menos marcadas por esses constrangimentos (e que importa identificar, avaliar melhor, estabelecer “pontes”, etc.). Em todo caso, é certo que o aprofun-damento dos processos de desenvolvimento e democratização do país dependem em grande medida desses outros actores estratégicos, os quais precisam aprimorar o seu funcionamento e protagonismo e não podem nem devem continuar como os “parentes pobres” da ajuda internacional.

ou implementação (do micro-projecto), acompanhando e formas de reporting (da gestão/execução do micro-projecto), avaliação final dos resultados (do micro-projecto executado) e extracção de lições/conteú-dos (para retro-alimentar o sistema de capacitação e o banco de dados da iniciativa global).

46 Particularmente delicado considerando-se os valores ínfimos em jogo (financiamentos médios dos micro-projectos muito modestos) e a relação custo-benefício desse M&A. O qual (M&A), no entanto, possui um papel-chave em termos pedagógicos (capacitação das OSCs, melhoria da iniciativa global, etc.).

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5.3 Principais conclusões e recomendações: Estratégias, actores sociais, planeamento e M&A

• Sobre as conclusões

As análises elaboradas sobre estes aspectos no corpo do relatório já o foram de forma relativamente resumida (vd. sub-capítulos 4.1 e 4.2 da parte II). Portanto, essas partes do texto já apresentam uma síntese razoável das principais conclusões que poderíamos fazer aqui (ou mesmo das recomendações, como veremos).

Assim, para se evitarem repetições, no concernente às conclusões gerais nesses domínios recomenda-se a consulta das págs. 69 a 76, págs. 81 a 84 (sobre as estratégias e actores sociais) e pág. 85 (sobre os processos de planeamento e M&A).

• Algumas recomendações

Sobre estratégias, actores sociais e público-alvo

Algumas das recomendações relativas a estas estratégias foram já expostas no sub-capítulo 5.2 anterior. Mais especificamente, com relação aos ajustes e reforços estimados necessá-rios para consolidar a actuação do Programa da ON nos aims 1, 2 e 4 que foram mais desta-cados no Programa 2002-2007 e na avaliação.

De certa forma, já se abordaram, nessas recomendações, igualmente alguns aspectos referentes a domínios estratégicos mais abrangentes, que podemos lembrar em poucas palavras:

i) O alargamento do leque de actores sociais do Programa ou o reforço do envolvimento directo desses actores, seja como público-alvo ou como contrapartes. Por exemplo, as OSCs e pequenas ONGs populares informalizadas, as organizações de massa/membros e as entidades do movimento sindical. Inclusive, a recomendação anterior sobre o aproveitamento da experiência acumulada do FUPEP para criar uma nova iniciativa de “apoio/construção institucional” às pequenas OSCs/ONGs (vd. recomendações do aim 4) visa reforçar essa estratégia com meios práticos de actuação e financiamento. Por outro lado, enfatizou-se a necessidade de valorizar o papel e consolidar o protagonismo das mulheres (actor social de importância maior) – nos mecanismos da economia popular, na área do combate ao VIH/SIDA e da saúde comunitária/familiar em geral, na auto-organização das comuni-dades/produtores, nas acções de qualificação/capacitação dos RH, etc.

ii) O reforço da actuação e contribuição da ON na área das políticas públicas, especial-mente as voltadas para os mais pobres. A começar pelas políticas específicas no campo dos sectores trabalhados pelo Programa. Por exemplo, as relacionadas com o fomento da agricultura/economia rural de base familiar e associativa (ou do acesso à saúde e à educação).

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Com efeito, antes de mais nada, a proposta de abordagens mais focadas nestas políticas é vista pelos avaliadores como uma forma de apoio à actuação dos projectos de teor mais sectorial. Ou seja, como uma maneira de conferir maior margem de manobra e mais eficácia aos projectos dos contrapartes nesses sectores, para que estes possam contribuir para a emergência de políticas sectoriais para além da mera retórica, dotadas de programas de acção governamental efectiva (articulados com a SC e o sector privado, sempre que pertinente).

iii) Mas recomenda-se igualmente uma certa “radicalização” ou abordagem mais ampla das políticas públicas, que se relacionam com os DH de “segunda geração” (direitos económicos, sociais e culturais). Esta pode ser uma alavanca decisiva para permitir ao Programa evoluir para além dos “caminhos até agora trilhados” pela maioria das ONGs internacionais e nacionais (inclusive a ON), pelo menos em termos práticos e menos esporádicos.

Por exemplo, trazendo para a ordem do dia ou incentivando uma maior actuação das ONGs na luta pelos direitos das populações à saúde concebida em termos abrangentes e integrados (ou menos polarizados no VIH/SIDA). Isto é, incluindo as principais doenças que pesam na taxa de morbidade/mortalidade das populações e sua interdependência com a sub-nutrição, o acesso à água potável e ao saneamento básico, uma habitação em condições e uma educação/sensibilização sanitária e nutricional massiva das famílias).

O mesmo poderia ser dito com relação à educação, com um enfoque menos limitado à educação básica/infantil (de obrigatoriedade primacial do Estado e dispondo de inúmeras entidades nacionais e internacionais vocacionadas nessa área). Por outras palavras, com maior atenção a áreas de grande carência e impacto social, ainda pouco trabalhadas, como as diversas necessidades da educação de jovens e adultos (especialmente das mulheres). Desde a alfabetização de base às formações profissionalizantes e qualificadoras da mão de obra. Com a vantagem destas áreas representarem janelas de oportunidade ainda pouco exploradas para trabalhar em parceira com organizações de membros e sindicais, associa-ções do sector privado e alguns organismos internacionais, por exemplo -- portanto, com potencial para facilitar a ampliação dos actores sociais/institucionais envolvidos, o leque das parcerias, etc. Ou mesmo para enraizar mais o Programa da ON na SC e nas suas OSCs.

Ou, ainda, em outras áreas dos direitos económicos, sociais e culturais trabalhadas de forma ainda muito incipiente pelo Programa e as ONGs, incentivando uma maior preocupa-ção/actuação e contribuição das ONGs nessas áreas. Como, por exemplo, o direito/acesso à moradia/habitação em condições condignas (já mencionado com relação à área da saúde, mas a enfatizar pela sua grande importância social e face ao previsível recrudesci-mento dos conflitos nesse domínio).

Os direitos dos trabalhadores (laborais, sindicais,...) é outro exemplo. Este tema, embora bastante marginal na estrutura global da economia (devido ao peso da produção rural familiar e das actividades informais, a organização/sindicalização da massa laboral atinge principalmente os segmentos dos funcionários públicos), pode ter grande impacto nos meios

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urbanos e nas condições laborais e de vida de centenas de milhares de famílias (o Estado sendo de longe o principal empregador do país).

Ou, por fim, o direito/acesso à informação e à cultura. Seja criando condições/meios para defender/garantir ou aumentar a pluralidade da informação social no país, como para alargar esse acesso às populações periféricas e rurais mais isoladas. Seja, também, para que se dê mais atenção (na actuação do Estado, na informação social, nas campanhas informativas, no trabalho das ONGs, nas acções de capacitação, etc.) ao uso das principais línguas locais para difundir conteúdos que são essenciais para obter ganhos de informação, consciência e mudanças comportamentais/sociais mais significativas no seio da SC. (47) Mas também promovendo o resgate/valorização da diversidade das tradições e práticas culturais das populações rurais e/ou das minorias -- incluindo os conteúdos culturais e os saberes técnicos relacionados com a vida material dessas populações e minorias, com destaque para áreas tais como a medicina/farmacologia tradicional, os sistemas produtivos e o uso dos recursos naturais ou outras formas de adaptação/convivência sócio-ambiental com os meios naturais (todos eles representando “pontes” com as áreas sectoriais trabalhadas ou aims focados pelo Programa).

iv) Por fim, importa considerar ainda um outro nível de processos que exercem forte influência sobre o poder/Estado e a evolução da realidade angolana (um tipo de actores externos, de certa forma) e sobre os quais o Programa da ON tem actuado muito pouco (excepto indirectamente, através dos programas da GW e da HRW). Estamos a falar de processos ou actores globais ou supra-territoriais que escapam à maior parte dos aparatos legais e dos controlos institucionais e financeiros nos países em que actuam (como, por exemplo, as grandes corporações financeiras/bancárias -- mais precisamente, seus fluxos/circuitos financeiros e de interesses -- ou os carteis multinacionais ligados à exploração petrolífera).

Recomenda-se, com relação a estes, uma maior reflexão e esforços para conceber formas de actuar e abordagens específicas in loco (quanto mais não seja, para estudar e revelar a sua actuação, influências e impactos no país). Embora tenhamos consciência de que se trata de uma área delicada e difícil de trabalhar, é inegável que uma abordagem mais consistente desse tipo de temáticas e actores seria imprescindível para dar maior coerência ao Programa global e aos seus objectivos de mudança (e contribuir para a construção de uma maior consciência e visão crítica das OSCs e da SC em geral, sem a qual não poderão haver mudanças no horizonte).

v) Por fim, referindo-nos mais precisamente aos próprios processos de reflexão/formula-ção das abordagens estratégicas da ON (global e sectoriais), ou da melhoria/consolidação da sua adequação (ao contexto histórico, à leitura aprofundada da realidade local, às oportu-

47 E em áreas temáticas tão diversas como a democracia e as várias leituras dos DH (dos direitos civis aos económicos e sociais), os comportamentos de risco e a prevenção do VIH/SIDA, a valorização das mulheres e o equilíbrio de género, o uso das técnicas/tecnologias de produção, o associativismo/coopera-tivismo ligados à produção e comercialização, o micro-crédito, etc.

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nidades e prioridades, etc.), são feitas algumas recomendações a seguir (vd. planeamento e M&A) que são igualmente pertinentes e com potencial para facilitar e aprimorar esses processos. (48)

Sobre Planeamento e M&A (PMA) : Conselho Consultivo do Programa

vi) Primeiramente, com relação aos processos de PMA global do Programa pela equipa da ON em Haia (área destacada nas análises da avaliação), (49) sugere-se uma mudança significativa que, embora fuja aos padrões da actuação da ON no terreno, se justifica plenamente no difícil contexto da implementação dos projectos em Angola -- bastante complexo e sujeito a mudanças rápidas, que exigem medidas para, de certa forma, dotar a equipa de acompanhamento da ON de maior “presença” no terreno e “agilidade” na leitura das dinâmicas da realidade local (em especial, nesta fase de expansão territorial do Programa). Ou seja, recomenda-se a criação de um Conselho Consultivo para apoiar o planeamento e acompanhamento do Programa da ON em Angola. Não caberia aqui entrar nos mínimos detalhes desta proposta. Limitar-nos-emos a descrever em breves palavras aspectos que nos pareceram essenciais:

Papel: Através do conjunto de seus membros voluntários (e das entidades e sectores que eles representam), este Conselho teria um duplo papel de grande relevância:

uma fonte mais alargada de informação/consulta (com sensibilidades variadas e de alto nível) para apoiar a produção de análises sobre o país (macroeconómica, político-institucional, sectorial, social/sociológica, etc.) destinadas a alimentar o planeamento e a formulação de estratégias, especialmente nos domínios trabalhados pelo Programa;

uma base mais regular/permanente e estabelecida in loco para facilitar o acompanha-mento e a aferição continuados da evolução global do Programa global da ON, da sua expansão e das suas interacções dinâmicas com a realidade angolana (pertinência e adequação estratégicas, aproveitamento das oportunidades, política de parcerias, gestão dos constrangimentos, aferição dos resultados globais, etc.);

Objectivos e funções: Nesse intuito global, esse Conselho teria três grandes objectivos/ metas estratégicas, as quais configurariam igualmente as suas principais funções:

apoiar a elaboração das estratégias sectoriais e territoriais (regionais) do Programa bem como o acompanhamento regular da sua execução (através dos projectos/activida-des e outras contribuições dos contrapartes e demais entidades parceiras). O que incluiria

48 Por outro lado, são feitas ao longo da avaliação várias análises igualmente pertinentes à problemática dessa estratégia mais global da ON, com algumas referências à sua melhoria (vd. capítulo 4, e.g.).

49 Nas quais se destacaram as suas crescentes dificuldades, à medida que se sofisticam as exigências de profissionalismo e de burocratização dos processos administrativos e gerenciais dos projectos da ON. Em particular, reduzindo o tempo disponível para o trabalho no terreno -- não só para o acompanhamento das suas acções, mas igualmente para a percepção “fina” in loco e a análise aprofundada da realidade, as relações/contactos com os demais parceiros, a identificação de outros actores/colaborações e oportunidades, etc.

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a aferição da qualidade dos processos executivos (ligados ao desempenho dos contra-partes, campanhas, etc.) e a qualidade/extensão dos seus resultados/impactos;

facilitar a realização conjunta (envolvendo a ON, seus contrapartes e parceiros estraté-gicos e agentes dos sectores público e privado/empresarial) de estudos/diagnósticos, propostas e outras acções destinadas a incentivar a construção/melhoria e aplicação de políticas públicas favoráveis ao público-alvo da ON (e aos objectivos estratégicos do Programa). Em especial, quando essas iniciativas visam definir e alavancar acções progra-máticas governamentais concretas nas áreas temáticas da ON (aims) prevendo a participa-ção/envolvimento activo da SC/ONGs (especialmente dos contrapartes);

acompanhar a gestão (a ser realizada no dia-a-dia por estruturas de gestão próprias, sob responsabilidade de ONGs parceiras seleccionadas) e apoiar a orientação/pilotagem (a ser realizada pela ON) de duas outras iniciativas do futuro Programa, sugeridas para reforçar a materialização e operacionalização dos objectivos estratégicos do Programa da ON e do próprio Conselho:

a) as Iniciativas Regionais de apoio/construção institucional voltadas para o reforço do protagonismo da SC através das suas OSCs/ONGs sugeridas acima, que serão dotadas fundos próprios nos moldes do FUPEP (vd. recomendação iv) do aim 4);

b) um Fundo de apoio aos Estudos/diagnósticos sobre Políticas Públicas, a ser igualmente criado em paralelo com esse Conselho (vd. mais detalhes em vi) a baixo).

Modalidades organizativas e funcionais: Não se recomenda a montagem de qualquer estrutura “pesada” para o funcionamento do Conselho aqui proposto, tanto por razões de custos (que deveriam ser reduzidos) quanto para evitar a paulatina cristalização de poderes ou situações institucionais que pudesses criar um funcionamento de tipo “delegação local da ON”, com riscos de interferir no acesso/relacionamento directo dos contrapartes com a ON Haia. O Conselho sugerido deveria ser concebido como uma ferramenta da apoio e aconselhamento à monitoria do Programa realizada pela ON Haia, com estrutura e funcionamento soft e maleáveis (acompanhando as necessidades da própria evolução desse Programa) e com nível de burocracia administrativa reduzido ao máximo.

Seu funcionamento dar-se-ia na base de reuniões regulares de todo o Conselho (50): por exemplo, quatro reuniões anuais presenciais (ou reuniões trimestrais presididas pelos responsáveis do desk em Haia), complementadas por um funcionamento virtual (51) entre cada reunião trimestral presencial (seja entre os diferentes membros do Conselho em Angola ou entre estes e a ON Haia), para tratar dos assuntos e tarefas correntes definidas nas reuniões trimestrais. Podendo, inclusive, ser realizadas reuniões virtuais (via internet/skype)

50 Tanto quanto possível, a realizar em datas em que possam estar reunidos durante um dia inteiro pelo menos 2/3 dos seus membros (o ideal sendo um mínimo de 3/4).

51 Por “funcionamento virtual” entendendo-se troca de correspondência, informações, análises, documentos, etc. através de meios informáticos (internet).

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do todo ou parte dos seus membros e a ON, entre as reuniões trimestrais (sempre que isso fosse necessário, em especial para debater assuntos/temas importantes em curso).

Composição: Este Conselho, para a composição do qual não se recomendam mais do que dez a doze membros/conselheiros no total (inclusive, por questões práticas), (52) seria formado por pessoas voluntárias, (53) propostas e aprovadas pela ON em consulta com seus contrapartes, exercendo essas funções por períodos de 2 anos (renováveis uma só vez) (54) e com uma distribuição equilibrada nos seguintes moldes: representantes das entidades contrapartes (1/3 dos conselheiros), (55) de parceiros estratégicos da ON (1/3) e de personalidades convidadas (1/3) pela sua idoneidade, notório domínio/conhecimento da sociedade/realidade angolana (ou focos estratégicos do programa da ON) e/ou seu destacado protagonismo social no seio da SC. Na composição desse Conselho, deveria ser buscado um certo equilíbrio de competências/perícia (entre seus membros) sobre as principais macro-temáticas trabalhadas pelo Programa da ON em Angola. Se possível, com a possibilidade de dispor de alguns sub-grupos temáticos de conselheiros capazes de orientar a ON sobre os contornos de sua actuação/iniciativas em determinados temas (por exemplo, sobre saúde pública ou desenvolvimento rural com uma visão integrada, ou sobre DH com uma leitura alargada aos direitos de “primeira” e de “segunda” gerações, como a que enfatizamos atrás).

Secretariado, gestão da informação e assessoria: Obviamente, este Conselho deveria ser dotado de um secretariado próprio (em Angola) destinado a facilitar e organizar o seu funcionamento global (reuniões e pauta das reuniões, contactos, logística, etc.) sob a orientação da equipa de país da ON Haia. Uma das tarefas de grande relevância desse secretariado prende-se com a organização/gestão da informação (banco de dados do Programa) e documentação e sua difusão no seio do Conselho/ON/Programa -- base para melhorar a construção da memoria institucional do Programa para além do arquivamento de alguns documentos em Haia e nos projectos. Inclusive, elaborando um relatório anual sintético de apresentação/análise dos assuntos/temas acompanhados pelo Conselho.

Ulteriormente (e quando houvessem condições), poderia igualmente ser elaborado um boletim regular (semestral, e.g.) de divulgação ampla (pelo menos, junto a todos os

52 Um número muito pequeno poderia originar insuficiente diversidades de visões e leituras da realidade e dificultaria a realização das reuniões trimestrais com um número consistente de conselheiros (devido à previsível indisponibilidade de uma parte dos conselheiros em cada reunião trimestral). Um número muito grande tornaria a articulação entre os conselheiros e a ON mais “pesada” e limitaria a flexibilidade do funcionamento global (acerto de reuniões em datas convenientes para todos, por exemplo).

53 Ou seja, a qualidade de membro do Conselho ou “conselheiro” correspondendo a um trabalho voluntário não remunerado pela ON. Embora podendo dar lugar a ressarcimentos justificados e relacionados com o exercício dessa função. Por exemplo: ao reembolso de gastos (deslocamentos, alojamento, etc.) ou ao pagamento de ajudas de custo (ou “diárias”) para compensar eventuais trabalhos realizados por solicitação da ON ou os dias de participação nas reuniões trimestrais ou outras reuniões e eventos organizados pelo Conselho a pedido da ON (oficinas, seminários, conferências, palestras, viagens, etc.).

54 Em termos globais (totalidade do Conselho), seria da maior importância que 50% dos seus membros fossem renovados a cada 2 anos. O que permitiria assegurar uma certa renovação das visões/ideias sem ocasionar uma grande perda da memória institucional do Conselho como um todo.

55 Obviamente, evitando-se a monopolização destes representantes/conselheiros pelas grandes ONGs.

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contrapartes e principais parceiros) de assuntos/temas relevantes do Programa Angola ou de análise do seu contexto e desafios (apresentação de projectos ou regiões trabalhadas pelo Programa da ON, experiências de campo a divulgar, análises sectoriais ou sobre políticas públicas, divulgação de campanhas, divulgação de metodologias, etc.).

Por fim, e em função das necessidades (provavelmente maiores na fase de montagem e funcionamento inicial dessa ferramenta), esse Conselho poderia contar com o apoio de assessorias pontuais (decididas e supervisionadas pela ON Haia) para organizar e sistematizar o seu funcionamento, acompanhar/avaliar o seu desempenho, etc. Ou, ainda, para ajudar o Conselho na elaboração de propostas mais complexas (sistematização de metodologias e experiências, estratégias ou avaliações sectoriais, etc.).

Sobre Planeamento e M&A (PMA) : Outras recomendações

vii) Conforme já indicado acima (vd. recomendação v) ), sugere-se a criação de um Fundo de apoio aos Estudos/diagnósticos sobre Políticas Públicas para incentivar e consolidar a contribuição das ONGs para o desenvolvimento de políticas públicas. Ou seja, para que estas organizações tenham capacidade redobrada para contribuir de forma mais consistente e propositiva para a adopção/debate de novas políticas, em especial baseando-se no aprofundamento das realidades e necessidades do país.

Este Fundo seria destinado a incentivar financeiramente (56) a elaboração de propostas de construção, melhoria e implementação de políticas públicas (através programas governa-mentais, e.g.), desde que relacionadas com as diversas esferas dos DH que norteiam o Programa da ON (políticos/civis, económicos, sociais e culturais) e decididamente voltadas para (ou com impacto significativo nas) populações mais carenciadas. Como já dissemos, esse Fundo seria gerido no dia-a-dia da mesma forma que as Iniciativas Regionais acima recomendadas (isto é, por uma estrutura de gestão própria, sob a responsabilidade de uma ou mais ONGs parceiras). (57)

viii) - Planeamento e M&A (PMA) dos contrapartes: De um modo geral, recomenda-se o desenho e aplicação de uma política da ON mais sistemática, programada e dotada de meios/recursos adequados (tanto no Programa da ON como em cada projectos específico) para desenvolver a capacidade dos seus contrapartes nestes domínios (parte integrante e vital da política global de qualificação das OSCs/ONGs atrás sugerida). O que significa dizer, uma política que vise pelo menos três eixos complementares de capacitação teórica e de desempenho prático a desenvolver e consolidar no seio dessas organizações:

56 Sempre na base de co-financiamentos em colaboração com outras ONGs internacionais e locais, agências doadoras ou agentes governamentais ou do sector privado. A ON só financiaria a totalidade desses estudos/diagnósticos ou demais iniciativas género quando estes fossem considerados de extrema importância/utilidade e urgência para o seu Programa.

57 Por outro lado, ele deveria ser dotado de meios e recursos suficientes para desempenhar suas funções a contento ou com impacto para potenciar os resultados dos projectos do Programa da ON. Numa situação hipotética ideal, após uma fase de experimentação, esse fundo deveria poder mobilizar entre 5% a 10% dos recursos do Programa.

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o uso de métodos apropriados para o planeamento dos projectos (ou que conferem maior lógica e consistência entre os meios e actividades, os resultados esperados e os objectivos visados por essas acções; facilitam a implementação das avaliações de processo/desempenho ou de impacto/resultados; estabelecem bases mais sérias e objectivas para a condução/pilotagem dos projectos; etc.);

a construção de sistemas de monitoria e avaliação dessas acções com base em indicadores objectivos, simplificados e verificáveis. De forma a permitir a essas organiza-ções estabelecerem paulatinamente rotinas de avaliação de seus projectos, programas e impactos de forma mais objectiva, realista e construtiva (permitindo-lhes, assim, ter bases mais sólidas para avaliar, corrigir/orientar e melhorar a sua actuação, a sua eficácia, etc.);

uma nova “cultura” de produção e gestão de dados e informações relativos à actua-ção dessas organizações (sobre os projectos, sobre as micro-regiões e ambientes sociais ou naturais dessas acções, sobre o programa global da ONG, etc.). O que envolve, por exemplo, a sua capacidade para fazer estudos e diagnósticos qualitativos e quantita-tivos (por exemplo, com a aplicação de questionários, entrevistas simplificadas e outros métodos de levantamento de dados); a sua capacidade para montar e gerir bancos-de-dados e documentais simplificados e alimentados regularmente; a sua capacidade para usar essa informação para conceber/elaborar e fundamentar suas propostas e actividades de planeamento e reporting (propostas de projectos, planeamento estratégico, relatórios de actividades, avaliações de desempenho, etc.).

Sugere-se que esta política de PMA seja, tanto quanto possível, implementada através de acções (de capacitação, de desenho e aprimoramento de metodologias, etc.) que visem ir além da qualificação dos contrapartes da ON. Ou seja, que sejam organizadas em colabora-ção com outras ONGs ou agências parceiras da ON (programas conjuntos) e envolvam um leque mais abrangente de organizações da SC angolana, de forma a contribuir para disseminar uma outra cultura organizacional e de PMA no seio das ONGs em geral.

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6. THE RIGHT TO A SUSTAINABLE LIVELIHOOD (aim 1)

6.1 Breve caracterização do contexto sectorial (58) Caracterizar a situação do sector rural/agrário (um dos mais importantes para os objectivos estratégicos do programa da ON em Angola) ao longo do período desta avaliação (2002-2007), significa, antes de mais nada, constatar a longa série de consequências de três décadas de guerras e de processos de desorganização e desagregação do mundo rural angolano, tanto em termos produtivos como das suas estruturas sociais.

Ao longo do capítulo 3 procuramos caracterizar brevemente, e de forma mais global, essas consequências durante as principais transições da sociedade angolana dessas décadas. Estas vão dos traumas da independência e da desarticulação da antiga economia colonial, passando pelas destruições da guerra civil, pela “construção do breve socialismo” no campo e seu impacto na economia familiar, pela a ascensão de elites económicas que se apropriam da maior parte dos activos rurais (dos antigos colonos) sem contraparte produtiva, até chegar às mutações profundas ocorridas ao longo dos últimos anos de privatização e crescimento accelerado da economia, que determinaram a estrutura produtiva hoje predominante no país.

Esta pode ser resumida na consolidação de uma economia extrovertida, concentrada nas regiões costeiras, polarizada numa produção petrolífera “de enclave” quase sem interacção ou sinergia com os outros sectores e que, não obstante os biliões de USD que ela gera para os cofres do Estado, tem se mostrado incapaz de reconstruir o potencial agrícola do país, muito menos de restabelecer as bases produtivas camponesas que asseguravam o essen-cial da produção alimentar de Angola até 1973, e que ainda hoje seriam responsáveis pela ocupação dos quatro quintos da sua população activa.

• Colapso da economia rural: predomínio da subsistência e da pobreza

O balanço que poderíamos fazer dos impactos desse processo de profunda transformação no sector rural do país, no período do Programa da ON em Angola aqui avaliado (2002-2007), pode ser ilustrado por alguns factos que mostram a sua total transformação. Dentre estes, podemos destacar os seguintes, que nos parecem os mais relevantes:

i) um meio rural em fase de desertificação por três décadas de processos de êxodo rural (campo-cidade e interior-costa) (59) e, consequentemente, de urbanização accelerada e produtora de uma intensa “periferização” das grandes cidades. (60)

58 Esta caracterização está focada no sector rural, visto que este SCO tem sido visado/desenvolvido em Angola essencialmente no meio rural e, mais especificamente, no âmbito da economia camponesa. Quase não há acções/financiamentos significativos destinados à produção artesanal ou micro-empresarial de bens e serviços, nos meios rural ou urbano/peri-urbano, os quais poderiam representar outros sectores de actuação deste SCO (excepto algumas experiências da ACORD, com micro-crédito para pequenos negócios produtivos/comerciais na periferia de Luanda e outras regiões).

59 Como vimos no capítulo 3, é indiscutível que, mesmo depois do regresso da maior parte dos 4 milhões de deslocados existentes em 2002, a estrutura demográfica do pais inverteu-se no primeiro quarto de século de independência (1975-2000), Angola passando a ser um país predominantemente urbano nos primeiros anos deste século (em 2003 cerca de 50 a 60% da população já vivia nas cidades).

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ii) uma economia rural/agrícola em colapso pela conjugação de inúmeros factores (vide capítulo 3), destacando-se a desarticulação da agro-indústria colonial, o fracasso da economia “socialista” no campo e as distorções ou crescente monopólio dos activos rurais (antigas fazendas coloniais, e.g.) pela agricultura “capitalista/comercial” emergente desde a década de 1990 (e sua limitada capacidade produtiva); (61)

iii) uma total desorganização da economia camponesa e forte concentração de pobreza no meio rural, (62) onde a maioria dos produtores familiares sofreu durante longos anos os efeitos da guerra, sendo profundamente descapitalizados (em particular os agricultores-pastores, pela perda dos seus rebanhos), teve suas áreas agrícolas diminuídas (dificuldades de acesso, extensas áreas minadas, “punção” compulsória da mão-de-obra masculina pelos beligerantes, etc.) e seus tradicionais circuitos comerciais (entre as regiões e campo-cidade) cortados e desorganizados, obrigando grande parte das famílias rurais a retrocederem para uma economia de subsistência em situação de quase autarquia, pelo menos na maioria das regiões; (63)

iv) não obstante o seu relativo encolhimento em termos de população e de capacidade produtiva/comercial “moderna” ou tradicional (familiar), o sector rural ainda continua a asse-gurar a maior parte da ocupação da mão-de-obra. Mesmo se na estrutura global da econo-mia ele tem representado menos 10% do PIB angolano entre 2001 e 2006. (64) Ou mesmo se essa mão-de-obra está maioritariamente ocupada nas actividades rurais e peri-urbanas de mera subsistência, (65) posto que as melhores terras das fazendas coloniais, após passarem pela desastrosa experiência das “empresas estatais” (1975-1988), foram desmembradas e

60 Convém destacar aqui que utilizamos o conceito de “periferização” essencialmente para caracterizar fenómenos demográficos. Por várias razões, ele é muito menos operacional em termos económicos. Por exemplo, uma “periferização” da população não corresponde obrigatoriamente a uma urbanização da sua economia, a qual muitas vezes continua ligada ao campo/agricultura (actividades agrícolas peri-urbanas ou “rurbanas” nas “cinturas-verdes” das grandes cidades, migrações pendulares para o campo para actividades sazonais na agricultura subsistência ou comercial, etc.).

61 A estes factores mais importantes, poderíamos adicionar alguns outros. Como, por exemplo, a lentidão da desminagem dos cerca de 2 a 3 mil caminhos e estradas vicinais rurais e de grandes extensões de terra rurais, transformadas assim em improdutivas. Ou a privatização das melhores terras por segmentos da elite urbana (vide a seguir).

62 Embora se estime que o campo concentra cerca de 90% da pobreza do país, não existem dados globais actualizados sobre esta pobreza rural. Os mais utilizados e fiáveis para esta “medição da pobreza” são os do IDR (Inquérito aos Agregados Familiares sobre Despesas e Receitas), efectuado em 200/2001, que indicou uma taxa de pobreza de 68,2% (menos de USD 2,0 diários por pessoa), uma das maiores do mundo. Contudo, por razões de segurança o IDR abrangeu apenas 7 das 18 províncias e polarizou-se nas áreas urbanas (90% da amostra). O que relativiza muito o valor dessas estimativas para o meio rural.

63 Com a excepção de algumas áreas do Sudoeste, com relativa segurança (como foi o caso do Sul da província da Huíla, como já frisamos).

64 A contribuição do sector “agricultura e pescas” no PIB angolano durante esse período foi: 8,3% (2001), 8,1% (2002), 8,4% (2003), 9,7% (2004), 8,6% (2005) e 7,8% (2006) (CEIC/UCA, 2007).

65 Fala-se de uma ocupação da ordem dos 60 a 70% do “emprego” do país. Alguns autores chegam a falar de 90%. Esta categoria incluiria tanto os empregos formais (explorações comerciais, artesanais ou familiares na agricultura, silvicultura e pescas), como uma variada gama de actividades de auto-emprego informal ou de vida/subsistência agrícola. Em todo caso, os produtores rurais/agrícolas propriamente ditos continuariam a concentrar-se nas terras altas do Planalto Central, como durante o período colonial, onde a pluviosidade é maior (1500-2000 mm/ano) e mais regular (grosso modo, esta abrange os planaltos das províncias do Huambo, Bié, Malange e Kwanza Sul e partes de Benguela e da Huíla).

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privatizadas na década seguinte, permanecendo sub-aproveitadas até muito recentemente, quando Governo decidiu apostar na promoção de um modelo agro-industrial “moderno” de capital intensivo, mas sem impactos significativos no emprego rural (vd. análise a seguir);

v) por fim, como já dissemos, o país passou de uma condição de exportador líquido de alimentos (milho, por exemplo) até à primeira metade da década de 1970, para a de impor-tador de grande parte das suas necessidades alimentares de princípios da década de 1980 em diante. Esse deficit passou a ser colmatado por importações massivas de cereais e pela ajuda alimentar do PAM e se manteve até hoje. Em 2001, por exemplo, o deficit alimentar do país correspondeu a 50% das necessidades (66) e, nos últimos anos, ele parece ter se prolongado não obstante o fim das hostilidades (54% das necessidades em 2006). (67)

• Sobre as estruturas agrárias/produtivas: poucos dados e muitas incógnitas

Tal como acontece na área demográfica, e pelas mesmas razões (ausência de censo agrícola, guerra, etc.), não existem dados sistematizados e fiáveis sobre as actuais estrutu-ras de produção no campo (tipo de “propriedades”, áreas, estatísticas de produção, etc.). Só é possível obter alguns dados aqui e ali, mas sem grande consistência ou coerência entre si. Inclusive, pela grande interferência do viés político nessas estimativas. Por exemplo, se considerarmos algumas estimativas recentes (2006), só entre os filiados à UNACA (68) existiriam quase 5 mil associações familiares/camponesas e perto de mil cooperativas agro-pecuárias camponesas com mais de 670 mil associados (53% de mulheres). (69) O que nos parece uma estimativa bastante “optimista”, mesmo considerando que se incluiu aqui grande parte do associativismo rural ainda bastante incipiente e de difícil quantificação (parte do associativismo “popular” de que falamos em 3.2.2; vd. igualmente 8.3 a seguir).

Sabe-se que a área agrícola potencial do país (terras aráveis) deve rondar os 6 a 8 milhões de hectares, muito embora no final da guerra (2001) só fossem utilizados cerca de 30 a 40% desse potencial (2,5 milhões). (70) Essa utilização pode ter sido quase duplicada nos anos

66 A produção de 581 mil tons. de cereais desse ano correspondeu a exactos 50% das necessidades. Os outros 50% foram satisfeitos por importações (35%) ou pelo donativos do PAM (15%) (FAO/WFP, 2001).

67 Estimativas do CEIC/UCA (2007) sobre a produção de alimentos com relação às necessidades do país, com base nos dados do MINADER. Esse resultado explicado pelas difíceis condições climatéricas nesse ano agrícola (estiagem nas regiões centrais e meridionais).

68 Esta entidade (União Nacional dos Camponeses Angolanos), foi criada em Fevereiro de 1990 e nasceu da antiga CNAC (Comissão Nacional de Apoio à Cooperativização), criada pelo Governo/Partido em 1985 para enquadrar a “socialização do campo” através das cooperativas agrícolas. Iniciativa que, como sabemos, não teve qualquer sucesso.

69 Segundo a direcção executiva da UNACA - Confederação no VII Encontro Cooperativo da OCPLP (26 de Outubro de 2006): 4.788 associações e 966 cooperativas.

70 Alguns documentos, todavia, falam de uma área agricultável muitas vezes superior. Alguns ministérios, por exemplo, estimam cerca de 57 milhões de hectares favoráveis para a “prática da agricultura”, o que representaria 46% da área territorial do país (e nos parece uma impropriedade, posto que exclui apenas as áreas florestais: 53 milhões da ha) (MINADER/MINUA, 2006). Em geral essas discrepâncias tanto podem vir das tradicionais dificuldades estatísticas do país, como do viés politico (e pouco realista) das estimativas. Ou, ainda, dos diferentes critérios utilizados. Inclusive, do que se considera como arável e como agricultável. O primeiro conceito excluindo largas áreas da tradicional agricultura familiar de sequeiro e sem condições favoráveis para tracção animal ou mecánica. Todavia, esta estimativa de 6 a 8 milhões de ha aráveis (FAO/WFP, op cit) parece mais operacional e já corresponderia ao dobro da

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seguintes aos acordos de paz e andar hoje (2007) à volta dos 4 milhões de hectares. (71) Mesmo se essa expansão foi limitada pela apropriação privada das melhores terras pela elite, a qual já teria atingido mais de 2,0 milhões de hectares em finais da década de 1990 (vd. análise sobre a Lei de Terras a seguir). Nesse total, certamente se encontram grande parte das antigas plantas de irrigação do período colonial, que representariam cerca de 100 mil hectares, dos quais cerca de 40% estariam em “condições operacionais”, (72) segundo a empresa pública recentemente criada para gerir esse potencial agrícola. (73)

Mas sabe-se que, em termos globais, a produção mantém-se muito baixa e ainda muito longe dos níveis produtivos de antes da independência, excepto para os tubérculos. (74) O que se explica, em parte, pela redução da áreas e os fracos rendimentos agrícolas. (75)

Sectores sociais e empresariais

Não dispomos de dados globais e fiáveis sobre as estruturas sociais de produção do sector agro-pecuário familiar/camponês (reagrupando o de subsistência e o inserido no mercado formal e informal), nem sobre o sector empresarial moderno. Os dados parciais e aproxima-dos de que dispomos são nitidamente exagerados e, se extrapolados, nos levam a conclu-sões com sérias distorções, muito distantes de uma realidade “razoável”.

Tomando-se como exemplo os dados sobre o sector camponês, poderíamos lançar mão de alguns programas relativamente recentes do Governo com objectivos quantificados. Mas, na maioria dos casos, as conclusões desse exercício apontam para dados globais super-dimen-sionados: um número de produtores rurais familiares/tradicionais superior a 1,5 milhões de famílias (o que poderia corresponder a uma população total entre 9,0 milhões de pessoas ou

superfície da Holanda (comparação utilizada apenas para facilitar o seu dimensionamento). Muito embora a FAO tenha estimado, alguns anos mais tarde (2004), áreas diferentes para as terras aráveis (3 milhões ha), as áreas de cultivos permanentes (0,5 milhões ha), as terras de regadio (75 mil ha) e as terras com potencial para a pastorícia (29 milhões ha).

71 O MINADER estimou a área total “semeada” em cerca de 3,3 milhões de ha em 2006, por volta de 50% da qual ocupada com as culturas de milho (30%) e mandioca (20%).

72 A maior parte desses perímetros irrigados em reabilitação (desde 2005) está localizada nas províncias do Bengo (Caxito), da Huíla (Gandjelas e Matala), do Moxico (Luena) e do Kwanza Sul (Waku Kungo).

73 Segundo declarações de Sabino Ferraz, presidente da Sociedade de Desenvolvimento dos Perímetros Irrigados (SOPIR S.A.) criada pelo Conselho de Ministros em 2005, com uma participação do Instituto Angolano das Participações do Estado (75%) e do Instituto de Desenvolvimento Agrário (25%) (“Conclu-são dos perímetros irrigados prevista para segundo semestre de deste ano.” Angola Press, 07.01.2008).

74 Considerando o milho, por exemplo, a sua produção de 2003 (545 mil ton.) seria apenas 20% superior à do ano de 1970 em termos absolutos, quando a população era quase um terço (o que significou uma redução de 50% per capita). Contudo, a produção de raízes e tubérculos nesse mesmo ano cresceu 225% em termos absolutos (6,44 milhões de ton.), embora apenas 50% em termos relativos (per capita), (FAO/WFP, 2003), mas que já pode significar uma profunda reconversão da dieta da população rural.

75 Segundo esses mesmo dados da FAO (op cit.) trabalhados pelo Banco Mundial (2006), os rendimentos das principais culturas alimentares em Angola seriam, em 2003, bastante inferiores ao dos restantes “países africanos em desenvolvimento”. Exemplos: milho (550 kg/ha) equivalente a 39% dos rendimentos médios observados nos outros países; massambala ou milho miúdo (350 kg/ha), equivalente a 50%; amendoim (390 kg/h), equivalente a 46%; etc. A melhor produtividade seria a da mandioca, sensivelmente idêntica à produtividade desses países em termos absolutos (8,8 ton/ha).

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mais). (76) Existem até mesmo estimativas mais radicais, da ordem dos 2,2 milhões de famílias, (77) o que só confirma as dificuldades estatísticas do país acima aludidas, especial-mente para o sector que mais sofreu com a guerra nas últimas décadas.

Não existem dados consistentes ou seguros para o “empresariado” rural, cuja maioria ainda vive na informalidade e “não está registada nem paga impostos”. Contudo, segundo algumas estimativas recentes, (78) não haveria no país mais do que algumas centenas de empresários rurais “intermédios” (maioritariamente, funcionários públicos com acesso privilegiado a factores de produção e financiamentos oficiais) e algumas “poucas dezenas” de empresários rurais propriamente ditos (nacionais e estrangeiros), com acesso a créditos e a outros apoios oriundos de parcerias público-privadas com empresas públicas (Gesterra, Sopir, etc.) criadas com esse fim de “desenvolvimento empresarial rural” (estradas, canais de rega, infra-estrutu-ras e equipamentos agro-industriais, etc.). (79)

• Qual é o modelo para o desenvolvimento rural/agrícola ?

A situação do sector rural não se apresenta muito mais clara em termos institucionais (onde parece haver uma grande desarticulação dos diferentes organismos sectoriais de tutela) ou no que respeita à definição de estratégias assumidas para a reconstrução e o desenvolvi-mento rural/agrícola do país. Não obstante se terem passado quase seis anos depois da assinatura dos acordos de Luena, o processo de reconstrução e restabelecimento das bases sociais e produtivas no campo parece se encontrar sem um planeamento muito claro ou, em todo caso, bastante contraditório.

As contradições parecem começar pela própria Estratégia de Combate à Pobreza (ECP), elaborada em 2003 (80) e já mencionada no capítulo 3. Esta, embora visasse alegadamente lançar bases para um “desenvolvimento económico social e abrangente” e identificasse a “segurança alimentar e o desenvolvimento rural” como uma das dez “áreas intervenção

76 Para este caso específico, consideraram-se os dados apresentados pelo actual responsável do MINADER (então técnico do Instituto de Desenvolvimento Agrário) sobre o Programa de Extensão e Desenvolvi-mento Rural (PEDR), elaborado em 2004. Segundo estes, esse programa previa atingir 1,19 milhões famílias em 129 do 164 municípios do país (78% deles) no seu 5º ano. (Canga, 2006). O que já corres-ponderia a um total de 6 a 7 milhões de pessoas (utilizando-se médias razoáveis de 5 a 6 pessoas por família). Todavia, extrapolando-se esses dados para os 164 municípios do país, com base na mesma média de famílias por município, obteríamos um total 1,522 milhões de famílias camponesas (entre 7,6 e 9,1 milhões de pessoas). Se considerarmos que o PEDR certamente não envolve sistematicamente todas as famílias camponesas de cada um desses municípios, chegaremos facilmente a uma população rural da ordem dos 10 ou 11 milhões em 2008/2009. O que nos parece estar um pouco distante da realidade para um país de cerca de 16 milhões de habitantes que se estima ter, pelo menos, entre 50 a 60% da sua população nas cidades. Aliás, o MINADER estimou recentemente que existem cerca de 2,2 milhões de “unidades de produção familiares” rurais, aumentando ainda mais essa incoerência nas estimativas.

77 Estimativa do MINADER sobre o número de “unidades de produção agrícola familiares”. A qual nos obrigaria a estimar uma população rural entre os 11 e os 13 milhões de pessoas (CEIC/UCA, 2007).

78 CEIC/UCA, 2007. 79 O Registo de Empresas realizado em 2002 indicava a existência de 511 empresas agropecuárias e

florestais em actividade no país (mais 213 outras com actividade suspensa). Mais de metade destas empresas, com um total de pouco mais de 12,0 mil trabalhadores (média de menos de 25 trabalhadores por empresa), estava concentrada no Kwanza Sul (43%) e em Benguela (14%).

80 Estratégia consignada na Resolução n.º 15/03, de 22 de Julho.

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prioritárias”, na realidade não atribuía qualquer papel preponderante à reconstrução desse sector que assegura a sobrevivência de quase três quartos de sua população. Com efeito, em termos de recursos orçamentados reservava-lhe meros 2,5% da totalidade dos 3,17 biliões de dólares previstos (2003-2006). (81)

Além disso, esses recursos não tinham como prioridade qualquer programa consistente de apoio à reinstalação dos produtores e da sua capacidade produtiva (em plena fase de regresso e assentamento de 4 milhões de deslocados). Numa óptica essencialmente burocrático-administrativa do desenvolvimento, digna do auge do período “socialista”, visava principalmente a reconstrução e equipamento das instituições de enquadramento técnico do sector rural pelo MINADER. (82) Desse facto, não seria exagero inferir que a estratégia implícita da ECP tinha mais a ver com as necessidades imediatas do relançamento da agricultura moderna/empresarial capitalista do que da agricultura camponesa tradicional.

PGDR e PEDR: programas “emergenciais” e recursos modestos

No ano seguinte seriam criados outros programas sectoriais com algum impacto na área rural, preparando melhores condições para o relançamento da agricultura familiar em algumas áreas do país, mesmo quando não visavam directamente o desenvolvimento desse sector (pelo menos, no caso do PGDR). Melhor dizendo, mesmo quando ainda marcados pelo modelo de actuação emergencial do passado. Abordaremos a seguir os dois exemplos mais importantes dessa actuação.

Um deles foi o PEDR (Programa de Extensão e Desenvolvimento Rural), que embora com objectivos aparentemente claros no nome, assume propostas bem mais vagas em algumas de suas descrições (Canga, 2006). (83) Em todo caso, este programa aprovado em 2004 almejava atingir 803 mil famílias no seu primeiro ano (80 municípios) e alargar-se a mais 394 mil nos quatro anos seguintes (atingindo 79% dos municípios do país). O segundo deles, o PGDR (Programa Geral de Desmobilização e Reintegração), lançado no mesmo ano, visou o assentamento rural de cerca de 138 mil militares desmobilizados e suas famílias. (84)

81 DEP/MP, 2003. 82 Ou seja, a maior parte dos financiamentos previstos para o período (70 milhões de dólares) destinava-se

à reabilitação ou criação de estruturas governamentais, tais como 94 Estações de Desenvolvimento Agrário, 25 Estações Zoo-Veterinárias, etc. Todas essas infra-estruturas eram certamente importantes, na medida em que permitiriam recriar a capacidade de experimentação e organização da agricultura em moldes mais “modernos” e comerciais. Mas sua absoluta prioridade pode ser questionável no contexto de extrema desorganização, descapitalização e abandono de milhões de pequenos produtores rurais nessa época (2003). Ou talvez essa estratégia da ECP para o mundo rural já fosse, sem o assumir claramente, orientada para o modelo de desenvolvimento agro-industrial “moderno” e tecnicamente mais sofisticado que começava a se esboçar nos gabinetes do MINADER em Luanda. Ou seja, visando garantir a segurança alimentar do país principalmente através da produção empresarial/comercial moderna, e não através da reabilitação/criação das estruturas produtivas camponesas e pelo relançamento da pequena agricultura familiar.

83 Programa executado pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário (IDA) do Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (MINADER) e previsto para atingir um total de 129 municípios em seus 5 anos.

84 Programa financiado pelo Banco Mundial (45 milhões de USD) e implementado pelo IRSEM (Instituto de Reintegração Social dos Ex-Militares) prevendo fixar 105 mil ex-combatentes da UNITA e 33 mil das FAA

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Não é nosso propósito entrar na análise aprofundada desses dois programas, sobre os quais, inclusive, é difícil obter dados consistentes e fiáveis sobre resultados globais. Pelo menos, dados que não se confundam com a propaganda intensa que esse tipo de iniciativas do Governo tem tido na imprensa oficial (e não só). Desejamos apenas sublinhar, em poucas palavras, alguns dos grandes limites desses dois programas, os quais costumam ser consi-derados por alguns como exemplo de políticas públicas para o desenvolvimento rural:

i) o primeiro limite prende-se com o tipo de intervenções previstas nesses dois programas, os quais, no entender de muitos analistas, ainda são típicas da emergência e da ajuda humanitária: são, no essencial, baseadas na distribuição de alguns bens e inputs agrícolas aos seus beneficiários, acompanhada da reabilitação de algumas infra-estruturas sociais básicas). (85) Estando muito longe de um processo de apoio ao desenvolvimento rural propriamente dito, concebido como uma intervenção de mais longo prazo, integrando produção, assistência técnica e comercialização e dando maior peso à auto-organização e capacitação/empoderamento das comunidades. Ou, ainda, à experimentação de sistemas produtivos integrados e próximos das condições sócio-culturais, edáficas e ambientais de cada região, sempre que possível associando a agricultura à pastorícia (permitindo “econo-mizar” o trabalho humano, aumentar a pouca fertilidade intrínseca dos solos, etc.) e à silvicultura (permitindo integrar uma dimensão agro-florestal capaz de evitar a destruição da cobertura florestal das regiões, diversificar as fontes de renda, etc.);

ii) o segundo aspecto limitador, e mais curioso, prende-se com a extrema modéstia dos investimentos nesses dois programas, embora considerados “estruturantes”. O que contrasta com a importância do sector familiar rural para a geração de emprego e a subsistência de mais de metade da população do país. Ou, ainda, com o número significativo dos seus beneficiários potenciais (cerca de 1,2 milhões de famílias, segundos seus gestores). Com efeito, embora dispondo de informações parciais e contraditórias, podemos estimar que, no caso do PGDR, o gasto médio (por família) é de cerca de 326,00 dólares (BM, 2006) ou de 350,00 dólares (86) ou, ainda, de 724,00 dólares. (87) Já o PEDR, admitindo-se a justeza das informações do IDA, (88) o custo médio por família seria de 175,00 dólares. (89) Projectos

nas províncias de Benguela, Bié, Huambo, Huíla, Kwanza Sul e Malange (2003-2006). Contudo, os projectos do PGDR foram depois alargados à quase totalidade das províncias.

85 Mesmo se, em alguns casos, algumas das ONGs contratadas para a implementação dos projectos do PGDR no terreno tenderam (com base na sua experiência do desenvolvimento rural) a inovar e a sofisticar esse padrão de apoio do programa global/inicial, baseado em apoios pontuais/emergenciais, criando estruturas associativas comunitárias (embriões de cooperativas) para a gestão das ajudas, sistemas de micro-crédito animal, iniciativas colectivas de comercialização, etc. Como foi o caso da ACORD e da ADRA, com óptimos resultados, como analisaremos mais adiante.

86 Considerando as informações veiculadas pela imprensa sobre 107 projectos de reintegração realizados em 17 províncias, os quais teriam beneficiado cerca de 80 mil ex-militares e respectivas famílias, num valor total de 28 milhões de USD (“Programa de reintegração já beneficiou 80 mil ex-militares em Angola.” Agência Lusa, 06.09.2006).

87 Segundo informações do responsável pelo acompanhamento destes programas no Banco Mundial (Sean Bradley), referindo que o PGDR Angola estava globalmente avaliado em 100 milhões de USD (“Banco Mundial "satisfeito" com programa de reintegração de ex-militares angolanos”. Agencia Lusa, 07.07.2006).

88 Canga, 2006.

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desenhados mais recentemente, com forte apoio internacional, (90) não alteraram significa-tivamente essa política de financiamentos bastante modestos para o sector rural familiar (e que previsivelmente não permitirão construir ou garantir mudanças significativas e sustentá-veis nas suas condições de vida), (91) sobretudo quando comparados com os financiamentos destinados a subvencionar o surgimento de uma nova elite empresarial no meio rural do país, como veremos.

“Aldeia Nova” e perímetros irrigados: novo modelo “oficial” de desenvolvimento rural ?

Dessas constatações acima, depreende-se facilmente o quanto esses programas (os mais importantes nessa área) se encontram longe de reflectir uma prioridade real dada ao desenvolvimento do sector rural familiar em Angola. Uma rápida análise comparativa com outros programas de investimento rural, voltados para o sector agro-pecuário empresarial, talvez ajude a esclarecer qual poderia ser a verdadeira estratégia de desenvolvimento rural que predomina nos corredores do MINADER desde os primeiros anos do pós-guerra e, ao que tudo indica, continua até hoje, não obstante os discursos eleitorais dos últimos meses.

O mais conhecido deles é o Aldeia Nova, concebido em 2003 como um projecto agro-indus-trial piloto para a “modernização” da agricultura, cuja fase experimental foi lançada pela presidência da República em 2005, na região do Waku Kungo. (92) Segundo declarações recentes dos seus responsáveis, (93) está em curso a sua expansão para outras 10 provín-cias, (94) num investimento total de cerca de 400 milhões de USD. Ou seja, com um custo médio por família envolvida nos diversos projectos provinciais (que, na verdade, correspon-dem à reabilitação/reconstrução das instalações produtivas de antigas fazendas e pólos agro-industriais coloniais) de cerca de 180 mil USD / família. (95)

Em conclusão, essa experiência-piloto do projecto Aldeia Nova, que uma vez concluído irá certamente envolver entre 2.000 a 3.000 famílias/trabalhadores directos, terá um custo global mínimo de 470 milhões de USD (85% superior à soma dos financiamentos do PGDR e do PEDR). Investimento esse com forte apoio do OGE, a título de comparticipação do Estado no âmbito das PPPs (parcerias público privadas) que financiam esses projectos, bem como de

89 Considerando o seu custo total (209 milhões de USD) e o número total de famílias potencialmente atingi-das no seu 5º ano (hipótese não comprovada) (Canga, op.cit)

90 Vd. o exemplo do MOSAP (Projecto Agrícola de Produtores Familiares Orientado para o Mercado), finan-ciado pelo Governo com o apoio do Banco Mundial e do Japão, visando desenvolver a produção/comer-cialização e a geração de renda de 200 mil produtores familiares no Planalto Central (12 municípios de Malange, Bié e Huambo). Segundo o draft desse projecto (Março 2007), previa-se um investimento total de 47 milhões de dólares em 5 anos, o que representaria um investimento de 235 USD por família.

91 Sobretudo, considerando-se que grande parte dos magros orçamentos desses programas destinar-se-á a custos administrativos e logísticos, à contratação externa de serviços e à importação de alguns inputs.

92 Trata-se de uma iniciativa co-financiada pelo Governo angolano (OGE/PPPs), com assistência técnica de Israel. Esta primeira fase (Município da Cela, Kwanza Sul) foi orçada em 70,5 milhões de USD.

93 Do seu director-geral, J. Cerqueira (“Projecto Aldeia Nova chega a Malanje.” Jornal de Angola, 11.03.08). 94 Bengo, Benguela, Bié, Cabinda, Huambo, Lunda-Norte, Malanje, Moxico, Zaire e Uíje. 95 Estimativa considerando as declarações do director-geral: o envolvimento de 250 famílias em média por

projecto (variando de 200 a 300 famílias em cada um deles) e o preço médio de 45 milhões de USD para cada projecto. Assim, é fácil constatar que esses valores por família correspondem entre 250 a 500 vezes mais que o do PGDR e a 1.028 vezes mais que o do PEDR.

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investidores privados nacionais (96) e estrangeiros. Ou seja, esse modelo de empreendimen-tos agro-pecuários envolverão, no máximo, cerca de 2% do número de famílias do PGDR ou 0,2% das do PEDR.

Podendo-se constatar, portanto, uma preocupante dicotomia implícita na filosofia e nos paradigmas do modelo de desenvolvimento rural subjacente a esses empreendimentos. Pois eles tendem a reproduzir e a consolidar nas zonas rurais a fractura social que já existe nas cidades, ou o que alguns chamam de preocupantes distorções do “dualismo económico” dominante (sectores empresarial e familiar). Os analistas mais críticos, e menos propensos a eufemismos, denunciam esses indícios evidentes de uma política de reforço das desigualda-des e do fosso social abissal entre as elites do país e o resto da população. A qual, nesta fase, se estaria a consolidar com o apoio de uma política diferenciada de investimentos no meio rural apoiada significativamente na injecção massiva de recursos e outras “benesses” do Estado destinadas à elite rural.

Assim, essa intensa privatização dos activos rurais a partir dos antigos perímetros irrigados e complexos agro-pecuários coloniais (mas tendendo a alargar-se para outras áreas, como a pecuária extensiva nas regiões meridionais, por exemplo), com forte apoio do OGE (co-finan-ciamento das PPPs) é organizada por empresas públicas recentemente criadas (como a Gesterra e a SOPIR), alavancada por capitais/empréstimos estrangeiros (destacando-se os financiamentos bilaterais do Brasil e da China) (97) e por uma pesada assistência técnica externa (em especial, israelita e brasileira). (98)

Do “socialismo sem camponeses” ao “capitalismo sem camponeses” ?

O mais grave é que, segundo esses analistas, essa política é uma “demonstração da fraca memória histórica da alta burocracia estatal”, pois corre o risco de estar a “repetir os erros do socialismo no campo da década de 1980” sic, quando o Estado ignorou as sociedades e estruturas produtivas do campesinato angolano, accelerando assim o colapso da economia agrícola do país (vide capítulo 3).

96 Chamamos aqui de “investidores” nacionais por falta de um outro vocábulo apropriado, pois muitos analistas têm chamado sistematicamente a atenção para os fenómenos de patrimonialismo exacerbado e outras facilidades financeiras que estão por trás a emergência desse segmento empresarial.

97 Em Outubro de 2007, a linha de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no valor inicial de 750 milhões de USD, foi aumentada para 1,75 biliões (Valor Econômico Online, “BNDES libera US$1,5 bi para Angola.” S. Paulo, 10.06.2008).

98 Tomando-se como exemplo a execução financeira do PIP 2006 (Programa de Investimentos Públicos 2006: cerca de 71 milhões de dólares), verifica-se que cerca de 1/3 dessas verbas do OGE “foram canalizadas para dois macro-projectos agro-industriais desse tipo, parte integrante do Programa Nacional de Relançamento do Sector Produtivo. O primeiro foi o “Relançamento da Cultura do Algodão no Kwanza Sul/Sumbe” (995,5 milhões de AKZ). O segundo foi a “Implantação da Fazenda Pungo Andongo em Malage/Cacuso” (888 milhões de AKZ), parte do pólo agro-industrial de Capanda (184 mil ha), implantado com assistência técnica brasileira numa área de 33 mil ha., gerido pela GESTERRA (Gestão de Terras Aráveis, S.A) e pelo Consórcio Odebrecht/FNP e visando criar 600 postos de trabalho. Analisados na sua globalidade, esses dois projectos receberam quase 17 vezes mais financiamentos (1.883 milhões de AKZ) que a totalidade dos 5 projectos de âmbito nacional voltados para o sector familiar (multiplicação de sementes, fomento de pequenos ruminantes, fomento da tracção animal, desenvolvimento das culturas alimentares e reabilitação das 24 EDAs), os quais foram contemplados no PIP 2006 com 112,5 milhões de AKZ (cálculo efectuado a partir dos dados indicados pelo CEIC/UCA, 2007).

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Por outro lado, muitos lembram que essa política tampouco apresenta, forçosamente, garantias de ser uma opção racional em termos económicos (sobretudo para os padrões do ultra-liberalismo sui generis pelo qual o país parece ter optado) ou um caminho que permita alcançar níveis significativos de auto-suficiência alimentar a curto ou médio prazos (e muito menos de erradicação da pobreza rural e urbana). Posto que ignora todos os estudos internacionais que comprovam a maior racionalidade e produtividade do sector familiar rural (por unidade de produto) e concentra suas atenções e esforços num segmento empresarial frágil, dominado por algumas centenas de funcionários urbanos e militares desmobilizados, nascido de “processos patrimonialistas e de espoliação do Estado no mínimo obscuros” sic. E, portanto, muito pouco afeito à produção (sem cultura de trabalho ou tradição empresarial, com fraca capacidade de gestão, sem qualquer savoir faire técnico particular, etc.).

Para agravar essa realidade, esse modelo de investimento pesado e dependente (de um ambiente de serviços/apoio técnico e financeiro/comercial que quase não existe no meio rural angolano, de tecnologias intensivas, de assistência técnica e de outros inputs agrícolas importados, etc.) conduz a produções alimentares ou industriais de alto custo (dos factores de produção). Tal opção se verifica profundamente anacrónica com relação à realidade do país, tanto em termos de mercado nacional (onde predominam mais de 90% de famílias sem significativo poder de compra e empresas pouco capitalizadas e performantes), como em termos concorrenciais num mercado regional cada vez mais globalizado. Sobretudo, quando se comparam esses custos por produto com os dos países da África Austral, ou se considera a previsão das várias etapas de eliminação das barreiras alfandegárias na região a curto e médio prazos. (99)

A recente Lei de Base (100) orientadora do “desenvolvimento e modernização” do sector agrário, concebida de forma articulada com a política da nova Lei de Terras (vd. 8.4), parece visar consolidar programaticamente a estratégia de investimentos acima analisada. Em particular, estabelecendo a prioridade dos “mecanismos de incentivo” às actividades e “empresas agrícolas” do sector privado. O que, assaz ironicamente, é visto como a forma mais apropriada para assegurar o “desenvolvimento integrado” do país, através do “aprovei-tamento racional dos recursos naturais”, a preservação dos “equilíbrios sócio-económicos” no campo e a “melhoria das condições de vida da população agrícola” (sic).

Com base na constatação dessas políticas, a maioria dos observadores avalia que parece terem sido definitivamente esquecidas as lições do passado e enterrado o pensamento estratégico levado a cabo pelo Governo com o apoio das agências internacionais, em meados dos anos 1990. (101) Nessa época, o então MINAGRI havia concluído que a “recupe-ração do sector agrícola” pós-guerra devia centrar-se no desenvolvimento do sector familiar,

99 Como se sabe, está prevista na região da África Austral a criação de uma Zona de Livre Comércio até 2008, de uma União Aduaneira até 2010 e de um Mercado Comum no período 2010-2015.

100 Lei de Base do Desenvolvimento Agrário, lei 15/05 de 7 de Dezembro. 101 MINAGRI, 1996. Cabe ressaltar, contudo, que essas mesmas lições e reflexões foram repetidas em finais

de 2002, pelo Sistema da Nações Unidas em Angola quase com essas mesmas constatações e recomen-dações estratégicas para a reconstrução do país (SNUA, 2002).

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cuja produção alimentar tinha maior impacto na “erradicação da pobreza e da sub-nutrição” do que a das grandes fazendas. Além de, com essa opção, se fazer melhor uso dos “recur-sos internos (terra, mão-de-obra, saberes tradicionais, etc.), se ficar menos dependente de factores externos de alto custo (tecnologia, maquinaria, fertilizantes e outros inputs importa-dos) e de se contribuir para a melhor distribuição social dos benefícios do crescimento económico e para a dinamização dos outros sectores económicos (efeito multiplicador). (102)

• A problemática fundiária e a Lei de Terras

Por último, faz-se necessário nos debruçar, com particular atenção, sobre a questão fundiá-ria devido à sua grande importância estratégica como factor crucial e condicionante do sucesso de qualquer estratégia de desenvolvimento e inclusão social, tanto no meio rural quanto urbano. Sendo, portanto, igualmente um dos focos das estratégias da ON nos países africanos em geral e em Angola muito especialmente, inclusive por questões conjunturais.

Com efeito, o período abrangido por esta avaliação coincide exactamente com a proposta de uma nova legislação fundiária pelo Governo (2002), o processo de debate dessa proposta com envolvimento das organizações e lideranças da SC (2002-2004) e o longo trabalho de advocacia desenvolvido pelas ONGs para melhorar a legislação aprovada pelo parlamento (2004) no texto final da sua regulamentação (2007).

Contudo, para facilitar a compreensão global da avaliação, o detalhamento dessa problemá-tica fundiária se encontra na análise contextual da parte deste relatório que trata da actuação dos contrapartes no âmbito do SCO 4.1 (vd. 8.4).

6.2 Contrapartes envolvidos e resultados esperados Considerou-se que esta área de actuação (SCO 1.1) envolveu, como dissemos, 3 contra-partes, dois dos quais contam entre os principais parceiros da ON em Angola desde a segunda metade década de 1990: a ACORD e a ADRA.

Essas três ONGs beneficiaram de financiamentos da ON para implementar 6 diferentes projectos (tabela 6.1) no valor global de 2,43 milhões de Euros, (103) a maior parte deles

102 Curiosamente, parece que grande parte dos técnicos superiores e altos responsáveis do Governo estão conscientes da pouca racionalidade dessa política e possuem uma visão bem mais realista sobre os seus perigos (ineficiência no combate à pobreza, perpetuação do desemprego crónico, alimentação dos fluxos do êxodo rural e, consequentemente, do crescimento descontrolado e desordenado das cidades, etc.). O que abre esperanças para que esse tipo de políticas de investimento venham a ser corrigidas. Vide, por exemplo, a longa e interessante entrevista do ministro do Urbanismo e Ambiente (“Nova Cidade Capital para Angola não está ainda na agenda do Governo, diz Sita José”, Jornal de Angola, 17.01.2008)

103 Estimativa a partir das decisões iniciais de financiamento da ON para esses projectos. Os valores reais transferidos até à desta avaliação podem ser diferentes por várias razões (ajustes nos orçamentos, parcelas ainda não desembolsadas/pagas, etc.). De qualquer forma, isso é irrelevante, pois visa-se unicamente dar uma ideia aproximada do apoio financeiro global da ON aos contrapartes que actuaram com esses SCOs (alguns actuaram igualmente em outros SCOs: vd. anexo V).

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focados na região da Huíla, mas alguns cobrindo igualmente (indirectamente) a província do Bié e do Cunene ou a região periférica de Luanda . (104)

Tabela 6.1: Projectos com actuação na área do aim 1 (SCO 1.1)

Contraparte Projecto Período ACORD 01 Programa Trienal 2005 - 2007 ADRA Huíla 02 PADEAH 2002 - 2005 03 GAMBOS Fase III 2003 - 2004 04 ADRA - Antena Huíla 2004 - 2005 05 PAO – Plano de Acção Operacional 2006 - 2008 CLUSA 06 AgroMarket Produção Comercialização da Norte Huíla 2005 - 2007

Fonte: Dados dos files dos contrapartes (detalhes nos anexos IV e V).

• Resultados previstos/esperados

Globalmente, podemos resumir o conjunto dos resultados esperados por esses três contra-partes, a partir da implementação dos 6 diferentes projectos aqui considerados, (105) na vonta-de de contribuir para a auto-suficiência alimentar e redução da pobreza no meio rural e peri-urbano (Luanda), em particular através do (i) fomento da produção agro-pecuária/alimentar (fornecimento de inputs agrícolas, assistência técnica, etc.), (ii) do incentivo ao associativis-mo voluntário dos produtores rurais (associações, cooperativas, etc.), (iii) do micro-crédito e, no caso específico de um desses projectos (CLUSA), (106) (iv) da criação de facilidades para o acesso ao mercado (comercialização de excedentes da produção familiar). Apresentam-se, na tabela abaixo, os detalhes dos resultados esperados por cada contraparte:

Tabela 6.2: Resultados esperados na área do aim 1 (SCO 1.1)

Contraparte Impactos / resultados esperados (síntese)

ACORD Redução da pobreza nos meios rural e peri-urbano, obtida com a contribuição do trabalho da ACORD para o fomento da produção agro-pecuária, do associativismo e da disponibilização de micro-crédito.

ADRA Huíla Maior segurança alimentar e criação de dinâmicas sustentáveis de desenvolvi-mento rural obtida com a contribuição do programa multi-facetado da ADRA Huíla nas comunidades por ela trabalhadas.

CLUSA Redução da pobreza das famílias rurais através de uma contribuição (i) para promover a criação de redes de associações e/ou cooperativas auto-geridas

104 Com excepção do Programa Trienal 2005-2007 da ACORD, que extrapola esses limites (em princípio, abrange a actuação dessa ONG à escala nacional), todos os outros são localizados nessa província.

105 Lembramos que esses projectos (como todos os desta avaliação) não se concentraram num único SCO, como já dissemos (vd. 5.1).

106 Neste caso específico, trata-se de um projecto especificamente vocacionado para a comercialização agrícola (projecto Agromarket). Mas, na prática, viários outros projectos da ADRA e da ACORD tiveram igualmente impacto na comercialização, embora não tivessem vocação específica para tal e tenham trabalhado de forma menos focada nesse objectivo/resultado.

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e com forte ligação com os principais mercados; (ii) facilitar o acesso dos pequenos produtores a “inputs” agrícolas através de micro-crédito e da assistência técnica.

6.3 Análise dos resultados e mudanças alcançadas Como dissemos no início deste capítulo (5.1), o balanço dos resultados de mudança (nas práticas e políticas) alcançados ou alcançáveis por esses projectos e programas (107) encon-tram-se detalhados nos relatórios de avaliação das 13 ONGs abrangidas por esta avaliação.

Portanto, não caberia aqui fazer uma apresentação exaustiva desses resultados, a qual seria muito longa e acabaria dificultando uma visão global e sintética desse impacto global por SCO. Assim, buscou-se deixar aqui uma visão sintética e global dos resultados mais signifi-cativos, aferidos de forma não exaustiva e sem pretender reflectir a totalidade da actuação dessas ONGs, geralmente mais abrangente. (108) Para os detalhes de cada ONG, aconselha-se vivamente a consulta dos files do volume II da avaliação.

Caso específico da ACORD e da ADRA

Para a avaliação dos resultados neste domínio (SCO 1.1), e por proposta das próprias ONGs, foram considerados o resultados obtidos com algumas actividades (projectos) não directa-mente financiadas pela ON (sobretudo no período 2005-2007), mas indirectamente apoiadas e viabilizadas pelo apoio estruturante da ON a essas ONGs (através dos programas globais/ institucionais que a ON tem assegurado a essas duas organizações durante todo o período abrangido pela avaliação). Trata-se, em ambos os casos (ACORD e ADRA), das actividades/ projectos financiados pelo PGDR (financiado pelo Banco Mundial) já atrás analisado (vide 6.1), e cuja execução foi coordenada pelo IRSEM. (109) Sendo, portanto, uma contribuição indirecta da ON aos resultados obtidos através de actividades financiadas por outro doador, mas sem a qual essa actuação das ONGs seria inviável. (110)

107 Denominamos programa quando a avaliação se debruça sobre os resultados de vários projectos suces-sivos financiados pela ON ao longo do período abrangido por esta avaliação (2002-2007).

108 No caso deste SCO, por exemplo, não tivemos a oportunidade de aprofundar a avaliação de resultados no domínio deste SCO nos projectos mais antigos dos contrapartes, como no caso dos Gambos e do PADEAH (ADRA) ou os programas mais antigos da ACORD (2002-2004), os quais sequer foram aqui considerados. Consequência inevitável de uma metodologia de avaliação com pouco tempo de campo, demasiado baseada no subjectivismo e na memória dos entrevistados e que, ao fim e ao cabo, acaba “empurrando" os exemplos e testemunhos escolhidos pelas equipas dessas ONGs para as actividades mais recentes. Sobretudo, no contexto da incipiente falta de organização da informação escrita e da sistemática perda de memória institucional dessas ONGs.

109 Esse programa, como dissemos, organizou o assentamento rural de 138 mil ex-combatentes da UNITA e das FAA, principalmente em Benguela, Bié, Huambo, Huíla, Kuaza Sul e Malange (2003-2006).

110 Como foi já aqui analisado, esse tipo de programas (PGDR) tende a focar-se na compra de serviços e não cobre grande parte das necessidades institucionais e da estrutura organizativa/operacional das ONGs que eles contratam para executar seus projectos (em alguns casos, nem sequer cobrem a totalidade dos RH e custos logísticos que são necessários à implementação dos serviços contratados).

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• Contribuição para a auto-suficiência alimentar e a redução da pobreza rural

Considerou-se que os resultados mais significativos e importantes alcançados nesta área ocorreram no âmbito do apoio ao assentamento rural de quase 9 mil famílias deslocadas e de ex-combatentes (por vezes envolvendo outros produtores agro-pastoris das redondezas), levado a cabo pela ACORD e pela ADRA em três províncias da região Sul. (111)

No âmbito dessas acções, foram distribuídos inputs agrícolas (sementes, instrumentos, etc.) à totalidade destas famílias e foram desenvolvidas algumas acções complementares com uma parte desse universo social (experiências de tracção animal organização associativa, bancos de sementes, micro-crédito, apoio à comercialização, etc.).

Existem alguns exemplos e testemunhos que evidenciam um relativo sucesso da contribuição da actuação dessas ONGs (vide tabela 6.3) para relançamento da capacidade produtiva agro-pecuária e o aumento e melhoria da auto-suficiência alimentar de uma parte significativa dessa população. Constata-se, ainda, o reforço da sua capacidade organizativa voluntária e solidária para desenvolver a transformação (processamento) e/ou a comercialização dos seus exceden-tes agrícolas, em alguns casos com impactos significativos no aumento da geração de renda familiar e de reactivação dos fluxos comerciais locais.

Outros exemplos/resultados considerados

Foram incluídos, nesse balaço, igualmente os resultados da actuação específica da CLUSA no domínio da promoção da produção e comercialização agro-pecuária na região Norte da Huíla, através do associativismo comunitário e dos serviços de micro-crédito (fundos rotativos para desenvolver a pecuária familiar, por exemplo) envolvendo cerca de outras 2,1 mil famílias. (112)

Da mesma forma, incluíram-se os resultados da actuação da ACORD na área do micro-crédito no meio rural (Huíla e Namibe) e na periferia de Luanda, para incentivar os pequenos negócios produtivos e comerciais, principalmente femininos (89% dos casos).

Tabela 6.3: Exemplos e evidências de contribuição para resultados e mudanças na área do SCO 1.1

Resultados e mudanças (temas)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

Aumento/melhoria

da produção

agro-pecuária e da

auto-suficiência ou

segurança alimentar

• ACORD: Segundo um estudo da entidade contratante (IRSEM), cerca de 2.000 famílias

(35% das 5,8 mil abrangidas em três províncias) teriam obtido resultados de produção, auto-

suficiência alimentar e geração de renda familiar acima das previsões iniciais. Além disso,

estima-se que há uma forte probabilidade para que grande parte das restantes famílias não

abrangidas por esse estudo (65%) tenham obtido igualmente bons resultados. Infelizmente,

não foi possível obter dados mais detalhados ou outras evidências sobre esses resultados.

111 Números aproximados. Não dispomos dos dados quantitativos detalhados para esta actuação das 2 ONGs no âmbito do PGDR. Ou seja, da ACORD (cerca de 5,8 mil famílias abrangidas por 8 projectos nas províncias da Huíla, Bié e Cunene) e da ADRA (não dispomos de dados sobre as famílias abrangidas nos 8 municípios da Huíla; mas supomos que ela envolveu um total de cerca de 2,8 mil famílias, erradamente indicadas como sendo a população envolvida apenas em Cacula e Caluquembe).

112 Não dispomos, contudo, de qualquer de informação mais detalhada sobre estas 2,1 mil famílias envolvi-das e sobre os resultados concretos desse projecto.

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Tabela 6.3: Exemplos e evidências... (continuação 01).

Resultados e mudanças (temas)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

Aumento/melhoria

da produção

agro-pecuária e da

auto-suficiência ou

segurança alimentar

• ADRA: Foi constatado o aumento da capacidade produtiva e das culturas alimentares de

grande parte das famílias envolvidas nos 8 municípios (cerca de 2,8 mil famílias). Tomando-

se Cacula e Caluquembe como exemplo, foi introduzida a tracção animal em 300 lavras

familiares (através do crédito animal) e cerca de 600 famílias organizadas em 5 associações

aumentaram a sua autonomia na produção de sementes (através de bancos de sementes

comunitários) e passaram a ser distribuidoras de sementes/mudas a outros produtores da

região (exemplo: a batata-rena tipo ajax-holandesa originou uma variedade “degenerada”/

adaptada que está a ser distribuída na região e nas outras províncias).

Um estudo sobre 10% desses 600 produtores, para medir as mudanças entre 2002 e 2007,

revelou o aumento significativo das lavras familiares (de 0,5 para 3,0 ha em média) e a

diversificação das culturas: de 2 variedade (milho e feijão) para 8 em média (milho, feijão,

batata-doce, batata-rena, soja, amendoim, mandioca e massambala).

• CLUSA: Foram constatadas significativas melhorias na produção agro-pecuária, na

segurança alimentar e na diversificação das actividade produtivas (inclusive, com criação de

novas oportunidades de emprego) no âmbito das 2.100 famílias apoiadas pelo projecto

dessa ONG aqui considerado. Contudo, não dispomos de mais dados/evidências ou

exemplos concretos e quantificados sobre esses resultados.

Incremento do

associativismo

voluntário e

solidário dos

produtores rurais

• ACORD: Não foi possível obter exemplos/informações detalhadas nesse domínio.

• ADRA: Foi constatada a emergência de embriões de associações e cooperativas rurais

(para a gestão de lavras colectivas, a organização dos “tratadores” de gado, a organização

colectiva do processamento e comercialização de produtos agrícolas através de moagens e

“cantinas comunitárias”, por exemplo) na totalidade dos 8 municípios trabalhados pela ONG

no âmbito do PGDR. Merecem destaque, o caso específico de Cacula e Caluquembe, onde

foram criados pelo menos 6 Fundos Comunitários, geridos por Comissões de produtores

organizados em 5 associações, os quais permitiram o sucesso das lavras colectivas e dos

“bancos de sementes” dessas 5 associações. Hoje esse modelo de acção associativa

estaria a ser replicado espontaneamente por outros produtores nas regiões vizinhas.

• CLUSA: Constatou-se a emergência de 4 cooperativas de camponeses a trabalhar com

crédito para o incentivo da produção. Duas delas já foram legalizadas (facto ainda raro e de

procedimento moroso em Angola) e possuem 30% de mulheres entre os seus membros.

Aumento do

micro-crédito no

meio rural e

peri-urbano

• ACORD: Foram feitos cerca de 90 micro-empréstimos a pequenos empresários informais

(89% dos quais mulheres) na província do Namibe (33 casos, parceria com as ONGs locais

GPS e Votate), na Huíla (26 casos, parceria com Soka Yola) e na periferia de Luanda (30

casos nos bairros de Kilamba Kiaxi e Cazenga). Essas experiências cobriram várias activida-

des produtivas e comerciais (pequenos animais, pão, peixe seco, outros alimentos, etc.).

• ADRA: Não foi possível obter exemplos/informações detalhadas nesse domínio.

• CLUSA: As duas cooperativas já legalizadas trabalham com fundos rotativos de crédito

(para sementes, tracção animal, etc.) e têm vindo a influenciar outros produtores/entidades

associativas da região. Por outro lado, elas também já negociam créditos com instituições

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bancárias locais, sem interferência da ONG. Constata-se, por último, um salto qualitativo no

comportamento dessas famílias associadas com relação ao crédito (utilização produtiva,

regularidade de reembolsos, etc.), podendo influenciar mudanças de comportamento dos

produtores de suas regiões com relação ao crédito, bem como das próprias entidades

bancárias/emprestadoras, como o Banco Sol (maior interesse e flexibilidade dos

empréstimos para pequenos produtores, por exemplo).

Tabela 6.3: Exemplos e evidências... (continuação 02).

Resultados e mudanças (temas)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

Acesso ao mercado

e aumento da renda

familiar no meio

rural e peri-urbano

• ACORD: Estima-se que o apoio à produção agro-pecuária acima detalhado (5,8 mil

famílias em 3 províncias) aumentou a capacidade de acesso ao mercado e a renda dessas

famílias (venda de excedentes). Estima-se, sobretudo, que as experiências com o micro-

crédito (90 casos) aumentou o protagonismo económico das mulheres e a renda de suas

famílias. Mas não foi possível obter dados concretos sobre esses resultados.

• ADRA: Da mesma forma, estima-se, em geral, que o apoio à produção agro-pecuária

acima detalhado (em 8 municípios da Huíla) aumentou a capacidade de acesso ao mercado

e a renda dessas famílias (venda de excedentes). Um dos indicadores desse resultado pode

ser encontrado na experiência de Cacula, com a criação das “cantinas comunitárias”, o

renascimento do mercado de Nangolo (em 2005) e o reaparecimento dos “ambulantes” na

região para comercializar os produtos agrícolas locais.

• CLUSA: Estima-se, em geral, que o trabalho de apoio ao associativismo (2,1 mil famílias)

e o com o micro-crédito, acima mencionados, teve impactos muito positivos no aumento da

produção, na competitividade e comercialização agrícola dessas famílias, com incidência

nas suas rendas (inclusive, diversificando as suas fontes de renda). Contudo, não foi

possível obter dados mais detalhados ou outras evidências sobre esses resultados.

6.4 Algumas considerações finais sobre os resultados Dos exemplos de resultados acima expostos (e não obstante os gaps de informação assina-lados), pode-se concluir que, embora existam evidências de que em termos práticos os contrapartes avaliados contribuíram decisivamente (com o apoio dos financiamentos da ON) para a auto-suficiência alimentar e a redução da pobreza no meio rural no qual eles actuaram, essa contribuição ainda pode ser considerada, de uma maneira geral, relativa-mente modesta (muito embora possa assumir proporções significativas em certas comunida-des e regiões específicas).

Da mesma forma, em termos das mudanças nas políticas, a avaliação não permitiu encontrar evidências cabais de que os resultados obtidos sejam sustentáveis ou tenham assegurado uma nova mentalidade/cultura ou dinâmica de desenvolvimento rural no seio das administra-ções locais ou das populações envolvidas, que garanta níveis substantivos e em larga escala de redução da pobreza nesses meios rurais. Salvo, talvez, em alguns casos localizados, mas não generalizáveis. (113)

113 Algumas comunidades de Cacula (Huíla) poderiam representar um exemplo interessante e passível de constituir um desses casos. Mas essa aferição necessitaria mais aprofundamentos in loco. Por outro lado,

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Por fim, não foi possível identificar quaisquer evidências ou testemunhos de resultados significativos da influência desses projectos/actividades no nível de politicas mais formais da área da segurança alimentar e do desenvolvimento rural e áreas/temas correlatos (nos órgãos municipais pertinentes ou no tecido empresarial, por exemplo). Neste domínio, talvez, o caso mais destacado seja o da experiência da CLUSA com o micro-crédito. Esta parece estar a suscitar o nascimento de uma outra “cultura” camponesa nesse domínio (mais responsável e confiável em termos de utilização dos créditos e seu reembolsos) e, dessa forma, a influenciar mudanças de mentalidade e de comportamento no seios das instituições bancárias/creditícias. O que as tornaria mais inclinadas a facilitar o acesso de seus serviços aos pequenos produtores. Infelizmente, dispomos de poucas informações quantificadas ou qualitativas sobre estas experiências. (114)

Algumas razões

Podemos citar vários tipos de razões que explicam esses resultados mitigados. Desde o próprio contexto geral do sector rural, esboçado na primeira parte deste capítulo, ou a modéstia da escala ou dos objectivos das actividades das ONGs nesse domínio do SCO 1.1 (número de famílias por região, recursos financeiros disponibilizados, tipo de actividades apoiadas, etc.), passando pela concepção de alguns projectos -- ainda muito marcada pelo assistencialismo e o imediatismo típicos da “emergência” (focados em resultados de curto prazo e na distribuição de inputs, com pouca assistência técnica, com incipiente apoio à organização dos produtores, etc.) --, pelo peso da “fase humanitária” nas práticas e nas metodologias das ONGs ou pelo êxodo recente dos melhores “quadros” das ONGs (ou sua “descapitalização técnico-científica”). Sem esquecer os pouco recursos que são alocados (115) ou as dificuldades internas atípicas de algumas ONGs. (116)

A esse propósito, sobre a série de factores do contexto político-institucional e económico que constrangeu esses resultados (e que já descrevemos), nos parece ter tido particular impor-tância a falta do enquadramento de uma verdadeira politica nacional de desenvolvimento da agricultura camponesa/tradicional. Ou seja, formulada em termos capazes de disponibilizar

seria igualmente preciso considerar as condições favoráveis locais, que estão longe de ser as condições médias das outras regiões.

114 Gostaríamos de ter podido explorar/avaliar um pouco mais esta experiência da CLUSA e sua possível contribuição ao desenvolvimento de uma política de crédito rural aos pequenos produtores (talvez através de um grupo temático de discussão envolvendo produtores/beneficiários, instituições bancárias, etc.).

115 Se tomarmos como exemplo os projectos da ACORD e da ADRA considerados nesta avaliação (financia-dos pelo Banco Mundial, mas implementados com apoio estruturante/institucional indirecto da ON, como vimos), somos forçados a constatar que essas actividades contaram com recursos do Banco Mundial da ordem dos 100 dólares (ADRA) a 300 dólares (ACORD) por família envolvida (considerando 2,8 mil e 5,8 mil famílias, respectivamente) ao longo de todo o período da sua implementação (2005-2007). O que, convenhamos, permite garantir muito poucos resultados “de desenvolvimento”. Mesmo considerando o apoio indirecto da ON com que esses projectos contaram.

116 Veja-se o caso emblemático da ACORD e da sua recente evolução institucional (processo de “africaniza-ção” com uma inevitável “luta pelo poder” no seu seio, e.g.). Inclusive, com sérias consequências negati-vas no seu programa em Angola, tanto devido às mudanças de orientação com base em parâmetros “externos” ou “continentais” pouco preocupados ou consistentes com a realidade angolana, como devido à “indisponibilidade” de uma parte significativa dos recursos da ACORD Angola financiados pela ON.

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aos pequenos produtores familiares: serviços em rede de extensão e assistência técnica/ capacitação dos produtores e suas associações; facilidade de financiamento e de acesso a outros serviços no meio rural (fornecimento garantido de inputs de qualidade, e.g.); modali-dades de apoio à conservação, processamento e comercialização dos seus produtos; etc.

Conclusões provisórias

Feito esse balanço global, é forçoso tirarem-se pelo menos duas conclusões gerais, mesmo se de carácter provisório em face dos limites metodológicos da avaliação, os quais recomen-dam mais aprofundamentos. E ainda que estas conclusões “gerais” tendam a obscurecer resultados “particulares” (de projectos específicos ou algumas ONGs, e.g.) eventualmente mais positivos.

A primeira, é de que, na prática, constatou-se uma insuficiente relevância ou um “desencon-tro” da maior parte das actividades apoiadas pela ON (mesmo se de forma indirecta ou diluídas em programas globais de “apoio institucional”) com o contexto sectorial aqui descrito. (117) Tudo indica que, de uma maneira geral e salvas as excepções (CLUSA), esse apoio teve dificuldades para se adaptar à realidade do sector rural pós-guerra (necessidades e prioridades estruturais, ausência de advocacia a favor de políticas de desenvolvimento rural, actuação de curto prazo, etc.) e, portanto, acabou se “diluindo” em acções demasiado paliativas e sem foco estratégico de longo prazo, sem poder contribuir eficazmente para influenciar mudanças estruturantes e sustentáveis.

A segunda e menos “geral” (se verificou em parte dessas ONGs e principalmente no último triénio), prende-se com o facto de que o contributo da ON aos contrapartes que actuaram no domínio deste SCO foi, em grande medida, orientado para o reforço institucional, com pouco foco em actividades concretas (pelo menos na prática). Nesse sentido, embora esse apoio tenha tido sucesso em assegurar a actuação global das ONGs, ele acabou permitindo o seu “aproveitamento” por outros doadores (sob a forma de obtenção de serviços baratos, em especial). O que terminou configurando, quer queiramos ou não, uma certa forma de “subsídio” a outras agendas ou enfoques de “desenvolvimento” para o mundo rural (do Banco Mundial ou do IRSEM, através PGDR, e.g.). O que, além de ser pouco consistente com o enfoque/estratégias da ON para este sector rural na África, dificilmente poderá ser considerado, em termos globais, como uma grande contribuição para a realização dos seus SCOs nesta área.

117E igualmente com o contexto fundiário descrito mais adiante (vd. 8.4).

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7. THE RIGHT TO BASIC SOCIAL SERVICES (aim 2)

Health (SCO 2.1) & Education (SCO 2.2)

7.1 Breve caracterização do contexto sectorial Os custos e os efeitos devastadores da guerra têm representado a principal justificativa para todas as mazelas da educação e da saúde em Angola, dois sectores essenciais para a qualidade de vida da população e a valorização do capital humano angolanos. Em particular, para explicar os fracos recursos financeiros que o Governo tem investido nesses sectores, um dos mais baixos investimentos desse tipo na África e que destoa claramente com as políticas públicas dos restantes países da região Austral. (118)

Contudo, quase seis anos depois da assinatura dos acordos de Luena (2002), está a ficar cada vez mais claro que as razões do declínio dos serviços sociais em Angola, iniciado em finais da década de 1970 e intensificado na década de 1980 (119), são bem mais complexas. Nestes últimos anos de lenta abertura politica, tem vindo a ser publicada abundante literatura que tende a demonstrar que essa negligência com o “social”, certamente agravada pelas destruições da guerra, tem igualmente a ver com o progressivo desinteresse político do Governo por esses gastos sociais, em paralelo com uma progressiva orientação da “parte do leão” dos recursos do Estado para o esforço de guerra (principalmente a compra de armas) e o alargamento do “buraco negro” de uma gestão estatal pouco transparente. (120)

Gestão essa que a maior parte dos analistas demonstra ter sido progressivamente orientada para a acumulação e o enriquecimento de um pequeno segmento social, no intuito de conso-lidar a emergência da nova elite político-económica do país.

Alguns exemplos desse fenómeno, referentes a suspeitas de desvios de recursos realizados nos últimos anos da década de 90 (durante a qual os rendimentos do petróleo passaram de

118 Na educação, segundo Vidal (2007), a média de gastos/investimentos dos países da SADC ronda os 17% do OGE. Em Angola, nos últimos anos (2001-2005), esses gastos têm representado 1/3 disso, variando em torno de 5% a 7% (com uma forte concentração nos salários e na administração). No que respeita à saúde, segundo o Banco Mundial (2008), entre 1997 e 2001 o Governo dedicou 1,5% do PIB a esse sector (concentrados nas províncias do litoral), a comparar com a média dos países da região Austral, que foi mais do que o dobro disso (3,3% do PIB). Vd dados mais recentes na tabela 7.1.

119 Vidal, op. cit. 120 Vidal, op. cit.

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cerca de 3,5 para 7,0 biliões de dólares) (121) são sobejamente conhecidos e foram ampla-mente divulgados na imprensa nacional e internacional. (122) Segundo o Banco Mundial, só entre 1997 e 2001 as inconsistências da contabilidade pública envolveriam um total 8,4 biliões de dólares para os quais não há explicação plausível (ou utilização orçamental clara). Havendo, assim, abundantes indícios e fortes suspeitas de que a maior parte desses recursos (equivalentes, em média, a 23% do PIB) possam ter sido desviados através de mecanismos diversos (vd. capítulo 8). (123)

Paradoxos da gestão neo-liberal das políticas sociais: o exemplo da saúde

Em termos legais, o enquadramento dessa mudança radical na política social do regime iniciou-se com a opção liberal de 1992. Com relação à saúde, por exemplo, a nova legislação (124) solapou a base “universal” do antigo sistema nacional de saúde, (125) introduzindo a participação do sector privado nesses serviços e transferindo do Estado para os cidadãos a responsabilidade primária pela saúde individual e colectiva. (126) Entre as inovações da nova legislação, destacava-se o seu foco nos “cuidados primários de saúde”, cuja aplicação, na prática, precipitou o colapso da saúde pública no país. (127)

Essa tendência à exclusão da maioria da população do país dos serviços de saúde viria a ser aprofundada em 2002, com a introdução do princípio da “comparticipação” da população nos custos desses raros e ineficientes cuidados primários de saúde. (128)

121 Os rendimentos petrolíferos teriam passado de cerca de 2,0 biliões de dólares em 1987, para 3,5 biliões em 1990, 5,1 biliões em 1996 e 7,0 biliões em 2000 (Hodges, 2002b). Por outro lado, as receitas do Estado teriam assim passado de uma média de 1,0 bilião de dólares anuais durante a década de 1980 a uma média anual superior a 2,5 biliões de dólares entre 1995 e 2001 (Hodges, 2004).

122 Ver, por exemplo, os relatórios da Global Witness (1998, 1999 e 2002) ou da HRW (1999, 2002 e 2004). Por outro lado, esses factos tiveram ampla divulgação na imprensa local e internacional. Em Portugal, por exemplo, vários órgãos da imprensa escrita (O Independente, Público, e Expresso, por exemplo) divulga-ram (entre Julho de 1999 e Setembro de 2001) os escândalos ligados à compra internacional de armas, ao tráfico de diamantes e à “lavagem de dinheiro” envolvendo altos representantes da elite política angolana, políticos estrangeiros e traficantes internacionais de armas/diamantes.

123 Estes mecanismos viriam a ser apelidados de “Angolagate” (GW, 2002). 124 Lei de Bases do Sistema Nacional de Saúde (21-B/92 de 27 de Outubro). 125 A Política Nacional de Saúde dos primeiros anos da independência, conforme definida pela Lei 9/75,

preconizava serviços de saúde universalizados e totalmente socializados (assumidos pelo Estado). 126 Silva e Prata, 2002. 127 Analisando a sua politica orçamental mais recente, constata-se, por exemplo, que no quinquénio 1997-

2001 os Programas de Saúde Pública não tiveram qualquer orçamento entre 1998 e 2001; a rubrica Medicamentos só teve recursos em 1997 e 2001 (com ínfimos 2,2% e 3,8% desses orçamentos, o que explica a absoluta carência de medicamentos nesse período); o Programa de Controlo das Endemias só teve orçamento em dois anos (2000 e 2001), com 3,1% e 5% do total, etc. Em contrapartida, a “assistên-cia médica e medicamentosa” absorveu grande parte desses orçamentos, em particular devido à evacua-ção de doentes para o exterior (serviço acessível a uma ínfima parte da população e monopolizado pelas elites). Por outro lado, a parte dos recursos atribuídos à “rede primária” (que abrange o grosso da popula-ção rural e da população mais pobre em geral), sempre foi inferior à dos hospitais nacionais e provinciais (onde se concentram os atendimentos à população urbanizada e mais abastada), não chegando a 1/4 do orçamento da rede entre 1997-2000 (“Estudo sobre Despesas Públicas nos sectores Sociais. Esboço preliminar”, MEC/MIFIN/MINSA, Luanda, 2002, In Silva e Prata, op. cit.).

128 Decreto 36/02 de 2 de Abril de 2002 (publicado em Julho): Regulamento de Comparticipação da Popula-ção nos Custos das Saúde.

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Por uma estranha coincidência, isso ocorria às vésperas do fim da guerra. Consequentemen-te, no auge da situação criada pelas destruições da sua última fase (1998-2002), quando cerca de quatro milhões de pessoas se encontravam expulsas de suas regiões de origem e espalhadas pelos quatro cantos do país e arredores, quando as famílias de pelo menos 1/3 da população se encontravam totalmente desestruturadas e viviam na dependência da ajuda humanitária, e, por fim, quando havia sido desarticulado (se não fora praticamente arrasado) o que ainda restava das frágeis bases de subsistência, emprego e renda da imensa maioria das populações rurais e peri-urbanas do país.

Paradoxalmente, ou por uma dessas ironias que só a história tem artes de traçar, essa nobre preocupação neo-liberal com a diminuição dos gastos sociais do Estado ocorria no início da expansão exponencial da produção e rendimentos da economia petrolífera -- que iria quintu-plicar o PIB per capita do país em menos de uma década -- e, em simultâneo, explodiam no noticiário dos jornais os últimos desdobramentos dos escândalos milionários sobre a gestão pública desses recursos. (129)

• Efeitos das “rupturas” entre o Estado e a nação: negligência e “humanitarização” nos sectores da saúde e da educação

Assim, constata-se, muito curiosamente, que esse fenómeno caracterizado por uma certa desresponsabilização oficial pelo investimento social (vd. tabela 7.1) ocorreu à medida em que foi sendo construída uma certa “ruptura económica” entre, por um lado, um Estado cada vez mais seguro financeiramente e dependente apenas da economia de “enclave” do petróleo (vd. 3.2. e 3.3) e, por outro, a imensa maioria população do país, cujas actividades produtivas passaram a ser cada vez mais “marginais” para a essa economia (ou seja, na estrutura do PIB, na pauta das exportações ou na estrutura fiscal do país). Actividades essas, portanto, irrelevantes para assegurar as necessidades do Estado. Razão essencial pela qual elas foram sendo deixadas à deriva ou quase (vd. o caso do sector rural no capítulo 6).

Tabela 7.1: Orçamentos sectoriais com relação ao PIB e ao OGE (*) Sectores 2004 2005 2006

PIB OGE PIB OGE PIB OGE Educação 2,8 7,3 2,2 6,3 2,4 6,0 Saúde 1,8 4,8 1,5 4,3 2,0 4,9 TOTAL 4,6 12,2 3,7 10,6 4,4 10,9

Fonte: CEIC/UCA, 2007. (*) Em percentagem; OGE: com relação ao total das despesas previstas.

Alguns analistas mais críticos adicionam a essa “ruptura económica” uma outra -- a “ruptura política”, que viabilizaria a primeira em termos político-institucionais. Esta, de certa forma já atrás analisada (vd. capítulo 3), teria emergido com o paulatino abandono dos ideais socialis-

129 Lembramos que o relatório “All the Presidet’s Men” foi publicado em Março de 2002.

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tas de finais da década de 1970 em diante. (130) Ela consolidou-se com as opções menos inclusivas ou mais pragmáticas do “socialismo” de mercado dos anos 1990, que encerraram definitivamente a fase de maior redistribuição social do regime. Sobretudo, a partir do colapso do processo de pacificação e democratização pós eleições de 1992 e, consequente, a protelação do fim da guerra por mais uma década, com seu corolário de consequências -- democratização restringida aos seus aspectos mais formais; (131) forte concentração do poder político e da gestão do Estado numa reduzida nomenklatura e na elite económica ascenden-te polarizada nos seus próprios interesses e ambições; apoio político ao partido no poder “garantido” pelo medo suscitado pelo rosário de arbitrariedades e atrocidades decorrentes do estado de guerra permanente; (132) etc.

Segundo essas análises, a evolução desta outra “ruptura” (política) teria se consubstanciado no gradual abandono da preocupação e dos compromissos sociais do sistema e suas elites com a maioria da população do país (ou com o chamado “contrato social”). Conferindo ao sistema características sociais e políticas cada vez mais excludentes de largas camadas da população.

Sejam quais tenham sido as causas profundas desse contexto, o certo é que os serviços sociais básicos providos pelo Estado para satisfazer as necessidades dos segmentos sociais mais pobres (da mesma forma que o apoio programático, estruturante e financeiro às activi-dades económicas ou de subsistência dessa população), quando não foram totalmente “esquecidos” pelo OGE e os programas oficiais do Estado, foram sendo praticamente reduzidos ao mínimo (aos custos salariais e administrativos do aparelho do Estado para esses sectores, e.g.). Ou passaram a ser assumidos pelo sector privado (depois da liberali-

130 Do ponto de vista sociológico, contribuiu para isso igualmente o declínio das iniciativas de trabalho voluntário dos primeiros anos da independência (grupos de jovens, estudantes, operários, etc. organiza-dos desde as comunidades e bairros até à escala provincial), actuantes em inúmeras áreas das políticas sociais (educação, saúde, habitação, limpeza e saneamento, etc.). Ou a desmobilização progressiva das ODPs (Organizações da Defesa do Povo), que também actuavam na reabilitação e manutenção desse tipo de serviços. Tudo indica que essa desmobilização foi acelerada pela “desilusão” política provocada pela repressão implacável do 27 de Maio de 1977 e o subsequente endurecimento do regime com ou aumento da repressão e a extrema concentração do poder e que se seguiu a esses acontecimentos. Repressão à qual não ficaram imunes inúmeros intelectuais e centenas de lideranças comunitárias em todo o pais (por exemplo, nos musseques de Luanda, uma das grandes bases de influência dos chamados “nitistas”).

131 Muito embora, e paradoxalmente, o principal “formalismo” ou “ritual democrático” do modelo político pelo qual a Revisão Constitucional de 1992 optou (Lei 23/92 de Setembro) tenha caído no “esquecimento” durante mais de uma década (1996-2007), após o fim dos mandatos oriundos das eleições de 1992. Ou seja, a rotina do processo eleitoral, em tese imposta por força desse novo diploma constitucional.

132 O constante recomeço das hostilidades (em 1992-1994 e em 1998-2002) facilitaria a criação de um sentimento generalizado de medo (aliás, no meio rural e nas cidades do interior mais “expostas” seria até mais apropriado falar de terror), alimentado pelas atrocidades de ambos os lados, embora de forma mais acentuada pela estratégia deliberada da UNITA de manter uma guerra de terror e destruição sem prece-dentes para isolar as cidades sob ocupação do Governo (em particular, depois do seu forte rearmamento e retorno à guerra em fins de 1998). Além disso, em termos políticos, esse contexto facilitaria a clássica “demonização” da oposição ao Governo de uma forma geral, englobando qualquer formação ou alterna-tiva política ao regime. Ou conduzindo à estigmatização dos “adeptos da paz a qualquer custo”, como eram designados os activistas e organizações da SC que, no período 1998-2001, multiplicavam iniciativas de mobilização social contra a continuidade da guerra e a favor de uma “paz negociada” (estigma basea-do, como era de se esperar, na denúncia de anti-patriotismo, numa suposta “agenda” de interesses “suspeitos” por trás desse activismo, etc.).

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zação do mercado no início dos anos 1990), embora de forma incipiente face aos altos níveis de pobreza. (133) Ou, ainda, e sobretudo, foram sendo transferidos para a responsabilidade crescente dos programas da ajuda humanitária ou da APD (dos organismos das Nações Unidas, dos USA, dos países do Nórdicos, da Cruz Vermelha, etc.), muitas vezes executa-dos com o apoio decisivo das igrejas (geralmente, detentoras de amplas redes de apoio social no país e beneficiárias de fundos de suas congregações internacionais) e das ONGs internacionais.

Com efeito, como bem analisa Vidal (2007), esse fenómeno da “humanitarização” das políti-cas ou serviços sociais públicos nasceu nos últimos anos da década de 1970 e aumentou no primeiro quinquénio da seguinte (principalmente na área da saúde, diante da intensificação da guerra e suas destruições). Sendo, inclusive, assumido como parte crucial da política do Governo, que atribuiu um papel “complementar” estratégico a essa ajuda humanitária e à “cooperação internacional”. (134) Essa importância estratégica se manteve durante toda a década de 1990, especialmente nas áreas da ajuda alimentar, da saúde e da educação. Mas, desta feita, com um papel mais pronunciado e crucial das ONGs internacionais execu-toras dessa ajuda humanitária, que conheceriam o auge de sua implementação em Angola nessa década, bem como das ONGs nacionais cuja emergência foi impulsionada por esse contexto humanitário (vide análise detalhada no capítulo 3).

Esse papel da ajuda humanitária foi extremamente relevante para os sectores aqui analisa-dos durante quase duas décadas, até começar a ser progressivamente reduzido no final dos anos 1990 (diante do crescimento exponencial dos rendimentos do petróleo e das denúncias crescentes sobre a má gestão dos fundos públicos). Sobretudo, como se sabe, após os acordos de paz de 2002 e o insucesso das negociações para o estabelecimento de um plano de reconstrução pós-guerra fortemente apoiado pela chamada “comunidade internacional”.

Alguns efeitos da negligência com o “social”

Os efeitos combinados da guerra e dessa negligência do Estado têm repercutido fortemente no agravamento da qualidade e na diminuição dos níveis de cobertura dos serviços da saúde e da educação do país (para não falarmos do saneamento, da água potável e do colapso das condições da habitação social, entre outros) desde finais da década de 1970.

Assim, após o sucesso das campanhas dos primeiros anos da independência na área da educação (sobretudo o aumento da cobertura da escolaridade primária e a alfabetização de

133 Com efeito, cabe lembrar que essa evolução ocorreu em simultâneo com o aumento da pobreza nesse período, sobretudo nas cidades, dificultando que a maior parte da população pudesse buscar uma alternativa nos serviços privados (existentes unicamente nestas). Como o demonstra o IDR realizado em 2000/2001, principalmente nas área urbanas de 7 províncias (90% da amostragem), que constatou que a proporção dos agregados familiares urbanos vivendo abaixo da linha de pobreza extrema (equivalente ao valor no mercado “paralelo” de 0,60 dólares por adulto/dia em 1995 ou a 0,75 dólares em 2000/2001) tinha passado de 11,6% em 1995 para 24,7% em 2000/2001 (INE, 2001). Não por acaso, os maiores níveis de privatização desses serviços ocorreram em Luanda, onde se concentram os segmentos sociais mais endinheirados. Na educação, por exemplo, a percentagem dos alunos matriculados nas escolas privadas já era de 14% em 1998 (SNUA, 2002).

134 Conforme explicitado no Relatório do Comité Central ao IIº Congresso do Partido (Luanda, Dezembro 1985) citado por Vidal (op. cit.).

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adultos) ou na saúde, a situação iria se reverter rapidamente, assistindo-se à diminuição drástica do atendimento desses serviços públicos, (135) como mostram os exemplos a seguir.

Em 1985, uma epidemia de cólera seria responsável por 4 mil mortos só em Luanda, (136) na sequência da qual o país conheceria vários outros surtos. (137) No primeiro quinquénio dos anos 1990, as matrículas do ensino primário manter-se-iam à volta de 1 milhão por ano e as campanhas de alfabetização não iam além dos 25 mil adultos inscritos por ano, pouco mais de 10% da média anual do período 1976-1979. (138) Em 1998, a taxa líquida de escolarização primária (crianças inscritas nos seis anos do ensino de base) não chegava à metade das crianças em idade escolar. (139) Quando à escolarização de adultos, com base nos dados parciais de 2000/2001 (140) estimou-se que o analfabetismo nas zonas urbanas fosse da ordem dos 12% para os homens e 37% para as mulheres na época, com grandes possibili-dades dessa estimativa optimista corresponder apenas a uma parcela da realidade. (141)

As constatações mais recentes (por volta de 2002/2003) indicavam para a educação cerca de 1 milhão de crianças fora da escola (142) e eram ainda mais dramáticas para a área da saúde (menos de 45% da população do país coberta por serviços de saúde), reflectindo fortemente a negligência das politicas públicas nessa área e o contexto de pobreza do país.

135 Por exemplo, como descreve Vidal (op. cit.) (com base nos dados oficiais do Relatório do Comité Central ao 1º Congresso Extraordinário do Partido realizado em Luanda em Dezembro de 1980), nos quatro primeiros anos da independência (1976-1979) o número de crianças inscritas nos quatro primeiros anos da escola primária foi multiplicado por quatro, passando de cerca de 600 mil em 1973 para 2,4 milhões em 1979. Nesse mesmo período, cerca de 759 mil adultos (veteranos das forças armadas, trabalhadores e camponeses) haviam seguido cursos de alfabetização e perto de 43% deles já haviam sido alfabetiza-dos (cerca de 330 mil). Contudo, essa dinâmica social iria entrar em declínio nos anos seguintes: o número de inscrições na escola primária manter-se-ia estagnado nos anos 1979-1981 e o de adultos alfabetizados cresceria menos de 10 mil nesse mesmo período. Progressos mais ou menos similares foram igualmente registados na área da saúde pública, com a ampliação dos estabelecimentos de atendimento (e com o apoio de médicos cubanos) ou as campanhas anuais massivas de vacinação de crianças, por exemplo. Mas a duração desses resultados iniciais foi encurtada por vários problemas que reverteriam a situação (falta de financiamentos e de material, fraca coordenação sectorial, em especial na área de importação e transporte/distribuição dos medicamentos nas províncias, etc.).

136 Vidal, op. cit. 137 Alguns exemplos: Surto de poliomielite em 1999 (1.117 crianças afectadas), de meningite em 2002 (1.263

casos e 152 mortes até Outubro desse ano) e de febre hemorrágica de Marburgo em 2004 (318 mortes entre Outubro desse ano e Julho de 2005).

138 SNUA, op. cit. 139 SNUA, op. cit. Utilizando dados do Ministério da Educação e Cultura. Ou seja, 47,4%. Os dados do MICS

de 1996 (levantados nas 18 províncias, inclusive nas zonas da UNITA, confirmam essa estimativa global: 49,7%). A taxa líquida de escolarização corresponde à percentagem de crianças com idade oficial para ingressarem no ensino primário (6 a 11 anos) que se encontram efectivamente matriculadas (ou seja, com relação ao grupo populacional total dessas idades).

140 INE, op. cit. 141 Essas estimativas são demasiado optimistas, tanto por não englobaram as cidades sob domínio da

UNITA (excluídas da amostragem do inquérito), quanto por não tomarem em consideração o domínio real da língua escrita (expressão escrita, leitura e interpretação), fenómeno conhecido por “analfabetismo funcional”. De qualquer das formas, para o meio rural (metade da população na época) essas taxas eram de 31% dos homens e 66% das mulheres (embora esse inquérito fosse limitado para as zonas rurais).

142 Não obstante a campanha “Regresso à Escola”, que já tinha envolvido cerca de 500 mil crianças na época (UNICEF, 2003).

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O exemplo da saúde materno-infantil

Focando a análise na saúde materno-infantil, para a qual existem mais dados disponíveis que pouco mudaram desde então, (143) constatavam-se, por volta de 2002/2003, cerca de 181 mil mortes anuais de crianças de menos de 5 anos, devido à terceira mais alta taxa de mortalidade infantil desse tipo do mundo (cerca de 250 a 260 óbitos por 1000), represen-tando o dobro da taxa média da África sub-sahariana. (144) Por outro lado, a taxa de mortali-dade materna era igualmente uma das mais altas do mundo (mais de 1,8 mil óbitos por 100 mil nascidos vivos), (145) causando cerca 11 mil mortes e 36 mil órfãos anuais. (146)

As causas dessas situações estando, como era de se esperar, ligadas à fraca cobertura dos serviços de saúde (cuidados primários, planificação familiar, cuidados pré-natais, etc.) (147) e a uma série de outros factores articulados, que facilitam ou agravam os efeitos dessa cober-tura sanitária, dentre os quais destaca-se o quase abandono das zonas e populações rurais pelo Estado; a “periferização” da imensa maioria das populações urbanas em subúrbios desprovidos dos serviços sociais mais básicos (vide análises do capítulo 3) e a situação de pobreza de 3 em cada 5 famílias do país (2001), (148) com seus reflexos na desnutrição e nas péssimas condições de vida e higiene a ela associadas. (149)

No caso da mortalidade infantil (considerando a totalidade das mortes das crianças de menos de 5 anos), as quatro principais causas eram, por ordem de importância: (i) a malária (66% dos casos); (ii) as doenças diarreicas agudas, reflectindo as insuficiências da higiene na prática da lactancia materna, as deficiências de água potável ou a falta de meios sanitá-rios dos domicílio; (150) (iii) as infecções respiratórias agudas (a principal causa de morte sendo a pneumonia que, como se sabe, é mais grave nas crianças desnutridas) e, por fim, (iv) as doenças imunopreveníveis, dependentes da fraca cobertura de imunização no país

143 Embora grande parte dos dados fossem estimativas realizadas a partir de informações colectadas em 2000/2001, através do Inquérito de Indicadores Múltiplos (INE/UNICEF, 2001).

144 Refira-se que, segundo o Ministério da Saúde (MS/UNICEF, 2004), 38% das mortes das crianças de 1 a 4 anos (portanto, não neonatais ou pós neonatais), tinham uma maioria de causas (60%) de fácil prevenção ou tratamento através de cuidados primários de saúde: malária (23%), diarreia (18%), infecções respirató-rias agudas (15%) e sarampo/tétano (4%).

145 Essas estimativas datam de 2000/2001, e tudo indica que elas tenham baixado drasticamente. Segundo uma recente entrevista do Ministro da Saúde (Anastácio Sicato), essa taxa andaria hoje por volta do 1.000 óbitos, o que ainda é muito elevado, mesmo para os padrões africanos. Por outro lado, ela não se baseia em nenhum estudo sistemático e abrangente conhecido. (Correio da Manhã, 10.01.2008).

146 De destacar, a esse propósito, que a maioria dessas mortes concentrava-se nas zonas urbanas “altamen-te aglomeradas e pobres” e nas zonas rurais sem acesso aos serviços de saúde (MS/UNICEF, op. cit.).

147 UNICEF, op. cit.; MS/UNICEF, op. cit. 148 Os dados de 2000/2001 (INE, 2001), já atrás referidos para a pobreza extrema, estimavam proporção dos

agregados familiares urbanos vivendo abaixo da linha de pobreza (equivalente ao valor no mercado “paralelo” de 1,68 dólares por adulto/dia) em cerca de 63%. Não existem estudos mais recentes sobre a pobreza no país, mas algumas estimativas sugerem que essa realidade não sofreu alterações profundas (a linha de pobreza podendo se situar entre os 50% e 60%).

149 Sem esquecer outros factores complicadores igualmente associados à pobreza: a dependência e o baixo status da mulher na sociedade/família, o seu incipiente acesso à educação, as “barreiras culturais”, etc.

150 Estimava-se, em 2005, que 60% dos domicílios não tinham acesso a água potável e 75% não possuíam sanitários (www.unicef.org).

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(poliomielite, BCG, febre amarela, sarampo, etc.), a qual é inferior à média da África Austral e apresenta índices de cobertura variando de 73% (para o tétano) a 45% (para a polio3)

Estimando-se, por fim, que uma grande parte dessas mortes infantis poderia ser facilmente evitada com melhorias na cobertura ou numa maior atenção aos serviços básicos de saúde, (151) então com fortes carências de pessoal especializado (152) e necessidades prementes de reabilitação das infra-estruturas e serviços na maior parte das províncias. (153)

• Sobre o VIH/SIDA e as políticas públicas

Não poderíamos deixar de abordar, em poucas palavras, a questão do VIH/SIDA que possui particular destaque no Programa da ON em Angola do período desta avaliação.

Os primeiros casos de VIH/SIDA teriam sido diagnosticados no país em 1985 e nos finais da década de 1990 a epidemia já estaria fortemente implantada. (154) De acordo com o Ministério da Saúde e várias outras fontes consultadas, no início do período aqui avaliado (2001/2002) (155) a sua incidência já andaria à volta de 344 mil infectados (seropositivos), (156) indicando uma prevalência em torno de 5,7 a 5,5 por cento e cerca de 24 mil mortes anuais. Outros estudos da época, contudo, tinham estimativas diferentes. Um deles, realizado no ano seguinte com apoio dos USA, apontava para uma prevalência entre adultos de apenas 2,8. (157) Todas essas estimativas, contudo, devem ser consideradas com uma

151 No caso da mortalidade infantil, o próprio Governo estimou que poderiam ser facilmente evitáveis entre 41% (“expectativa média”) a 50% (“expectativa alta”) desses 181 mil óbitos infantis anuais. O que repre-sentaria 71,9 mil e 90,5 mil crianças respectivamente (MS/UNICEF, op. cit.).

152 Segundo o Ministério da Saúde (MS/UNICEF, op. cit.), a situação em 2002 seria de cerca de 77% dos médicos concentrados em Luanda (68% deles) e em mais duas províncias (Benguela e Huíla, com os restantes 9%). Por sua vez, mais de metade dos enfermeiros (51%) estavam igualmente localizados nessas mesmas regiões (30,5% em Luanda, 12,5% em Benguela e 8% na Huíla).

153 O balanço da situação em 2002 (MS/UNICEF, op. cit.) indicava que não estavam em condições “funcio-nais” cerca de 11% dos 112 hospitais do país (sobretudo no Kwanza Sul e K. Kubango), cerca de 10% dos 277 centros de saúde (sobretudo na Lunda Norte, Uíge, Kwanza Sul e Huíla) e de 46% dos 1.716 postos de saúde (sobretudo na Huíla, Uíge, Moxico, Huambo, Kwanza Sul, Lunda Sul e Bengo). Muito embora subsistam algumas dúvidas sobre estes dados totais (alguns documentos indicam números muito diferentes para esse tipo de infra-estruturas existentes no país).

154 Na Huíla, onde se concentram as actividades da ON nesse domínio, o primeiro caso dataria de Janeiro de 1991. Dois outros casos seriam diagnosticados no ano seguinte e uma década depois (2001) a prevalên-cia rondaria os 2,5%. Na globalidade, estimava-se que até Julho de 2005 já tivessem sido “diagnostica-dos” cerca de 3 centenas de casos na província, em especial em mulheres grávidas (Pereira, 2006; ONUSIDA/OMS, 2000). O que parece ser uma subestimação da realidade da doença na região nesses 15 anos (devido à falta de meios de controle/diagnóstico, à pouca cobertura das consultas pré-natais, à maior dificuldade para se diagnosticarem os casos de contaminação masculina, etc.). Refira-se que a Rede VIH/SIDA da Huíla, por seu lado, faz estimativas 6 vezes superiores para o mesmo período: 1.813 notificações (cerca de 59% de mulheres, o que apenas demonstra o baixo nível de controle da doença nos homens) e 190 mortes entre 1991 e Julho de 2005 (RSH, 2005).

155 UNAIDS / UNICEF / WHO (2002) 156 Em Angola também denominados “pessoas vivendo com VIH” ou apenas “pessoas vivendo”. Outras

fontes indicam mais de 400 mil. 157 (“Seroprevalência do VIH em mulheres grávidas em consulta pré-natal. Relatório geral”, Center for

Disease Control, Angola, 2004).

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certa reserva, pois essa taxa de prevalência depende das próprias estimativas demográficas que, como se sabe, são muito variáveis no país. (158)

Os índices dessas estimativas tenderam a diminuir nos anos seguintes, provavelmente devido ao fim da guerra e à melhora da colecta de dados, baixando para uma população da ordem dos 240 mil seropositivos, uma prevalência de 3,9 por cento e cerca de 21 mil mortes anuais entre 2004 e 2006. (159)

Essas médias globais, como era de se esperar, encobriam prevalências muito superiores nas províncias interiores e/ou com extensas fronteiras com países vizinhos detentores de altas taxas de prevalência (Namíbia, por exemplo, com taxas anuais à volta dos 20%), como no caso do Cunene (prevalências variando entre 9 e 12%) ou das Lundas. Encobriam, igual-mente, prevalências bem menores nas províncias menos expostas a essa contaminação fronteiriça, como no caso das províncias costeiras do Kwanza Sul e de Benguela ou mesmo do Bié (com prevalências inferiores a 1,0 por cento). (160)

Existem indicações de que essas taxas já poderiam ter baixado sensivelmente. Algumas estimativas veiculadas pela imprensa angolana apontando para uma incidência, em finais de 2007, da ordem dos 180 mil seropositivos e prevalência inferior a 3,0 por cento. (161)

As ameaças do futuro

158 Aliás, se o recurso a dados estatísticos é complicado em Angola, ele o é ainda mais quando se trata de dados sobre VIH/SIDA. Uma experiência de consulta da documentação existente ou de busca de informações a partir da internet eliminará qualquer ilusão de se poder ter acesso a dados coerentes ou fiáveis. As disparidades e inconsistências poderão ser constatadas não só nos dados das diferentes entidades/fontes nacionais, o que pode até ser compreensível, como também nos de organismos interna-cionais geralmente considerados fiáveis (UNICEF, OMS, WB, etc.), o que é mais curioso. Por essa razão, todos os dados que citaremos aqui são apenas aproximados e carecem de melhor estudo.

159 Convém lembrar que essas estimativas fundamentam-se essencialmente no diagnóstico da prevalência (seropositividade) em mulheres grávidas que frequentam as consultas pré-natais, sendo depois extrapo-ladas para a população adulta global (15-49 anos). O que é um exercício de quase ficção considerando que não se conhecem dados populacionais fiáveis, os quais podem ser muito variáveis nas diferentes províncias, regiões e zonas rurais/urbanas (população, estrutura sexual, estrutura etária, comportamento sexual/reprodutivo, etc.). Nem tampouco se conhecem as taxas precisas do atendimento pré-natal nos meios rural e urbano de cada região (se estima que globalmente ela não passa de 40%). De qualquer forma, através desse método não é muito difícil manipular as estatísticas ou incorrer em sérias distorções da realidade; basta pensar que no primeiro semestre de 2007 haviam sido testadas menos de 23 mil grávidas em todo o pais, o que corresponde a menos de 6% dos nascimentos de um semestre normal (exemplo de 2005: 767 mil nascimentos).

160 As estimativas da epidemia em 2004 (ONUSIDA, 2004), por exemplo, indicavam uma incidência de 240 mil infectados (incluindo 110 mil mulheres e 23 mil crianças), 21 mil mortes (adultos e crianças), 110 mil órfãos devido à doença e uma prevalência geral de 3,9% (adultos) ou de 2,8% nas mulheres grávidas (e uma particular incidência nas trabalhadoras do sexo de Luanda: 32,8% em 2001). Com relação às mulheres grávidas, as províncias mais infectadas eram o Cunene (9,12%), o Uíge (4,8%) e o Kuango Kubango (4,0%). As de menor incidência eram o Kwanza Sul, o Bié (0,76%) e Benguela (0,88%).

161 O que poderia advir, sobretudo, de uma melhoria da colecta/tratamento dos dados e elaboração das estimativas. Contudo, convém considerar essas informações com alguma cautela, visto tratar-se de um ano eleitoral, o tipo de veículo de informação e a não indicação de qualquer estudo sério mais recente para fundamentar essas novas estimativas (“Número de portadores do VIH/Sida em Angola é estimado em 180 mil”, Jornal de Angola, 18.04.2008). Aliás, desde o primeiro caso diagnosticado no país (1985) e devido à guerra, foram apenas realizados dois estudos epidemiológicos, um em 2004 e o outro em 2005.

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Geralmente, considera-se que foram as características geográficas e demográficas do país (regiões fronteiriças pouco habitadas no Leste, Sudeste e Sul do país; concentração da população na região costeira e no planalto central, etc.), e sua articulação com os efeitos da guerra civil (corte da maioria das comunicações terrestres, desarticulação dos fluxos pendu-lares de pessoas/mão-de-obra entre regiões e com outros países, etc.), o que limitou a expansão da epidemia do VIH/SIDA em Angola durante toda a década de 1990, em termos comparativos com os outros países da região Austral.

Por essa mesma razão, o final da guerra é considerado como um do principais factores susceptíveis de provocar a expansão da epidemia no país, (162) devido à reactivação dos fluxos de circulação das populações (retorno dos refugiados, deslocados, desmobilizados, etc.) e das comunicações rodoviárias de longa distância com países vizinhos com alta prevalência.

Os outros factores determinantes indicados são: (i) a baixa cobertura do sistema básico de saúde por várias razões (destruições da guerra, desorganização e desarticulação institucio-nal, falta de recursos, falta de pessoal, etc.), agravado pelo (ii) fraco investimento social, tanto na saúde quanto em outros sectores com forte repercussão na saúde pública (educa-ção/escolaridade, saneamento básico e água potável, e.g.); ou (iii) factores de cunho sócio-cultural, tais como tabus e “tradições” que condicionam o comportamento e a precocidade sexual, ou o baixo status social e dependência económica das mulheres, os quais tendem a induzir sua submissão a práticas de risco (prostituição, envolvimentos sexuais múltiplos e prolongados, etc.).

Por fim, há que destacar o próprio contexto regional de Angola, grande facilitador dessa propagação. Este é historicamente caracterizado por numerosos fluxos populacionais (entre espaços étno-linguísticos e culturais multinacionais, decorrentes de fronteiras “nacionais” difusas herdadas do período colonial) e pelo alto nível integração das economias dos países da região (fluxos de mercadorias e de mão-de-obra de longa distância, para as plantações, as minas, as economias das grandes metrópoles regionais, etc.).

A esse efeito, cabe lembrar que entre os dez países da África Sub-sahariana com maior prevalência de VIH em 2006 (sub-continente onde em 2006 se concentravam quase 63% dos 40 milhões pessoas vivendo com VIH) (163), nove se encontravam na região Austral. Assim, nesse ano, entre os outros 9 países continentais vizinhos da África Austral, 5 países apresentavam índices entre 14% e 20% e os 4 restantes índices superiores a isso, situados entre 20% e pouco mais de 33%. (164)

162 Para a qual ainda não existem estatísticas comprovativas. Ou seja, embora paradoxalmente e devido a vários factores (eficácia dos métodos de medição utilizados, insuficiências estatísticas, controlo da informação por razões politicas, etc.), os diversos estudos epidemiológicos e estimativas hoje disponíveis ainda não permitem constatar essa evolução.

163 Lembrando que 59% delas são mulheres (ONUSIDA/OMS, 2006). 164 As prevalências estimadas em 2006 eram: África do Sul (18,8%), Botswana (24,1%), Lesotho (23,2%),

Malawi (14,1%), Moçambique (16,1%), Namíbia (19,6%), Swazilândia (33,4%), Zâmbia (17%) e Zimba-bwé (20,1%) (BM, 2008).

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Marco legal e institucional das politicas do VIH/SIDA e seus disfuncionamentos

A longo da última década, foram dados inúmeros e importantes passos para se criar um marco legal, institucional e programático de combate ao VIH/SIDA em Angola, embora nem sempre seguido dos resultados esperados. Segundo alguns analistas, a maior preocupação das autoridades angolanas tem sido conferir grande “visibilidade” ao “combate” ao VIH/SIDA no país, possivelmente por motivos que se prendem mais a objectivos mais políticos do que de saúde pública. (165) Resumimos a seguir os principais momentos desse esforço.

Em 1998 a epidemia se intensifica e a ONUSIDA abre um escritório em Angola. No ano seguinte, é adoptado o primeiro PEN (Plano Estratégico Nacional 2000-2002) para combater a epidemia. Em 2002 é criada a CNLS (Comissão Nacional de Luta contra o Sida), (166) destinada a coordenar e monitorar a luta contra a SIDA no país. Nesse mesmo ano, é aberto o primeiro centro de tratamento de seropositivos em Luanda e se inicia um programa de prevenção da transmissão vertical (entre mãe e filho). Em 2003 é adoptado o segundo PEN (2003-2008). Em Julho de 2004 é aprovado um decreto sobre HIV/SIDA, Emprego e Formação Profissional (167) e em Novembro é aprovada pelo parlamento a Lei sobre o VIH/SIDA, (168) datando desse mesmo ano a abertura do primeiro hospital para doentes de SIDA (Luanda). Em 2005, o PNLS (Programa Nacional de Luta contra o VIH/SIDA), criado em 1997, adopta a denominação de INLS (Instituto Nacional de Luta contra o VIH/SIDA) (169) e passa a ser o órgão de implementação da CNLS com o apoio de Comités Provinciais. (170)

Em geral, os analistas do sector são bastante críticos sobre a concepção, a actuação e a eficácia de todo esse aparato. Consideram que os princípios básicos dos “three ones” adoptados pela ONUSIDA (2004) “não estão a dar resultados em Angola”, correndo-se sérios riscos de uma duplicação e fragmentação das actividades e resultados. (171)

Por exemplo, a CNLS criada em 2002, além de ainda não ter sido regulamentada, na prática é “inoperante”, não possui funcionamento claramente democrático ou qualquer representati-vidade social real (não tem representantes das ONGs, das igrejas ou dos portadores de VIH/SIDA, e.g.). O último PEN (2003-2008), mesmo sem qualquer orçamento nacional consistente com seus propósitos de actuação, foi traduzido em planos provinciais. E estes, além de poucos recursos, possuem pouca articulação real entre si ou com a acção das

165 Tendo-se, inclusive, tomado o cuidado de construir um “palácio de vidro” na capital para sediar esta área das políticas públicas (sede do INLS) e de lhe conferir a honra de ser dirigida pessoalmente pelo mais alto dignitário do país.

166 Oficializada no ano seguinte, pelo Decreto 1/03 de 10 de Janeiro. Esta, também denominada Comissão Nacional de Luta Contra o VIH/SIDA e as Grandes Endemias, é dirigida pelo Presidente da República e composta por vários ministros, representantes do sector da saúde e das Forças Armadas.

167 Decreto 43/04 de 4 Julho. 168 Lei 8/04 de 1 Novembro. 169 Decreto 7/05 de 9 de Março. 170 Coordenados pelos governantes provinciais e integrados pelos directores provinciais dos vários ministé-

rios envolvidos no INLS. 171 Princípios para estabelecer “um só contexto de acção, uma só autoridade nacional coordenadora para

VIH/SIDA e um só programa de monitorização e avaliação no nível nacional”, destinados a facilitar a coordenação das acções empreendidas (PNUD, 2005)

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ONGs nas províncias (onde estas são bastante activas, como na Huíla). Em todo caso, apresentam poucos resultados globais práticos, (172) não obstante os recursos externos mobilizados no nível central. (173)

Por sua vez, a Lei de 2004 também carece de regulamentação (174) e de muitos ajustes, visto ser considerada bastante “incompleta”, sem definição das “responsabilidades do Estado para com os portadores de SIDA” (175) e sem qualquer clareza em outros aspectos essenciais (ausência de disposições referentes à crianças, e.g.). (176) Numa recente conferência sobre o tema, foi considerado que a lei reforçava “o estigma e a discriminação” e violava de forma flagrante os direitos básicos das pessoas vivendo com SIDA em Angola. (177)

Envolvimento da SC e das ONGs: pouco reconhecimento e colaboração

Como vimos, não obstante os discursos oficiais “participativistas”, a SC tem sido mantida a uma distância relativamente confortável do processo de tomada de decisões, da execução e da avaliação das políticas públicas no domínio do VIH/SIDA (vd. box 7.1).

Essa atitude fortemente excludente configura o pouco reconhecimento governamental do intenso envolvimento das ONGs angolanas no domínio do combate ao VIH/SIDA desde finais da década de 1990, com o forte apoio das ONGs internacionais e da APD. (178) Principalmente em acções de prevenção (algumas dessas ONGs igualmente na área dos serviços/atendimento aos portadores de VIH/SIDA).

Box 7.1

O reconhecimento das ONGs nacionais no combate ao VIH/SIDA

Esse distanciamento e o fraco reconhecimento oficial das ONGs nacionais no combate ao VIH/SIDA, contrariando as recomendações de todos os doadores e organismos internacionais que actuam nessa área (Banco Mundial, ONUSIDA, PNUD, etc.), pode ser ilustrado pela distribuição dos gastos do INLS, referentes

172 PNUD, op. cit. 173 Só de dois doadores, o país recebeu 111 milhões de dólares até 2005: 90 milhões do GFATM (Fundo

Global para a luta contra a Sida, Tuberculose e Malária, coordenado pelo PNUD) e outros 21 milhões do projecto HAMSET (Projecto de controlo do VIH/SIDA, Malária e Tuberculose) do Banco Mundial, imple-mentado pela Secretaria do CNLS.

174 Uma comissão para a regulamentação da Lei foi criada pelo Ministério da Saúde, integrada por profissio-nais angolanos, representantes do Governo, da Sociedade Civil (inclusive da AJPD) e das pessoas vivendo com VIH/SIDA. Esta comissão elaborou uma proposta de regulamentação que foi apresentada ao Conselho de Ministros, mas esta ainda não havia sido aprovada em meados de 2007.

175 Note-se que desde 2006 existe uma Rede Nacional de Pessoas Vivendo com VIH/Sida (RNP+ Angola), com 3 representações regionais.

176 Uma das populações particularmente vulneráveis à epidemia, sobretudo pela ausência de qualquer plano governamental de distribuição de anti-retrovirais (PNUD, 2005)

177 PNUD, 2005; INLS/UNAIDS, 2005; Vd. igualmente o “Relatório da III Conferência sobre o HIV/SIDA e os Direitos Humanos” organizada pela AJPD (Luanda, UCA, 26-27 de Abril de 2007).

178 Desde 1999 foi criada, inclusive, uma rede de ONGs actuantes nesse domínio (ANASO, Rede Angolana das Organizações de Serviços de SIDA), a qual já associava 40 ONGs em 2002 e mais de uma centena em finais de 2007. Essas ONGs estão particularmente concentradas nos serviços de informação e prevenção. As ONGs ligadas às igrejas cristãs, bastante actuantes nos serviços de atendimento aos doentes e suas famílias, criaram igualmente uma rede própria (Rede Esperança).

179 INLS/UNAIDS, op. cit.

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a 2004 (orçamento de 34 milhões de dólares): enquanto as ONGs nacionais dispuseram de menos de 6% desses recursos globais, os demais actores beneficiados foram: ONGs internacionais: 60%; Governo (Ministério da Saúde e outros): 26%; outros (sector público privado + ONUSIDA): cerca de 8%. (179)

Não admira, portanto, que se constate uma reduzida articulação/colaboração entre as entida-des governamentais e as ONGs actuantes na área. (180) Segundo alguns, uma grande parte dos responsáveis e entidades oficiais consideram as ONGs de certa forma como “concorren-tes”, o que acaba estabelecendo relações “tensas” e de pouca colaboração efectiva. (181) Por outro lado, as ONGs que actuam na área são vistas por observadores externos (inclusive activistas de outros países, com experiência na área) como muito incipientes, com fortes “debilidades institucionais, limitada capacidade de prestação de serviços” e grandes carências de recursos e outras para actuarem de forma eficaz. (182)

• Algumas interrogações sobre a actuação das ONGs na área do VIH/SIDA

Não poderíamos, nos limites deste trabalho, entrar nas questões de fundo. Mas, no intuito de ajudar a reflectir de forma mais ampla sobre as estratégias da ON no domínio do VIH/SIDA, pelo menos duas reflexões merecem ser feitas sobre as políticas públicas relativas ao tema em Angola e às formas de participação das ONGs no combate à endemia.

Foco no VIH/SIDA: pertinência, esquecimentos e oportunidades

A primeira refere-se à abordagem geral da APD e das ONGs internacionais e nacionais com relação à temática da saúde em geral, e às causas de morbidade e mortalidade da maioria da população do país em particular. Por outras palavras, constata-se que no período avaliado deu-se continuidade a uma tendência prevalecente durante a guerra (por várias razões do contexto, sobretudo as possibilidades limitadas de acesso às regiões e popula-ções). Ou seja, uma quase absoluta concentração das atenções no combate ao VIH/SIDA e um relativo esquecimento das demais endemias e causas de mortalidade que afectam a população, tais como a malária, a tuberculose ou as doenças diarreicas.

Estas outras endemias, como se sabe, tenderam a ser agravadas pelas décadas de guerra e destruições e se encontravam, em fins da década de 1990, fortemente implantadas no país (vd. box 7.2). Essa situação manteve-se durante toda a fase aqui avaliada (2002-2007) (183)

180 E também com sector privado que, sob iniciativa da empresa Odebrecht e USAID, criou uma Comité Empresarial para a Luta contra o VIH/SIDA que envolve a Endiama e várias multinacionais presentes em Angola (Chevron, Odebrecht, TAAG, Total, etc.)

181 PNUD, op. cit. 182 Vd., por exemplo, a opinião de um activista brasileiro presente à conferência organizada pela AJPD em

Abril de 2007 (“Lei de Angola reforça preconceito às pessoas HIV+”, Site da RNP+, Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, 06.06.2007): “As ONGs são pouco articuladas politicamente, falta-lhes visibilidade (...) principalmente junto à imprensa; há pouca participação nas negociações e (por outro lado) faltam compromissos e vontade política da parte dos governos das três esferas (nacional, municipal e local) na luta contra a Aids; as ONGs conhecem poucos procedimentos de mobilização e articulação nas políticas públicas de Aids e necessitam de orientações de movimentos mais experientes”.

183 A malária, por exemplo, manteve-se como uma das endemias mais violentas durante todo esse período (2002-2006), com 3 milhões de casos registados por ano e taxas de mortalidade variando entre as 30 mil

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sem que as ONGs que actuavam na área da saúde pública tenham desenvolvido qualquer abordagem para as combater com a mesma intensidade (ou sequer as considerar nos seus programas). O que certamente se explica por razões de “mercado” da APD, o qual privilegiou o HIV/SIDA (em detrimento do combate a outras endemias igualmente mortíferas) e induziu a polarização das ONGs angolanas nessa temática.

Box 7.2

Malária e outras endemias

Por volta de 2000 (e até muito recentemente), a malária, endémica em todo o país, era responsável por cerca de 3 milhões de casos clínicos/ano e por um mínimo de 8-10 mil mortes anuais. A realidade ultrapas-sando o dobro dessas estimativas (visto que essas mortes são largamente sub-notificadas).

A malária situa-se ainda hoje (2006), de longe, como a primeira causa de mortalidade hospitalar do país, com mais de 20 mil mortes. Sendo responsável por cerca de 80% da procura de cuidados de saúde, 50% dos internados, 40% da mortalidade das crianças e estando associada a 25% da mortalidade materna.

Por outro lado, as doenças respiratórias agudas e as doenças diarreicas (facilitadas pelos baixos indicado-res sociais) representavam, junto com a malária, 70% de todas as causas de morbidade e 60% das da mortalidade. Sem contar a tuberculose, com cerca de 100 a 150 mil casos em 2000 e uma taxa média de 15 mil novos casos por ano); a tripanossomíase (doença do sono), com 80 a 120 mil casos no país, a lepra (Angola figurando entre os 12 países mais endémicos do mundo), com cerca de 8 a 10 mil doentes; a má nutrição, etc. (184)

Por mais prioritário que seja ter uma actuação na prevenção e tratamento do VIH/SIDA -- e é absolutamente inquestionável que o é --, caberia considerar, numa análise mais global, vários outros aspectos essenciais sobre essa problemática sectorial. Seja para entender as suas condicionantes, seja os resultados finais de todo esse trabalho.

Assim, caberiam algumas interrogações. Por exemplo, (i) sobre a oportunidade de termos mais de uma centena de ONGs com esse mesmo enfoque, a maior parte actuando como “generalistas” (ou “especialistas em generalidades”), o VIH/SIDA sendo apenas “mais um entre muitos” temas trabalhados; (ii) sobre a preparação e competência dessas ONGs para trabalharem com eficiência e eficácia comprovadas nessa área complexa, delicada e com impacto directo na própria vida do público-alvo; ou, ainda, (iii) sobre o espaço de participa-ção real que lhes tem sido facultado nas políticas públicas sobre o VIH/SIDA, de forma a se poder avaliar as condições/potencial de eficácia da sua actuação (inclusive, em termos de prevenção e advocacia), ou até que ponto essas ONGs foram capazes de alargar esse espaço ao longo de quase uma década de actuação nessa temática.

(2003) e as 20 mil (2006) mortes anuais. Parece só ter começado a diminuir em 2007, quando alguns programas de combate se intensificaram e, segundo notícias oficiais recentes, a sua incidência teria baixado para 2 milhões de casos e sua mortalidade se reduzido para 7 mil óbitos. (“Malária recua um terço”, Canal A da RNA, 01.05.2008; “Angola melhora saúde com programa inspirado em modelo brasileiro”, Agência Estado, 12.05.2008).

184 MS, 2000; OMS, 2006.

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Por fim, até mesmo interrogações (iv) sobre o tipo de papel que, ao fim e ao cabo, tem sido reservado às ONGs no seio dessas políticas: Como actores reais, respeitados e influentes? Ou como meros “legitimidores” dos financiamentos oficiais, face a doadores que exigem o envolvimento da SC? Dotadas de espaço político-institucional que lhes permita contribuírem para a prevenção eficaz ou a criação de uma “nova cultura social” face à epidemia? Ou lhes é apenas facultada uma actuação paliativa, “de fachada” e quase sem possibilidades de induzir resultados reais e concretos no combate à epidemia?

Por mais drásticos que sejam este tipo de questionamentos, eles são honestos, importantes e precisam ser colocados para se fazer uma reflexão justa e responsável sobre a actuação que tem sido reservada à SC e às suas organizações no combate ao VIH/SIDA em Angola.

Ou para avaliar as políticas de alguns doadores e ONGs internacionais nesse período, caracterizadas por um foco absoluto no VIH/SIDA e a insistência do envolvimento sistemáti-co do máximo de ONGs nessa temática dita “transversal” (preocupação quantitativa). Mas que talvez não considerem adequadamente como fortalecer sua influência nas políticas públicas ou como combater o VIH/SIDA de forma integrada ao combate às outras endemias. Políticas essas que podem, inclusive, ter representado uma importante perda de oportunida-des para trabalhar a área da saúde pública de forma mais coerente, mais abrangente em termos sociais e, talvez, com melhores resultados. Inclusive, na óptica da contribuição das ONGs no âmbito das políticas da saúde, em contraste com os pífios resultados que parecem transparecer da síntese sectorial acima esboçada (embora esta não tenha qualquer propósito de avaliação sectorial).

Nessa reflexão, conviria ponderar as vantagens de se desenvolver uma política mais selectiva (de tipo “discriminação positiva”) com relação ao trabalho das ONGs na área do VIH/SIDA em Angola. Ou seja, de apoio à construção de uma rede talvez menor (mas mais consistente e actuante no domínio das políticas) de ONGs mais estruturadas e menos generalistas (mais especializadas na temática), suficientemente “articuladas” política e institucionalmente para influenciar mais decisivamente as políticas públicas e apoiar mais activamente a qualidade da sua execução.

O combate ao VIH/SIDA no contexto das estratégias globais

Por último, o foco temático no VIH/SIDA acima mencionado suscita uma outra série de questões possíveis, que se prendem com a dimensão global do combate ao VIH/SIDA no mundo (e na África em particular) e suas possíveis influências no modelo de Angola ou da actuação das ONGs acima analisada. Como se sabe, esse modelo global de combate ao VIH/SIDA vem, nos últimos anos, envolvendo somas cada vez mais consideráveis e se transformando num business cada vez mais rentável para uma impressionante miríade de organizações, ONGs, burocratas e consultores internacionais.

A esse efeito, conviria, por exemplo, ler a excelente abordagem de Epstein (2007) que analisa como o combate à pandemia se transformou numa “janela” de oportunidades milioná-rias (venda de estudos e serviços de expertise, fornecimento de condons e medicamentos, etc.) para os laboratórios multinacionais e uma armada internacional de tecnocratas, consul-

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tores e peritos em saúde pública da APD e das ONGs. Como ela esmiúça de forma convin-cente, esse fenómeno tem induzido políticas públicas cada vez mais concentradas no aparato médico do tratamento/prevenção (testagem, coquetel de medicação, material de prevenção, etc.), geradores de contratos de fornecimento multi-milionários. Mas tem negligenciado as campanhas de prevenção e os aspectos culturais e comportamentais de cada sociedade, que são fundamentais para alterar substantivamente o quadro sociológico de expansão da endemia, de forma e retroverter essa tendência de forma sustentável.

No caso da África sub-sahariana, ainda segundo essa análise, as políticas não só são base-adas num conhecimento superficial das sociedades africanas e em premissas equivocadas (a estigmatização dos “core transmitters”, e.g.), ou são insustentáveis em termos financeiros (e, portanto, dependentes da APD e com grande risco de se tornarem excludentes da maio-ria das populações), (185) como têm se focado nos aspectos mais “interessantes” e rentáveis para o complexo industrial e de serviços que gravita à volta dos organismos internacionais da saúde e da APD. (186) (187)

Nesse sentido, sob o peso de financiamentos internacionais milionários, (188) essas políticas vêm relegando para segundo plano um aspecto fundamental da campanha emblemática que permitiu ao Uganda reduzir drasticamente seus índices de prevalência: a parte “invisível” desse sucesso - o trabalho massivo de consciencialização e mudança do comportamento social/sexual das populações, fortemente arraigado na cultura local (ou o “B” da famosa campanha ABC: "Abstain, Be faithful and use Condoms"). (189)

Sobre o mercado milionário que vem crescendo à sombra dessas políticas internacionais e seus lobbies, é muito esclarecedor consultar o último relatório do “compromisso” do Banco Mundial com o VIH/SIDA em África (MAP), (190) no qual o Banco se congratula com o aumen-

185 Sobretudo considerando altos custos do aparato de prevenção e “medicamentoso” que é proposto, sem se atacar, em paralelo e de forma consistente, o foco do problema: os mecanismos sociais de reprodu-ção/expansão da endemia em cada país.

186 Organismos esses que o complexo industrial e de serviços influencia directamente com seu poderoso lobby ou a rede de interesse mútuos construída nas últimas duas décadas, desde que em meados dos anos 1980 foi descoberto vírus do Sida e começaram a se desenvolver os primeiros tratamentos médicos de controle da doença.

187 Segundo o Banco Mundial (2008), embora o acesso ao tratamento tenha aumentado “graças a uma redução nos custos dos medicamentos anti-retrovirais”, por volta de 2007 apenas “um pouco mais de um quarto dos africanos” que precisavam de tratamento tinham acesso a esses medicamentos. Para se ter uma ideia dos custos desse tipo de tratamento, para que ele seja realmente eficaz, citemos o exemplo da África do Sul em 2001: estimou-se o custo variou de 378 a mais de 4 mil dólares (por infecção VIH) para a distribuição de preservativos e IEC (informação, educação e comunicação), e foi de cerca de 2,1 mil dólares para os tratamento de STI (infecções transmitidas sexualmente) (BM, 2008).

188 Com a criação do GFATM (Fundo Global de Combate ao VIH/SIDA, Tuberculose e Malária), a iniciativa do PEPFAR (Plano de Emergência do Presidente dos EUA para Alívio da SIDA) e outros financiamentos bilaterais e de fundações internacionais os recursos para o VIH/SIDA tiveram um aumento superior a 2.000% a partir de 2001 (BM, 2008).

189 Coincidentemente, em Novembro de 2002 o PNUD, através do seu Centro Regional na África do Sul, apoiou uma visita de “altas autoridades” angolanas (da Assembleia Nacional, do Conselho de Ministros, do PNLS e vários ministérios) para “estudar a experiência do Uganda e tirar lições” sobre a luta contra o VIH/SIDA. Mas, conforme lamenta a instituição, “não houve qualquer seguimento ou acções resultantes desta iniciativa” (PNUD, 2005)

190 MAP: Programa Multinacional de VIH/SIDA 2007-2010, concebido para 15 anos (BM, 2008).

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to exponencial dos recursos internacionais disponíveis e expõe os custos dos seus planos para a expansão do acesso universal a tratamentos e serviços de prevenção até 2011:

O financiamento global para o VIH/SIDA aumentou extraordinariamente – de USD 1.600 milhões em 2001 para USD 8.900 milhões em 2006 – com a criação do GFATM (Fundo Global de Combate ao VIH/SIDA, Tuberculose e Malária), a iniciativa do PEPFAR (Plano de Emergência do Presidente dos EUA para Alívio da SIDA) e o envolvimento de outros dadores. (...) No entanto, estima-se que sejam necessários USD 18.000 milhões para se combater a doença só durante o ano de 2007, com uma grande parte desses fundos (sendo) necessários para a África Sub-sahariana. (...) O acesso universal a serviços de prevenção eficazes (irá) reduzir o número de novas infecções de 3,5 milhões ao ano para 1,25 milhões, a um custo situado entre USD 2.000 e USD 3.000 por infecção evitada.

Refira-se que, graças à auto-crítica de alguns ex-responsáveis do UNAIDS e da OMS, hoje sabe-se que muitas dessas entidades tenderam, durante vários anos, a extrapolar os dados sobre as taxas de incidência da SIDA na África para assegurar o fluxo dos financiamentos para combater a epidemia nesses países (e também para assegurar as altas taxas de lucro da “indústria” que tem prosperado à sombra dessas políticas de saúde no continente).

Não obstante essa “confissão” tardia, alguns estudos, encomendados pelo Banco Mundial para formular o MAP, estimam que as necessidades financeiras acima indicadas são insufi-cientes para facilitar o acesso universal ao tratamento, prevenção e acções de mitigação. Só na África, por exemplo, seriam necessários mais de 41.000 milhões de dólares, no quinquénio 2007 a 2011, para que essas políticas pudesse ser realmente eficazes. (191)

7.2 Contrapartes envolvidos e resultados esperados Considerou-se que estas áreas de actuação (SCO 2.1 e SCO 2.2) envolveram 10 projectos de 4 diferentes contrapartes. Contudo, os projectos de um dos contrapartes não foram incluídos nesta avaliação, por esse processo ser de difícil execução (projectos concluídos há vários anos ou muito recentes, em ambos os casos sem informações suficientes disponíveis).

As três ONGs restantes beneficiaram de financiamentos da ON para 7 diferentes projectos de um valor global de 4,1 milhões de Euros, (192) implementados principalmente na região de Luanda (DWA) e na província da Huíla (ACORD e PRAZEDOR). Como se pode ver abaixo, todos eles visaram metas relacionadas com o SCO 2.1 (serviços de saúde), mas apenas três deles visaram metas do SCO 2.2 (serviços de educação).

• Resultados previstos/esperados

191 Bollinger, L. e J. Stover, 2007: “The potential impact of VIH/AIDS interventions on the epidemic in Africa”. 192 Estimativa a partir das decisões iniciais de financiamento da ON para esses projectos. Os valores reais

transferidos até à data desta avaliação podem ser diferentes por várias razões (ajustes nos orçamentos, parcelas ainda não desembolsadas/pagas, etc.). De qualquer forma, isso é irrelevante, pois visa-se unicamente dar uma ideia aproximada do apoio financeiro global da ON aos contrapartes que actuaram com esses SCOs (alguns actuaram igualmente no SCO 4.1; vd. anexos IV e V).

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Resumindo os resultados esperados por essas ONGs no âmbito dos SCOs 2.1 e 2.2 (vide síntese na tabela 7.3), pode-mos dizer que seus 7 projectos se concentraram em dois diferentes enfoques temáticos: (i) informação e prevenção do VIH/SIDA e (ii) acesso aos serviços básicos de saúde e educação. (193)

Tabela 7.2: Projectos com actuação na área do aim 2 (SCO 2.1 e 2.2)

Contraparte Projecto Período SCO 2.1 SCO 2.2

ACORD 01 Programa ACORD 2003 - 2004

02 Programa Trienal 2005 - 2007

DWA 03 Community Initiatives Programme 2001 - 2004

04 Community Initiatives Programme 2004 - 2006

05 PARCIL 2007 - 2009

OXFAM GB / Environ. Health Program Benguela 2001 - 2002 ❉

/ Sust. Env. Health Program Benguela 2002 - 2004 ❉

/ Projecto IEC na área VIH/SIDA 2006 - 2007 ❉

PRAZEDOR 06 Todos unidos contra a SIDA 2003 - 2006

07 Levanta-te, vamos combater a SIDA 2006 - 2008

Fonte: Dados dos files dos contrapartes (detalhes nos anexos IV e V). ❉ Projectos com actuação na área desses SCOs, mas não incluídos na avaliação (Vd. detalhes no anexo V).

Informação e prevenção do VIH/SIDA

Duas dessas ONGs (ACORD e PRAZEDOR) implementaram 4 projectos visando (i) aumen-tar os níveis de informação e consciência das suas populações-alvo (comunidades rurais da Huíla ou famílias/comunidades urbanas/suburbanas do Lubango) (194) sobre os efeitos e as formas de prevenção da epidemia do HIV/SIDA, bem como (ii) contribuir para mudanças de comportamentos sociais de risco e para o aumento dos níveis de prevenção das populações.

Tabela 7.3: Resultados esperados nas áreas dos SCO 2.1 e 2.2

Contraparte Impactos / resultados esperados (síntese)

ACORD

Maiores níveis de informação e mudança de comportamentos sociais de risco, aumentando os níveis de prevenção, com a contribuição do trabalho da ACORD + parceiros sobre o tema VIH/SIDA, em especial nas regiões/comunidades onde trabalha e c/ a capacitação das administrações e OSCs suas parceiras.

DWA Saúde: Co-financiamento da reabilitação/construção de infra-estruturas de saúde e escolares (entre outras), nos bairros periféricos de Luanda, c/ impactos previsíveis na melhoria dos serviços de saúde das famílias pobres e do acesso à escola das suas crianças, junto com novas formas de gestão desse investimento social.

PRAZEDOR Aumento da informação e consciencialização, traduzidos em mudanças de comportamento de vários

193 Lembramos que esses projectos (como todos os desta avaliação) não se concentraram num único SCO, como já dissemos (vd. capítulo 2). Podendo haver casos de projectos que actuaram em vários SCOs.

194 Note-se que os programas 2003-2004 e 2005-2007 da ACORD, extrapolam esses limites (em princípio, abrangem a sua actuação à escala nacional).

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segmentos sociais (rurais e urbanos) da região Sul, resultante do trabalho da ONG e seus parceiros

s/ questões de HIV/SIDA. Alguns dos meios para atingir esse resultado: estabelecimento de

parcerias com entidades provinciais e o INLS, execução de acções de combate ao HIV/SIDA

(inclusive através da criação uma rede de organizações engajadas na temática) e a disseminação de

material informativo.

Os meios utilizados para assegurar esses resultados foram vários, incluindo acções de divulgação e consciencialização (distribuição de material informativo e de prevenção, servi-ços de aconselhamento, organização de grupos de activistas, etc.), o desenvolvimento de parcerias com outras ONGs (em particular, através de uma rede focada nessa temática de trabalho) e com entidades governamentais (administrações municipais, INLS, etc.), acções de advocacia (defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV/SIDA), etc.

Muito embora não apareçam claramente explicitados resultados esperados nas políticas públicas, essa situação evoluiu (devido à tomada de consciência sobre a importância de políticas decisivas na matéria e o papel da advocacia social) e houveram igualmente acções com vistas a influenciá-las, sobretudo no nível municipal e provincial (mas também colabora-ções com entidades nacionais como o INLS, para influenciar políticas a nível nacional).

Serviços de saúde e de educação

No caso da terceira ONG (DWA), seus três programas visaram contribuir para o aumento do acesso a serviços básicos (saúde e educação primária) por parte das famílias pobres dos bairros periféricos de Luanda e suas crianças. Em especial, através da contribuição (trabalho voluntário, recursos financeiros, equipamentos, etc.) para a construção ou reabilitação de infra-estruturas de saúde (postos) e escolares (salas de aula ou pequenas escolas), envol-vendo grupos comunitários, suas OSCs e administrações municipais ou de bairro.

Embora também não tenham ficado claramente explicitados objectivos no âmbito das politicas públicas, durante o longo período desses 3 projectos (2002-2007) foram igualmente surgindo objectivos de resultados no âmbito das políticas públicas, em especial no domínio da decisão/planeamento do investimento social municipal (priorização das necessidades básicas das comunidades e sua participação no processo de planeamento, gestão participa-tiva dos projectos/investimentos, etc.).

7.3 Análise dos resultados e mudanças alcançados Como dissemos no início deste capítulo, o balanço dos resultados de mudança (nas práticas e nas políticas) alcançados ou alcançáveis por esses projectos e programas encontram-se detalhados nos relatórios de avaliação das 13 ONGs abrangidas por esta avaliação.

Portanto, não caberia aqui fazer uma apresentação exaustiva desses resultados, a qual seria muito longa e acabaria dificultando uma visão global e sintética desse impacto global por SCO. Assim, buscou-se deixar aqui uma visão sintética e global dos resultados mais signifi-cativos, aferidos de forma não exaustiva e sem pretender reflectir a totalidade da actuação

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dessas ONGs, geralmente mais abrangente. Para os detalhes de cada ONG, aconselha-se vivamente a consulta dos files do volume II da avaliação.

• Contribuição para mudanças sociais e políticas no domínio do VIH/SIDA

A partir da síntese dos resultados obtidos (vd. tabela 7.4), constata-se que o seu maior suces-so ocorreu na divulgação e difusão de informações sobre a epidemia VIH/SIDA (quadro sintomático, meios de prevenção, etc.), através de campanhas de informação social nas quais duas das ONGs avaliadas (ACORD e PRAZEDOR) se envolveram activamente na região Sul do país (Huíla, Cunene e Namibe) utilizando diversos meios (encontros e palestras, difusão de vídeos, apoio a programas nas rádios locais, distribuição de folhetos e preservativos, aconselhamento de seropositivos, etc.). Esse trabalho contou, inclusive, com o apoio de grupos de activistas sociais (mais de uma centena de pessoas) organizados em cerca de uma dezena de municípios (44% dos existentes na região), nos quais essas ONGs trabalharam mais activamente ou com o apoio de “núcleos” HIV/SIDA nas FAA e na PN. (195)

Essa actuação parece ter ganhado força e aumentado seu impacto nos últimos 3 anos (2005-2007), (196) apoiada nas sinergias criadas por intermédio da Rede VIH/SIDA da Huíla e após a realização de uma conferência regional sobre o tema (2005). (197) Convindo destacar, portanto, que parte substantiva desses resultados deve ser atribuída a um universo de ONGs e outros actores sociais mais alargado, que ultrapassa as duas organizações avaliadas. (198)

Contribuição para o aumento da consciência e mudanças no comportamento social

Não obstante essas primeiras constatações constituírem fortes indícios de que todo esse trabalho possa ter gerado um significativo aumento da consciência das populações abran-gidas pela actuação das ONGs, especialmente de certos segmentos sociais -- por exemplo, da população de algumas cidades, especialmente os jovens (vide outros na tabela 7.4), não nos foi possível aprofundar esse aspecto da avaliação, obter evidências ou consultar estudos qualitativos que nos permitissem corroborar esses resultados cabalmente.

Da mesma forma, não foi possível verificar as mudanças no comportamento social de risco certamente geradas por esse acréscimo de consciência e que contribuem para o controle da epidemia. Por fim, considerando tratar-se de uma actuação colectiva, envolvendo dezenas de ONGs e outros actores sociais na região Sul, tampouco foi possível determinar clara-mente a parte desses resultados que é imputável exclusivamente às ONGs aqui avaliadas.

195 Forças Armadas de Angola (FAA) e Polícia Nacional de Angola (PN). 196 Muito embora não em todas as frentes, pois tudo indica que o período de maior sucesso do Núcleo

VIH/SIDA das FAA (5ª Região Militar) ocorreu na fase inicial desse trabalho, entre 2002 e 2005.197 A Conferência Regional de Reflexão e Desenho de Estratégias Conjuntas sobre o VIH/SIDA (28 – 30

Setembro de 2005) que reuniu no Lubango cerca de 70 responsáveis e activistas sobre o tema. 198 Parecendo destacar-se, entre esses actores, a actuação da ASPALSIDA a partir de 2006 (uma das

primeiras iniciativas de auto-organização dos próprios doentes no país, conferindo maior força à luta contra a sua exclusão e estigmatização social. Ou mesmo a actuação “transversal” da ASD, que aborda o tema da defesa dos DH igualmente pelo prisma dos direitos sociais e à saúde (englobando o VIH/SIDA).

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Concluímos, portanto, que existem indiscutíveis indícios que confirmam esses dois tipos de resultados, conforme longamente debatido com as equipas dos contrapartes e testemunhos apresentados, mas não tivemos meios de os verificar em detalhe ou de medir a sua extensão e qualidade. O que muito lamentamos.

Contribuição para mudanças nas políticas oficiais

A análise dos resultados neste domínio parece ainda mais ambígua. Com efeito, não foi pos-sível encontrar quaisquer evidências de transformações profundas nas políticas oficiais (do Estado nos seus diferentes níveis territoriais) com relação à prevenção e combate do VIH/SIDA na região.

Pelo menos, no seu entendimento como um trabalho sistemático com visão de longo prazo (campanhas massivas e prolongadas, e não implantadas ad hoc e em função de eventos desportivos ou políticos “mediatizados”), dotado de recursos consistentes (não dependente de recursos “pingados” dos doadores ou do parco orçamento do INLS) e com ampla consulta e envolvimento sociais (as comunidades e seus líderes tradicionais, as redes “opacas” dos “serviços de saúde” tradicionais/paralelos, as OSCs, os grupos religiosos, etc.).

Não obstante, foi possível detectar indícios de mudanças, ainda pequenas mas significativas, na atitude dos órgãos estatais com relação ao VIH/SIDA (principalmente de grande parte das administrações municipais), comparando com o que ainda ocorrida no início desta década. (199) Constatamos, assim, inúmeros exemplos que demonstram maior consciência, preocupa-ção e até colaboração dessas entidades e seus responsáveis com acções de prevenção/ combate da epidemia das ONGs nas suas circunscrições (isso foi notório em cerca de metade das administrações municipais da região, como indicado na tabela 7.4). Facto que, por mais limitado e dependente dos recursos/iniciativas das ONGs que ainda seja, já configura uma certa mudança da parte dessas instâncias locais de governo. Podendo tal ser conside-rado, pelo menos em parte, fruto da influência das ONGs e da mobilização da SC civil nos últimos anos. Embora seja difícil determinar em que medida essa influência se exerceu. (200)

É, todavia, forçoso admitir que ainda falta “muito caminho pela frente” para que esse tema seja assumido pelas políticas de saúde locais (provinciais, municipais,...) com a responsabili-dade, a prioridade e o empenho de esforços e recursos que ele merece (inclusive, devido à extrema centralização da cultura administrativa e do investimento público do país).

• Contribuição para mudanças no acesso à saúde e à educação

199 Por exemplo, o abandono das anteriores posturas com relação ao VIH/SIDA: “ignorar” a importância da epidemia e suas causas, desmentir a sua extensão, culpabilizar ou estigmatizar os doentes, etc.

200 Com efeito, seria um erro atribuir unicamente à mobilização, advocacia e influência da SC e das ONGs essas mudanças de comportamento institucional e da ”cultura administrativa” estatal. Seria miopia não perceber que, durante o período avaliado e por várias razões, o próprio Governo central amadureceu e tendeu a mudar sua atitude institucional com relação ao tema (influenciando as instâncias governativas provinciais e municipais). Pesem embora a lentidão desse processo de mudança ou as contradições e paradoxos facilmente identificáveis no seu decorrer (a abundância de “planos”, leis, instituições e quejandos contrastando com os poucos recursos mobilizados e a pouca eficácia desse aparato institucio-nal todo talvez seja o maior desses paradoxos...).

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Acesso aos serviços nas periferias

Como procuramos deixar claro na síntese a seguir (tabela 7.4), existem suficientes evidências de que os três programas sucessivos da DWA (a única que actuou nesta área com financia-mentos da ON) têm contribuído para a ampliação do acesso das famílias da periferia da capital a serviços básicos de saúde e educação. Mesmo se não foi possível contabilizar com maior riqueza de detalhes esse impacto social dos cerca de 50 micro-projectos financiados nessas áreas no período avaliado (2002-2007).

Subsistem, todavia, algumas dúvidas sobre o significado desses resultados à escala global das periferias em que essas iniciativas têm se situado (com relação à sua imensa população, à importância das suas necessidades reais, etc.). (201) Sob reserva de avaliação mais avisada, parece estarmos diante de um tipo de acções que podem ser consideradas boas nas suas intenções ou de forma isolada, fora do seu contexto social mais alargado. Mas que possuem dimensão demasiado restrita ou insuficiente eficácia face a realidades sociais (que essas acções pretendem minimizar) por demais graves e super-dimensionadas. O que faz correr o risco dessas acções virem a representar “uma gota d’água no oceano”, com pouco poder e massa crítica para influenciar processos sociais de mudança realmente significativos ou em ampla escala (social, territorial ou institucional). (202)

Políticas municipais: planeamento e participação social

Pelas razões já expostas acima, não temos evidências de impactos decisivos sobre o reconhecimento dos direitos sociais das comunidades peri-urbanas traduzidos na adopção de políticas públicas/municipais mais ambiciosas e socialmente mais inclusivas.

201 O presente trabalho não tendo quaisquer objectivos específicos de avaliação dos projectos em si mesmo, limitaremos nossa observações a questões de impacto/resultados. Portanto, não entraremos em conside-rações sobre outras dimensões de avaliação possíveis desses projectos. Tais como a pertinência, a eficiência ou o custo-benefício dessas acções, sobre os quais teríamos igualmente algumas dúvidas a esclarecer ou observações a fazer se tal fosse o nosso mandato.

202 Consideremos, por exemplo, os 5 municípios peri-urbanos em que se concentraram 83% dos micro-projectos financiados pela DWA (Cacuaco, Cazenga, Sambizanga. Kilamba Kiaxie e Viana). O que significa o apoio de cerca de 40 infra-estruturas de educação e saúde de pequena dimensão (duas a três salas de aula, um posto de saúde, etc.), implantadas ao longo de 6 anos (2002-2007), para as neces-sidades desses espaços sociais onde, segundo estimativas mais recentes, viveriam, pelo menos, 3 milhões de habitantes ou mais (ou um mínimo 500 mil famílias) em condições de extrema precariedade desses serviços? Que influência político-institucional (no processo de planeamento do investimento social municipal, e.g.) uma dezena dessas instalações num município como Kilamba Kiaxi, que actualmente contaria mais de 1,0 milhão de habitantes (equivalente ao dobro da população de Cabo Verde, ou mais de cinco vezes a de São Tomé e Príncipe, por exemplo)? O que dizer então de um município como Cazenga, cujas estimativas populacionais variam de 1,2 a quase 3,0 milhões? Ou como Sambizanga, com mais de 650 mil habitantes?... Diante desses contrastes, além dessas acções representarem “uma gota d’água no oceano” pela sua pouca contribuição à resolução de problemas sociais focados (après tout, limitação normal em projectos de ONGs), elas possuem uma outra limitante ainda mais grave: torna-se difícil ou irrealista esperar que elas também representem uma “massa critica” suficiente (financeira, material, social, institucional,...) para alcançar um outro tipo de resultados, mais ambiciosos – como os de influen-ciar políticas. Ou seja, o de contribuir para mudar a cultura administrativa local, servir de modelo “partici-pativo” de planeamento, ou de envolvimento e consolidação das OCBs locais, etc.

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Com efeito, tudo indica que esses programas não têm conseguido influenciar a emergência de mudanças significativas nas políticas municipais nas suas áreas (educação e saúde). Em especial, no sentido de reconhecer a prioridade absoluta desses serviços (como direitos básicos das populações) e traduzindo-a na concentração de esforços e recursos para melho-rar substancialmente a sua provisão/qualidade. Ou adoptando procedimentos/métodos parti-cipativos (envolvendo as comunidades, OSCs, etc.) para identificar, planear ou co-gerir os poucos recursos disponibilizados pelos respectivos ministérios ou entidades similares. (203)

Tabela 7.4: Exemplos e evidências de contribuição para resultados nas áreas dos SCO 2.1 e 2.2

Resultados e mudanças (temas)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

Aumento do nível

de informação e da

consciência social

sobre VIH/SIDA

• ACORD: Segundo a equipa, o trabalho de sensibilização envolveu muitas outras pequenas ONGs regionais (Huíla, Namibe e Cunene) e 11 administrações municipais (incluindo as do PGDR e as da rede de activistas ao longo da principal “porta de entrada” do VIH/SIDA no Sul”), (204) incentivando cerca de 15 dessas organizações, 4 entidades religiosas e várias administrações a desenvolverem actividades autónomas de informação e prevenção. Muito desse trabalho foi realizado em conjunto com outras ONGs locais, em especial a PRAZEDOR, e essas parcerias se intensificaram a partir de 2005. Em especial com a criação da Rede HIV/SIDA provincial (que hoje abrange as 3 províncias do Sul) que aumentou a sinergia entre as ONGs mais activas nessa temática (que hoje são cerca de duas dezenas) e com a realização da Conferência Regional de Reflexão e Estratégias Conjuntas sobre VIH/SIDA (que teve o apoio decisivo da ON e uma grande visibilidade nacional). Essa actuação obteve, ainda, a adesão de rádios locais (Rádio 2000, Rádio Huíla

e Rádio Cunene), cujos programas ampliaram os efeitos dessa difusão informativa. Por fim, foi dado apoio aos núcleos de VIH/SIDA da Polícia Nacional e das FAA da 5ª Região Militar. Este, criado na década de 1990, teve uma actuação intensa entre 2002-2005, chegando a influenciar iniciativas similares uma dezena de outras regiões militares.

• PRAZEDOR: Foi uma das ONGs mais activas nessa temática na região Sul, parceira e

co-responsável por grande parte das actividades, iniciativas e resultados descritos acima, juntamente com a ASPALSIDA (criada com o seu apoio e focada no aconselhamento dos seropositivos) (205) e a ASD. Influenciou directamente a Associação dos Enfermeiros da Huíla e apoiou os núcleos de activistas da Polícia Nacional da Huíla e das FAA da 5ª Região a actuarem na temática de prevenção do VIH/SIDA, bem como o trabalho de consciênciali-zação e prevenção dos operários de 2 fábricas da região da Huíla (Coca-Cola e N’ Gola).

• Em síntese (ACORD, PRAZEDOR + parceiros): a globalidade desse trabalho informativo teria gerado maior nível de consciência das populações locais (sobretudo nas capitais da região Sul e suas regiões da periféricas, principalmente da Huíla), sem contudo termos podido obter evidências ou estudos qualitativos/quantitativos que demonstrassem esses resultados cabalmente. Tampouco pudemos obter dados consistentes e globais que pudes-sem traduzir esse aumento de consciência na região -- como, por exemplo, sobre o aumento das testagens voluntárias, a procura de aconselhamento ou a procura/consumo de

203 Conviria avaliar iniciativas com maior potencial para isso. Como, por exemplo, o caso de um outro progra-ma da ONG como o LUPP, cujas “arquitectura” político-institucional, dimensão/abrangência geográfica e peso financeiro lhe conferem uma capacidade de impacto nas políticas públicas infinitamente maior.

204 Referência à estrada que liga a fronteira da Namíbia (país com prevalências à volta dos 20% nos últimos anos) à capital da Huíla (do Lubango/Huíla a Ondjiva - Santa Clara/Cunene). As ONGs avaliadas (ACORD e PRAZEDOR) têm desenvolvido esforços para criar uma rede de 60 activistas de VIH/SIDA para a divulgação e apoio à prevenção (distribuição de preservativos) ao longo dessa estrada, especial-mente nos 6 principais pontos de paragem dos camionistas (e de encontro com as profissionais do sexo).

205 Associação de Pessoas Seropositivas e Activistas de Luta contra a Sida, criada em Janeiro de 2006.

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preservativos (seja nas ONGs , CATVs, fábricas, etc.).

• DWA: Actuação não focada no tema VIH/SIDA.

Mudança dos comportamentos sociais de risco (com relação ao VIH/SIDA)

• ACORD / PRAZEDOR: As equipas assinalam haver uma “lenta transformação” desses comportamentos, fruto de maior esclarecimento sobre a epidemia e suas formas de transmissão e prevenção, especialmente em determinados segmentos sociais (camionistas, trabalhadoras do sexo, população urbana mais jovem, etc.). Foram igualmente referidos, a “quebra de tabus”, algumas entidades religiosas que passaram a integrar esse tema em suas actividades sociais, maior afluxo das pessoas aos CATVs, etc. Contudo, infelizmente não foi possível encontrar evidências muito claras e objectivas dessas mudanças sociais (inclusive, porque a metodologia da avaliação não facilitou). Podemos, portanto, assumir que existem indícios desse resultado, mas ainda muito incipiente, limitado e de difícil medição.

Tabela 7.4: Exemplos e evidências... (continuação 01)

Resultados e mudanças (temas)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

Influência nas

políticas oficiais de

combate/prevenção

do VIH/SIDA

(maior acesso a aconselhamento, prevenção e tratamento)

• ACORD / PRAZEDOR: Na sua globalidade, não foram encontradas evidências de profundas alterações nas politicas públicas/oficiais nessa área, principalmente nos governos provinciais (considerando a escala de actuação das ONGs).

Não obstante, foram identificadas mudanças de atitude face à epidemia da parte do Estado

no nível municipal. Ou seja, em algumas administrações municipais com as quais essas ONGs têm trabalhado, as quais têm colaborado e se envolvido directamente em iniciativas para combater/controlar ao VIH/ SIDA. Como no caso das 6 administrações com as quais essas duas ONGs trabalharam ao longo da “porta de entrada” atrás referida (estrada Lubango – Santa Clara), com apoio (não exclusivo) da ON, para implantar uma rede de 60 activistas de VIH/SIDA (mantida pelas administrações municipais). Ou, ainda, no caso de outras 5 administrações abrangidas pelos projectos do PGDR implantados pela ACORD, as quais também criaram grupos de activistas similares. (206)

Um dos casos mais mencionados durante a avaliação, fruto do trabalho de advocacia das duas ONGs e da Rede VIH/SIDA contra a política oficial de estigmatização dos doentes

seropositivos ocorreu no do Hospital Central da Huíla, onde existia um único piso (andar) ao qual lhes era facultado acesso para tratamentos, o que dava origem a situações constrange-doras de flagrante estigmatização e exclusão social. Política essa mudada após mobilização e pressão das ONGs da região. Trata-se, contudo, de um caso emblemático que, por mais importante que seja, dificilmente se pode extrapolar para a totalidade do sistema de saúde dessas provinciais (essa avaliação mereceria aprofundamentos).

206 Nesse contexto, a ACORD estima que até finais de 2007 já haviam assim sido criados grupos de activis-tas ou “divulgadores sociais” para a prevenção do VIH/SIDA nesses 11 municípios (representando 44% dos 25 municípios das três provinciais do Sul: Huíla, Namibe e Cunene), totalizando cerca de 120 pessoas. O que, embora sendo insuficiente para as necessidades da região, representou um aumento de 70% com relação à situação em 2005 (70 activistas) e um enorme salto com relação a 2002 (nenhum activista na época). Entretanto, duas ressalvas se impõe: tudo indica que esse trabalho não pode ser imputado unicamente a essas duas ONGs, sendo igualmente fruto da Rede VIH/SIDA da Huíla no seio da qual elas actuam; por outro lado, os avaliadores gostariam de ter tido a oportunidade de avaliar melhor a continuidade do trabalho, o desempenho e a eficácia desses grupos de activistas na época da avaliação.

207 Até 2006 o tratamento com ARVs (tratamento antiretroviral) só existia em um único hospital de Luanda (Hospital Esperança).

208 Note-se que embora o número desses centros tenha aumentado na região entre 2002 (1 centro) e 2007 (5 centros), essa evolução não parece ter significado um grande salto à escala do país. Pois até 2005 existiam apenas 11 CATVs em todo o país e algumas informações indicavam a existência de cerca de 95 desses centros em finais de 2007 (o que reduz drasticamente a parte da Região Sul nesse tipo de instalações).

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Foi igualmente mencionada a advocacia mais alargada das ONGs da Rede VIH/SIDA junto

às administrações municipais, provinciais e entidades governamentais (INLS) para obter facilidades de tratamento, como a deslocação dos doentes para tratamentos em Luanda (207) ou a abertura de CATVs em municípios da região. Mas trata-se de um trabalho global (da rede), no seio do qual é difícil medir a parte destas duas ONGs ou sua parcela de influência para aumentar o nível de cobertura desses serviços. Cobertura que, de qualquer modo, parece ter diminuído nesse período com relação a outras regiões do país. (208)

• DWA: Actuação não focada neste tema.

Tabela 7.4 Exemplos e evidências... (continuação 02)

Resultados e mudanças (temas)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

Aumento do acesso

aos cuidados

primários de saúde

e à educação

básica no meio

peri-urbano

• ACORD / PRAZEDOR: Actuação não focada neste tema.

• DWA: Estimamos que cerca de 70% dos 70 micro-projectos co-financiados pelos progra-

mas da ONG implementados com o apoio da ON, entre 2002 e 2007, foram destinados à

reabilitação/construção de postos de saúde ou salas de aula (ou pequenas escolas) nos

bairros de municípios periféricos de Luanda onde se concentrou a actuação desses 3

programas (75% dos micro-projectos foram para Cacuaco, Viana, Sambizanga e Kilamba

Kiaxi). (209) O que representa cerca de 50 infra-estruturas desse tipo, construídas (e, grande

parte delas, igualmente co-geridas) com o apoio das comunidades, com um impacto na

ampliação do acesso dessas famílias a esses serviços básicos.

Infelizmente, não pudemos obter dados organizados para aprofundar essa avaliação para

cada sector ou estimar esses resultados de forma mais precisa (em termos quantitativos e

qualitativos), (210) o que nos possibilitaria aferir o impacto na área da saúde e da educação

de forma mais cabal (pessoas/famílias beneficiadas, qualidade dos serviços, etc.).

Todavia, estimamos, no exemplo da educação, que o impacto de pequenas infra-estruturas

desse tipo (três a quatro salas de aula) podem representar a ampliação do acesso à educa-

ção primária a uma população de 400 a 500 crianças (vide relatório da DWA no volume II). O que pode ser um resultado bastante substantivo em bairros periféricos com grandes

carências nessa área. O mesmo certamente se passa com relação à saúde, que não

tivemos a oportunidade de observar com mais ênfase.

Nesse contexto, e assumindo-se como premissa que as administrações locais municipais

cumprem plenamente com sua parte de responsabilidade nesses micro-projectos (dotando-

os de equipamento, pessoal qualificado, etc.), (211) podemos concluir que existem claros

indícios da contribuição desses programas para o aumento do acesso das famílias pobres

desses bairros aos cuidados primários de saúde e à educação básica, ainda que este possa

ser muito limitado com relação às necessidades e de difícil medição qualitativa.

209 Os demais micro-projectos (30%) cobrem uma vasta gama de iniciativas comunitárias (alfabetização de adultos, treino de professores, capacitação de activistas sociais, prevenção de VIH/SIDA, etc. )

210 Os responsáveis desses programas estimam que, na sua globalidade (70 micro-projectos), eles podem ter beneficiado 70 mil pessoas. Mas, infelizmente, não temos qualquer evidência ou estimativa detalhada/ fundamentada metodologicamente que nos permita corroborar essa estimativa.

211 Existem indícios que essa situação ideal de comparticipação está longe de corresponder à realidade.

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Influência nas

políticas municipais

de investimento

social

(nas áreas dos cuidados primários de saúde e da educação básica)

• ACORD / PRAZEDOR: Actuação não focada neste tema.

• DWA: Não foram encontradas claras evidências ou indícios de tradução dos direitos

sociais (à educação e saúde) em politicas públicas. Ou seja, da contribuição desses

projectos da DW para influenciar alterações significativas nas politicas oficiais de

planeamento, investimento ou gestão dos serviços municipais ou de bairro nestes dois

sectores (cuidados de saúde e educação primária), ainda menos a nível provincial.

Sobretudo, não o foram na óptica desejada (contemplando as prioridades das comunidades

ou as envolvendo para tomar decisões ou co-gerir investimentos sociais, e.g.). Ou extrapo-

lando os limites sociais desses micro-projectos co-financiados com o apoio da DWA/ON.

Mesmo se na sua maioria se constata uma certa abertura das administrações locais à

“participação social”, tudo indica que esta ainda fica muito restrita a essas acções específi-

cas e tem dificuldades para ultrapassar a barreira da “cultura institucional” dessas entidades

(tradicionalmente adversas à consulta/participação da SC que vá além do mero populismo).

7.4 Algumas considerações finais sobre os resultados

• No domínio do VIH/SIDA

Com base nos resultados acima, e não obstante os inúmeros pontos de avaliação mencio-nados que não foi possível aclarar, podemos concluir que as áreas em que os contrapartes que actuaram nestes dois SCO mais alcançaram bons resultados foram (i) a divulgação e difusão social de informações sobre a epidemia VIH/SIDA, aumentando o nível de informa-ção dessas populações (especialmente dos jovens urbanos), e (ii) a contribuição para a construção de maior consciência social sobre os perigos e as formas de prevenção e combate da doença, em especial nas comunidades e municípios da região Sul em que elas focaram sua actuação. Embora caiba destacar que essa actuação e seus resultados se inseriram com contexto institucional mais amplo, que envolveu inúmeros outros actores e parceiros (rede de ONGs, administrações municipais, etc.).

Comportamentos sociais em curso

Dessas duas primeiras contribuições para mudanças sociais, podemos inferir uma terceira que decorre naturalmente da maior informação e consciência (pelo menos em tese), que foi (iii) a contribuição para mudanças de comportamentos sociais de risco que, embora ainda pareçam muito modestos e sejam focados em determinados segmentos sociais trabalhados por essas ONGs (camionistas, trabalhadores do sexo, jovens, etc.), já representam uma contribuição para inibir a expansão da epidemia do VIH/SIDA na região.

Resultados globais modestos

Pese embora o facto preocupante de que nem a informação que nos foi disponibilizada pelas ONGs, nem a metodologia preconizada nos facultaram traçar um quadro quantitativo e quali-tativo mais preciso e detalhado sobre todos esses impactos, com evidências de sua compro-vação cabal ou estudos de caso susceptíveis de permitir medições aproximadas.

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O que, todavia, não nos impede de adiantar uma constatação geral, mesmo se construída com base num feixe de indícios, testemunhos e opiniões de entrevistados: a extrema modés-tia de todos esses resultados (em termos de regiões e populações abrangidas, segmentos sociais esclarecidas ou que se supõe terem mudado seu comportamento, etc.) em face da dimensão das necessidades da região Sul em que essas ONGs e seus parceiros actuam.

Políticas públicas

Tudo indica que essa contribuição para mudanças foi bem menos significativa no domínio das políticas públicas. Como descrevemos longamente acima, embora se tenham encon-trado evidências de “mudanças de atitude” da parte de vários órgãos do governo (sobretudo, municipais) -- traduzidas em colaborações para implantar campanhas de informação/preven-ção, por exemplo -- , não se identificaram avanços mais substantivos nas políticas oficiais de saúde pública permitindo o controle/combate efectivo do VIH/SIDA na região (priorização do tema ou disponibilização de meios consistentes para prevenção e tratamento, por exemplo). Lembrando, por último, que mesmo as mudanças constatadas só parcialmente podem ser imputadas à influência da mobilização e da advocacia da SC e das ONGs, como dissemos.

• No domínio do acesso à saúde e à educação

Resultados globais modestos

Também neste domínio foram encontradas suficientes evidências de contribuição para a ampliação do acesso das famílias dos bairros periféricos de Luanda (onde se concentrou a actuação apoiada pela ON) aos serviços básicos de saúde e educação. Mesmo se, também aqui, não nos foram facultadas condições para medir com maior exactidão e riqueza de detalhes esses resultados.

Ficou muito claro, contudo, a existência de uma enorme desproporção entre esses resulta-dos alcançados através de cinco dezenas de micro-projectos financiados com o apoio da ON (em termos quantitativos de acesso a serviços) e a dimensão das carências sociais das imensas áreas territoriais e sociais nas quais eles foram executados. Com efeito, podemos estimar, “por baixo”, que podem viver em apenas cinco desses municípios cerca de 3 milhões de pessoas (ou seja, 20% da população do país). Essa constatação dispensa comentários adicionais e ilustra um certo irrealismo de planeamento.

Políticas públicas

Da constatação acima, sobre a extrema modéstia dessa iniciativa (ou sua modestíssima “massa crítica” financeira, institucional, experimental, etc.) face ao “mar de necessidades sociais” e à complexidade administrativa das regiões suburbanas em que elas se localizam (com população superior à de dezenas de países), decorre, inevitavelmente, a sua quase total ineficácia para influenciar mudanças significativas ou sustentáveis na “cultura adminis-trativa” local (planeamento da aplicação dos recursos, escala de prioridades sociais, consulta das populações ou modelo de participação social, etc.) ou nas políticas municipais para a saúde e a educação (cujo eixo de decisão sequer se situa nesse nível municipal).

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• Algumas razões e algumas dúvidas

Já demos suficientes indicações sobre as razões que explicam esses resultados. Desde um contexto sectorial globalmente desfavorável constrangendo e inibindo a força de influência dos projectos e iniciativas das ONGs nessas áreas (vd. capítulo 3 e análise contextual deste capítulo), passando pela “cultura administrativa” do país (amiúde, marcada pela ineficiência, pelo centralismo das decisões, pelo autoritarismo na sua aplicação, pela desconfiança das ONGs, pela falta de capacidade de planeamento, etc.) e terminando na influência da própria herança histórica do “emergencialismo” da década de 1990 (vd. análise contextual) nas práticas/metodologias e capacidades de trabalho das ONGs em geral. Sem esquecermos a eficácia do trabalho e a influência nas políticas destas áreas sociais depende menos das ONGs avaliadas do que da acção colectiva, do conjunto das OSCs e parceiros que se mobilizam e actuam em sinergia.

Esse pano de fundo explicativo global é ainda mais agravado, nos casos específicos aqui avaliados, por outros factores causais, que variam conforme os casos. Citando apenas dois exemplos: (i) a “escala” de actuação com que são desenhadas determinadas acções, a qual se verificou ser ineficaz e claramente inapropriada, tanto com relação aos meios (insuficien-tes) disponibilizados, quanto para alcançar determinados resultados esperados; (ii) o “esque-cimento” de certos “resultados esperados” no desenho original dos projectos, como ocorreu quase sempre com a contribuição desses projectos para influenciar políticas públicas, impos-sibilitando que eles previssem, desde o início, actividades claramente planeadas visando obter resultados nesse domínio. Esse “esquecimento” obrigou a que a maior parte da actuação dos projectos nessa área “fosse sendo improvisada no processo de implementa-ção”, o que nem sempre permitiu obter resultados consistentes/eficazes ou coerentes.

Algumas dúvidas

Para concluir, e muito embora a avaliação não tenha podido aprofundar estas questões, vemos, pelo menos, três tipos de dúvidas ou preocupações que poderiam ser manifestadas com relação a este aim 2 no concernente à pertinência e à adequação dos enfoques e estratégias que têm sido adoptados pelas ONGs parceiras da ON em Angola (vd. igualmente a análise contextual deste capítulo). A saber:

i) Enfoque: A primeira, refere-se à pertinência do enfoque global do combate ao sobre VIH/SIDA (de certa forma, seguido pelas ONGs), o qual parece seguir o modelo criado para a África, que tem por trás o primado da lógica de mercado e interesses privados milionários -- para não falarmos dos interesses políticos locais, que privilegiam a “visibilidade” das políticas públicas acima da sua eficácia real, ou das suas bases ideológico-culturais. Segundo alguns, este modelo conduz a um foco excessivo em meios de prevenção e trata-mento importados (assistência técnica/assessoria, medicamentação, meios de prevenção etc.), ou mesmo a um risco de assumpção implícita de estigmas e representações sociais (como os “transmissores-núcleo”, a “promiscuidade sexual” africana, e.g. – vd. iii) abaixo), em detrimento de uma actuação mais apoiada na compreensão da expansão epidemia no contexto cultural local. Por exemplo, privilegiando os estudos desse fenómeno em Angola e

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campanhas massivas para a informação/consciencialização das populações, de forma a privilegiar uma mudança de comportamentos sociais que correspondem a contextos históricos, sócio-económicos e sociológicos quase ancestrais. Sob pena de se continuar a disseminar a ideia sub-liminar de que o perigo é fruto principalmente de comportamentos sexuais “desviantes” (prostituição, relações homossexuais, etc.) ou de que “a solução está na camisinha”. O que significaria uma abordagem pouco sustentável que não atacaria, de forma eficaz, as raízes do problema. Sobretudo no contexto da África Austral, onde existem factores sinergéticos históricos e socioeconómicas que tendem a aumentar a contaminação das populações à escala regional;

ii) Dimensão cultural: Em segundo lugar, parece igualmente digno de preocupação o facto de ainda haver um relativo desconhecimento ou pouco caso no tratamento das dimensões culturais do VIH/SIDA em Angola. A esse título, citamos uma recente chamada de atenção sobre essa questão:

Um problema pertinente ao VIH/SIDA diz respeito a factores culturais, normas e represen-tações que em cada sociedade geram crenças e relações sociais peculiares. (...) As espe-culações sobre ser o VIH um vírus mutante levou a argumentos próximos ao terrorismo ou à ficção científica. Bibeau (1991) afirma que muitos artigos publicados nas melhores revistas científicas utilizam clichês e estereótipos sobre uma África que só existe nos fantasmas dos próprios pesquisadores ocidentais. O autor discorda do modelo conceitual que tende a justificar o problema através de uma simplificação do processo sociológico. Imagens semelhantes que associam os maus aos “outros” e procuram distanciá-los dos bons (“nós”) também se repetem nos limites fluidos entre as sociedades, gerando a necessidade de atenção às culturas locais e a não imposição sobre as inevitáveis mudanças que toda cultura sofre constantemente. (212)

Nesse âmbito, conviria desenvolver a sensibilidade do trabalho das ONGs para evitar o risco de se estar a descuidar os factores culturais ou a questão das interferências culturais na busca de soluções para o combate do VIH/SIDA. Factores e interferências que tanto podem ser exógenos (uma certa visão eurocentrista ou ocidentalocentrista sobre o fenómeno do VIH/SIDA, e.g.), como oriundos de crenças e preconceitos locais/endógenos que limitam as respostas comunitárias à epidemia -- vitais para o seu controle ou a convivência com seus feitos sociais. (213) Essa dimensão cultural parece ser uma “janela” de oportunidades

212 Câmara, 2007. Nesse mesmo documento chamava-se a atenção, no caso angolano, para “as notícias de jornais, sites e blogs que trazem a público o facto de crianças (órfãs) acusadas de feitiçaria ser cada vez mais frequente em Angola”. Consideradas “crianças-feiticeiras” e "acusadas pela morte de um dos pais”, muitas vezes “responsabilizadas por sua seropositividade”, elas “são levadas a se confessarem como feiticeiras e agredidas e abandonadas”. ONGs como Save the Children “têm denunciado o abandono destas crianças e os maus-tratos por parte de pastores e dirigentes de igrejas, que alegam que elas estariam possuídas por Satanás.”

213 Na avaliação acima mencionada (Câmara, op cit.), constatou-se que o estudo das respostas comunitárias à epidemia demonstrava, por exemplo, que “as igrejas são potenciais aliadas no (combate) do VIH/SIDA e que as lideranças religiosas podem ser aliadas importantes e ajudar a fortalecer as respostas nacionais. Entretanto, também (era) sabido que alguns líderes religiosos (tinham) uma influência regressiva sobre o entendimento público a respeito da dinâmica de transmissão do VIH. O discurso moralista contra os homossexuais, por exemplo, (tinha) sido utilizado ao longo da história da epidemia. Sem falar nos casos

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essencial para que as organizações da SC assegurem sua contribuição “diferenciada” ao combate à endemia no país. Em outras palavras, para que elas se assumam como “actores sociais” mais sensíveis a estas questões e possam agregar uma “mais valia” preciosa ao seu combate. (214) Em contraste com a actuação mais formal e burocratizada das entidades do sector da saúde, que dispõem de menos flexibilidade e capilaridade social para trabalhar essas questões sócio-culturais.

iii) Foco: Por fim, conviria avaliar melhor a pertinência da defesa do direito da população aos serviços básicos de saúde que tem sido desenvolvida pela grande maioria das ONGs. Essa luta pelo reconhecimento do direito das populações aos serviços sociais básicos e pela instituição de políticas públicas e eles adequadas tem tido um foco quase absoluto nos programas, esforços e investimentos que contemplam a problemática da endemia VIH/SIDA. Ou seja, tem ocorrido em detrimento de um enfoque mais integrado e alargado a outros temas da saúde pública, ou às demais causas de morbidade e mortalidade da população que são tão importantes e mortíferas (senão mais) quanto o VIH/SIDA -- como o caso da malária e das doenças respiratórias agudas e diarreicas, e.g. Vide mais detalhes sobre esta proble-mática na longa análise de contexto deste capítulo (7.1).

em que as pessoas seropositivas (eram) levadas (em diferentes países) a abandonarem o tratamento antiretroviral (ARV) em nome da salvação.”

214 Inclusive, com possibilidades de o inserir numa abordagem mais globalizada, que contemple as principais causas de morbidade/mortalidade da população do país (vide iii) a seguir).

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8. RIGHT TO BE HEARD (aim 4)

Social and political participation (SCO 4.1)

8.1 Breve caracterização do contexto: temáticas

Procuraremos nos cingir, nesta última caracterização sectorial (na verdade, multissectorial, posto que o tema da participação social e política é dos mais multifacetados), ao que podemos considerar como as três grandes áreas sub-temáticas que polarizaram o Programa da ON em Angola no âmbito do SCO 4.1 durante período avaliado.

Traduzindo essas áreas em resultados esperados, o Programa da ON visou, no domínio deste SCO específico, contribuir: (i) para a “pacificação” e a democratização do país na fase de transição pós-guerra, em particular influenciando a construção de uma sociedade e uma governação mais participativas, transparentes, inclusivas e socialmente justas; (ii) para que a SC ganhasse espaço de diálogo/colaboração e protagonismo social, bem como capacidade de influência e de actuação “propositiva” no seio nesse processo de transição (apoiando a emergência e o reforço das OSCs, em especial OCBs e ONGs “populares” ou embrionárias); (iii) para que as populações rurais, urbanas e peri-urbanas tivessem seus direitos fundiários reconhecidos e pudessem ter acesso assegurado à terra para garantir sua subsistência e moradia em condições dignas.

No intuito acima, esta caracterização contextual será desenvolvida em três partes distintas abordando os esses temas, a saber:

• Democratização e boa governação; • Sociedade civil organizada em busca de novos caminhos; • Problemática fundiária: desafios do passado e do futuro.

8.2 Democratização e boa governação

A evolução político-institucional do país nos últimos anos não confirmou as esperanças do início da década de 90, quando ocorreu a “abertura política” do país com o abandono do modelo “socialista” adoptado na década de 1970, a adesão à economia de mercado e a um modelo político multipartidário, alegadamente mais “democrático” e respeitador dos direitos consagrados universalmente (DH, civis e sociais) e, por fim, a formação do GURN (1994),

Na verdade, e por múltiplas razões que já se analisaram anteriormente (vd. capítulo 3), no decurso da década de 1990, e no período pós-guerra coberto por esta avaliação, assistiría-mos à continuidade na centralização/concentração do poder do Estado (iniciada nos finais da década de 1970, inclusive ao custo da desagregação do equilíbrio das forças políticas funda-doras e orientadoras do MPLA até à independência), bem como ao crescimento da influência político-económica do “primeiro círculo” do entourage do poder -- ou à mutação de grande parte da antiga elite político-administrativa em elite económica, correspondendo a um projecto, mais ou menos explícito, de geração de uma bourgeoisie nacional capaz de

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conduzir o país nessa nova opção sistémica pelo mercado, sob a orientação “esclarecida” dos gurus das instituições de Bretton Woods e do Consenso de Washington. Pese embora uma certa dificuldade de relacionamento entre essas instituições e o Governo de Angola, a partir de princípios desta década, seja em decorrência insucesso da tão aguardada e jamais realizada Conferência de Doadores, ou das reticências do Governo para aplicar as fórmulas macro-ecómicas mágicas dos conselheiros dessas instituições ou em aceitar as suas criticas à falta de transparência na gestão das receitas do Estado.

• Reconciliação pós-guerra e promessas não cumpridas

Se a reconciliação nacional e a normalização do país no pós-guerra é uma realidade visível e indiscutível, superando traumas históricos que até há bem pouco tempo pareciam insuperá-veis num prazo tão curto, quanto ao funcionamento das instituições e à construção de uma plena cidadania (215) essa realidade tem se mostrado algo mais ambígua e muito mais ténue, frustrando muitas das expectativas da SC angolana.

Na realidade, segundo a maioria dos analistas, a evolução dos últimos anos traduziu-se em grande precariedade institucional (seja na legitimação ou criação das instituições, seja no seu desempenho real, etc.) e num profundo deficit de direitos e liberdades (DH, civis, sociais, de expressão, etc.) ou com relação a princípios de isenção e transparência no funcionamen-to do Estado (a começar pelo seu papel regulador da economia ou de gestor dos recursos não renováveis do país com forte expansão na última década).

Sobre esta última (transparência), pode-se dizer que, até aqui, contrariamente ao que sempre garantiu o credo liberalizante que cimentou a “abertura” político-económica da década de 1990, o aumento da presença no país das agências internacionais das NU e da APD ou a influência das “democracias” ocidentais e das “forças do mercado” mais modernas e “globalizadas” -- em especial, de algumas dezenas de companhias multinacionais que asseguram mais de 50% do PIB angolano das últimas décadas -- parece não ter tido a força “democratizante” ou “liberalizante” que se esperava.

E esse relativo insucesso parece não poder ser imputado unicamente à perca de “espaço” dos países ocidentais após o “alcance da paz pelas armas” (e não pela negociação e mediação internacional, como se esperava) ou à chegada de novos players no cenário macro-económico e geopolítico angolano nos último anos, com menos cultura de corporate governance ou veleidades de responsabilidade social corporativa (como a China, e.g.). Não há quaisquer indícios significativos de que empresas americanas, francesas, brasileiras, portuguesas ou de qualquer outra nacionalidade estejam mais comprometidas com os

215 Utilizamos aqui esse conceito (bastante controverso, como sabemos) na sua acepção “moderna”, que ultrapassa o mero status jurídico ou participação política dos cidadãos. Inclui igualmente um viés “igualitá-rio”, que se traduz em deveres das sociedades para com esses cidadãos. Ou seja, a ampliação dos direitos políticos, civis e sociais para dar lugar à “sociedade dos cidadãos” no sentido de Bobbio (1986).

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princípios da boa governação ou tenham mais escrúpulos (do que o governo chinês) para se “adequar” rapidamente à cultura local da gestão do Estado. (216)

Segundo alguns, as recentes demonstrações de “pragmatismo político” de alguns países europeus (França, e.g.), incluindo, no concernente à defesa dos princípios “democráticos” de governação (ou dos “direitos humanos”, entre outros), mostrou que estes estão essencial-mente preocupados com a sua perca de prestígio político e espaço económico em Angola (leia-se, em garantirem a sua parte na exploração dos hidrocarbonetos), o que certamente não contribuirá para melhorar esse cenário institucional global pouco alentador.

Compromissos institucionais

Assim, resumindo em poucas palavras, constata-se um considerável gap entre os compro-missos formais do Governo angolano -- institucionais e constitucionais, decorrentes da adesão a convenções e leis internacionais. etc., ou no âmbito dos direitos civis, políticos e sociais -- e o seu cumprimento efectivo. Uma pequena amostra de algumas questões mais actuais nesse domínio:

• A nova Constituição obriga à instituição de um Tribunal Constitucional, mas o Governo continua a adiar a sua criação. Visto que a Assembleia Nacional eleita em 1992 tem pouco poder real, não há, de facto, nenhum procedimento formal de checks and balances no sistema político angolano;

• Além disso, a independência da magistratura da Procuradoria Geral e de outras figuras político-institucionais parece ser muito limitada na prática;

• O sistema judicial está muito desorganizado, praticamente em ruínas. A título de exemplo, somente uma pequena fracção dos tribunais municipais previstos existem realmente ou funcionam de facto. Por outro lado, os seus juízes são mal pagos e, portanto, são mais sujeitos à corrupção ou a influências políticas;

• Os sistemas tradicionais de justiça (com base no direito costumeiro ou consuetudinário) não possuem qualquer reconhecimento oficial e, embora activos no meio rural, são pouco conhecidos do público urbano. Por outro lado, eles são retratados oficialmente de forma bastante negativa e não há nenhum esforço oficial conhecido para se avaliar ou valorizar o seu potencial. Veja-se o caso emblemático da Lei de Terras, na aplicação da qual está a ser perdida uma “oportunidade de ouro” para valorizar esses sistemas lá onde eles seriam mais adequados e poderiam ser bastante eficazes (em todo caso, bem mais eficazes e socialmente justos do que o sistema judiciário formal/oficial);

216 Falando sobre o papel dos actores externos em Angola, citando o exemplo das empresas portuguesas, um observador avisado não hesitou em esclarecer que “as políticas consistentes e eficazes de responsa-bilidade social ainda não são uma prática comum nas empresas” e que estas “coadunam-se muito com alguma falta de transparência que existe” no país (Pizarro, 2006). Muito autores analisam que o caso das empresas europeias em geral ou das empresas brasileiras não parece muito distinto. Excepto, para estas últimas, no nível de “envolvimento directo de altas figures do Estado nas suas estratégias de negócios”. O caso das petrolíferas e da “transparência” do seu comportamento corporativo nos países extractivos, por sua vez, já caiu no domínio público, fazendo até parte do folklore ou dos males da cultura empresarial dominante da globalização, dispensando quaisquer comentários.

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• O sistema prisional e o tratamento dos prisioneiros estão abaixo dos padrões internacio-nais mínimos, carecendo de urgentes melhorias. Por outro lado, abundam nas cadeias do país situações de detenção abusiva ou “provisória” sem qualquer procedimento judicial, de continuidade das detenções após a conclusão das penas, de maus tratos, etc.;

• Não existem um Judicial Protectorate ou um ombudsman, apesar destes terem sido tornados obrigatórios pela última reforma Constitucional;

• O Tribunal de Contas, considerada uma “corte contra a corrupção”, de certa forma funcio-na, mas sob forte influência do poder político e com espaço de actuação e poderes muito limitados na prática;

• A Comissão da Reconciliação, criada em 2001, perdeu muito de seu significado a pós a vitória militar de 2002. Sobretudo quando o Governo forçou a aprovação de uma amnistia geral para suas próprias forças armadas e as da UNITA e tendeu, desde então, a evitar qualquer abordagem legal sobre os crimes ou excessos cometidos durante a guerra.

Melhores perspectivas?

É muito provável, contudo, que surjam novas perspectivas nestes domínios após as próxi-mas eleições legislativas (2008) e presidenciais (2009). A depender dos resultados dessas eleições, dos reequilíbrios no poder que elas poderão viabilizar e, em todo caso, da maior legitimidade e segurança/consolidação das instituições que elas tenderão a facilitar nos próximos anos. Sob reserva de que esse processo eleitoral decorra dentro de parâmetros aceitáveis de respeito das liberdades civis e do ritual do processo “democrático” formal, pelo menos em moldes a que seus resultados finais possam ser aceites por toda a sociedade angolana.

• Alguns aspectos do contexto pertinentes ao programa da ON

Na óptica do programa da ON relacionado com este SCO 4.1, destacam-se alguns aspectos do contexto específico que envolve o trabalho da SC e das OSCs. Nomeadamente das ONGs que visam contribuir para a divulgação e a promoção da observância dos direitos no país (DH, civis e sociais) ou para a boa governação e a transparência.

Direitos humanos, civis e sociais: perspectivas de refluxo?

De um modo geral, como já se aludiu no capítulo 3, o cenário acima esboçado traduziu-se em fortes constrangimentos ao trabalho nestes domínios. Ou seja, na criação de um ambiente cada vez mais “pesado” e “ameaçador” à volta das OSCs e ONGs que trabalham com estes temas (informação e consciencialização da SC, advocacia, lobby, campanhas, etc.). Sobretu-do à volta das que assumem posturas mais críticas. O que fez “ressurgir o medo” e claros reflexos de autocensura, especialmente diante dos “processos persecutórios” dessas entida-des e seus dirigentes observados nos últimos dois anos -- inclusive, contra vários dos contrapartes e parceiros da ON (a SOSH e a AJPD são os exemplos mais recentes e emble-máticos disso).

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Esse contexto geral tendeu a limitar fortemente não só o trabalho, mas também a influência dos activistas e ONGs locais dos DH/civis (e até das ONGs internacionais como a HRW e GW), cujas actividades são vistas como polémicas e “perigosas” por algumas autoridades. O que inibiu a sua expansão e impacto para além dos meios/segmentos sociais urbanos e mais intelectualizados.

Pode-se dizer que o ambiente acima mencionado e o fenómeno de autocensura a ele asso-ciado tiveram igualmente um efeito desmobilizador da maior parte das ONGs. Grande parte destas tendo registado, nos últimos anos, uma certa tendência a inibir o seu envolvimento com áreas polémicas e susceptíveis de desagradar ao Governo (defesa dos DH, boa governação, denúncia da corrupção, etc.). (217)

Esse impacto pode ser detectado, inclusive, em algumas das ONGs mais conhecidas e antigas do país. Estas, mostram-se cada vez mais receosas de que um engajamento muito firme sobre temas “delicados” como esses as possa excluir do acesso aos fundos da APD ou outros (oriundos da responsabilidade social corporativa das petrolíferas, e.g.) que necessi-tam do aval das autoridades governamentais. Esse controle ou “qualificação” das ONGs com base em critérios políticos ou de “bom comportamento” é especialmente problemático no novo ambiente de competição por “recursos financeiros escassos” vivido pelas ONGs nos últimos anos (vd. mais detalhes em 8.3).

Boa governação e transparência: contexto desfavorável

Este tipo de temas de actuação da SC e das ONGs é, certamente, o mais problemático no contexto político e de fragilidade institucional vivido do país, por razões óbvias. Aos olhos do poder, eles representam uma intromissão intolerável nos processos de gestão “nebulosa” do bem público nascidos na década de 1980 e desenvolvidos nas duas décadas seguintes (vd, capítulo 3).

Estes, largamente explorados pelos noticiários nacionais e internacionais durante a última década, cobrem uma ampla gama de mecanismos considerados pouco transparentes da gestão estatal angolana: privatizações sub-avaliadas do património das EEs; gestão opaca e patrimonialista das receitas petrolíferas; indícios de favorecimentos e desvios financeiros; processos de concessões estatais (direitos de exploração, subvenções, créditos, etc.) e de investimento do Estado “pouco criteriosos”; etc.

217 O activismo das OSCs angolanas nesses domínios se intensificou nos finais da década de 90, quando a SC angolana (as Igrejas e as ONGs em particular, com o apoio de ONGs e outras entidades internacio-nais) já havia encetado um amplo movimento de mobilização cidadã em prol da paz, do diálogo para a reconciliação nacional e do respeito dos DH. Este activismo viria a ser reforçado pela denúncia das bases/circuitos económicos (e grupos sociais) cujos interesses alimentavam a continuidade do conflito (troca de petróleo e diamantes por armas, apropriação privada de uma parte significativa do “esforço de guerra”, etc.), ou a exposição de violações das normas internacionais aplicáveis (o uso de minas e o envolvimento forçado de crianças como soldados, e.g.). Nesta denúncia, inclusive, se destacariam alguns dos contrapartes de ON (HRW e GW). Essas novas “portas de entrada” foram deveras impactantes e consciencializadoras da sociedade local até por volta de 2004/2005.

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Por outro lado, como já dissemos, a posição “confortável” e de relativa autonomia que Angola conquistou nos últimos anos graças à uma conjuntura política e económica favorável (fim da guerra civil com interferência/mediação internacional quase insignificante, forte aumento da produção petrolífera e das exportações, crescimento exponencial dos preços internacionais do crude, “entrada no mercado” do país de novos actores internacionais com fortes poder económico e capacidade de importação e de financiamento de longo prazo, etc.), teve como consequências “blindar” o país contra as pressões internacionais (leia-se, pressões ocidentais) e permitir-lhe galgar uma posição de relativa independência face aos seus “tradicionais” financiadores (FMI, Clube de Paris, etc.) preocupados em condicionar sua “ajuda” ao respeito de acordos e princípios internacionais de gestão transparente do Estado, pelo menos formalmente.

Assim, recentemente dotada de uma certa “imunidade” financeira contra a maior parte das pressões da comunidade internacional, Angola tem sido relutante em respeitar princípios e acordos internacionais ou aderir formalmente aos seus objectivos/obrigações. Como tem vindo a acontecer com iniciativas internacionais em prol da transparência como a EITI, (218) por exemplo, cuja eficácia, de qualquer forma, tem sido grandemente limitada pelo seu carácter voluntário e sem qualquer sanção de seus acordos. (219)

Aprofundaremos a análise sobre o contexto e os limites da actuação das ONGs neste domínio mais adiante (vide 8.6).

8.3 Sociedade civil organizada: em busca de novos caminhos Em paralelo com a evolução pouco abonadora esboçada no capítulo 3 (vd. detalhes em 3.2.2), e não obstante os impactos ou a capacidade desse contexto para inibir a dinâmica social e político-institucional do país -- e o protagonismo das OSCs em particular --, as transições da sociedade angolana (sobretudo na década 1998-2007) têm induzido fases de euforia e crescimento acelerado (“cogumelização”) dessas organizações, alternadas com fases mais difíceis, de refluxo, que obrigam ao seu auto-diagnóstico e adaptação/reajuste para garantirem a sobrevivência, como veremos a seguir.

218 O que é publicamente reconhecido pelo próprio o ministro das Finanças (José P. Morais). Relatando as afirmações do ministro numa entrevista, um jornalista resumiu: “Por razões políticas fomos julgados por não aderir às iniciativas internacionais, como o EITI (...) Não somos contra aqueles que têm de regular as suas políticas (de acordo) com as da comunidade internacional, uma vez que fazem isso por interesse próprio.” Contudo, continuou o ministro, “o contexto angolano não pode ser comparado com o de determi-nados países cujos orçamentos são financiados em 80 por cento pela comunidade internacional” e para os quais o respeito das “preocupações e recomendações políticas internacionais são a única forma de sobrevivência” (“Transparência ainda é um problema em Angola”, site Angola Dicas, 23.03.2007).

219 Aliás, a “flexibilidade” das modalidades da EITI é tal que permitiu, inclusive, que Angola inventasse para o seu caso a categoria de “observador”, sem qualquer compromisso real (D. Sogge, 2006). Por outro lado, os limites da eficácia das campanhas internacionais desse tipo, em países como Angola, pode ser ilustra-do pelo caso da BP (2001). Quando essa empresa decidiu unilateralmente publicar o valor dos impostos pagos a Angola, foi acusada de quebrar as cláusulas de confidencialidade dos acordos com a Sonangol e ameaçada de perder os seus contratos no país. Valendo lembrar, por fim, que se a divulgação integral dos contributos fiscais e outros (receitas recebidas pelos Estados) é um passo adiante na transparência, ela não “resulta necessariamente numa gestão transparente desses recursos” (Hodges, 2004).

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Esse processo de “altos e baixos” tem permitido, não restam dúvidas (e seria injusto não reconhecer), um certo “refinar das capacidades operativas e de negociação”, bem como o amadurecimento e a reflexão de uma parte das ONGs. Algumas das quais têm se destaca-do, inclusive, na busca de novos caminhos e formas de trabalho mais articulado e solidário. O que não significa que esse amadurecimento tenha ocorrido – e não venha ainda a continuar a decorrer -- sem “mortos e feridos”, sem suscitar situações paradoxais e, sobretudo, sem dúvidas sobre os caminhos para seguir em frente.

• Velhos desafios e novos caminhos

Durante a transição 2002-2007, que coincidiu com o período desta avaliação, a reflexão das ONGs vem sendo impulsionada por vários novos desafios (reorientação das actividades para o desenvolvimento, diminuição dos apoios internacionais, redefinição do papel das OSCs nesta nova fase, etc.). Estes, obrigam cada vez mais as OSCs/ONGs (ou a sua vanguarda) a procurarem novas maneiras de actuar depois de longos anos de experiência com ajudas humanitárias ou “emergencialistas”, ou a trabalhar com facilidades que já não existem ou tendem a desaparecer. Facilidades no domínio das metodologias de trabalho, da captação de recursos (pelo menos para as ONGs mais profissionalizadas) ou para evitar algumas “questões mais bicudas”, tais como a sua “legitimidade/representatividade social” ou a natureza das suas relações com o poder. (220)

Êxodo dos quadros mais experientes

No plano interno, alguns desses novos desafios vão além das (melhor dizendo, aprofundam as) já tradicionais fraqueza institucional e falta de autonomia financeira da maioria das ONGs (ou das suas carências para a geração de uma “massa critica” de recursos próprios), já longamente analisadas na transição 1992-2002 (vd. detalhes ems 3.2.2).

É particularmente preocupante o novo fenómeno do êxodo de RH ou de “massa cinzenta” que essas ONGs vêm sofrendo nos últimos anos. Com efeito, como dissemos, logo nos primeiros anos desta transição grande parte das ONGs internacionais da fase de emergência saíram do país e transferiram suas actividades para “mercados da ajuda humanitária mais promissores” (sic). Por outro lado, no mesmo período em que esse “êxodo financeiro” ocorria, a expansão dos rendimentos do petróleo permitia ao Governo reajustar sua política salarial (sobretudo para os técnicos médios e superiores com mais experiência) e de contratação de funcionários.

Esses dois factos conjugados (221) levaram a que muitos dos antigos funcionários do Estado, que haviam se engajado nessa alternativa “oenegista” na década de 1990, quando o merca-

220 No passado, estas relações eram mas facilmente superáveis. Mesmo que pudessem criar alguns proble-mas pontuais, por causa das bem conhecidas desconfianças e dificuldades de diálogo entre as OSCs e os responsáveis e órgãos do Governo (com as raras excepções das ONGs com alguma ligação política ou umbilical com o partido no poder, como sempre foi comum nas ONGs mais influentes).

221 De certa forma, associados ao controlo da inflação e à valorização do Kwanza alcançados nos últimos anos, o que praticamente acabou com o a especulação da venda de dólares no “mercado negro”, hoje nas mãos das mulheres (kinguilas ou cambistas de rua) e com margens de lucro quase insignificantes.

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do da ajuda humanitária dispunha de abundantes financiamentos e oferecia salários em dólares mais compensadores e menos erodidos pela inflação, (222) inclusive criando algumas das ONGs mais conhecidas e profissionalizadas do país, (223) fossem nestes últimos anos sendo reabsorvidos pela máquina governamental e o sector privado mais “performante”. (224)

Esse duplo êxodo, financeiro e em recursos humanos, vem causando às ONGs a perda de grande parte das suas bases de sustentação e dos seus quadros mais dinâmicos. Justamen-te quando estas organizações se confrontam com um ambiente mais competitivo pelos recursos financeiros escassos. Por outro lado, o êxodo dos RH das ONGs parece estar a ser dificilmente compensado pela “renovação de quadros”. Posto que, no contexto actual de Angola, a maioria da nova geração de quadros das ONGs vêem-nas com outros olhos, às vezes como meras oportunidades de emprego, outras sem se comprometerem com a componente “militante” essencial a um trabalho social eficaz. Ou, ainda, muitos as encaram apenas como um possível degrau inicial para ascender socialmente, aceder a empregos mais bem remuneradores no mundo das grandes ONGs internacionais e das agências da APD sediadas em Luanda.

Novas exigências do “mercado”, recursos escassos e activismo “generalista”

Com a fase pós-guerra e a emergência do projecto de construção de uma sociedade mais democrática e da busca por novos modelos de “desenvolvimento”, o “mercado da ajuda” tendeu a exigir métodos e ferramentas de trabalho mais complexos, mais competência profissional e gerencial das ONGs (mais conhecimentos técnicos, mais capacidade de análise, mais participação social, mais responsabilização/accountability, etc.). A exigir, ainda, a assimilação e o perfeito domínio de novos conceitos e vertentes/dimensões de trabalho (advocacia social, lobbying, capacidade de análise/proposta de políticas públicas, etc.).

Em paralelo, diante da saída de muitos dos doadores e fontes de financiamento do período da emergência, esse “mercado” se diferenciou e a captação de recursos ficou mais difícil, escassa e problemática. Em especial, para “assegurar o pleno desempenho das ONGs como verdadeiras NGs”, (225) sem “descaracterizar o seu papel ou autonomia face à influência dos doadores e poderes instituídos” (sic).

Exemplos disso podem ser encontrados nas condições operativas de muitos dos financia-mentos multilaterais (Banco Mundial, UE,...) e bilaterais desta transição, que tenderam a

222 Para muitos, esta foi uma opção pelos melhores salários das ONGs. Para outros, contudo, diga-se a bem da verdade, foi-o igualmente em termos políticos. Uma opção de activismo político-social redobrado perante um poder instituído que emitia sinais evidentes de esgotamento da sua proposta ideológica e da ineficácia da sua visão e métodos para incentivar o desenvolvimento do país (pelo menos, em moldes que considerassem a maioria da população), mesmo ponderando-se os limites impostos pela guerra.

223 Alguns desses quadros, contudo, nunca abandonaram totalmente o Estado (professores, enfermeiros, técnicos agrários, etc.). Procuraram conciliar as duas carreiras (no Estado e na ONG) em simultâneo. O que, inclusive, contribuía para limitar sua disponibilidade e a eficácia do seu trabalho nas ONGs.

224 Uma parte desse pessoal foi igualmente absorvida pelos sectores económicos mais dinâmicos dos últimos anos (companhias petrolíferas, banca, seguros, etc.), com necessidades crescentes de mão-de-obra capacitada ou com potencial para ser rapidamente capacitada.

225 Ou seja, como não governamentais.

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ignorar ou inibir o papel social inovador destas organizações, criador de consciência social e de sinergias comunitárias/colectivas, em particular no seio dos segmentos sociais menos privilegiados da sociedade. Sem esse papel criativo e estratégico, as ONGs, tornam-se quase injustificáveis ou ameaçadas na sua própria existência social. (226)

As ilusões da “filantropia corporativa”

Por outro lado, avaliações profundas da filantropia corporativa geralmente não estão publica-mente disponíveis. (227) Entretanto, parece que as empresas petrolíferas e similares tendem a seguir os mesmos trajectos ou padrões da caridade: desprezo para com a verdadeira função social das ONGs acima mencionada e política de ofertas unilaterais de coisas tangíveis e bastante visíveis (postos de saúde, campos de futebol, etc.), com o intuito primor-dial de melhorar suas relações públicas ou a sua imagem desprestigiada pelos sucessivos escândalos financeiros dos últimos anos.

Essa preocupação “cosmética” em detrimento da essência do associativismo social não parece ser, todavia, apanágio exclusivo das grandes corporações privadas internacionais. Uma missão técnica do Banco Mundial sugeriu recentemente, ao Governo e às empresas petrolíferas do país, a receita ideal para “limparem” a sua imagem social -- empregarem mais angolanos, aumentarem seus aprovisionamentos locais em produtos e serviços, mostrarem mais transparência e fazerem mais doações e contribuições para a educação do país, as micro empresas e o desenvolvimento comunitário. (228) Confirmando, assim, o cenário de provável expansão das estratégias de cooptação institucional e política das ONGs locais que analisamos mais adiante.

De qualquer forma, esperar por qualquer tipo de resultados a favor da democracia, ou de solução/mitigação da situação de pobreza da maioria da população do país da parte da filantropia corporativa parece ser o mesmo que “whistling in the dark”. Uma analista bastante lúcida, por exemplo, concluiu sobre esse assunto em termos directamente relevantes para o caso angolano (embora não o discuta com profundidade) o seguinte:

Can’t shut down Big Oil? Then browbeat companies like Shell and ExxonMobil into preaching the gospel of human rights and democracy to their developing-world hosts. As appealing as this strategy seems to global do-gooders, it won’t work. Not only are oil

226 Os financiamentos deste tipo de agencias são cada vez mais destinados ao estricto “pagamento de serviços” (geralmente calculados “por baixo”, ao seu custo mínimo). Estas não consideram todos os gastos de estrutura das ONGs, suas necessidades de reforço institucional, suas acções em rede, sua actuação no campo das politicas públicas, sua actuação voltada para a informação e o empoderamento das comunidades ou grupos sociais, etc. Ou seja, negligenciam grande parte do que permite a estas organizações desempenharem os papeis sociais que, em última instância, justificam a sua missão e a sua própria existência na sociedade. Esse fenómeno acaba por consolidar as ONGs tipo “business de auto-emprego” (microempresas de serviços sociais e outros) e tende a prejudicar ou eliminar as ONGs que almejam ir além dessa mera “instrumentalização humanitária”, para actuar como expressão da sociedade civil organizada e na defesa de seus direitos/interesses ou na promoção do seu bem-estar social.

227 Sobre as práticas das grandes empresas em geral, no domínio da responsabilidade social, podem-se encontrar alguns artigos, como por exemplo Ovadia (2002). Sobre os seus pífios resultados e limites dessa actuação “voluntária” e sem enquadramento jurídico consistente, vide igualmente Vogel (2006).

228 BM, 2003

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companies unsuited for the job of turning the world’s most difficult neighbourhoods into thriving market democracies, they’re increasingly adept at passing the buck of reform to others. (229)

Sob a pressão dessa busca por recursos cada vez mais raros e “condicionados” pelos critérios das agências doadoras, as ONGs locais não tiveram outra alternativa senão ficarem cada vez mais “generalistas”, actuando em inúmeras áreas/sectores, (230) sem forçosamente terem conhecimentos ou perícia relevantes nesses diversos domínios. Ou sem sequer terem um lastro de experiências e de reflexão acumuladas sobre as metodologias, enfoques ou estratégias mais adequadas para neles actuar sabendo aproveitar as oportunidades do contexto ou com suficiente eficácia de resultados (em especial, favoráveis à população que é suposta ser o alvo de suas acções).

Por outro lado, esse fenómeno de recursos escassos empurrou as ONGs mais competentes/ profissionalizadas e com maior poder de lobbying para a busca de outras fontes financeiras opcionais, inclusive do Estado. O que é inegavelmente legítimo e até desejável. Mas, no actual ambiente político angolano, também não é totalmente isento de outros inconvenientes e riscos, como veremos a seguir.

O “deficit” de legitimidade e de democracia

Por fim, nestes últimos anos de alegada “democratização” passou a ficar cada vez mais difícil para as OSCs em geral, e as ONGs prestadoras de serviços em particular, continua-rem a contornar certos aspectos que “ficaram na sombra” durante a guerra e o conveniente enfoque “humanitarista” dessa fase.

Entre esses, destaca-se a fraca legitimidade e representatividade e social de muitas dessas organizações. Esta deriva do seu fraco enraizamento nas (e fraco diálogo com as) socieda-des/comunidades locais, visto que a maioria dessas ONGs emana de pequenos grupos de activistas da classe média urbana, sem identificação significativa com esses segmentos. Um outro desses aspectos prende-se com a falta de democracia e transparência internas de muitas dessas organizações, dando azo a que muitos chamem a atenção para o perigo das ONGs estarem, de certa forma, a reproduzir a cultura anti-democrática e da não transparên-cia que se pretende combater para a construção dos novos caminhos da sociedade angola-na. Materializando, dessa forma, o provérbio “faz o que eu digo, não o que eu faço”. (231)

Estas duas primeiras questões “espinhosas” (legitimidade social e democracia interna), que já vêm sendo objecto de algumas críticas, tenderão a ocupar um espaço cada vez maior no

229 Ottaway, 2001. 230 Sobre a análise dessas ONGs “pau-para-toda-a-obra”: vd. Sogge at al. (2008). 231 Alguns analistas questionam, com alguma pertinência, “como poderão as ONGs ocupar maior espaço na

sociedade, e contribuírem para a sua transformação, sem esse necessário enraizamento social, ou sem essa urgente democratização no seu próprio seio?” (sic). Igualmente preocupante é que, dessa forma, fica mais difícil às ONGs serem reconhecidas ou terem peso político/social para dialogar com o Governo. Posto que é mister reconhecer que essas suas carências endógenas enfraquecem o seu papel na Arena Pública (vide SOGGE at al., (s/d), por maior que seja o deficit de legitimidade política e de representatividade que se possa imputar ao Governo com relação à Nação real.

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futuro, na busca de novos caminhos e soluções. Sobretudo, no seio das ONGs mais antigas, mais influentes e mais politizadas (no sentido da sua maior capacidade de opção e reflexão político-sociais).

• As relações com o poder se agudizam e se redefinem

Um último aspecto essencial relaciona-se com a problemática das relações das ONGs com os poderes públicos. Ou seja, no contexto institucional das ONGs acima, um olhar mais demorado sobre as relações com o poder é particularmente esclarecedor dos novos desafios que, ao que tudo indica, poderão se agravar num futuro próximo. Não obstante as mais recentes tendências do discurso oficial “participativista” por razões de contexto eleitoral, acentuando o papel social e político das ONGs na reconstrução do país. (232) Esse mesmo papel que, curiosamente, tem vindo a ser sistematicamente combatido pelo Governo ou dificultado pela sua burocracia ao longo da última década, mesmo se houveram importantes progressos realizados desde a abertura política de 1991.

Com é bem sabido, essas relações nunca foram muito fáceis desde a abertura do regime no bojo dos Acordos de Bicesse e da instituição da liberdade de associação (Maio 1991). Estas, contudo, evoluíram lentamente de uma “desconfiança mútua” para o diálogo e as relações de parceria, sobretudo em nível local (municipal). Em muitos casos, melhoraram significativa-mente à medida que o próprio regime necessitava do apoio das ONGs para distribuir a ajuda humanitária durante a guerra. (233) Estratégia de intermediação essa das ONGs assumida pela próprias agências doadoras para melhor administrar as ajudas. Isto é, sem uma interferência excessiva do aparelho político-partidário e dos fluxos do desvio das diferentes formas da pequena apropriação ilícita e sobrevivência popular, que nasceram nos primeiros anos da “economia esquemática” do “socialismo científico”, se sofisticaram e proliferaram durante os anos seguintes de guerra e suas fortes carências de aprovisionamento.

Mais recentemente, à medida que se aprofundou a mobilização da SC e o movimento pela paz e democratização do país, ou em prol de um modelo de desenvolvimento menos predatório e socialmente mais equilibrado (movimento iniciado na transição 1992-2002, com forte envolvimento das Igrejas, e continuado em 2002-2007), as relações com as instituições do Estado tenderam a ficar mais tensas (conflituosas, segundo alguns).

Sobretudo, quando algumas ONGs passaram a denunciar o desrespeito pelos DH, a má governação, a falta de transparência, etc. Portanto, a assumir posições consideradas demasiado político-partidárias pelo Governo. Ou a fazer opções mais claras em defesa de seu público-alvo (pelos seus direitos, sua participação na vida política, por políticas públicas

232 Em particular, o discurso de abertura da 3ª Conferência Nacional do MPLA (09.05.2008). 233 Alguns analistas, como Messiant (1999), estimam que foi justamente o “reconhecimento tácito”, pelas

mais altas esferas do Estado, de que as ONGs eram mais eficientes do que a própria “máquina” administrativa na distribuição da ajuda humanitária que permitiu a continuidade da sua actuação na segunda metade da década de 1990, quando chegou a se ensaiar uma política oficial de controle/redução do seu espaço de actuação. Mas, por outro lado, essa actuação humanitária consolidou o conceito oficial das ONGs, que prevalece ainda hoje, como meros provedores de serviços humanitários/assistencialistas e não como actores sociais de mudança da sociedade.

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a seu favor, etc.), as quais contrariavam muitos interesses (do poder, das elites, dos empresários emergentes, dos administradores locais, etc.). Todas essas atitudes sendo vistas como contrárias ao quadro “legal” ambíguo que regula a acção das ONGs no país (ou, pelo menos, à interpretação de dele faz o Governo).

Nova lei das associações e velho controlo do espaço civil

Mais recentemente (2005), assistiu-se a um novo momentum ou impulso para o controlo do espaço civil angolano (ou sua “colonização”, no dizer dos mais críticos), com a criação de um gabinete especifico no seio do partido no poder. (234) Ainda em Maio desse ano o Governo angolano ensaiou os primeiros passos para a “revisão” da legislação das associações, procurando visivelmente disciplinar ainda mais a sua actuação, reforçando a “tendência autoritária” iniciada com o fim da guerra e agora assumida abertamente. (235) Não parece ser mera coincidência que tais manobras ocorram quase às vésperas da abertura de um longo processo eleitoral e de revisão das Constituição (que se acreditava que ocorreria em 2007).

Segundo os críticos desta medida, tudo indica que o Estado angolano, sob o pretexto de “adequar” a actuação das ONGs à transição pós-guerra, visa instituir um quadro legal bem mais autoritário e controlador das actividades das ONGs (do que a legislação da década de 1990). As quais, de certa forma, passaram a ser vistas como “actores sociais não estatais” que escaparam demasiado ao seu controlo e submissão durante a fase “humanitária”. (236) Essa vontade de maior controlo administrativo parece ser reforçada por uma vontade ainda mais forte de afastar as ONGs da tentação de extrapolar sua actuação para áreas muito “políticas” (defesa de direitos civis e DH, advocacia a favor da boa governação ou de políti-cas públicas, e.g.), sob pretexto de as levar a absterem-se de “acções políticas e partidárias”.

Assim, o Governo reforça um ambiente institucional já bastante adverso e restringe um pouco mais o espaço público para a actuação da sociedade civil organizada. Esse retrocesso com relação às promessas de abertura política da década de 1990, em função de objectivos e critérios considerados “obscuros, autoritários e de exclusiva conveniência do Estado”, ocorre, muito curiosamente, num contexto de relativos “silêncio e fraca reacção organizada da SC e das ONGs” locais até o presente momento (finais de 2007).

O que alguns críticos interpretam como um preocupante indício de que muitas das “grandes” ONGs do país (que contam entre as poucas com alguma força para liderar essa reacção)

234 Gabinete para a Cidadania e Sociedade Civil (previsto no Art. 90º dos Estatutos do MPLA aprovados em 27.11.2004), dirigido por um membro do seu CC (Carolina Cerqueira). Na verdade, igualmente uma ferramenta para a campanha eleitoral em perspectiva.

235 Ou seja, a revisão da Lei 14/91 e do decreto 84/02, implementado a partir de 2004. Este último, como se sabe, já tendia a “limitar” o espaço e a “disciplinar” de forma rigorosa a actuação das ONGs. Em particu-lar, estabelecendo o princípio e requisitos de uma minuciosa prestação de contas das ONGs ao Estado (para o efeito representado pela UTCAH do MINADER), que vai muito além do mero controlo fiscal. O que representa um flagrante desrespeito dos princípios básicos da independência associativa e do controlo das associações pelos seus próprios membros/associados.

236 O decreto de 2002 e a revisão em estudo focam-se sobre as ONGs ou associações voltadas para a prestação de serviços, de forma bastante instrumentalizada. Deixando de fora (pelo menos, por enquanto) as organizações de massa dos partidos, as organizações religiosas, as organizações sindicais, etc.

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estão cada vez menos combativas e possivelmente resignadas com as perspectivas de sua cooptação politica para sobreviverem (vd. a seguir).

Pela voz do poder

As recentes declarações do responsável da UTCAH (Abril, 2007), (237) ameaçando encerrar as organizações (nacionais e estrangeiras) por inúmeras razões que, a seu ver, justifiquem que seja “revogado o seu acordo de cooperação com o executivo de José Eduardo dos Santos” (sic) – por exemplo, ter “insuficiência de recursos” ou “actividades diminutas”, não “fornecer informações” suficientes, não responder às “expectativas do Governo”, desenvolver um trabalho “julgado negativo”, desagradar aos governos provinciais, ter actividades que precisem ser “repensadas e redireccionadas”, etc. -- deixa pouca margem para dúvidas sobre as reais intenções do regime com relação às OSCs em geral e às ONGs em particular.

Essa vontade firme de enquadrar, “colonizar” e afastar as ONGs da “política”, impedindo-as de actuar como movimento de pressão social e política, ficou ainda mais claramente explici-tada quando, numa recente conferência em Luanda (Agosto 2008), um dos representantes do poder angolano revelou que, na visão do MPLA, (238) o protagonismo das “organizações da sociedade civil” vinha fugindo aos princípios do apartidarismo e o “seu papel e função” em Angola vinham se confundindo demasiado “com a actividade político-partidária”. (239)

• Conflitos fundiários e DH: “reveladores” das tensões com o Estado

Os exemplos mais precoces reveladores do fenómeno de agudização das relações com o poder/Estado talvez sejam os de algumas ONGs ligadas à “questão da terra”. Estes se manifestaram no Sul de Angola desde a segunda metade da década de 1990, quando estas ONGs deram apoio à contestação da espoliação das terras das comunidades pastoris tradicionais pelos grandes fazendeiros emergentes da nomenklatura da época.

Os mais recentes exemplos talvez sejam os ocorridos na periferia de Luanda (2003-2006) e, mais uma vez, ligados à “questão da terra”. Mas, desta vez, no meio urbano em “mutação capitalista” acelerada: expulsões/despejos forçados das famílias de suas casas e terrenos para implantação de empreendimentos comerciais, produtivos, habitacionais de luxo, etc.

Nada como resumir um desses empreendimentos luxuosos (considerado o “símbolo da reconstrução de Luanda”), e reproduzir algumas pérolas da sua linguagem publicitária, para

237 Declarações de Pedro Walipi, director-geral da UTCAH (“Governo angolano quer encerrar ONGs sem impacto junto às populações”, Agência Lusa, 30.04.2007, site RTP Notícias).

238 Declarações do sociólogo Francisco Simão Helena, representante do Gabinete de Cidadania e Sociedade Civil do MPLA na conferência internacional «A Sociedade Civil e a Política em Angola, Enquadramento Regional e Internacional», realizada na UCA (7 a 8 de Agosto de 2008) em colaboração com a Universi-dade de Coimbra (“Política e Sociedade Civil aquece o debate entre intelectuais”, Multipress, 07.08.2008).

239 Curiosamente, o mesmo declarante se contradiz logo em seguida, admitindo que as ONGs têm uma “função de instituição social dedicada à vida pública, à defesa dos direitos humanos, a dar voz àqueles que não têm voz e, muitas vezes, àqueles que não se querem filiar a partidos políticos”. O que significa admitir que elas devem actuar na “arena” da polis, inclusive e eventualmente como porta-vozes de segmentos da SC “sem voz” e que, portanto, possuem um papel iminentemente político no sentido nobre da palavra (incluindo de controlar e pressionar os poderes oficialmente instituídos).

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entender o modelo paradigmático de sociedade urbana em construção nas periferias da capital. Por ironia, lá mesmo onde as mazelas da pobreza são o “pão-de-cada-dia” de milhões de cidadãos (vide box 8.1).

Box 8.1

Belas Shopping: “símbolo da reconstrução de Luanda”

A “sociologia da rua” em Luanda (desporto favorito de qualquer luandense que se preze, desde tempos imemoriais) é pródiga em comentários jocosos sobre esses empreendimentos, hotéis e outros “negócios do luxo” que pululam na capital nos últimos anos. Sobretudo, sobre as lojas de artigos importados, onde abundam as marcas de “griffe” e outros pequenos luxos para deleite da elite, que “insultam descaradamente o nível de vida do luandense médio” (sic).

Um dos mais comentados é o Belas Shopping. Complexo comercial inaugurado em Março de 2007, que parece estar a contribuir para acelerar o “boom” imobiliário de luxo no Sul de Luanda (onde as casas de 2 milhões de dólares destinadas à elite são relativamente comuns).

Trata-se de um empreendimento com 110 mil metros quadrados construídos e 76 lojas... Desculpem, um “mix” de restaurantes, empresas mobiliárias, cinemas (8 salas com preços de 16 dólares por sessão), bancos, lojas de electrodomésticos, internet, lavandaria, vestuário, calçado e adereços de moda... Tudo “com grande conforto e comodidade” onde “a vida é mais bela em Luanda” (sic). E mais não carece ser dito... Esse palácio do consumo é uma iniciativa do consórcio que reúne empresários angolanos (HOJI - HO Gestão de Investimentos, detentor de 70%) e o braço angolano da construtora brasileira Odebrecht (30%), no valor inicial de 35 milhões de dólares (orçamento da primeira fase de um “master plan” que prevê 4 fases de ampliação).

Segundo seus gestores, o “empreendimento vem se tornando num ponto de mudança de hábitos de consumo entre os luandenses” (sic), como não podia deixar de ser. Muito embora sua intensa propaganda tenha certas dificuldades para omitir a que segmento social esse palácio do consumo realmente se destina (“um espaço para lazer (...) e compras, evitando doravante viagens ao estrangeiro para fazer compras” sic). Até porque, segundo uma Câmara do Comércio citada pela Agência Lusa (28.01.2008), os preços dos produtos e serviços seriam, em média, três a quatro vezes superiores aos praticados em Lisboa.

Convém precisar que todo esse luxo está situado no bairro peri-urbano de Talatona (zona Sul do Benfica), a 15 km do centro de Luanda -- uma “região que (...) no longo prazo deverá se tornar uma parte nobre da cidade (...), com vários condomínios e outros grandes estabelecimentos” (sic). Para quem já não se lembra, trata-se do mesmo bairro onde a ONG SOS Habitat registou conflitos de terras em Setembro de 2003 e Agosto de 2004, envolvendo a EDURB e cerca de 610 famílias camponesas. Sem falar dos vários outros conflitos ocorridos nessa mesma região do Benfica, que envolveram mais de 1.000 famílias rurais entre 2002 e 2007 (vide file da SOSH).

Em tempo, a EDURB é uma parceria entre o Governo provincial e uma empresa privada angolana (grupo Prado Valladares), criada para gerir o projecto-piloto de desenvolvimento urbano Luanda Sul. O mesmo projecto que, por sua vez, é executado em parceria com a supra-citada Norberto Odebrecht. E o mesmo projecto que beneficia de um financiamento de USD 10 milhões do Banco Mundial (IFC). (240)

Por seu lado, os exemplos das ONGs da área dos DH e civis (já atrás mencionados) dispensam quaisquer comentários, sendo bem conhecidas as dificuldades que a maioria destas enfrenta no dia-a-dia para manter a sua legalidade e actuação normal. Sobretudo,

240 Informação extraída de várias fontes: reportagens, notícias de jornais e material publicitário.

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nestes dois últimos anos de clima “pré-eleitoral permanente” (2006-2007), quando tenderam a se definir e agudizar posições, interesses e desafios/”enfrentamentos” políticos na perspectiva desse pleito. Pois, no entender de alguns políticos e gestores do Estado, os seus “bons resultados” dependem, em larga medida, de um maior controlo sobre a “actuação inconveniente” dessas organizações autónomas e demasiado críticas da sociedade civil. Em especial, nas periferias urbanas e regiões rurais, ou nos meios sociais mais pobres e excluídos dos benefícios do boom económico dos últimos anos.

Nesse contexto global, corre-se cada vez mais o risco de se verem dificultadas as parcerias dessas ONGs consideradas mais “críticas” com entidades governamentais, impedindo o acesso destas aos financiamentos “oficiais” (inclusive, os da APD internacional que transitam por entidades governamentais e/ou necessitam da sua aprovação/aval).

Existe, ainda, o risco de vermos banalizar-se cada vez mais a truculência ou a criação de dificuldades para o reconhecimento legal das ONGs “politicamente indesejáveis”. Ou de aplicar-se um excesso de rigor no seu enquadramento jurídico e político-administrativo, nas mãos da burocracia oficial (UTCAH), configurando uma oportuna aplicação da tradicional máxima “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”.

• ONGs “oficiais” e cooptação: faces da mesma moeda ?

Para além das considerações anteriores, outros riscos “espreitam” a sociedade civil organi-zada ou as ONGs mais profissionalizadas na sua busca de novos caminhos (novas fontes de financiamento). Um desses riscos, nascido na transição 1992-2002 e consolidado nesta (2002-2007), é a tendência ao alargamento da actuação de um novo tipo de organizações: as associações e fundações nascidas por iniciativa de personalidades políticas influentes (ou de relações umbilicais com estas), dos partidos no poder (no plural) ou do próprio Governo. Em, síntese, trata-se do que se poderiam chamar de ONGs “oficiais”. (241)

ONGs “normais” e “oficiais”

Este fenómeno não é novo, a primeira e mais conhecida dessas ONGs tendo sido criada em 1996, (242) mas ele se intensificou no final da década passada e nos primeiros anos desta. Hoje, contam-se cerca de uma dezena de ONGs oficiais desse tipo bem conhecidas no país inteiro, actuando com grande dinamismo, com visibilidade assegurada nos meios de comuni-cação social e sem grandes dificuldades aparentes para obter recursos. (243) Em especial,

241 Foram as suas relações estreitas com o Estado que motivaram a que estas ONGs fossem igualmente chamadas de GONGs - governamentais organizações não governamentais (Messiant, 2007) ou QONGs (quase organizações não governamentais (Sogge, 1996).

242 Fundação Eduardo dos Santos (FESA) 243 Entres essas ONGs “oficiais”, destacam-se, além da FESA, algumas outras com grande presença na

imprensa nacional, o Fundo Lwini (Fundo de Solidariedade Social Lwini, criado em Junho de 1998 e ligado à Primeira Dama), a AJAPRAZ (Associação de Jovens Angolanos Provenientes da República da Zâmbia), o Nosso Soba, a Causa Solidária, o Movimento Espontâneo e o Projecto Criança Futuro (ligada ao antigo Director dos Serviços de Inteligência Externa de Angola, Fernando Miala, figura central do famoso “Caso Miala”, como se sabe). Existem, certamente, dezenas de outras ONGs “oficiais” de

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oriundos das generosas contribuições das empresas petrolíferas, a título da responsabilidade social corporativa (muito embora, na maior parte dos casos, suas fontes financeiras estejam “no segredo dos deuses” sic).

Na óptica das outras ONGs, que chamaremos de “normais”, mais do que uma preocupação por todo esse dinamismo e sua visibilidade nos media -- a qual, na opinião dos entrevista-dos, transformam esse novo tipo de organizações em “máquinas de propaganda política ou de limpeza/reconstrução da imagem do regime ou de personalidades políticas” (244) -- , o que é mais preocupante é o paradigma de actuação populista subjacente desse novo tipo de actores sociais e o seu impacto nas populações.

Por outras palavras, essas organizações tendem desenvolver programas com base em acções assistencialistas e de distribuição gratuita e massiva de bens às populações carentes do meio rural e das periferias (sempre que possível, devidamente escolhidas com base em critérios políticos, na sua importância como “redutos de votos”, etc.). Essas acções são, muito oportunamente, acompanhadas dos tradicionais rituais colectivos de “agradecimento popular” aos “generosos doadores” e com imprescindíveis “fanfarras e tambores”. Tudo, obviamente, “em frente dos microfones e das câmeras da televisão” (sic). Até aí, nada de original ou de muito preocupante.

O que mais tem despertado preocupação das ONGs “normais” e com menos recursos, tem sido a actuação dessas ONGs “oficiais” nas comunidades onde elas próprias já trabalham, às vezes há vários anos, tentando mudar a cultura do assistencialismo, da passividade social e da “distribuição gratuita” predominantes na fase humanitária. Disseminando um modelo paternalista de relações com as comunidades, as ONGs “oficiais” incentivam mais uma vez a cultura assistencialista, o nepotismo, a cooptação política e quejandos. Mas não ficam por aí, criam expectativas constantes de distribuição gratuita de bens para a mobilização social, o que inviabiliza a continuidade das acções das outras ONGs, que procuram nortear sua actuação na base da comparticipação social sob forma de trabalho voluntário, com princípios de decisão/trabalho colectivos e participativos, de apropriação social e de responsabilização social/comunitária (em especial, nos projectos de micro-crédito solidário, os mais prejudica-dos por essas ONGs). (245)

Cooptação das ONGs: possível cenário do futuro

Por fim, não nos parece exagerado prever, com base nos indícios e tendências já perceptí-veis no terreno, que existem fortes probabilidades da emergência “em força” de um novo tipo de “relações com o poder” de um grande número de ONGs (sobretudo, de relações com as entidades do Governo, mediadas ou não pelas agências da APD). Algumas delas contando

dimensão, actuação e visibilidade mais modestas, posto que ligadas a figuras menos influentes ou com base e actuação meramente provinciais.

244 Vide análise de Messiant (1999). 245 São recorrentes os casos em que essas ONGs “oficiais” incentivam o não reembolso dos empréstimos,

insinuando que esses recursos são “ofertas” do Governo e que não precisam ser pagos. Criando, ao mesmo tempo, a suspeição de que as equipas desses projectos de micro-crédito estão a “burlar” a comunidade.

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entre as ONGs mais influentes e com maior capacidade de trabalho e eficiência na presta-ção de serviços (especialmente nas áreas sociais ou do trabalho com as comunidades).

Vários tipos de factores e dinâmicas, actualmente em gestação, tenderão a favorecer a emergência e consolidação dessas novas relações com o poder num futuro muito próximo. Com fortes probabilidades de, no seio destas relações, se desenvolverem igualmente formas, mais ou menos acentuadas, de cooptação política do trabalho das ONGs pelo Estado. As quais poderão representar uma relativa perda da autonomia dessas ONGs, especialmente em termos de crítica social ou do regime politico vigente, seja ele qual for (ainda que esta perda se manifeste mais na prática do que na produção teórica dessas organizações). Entre esses factores, destacamos os que se podem considerar como mais decisivos para impulsionar essa tendência recente:

• A busca de novas formas/estratégias de captação de recursos, nascidas no vazio da saída de uma grande parte dos doadores/financiamentos da década anterior (fase da emergência), levando essas ONGs a diversificarem as fontes de financiamento, inclusive através de possíveis apoios oficiais (subvenções, credenciais de “utilidade pública”, fundos oriundos da responsabilidade social corporativa, etc.);

• As dinâmicas administrativas do próprio Estado, em especial através da nova politica de “descentralização” e de “desenvolvimento local” em fase ainda experimental, no âmbito da qual algumas ONGs mais experientes poderão vender seus serviços e competência a uma administração estatal/municipal com mais limitações técnicas do que financeiras; (246)

• A saída de muitos dos antigos quadros das ONGs, seja para a sua inserção no quadro de funcionários do Estado (de onde grande parte deles tinha saído na década de 1990), seja para o desempenho de funções nos sectores produtivos mais dinâmicos (petrolíferas, banca, multinacionais, etc.), levando para essas entidades um conhecimento mais apurado do sector não governamental (tendendo a quebrar os tabus e a mudar a percepção do potencial desse sector). Esse fenómeno criará, sempre que as oportunidades o permitam, novas pontes de diálogo, troca de experiências e colaboração/financiamento entre essas entidades governamentais/privadas e as ONGs de origem desses quadros.

Alguns analistas arriscam-se a prever um cenário num futuro muito próximo, em que a simultaneidade e interacção destes três tipos de fenómenos tenderão a criar um novo ambiente institucional para as ONGs. Sobretudo, no âmbito da proposta de “descentraliza-ção” que Governo tem vindo a considerar para os próximos anos. Mesmo se ainda subsistem muitas interrogações, inclusive sobre a sua vontade política para levar adiante esse projecto descentralizador após as eleições. Ou sobre o seu potencial para vir a representar um verdadeiro factor de descentralização democrática, participativa e cidadã; e não uma mera

246 A “descentralização” é considerada, por alguns, como a “oportunidade de ouro” para intensificar essa colaboração/captação de recursos estatais, devido à grande demanda de serviços e de conhecimento especializado por parte das administrações municipais (particularmente despreparadas e ineficientes); outros, consideram-na como o “cavalo de Tróia” que tenderá a aumentar a cooptação política das ONGs, em especial a nível provincial.

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desconcentração das decisões e/ou de descentralização dos fluxos da actual gestão pouco transparente e ineficaz dos recursos públicos.

Em todo caso, se a abertura de novos canais oficiais de financiamento - seja no quadro da “descentralização” ou de outras propostas “desenvolvimentistas” que o actual ambiente pré-eleitoral favorece - pode representar uma importante oportunidade de ampliação do trabalho das ONGs (sobretudo no nível local/municipal), ela também poderá trazer no seu bojo alguns riscos e perigos do seu reverso.

A cooptação política é um deles. E ela poderá estar presente sobretudo nas parcerias construídas no plano central/ministerial, onde o “jogo político” e as estratégias de cooptação explícita são mais evidentes. (247) Mas talvez seja menos presente no nível municipal/local, onde o ambiente é menos politizado e as carências de conhecimentos técnicos especializa-dos são maiores, o que favorece colaborações relativamente menos condicionadas e instrumentalizadas politicamente.

Alguns analisam que esse processo de cooptação política no seio das ONGs já está em curso, mesmo se ainda timidamente. Mas ele já teria grande potencial para fazer emergir um pequeno segmento de organizações prestadoras de serviços altamente especializadas, competentes e com relações institucionais e financeiras cada vez mais estreitas com o Estado, as grandes agências da APD e as instituições de Bretton Woods. Ou com o grande sector privado nacional e multinacional, ao abrigo dos financiamentos da responsabilidade social corporativa ou similares. Sobretudo, com as empresas petrolíferas ansiosas por acções de assistência social e ambientais que lhes permitam “lavar” uma imagem que lhe é prejudicial, internacionalmente divulgada nos últimos anos: a de serem corruptoras ou coniventes com a falta de transparência e a cultura do descaminho de grande parte das receitas do país.

Muitos temem que as especificidades do ambiente político-institucional angolano (que dificilmente irá se alterar radicalmente nos próximos anos) façam com que a cooptação dessa “elite” profissionalizada das ONGs de serviços tenda a assumir ou agregar uma outra característica correlata - a de se transformarem em entidades cada vez mais “moderadas” (para não dizermos “conservadoras”), social e politicamente falando.

Ou seja, passando a evitar críticas, posições ou propostas sociais demasiado “radicais”, “frontais” ou que choquem com poderes e interesses estabelecidos, de forma a não comprometerem suas relações institucionais, colaborações e financiamentos. Se esse cenário pessimista (ou talvez lúcido, como só o tempo o poderá dizer) se produzir, os desafios a serem enfrentados pelas OSCs e ONGs angolanas nos próximos anos serão ainda maiores do que poderíamos imaginar. E suas consequências, idem.

247 Vale lembrar, e a maioria dos analistas concorda, que a cooptação política com base em benesses já faz parte da cultura política do país. Tendo sido, nas últimas duas décadas, um dos instrumentos mais bem organizados e maneados pelo regime e o partido no poder para enfraquecer, manipular, “domesticar” ou provocar a quase implosão dos partidos da oposição, fossem eles grandes ou pequenos.

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8.4 Problemática fundiária: desafios do passado e do futuro Este terceiro grande tema da análise contextual do SCO 4.1 prende-se com a questão fundiária, a qual mobilizou uma grande parte das atenções da ON e dos seus contrapartes durante o período aqui avaliado, com vistas a influenciar a definição da nova política pública nesse domínio (Lei de Terras).

Além desse envolvimento das ONGs, esta temática fundiária possui uma importância estratégica maior, tanto para as estratégias de desenvolvimento rural, quanto em termos de direitos sociais básicos (acesso à terra como base da habitação condigna, da segurança alimentar e da geração de renda para a grande maioria das famílias angolanas).

Com efeito, existe um certo consenso internacional de que a terra constitui o activo mais básico/essencial ao qual as populações têm que ter acesso facilitado e plena segurança de posse/uso, seja para assegurar a sua residência, a sua subsistência ou o seu ingresso no mercado (venda de excedentes). Especialmente os segmentos sociais mais pobres, cuja “riqueza” e capacidade de reprodução social assentam essencialmente nas facilidades de acesso a esse recurso natural desde tempos imemoriais.

Especialmente em países como Angola (ainda com significativa população rural e situações de pobreza extrema generalizadas, mercados de trabalho formal ou urbano exíguos, abundância relativa de terras agricultáveis, níveis incipientes de autonomia e soberania alimentar, etc.). Ou em sociedades como a angolana, com peso predominante das popula-ções e culturas rurais/camponesas, no seio das quais a terra tem sobretudo um “valor de uso” e assume igualmente uma dimensão social simbólica e identitária que são cruciais, sem as quais se corre o risco de perda das raízes/referências culturais e civilizacionais e de acelerar a desagregação social.

• A primeira legislação fundiária pós-independente: a construção de uma ficção

Os antecedentes mais imediatos dessa problemática podem ser identificados na primeira legislação fundiária após a independência (Lei 21-C), (248) aprovada às pressas, em plena fase de abertura política e de abundante actividade legisladora (vd. 3.2) de um parlamento ainda monopartidário e sem qualquer forma de consulta da sociedade civil (pelo menos, fora do quadro do partido no poder), como era natural na época. Essa legislação fundiária “de transição” vigorou durante mais de uma década, até Novembro de 2004, quando foi aprovada a nova Lei de Terras que a revogou. (249)

Em síntese, essa primeira legislação concentrou o direito sobre a terra nas mãos do Estado, conforme à Constituição de 1975, passando este a deter o poder exclusivo e discricionário da sua concessão para efeitos de uso agrícola ou outros, com base no direito de “utilização

248 Aprovada em Agosto de 1992 e regulamentada em 1995. Até essa data, vigorava a antiga legislação colonial, baseada na Lei 2030 de 1948 e subsequentes ajustes na sua aplicação em algumas províncias.

249 Lei 9/04, aprovada pela Assembleia Nacional e publicada no Diário da República em 9 de Novembro.

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de superfície”. (250) Na opinião de muitos analistas mais críticos, esta legislação “estatizante” tardia e anacrónica (visto que aprovada em plena fase de desmonte do Estado “socialista”) desempenhou um papel-chave de facilitador da privatização em grande escala das terras e benfeitorias antes sob o domínio do Estado, especialmente da maioria das empresas estatais que tinham entrado em colapso na década de 1980. Visava-se, segundo essa leitura critica, transitar para o pluralismo político com um partido fortalecido pelo apoio e o lastro económico de uma nova elite empresarial, constituída a partir da nomenklatura do partido, Governo e aliados, para cuja emergência era preciso olear as engrenagens da acumulação patrimonial. Nesse intuito, urgia preparar o terreno facilitando o acesso dos aspirantes a essa nova elite ao controlo do poder económico (privatização das fazendas e empresas agro-pecuárias, criar bases para acesso aos empréstimos bancários, etc.) antes das eleições de Setembro 1992, cujo desfecho aparecia como inseguro. (251) No meio rural, isso passava pelo derrube das barreiras legais para o seu acesso às melhores terras das herdades e infra-estruturas agrárias coloniais (nessa época, ainda parte do património das EEs).

Nesse contexto, a nova legislação fundiária, oportunamente aplicada com base no cadastro fundiário colonial (jamais actualizado e impreciso) (252) e ignorando de facto os direitos costumeiros das comunidades rurais que haviam sido espoliadas pelo regime colonial, (253) abriu o caminho para a enxurrada de concessões de terras verificada até finais da década de 1990, (254) mesmo se a maioria destas permaneceu ao abandono durante a década. (255)

Assim, pode-se dizer que essa legislação favoreceu a criação de uma situação fundiária global largamente fictícia, onde a definição legal da propriedade (concessão) pouco tinha a ver com a situação real da utilização da terra (principalmente nas zonas controladas pela oposição armada, mas igualmente nas zonas mais seguras do Sudeste do país). Por outro

250 O decreto 46A de 1992, por seu lado, atribuiu aos Governos provinciais o direito de ceder terras rurais e também nas áreas urbanas. Essas concessões de ambos os estatutos tinham duração de 25 a 60 anos.

251 A esse efeito, é abundante a literatura que confirma que os USA e a maioria dos governos europeus da época previam uma vitória da UNITA nas eleições de Setembro. Analistas da realidade angolana das últimas décadas são de opinião que, dentro do próprio MPLA, havia um número significativo de militantes e responsáveis que pouco duvidavam desse resultado desfavorável. Diz-se que a “sociologia da rua” chegou a cunhar a frase “quem não aproveitou para enriquecer em 1992 perdeu uma oportunidade de ouro” para resumir o ambiente político da época e a corrida à privatização do património público antes das eleições.

252 Inclusive, também por razões de segurança, visto que, nesses tempos de guerra, os registos cadastrais coloniais haviam passado sob o controlo do Ministério da Defesa e ainda hoje aguardam actualização.

253 Não obstante o seu preâmbulo se preocupasse em garantir que a nova lei visava proteger os direitos à terra das comunidades rurais.

254 Estima-se que por volta dos finais dessa época já tivessem sido concedidos mais de 2 milhões de ha de terras (antigas fazendas, complexos agro-industriais e perímetros irrigados coloniais) a algumas centenas de pessoas influentes ligadas ao poder (Pacheco, 2002).

255 Ou seja, a concessão do direito de uso da terra, para fins comprovadamente produtivos, mas cuja proprie-dade permanecia nas mãos do Estado. A bem dizer, o uso produtivo das terras jamais foi controlado ou conduziu à anulação de qualquer concessão. Na maioria dos casos, isso foi facilitado pela situação de guerra, que ocasionou um forte absentismo. O qual, por sua vez, facilitou a generalização de situações de posse/uso real da terra muito distintas da “ficção” legal das concessões, tanto no meio rural quanto peri-urbano (ou áreas rurais periféricas que foram sendo “engolidas” pela expansão urbana acelerada).

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lado, segundo alguns analistas, ela ajudou a reproduzir o chamado de “dualismo” das estruturas produtivas do período colonial.

Só que desta feita favorecendo a emergência de uma nova elite rural “inepta e absentista”, (256) detentora “no papel” de enormes fazendas sub-aproveitadas (com base na interpretação aproximada dos seus limites do período colonial), em detrimento do sector camponês e ao arrepio dos seus direitos, tanto recentes (de usucapião, e.g.) como ancestrais. Desrespeitan-do os direitos dessas populações sobre suas antigas terras de uso familiar e comunitário, espoliadas pelo regime colonial no século passado, grande parte das quais elas haviam voltado a ocupar após a independência e o êxodo dos colonos (pelo menos, sempre que as condições de segurança o permitiam), com base no direito consuetudinário reconhecido pelos sobas e demais autoridades tradicionais dessas zonas peri-urbanas e rurais (vd. o exemplo desse processo de apropriação fundiária nos Gambos no box 8.2).

• Nova Lei de Terras: contexto, mobilização social e seus resultados

As insuficiências da legislação de 1992, sobretudo quando aplicada de forma “distorcida”, como foi geralmente o caso, (257) deu origem a uma estrutura fundiária fictícia e inoperante institucional e economicamente, tanto no meio rural quanto urbano -- facilitando, inclusive, a eclosão dos primeiros conflitos de terras, em particular na Huíla e na periferia de Luanda. O que levou o Estado angolano a tomar a incitativa (fins de 2001) de preparar uma legislação mais eficiente e capaz de permitir o reordenamento da ocupação fundiária do país na perspectiva do pós-guerra.

Primeiros conflitos rurais

Vale destacar que os primeiros conflitos fundiários de larga escala ocorreram nos Gambos, em 1996-1998, com o choque entre as pretensões dos novos fazendeiros (proprietários das antigas fazendas coloniais da região) e o direito dos pastores tradicionais locais às suas terras comunitárias, zonas históricas de transumância e respectivos pontos de água (funda-mentais para a sobrevivência dos rebanhos dessas comunidades nas condições ambientais da região). No período 2002-2003 esses conflitos voltariam a agravar-se nessa região (Kamphanda), opondo os fazendeiros da Tunda dos Gambos e as comunidades de pastores locais apoiadas pela ALSSA, com requintes de extrema violência por parte dos primeiros sobre dezenas de famílias camponesas (usurpação das terras comunitárias, destruição dos rebanhos, práticas de tortura e cárcere privado, etc.). Há notícias, igualmente, de conflitos mais ou menos latentes em regiões agrícolas do Huambo e do Kwanza Sul. (258)

256 Pacheco, 2004. 257 Sem uma actualização cadastral, através de procedimentos clientelistas e “obscuros” de concessão de

terras, sem visar fins produtivos, sem qualquer consideração ou reconhecimento dos ocupantes reais da terra, sem consulta/envolvimento das estruturas tradicionais das comunidades, etc.

258 Pacheco, 2004.

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Box 8.2

O apetitoso Gambos (259)

“Foi um Aurélio Cabral algo triste que apareceu, recentemente, aos microfones da Rádio Ecclésia e nas páginas do “ Chela Press”. O administrador do município dos Gambos dizia, a dado passo desta entrevista, que sentia-se “impotente para conter os apetites de pessoas que querem terras no municipio”. (...) Cabral informou (...) os excessos dos agora fazendeiros, que obtêm a sua licença a partir de gabinetes instalados em Luanda ou no Lubango (...) , a sede da província da Huila. (...)

“No auge da guerra, a “conversão” de muitos oficiais superiores, ministros, directores nacionais e quadros próximos do centro da “nomenklatura” foi notada. É um fenómeno que ganhou força e hoje aí estão as consequências. Enormes quantidades de terra foram privatizadas. Alguns investem na área para fazer da Huíla um grande potencial agrícola do país. Mas muitos há que estabelecem-se ao fim de semana nessas coutadas, algumas equipadas com pequenos aeródromos, apenas para caçar. É uma forma que encontra-ram para acabar com o “stress” da grande cidade. O premir do gatilho para o abate de espécies animais variadas tornou-se assim num novo “hobby”. Um acto snob que os detentores de capital adoptaram, tudo para depois mostrar aos seus amigos de Luanda e Lisboa a carne fresca das coutadas que emergem até em “zonas protegidas” contra a caça ilegal. (...)

O "apetitoso" Gambos

“Há muito tempo que este município a Sul do Lubango desperta a cobiça de ícones bem identificados da “nomenklatura” angolana. Desde o início da década passada que uma autêntica romaria foi notada para aquela região semi-árida, a meio caminho da Huila para o Cunene. Os Gambos foram convertidos então em zonas para as mais variadas experiências agrícolas, onde os detentores de capital procuravam a todo o custo obter um quinhão para (seu) simples deleite ou, em alguns casos, transfigurar-se para a nova moda de (ser) empresário agrícola ou ganadeiro de monta. Nesta romaria, houve quem não se coibisse de privar os agricultores tradicionais de (suas ancestrais) zonas com o pasto mais verdejante e a água mais abundante. Nos tempos da seca mais rigorosa, os pastores viam quantidades enormes do seu gado (com grande simbolismo tradicional) definhar. As mortes e a situação criada (deflagraram) o conhecido conflito de terras devido à falta de zonas de transumância. Os Gambos (entraram) assim na boca do mundo. Este município viu explodir uma situação sem precedentes em Angola. Por um lado, comunidades agro-pastoris pobres e, por outro, gente próxima do poder convertida em autênticos latifundiários. O braço de ferro durou. A igreja interveio. O resto da sociedade civil pressionou. A FAO, órgão da ONU, entrou no “barulho” para delimitar terras, mas a polémica aumentou. A lei de terras foi alterada, mas nos Gambos pouco mudou. O tempo passou, a polémica foi abafada. Mas a romaria para obter terras continua.

Primeiros conflitos urbanos

É curioso notar que os primeiros conflitos fundiários urbanos, por sua vez, eclodiram por volta desse mesmo ano (2001), acompanhando a lógica da expansão das áreas de localização empresarial ou requalificação residencial de luxo nos subúrbios da capital, e a consequente explosão do valor do solo urbano nessas áreas antes ocupadas pelas populações mais pobres da capital.

259 Texto extraído de “Um administrador impotente”, blog “Serra da Chela” de Manuel Vieira, Lubango, 28 de Novembro de 2006 [http://serradachela.blogspot.com/search?q=]

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Um dos primeiros e mais emblemáticos desses conflitos ocorreria entre Junho e Setembro de 2001, com o despejo sumário de cerca de 4 mil famílias do bairro Boavista, que foram transferidas para o município de Viana, a Sudeste da capital. Embora o Governo provincial da época alegasse razões de segurança (desabamentos na época chuvosa), segundo alguns a verdadeira razão dessas expulsões residia nos planos para a expansão residencial e comercial de luxo nessa zona privilegiada -- um dos musseques mais antigos de Luanda, situado entre a zona portuária e um subúrbio residencial de luxo. (260)

Outros despejos compulsórios e destruições de residências populares ocorreriam na mesma época, iniciando-se nas zonas mais próximas das regiões Sul e Sudoeste de Luanda (áreas residenciais de luxo em plena expansão desde então, dos municípios da Samba e Kilamba Kiaxi): por exemplo, na comuna de Benfica, a partir de Julho de 2001, e no bairro Soba Kapassa (Vila Estoril), antiga zona agrícola, a partir de Outubro de 2001. (261) Nos anos seguintes (2002-2006), assistiríamos à sua intensificação e expansão para as zonas mais distantes a Noroeste e Sudoeste da capital, menos nobres em termos residenciais, mas de localização empresarial muito valorizada (Cacuaco, Kilamba Kiaxi e Viana). (262)

Esse processo nascia, portanto (e muito sintomaticamente), na mesma época em que a assessoria do Governo elaborava os planos oficiais de “requalificação” e reestruturação espacial da aglomeração da capital (onde se concentram três quartos do PIB do país e 99% das novas classes endinheiradas), bem como a primeira proposta de Lei de Terras, cujo ante-projecto viria a ser apresentado publicamente em Abril de 2002. No ano seguinte, viria a ser criado o novo Ministério do Urbanismo e Ambiente, (263) responsável pela gestão ambiental e fundiária do país, antes sob a tutela do MINADER. Uma das primeiras iniciativas dessa entidade seria a organização de um seminário para debater a problemática da gestão de espaços urbanos e o acesso da população mais pobre ao alojamento (Maio 2003). (264)

As possíveis motivações para uma nova Lei de Terras

Muito embora alguns vejam a origem da iniciativa governamental de elaboração da nova Lei essencialmente nos conflitos fundiários rurais da década anterior, tudo indica que embora estes tenham sido decisivos para a visibilidade da problemática fundiária, essa nova politica fundiária foi igualmente motivada por várias outras preocupações. Em particular, a de “modernizar” e facilitar as políticas de “reordenamento urbano” (principalmente da capital, onde se concentra 1/3 da população) e de captação e implantação de investimentos privados no país (fornecendo bases legais e mais seguras para o investimento externo, a propriedade

260 AI, 2003. 261 AI, Op. cit. 262 Vd. mais detalhes no file da SOSH. Vide igualmente vários testemunhos sobre esses conflitos (HRW/

SOSH, 2007; AI/Amnistia Internacional, 2003 e 2007; etc.), os quais teriam globalmente provocado o despejo forçado de cerca de 20 a 30 mil pessoas (considerando-se apenas os 18 casos ocorridos entre 2002 e 2006 nos bairros de 4 municípios da aglomeração de Luanda).

263 Esse novo ministério (MINUA) assumiria a gestão das questões ambientais e relacionadas com a terra, desde 1999 sob a tutela do anterior Ministério das Pescas e Ambiente (actual MINADER).

264 No ano seguinte, seria aprovada a Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo (03/04, 25 de Junho).

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plena dos imóveis e infra-estruturas produtivas urbanas e da terra e suas benfeitorias, estabelecer melhores bases para garantir os empréstimos bancários, etc.).

Box 8.3

Luanda, casas, preços e especulação... (265)

Com o alcance da paz em Angola, um dos sectores que rapidamente emergiu foi o da construção civil, com condomínios e outros espaços de moradia a crescerem como cogumelos.

Os preços custam os olhos da cara, mas a adesão de alguns abastados é notória. O papel dos bancos com os seus programas de crédito à habituação, também tem sido um dos recursos dos cidadãos na procura de melhores condições de habitabilidade (sic).

Serão os critérios dos bancos suficientemente abertos perante a necessidade diária de boa parte da população? Créditos bonificados podem ser uma saida?

Milhões e milhões de dólares e de Kwanzas têm sido injectados para levar melhores casas a quem tem o bolso mais ou menos folgado. Surgiram projectos habitacionais, mas a necessidade continua.

Ergueram-se Viana II, Luanda Sul, Zango, Vila Verde, Panguila, condomínios em Tatalona, Viana e muito mais. Contudo, a necessidade (de mais habitações) continua.

Os planos de reconstrução nacional, volta e meia, (aceleram) os passos para se erguerem mais algumas casas para alguns cidadãos, (mas) a distribuição das mesmas observa critérios que muitas vezes são desconhecidos. O presidente do MPLA, recentemente, garantiu “um milhão de casas até 2012”, sendo a juventude a prioridade de mais esta proposta à sociedade.

Coincidência ou não, antes (dessa decisão) um músico Irlandês bastante conhecido em todo o mundo, Bob Geldof, disse que “as casas mais caras do mundo estão localizadas na costa de Luanda”, apontado o dedo à ilha, ao Mussulo ou mesmo ao Benfica, onde grandiosas moradias estão a ser erguidas. (266)

Assim, alguns observadores, talvez mais realistas, entendem que se podemos dar como certo que os conflitos rurais (e sua visibilidade nacional e internacional, as consequentes pressões/ influências de entidades internacionais, etc.) foram “decisivos para colocar a questão fundiária da agenda política nacional”, o que motivou o projecto inicial da nova legislação parece ter sido, principalmente, a preocupação em “modernizar” o enquadramento jurídico e reforçar o sistema de propriedade na perspectiva de criar uma base mais sólida para o controle do Estado sobre os recursos (sobre as zonas de mineração, e.g.) e o incentivo ao investimento privado nacional e estrangeiro no país (no meio urbano e peri-urbano, nos antigos complexos agro-industriais, nas regiões de extracção mineral, etc.). Secundariamente, visou-se também ordenar o florescente mercado imobiliário informal que se havia desenvolvido (com base legal frágil) no contexto da especulação imobiliária induzida

265 Extraído do blog “Serra da Chela” de Manuel Vieira, Lubango, 19 de Maio de 2008 [http://serradachela. blogspot.com/search?q=]

266 Referência à afirmação do cantor, por ocasião de uma conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, organizada pelo Banco Espírito Santo e o jornal Expresso em Lisboa. Em sua intervenção sobre o tema “fazer a diferença”, o artista afirmou que «Angola tem potencial para ser um dos países mais ricos do mundo», mas que era «gerida por criminosos». E, exemplificando o enriquecimento dessa minoria, continuou: «as casas mais ricas do mundo estão (a ser construídas) na baía de Luanda (e) são mais caras do que em Chelsea e Park Lane», dois bairros luxuosos de Londres.

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pelo boom do petróleo, visando colocar o controlo desse novo “nicho” de negócios milionários nas mãos da elite político-econômica.

Esses analistas vêem nesses intuitos (além da tradicional ignorância e pouca sensibilidade da burocracia e das assessorias jurídicas externas com as questões rurais e as especificida-des da sócio-antropologia angolana) a principal causa das inúmeras imperfeições, indefini-ções, omissões/”esquecimentos” e negligências da nova legislação com relação à problemá-tica fundiária rural. Em especial, no que se refere ao direito de usucapião (praticamente eliminado) e ao sistema tradicional de regulamentação de uso dos recursos fundiários com base em práticas culturais e costumeiras ancestrais (praticamente ignorado). (267)

Lei de Terras: exemplo de conquista da SC organizada ?

É bem conhecido o longo processo que se iniciou com a apresentação do anteprojecto do Governo (Abril 2002), passou pela discussão dessa primeira proposta, com o envolvimento de dezenas de ONG e entidades religiosas (2002-2004), (268) e continuou após a aprovação da nova Lei de Terras (Novembro 2004), (269) através da mobilização das ONGs para introduzir melhorias na sua futura regulamentação (Julho 2007), desenvolver acções de sensibilização da opinião pública e informar as comunidades rurais sobre direitos e procedi-mentos da regularização das terras. (270) Cabendo destacar que esse processo participativo foi essencialmente fruto da mobilização das organizações da SC e do apoio de outros actores relevantes (ONGs internacionais, igrejas, comunicação social, etc.), a qual levou o Governo a reconsiderar a sua intenção de concluir as “consultas públicas” em apenas três meses, estendendo-as por dois anos e meio (Abril 2002 - Outubro 2004).

Não existem dúvidas de que esse processo foi o primeiro a ter sido realizado de forma amplamente participativa, mesmo com todos os limites que essa metodologia implica no contexto angolano (desinformação e participação modesta da SC, dificuldades logísticas, falta de cultura participativa do Estado, etc.). Contrariou-se, assim, a prática governamental

267 De acordo com essa análise, os legisladores, imbuídos de uma visão “modernizadora liberal” puramente tecnocrática, estariam prioritariamente voltados para atender às necessidades do capital: proprietários e investidores no meio urbano, nos complexos agro-industriais e nas regiões de exploração mineral. Ou seja, no contexto da nova fase do mercado angolano “aquecido” pelos rendimentos do petróleo, a principal meta da nova legislação seria assegurar os investimentos privados e as garantias relacionadas com a base fundiária e infra-estrutural desses empreendimentos. Mesmo se para isso é necessário ir de encontro a direitos sociais ancestrais ou adquiridos, ou contrariar a realidade da ocupação fundiária/espa-cial criada ao longo de três décadas de independência (e de incapacidade de planeamento urbano).

268 Cabe destacar o papel das redes criadas durante esse processo. Principalmente na região da Huíla, onde surgiu o pioneiro Fórum Terras (1999-2002), mais tarde substituído pelo Consórcio Terras da Huíla (2003), actualmente com duas dezenas de ONGs associadas. À escala nacional, foi criada a Rede Terra (Novembro 2002), por iniciativa de uma dezena de ONGs baseadas na capital (principalmente interna-cionais), a qual iria rapidamente mobilizar quase outras tantas nacionais nessa acção de advocacia. Muito embora, convém frisar, essas redes tenham hoje dificuldades para manter uma actuação tão relevante e influente como no passado (inclusive, junto às suas associadas e demais ONGs espalhadas pelo país).

269 Lei 9/04, aprovada pela Assembleia Nacional e publicada no Diário da República de 9 de Novembro, que revogou a legislação anterior, especialmente a Lei 21-C/92 de Agosto.

270 Em alguns casos, igualmente em acções de advocacia para intermediar conflitos ou facilitar o reconheci-mento de direitos costumeiros e a regularização de terras comunitárias (a ACORD e ADRA, por exemplo).

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mais comum desde a independência, mesmo em matéria de discussão/debates de leis que interferem directamente na vida da maioria das populações, a qual quase sempre se limitou aos gabinetes ministeriais e a algumas poucas consultas politicas e pouco mais. Aliás, esse “padrão metodológico” da actuação do Governo pouco se alteraria depois dessa experiência da Lei de Terras e da eclosão da moda “participativista” nos últimos anos, sob a influência ou pressão de organismos internacionais, financiadores externos e opinião pública. (271)

Por outro lado, como dissemos, também não existem dúvidas de que essa mobilização e participação da SC, principalmente com base na advocacia pelos direitos fundiários das populações rurais e peri-urbanas, foi decisiva para conferir visibilidade sem precedentes a uma temática estratégica dos direitos sociais e económicos que concerne a totalidade da população angolana. Esse facto foi inédito no país e evidenciou o potencial do trabalho das OSCs, mesmo no estreito ambiente institucional da sociedade local. Além disso, essa mobilização evitou que uma politica pública de extrema relevância fosse decidida unicamente na “sombra dos corredores ministeriais” sic, como era de praxe no passado.

• Nova Lei de Terras: alguns avanços, muitas indefinições e “esquecimentos”

Dito isso, a maioria das análises e balanços desse processo “participativo”, quando feitos com algum realismo, aponta para resultados finais pouco abonadores. Ou seja, traduzindo a participação e as inúmeras contribuições da SC através das ONGs e seus parceiros (em reuniões e grupos de trabalho, seminários e debates públicos, estudos, propostas, etc.) em resultados concretos incorporados à Lei aprovada em 2004 ou, mais tarde, à sua regulamen-tação de 2007, a maioria dos analistas vê poucas razões de satisfação. Alguns, embora reconheçam alguns avanços obtidos, demonstram mesmo uma clara decepção.

Os maiores avanços ocorreram com relação a algumas das questões reivindicadas pelas ONGs, tais como a extensão do período para a regularização das terras após a regulamenta-ção da Lei (de 1 para 3 anos), a retirada da possibilidade de expropriação de terras por “utilidade particular”, a inclusão do princípio da gestão comunitária de terras com base nas tradições culturais locais, a possibilidade de resolução de conflitos fundiários de acordo com os costumes das comunidades, etc. Na verdade, observando-se essas mudanças com mais atenção, conclui-se que a maior parte delas correspondem a questões óbvias e de bom censo, lamentavelmente “esquecidas” na primeira versão do diploma (talvez excessivamente calcada em modelos europeus de direito positivo). (272)

271 Um exemplo recente de que essa política de “decisão em gabinetes” pouco mudou foi o “processo participativo de consultas públicas regionais” para a formulação da Política Nacional de Florestas, Fauna Selvagem e Áreas de Conservação. Na sua fase mais crucial (elaboração da proposta), iniciada em 2005 (Maio) e concluída em 2006 (Agosto), com forte apoio externo (inclusive do Governo da Holanda), essa “consulta” limitou-se à realização de 5 seminários regionais que envolveram pouco mais de 3 centenas de representantes de “instituições estatais e privadas, autoridades tradicionais, estudantes, académicos, políticos, ONGs e outros interessados”. Em algumas regiões, esses eventos contaram com menos de uma quinzena de representantes por província. Tal foi o caso do seminário conjunto de Benguela, Bié, Kwanza Sul e Huambo (Agosto de 2005), que contou com um total de 34 participantes.

272 A sua total desconsideração tornaria essa legislação praticamente inaplicável na maioria das comunida-des rurais. Todavia, a maior parte dessas novas disposições carece de definições e modalidades de

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Vários entrevistados, valendo-se do recuo crítico de hoje, deixaram claro que ficaram com uma nítida convicção de que todo esse processo de consulta/envolvimento da SC à escala nacional, para a elaboração e a refinação do ante-projecto da Lei (o qual foi “alardeado como modelo de participação pelo Governo e algumas ONGs” sic), embora tenha sido mais ou menos pressionado pela SC, “ao fim e ao cabo, acabou bastante manipulado e não foi muito mais além do que uma bem montada operação de propaganda (...) e de legitimação social de decisões já tomadas em alto nível”. (273)

Contribuição para um balanço

Sem querer entrar em detalhes, resumem-se a seguir apenas alguns dos aspectos mais relevantes mencionados nesses balanços menos optimistas sobre a Lei de Terras (dentre vários outros que mereceriam igual menção):

• Controlo estatal absoluto e bastante indefinido: Em primeiro lugar, o Estado atribuiu-se e manteve “poderes consideráveis” e discricionários (já consignados na legislação de 1992) sobre o património fundiário do país e o seu controlo, direito de propriedade e modalidades de uso. (274) Sem, contudo, deixar sempre muito claro como entende exercer esse controlo, os seus limites legais (definição de conceitos, competências, procedimentos, recursos cabíveis, etc.). Ou, ainda, sem definir os contornos da maior parte dos direitos e modali-dades de uso previstas e sua transmissão.

• Utilidade pública: porta aberta ao arbitrário: O articulado que trata da possibilidade de expropriação de terrenos por razões de utilidade pública (art. 12), por exemplo, é bastante esclarecedor dessas omissões e indefinições. Começa por não definir o fim específico que está na sua base (utilidade pública), continua por não esclarecer outro conceito essencial (justa indemnização) e termina totalmente omisso sobre as modalidades de aplicação desse processo de expropriação mediante indemnização. Nessa configuração, restam poucas dúvidas de que essa disposição legal representará uma “porta aberta” a todo tipo de interpretações e actuações arbitrárias dos futuros funcionários encarregados de aplicarem a Lei, seja de bona fide ou por motivos menos ingénuos.

• Autoritarismo e pouco caso das práticas culturais/costumeiras: Alguns observadores consi-deram que a formulação final do diploma legal, e respectiva regulamentação, pecam por

aplicação claras, nem é apoiada por qualquer levantamento sistemático de usos e costumes nas várias regiões do país que as viabilize na prática.

273 Isso teria ficado bem claro nos resultados consignados na Lei e sua regulamentação final: preservar o essencial dos interesses da elite económica, através do monopólio do acesso aos recursos naturais (operado de forma enviesada, através do Estado) na perspectiva da “intensificação da sua exploração no pós-guerra” com o apoio de capitais e know-how externos, para os quais era preciso criar garantias que os diplomas legais anteriores não ofereciam de forma cabal.

274 Ou seja, chamou a si poderes absolutos sobre o fundiário, do qual é único proprietário originário (art. 5), sobretudo sobre os recursos naturais ou riquezas do sub-solo, cuja exploração só a ele cabe definir e conceder (art.10), como é comum em legislações similares em outros países. Tendo-se, contudo, tomado o cuidado de omitir, no acto da transmissão desse direito de exploração a seu critério exclusivo, qualquer menção sobre a primazia dos utentes actuais dos terrenos (nos quais sejam encontrados recursos natu-rais) na exploração dessas riquezas ou, ainda, sobre o direitos destes a eventuais contrapartidas compen-satórias (indemnizações, participação nos benefícios ou outros).

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excesso de “autoritarismo”, (275) são pródigos em contradições e não isentos de ambiguida-des e incongruências. (276) Sobretudo, no que toca à definição e aplicação do direito consu-etudinário ou às possíveis sobreposições e inconsistências do direito positivo -- este claramente privilegiado na Lei -- com essas práticas costumeiras ancestrais e generali-zadas no país, de extrema variedade e muito pouco estudadas.

O legislador sequer teve o cuidado de prever claramente na Lei o seu estudo e mapea-mento. Ou a necessidade absoluta, quando pertinente, da sua interpretação positiva, em consonância com princípios internacionalmente admitidos (de direitos humanos ou igual-dade de género, e.g.). Sem a qual corre-se o risco de produzir uma mera aplicação de normas costumeiras “congeladas no tempo” ou anacrónicas com relação às realidades comunitárias actuais. O que pode ter sérias consequências sobre a exclusão de certos segmentos sociais dos direitos fundiários (o caso mais óbvio e previsível sendo o das mulheres, cujo papel social tradicional já as exclui de facto);

• Prazo de regularização desajustado à realidade: O prazo fixado pela Lei (3 anos) para a regularização das situações de posse e uso informal da terra (99% das ocupações fundiárias camponesas e peri-urbanas) é considerado irrealista. Ele faz pouco caso das condições objectivas em que vive a imensa maioria das populações do país e que condicionam esse processo burocrático (analfabetismo, isolamento geográfico, dificuldades de transporte, pouco acesso à informação, consciência incipiente sobre seus direitos, dificuldades linguísticas e culturais para compreender esse procedimento burocrático e sua linguagem, etc.). (277) Esse prazo é, portanto, claramente insuficiente e, como indicam especialistas na matéria, ignora voluntariamente as experiências internacionais similares.

Ele aparece ainda mais desajustado quando se verifica que, até hoje, não houve qualquer mobilização significativa de esforços, da parte do Governo e/ou da SC, para desenvolver uma campanha massiva de informação, estudo/delimitação e regularização das terras

275 Forte factor de arbitrariedade e limitação do direito pleno às propriedades concedidas (especialmente no contexto da cultura administrativa das instituições do Estado angolano). Vd., por exemplo, o caso da delimitação dos terrenos comunitários (art. 51), para a qual o Estado se arroga o direito de definir os limites. Como se não bastasse, os condiciona a uma actuação normativa sobre o território para a qual ele tem pouca capacidade executiva (posto que esses limites deverão obedecer ao disposto nos corres-pondentes instrumentos de ordenamento do território), levando a que, na maioria dos casos, esses limites possam ser decididos arbitrariamente pela burocracia estatal e os interesses que a permeiam (sobretudo no meio urbano). Veja-se, ainda, o caso da transmissão entre vivos dos direitos sobre a terra (art. 61), a qual não só depende da autorização prévia do Estado (autoridade concedente), como também este se reserva o direito de preferência.

276 Vd., entre outros, RT, 2004a; DW, 2005; Foley, 2007; 277 Curiosamente, as próprias ONGs mobilizadas no seio da Rede Terra, por exemplo, também demonstra-

ram pouco realismo na matéria quando reivindicaram a extensão do prazo inicial para 5 anos (RT, 2004b). Embora essa extensão oferecesse mais possibilidades, vários entrevistados frisaram que ela ainda era insuficiente e não considerou o contexto politico global do pais (persistência das indefinições no processo eleitoral e de revisão constitucional, pré-requisitos básicos para a definição do quadro institucional mais adequado para essa regularização fundiária com garantias mínimas de legalidade e isenção). A menos que esse prazo ocorresse em paralelo com uma campanha de regularização das terras com acções sistemáticas/massivas e continuadas de abrangência nacional e, sobretudo, com garantias mínimas de controlo social do respeito da sua legalidade.

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comunitárias e suburbanas. Ou quando se consideram os custos proibitivos desse proces-so de regularização, cuja iniciativa e ónus recaem exclusivamente sobre a população.

Por outro lado, nos termos da Lei, cabe ao cidadão a iniciativa e o ónus de requerer essa regularização. Nesse contexto, tendo em conta o nível de pobreza e de desinformação da população, ou as dificuldades do processo burocrático e centralizado acima aludidas, pode-se prever uma larga inoperância ou inaplicabilidade real desse dispositivo legal nos próximos anos. Podendo-se, dessa forma, estar a favorecer a explosão de situações conflituosas a partir da data-limite para a regularização de terras. Em especial, diante do cenário de provável aceleração das regularizações abusivas de terras ancestralmente ocupadas pelas populações (e não tituladas no prazo estipulado) pela elite económica (o que já vem acontecendo desde princípios da década de 1990), muitas vezes associada a empresas estrangeiras ansiosas por explorar os recursos naturais e o potencial agrícola de Angola -- processo ainda incipiente no momento da avaliação, mas podendo acelerar-se rapidamente. (278)

• Regularização excessivamente burocrática e inacessível aos mais pobres: Excesso de burocratização e centralização do processo de regularização, dificultando a sua aplicabili-dade e aumentando seu custo. Com efeito, este processo, além de optar por linguagem e modalidades formais inacessíveis a uma população maioritariamente analfabeta, como já dissemos, obriga, inclusive, a deslocações dos interessados às capitais municipais/provin-ciais na sua fase final. Tendo assim um custo final quase proibitivo para as populações mais pobres (a maioria delas), ainda mais devido aos custos acrescidos pela especulação dos serviços de notariado e às inevitáveis “intermediações” desse processo no “contexto da cultura administrativa” do país ou da “cultura da gasosa”. (279)

• Exclusão flagrante das mulheres: Por fim, mas não menos importante, constata-se, igual-mente, que a versão final da Lei de Terras manteve sua característica anterior com relação ao direito das mulheres. Ou seja, a de demonstrar pouca sensibilidade ou preocupação para assegurar os direitos e garantias das mulheres no acesso à terra (vd. box 8.4).

278 A propósito, lembramos que as terras não regularizadas dentro do prazo estipulado serão susceptíveis de passar para o domínio do Estado e seus concessionários, inclusive mediante o uso da força se necessário. Some-se essa particularidade legal à realidade sociológica e à venalidade proverbial de grande parte dos gestores do Estado e, a menos que ajustes sejam feitos na Lei, teremos um cenário explosivo em perspectiva no mundo rural e dos novos/ futuros “sem-terra” angolanos. Humor e exageros à parte, tal cenário deveria ser evitado a todo custo.

279 Alguns entrevistados da região da Huíla, por exemplo, calcularam (com base em suas observações de terreno), que só os custos de reconhecimento de documentação e sua apresentação às autoridades competentes (deslocação, custo de serviços de notariado, etc.) pode alcançar mais USD 2.000,00 para terrenos que podem não ir além de 1,0 ou 2,0 hectares. Não se incluindo aqui as eventuais (melhor dizendo, inevitáveis) “gasosas”. Sem falar no potencial de “manipulação” dos direitos dos requerentes que esses procedimentos burocráticos oferecem aos seus “intermediários”, aos quais uma população com pouco domínio da escrita e/ou da linguagem jurídica (o chamado “advocatês”) será obrigada a recorrer para regularizar suas terras.

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Box 8.4

A nova legislação fundiária e os direitos das mulheres

Concebida por legisladores formados com base em paradigmas europeus e incipiente sensibilidade socioló-gica, a Lei menciona apenas o cidadão ou utente em geral, sem especificação do sexo. O que seria normal numa outra realidade. Mas, aplicando-se a Angola, ela esquece lamentavelmente que esse conceito positivo e eurocêntrico não traduz a realidade dos papeis e direitos sociais nas sociedades tradicionais africanas, nas quais eles possuem um viés de diferenciação sexual muito marcado (embora podendo ser muito variável). (280)

Por outras palavras, não enfatizando a igualdade de género no acesso à terra ou não discriminando positivamente as mulheres para facilitar o exercício desse direito (ou seja, nas respectivas modalidades de sua aplicação real), a Lei é omissa de facto com relação a uma situação sociológica e cultural real que exclui as mulheres de um direito básico e universal. Direito que ela, pelo menos em tese, visa estender a todo o cidadão. (281)

Como é sobejamente sabido, e muito embora hajam inúmeras variantes regionais/étnicas a considerar, nas sociedades angolanas tradicionais (como nas africanas em geral) as mulheres geralmente não possuem direitos directos sobre as terras, passando pelos membros masculinos de sua família para obter o direito ao seu uso (marido, filhos herdeiros, tios, etc.). Da mesma forma, elas estão geralmente excluídas da herança das terras do marido se não tiverem filhos com ele (em qual caso elas “herdam” o direito de uso, até que estes tenham idade para serem seus “proprietários de direito”).

Assim, as terras da família são espoliadas pelos parentes mais próximos do marido e transitam para a linhagem masculina da família dele. Passando a viúva a depender de empréstimos de terras desses ou de outros familiares (geralmente, dentro de sua própria linhagem), das autoridades tradicionais (sobas), etc. A menos que ela aceite se submeter a um segundo casamento com um familiar do marido para ter acesso às terras que eram suas de direito.

Procedendo dessa forma, deixando, na prática, os direitos fundiários das mulheres ao exclusivo critério e aplicação dos usos e costumes das comunidades (sobas ou outros representantes tradicionais), ela exclui a maioria das mulheres rurais do país do acesso primário (sem necessidade de intermediação do marido, do tio mais velho, dos herdeiros homens, etc.) a esse activo básico para a sua sobrevivência no meio rural (no qual, em geral e paradoxalmente, compete a ela a maior parte da responsabilidade pela satisfação das necessidades alimentares da família) ou a sua residência condigna no meio urbano. (282)

280 Mesmo se esse direito já existe em termos legais (Código da Família, Lei 1/88), que equiparou os direitos das mulheres e dos homens, inclusive no âmbito das questões respeitantes à propriedade e à herança do património comum do casal (incluindo, portanto, as terras).

281 Pese embora o facto de haverem evidências de que essa realidade sociológica parece estar a mudar em muitas regiões do pais, fruto do impacto social da guerra (a grande mortalidade masculina aumentou substantivamente o número de chefes de família mulheres no meio rural e, consequente, facilitou o acesso destas ao fundiário, embora ainda sem qualquer segurança formal).

282 Assim, não prevendo modalidades para contornar a “subalternização” do status social da mulher na maioria das comunidades rurais (embora ela possa ter, na realidade, um papel social superior ao da maioria dos homens), o qual condiciona seu acesso a direitos fundiários, a lei se distancia igualmente da realidade sociológica e da estrutura familiar do país após várias décadas de guerras e de destruição das estruturas sociais/comunitárias: se estima que as famílias monoparentais lideradas por mulheres aumen-taram consideravelmente. Os dados do MICS de 1996 (antes do reinício das hostilidades de 1998) já indicavam que a proporção de agregados familiares chefiados por mulheres era de cerca de 33% nas áreas rurais e 29% nas urbanas (INE/UNICEF, 1997). Tendo com toda a certeza aumentado desde então.

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• A problemática fundiária: balanço e desafios do futuro

Em conclusão, podemos dizer que a discussão da Lei de Terras certamente representou a experiência mais significativa, abrangente e com maior visibilidade da realidade da mobiliza-ção da SC e das ONGs angolanas em defesa dos direitos básicos da totalidade da popula-ção. Ou, ainda, o processo mais participativo e intenso de diálogo/colaboração entre a SC e o Governo com essa finalidade comum. Contudo, tudo indica que os resultados finais desse processo ficaram muito aquém das expectativas da maior parte das instituições e actores sociais nele envolvidos.

Assim, mais de 5 anos decorridos entre o debate do ante-projecto da Lei e a sua regulamen-tação (Abril 2002 – Julho 2007), as ONGs se confrontam com uma legislação que não fornece garantias cabais de defesa de um direito básico e essencial para assegurar a auto-suficiência alimentar, a subsistência económica, a reprodução social e a residência condigna da imensa maioria das populações que são o alvo privilegiado das suas actividades.

Consequentemente, é forçoso constatar-se que subsiste uma grande insegurança sobre a questão do acesso à terra e a problemática da regularização efectiva dos direitos fundiários das populações camponesas e peri-urbanas menos abastadas. Ou um perigo dos mais endinheirados continuarem a alimentar o processo de espoliação das melhores terras e infra-estruturas produtivas rurais iniciado nos primeiros anos da década de 1990.

Os principais desafios na matéria, ao que tudo indica, ainda estão por vir e tenderão, muito provavelmente, a se agravar e a assumir proporções ainda mais preocupantes num futuro não muito distante. Em especial, se os financiamentos nacionais e externos destinados a reabilitar a produção agrícola (hoje ainda incipientes) vierem a aumentar, como é provável que aconteça.

Cabe destacar, por último, um outro factor que aumenta a probabilidade dessa evolução. Trata-se da nova Lei de Base do Desenvolvimento Agrário (Lei 15/05), já atrás mencionada (vd. capítulo 6). De acordo com a estratégia de actuação definida nesse diploma, o Governo deverá desenvolver uma política de “reserva de terrenos” para a constituição de “bancos de terras” destinados a viabilizar a “reestruturação fundiária” e a “modernização” do sector empresarial agrário.

A essa vontade política, adicione-se a recente constituição do BDA (283) e do seu Fundo de Desenvolvimento, (284) destinado a financiar os projectos de pequenas e médias empresas, especialmente as agro-pecuárias. Ambas iniciativas são consistentes com essa estratégia e só confirmam a tendência de constituição de um capitalismo rural com acesso privilegiado ao fundiário com maior potencial produtivo do país. O que, inevitavelmente, ocorrerá em paralelo com uma politica de exclusão do mais pobres, sem capacidade de inserção nesse novo modelo de desenvolvimento agro-pecuário, como tem vindo a acontecer em outros países (veja-se o caso do Brasil que, por coincidência, é um dos maiores fornecedores da assistência técnica à implantação dos complexos empresariais agro-pecuários angolanos).

283 Banco de Desenvolvimento de Angola, que entrou em funções em Janeiro de 2006. 284 Fundo a ser alimentado pelas receitas do petróleo (3%) e do sector diamantífero (2%).

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8.5 Contrapartes envolvidos e resultados esperados Como se pode ver abaixo (tabela 8.1), considerou-se que a área de actuação do SCO 4.1 envolveu, directa ou indirectamente, 22 projectos de 10 diferentes contrapartes da ON. (285)

Globalmente, essas ONGs beneficiaram de financiamentos da ON, para a execução desses 22 projectos, de um valor global de 6,8 milhões de Euros. (286) As acções no âmbito deste SCO, implementadas pelos diferentes projectos, cobriram áreas geográficas muito diversifi-cadas de todo o país, mesmo se é possível constatar que houve um certo foco na região Sul (Huíla, Namibe e Cunene) e em Luanda (4 municípios peri-urbanos).

Tabela 8.1: Projectos com actuação na área do SCO 4.1

Contraparte Projecto Período SCO 4.1

ACORD 01 Blockfunding 2002

02 Programa Trienal 2005 - 2007

ADRA Huíla 03 PADEAH 2002 - 2005

04 FUPEP Fase II 2002 - 2004

05 GAMBOS Fase III 2003 - 2004

06 ADRA - Antena Huíla 2004 - 2005

07 PAO – Plano de Acção Operacional 2006 - 2008

ADRA Nac. 08 Centro de Informação e Documentação 2006

ASD 09 Direitos Cid. + Conv. Soc. Dem. II 2002 - 2003

10 Direitos Cid. + Conv. Soc. Dem. III 2004 - 2005

11 ASD DCCSD Fase IV (2006 - 2008) 2006 - 2008

DWA 12 Community Initiatives Programme 2001 - 2004

13 Community Initiatives Programme 2004 - 2006

14 PARCIL 2007 - 2009

/ PECE II (Civic Education Elections) 2007 - 2008 ❉

GW 15 Diamonds + Oil Research Campaign 2001 - 2003

16 Oil and Diamonds Angola Program 2003 - 2006

HRW 17 Research, advocacy & capacity building 2002 - 2005

18 Angola - Programa Trienal 2005 - 2008

OGB 19 JOAI (OGB - Intermón - Novib) 2003 - 2004

20 JOAI (OGB - Intermón - Novib) 2004 - 2005

21 JOAI (OGB - Intermón - Novib) 2005 - 2007

Rede Terra 22 Campanha Lei da Terra 2003 - 2005

SOSH 23 SOS Habitat Luanda 2005 - 2007

Fonte: Dados dos files dos contrapartes (detalhes nos anexos IV e V). ❉ Projectos com actuação na área desses SCOs, mas não incluídos na avaliação desse contraparte. Essa avaliação foi considerada demasiado tardia ou prematura (Vd. detalhes no anexo V).

285 Não se incluiu um dos projectos de um desses contrapartes (DWA), por esse projecto ser demasiado recente no momento da avaliação.

286 Estimativa a partir das decisões iniciais de financiamento da ON para esses projectos. Os valores reais transferidos até à data desta avaliação podem ser diferentes por várias razões (ajustes nos orçamentos, parcelas ainda não desembolsadas/pagas, etc.). De qualquer forma, isso é irrelevante, pois visa-se unicamente dar uma ideia aproximada do apoio financeiro global da ON aos contrapartes que actuaram com esse SCO 4.1 (alguns actuaram igualmente em outros SCOs; vd. anexos IV e V).

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Por fim, as acções de duas dessas 10 ONGs tiveram um campo de actuação bem mais alargado, destinando-se a cobrir ou influenciar políticas públicas à escala de todo o país ou, igualmente, a desenvolver acções de divulgação, advocacia e lobby em prol de algumas dessas políticas à escala internacional (caso da GW e da HRW).

Assim, de toda evidência, o SCO 4.1 representou a temática mais presente nos projectos da ON em Angola no período. Não obstante esta actuação possa ter sido a que ficou menos claramente explicitada ou programada nos projectos de uma grande parte dos contrapartes escolhidos para a avaliação, estimamos que ela esteve presente em quase 72% dos seus projectos (23 de um total de 32 projectos), bem como em 77% dessas ONGs (em 10 delas).

• Resultados previstos/esperados

A partir da leitura e interpretação dos avaliadores da documentação dos diferentes projectos e programas financiados -- às vezes, diga-se de passagem, sem muita clareza ou detalhes sobre os resultados visados ou os meios previstos para os alcançar -- procuramos resumir os resultados esperados por essas ONGs no âmbito dos SCO 4.1 na tabela a seguir: (287)

Tabela 8.2: Resultados esperados na área do SCO 4.1

Contraparte Impactos / resultados esperados (síntese) (*)

ACORD

Contribuir para o reforço/empoderamento das OSCs/ONGs parceiras e para aumentar o seu protagonis-

mo social com vistas a influenciar mudanças na sociedade angolana. Obter avanços significativos da

consciência sobre a temática fundiária e no processo reconhecimento e legalização dos direitos de

acesso e uso da terra pelas populações rurais, especialmente as mais pobres.

ADRA Huíla Contribuir para o reforço/empoderamento da SC organizada e para aumentar a participação social e

política das OSCs parceiras (especialmente as OCBs e ONGs emergentes). Obter avanços significativos

da consciência social sobre a temática fundiária, em particular no seio da OSCs/comunidades rurais e

ONGs emergentes, bem como no processo de reconhecimento e legalização dos direitos de acesso à

terra das populações rurais.

ADRA Nac. Contribuir para melhorar a recolha/pesquisa, produção, distribuição e partilha de informações sobre as

áreas sectoriais/temáticas de intervenção da ADRA Nacional e ONGs parceiras. Em especial, através da

reactivação Centro de Informação e Documentação e do apoio à capacitação de pessoal da ONG.

ASD Contribuir para o reconhecimento e a observância dos direitos humanos dos grupos vulneráveis e/ou

marginalizados das regiões e comunidades rurais trabalhadas pela ONG (com foco nas crianças e nas

mulheres). Inclusive, através da construção de espaços diálogo e concertação entre as administrações

locais (municipais e comunais) e essas comunidades, com vistas à resolução de casos flagrantes de

injustiça social e/ou violação de DH. Estas comunidades sendo capacitadas e empoderadas para levar

adiante esse diálogo com a criação de grupos de acção social (GAS) comunitários: activistas e núcleos

de DH, grupos familiares de DH, grupos infantis de DH, etc.

287 Lembramos que esses projectos (como todos os desta avaliação) não se concentraram num único SCO, como já dissemos (vd. capítulo 2). Podendo haver casos de projectos que actuaram em vários SCOs.

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Tabela 8.2: Resultados esperados... (continuação 01)

Contraparte Impactos / resultados esperados (síntese) (*) DWA Contribuir para ganhos na consciência social das comunidades peri-urbanas parceiras e na sua

capacidade de auto-organização (OCBs e ONGs emergentes) e gestão de iniciativas comunitárias, com

base no co-financiamento de micro-projectos sociais (implantados em parceria com as Administrações).

Incentivar a maior participação (ou gestão participativa), influência e poder de decisão dessas

comunidades (e suas OCBs e ONGs) no investimento social das Administrações Municipais parceiras

(especialmente na área dos serviços sociais básicos: saúde e educação).

GW (**) Contribuir para uma governação mais transparente e uma melhor e utilização dos recursos do Estado,

especialmente os da economia extractiva, visando reduzir o desvio desses recursos pelos interesses

“privados” e facilitar a sua orientação para a reconstrução do país, o desenvolvimento e o combate à

pobreza. Esta actuação teve dois focos práticos: (i) Diamantes: aumentar o controlo efectivo dos fluxos

da produção diamantífera do país, em particular através da implantação do Processo Kimberley

(certificação e monitoria dos fluxos comerciais), visando o aumento da transparência desse comércio sob

controlo do Estado; (ii) Petróleo: aumentar a transparência da gestão dos recursos gerados pelo sector

petrolífero de acordo com as normas internacionais (divulgação dos pagamentos ao Estado, clareza no

uso dessas receitas na contabilidade nacional, etc.).

HRW 2002 / 2005: Contribuir para manter a atenção/pressão internacional sobre Angola com base na

pesquisa e divulgação de temas polémicos ligados à reconciliação e reconstrução nacional

(reassentamento rural de antigos combatentes, transparência da gestão dos rendimentos do petróleo,

liberdade de imprensa, etc.). Em paralelo: visou-se facilitar a democratização e a construção de uma

maior abertura, na sociedade angolana, para o protagonismo das ONGs dos DH e civis no

enfrentamento dos problemas criados pela guerra e pelo processo de reconciliação nacional pós-guerra

(através do reforço da capacidade de pesquisa, advocacia e da negociação dessas ONGs).

2005 / 2008: (i) Eleições e constituição - Contribuir para o empoderamento de activistas da SC e

jornalistas para encorajar eleições livres/justas, evitar abusos/violações e incentivar países

vizinhos/doadores ao engajamento para prevenir a manipulação dos resultados. Contribuir para empoderar as ONGs para participarem na discussão constitucional; (ii) ONGs/DH – Contribuir para

aumentar a capacidade de grupos e activistas dos DH para um trabalho mais efectivo (discussão aberta

dos DH nos media e mais audiência continental), especialmente através da AJPD (monitoria dos DH e

maior destaque nacional) e da Rede sobre Liberdade de Expressão e Associação a ser

criada/incentivada (visando aumentar a importância dessa temática no seio das ONGs e aumentar o

compromisso dos “policymakers” locais e internacionais sobre a questão).

OGB Contribuir para a promoção da capacidade de actuação/protagonismo das OSCs (OCBS e ONGs

emergentes) no âmbito das politicas públicas (especialmente em sectores ou temáticas chave dos

programas das Oxfams em Angola: questões fundiárias, VIH/SIDA, educação básica e transparência governativa). A prossecução destes resultados sendo vista através do aumento da capacidade de

influência dessas organizações, para a definição/elaboração e aplicação dessas politicas, tanto à escala

nacional como provincial/local. E, na prática, se traduzindo (i) no apoio técnico e financeiro às OSCs

(capacitação metodológica, incentivo à advocacia social, implantação de pequenos projectos, etc.); e na

(ii) criação de facilidades para colmatar as lacunas de informação e interacção social entre os diversos

níveis da sociedade civil (internacional, nacional, provincial e local/comunitário), incluindo o financiando

de iniciativas de pequena escala e a instituição de um Grupo de Consulta e concertação de acções entre

as três Oxfams actuantes em Angola (OGB, Oxfam Intermón e ON).

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Tabela 8.2: Resultados esperados... (continuação 02)

Contraparte Impactos / resultados esperados (síntese) (*) RT Rede Terra

Contribuir para o aumento da consciência das comunidades rurais (e SC em geral) sobre a problemática

da terra em Angola e para o seu empoderamento com vistas a fazerem valer os seus direitos fundiários

(facilitando o acesso à terra e a regularização do seu uso/posse tradicionais). Em particular, apoiando o

protagonismos das ONGs nacionais e OSCs do meio rural para influenciar as politicas públicas do sector

(elaboração da nova Lei de Terras e sua regulamentação) no sentido do reconhecimento e aplicação

desses direitos (através de debates públicos, estudos sobre a realidade fundiária do pais, melhor

conhecimento dos sistemas “tradicionais” de uso/posse da terra, acções de advocacia social, etc.).

SOSH Contribuir para o reconhecimento e defesa dos direitos sociais da população pobre das periferias

urbanas de Luanda (e do país), em especial no domínio do uso/posse da terra e da habitação. Em

particular, procurando influenciar: (i) o amadurecimento da consciência das comunidades e o aumento

da sua auto-organização (em comissões de moradores) e colaboração intra-comunitária (ou seja, a rede

Movimento para a Cidadania) visando o seu desenvolvimento autónomo (projectos comunitários);

(ii) maior diálogo entre as administrações municipais e as populações para resolver conflitos fundiários;

(iii) a emergência de uma cultura de maior respeito dos direitos das famílias objecto de despejos

forçados (ao uso/posse da terra, à uma habitação condigna, a indemnizações justas, etc.); (iv) a

“democratização” da administração urbana, através do planeamento participativo/inclusivo c/

envolvimento das comunidades auto-organizadas.

(*) Em alguns casos, quando pertinente, sintetizaram-se igualmente os principais meios previstos para obter esses resultados. (**) Focamos unicamente os “resultados esperados” do programa 2003-2006 (não entramos nos detalhes dos resultados do

programa 2001-2003 anterior, bastante similares).

• Eixos temáticos

Podemos agrupar esses diversos resultados esperados no âmbito do SCO 4.1 (tabela 8.2) em três grandes eixos de enfoque temático, de forma a facilitar a sua abordagem na análise dos resultados e mudanças alcançadas (ou alcançáveis) nas políticas e práticas. A saber:

a) Democracia e boa governação (288) Envolveu 3 ONGs com actuação focada (e comprovada/detalhada) neste eixo temático

(23% da amostragem global de 13 ONGs);

b) Participação social e política da SC organizada Envolveu 7 ONGs com actuação focada neste eixo temático (54% da amostragem);

c) Direito e acesso à terra Envolveu 4 ONGs com actuação focada neste eixo temático (31% da amostragem).

Resumimos a incidência de cada um desses eixos temáticos nos diferentes projectos e contrapartes aqui avaliados na tabela 8.3 a seguir:

288 Este neologismo (governação), que tem vindo a ser utilizado ao longo deste relatório, possui igualmente outras grafias em português (governância e governança, e.g.).

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Tabela 8.3: Eixos temáticos principais dos projectos com actuação na área do SCO 4.1

Contraparte Projecto Democracia e Boa Governação

Participação Social e Política

Direito à Terra

ACORD 01 Blockfunding

02 Programa Trienal

ADRA (H) 03 PADEAH

04 FUPEP Fase II

05 GAMBOS Fase III

06 ADRA - Antena Huíla

07 PAO – Plano de Acção Operacional

ADRA (N) 08 Centro de Informação e Documentação

ASD 09 Direitos Cid. + Conv. Soc. Dem. II

10 Direitos Cid. + Conv. Soc. Dem. III

11 ASD DCCSD Fase IV (2006 - 2008)

DWA 12 Community Initiatives Programme

13 Community Initiatives Programme

14 PARCIL

GW 15 Diamonds + Oil Research Campaign

16 Oil and Diamonds Angola Program

HRW 17 Research, advocacy & capacity building

18 Angola - Programa Trienal

OGB 19 JOAI (OGB - Intermón - Novib)

20 JOAI (OGB - Intermón - Novib)

21 JOAI (OGB - Intermón - Novib)

RT 22 Campanha Lei da Terra

SOSH 23 SOS Habitat - Luanda

Fonte: Dados dos files dos contrapartes (detalhes nos anexos IV e V). Projectos com actuação comprovada neste eixo temático. Projectos com eventual actuação neste eixo temático, mas para os quais ocorreram 2 situações que

limitaram a avaliação final: (i) obtivemos pouca informação precisa ou evidências de actuação e/ou resultados neste eixo; (ii) essa actuação teve carácter demasiado “transversal” e/ou pouco foco.

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8.6 Análise dos resultados e mudanças alcançados & Algumas considerações finais

Como dissemos no início deste capítulo, o balanço dos resultados de mudança (nas práticas e nas políticas) alcançados ou alcançáveis por esses projectos e programas encontram-se detalhados nos relatórios de avaliação das 13 ONGs abrangidas por esta avaliação. Portanto, não caberia aqui fazer uma apresentação exaustiva desses resultados, a qual seria muito longa e dificultaria uma visão global/sintética desse impacto por SCO (para os detalhes de cada ONG, se aconselha vivamente a consulta dos files do volume II da avaliação).

Assim, em geral buscou-se deixar aqui uma visão sintética e global dos resultados estimados mais significativos, aferidos de forma não exaustiva e sem pretender reflectir a totalidade da actuação dessas ONGs (geralmente mais abrangente). Esse procedimento de síntese foi ainda mais importante ou levado ao extremo neste SCO 4.1, no qual actuaram uma dezena de ONGs e mais de duas dezenas de projectos, tornando impossível fazer mais do que uma síntese da actuação de cada um desses contrapartes. O que possibilita que ocorram algumas omissões e injustiças, pelas quais solicitamos de antemão as devidas desculpas.

8.6.1 “Democracia e boa governação”

A partir da síntese dos resultados no domínio deste eixo temático (tabelas 8.4 a seguir), podemos concluir que os maiores impactos foram certamente alcançados no âmbito da produção e divulgação de informação (sobre DH, direitos sociais e civis, boa governação, etc.) destinada à população em geral – na prática, a segmentos dela -- bem como às agências e ONGs internacionais actuantes em Angola. Com particular relevo para a ampla divulgação local e internacional de pesquisas, levantamentos e informações relativas ao processo de reconciliação/reconstrução pós-guerra (reintegração de deslocados, e.g.) e à transparência (ou falta dela) nos processos de gestão estatal das receitas da principal base económica do país: a produção extractiva de petróleo e diamantes.

Influência internacional, consciencialização social e seus limites

Existem inúmeras evidências de que a produção e divulgação de informação (sobretudo pela GW e HRW), menos inibida pelo contexto angolano, alcançou ampla visibilidade nos media nacionais e internacionais, contribuindo para manter um certo foco crítico internacional sobre Angola (da parte de certos governos ou organismos multilaterais, agências da APD, etc.).

Pese embora o facto -- deveras inibidor do impacto real dessa crítica internacional --, de que ao mesmo tempo em que essa atenção internacional era mantida, o boom da produção petrolífera angolana e o contexto energético mundial davam origem a disponibilidades finan-ceiras e abriam as portas a novas parcerias/facilidades no mercado financeiro internacional (China, Brasil, etc.) jamais conhecidas na história do país (vd. análises no capítulo 3 e em 8.2). Conferindo-lhe, da sorte, uma certa “autonomia” financeira ou “imunidade” conjuntural com relação às pressões da comunidade internacional (caso estas fossem significativas, o que

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parece ser cada vez menos o caso, por razões de geoestratégia energética), (289) como é publicamente reconhecido por alguns altos dirigentes do Governo angolano. (290)

Foi mais difícil encontrarem-se evidências de que essa informação ou as campanhas e o trabalho de lobby que ela alimentou (principalmente no nível internacional) tenham tido adesão local ou atingido, além das populações urbanas mais letradas, parcelas mais amplas da população (o típico homem/mulher do campo ou dos musseques) criando ampla cons-ciência ou mobilização social sobre os temas (vd. box 8.5).

Box 8.5

Campanhas internacionais e sua mobilização social em Angola

Em geral, os entrevistados durante a avaliação avaliam que as actividades de advocacia, de lobby e as campanhas internacionais incentivadas pelas ONGs do Norte são boas, necessárias e muito úteis. Inclusive, porque municiam a SC, OSCs e media do Sul em “ferramentas essenciais para a plena compreensão das problemáticas globais da sua própria realidade, às quais elas não teriam acesso de outra forma”.

Contudo, estimam que as temáticas escolhidas ou as prioridades dessas iniciativas nem sempre são bem aceites ou compreendidas pela imensa maioria da população em países como Angola. Ou tampouco a mobilizam. Citamos alguns exemplos das suas explicações sobre essa falta de interesse e mobilização:

Por um lado, “existem muitos problemas de comunicação e de língua (conceituais) que atrapalham”; as pessoas “estão ocupadas no dia-a-dia com seus próprios problemas de sobrevivência”; a maioria dessas campanhas “ficam longe das preocupações imediatas da população, das suas prioridades, da sua vida real”; “as pessoas são elas mesmas pobres e estão focadas no imediato, aqui e agora”; “mesmo as camadas sociais mais privilegiadas têm pouca motivação, até porque a sua insegurança económica é grande e elas também estão presas à luta pela sobrevivência no dia-a-dia”.

Por outro lado, “as temáticas dessas iniciativas são “demasiado impalpáveis e dificilmente aceites ou bem compreendidas pela imensa maioria das populações ou OSCs de países como Angola”. Países onde a SC tem “outra cultura, outros entendimentos e, sobretudo, uma gama de prioridades geralmente mais terra-a-terra, mais relacionadas com a sua própria reprodução/sobrevivência no curto prazo”, ou então dispõe de possibilidades limitadas para agir, de “espaços bem mais reduzidos (do que no Norte) para uma mobilização cidadã ou uma actuação política face às instituições e gestores do Estado”, sob pena de “comprometer sua segurança.”

Traduzindo esses pontos de vista em outros termos, pode-se dizer que campanhas construídas lá fora (a partir de outras realidades) e que não consigam “dialogar” melhor com essa realidade política e sociológica local, ou com essa percepção das prioridades sociais, terão sempre dificuldades para garantir uma forte mobilização da população. Ou mesmo para gerar impactos substanciais nos seus segmentos mais conscientes e informados -- as elites urbanas que gravitam à volta das ONGs, e.g.. Sobretudo, quando são orientadas para níveis de confronto social/político pouco realistas ou incompatíveis com o amadurecimento das consciências e instituições, ou com o ainda frágil equilíbrio de forças na sociedade local.

289 Existe abundante literatura sobre a evolução da visão geo-estratégica das grandes potencias mundiais sobre a África (e os países produtores de petróleo do Golfo da Guiné em particular), em razão do crescimento vertiginoso das necessidades de hidrocarbonetos da China e dos USA (prevê-se que a região forneça cerca de 25% da importações norte-americanas em 2015). Em português (e de leitura rápida) podem-se consultar alguns artigos da imprensa internacional, como os de Servant (2003), Sarkis (2006) ou Fiori (2008).

290 Vd., por exemplo, as declarações do ministro das Finanças (“Transparência ainda é um problema em Angola”, site Angola Dicas, 23.03.2007), já sintetizadas em 8.3.

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Para tal, certamente concorreram várias razões (analfabetismo, circulação limitadíssima imprensa, auto-censura da rádio, protagonismo limitado das OSCs, etc.). Mas tudo leva a crer que contribuíram igualmente, de alguma maneira, certas insuficiências na escolha ou adequação das temáticas/enfoques da informação produzida, conforme uma das opiniões mais recorrentes dos entrevistados (como vimos no box 8.5).

Apesar disso, e embora essa informação tenha pouco impacto sobre a maioria da popula-ção, constatam-se alguns ganhos de consciência, pequenas transformações nas atitudes e comportamentos de certos grupos sociais, das instituições, etc. Mesmo sendo difíceis de medir, esses resultados já se percebem. Nas palavras de um entrevistado: (291)

O trabalho dessas organizações, “por mais defeitos que possa ter, e com certeza os tem, tem despertado o entendimento sobre os DH na sociedade”. No início, esta “reagiu com um certo medo e levou algum tempo para entender a importância dos DH para o desarmamen-to dos espíritos, o desenvolvimento do país e a vida das populações em geral”. Depois, “captou e assimilou a mensagem, percebeu que não existiria paz durável nem democracia ou desenvolvimento sem os DH, ou então estes seriam frágeis e ilusórios”. E, “pouco a pouco, ocorreram mudanças nas mentalidades e atitudes” com relação a esse tema. “Hoje já é comum verem-se iniciativas de DH no país. Por exemplo, nas igrejas e ONGs (criação do Conselho Coordenador dos DH), (292) na Ordem dos Advogados, no Ministério da Justiça (criação da Direcção Nacional dos DH), no Governo (criação do Comité Interministerial dos DH) ou até mesmo em algumas instituições policiais (acções de sensibilização). Mesmo se “algumas dessas iniciativas ainda são mais simbólicas do que reais, ou muito marcadas pela propaganda do Governo, isso seria impensável há apenas 10 anos atrás. O que mostra o longo caminho percorrido... Mas também o que ainda falta percorrer.”

Impacto do trabalho das ONGs internacionais

A boa notícia é que, sem embargo de tudo o que foi dito acima, é forçoso reconhecer que o trabalho das ONG internacionais sobre temas “delicados” como os deste eixo é vital, por várias razões. Pois além de estarem relativamente menos submetidas a constrangimentos institucionais e políticos que “inibem” o trabalho e os resultados globais das ONGs, ou de actuar numa esfera internacional estratégica (para complementar, divulgar e defender o trabalho das OSCs locais, e.g.), constataram-se suficientes evidências de que o seu trabalho e críticas são necessários e importantes. Por um lado, podem despertar ganhos importantes de consciência social e política, mesmo se socialmente limitados. (293) Por outro, são “respeitados” pelo Governo (contrariamente ao que alguns possam imaginar) podendo,

291 Abordando os resultados do trabalho da HRW e da GW com ONGs parceiras locais, no âmbito do que ele resumiu como “DH” -- mas que englobava DH, civis e sociais (entrevista realizada em 04.11.2007).

292 Esse Conselho foi criado em Novembro de 2006, reúne hoje cerca de 23 organizações e é presidido pelo coordenador da ONG Mãos Livres.

293 Por exemplo, algumas semanas após a publicação do relatório da HRW sobre os biliões de dólares “evaporados” dos cofres do Estado (HRW, 2004a), mais de um milhar de pessoas participaram de uma manifestação de protesto nas proximidades da embaixada americana em Luanda. O impacto desse trabalho nos media nacionais e internacionais foi extremamente importante, despertou a consciência e interesse de um vasto público e motiva inúmeros textos até hoje (inclusive de intelectuais, activistas, jornalistas e blogueiros angolanos).

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portanto, exercer alguma pressão a favor da agenda da SC angolana (ou na defesa de seu protagonismo).

Com efeito, muitos entrevistados defenderam a tese de que o Governo “digere mais facil-mente as críticas internas”, ignorando-as ou desqualificando-as (por exemplo, atribuindo-as a “actores ao serviço de agendas e interesses estrangeiros”). Ou sabendo que seu impacto é limitado no seio de uma população, mais preocupada com sua sobrevivência imediata, maio-ritariamente iletrada ou tendo pouco acesso à informação. Ou mesmo pouco familiarizada com muitos dos conceitos e a linguagem utilizada. (294) No entanto, o Governo presta particu-lar atenção às críticas elaboradas/divulgadas no exterior. Seja porque elas penetram mais facilmente em instâncias/burocracias internacionais com as quais é preciso negociar, como também “desfocam a imagem internacional” do país e seus dirigentes. O que é inconveniente no momento em que Angola procura ascender a um protagonismo regional compatível com sua nova dimensão económica e possui cada vez mais ambições políticas continentais. (295)

Democratização: processo demorado

Foi igualmente mais difícil encontrarem-se evidências claras de contribuição para avanços significativos, imediatos ou no curto prazo, na democratização do país. Seja, entre outros, em termos do funcionamento das instituições (tema apenas tangencial ao programa das ONGs avaliadas), do respeito dos direitos DH, civis e sociais (constatados alguns avanços, embora limitados e/ou conjunturais), de ganhos na liberdade de expressão e informação (a qual parece estar cada vez mais controlada ou ameaçada de o ser), do processo eleitoral e de debate constitucional (o qual sofreu constantes adiamentos, limitando as actividades previstas) ou do esperado “alargamento do espaço” e do papel da sociedade civil na arena política (o activismo das ONGs se debate cada vez mais entre o “controle” e a “cooptação” pelo Estado, como vimos). (296)

Em síntese, como vimos (cap. 3), o cumprimento dos compromissos do Governo angolano com a “modernidade” política (constitucionais, direitos universais, acordos internacionais,

294 Os entrevistados referiam-se a certos termos utilizados pelas ONGs, geralmente importados e de difícil entendimento nas culturas e línguas locais (inclusive, os paradigmas que eles traduzem). Essa linguagem dificultaria o entendimento e impacto das denúncias no seio da população menos elitizada, por exemplo. O conceito de transparência talvez seja o exemplo mais emblemático dessa dificuldade linguístico-cultural. Mas, por incrível que pareça, até mesmo o termo corrupção pode ter força mobilizadora reduzida num ambiente popular em que predomina a ideia de que “o dinheiro do Estado não tem dono, não é de ninguém”. Sobretudo, à medida que cresce a consciência social sobre a natureza patrimonialista da administração desse Estado. Nesse contexto sociológico e cultural, e a despeito do paradoxo evidente, os prevaricadores podem até ser vistos por parte da população como “os mais espertos”, quando não o são “quase como heróis” ou “vingadores das frustrações ou pequenas misérias do seu quotidiano particular”.

295 Lamentavelmente, grande parte da própria população (leia-se, as populações urbanas mais informadas), segundo essas análises, tenderia a atribuir “mais seriedade à informação produzida/divulgada fora do país” do que à produzida internamente.

296 Mesmo se manifestações recentes demonstram que as OSCs (e, sobretudo, um pequeno número de ONGs mais profissionalizadas e politizadas da região de Luanda) estão atentas e conseguem aproveitar as oportunidades da conjuntura para se mobilizar e manifestar seu repúdio às tentativas de redução da actuação da SC e à brutal perseguição dos seus formadores de opinião. Como aconteceu recentemente, em Outubro 2007, com a repentina mobilização de mais de uma centena de populares, lideranças sociais, políticos, intelectuais, etc. numa vigília de repúdio à prisão do jornalista Graça Campo (vd. 3.3.2, box 3.3).

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gestão transparente e democrática do Estado, etc.), formalmente assumidos há mais de uma década (1991-1992), e por longos anos enviesados pelo contexto de guerra, tende a ser lento (quando não esquecido ou adiado para as calendas gregas, segundo alguns).

Como bem resumiu uma observadora da realidade contemporânea do continente africano, “a cultura democrática demora a se fixar. Alguns governantes modificam as constituições para eliminar barreiras à reeleição. A corrupção apodrece as administrações. A oposição, os jornalistas (...) são alvos de intimidação.” (297)

Boa governação e transparência: avanços tímidos e ambíguos

Um dos objectivos centrais dos programas das ONGs com este eixo temático era a boa governação, traduzida em actuações visando essencialmente contribuir para a gestão transparente das receitas do Estado (298) e a redução da corrupção.

Mas ainda são raros e tímidos os avanços nesse domínio. Assim como são ambíguos os resultados geralmente apontados para traduzir esses avanços, como o demonstra o caso emblemático da transparência do sector extractivo em Angola (vd. box 8.6):

Box 8.6

Algumas medidas para aumentar a “transparência” ?

Alguns exemplos apontados de medidas governamentais destinadas a aumentar as transparência na gestão das receitas da economia extractiva que traduzem os limites da vontade política do Governo nesse domínio:

i) aquisição do estatuto de observador no EITI (estatuto “ad hoc”, criado à sua demanda), sem contudo aderir formalmente à coligação e seus princípios;

ii) realização de workshops, sob os auspícios do Banco Mundial (Maio 2006), para “discutir a gestão das receitas petrolíferas” (face às pressões dessa entidade para uma maior “participação da SC na gestão das finanças públicas”), sem qualquer resultado prático até agora (Dezembro 2007);

iii) publicação do OGE na internet, mas sem detalhamento suficiente ou possibilidades de acompanhamento da sua execução real (sem o qual o OGE não passa de uma “peça de ficção”);

iv) publicação de informações sobre as receitas do petróleo, no site do Ministério das Finanças, mas com grandes atrasos (em finais de 2006, e.g., a informação sobre as exportações e preços, referiam-se ao primeiro trimestre de 2005);

v) introdução de auditorias no sector dos petróleos (Sonangol) a partir de 2003, mas com a aplicação integral das normas IAS (International Accounting Standards) somente de 2006/2007 em diante ou a adopção do SIGFE (Sistema Integrado para a Gestão das Finanças do Estado) prevista só para 2008.

vi) Por outro lado, a Sonangol continuará como concessionária, operadora e reguladora do sector até 2010 (mantendo, na prática, um sistema duplo de despesas que viola a legislação financeira -- tal como acontece com a Endiama, para a indústria diamantífera). Portanto, assumindo um “papel altamente independente na economia (...) só justificável em período de guerra”. (299)

297 Robert, 2006. 298 Especialmente, dos pagamentos ao Estados da indústria petrolífera (royalties, taxas, comissões, etc.). 299 BM, 2006.

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Destacam-se os avanços no controle da certificação/comercialização dos diamantes, através do Processo Kimberley, (300) no qual umas das ONGs avaliadas participa activamente (GW). Mas não obstante esse sucesso da implementação do PK, o sector diamantífero continua um dos menos transparentes e mais controversos do país, seja quanto às concessões (monopo-lizadas pela elite político-militar), quanto ao desrespeito dos DH mais elementares e à repressão brutal da produção artesanal ou ao desempenho das instituições reguladoras dessa actividade. (301)

Dificuldade para mensurar a contribuição num contexto globalizado

Por fim, este tipo de temas globalizados apresenta grandes dificuldades para que se possam aferir mudanças em geral ou a contribuição/impacto das as ONG em particular. Além das eventuais “mudanças” alcançadas nas práticas e políticas nem sempre serem isentas de ambiguidades, quando analisadas mais atentamente (como exemplificamos no box 8.6), é especialmente difícil perceberem-se evidências que comprovem, de forma cabal, a influência ou contribuição do programa específico de uma determinada ONG.

Com efeito, essas mudanças quase nunca podem ser imputáveis a um actor social específi-co entre os inúmeros que delas participam, directa ou indirectamente (instituições e ONGs nacionais/internacionais, organismos bilaterais/multilaterais, lobbies e acordos multinacio-nais, acção/influência dos meios de comunicação, etc.).

Um exemplo interessante é o caso da iniciativa EITI, (302) no seio da qual a GW tem um destacado papel. A bem dizer, os resultados/ganhos de transparência que possam advir dessa iniciativa (numa escala nacional ou internacional) decorrem de um contexto bem mais alargado: sua ligação e sinergias com um conjunto de acordos internacionais e iniciativas anti-corrupção ou com vistas a aumentar a responsabilização, a boa governação e a segu-rança energética (box 8.7).

300 Sistema de Certificação do Processo Kimberley (SCPK ou PK). Em vigor desde Janeiro de 2003, este representa um acordo internacional de adesão voluntária dos países produtores, com vistas a certificar a produção e rastrear os fluxos desse comércio (exportação e importação em estado bruto) para impedir o financiamento de conflitos. Em Setembro de 2007 o PK contava com 48 membros (representando 74 países ou mais de 99% da produção diamantífera bruta mundial). Angola foi um dos primeiros países que aderiram ao PK. Entre 2002 e 2006, a sua produção “oficial” aumentou de 5,0 para 9,5 milhões de quilates e o rendimento bruto passou de 0,7 para 1,2 biliões de dólares.

301 Nesta estrutura, destacam-se o Ministério da Geologia e Minas (responsável pelo enquadramento legal e regulador do sector), a ENDIAMA (empresa estatal com funções de accionista, operador, regulador e controlador das empresas/indústria diamantífera) e o Conselho de Ministros. Curiosamente, cabe a este último a aprovação das concessões das chaminés quimberlíticas (condutos vulcânicos erodidos onde ocorrem quimberlitos, principal tipo de rocha hospedeira dos diamantes nessa região Austral).

302 Extractive Industries Transparency Initiative, coligação (que reúne governos, companhias multinacionais, investidores, entidades e ONGs e organizações internacionais) habilmente promovida pelo primeiro-ministro britânico Tony Blair (Setembro 2002), em resposta à campanha PWYP. A GW faz parte do Grupo Consultivo Internacional da EITI, a qual visa estabelecer um processo de diálogo com múltiplos interveni-entes (empresas, governos e ONGs da coligação PWYP) bem mais “palatável” do que a PWYP aos olhos (e interesses) das corporações multinacionais e Estados exportadores de petróleo (Sogge, 2006). Em Junho de 2003, os países do G8 endossaram o processo EITI e lançaram um Plano de Acção de Luta Contra a Corrupção e para Melhorar a Transparência, do qual participam muitas das empresas presentes em Angola, tais como ExxonMobile, ChevronTexaco, ENI, Shell, Total, BP, Statoil, Hydro e Petrobrás.

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Nesse contexto, até Governos de países mais reticentes como os USA, com papel preponde-rante na regulação da economia energética mundial (tanto pelo lado da demanda, quanto pela sua influência sobre o mercado de capitais e algumas das maiores multinacionais do sector) tendem a introduzir disposições na sua própria legislação que reforçam essas inicia-tivas de transparência.

Box 8.7

Iniciativas para incentivar a boa governação e a segurança energética

1) Acordos internacionais com preocupações específicas relativas à transparência, segurança energética, anti-corrupção e boa governação:

• Organização Internacional das Madeiras Tropicais (OIMT) • Sistema de Certificação do Forest Stewardship Council (FSC) • Sistema de Certificação do Processo Kimberley (SCPK) • Convenção Anti-Suborno da OCDE • Convenção Inter-Americana contra a Corrupção da OEA • Financial Action Task Force (FATF) 2) Iniciativas preocupadas com a qualidade da governação e processos relativos à gestão

da despesa, participação e avaliação de impacto (se interligam com uma cadeia de processos levando a melhor governação dos recursos naturais):

• Princípios do Equador sobre “project finance” • Políticas de Salvaguarda do IFC (Banco Mundial) • Código de Boas Práticas sobre a Transparência Fiscal do FMI • Índice da Percepção da Corrupção (CPI) da Transparency International (TI) • Directrizes da OCDE para Empresas Multinacionais • Global Reporting Initiative (GRI) • Compactos do G8 para Promover a Transparência e Combater a Corrupção 3) Iniciativas em apoio à cooperação de anti-corrupção e segurança energética.

(incluem iniciativas para desenvolver parcerias entre governos, empresas e sociedade civil): • Convenções Civil e Penal do Conselho da Europa sobre Corrupção • Grupo de Estados (do Conselho da Europa) contra a Corrupção (GRECO) • Global Compact da ONU • Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) • International Energy Authority (IEA) • Fórum Internacional da Energia • Joint Oil Data Initiative (JODI)

Fonte: Secretariado da EITI, Outubro 2005.

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• Exemplos e evidências de resultados

Tabela 8.4: Exemplos e evidências de contribuição para resultados e mudanças na área do SCO 4.1 (eixo a)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

a) Democracia e

boa governação

(Contribuição para a reconciliação, a democratização e o respeito dos DH e civis no país, assim como para o aumento da transparência na gestão das receitas públicas)

• ASD: A actuação desta ONG centrou-se na divulgação dos direitos humanos (DH) e sociais, ou

em acções de advocacia para influenciar a observância desses direitos, em diversas regiões da

Huíla (municípios como Lubango, Gambos, Chibia, Chicomba, Kaluquembe e Humpata) e junto

a diversos públicos-alvo (administrações municipais, entidades judiciais/ policiais e governa-

mentais, OSCs, instituições escolares, populações de bairros, vendedores informais, etc.).

A ONG indicou vários resultados -- ou o que considera ser a sua contribuição para a emer-

gência de uma “cultura de respeito dos DH” nessas regiões -- que, embora podendo

representar alguns avanços prometedores (casos de diminuição da violência institucional,

denúncia do desrespeito dos direitos trabalhistas, reconhecimento da inocência e liberação de

presos, “processos criminais agilizados”, etc.), dificilmente podem assumir essa dimensão

global ou ser fruto exclusivo da sua actuação.

Devendo, portanto, ser considerados como progressos na área dos DH, necessitando avaliação

mais apurada da sua sustentabilidade e impacto global. Tampouco parecem ser pertinentes a

uma única ONG (ou ser muito realistas e sustentáveis) alguns outros resultados (diminuição da

violência nos Gambos, e.g.).

Da mesma forma, os resultados indicadores do empoderamento social ou “participação na

governação local”, por mais que representem passos no caminho certo (quando permitem, por

exemplo, influenciar a maior “oferta de serviços sociais básicos” às populações), ainda carecem

de mais evidências e aprofundamentos para que não se confundam resultados limitados,

parciais e conjunturais com mudanças profundas ou sustentáveis na área dos DH, das políticas

públicas ou na complexa relação entre SC/OSCs e Governo na região.

Uma das actuações de maior destaque da ONG parece ser a iniciativa de propagação de

informações sobre democracia e direitos dos cidadãos (DH, civis e sociais) através de uma

rádio comunitária local, articulada com uma rede de 50 “ciclos de ouvintes” (cerca de 300

pessoas em 8 bairros de 4 municípios da Huíla), destinada a identificar e divulgar situações de

desrespeito de direitos sociais através da rádio (foco na saúde e educação). Este tipo de

actuação tem mais probabilidades de já ter tido bons resultados. Por exemplo, induzindo

mudanças abrangentes e duráveis (sobretudo, na consciência e nos comportamentos sociais;

mas igualmente no maior controlo/denúncia da acção policial pela população, na escolha do

investimento municipal, etc.). Infelizmente, não foi possível obter dados detalhados sobre esses

eventuais resultados.

• GW: Tudo parece indicar que a principal contribuição desta ONG veio do seu trabalho de lobby internacional para influenciar a construção de processos mais transparentes -- e, tanto quanto

possível, mais socialmente comprometidos --, de gestão dos principais recursos extractivos do

país (as produções petrolífera e diamantífera). Caberia lembrar, contudo, que neste tipo de

actuação é especialmente difícil determinar-se a influência de cada um dos actores nacionais e

internacionais nas eventuais “mudanças” alcançadas (vd. box 8.7).

Feita essa ressalva, não restam dúvidas que a GW tem contribuído activamente -- com seu

trabalho de pesquisa/publicação, campagning e lobby de grande qualidade e impacto interna-

cional, iniciado em fins da década de 1990 (303) para vários resultados significativos.

303 Ela iniciou sua actuação no país em 1998, com o apoio da ON e fez sua primeira pesquisa sobre o comér-cio diamantes controlado pela UNITA (GW, 1998). No ano seguinte, faria uma pesquisa sobre o uso

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CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III ) Setembro 2008

215

Tabela 8.4: Exemplos e evidências... (continuação 01)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

a) Democracia e

boa governação

GW (continuação): Dentre estes, destacamos a manutenção de Angola na agenda dos debates

e acordos internacionais que têm permitido alguns passos e os primeiros ganhos na transpa-

rência das actividades/economia global baseada nos recursos extractivos. Para tal, concorre-

ram dois relatórios da GW, de grande impacto nacional e internacional, sobre o total descontro-

lo e a ausência de transparência na gestão dos rendimentos petrolíferos, visando-se financiar

os esforços de guerra e facilitar situações de enriquecimento ilícito, com a conivência de altas

personalidades politicas e instituições financeiras internacionais. (304)

Concorreu igualmente um terceiro relatório (305) no qual se analisou a aplicação em Angola

(entre outros seis países) do acordo conhecido por Processo Kimberley.

É justamente no âmbito da implantação do PK em Angola (na qual a GW, uma das entidades

pioneiras desse sistema, participa activamente) onde se constatam maiores avanços (controle

da certificação/comercialização dos diamantes). Não obstante esse relativo sucesso, (306) esse

sector económico continua um dos menos transparentes e mais controversos do país, seja

quanto à distribuição das concessões (monopolizadas pela elite militar), quanto aos DH e à

repressão brutal da produção artesanal (307) ou à estrutura legal que o regula.

Com relação à economia petrolífera, contudo, a contribuição do trabalho da GW é bem mais

difícil de aferir e, em todo caso, parece ter sido mais modesta. Ou seja, por um lado torna-se

difícil discernir sua parte de contribuição, por mais que esta tenha sido ponderável. Por outro,

numa visão global, ainda é difícil encontrarem-se evidências de avanços substanciais e

decisivos na transparência da gestão das receitas petrolíferas pelo Governo angolano.

Mesmo considerando impactos internacional e nacional extremamente positivos das activida-

des de pesquisa da GW sobre a utilização das receitas desse sector (revelando o seu desvio e

os tentáculos políticos, empresariais e bancários internacionais desses fluxos financeiros).

Os resultados desse trabalho (ao qual se somaram as pesquisas de outras ONGs nacionais e

internacionais, como a HRW, e.g.), foram tanto mais importantes que suscitaram várias

iniciativas e campanhas internacionais de peso (PWYP e EITI, e.g.).

Com efeito, e a despeito das dificuldades de avaliação acima mencionadas, cumpre destacar a

importância de duas outras iniciativas que, de certa forma, foram incentivadas pelo trabalho da

GW e suas parcerias internacionais, como a coligação PWYP (308) e a campanha EITI. (309)

descontrolado das receitas do petróleo pela elite política e o papel das companhias petrolíferas e bancá-rias nesse desvio dos recursos do Estado (GW, 1999). No período aqui avaliado, suas actividades conti-nuariam a ser apoiadas pela ON através de dois programas (2001-2006), os quais dariam origem a várias outras publicações (artigos, presse release, relatórios, etc,) sobre os temas-foco petróleo e diamantes.

304 GW, 2002 e GW, 2004a. Com destaque para o primeiro destes relatórios (All the Presidents’ Men), o qual, juntamente com outros (vd. HRW), marcou um tournant na agenda política do país, municiando as forças de todos os quadrantes ideológicos com informações sobre o desvio de parcelas substanciais das receitas petrolíferas para servir interesses de uma ínfima minoria do entourage imediato do poder. O que permitiu reforçar a consciência e actuação/pressão da SC organizada por uma gestão mais democrática, transparente e equitativa da riqueza nacional. Mas, no contexto angolano, os frutos desse processo político requerem mais tempo de maturação.

305 GW, 2004b. 306 BM, 2006. 307 Vd. os relatórios sobre as violações dos DH nas Lundas (Marques e Campos, 2005; Marques, 2006). 308 Publish What You Pay, coligação de ONGs criada em 1999, incluindo a família Oxfam (actualmente com

cerca de 300 ONGs em todo o mundo), a partir das pesquisas da GW em Angola (A Crude Awakening). A campanha do mesmo nome (Junho de 2002), visa aumentar a transparência na gestão das receitas dos

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CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III ) Setembro 2008

216

Tabela 8.4: Exemplos e evidências... (continuação 02)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

a) Democracia e

boa governação

GW (continuação): Essas iniciativas têm favorecido um lento mas (ao que tudo indica)

irreversível avanço para patamares cada vez mais transparentes de utilização e controlo das

receitas dos extractivos à escala internacional.

Como dissemos, é preciso, contudo, considerar que a evolução das práticas e políticas interna-

cionais nesse domínio (acordos, procedimentos e padrões de regulação e gestão dos recursos

naturais e suas receitas) são influenciadas por essas campanhas como por dezenas de outras

iniciativas internacionais que, de uma forma ou de outra, as complementam ou com as quais

elas se articulam. Isto é, são influenciadas por um contexto mais global de “iniciativas de anti-

corrupção, responsabilização, boa governação e segurança energética” (box 8.7).

Assim, é inegável que esse avanço internacional por maior transparência dos Estados

(sobretudo, os produtores de petróleo) teve impactos igualmente em Angola. E o Governo

angolano tem procurado demonstrar alguma sensibilidade e acato às recomendações dessas

campanhas (e da comunidade internacional que as apoia), dando alguns passos no sentido de

aumentar a transparência da gestão das receitas petrolíferas.

Todavia, não se percebem evidências de uma mudança profunda nessas práticas. Muitas das

medidas adoptadas evidenciam uma grande habilidade do Governo para negociar pequenas

cedências e artifícios de maquillage que, segundo muitos analistas, visam mais protelar tanto

quanto possível a verdadeira e completa (full) gestão transparente dessas receitas do que

traduzem uma vontade politica de a implementar no imediato. (vd. box 8.6).

• HRW: Assim como a GW, não restam dúvidas que a actuação desta ONG contribuiu de forma

vital par manter um certo foco internacional sobre Angola através de suas pesquisas, publica-

ções e actividades de lobby. Estas tiveram grande repercussão interna (imprensa e rádios

independentes) ou à escala internacional, mobilizando a atenção dos media (sites da internet, imprensa e rádios. como BBC, RTP África e Voz da América) e de inúmeros organismos e

ONG internacionais para a problemática da reconciliação/reconstrução e democratização.

Esses trabalhos enfocaram diferentes temas estratégicos, seja do imediato pós-guerra (as

crianças-soldado ou os abusos no processo de retorno e reintegração dos deslocados de

guerra), (310) ou sobre a total falta de transparência na gestão dos receitas do petróleo pelo

Governo (incluindo o “desaparecimento” de cerca de 4,2 bilhões de dólares da contabilidade

oficial do Estado, entre 1997 e 2002) (311) ou as relações entre os media e o Estado e seu

absoluto controle sobre a informação no país. (312)

A sua última pesquisa, em parceria com outro contraparte de ON (SOSH), denunciou 18 casos

despejo/expulsão massiva de moradores das periferias de Luanda no período 2002-2006 pelos

interesses do boom da construção civil e da especulação fundiária urbana. (313) Podendo-se

dizer que muitos desses trabalhos criaram uma certa sinergia com publicações de outras ONGs

(GW ou Amnesty International, e.g.), (314) conferindo-lhes maior “poder de fogo” para influenciar

mudanças nas políticas e temas polémicos denunciados.

recursos naturais (petróleo, gás e minérios) pelos Estados e companhias multinacionais, na perspectiva de reduzir a corrupção e orientar seu uso para alavancar programas nacionais de redução da pobreza.

309 A GW faz parte do IAG (Grupo Consultivo Internacional) da EITI. 310 Vd. HRW, 2003a; HRW 2003b e HRW, 2005. 311 Vd. HRW, 2004a. 312 Vd. HRW, 2004b e HRW, 2006. 313 Vd. HRW/SOSH, 2007. 314 Vd. AI, 2003 e AI, 2007.

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217

Tabela 8.4: Exemplos e evidências... (continuação 03)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

a) Democracia e

boa governação

HRW (continuação): Por outro lado, encontraram-se igualmente testemunhos de que a

informação produzida por ONGs como a HRW (e GW) e seus parceiros locais têm sido

essenciais para “alimentar” o debate democrático. Que ela produz impactos tanto sobre o

Governo (sensível a críticas “vindas de fora”, mesmo se o não admite publicamente), como

sobre certos segmentos urbanos (classe média letrada, intelectuais, jornalistas, activistas das

igrejas e ONGs, etc.). Mas esses impactos são difíceis de medir e raramente se traduzem em

normas escritas (ganhos de consciência, pequenas mudanças de comportamentos de grupos

sociais e administrações, etc.). Contudo, como vimos na análise da GW (e na da SOSH

abaixo), tudo indica que ainda se está longe de uma mudança cabal em algumas das

práticas/políticas objecto desses estudos (o controle da informação e a gestão fundiária urbana,

e.g.). Ou de vontade política clara para implantar uma gestão transparente das receitas

extractivas ou aumentar substancialmente a sua orientação para o desenvolvimento social e

económico da maioria da população. (315)

• SOSH: Não obstante a mudança de atitude e a “moratória” pré-eleitoral referidas adiante (vd.

tabela 8.6), não se encontraram indícios que permitam tirar conclusões cabais sobre uma

contribuição decisiva para mudanças significativas e duráveis, ocorridas ou em curso, com

relação aos objectivos ou níveis de influência esperados nas práticas e políticas administrativas

dos municípios abrangidos.

Esperava-se, por exemplo, que o programa de actuação da SOSH (e das ONGs suas

parceiras) pudesse influenciar a emergência de práticas e procedimentos administrativos que

configurassem o surgimento de uma cultura de maior respeito dos DH das populações e

comunidades peri-urbanas. Ou a construção de um outro modelo de planeamento urbano, mais

democrático (“democratização da administração”), tomando em consideração os direitos

adquiridos das populações já instaladas e baseado na consulta e envolvimento/participação

activa das comunidades afectadas pelo processo de renovação e “requalificação urbana”.

Mesmo a abertura de negociações de 2006 em diante (para resolver alguns conflitos, pagar

indemnizações, etc.) não parece traduzir uma opção política clara das administrações e do

Estado pelo reconhecimento dos direitos fundiários das populações pobres das periferias.

Muito menos uma opção por processos continuados de diálogo/negociação com as suas

comunidades (com a participação das Comissões de Moradores e lideranças comunitárias, por

exemplo) ou fazendo parte das ferramentas prioritárias para a resolução dos conflitos fundiários

urbanos. Tudo parece indicar que essa opção ainda é muito conjuntural, dependente da

agenda política actual (processo eleitoral) e pode sofrer uma reversão a qualquer momento

(sobretudo depois das eleições).

315 Refira-se, por último, que não foi possível encontrar evidências de trabalho realizado ou resultados relativos a uma outra ambição do programa da HRW (2005-2008): contribuir para a o aprofundamento do processo de democratização e reconciliação nacional facilitando a realização de eleições livres e justas, e o debate constitucional ulterior previsto, com uma forte participação activa da SC organizada e dos órgãos de comunicação social independentes. A principal razão foi, obviamente, a sucessão de adiamentos do processo eleitoral, que manteve essa situação institucional indefinida até ao último mês da avaliação no terreno (Dezembro 2007). O que dificultou que esta ONG tivesse actuação significativa até essa data.

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Tabela 8.4: Exemplos e evidências... (continuação 04)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

a) Democracia e

boa governação

SOSH (continuação): Feitas as contas, esses resultados não são de admirar em face do

contexto social, político e económico global no qual a actuação da SOSH se desenvolve (vd. capítulo 3, 8.2 e 8.4). (316)

O trabalho desta ONG, como o de todas as que actuam em domínios que colidem frontalmente

com os interesses estratégicos da elite político-económica no poder (como é igualmente o caso

da HRW e da GW), possui inúmeros e pesados constrangimentos, posto que ocorre num

ambiente cada vez mais marcado por ameaças e intimidações (tanto ao encontro dos seus

activistas, quanto dos seus parceiros ou lideranças e grupos/comissões de moradores) que

limita muito o seu protagonismo.

Em tais circunstâncias e condições de adversidade, conviria ponderar que modalidades de

apoio futuro seriam as mais eficazes socialmente. O que implica que se considerem igualmente

as formas mais adequadas para evitar que suas equipas corram riscos excessivos (ou melhor

as proteger contra esse imponderável).

316 Muito a propósito, lembramos que o apoio da ON a essa ONG foi relativamente modesto (pouco mais de 20 % dos recursos do período 2003-2007) e tardio, ocorrendo na fase de refluxo dos conflitos nas periferias e do trabalho de campo da ONG (Novembro 2005 – Setembro 2007). Pese embora o facto desse apoio ter sido estruturante e vital para a manutenção das suas actividades nos últimos 2 anos.

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8.6.2 “Participação social e política da SC organizada”

A partir da análise das sínteses dos resultados das 7 ONGs que tiveram uma actuação no domínio deste eixo temático (vd. tabelas 8.5 a seguir), somos tentados a concluir que os melhores resultados (de apoio ao protagonismo das OSCs) são observados nas actuações que evitaram dispersar seus esforços e abordagens de trabalho. Ou seja, actuando com algum foco geográfico (numa região bem delimitada), como foco institucional (visando OSCs ou pequenas ONGs emergentes, previamente identificadas e seleccionadas ao longo do processo ou fases de apoio institucional) e, ainda, lançando mão de uma ferramenta financeira (fundo) para “alavancar” as primeiras experiências práticas dessas OSCs (como veremos mais adiante). Por fim, procurou-se enquadrar esse apoio com uma forte rede de parcerias -- evitando actuar de forma isolada, estabelecendo laços de cooperação/comple-mentaridade e construindo sinergias com parceiros (outras ONGs e instituições com os mesmo propósitos de apoio às OSCs) ou facilitando o trabalho em rede das OSCs.

Apoio às OSCs e ONGs emergentes: o caso da Huíla

Tal foi comprovadamente o caso da ACORD e da ADRA Huíla, especialmente durante os primeiros anos do período aqui avaliado, antes que este eixo temático “saísse de moda” e/ou faltassem recursos para continuar esse apoio às OSCs com a mesma intensidade. Existem evidências de que essas duas ONGs apoiaram ou contribuíram, directa ou indirectamente, para a capacitação inicial de uma centena e meia de OCBs embrionárias e ONGs emergen-tes (desde 1998 e através de vários de seus projectos), muitas vezes actuando em parceria e/ou com o apoio de outras entidades/ONGs (como no caso da DRA, da SNV, da FOS, etc.). Dessa forma, pode-se dizer que a ACORD e a ADRA contribuíram substancialmente para o arranque inicial e a consolidação das cerca das três dezenas de ONGs mais actuantes actualmente nas três provinciais do Sul.

Nesse trabalho, teve um certo destaque e sucesso o uso de dois tipos de instrumentos, que se articularam para facilitar esses bons resultados. Em primeiro lugar, um instrumento de apoio financeiro dos projectos iniciais das ONGs emergentes (e capacitação básica para a sua implementação): o FUPEP, apoiado pela ON. No período aqui avaliado, ele permitiu financiar mais de uma centena de pequenos projectos dessas ONGs, actuando de forma “horizontalizada” – ou seja, como fundo de apoio das pequenas OSCs e ONGs das 3 províncias do Sul, “pilotado” de forma articulada com algumas das maiores ONGs sediadas na Huíla (embora sua gestão formal coubesse à ADRA). Em segundo lugar, o recurso regular à metodologia de trabalho em rede, construtora de complementaridades e criadora de sinergias. O que explica a vitalidade da actuação das redes da Huíla (como no caso da temática fundiária ou sobre VIH/SIDA, e.g.). (317) Esse forte protagonismo das ONGs locais, por mais insuficiências que tenha (como veremos adiante), é a evidência mais clara dos

317 Muito embora essas redes tenham tido tendência a registar problemas idênticos aos que têm sido obser-vados no funcionamento das redes em Angola em geral, nos últimos anos (polarizadas/instrumentalizadas pelas ONGs “maiores” ou mais profissionalizadas, oferecendo pouco apoio/incentivo às pequenas, e.g.).

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resultados de vários anos de “investimento” nas OSCs na região, com o apoio da ON e de algumas outras ONGs e entidades internacionais (DRA, SNV, FOS, etc.)

O apoio às ONGs em outras regiões

Em outras regiões do país (não incluindo aqui os apoios às OSCs fornecidos através dos projectos do PGDR), destacou-se a actuação da DWA e da SOSH na região de Luanda.

Quanto à primeira (DWA), obtivemos poucas evidências de que esta ONG tenha conseguido fazer desse programa, focado na construção/gestão comunitária de infra-estruturas e da provisão de serviços para a população das periferias da capital, um trampolim para apoiar a emergência ou estruturação/consolidação da acção das OSCs nos bairros atendidos. (318) Tudo indica que essa oportunidade estratégica, pouco clara na concepção do programa, talvez não tenha merecido a atenção necessária e foi pouco trabalhada, senão praticamente esquecida. (319) O trabalho da SOSH, por sua vez, representa um caso particular: foi marca-do por um activismo bastante marcado por uma conjuntura explosiva de confronto (resistir a situações de expulsão, fazer valer ou negociar o reconhecimento de direitos, e.g.), ou por um clima de intimidação por parte do Estado que não facilitou os resultados ambiciosos esperados (empoderamento e funcionamento autónomo das Comissões de Moradores das comunidades suburbanas, e.g.), muito menos no curto prazo. Por outro lado, tampouco foi possível aprofundar a avaliação desses resultados ou obter informações de campo que confirmassem a vitalidade ou sustentabilidade das estruturas comunitárias (CMs) apoiadas. Inclusive, estas já se encontravam (no momento da avaliação) sob fortes pressões desarticuladoras ou de cooptação política de seus corpos dirigentes (pelas autoridades municipais e o partido no poder).

Em síntese, muito embora ambos os casos (DWA e SOSH) mereçam análise mais acurada, não se encontraram evidências que pudessem confirmar resultados muito significativos neste eixo (inclusive, devido ao contexto já longamente descrito ).

O trabalho realizado pelas restantes ONGs (HRW e OGB) parece ter ficado igualmente muito aquém do esperado e ter tido resultados globalmente modestos. Tanto no caso da HRW, que não conseguiu sair do seu padrão de actuação internacional (pouco focado em acções directas de apoio/reforço institucional ou do protagonismo das OSCs nos países em que actua), e assim orientar parte substantiva do seu programa para apoio directo às ONGs dos DH, como esperava (mesmo se os resultados do seu apoio foram muito positivos, este

318 Inclusive, muitas das OSCs envolvidas são de cariz religioso/filantrópico, com características bastante diferenciadas das outras OSCs e ONGs. Actuando, portanto, dentro de uma outra lógica e sendo menos influenciáveis por esse programa da DWA, pelo menos na sua actual formatação.

319 Sintomaticamente, os avaliadores não tiveram acesso a qualquer evidência de ter havido um trabalho de construção de articulações entre as OSCs envolvidas pelo programa (trabalhos conjuntos ou em rede, troca de experiências, etc.) após a sua fase de capacitação. O que pode ser considerado como uma grande oportunidade perdida.

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polarizou-se essencialmente em duas ONGs). (320) Como também no caso da OGB, cuja actuação neste eixo temático parece ter sido demasiado “tópica” e dispersa (capacitação temática inicial/limitada e difusão de informações sem se preverem formas de retro-alimenta-ção a partir dessa difusão informativa), insuficientemente estruturada e demasiado inspirada num modelo de advocacia que talvez não fosse o mais adequado à realidade do país (321) e, sobretudo (como foi possível verificar) não foram previstas formas de assegurar a valoriza-ção, o aprofundamento ou aplicação prática desse “investimento” inicial – por exemplo, organizando o acompanhamento ulterior das acções de advocacia das OSCs capacitadas, seja para criar oportunidades de intercâmbio, aprimorar a capacitação inicial (inclusive, de forma articulada com acções similares de outros doadores/ONGs), incentivar o trabalho em rede entre elas, etc. Por conseguinte, todas as evidências/testemunhos obtidos apontam para poucos resultados directos e concretos decorrentes desse programa e, quiçá, para um significativo desperdício de oportunidades. (322)

Sustentabilidade dos resultados

De uma forma geral, e considerando-se o contexto/ambiente institucional e da APD em que se desenvolve o trabalho das ONGs no país nos últimos anos (longamente analisados aqui), não podemos de manifestar algumas dúvidas quanto à sustentabilidade dos resultados obtidos neste eixo do SCO 4.1 (protagonismo social da SC/OSCs). Tanto com relação às dezenas de ONGs que nasceram e se consolidaram a partir deste apoio dos contrapartes de ON (sobretudo da região Sul, onde se concentraram as actuações da ADRA e da ACORD), quanto aos “movimentos sociais” ou redes que foram impulsionados pelo eixo temático fundiário (direito e acesso à terra) ou pelo SCO 2.1 (VIH/SIDA), ou ainda (e sobretudo), quanto às dezenas de OSCs/ONGs mais embrionárias da região Sul ou da periferia de Luanda igualmente apoiadas pelos diversos contrapartes (principalmente ACORD, ADRA, ASD, DWA e SOSH) (323) e com resultados menos claramente visíveis ou avaliáveis nos limites deste trabalho.

320 Podem ser colocadas, pelo menos, duas questões essenciais em face desses resultados: Será isso uma “insuficiência de resultados” ou um incumprimento do seu programa de actividades em Angola? Ou isso representaria plutôt que o que ocorreu, na realidade, foi um “insuficiência de programação”? Por outras palavras, tudo parece indicar que esta ONG tem tido dificuldades para responder a uma certa “pressão” do financiador para assumir em Angola um papel para o qual ela não está particularmente preparada e equipada (posto que não é esse seu domínio de excelência, perícia ou acúmulo de experiências). Ela sequer dispõe de facilidades particulares para tal (suficiente permanência e mobilidade in loco ou facilida-des de actuação à visage découvert no contexto institucional angolano, e.g.).

321 Segundo os entrevistados, esse modelo teria se inspirado demasiado no exemplo americano (base do manual utilizado para a capacitação em advocacia) e negligenciado as especificidades ou formas tradicio-nais de “advocacia” existentes na sociedade angolana. Ou seja, inspirou-se numa realidade política, institucional e social/sociológica pouco comum com a que envolve e condiciona o protagonismo da SC e das ONGs angolanas (sobretudo, nas províncias).

322 Por último, não dispusemos de evidências claras de impacto/resultados concretos ou realistas relativos ao CID da ADRA sede. Esta acção careceria de avaliação mais apurada.

323 Não se inclui aqui uma outra ONG, apoiada pela HRW: a AJPD. Pois nos parece que esta ONG destaca-se claramente das que são aqui mencionadas (em termos qualitativos, políticos, etc.) e, malgrado as ameaças oficiais (de cariz politico), não parece ter outros problemas maiores de sustentabilidade.

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Além desse contexto institucional, pesam nessas dificuldades de sustentabilidade as “tradici-onais” insuficiências intrínsecas da maioria das ONGs angolanas (vd. 3.2.2). As quais parecem ter sido insuficientemente “trabalhadas” pelos programas dos contrapartes. Como bem resumiu um dos interlocutores entrevistados (referindo-se ao apoio às OSCs e ONGs e ao seu protagonismo): “avançou-se mais no como fazer do que no como pensar ou no como se relacionar” – ou seja, como trabalhar em conjunto, criar solidariedades, desenvolver sinergias, etc.

OSCs/ONGs mais populares ou informais

Tudo indica que o programa da ON, através destes 7 contrapartes, teve relativamente pouco sucesso em estender de forma decisiva sua actuação/apoio para o reforço institucional e o incentivo ao protagonismo social das OSCs mais populares e menos visíveis que já analisa-mos anteriormente (vd. 3.2.2).

Muito certamente, algumas delas podem ter sido directa ou indirectamente abrangidas pelas acções de alguns desses contrapartes (as capacitações e financiamentos do FUPEP (324) e da DWA, os encontros de capacitação da OGB, os programas rurais da ADRA e da ACORD apoiados “indirectamente” pela ON, etc.). (325) Todavia, falando globalmente, tudo leva a concluir que esse envolvimento parece ter assumido um carácter bastante esporádico e quase marginal. Não tivemos possibilidade de obter claras evidências de que esse tipo de entidades -- mais informalizadas, menos urbanas (presentes nos meios rurais e peri-urbanos mais distantes e inacessíveis), de nível mais comunitário e lideradas por pessoas menos “articuladas” e capacitadas/letradas (que não fazem parte das classes médias urbanas), etc. -- tenham representado o “objecto central”, tido um foco de trabalho visando o seu empoderamento muito significativo, ou uma presença no programa global da ON e seus contrapartes à altura da sua importância estratégica.

Essa observação -- ou o envolvimento apenas esporádico/marginal – poderia ser igualmente válida para as organizações populares/de massa ou sindicais, muito embora o Programa 2002-2007 da ON tenha contemplado dois sindicatos por curtos períodos. (326) Contudo, lamentamos que não tenha sido possível aprofundar essas experiências nos limites deste trabalho .

324 Muito embora este Fundo seja merecedor de destaque neste tipo de trabalho/envolvimento dessas OSCs, em que pesem alguns reparos e necessidades de melhoria. Não só em termos numéricos (embora não disponhamos do seu detalhamento), como também pela “persistência” do seu trabalho de vários anos, pela sua abrangência territorial e pela consistência de sua actuação (capacitação associada a apoio financeiro e à monitoria da implementação dos financiamentos, e.g.), pelos resultados obtidos ao longo de sua existência (e seu custo-benefício comparado com o de outras iniciativas). E, por fim, pela sua abordagem institucional colectiva e articulada (várias grandes ONGs actuando em parceria/consonância).

325 Infelizmente, a rapidez deste trabalho, os limites metodológicos que ele possui, a falta de dados/registos actualizados e a pouca organização da informação da maioria das ONGs dificultam uma visão global desse envolvimento.

326 Foram financiados dois projectos (5%), respectivamente com o SINPROF (2005-2006) e o SJA (2003-2004), num valor total equivalente a pouco mais de 1% dos recursos mobilizados no período (9,9 milhões de Euros) (vd. detalhes no anexo IVa).

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Tabela 8.5: Exemplos e evidências de contribuição para resultados e mudanças na área do SCO 4.1 (eixo b)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

b) Participação

social e política da

SC organizada

(Contribuição para o reforço institucional da SC e suas OSCs e incentivo ao seu protagonismo social)

• ACORD: Os maiores resultados neste domínio parecem ter sido obtidos pelo antigo projecto

ANG6 (1998-2002), que chegou a atingir cerca 80 a 90 ONGs do Sul de Angola (cerca de 50%

das OSCs existentes na região em 2002). Dessa actuação, anterior a 2002, se originaram as

33 parcerias e, dentre estas, as 27 ONGs que iriam ser as mais consolidadas pelo apoio da

ACORD às OSCs do Sul nos anos cobertos por esta avaliação (em colaboração com o apoio

financeiro FUPEP da ADRA): capacitação, domínio de metodologias e conceitos, elaboração e

execução de projectos, etc. Segundo a equipa da ONG, comprovam esses resultados a

trajectória profissional e o protagonismo de mais de duas dezenas dessas ONGs emergentes

ainda activas no momento da avaliação (algumas delas sendo parceiras da ON). Estas

estariam na base de inúmeros resultados e mudanças sociais importantes na região Sul em

vários domínios: inserção de refugiados e aumento da capacidade produtivas dos pequenos

produtores rurais, comercialização e geração de renda rural, etc.

A estes resultados, poder-se-iam adicionar os ganhos no protagonismo social das OSCs rurais

criadas através do PGDR (com o apoio indirecto da ON): entre 2005-2006 teriam, segundo a

ONG, sido criados cerca de 75 grupos comunitários e associações embrionárias em 10

localidades da Huíla, Bié e Cunene. Ou mesmo adicionar a actuação da ACORD no âmbito de

mais de uma dezena de núcleos de trabalho, consórcios e redes de ONGs nacionais e

internacionais. Contudo, não foi possível obter mais evidências ou aprofundar a realidade

actual e os resultados concretos destas outras actuações da ACORD neste eixo temático (na

área do VIH/SIDA, ver capítulo 7; sobre a temática fundiária, vd. 8.6.3).

Por outro lado, grande parte desta contribuição ao protagonismo das OSCs polarizou-se mais

no “como fazer” do que no “como pensar ou se relacionar”. Isso teria dificultado a construção

da visão estratégica, capacidade de análise e compromisso social colectivo que são imprescin-

díveis para operar mudanças profundas e sustentáveis nos contextos sociais e económicos

trabalhados por essas ONGs. Além disso, constatamos que a ACORD Angola, nos últimos

anos, reduziu sua actuação neste eixo (razões de estratégia decididas à escala continental).

• ADRA(H): Pode-se considerar que as actuações mais destacadas neste eixo prendem-se com

dois projectos (Gambos e FUPEP), muito embora os 3 programas de apoio institucional

(financiados pela ON entre 2002 e 2007) tenham se traduzido igualmente em algumas acções

neste âmbito (mas estas foram mais difusas e de difícil avaliação dos resultados).

No caso dos Gambos, essa actuação é antiga (data da década de 1990) e teve continuidade

em 2002-2005, com o reforço da capacidade institucional/operacional de mais uma dezena de

OSCs do município (inclusive, com apoio do FUPEP). No momento da avaliação, embora a

ONG já tivesse reduzido sensivelmente sua presença nos Gambos, pelo menos 7 dessas

ONGs continuavam actuantes (e integravam o Conselho Municipal de Concertação Social).

O FUPEP representou, sem dúvida, um dos maiores sucessos de apoio técnico-institucional e

financeiro para a capacitação inicial e arranque das actividades de campo da maioria das

ONGs emergentes do Sul de Angola. No período 2002-2007 esse fundo -- criado com o apoio

da Holanda/DRA em meados da década de 1990 e sob a coordenação da ADRA desde 1999 –

forneceu capacitação básica a cerca de 150 ONGs das 3 províncias do Sul (quase 80% delas

da Huíla) e financiou 124 projectos implantados por cerca de uma centena delas. Esses

financiamentos, contudo, polarizaram-se nos 3 primeiros anos desse período (70% realizados

em 2002-2004), antes que o FUPEP tivesse seus financiamentos reduzidos.

Existem suficientes evidências de que essa talvez seja uma das experiências de “apoio de

arranque” às ONGs emergentes de maior sucesso no país, muito embora possam subsistir

algumas dúvidas sobre o nível de empoderamento social e sustentabilidade dessas ONGs.

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CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III ) Setembro 2008

224

Tabela 8.5: Exemplos e evidências... (continuação 01)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

b) Participação

social e política da

SC organizada

• ADRA(N): Na avaliação foram referidas várias actividades realizadas (abertura do cyber-café

do CID, criação da página-web, aquisição de material informativo para a sede e as antenas

provinciais, etc.). Contudo, não foram apresentadas suficientes evidências para corroborar os

resultados alegados. Nem tampouco ficou clara a relação desse projecto (ou a sua parte de

influência) com alguns dos “resultados” indicados. Por exemplo, maior participação das

comunidades nos fóruns municipais, ganhos na “capacidade de negociação das comunidades”,

maior capacidade de negociação e acesso a créditos bancários ou maior acesso à “informação

cívico-educativa e eleitoral” à escala nacional. O que, inclusive, seria de admirar da parte de

um projecto de recursos tão modestos. Em síntese, esses resultados ainda carecem de uma

avaliação mais apurada.

• DWA: Foram identificados indícios da contribuição da actuação da ONG nas periferias de

Luanda para ganhos de consciência das comunidades e grupos sociais envolvidos sobre sua

capacidade de actuação organizada e seus direitos sociais (acesso à educação e saúde

básicas). Sobretudo, devido ao processo de capacitação pelo qual essas OSCs passam para

ter acesso aos financiamentos e devido à experiência da implantação dos micro-projectos com

base na organização/mobilização colectiva. E em muitos casos (implantação de infra-estruturas

de saúde e educação, e.g.), também devido ao diálogo/negociação com as Administrações

municipais/locais para a implantação e a co-gestão desses micro-projectos. Se esses ganhos

de consciência e essas experiências práticas se traduziram na consolidação e na sustentabili-

dade dessas ONGs embrionárias, é uma área da avaliação que mereceria aprofundamentos.

Não foram encontradas, contudo, evidências de que essas experiências tenham evoluído para

influenciar políticas ou situações menos limitadas ou circunstanciais de gestão municipal

“participativa” ou mais “democrática”, com base no diálogo social e envolvimento das

comunidades locais (identificação de necessidades, decisão das prioridades de investimento,

co-gestão social dos serviços, etc.).

Tudo indica que ainda se está muito longe de influenciar a construção de uma outra “cultura” ou

modelo de planeamento e gestão das necessidades/investimentos sociais básicos nesses

municípios periféricos de Luanda. Ou até mesmo de uma opção mais sistemática/rotineira por

práticas de consulta social nesse intuito, de forma a racionalizar e optimizar o uso dos recursos

limitados do investimento social. Entre outras razões, devido à falta de “massa critica” dos

programas implantados (financeira, institucional, etc.) e ao seu limitado peso social/politico para

influenciar políticas no contexto desse municípios (vide análise em 7.3).

• HRW: Constatou-se que, no geral, a contribuição desta ONG ao empoderamento e consolida-

ção do protagonismo das ONGs dos DH em Angola foi muito modesta por várias razões, que

vão desde o modelo/padrão internacional de sua actuação (focada na advocacia e lobby internacionais) à natureza limitada das relações que ela desenvolveu com as ONGs angolanas

desde o início da década de 1990 (vide file na Volume II deste relatório).

Nesse contexto, a esperada expansão do seu apoio institucional às ONGs para algumas

capitais provinciais não ocorreu, a rede sobre “liberdade de expressão” não emergiu, suas

parcerias continuaram restritas e centradas em Luanda. Os resultados mais expressivos de sua

contribuição neste eixo temático envolveram a AJPD e a SOSH (estágios de capitação, apoio

metodológico, colaboração em estudos/relatórios sobre DH e sociais, “abertura de portas” junto

a entidades internacionais, etc.). Não obstante essas limitações, talvez resida justamente na

qualidade e na importância do trabalho desenvolvido com (ou por) essas duas ONGs parceiras

à escala nacional o maior destaque do apoio directo da HRW à consolidação e protagonismo

das ONGs angolanas (vd. SOSH abaixo).

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CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III ) Setembro 2008

225

Tabela 8.5: Exemplos e evidências... (continuação 02)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

b) Participação

social e política da

SC organizada

HRW (continuação): Por outro lado, não podemos esquecer que o foco das atenções desta

ONG em Angola (vd. tabela 8.4) está igualmente orientado para subsidiar a SC em geral, e as

ONGs em particular, com “munição investigativa” na área dos DH, da boa governação e da

transparência governativa. O que não deixa de ser uma importante contribuição ao protagonis-

mo da SC organizada (especialmente, das ONGs especializadas na defesa de direitos e no

aprofundamento da democratização do país) com base em informações e estudos aprofunda-

dos e na sensibilização da opinião pública mundial sobre temas estratégicos. Actuação essa

que é complementar à das ONGs nacionais e possui importância estratégica inegável. Pesem

embora as críticas à insuficiente consonância da sua “agenda” internacional com a da SC

angolana ou com relação ao seu excessivo “distanciamento” (ou sua articulação meramente

episódica) com as ONGs nacionais.

• OGB: O programa JOAI deste contraparte (no qual se concentrou nossa análise) já tinha sido

avaliado recentemente (2006). Aprofundando os aspectos de impacto dessa primeira avaliação,

encontramos poucas evidências de resultados claros que confirmassem uma forte contribuição

para o aumento do protagonismo das ONGs, especialmente no domínio em que esse programa

polarizou seu trabalho: capacitação das ONGs em advocacia social. Ou seja, além do seu

trabalho de geração de fluxos de informação temática (via e-mail), muito apreciados pelas

ONGs e instituições da APD, mas de avaliação quase impossível dos seus resultados reais

(vide avaliação do JOAI de Setembro 2006).

As poucas evidências que foi possível encontrar (em especial através de debates com algumas

das cerca de 80 ONGs envolvidas nessa capitação) (327) referem-se a resultados que não

dependeram principalmente dessa actuação do JOAI. Ou seja, foram de ONGs que, após essa

primeira experiência de sensibilização/capitação proporcionada pelo JOAI, se empenharam na

busca de outros apoios, aprofundamentos e colaborações (de outros projectos, doadores, etc.)

para conseguir consolidar seus conhecimentos e desenvolver experiências práticas e

capacidade assegurada nessa área da advocacia social.

Em conclusão, embora essa capacitação tenha contribuído de forma decisiva para sensibilizar

as ONGs, tenha representado a experiência-piloto mais abrangente e sistemática para divulgar

os princípios básicos da advocacia social no país (ferramenta essencial de trabalho em prol das

populações excluídas) ou para incentivar as primeiras iniciativas nesse domínio de muitas

ONGs angolanas, tudo leva a crer que o JOAI não logrou assegurar de forma conveniente o

acompanhamento do “processo de germinação da semente que plantou, o que limitou os

resultados finais da colheita, que poderiam ter sido muito melhores”. Pese embora o facto de

muitos observadores terem criticado o modelo e os procedimentos de advocacia social pelos

quais o JOAI optou. (328)

327 Estimativa considerando 7 dos 9 encontros de capacitação do JOAI (entre Março 2005 e Outubro 2006) sobre a temática advocacia social, para os quais foi possível obter detalhes. Essas 7 formações teriam envolvido cerca de 140 participantes (além dos facilitadores e organizadores desses encontros) de 80 diferentes ONGs de Luanda e outras 6 províncias (além de 5 entidades governamentais). Note-se que cerca de 80% das ONGs envolvidas nessas capacitações eram oriundas de 4 dessas províncias: Benguela (cerca de 24%), Malange (22,5%), Huíla (19%) e Bié (15%).

328 Esse modelo teria se inspirado demasiado no exemplo americano. Mesmo se esses críticos reconhecem que o JOAI procurou orientar o foco dessas acções de capacitação de acordo com as prioridades de advocacia identificadas pelas próprias ONGs, em função das necessidades das suas populações-alvo e em consonância com o contexto social e político das províncias e regiões de sua actuação.

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226

Tabela 8.5: Exemplos e evidências... (continuação 03)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

b) Participação

social e política da

SC organizada

OGB (continuação): Por outras palavras, não foram organizadas iniciativas de aprofundamento

da capacitação inicial (pelo menos, para as ONGs mais interessadas/actuantes); não houve

acompanhamento/aconselhamento eficiente para uma actuação ulterior das ONGs ou equipas

capacitadas com base nessa temática; não se desenvolveram espaços de articulação/concerta-

ção ou iniciativas para desenvolver o trabalho conjunto, a troca de experiências e as sinergias

entre essas ONGs/equipas (seja em nível nacional ou provincial/ local). Ou que não foram

suficientemente consideradas ou valorizadas as especificidades ou formas tradicionais de

“advocacia” existentes na sociedade angolana (como em todas as sociedades). O que poderia

ter enriquecido as modalidades práticas e aumentado significativamente a adequação e o

potencial de eficácia da advocacia das ONGs angolanas. (329)

Em síntese, predomina a opinião de que essa ausência de aprofundamento das capacitações e

de acompanhamento da sua aplicação prática ulterior representaram, sem dúvida, uma

oportunidade desperdiçada. Além disso, reduziram bastante o potencial de impacto ou

influência desse programa sobre o aumento e a qualidade do protagonismo social das dezenas

de ONGs envolvidas nos dois últimos anos de suas actividades (2005-2006).

• SOSH: Não foi possível aprofundar os resultados desta ONG neste domínio específico. Ou

seja, sua contribuição ao empoderamento efectivo das comunidades urbanas, em especial

através da sua auto-organização em Comissões de Moradores (CM). Muito embora tenha sido

indicada a existência de 16 dessas CM activas no momento da avaliação, não foi possível

(dentro dos limites metodológicos) encontrar evidências que atestassem o seu funcionamento

autónomo e vitalidade no seio das comunidades suburbanas. Também não foi possível atestar

ou aferir o nível de desenvolvimento da rede de CMs que a ONG previa organizar (Movimento para a Cidadania). (330)

Tudo indica que esta actuação foi seriamente afectada pelos constrangimentos da recente

evolução do ambiente político e institucional do país, desde princípios de 2007, em particular à

volta desta ONG). (331) As suas actividades de denúncia dos despejos/expulsões forçadas e de

defesa/advocacia de suas vítimas (consideradas demasiado críticas e frontais), tendeu a

dificultar o trabalho da sua equipa de activistas. (332) O que teve inevitáveis consequências

sobre a sua capacidade de mobilização e organização das comunidades e Comissões que

constituem o seu público-alvo.

Assim, devido aos limites que esse contexto político-institucional criou (entre outras razões),

não foi possível obter evidências que nos permitissem afirmar que o programa da SOSH já

tenha conseguido desenvolver uma actuação abrangente e alcançado os resultados visados na

área do desenvolvimento local/comunitário (“projectos comunitários”, “centros comunitários”,

“educação de adultos”, etc.). Podemos dizer o mesmo com relação à construção de processos

consolidados e sustentáveis de organização comunitária conduzidos pelas comunidades/CMs.

329 Na opinião de vários entrevistados. Inclusive, de pioneiros da advocacia social em Angola, na década de 1990, com destacado papel na defesa dos direitos fundiários das comunidades pastoris do Sul do país.

330 Inclusive, não tivemos a oportunidade de averiguar a divulgação das suas actividades através do Boletim Informativo previsto, nem os resultados dessa proposta do programa inicial da SOSH.

331 Ambiente caracterizado, pela maioria dos entrevistados, como “pesado”, estabelecendo um “clima amea-çador”, visando “dificultar as actividades” ou “ilegalizar a ONG à força”, etc.

332 A ponto de um de seus líderes e fundadores ter sido obrigado a ausentar-se temporariamente do país por razões que parecem ter a ver com sua segurança pessoal.

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8.6.3 “Direito e acesso à terra”

A partir da síntese dos resultados alcançados ou em perspectiva (vd. tabela 8.6), podemos constatar que os maiores sucessos das 4 ONGs mais actuantes no domínio deste eixo temático ocorreram na sua contribuição para (i) a divulgação e criação de consciência nacional sobre o tema. Vemos, por outro lado, que houveram vários constrangimentos e poucos resultados tangíveis com relação à sua contribuição para (ii) melhorar a nova Lei de Terras, em especial visando o reconhecimento dos direitos e a defesa do acesso à terra das populações mais pobres. Ou, ainda, (iii) para a facilitar a regularização efectiva das ocupações fundiárias informais/tradicionais da população rural e suburbana.

Divulgação e consciência social sobre o tema

Como dissemos, segundo as evidências que pudemos recolher, os maiores sucessos (ou resultados alcançados) deram-se com relação à intensa divulgação da questão de terras (iniciada por estes contrapartes desde a década passada). (333) Esta parece ter contribuído decisivamente para a construção de uma consciência social sobre a problemática fundiária, rural e urbana, à escala nacional (embora esta esteja mais presente nas populações das zonas urbanas), a qual ainda era praticamente desconhecida em Angola no início da década de 1990. (334)

Assim, pode-se dizer que foi graças à mobilização do movimento social sobre este tema (ONGs, igrejas, partidos, media, etc.) -- para a qual contribuição destas 4 ONGs e suas parceiras (335) foi pioneira, inovadora e vital --, que a questão da terra passou a integrar a agenda política e as consciências do país. Sendo importante sublinhar que esses resultados resultaram do trabalho conjunto das ONGs que abraçaram essa temática ao longo de mais de uma década (1996/1997-2007). E o qual foi incentivado por inúmeros doadores além da ON. Confirmando, mais uma vez, que a obtenção de mudanças substantivas é quase sempre um processo continuado e de amadurecimento no longo prazo.

Lei de Terras e reconhecimento de direitos

Obtivemos, igualmente, suficientes evidências de que os resultados foram mais mitigados na contribuição destas ONGs e suas parceiras para influenciar as políticas públicas, sobretudo o recente processo de revisão da legislação (nova Lei de Terras). O que ocorreu a despeito do intenso trabalho destes contrapartes para a mobilização da SC, as OSCs e seus aliados (incluindo ONGs e outras entidades internacionais) com vistas a estudar, negociar e

333 Lembramos que entre os contrapartes avaliados contam-se as ONGs pioneiras do trabalho com essa temática em Angola (denunciando os primeiros conflitos de terras), tanto no meio rural (ACORD e ADRA, em meados da década de 1990) quanto no meio urbano e peri-urbano (SOSH, no início desta década).

334 Mesmo se em algumas das zonas rurais em que estes contrapartes actuaram essa consciência está igualmente desenvolvida. Sobretudo no meio dos pastores da região Sul, para cujas comunidades a garantia de acesso às zonas de pastagem e pontos d’água são vitais. Mas, infelizmente, essas são mais as excepções do que a regra.

335 Destacando-se cerca de duas dezenas de ONGs membros das redes por elas incentivadas (Rede Terra nacional e Consórcio Terras da Huíla, principalmente).

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melhorar o ante-projecto e, mais tarde, também o diploma legal aprovado pelo Governo (em especial, para garantir, nesse nova Lei e seu regulamento, o reconhecimento e defesa dos direitos à terra das populações mais pobres e dos segmentos sociais mais excluídos).

Com efeito, mesmo se é necessário reconhecer alguns avanços e ganhos de qualidade com relação à proposta inicial (mais sensibilidade e disposições para facilitar a regularização das terras das comunidades rurais sem essa tradição, reguladas por tradições e leis costumeiras, e.g.), esses foram insuficientes ou “quase pífios diante das reivindicações e propostas da sociedade civil” sic. Conforme se analisou em 8.4, essas “conquistas” de quase 6 anos de mobilização das ONGs (2002-2007) não configuram garantias suficientes de que o acesso à terra (especialmente às que possuem melhor aptidão agrícola) esteja garantido às populações rurais ou suburbanas menos endinheiradas e/ou com menos influência ou “acesso aos corredores” do poder político-administrativo.

Entre estes possíveis “excluídos” do acesso às melhores terras por razões de status social, destacam-se as mulheres, talvez as grandes “esquecidas” pela nova legislação (vd. box 8.4). O que não deixa de ser uma flagrante demonstração da insuficiência de resultados qualitativos de mudança nesta área.

Legalização das terras

Por último, com relação à regularização das terras (legalização das situações de posse/uso informal das terras das populações rurais e urbanas durante o período avaliado), não tivemos evidências de que as ONGs tenham contribuído para que esse processo avançasse de forma substantiva à escala global do país. Embora algumas das ONGs avaliadas (ACORD, ADRA e SOSH, sobretudo) tenham desenvolvido esforços/acções para mediar vários conflitos de terras durante todo o período aqui avaliado, e até obtido alguns sucessos, essas acções deram-se em escala relativamente modesta e esporadicamente (ou seja, sobretudo nas regiões foco de suas actividades, como vimos).

Todavia, esse resultado já era previsível. Por um lado, porque seria esperar demasiado do pouco peso político e social relativo dessas ONGs numa questão desse tipo, que envolve grandes interesses à escala nacional e internacional; ou com relação à qual a política do Governo tende a pautar-se pela intenção de “evitar criar antecedentes ‘desfavoráveis’ influenciadores desse processo” (sic). Por outro, e talvez principalmente, devido à lentidão na elaboração da regulamentação final da Lei, que se prolongou durante os últimos 3 anos. O que manteve as ONGs numa expectativa de introdução de melhorias na legislação que não se concretizou. Essa demora (33 meses, exactamente) é vista hoje como inexplicável em vista das poucas alterações de fundo que dela resultaram (causando alguma frustração nas ONGs). (336) Em todo caso, essas “indefinições” legais acabaram por inibir a actuação das ONGs com relação ao processo de regularização efectiva das terras (vd. análise a seguir).

336 Todavia, os mais críticos afirmam ter sido calculada pelo Governo em função de sua agenda eleitoral. Para evitar que o prazo limite da regularização de terras (e os inevitáveis conflitos previstos) não ocorresse (e não viesse a desgastar o Governo) em plenas eleições presidenciais.

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Alguns resultados (ainda indefinidos) poderão advir de um outro tipo de situações identifica-das, graças à actuação das ONGs avaliadas, entre outras. Ou seja, abundam as evidências que parecem comprovar situações conflituosas mais ou menos “congeladas”, à espera de melhor definição política. Os exemplos mais numerosos ocorrem na periferia de Luanda e na região da Huíla (não só porque foram onde mais actuaram as ONGs avaliadas, mas também porque foi onde as populações demonstraram maior combatividade na defesa de seus direitos à terra). Mas essas verdadeiras “moratórias” (na expulsão das populações, na ocupação de seus territórios, etc.) tanto poderão dar lugar a soluções negociadas, como a novos conflitos abertos e demonstrações de truculência policial (ou “privada”, como no caso dos Gambos) amanhã, dependendo das conveniências da agenda eleitoral do Governo e do fluxo dos investimentos privados para o campo. A esse propósito, os planos governamentais para favorecer o desenvolvimento empresarial/capitalista no meio rural (com sérias e profundas implicações sobre a gestão do capital terra produtiva do país), permitem antever esse risco com pouca margem de erro.

Regularização das terras: oportunidade perdida?

Por fim, ainda sobre esta legalização, compete apontar uma grave insuficiência ou possivel “oportunidade perdida”: a fraqueza da mobilização das ONGs (as avaliadas e suas parceiras) para a construção (elaboração da proposta, busca de parceiros, captação/negociação de recursos, etc.) de uma campanha massiva, à escala nacional, destinada a facilitar a regulari-zação das terras das populações rurais e suburbanas do país (sobretudo, das mais modestas e/ou estabelecidas nas zonas mais inacessíveis, que correm o risco de ficar fora desse processo).

Sobretudo considerando que uma iniciativa dessa natureza, para ter eficácia, terá que incluir estudos preliminares que consumem muito tempo e poderiam (deveriam) ser iniciados antes mesmo da regulamentação final da Lei. Tais como: o estudo sistemático das práticas costu-meiras e dos direitos fundiários familiares/comunitários ancestrais; o levantamento exaustivo das situações de posse/ocupação não formalizadas dessas populações, etc. Dessa forma evitar-se-ia que ao término do período-limite legal para a regularização das ocupações informais de terra, que são a situação mais comum das populações rurais e suburbanas, esses ocupantes se encontrassem na “estaca zero” desse processo (como era praticamente o caso em fins de 2007).

Nada impediria, por fim, que uma das principais vertentes de trabalho dessa campanha fosse o desenvolvimento de esforços para construir alianças institucionais e desenvolver acções de lobby e advocacia social visando aprimorar muitas das disposições legais já aprovadas e regulamentadas, inclusive alargar o período de 3 anos fixado para a regularização fundiária.

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Tabela 8.6: Exemplos e evidências de contribuição para resultados e mudanças na área do SCO 4.1 (eixo c)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

c) Direito e acesso

à Terra

(Contribuição para o reconhecimento dos direitos fundiários, o acesso à terra e a legalização da posse/uso das terras das populações rurais e urbanas)

• ACORD: Esta ONG foi uma das pioneiras da actuação sobre esta temática fundiária,

juntamente com a ADRA, em especial na região Sul (Gambos). (337) Da evolução dessa

actuação, em parceria com várias ONGs e outras entidades, viria a resultar a criação do Fórum

Terras (1999-2002), mais tarde (2003) substituído pela Consórcio Terras da Huíla, e até uma

influência decisiva na criação da Rede Terra nacional (Novembro 2002).

Em termos mais pragmáticos, resultaria também um certo sucesso na divulgação, tomada de

consciência e abertura de espaço na agenda política nacional (pelo menos, até às próximas

eleições) para a “questão de terras” no país, uma das mais candentes e explosivas. Nos

Gambos, por exemplo, essa evolução -- e os ganhos de consciência social que ela induziu --

permitiu que populações pastoris tradicionais paralisassem momentaneamente a delimitação

oficial das terras da região (que não considerava seus direitos colectivos históricos). O que não

significa, entretanto, o fim definitivo do escândalo das ocupações e regularizações abusivas de

terras pelos grandes “fazendeiros” (leia-se, pela elite do país) que ocuparam as antigas

herdades e fazendas ganadeiras coloniais. (338)

A contribuição com relação ao reconhecimento e regularização da posse/uso real da terra pelas

populações rurais, contudo, dependeu directamente do trabalho realizado, por essa ONG e

dezenas de ONGs parceiras, à volta da problemática fundiária e da sua nova legislação durante

o período aqui avaliado. (339) Nesse contexto, encontraram-se suficientes evidências da intensa

mobilização social e participação da ONG e suas parceiras nesse debate nacional, amiúde

liderando-o à cabeça de agrupamentos da SC mais amplos (Consórcio Terras e Rede Terra,

e.g.), e com especial destaque na região Sul.

Entretanto, como já analisado no contexto deste capítulo, não se encontraram evidências de

resultados globais práticos muito prometedores decorrentes de toda essa actuação. Seja em

prol da discussão e divulgação da nova legislação, da consciencialização das administrações

locais e comunidades (às vezes, facilitando a regularização das suas terras), ou em acções de

advocacia social para influenciar melhorias na regulamentação final (2007).

Não obstante seja necessário reconhecer na legislação aprovada (com relação à proposta em

2002) alguns ganhos de qualidade e de sensibilidade para com as comunidades rurais sem

tradição de regularização formal das suas terras, a legislação finalmente regulamentada (2007)

continua a apresentar inúmeras omissões, indefinições e falhas graves (vide análise em 8.4).

Nesse contexto, dificilmente se poderia concluir que esta ONG, como todas as suas parceiras,

obtiveram impactos significativos na legislação aprovada ou que seu trabalho conseguiu

contribuir para resultados sensíveis e sustentáveis que garantam os direitos das populações

rurais e urbanas mais pobres (e com capacidade de influência limitada nas instâncias do

Governo que encarregadas de aplicar a lei), especialmente das mulheres.

337 Esse trabalho teve início (1995) com a Pesquisa Hidro-Pastoril do Município dos Gambos (Huíla), que viria a dar origem à conferência Poder e Terra (1996), precursora dos debates sobre essa temática.

338 Com já se analisou (vd. contexto descrito no capítulo 6 e em 8.4), uma leitura menos ingénua das diversas medidas da política oficial para o sector agrário empresarial (leis, projectos, financiamentos, etc.) permite antecipar que essa tendência irá se acentuar nos próximos anos, para permitir a emergência do capitalismo agrário “nacional”. Havendo fortes probabilidades para que sejam “engavetados” a maioria dos actuais processos de revisão de títulos nas regiões mais visadas por essa politica (sua legalidade, sua área real, etc.).

339 Como vimos, foi exactamente nesse ínterim que o novo diploma legal da terra foi discutido (2002-2004), aprovado (2004) e regulamentado (2007).

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CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III ) Setembro 2008

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Tabela 8.6: Exemplos e evidências... (continuação 01)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

c) Direito e acesso

à Terra

• ADRA(H): De uma certa forma, toda a análise anterior (vd. ACORD) é igualmente válida para a

ADRA Huíla, cujo papel foi igualmente decisivo para divulgar a problemática fundiária em

Angola desde meados da década de 1990, incentivar a criação das redes temáticas ou criar

uma maior consciência nacional na matéria.

Esta ONG foi igualmente muito activa no trabalho desenvolvido -- seja individualmente, seja

com as ONGs parceiras das redes provincial (Consórcio Terras) e nacional (Rede Terra) que

ela ajudou a criar -- em especial, na divulgação e discussão das questões fundiárias nas

diferentes etapas de preparação da nova legislação (ante-projecto, Lei de Terras e sua

regulamentação); inclusive, através da participação da ADRA nacional na realização de

estudos-piloto sobre a situação fundiária em algumas províncias.

Tem tido igualmente uma actuação destacada nas acções de advocacia social a favor dos

direitos costumeiros das populações rurais ou intermediando diferentes conflitos de terras a seu

favor -- tanto no exemplo dos Gambos já mencionado (vd. ACORD), como em outras regiões

da Huíla. Como, por exemplo, em Maboto (2002-2005), Mapunda (2003) e Matala (2005), onde

essas iniciativas envolveram mais de duas centenas de famílias e evitaram a espoliação de

suas terras (vide file ADRA no Volume II deste relatório).

A análise que poderíamos fazer sobre resultados globais práticos e a contribuição desta

actuação da ADRA é sensivelmente a mesma que foi feita acima para a ACORD.

• Rede Terra (RT): Embora criada tardiamente (fins de 2002), por iniciativa de uma dezena de

ONGs (sob forte influência das agências internacionais da APD), esta rede foi igualmente

essencial para articular/coordenar o trabalho de duas dezenas de ONGs à escala nacional

sobre o tema (em particular, graças à participação de ONGs com forte experiência e “peso”

histórico e social no seu seio, como a ACORD e a ADRA, como vimos acima).

Evitar-se-á reproduzir aqui as análises sobre a sua actuação, as quais pouco diferem das da

ACORD e da ADRA acima. Pese embora o facto de que, pela sua própria natureza de rede

(portanto, com funções primordiais de articulação institucional e de acções à escala nacional), a

RT jamais acumulou grande experiência/perícia de campo ou de diálogo com a base rural/

camponesa dessa temática (uma de suas fraquezas).

Por outro lado, ultimamente sua actuação vem registando um certo declínio, tanto por razões

conjunturais (clima de medo e de desinteresse entre algumas ONGs face a enjeux muito

politizados como esse, que envolve altos interesses e personagens do país), quanto ligadas ao

seu próprio desempenho. As críticas mais recorrentes mencionam o seu insuficiente diálogo,

articulação ou incentivo à actuação das outras ONGs, sobretudo das províncias, ou a tendência

à competição por recursos/projectos com essas ONGs. (340) Ou a falta de iniciativas para

desempenhar seu papel articulador/facilitador das ONGs emergentes que queiram desenvolver

uma actuação consistente, que vá muito além do “denuncismo” dos últimos anos. (341)

340 O que, diga-se de passagem, tem sido fortemente facilitado (senão induzido) pelas agências internacio-nais da APD, mais preocupadas em centralizar/racionalizar os financiamentos e as respectivas sacros-santas “prestações de contas”, do que em alargar e aprofundar a actuação das OSCs à escala nacional sobre essa temática que, ainda por cima, é política e diplomaticamente “delicada” no contexto actual.

341 Por exemplo, organizar um centro de pesquisas/documentação articulado com um fundo financeiro espe-cializado, destinado a incentivar não as suas actividades ou as de um reduzido grupo (tendência actual), mas sim as inúmeras pequenas ONGs nacionais (estudos de campo, campanhas de informação, etc.). Ou uma campanha massiva de longo prazo, coordenada por um consórcio de ONGs competentes mas alargada às demais, para estudar (práticas/direitos costumeiros, formas de gestão colectiva das terras, inclusão das mulheres, etc.), delimitar e regularizar/proteger as terras comunitárias à escala nacional.

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Tabela 8.6: Exemplos e evidências... (continuação 02)

Resultados e mudanças (eixos)

Alguns testemunhos e exemplos de evidências de resultados e mudanças

c) Direito e acesso

à Terra

• SOSH: A actuação desta ONG foi vital para divulgar a problemática e alargar o debate da

questão fundiária urbana no país com base nos conflitos ocorridos nas periferias de Luanda a

partir de 2001/2002. Nesse sentido, sua actuação teve o mesmo significado histórico que as da

ACORD e da ADRA, em meados da década de 1990, para lançar o debate sobre a terra rural

em Angola, com base no exemplo dos Gambos.

Entre 2002 e 2007 esta ONG esteve envolvida (como defensora) em mais de três dezenas de

casos de desrespeito flagrante dos direitos à terra e à moradia condigna das populações

pobres de quatro municípios de Luanda. Estes casos envolveram destruição de residências

familiares, despejos colectivos forçados e expulsão de milhares de famílias pobres para

periferias mais distantes e menos cobiçadas pela elite, empresários e especuladores fundiários

de todos os tipos. (342)

Existem suficientes evidências de que o trabalho dessa ONG (com o apoio de várias entidades

parceiras) contribuiu decisivamente e de várias formas para conferir visibilidade social e política

a essas situações, forçando a inclusão da problemática fundiária urbana na agenda política e

social do país. Tal deu-se através da denúncia sistemática dessas ocorrências através da rádio

e dos jornais (pelo menos, sempre que tal era possível), de sua presença constante no terreno

(para organizar as famílias, apoiar a criação de Comissões de Moradores, intermediar as

negociações com as Administrações locais e outras autoridades, etc.) ou desenvolver acções

de advocacia, em parceria com outras ONGs e entidades internacionais (o sistema das NU,

e.g.), para defender os direitos dessas populações, evitar várias expulsões, negociar

indemnizações, etc. Um dos momentos fortes dessa actuação, inclusive com a propulsão do

debate para as páginas dos jornais de vários países, (343) deu-se em decorrência da parceira

com a HRW e a publicação do relatório “Eles partiram as casas” (Maio 2007), elaborado a partir

de pesquisas detalhadas sobre quase duas dezenas desses casos.

Não obstante esse trabalho intenso, para o qual a SOSH mobilizou inúmeras parcerias, não

pudemos obter evidências de mudanças significativas nas politicas púbicas atinentes a essa

problemática global, a começar pela nova legislação fundiária (igualmente aplicável às terras

urbanas) e seu pouco caso pelos direitos adquiridos (usucapião) ou pela realidade urbana. (344)

No máximo, algumas administrações municipais, pressionadas pela opinião pública e sensíveis

ao momento político “pré-eleitoral” que o país vive desde 2006, alteraram seu comportamento

agressivo inicial. Na época da avaliação, prevalecia uma certa “moratória” nas expulsões, as

administrações já admitiam dialogar e negociar com as Comissões de Moradores ou davam

início a processos de indemnização (embora mais simbólicos do que reais), etc. O que

dificilmente poderá ser considerado como um reconhecimento de direitos ou um avanço

significativo no processo de regularização das terras urbanas muito sustentáveis.

342 Cacuaco, Kilamba-Kiaxi, Samba e Viana. A partir de um levantamento aproximado dos 27 principais conflitos colectivos acompanhados pela SOSH entre 2002 e 2007 (deixamos de lado os que envolveram apenas algumas famílias), ocorridos nos bairros desses quatro municípios, podemos estimar que eles atingiram cerca de 13,7 mil famílias e 7,1 mil “camponeses” (pequenos produtores rurais peri-urbanos). Esses conflitos concentraram-se no período 2002-2005 (89% dos conflitos e 70% das famílias envolvidas) e nos bairros de Kilamba-Kiaxi (48% dos conflitos, 90% das famílias e 74% dos camponeses envolvidos). Note-se que só nos 4 conflitos identificados em 2003 foram envolvidas 60% do total das famílias.

343 Muito embora essa situação já viesse sendo denunciada e propulsada para os media internacionais desde finais de 2003, pela actuação da Amnesty International (vd. AI, 2003; AI, 2007).

344 É provável que mais de 95% das famílias urbanas e peri-urbanas não possuam qualquer documento formal sobre as casas/terrenos que ocupam ou alugam ao Estado (não raramente, há dezenas de anos).

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9. CONTRIBUIÇÃO DA ON PARA OS RESULTADOS

9.1 Influência da contribuição financeira da ON Não foi possível ponderar, de forma sistemática, a importância da contribuição financeira da ON no programa de todos os 13 contrapartes considerados por esta avaliação. Além das limitações de tempo, isso deveu-se igualmente às dificuldades para se obterem dados completos e/ou fiáveis sobre os financiamentos totais recebidos por essas ONGs durante o período aqui considerado. Ou, no caso das ONGs internacionais, sobre os financiamentos de seus programas em Angola. (345)

• Contribuição decisiva no Sul “histórico” e modesta nos meios urbanos

Todavia, considerando as 8 ONGs para as quais foi possível obter esses dados sistemati-zados de forma mais ou menos fiável (vd. tabela 9.1 a seguir) -- mesmo se essas informa-ções são parciais -- (346) podemos concluir que, em geral, essa contribuição foi muito significativa para a maior parte dessas ONGs. Globalmente, ela representou cerca de 43% dos recursos mobilizados por elas entre 2002 e 2007. (347)

A contribuição financeira da ON foi particularmente importante na Huíla (região “histórica” de sua implantação em Angola, como vimos), onde esse apoio cobriu cerca de 49% dos recursos das cinco principais ONGs apoiadas pela ON na região (ACORD, ADRA, ASD, PRAZEDOR e CLUSA). (348)

A análise desse apoio na região de Luanda (a sua segunda região “histórica”) parece confir-mar as dificuldades que a ON tem tido para diversificar seus contrapartes ou actuar no meio urbano e peri-urbano. Nessa região, sua contribuição financeira foi extremamente modesta, tanto com relação à problemática do acesso dos mais pobres ao fundiário urbano (SOSH), como do seu acesso aos serviços sociais básicos (DWA), duas das principais áreas em que o apoio da ON se focou. Em outros domínios, essa contribuição foi ainda mais modesta no meio urbano (micro-crédito para pequenos negócios, e.g.). (349)

Ou seja, os financiamentos da ON, embora importantes no CIP (36%), foram marginais ou praticamente irrelevantes no programa global da DWA (2,9%), cuja actuação está focada na

345 Com efeito, não foi possível obter dados globalizados sobre os financiamentos dos programas em Angola das seguinte ONGs: GW, HRW, Oxfam GB e Oxfam Intermón.

346 Por exemplo, faltam dados referentes ao ano de 2002 (ACORD e ASD, e.g). Alguns desses dados referem-se unicamente aos projectos financiados pela ON: CLUSA (Agromarket) e DWA (CIP).

347 Com a ressalva de que, em dois casos (DWA e CLUSA), estamos a considerar apenas os projectos financiados pela ON e não o programa global dessas ONGs.

348 Sublinhando-se que essas mesmas ONGs representaram cerca de 50% dos recursos financeiros totais da ON (financiamentos aprovados) mobilizados pelo Programa Angola no período 2002 – 2007.

349 Como é compreensível, não podemos aferir essa influência financeira em termos espaciais (rural/urbana) com relação a certas temáticas ( VIH/SIDA e DH/civis, e.g.), nas quais esse recorte espacial é mais impreciso. Contudo, não seria impróprio considerar que essas temáticas tendem a ter mais impacto nas populações urbanas (mais letradas, com mais acesso à informação, mais acessíveis ao trabalho das ONGs, etc.). Pese embora o carácter difuso e dificilmente mensurável desse impacto (considerando as características e limites desta avaliação).

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provisão de serviços sociais básicos nas periferias urbanas do país (moradia, saneamento, educação, saúde,...). Por outro lado, embora o modesto apoio financeiro da ON ao progra-ma da SOSH (23% dos seus recursos) tenha sido essencial para garantir a continuidade do trabalho dessa ONG nos últimos anos (2006-2007), ele só ocorreu numa fase de relativa acalmia ou refluxo dos conflitos e, por conseguinte, de menor activismo de campo da SOSH (vd. anexo IVa e file dessa ONG). (350)

Tabela 9.1: Contribuição financeira da ON aos seus contrapartes em Angola (2002 – 2007).

Contrapartes Oxfam Novib Outros doadores ONG Período Obs. US$ % US$ %

01 ACORD 2003 - 2007 1.221.598,95 31,89 2.609.107,99 68,11

02 ADRA Huíla 2002 - 2007 (1) 1.468.363.01 51.58 1.378.496.54 48,42

03 ADRA Nacional IND IND IND IND IND

04 ASD 2003 - 2007 (2) 828.014,36 67,36 401.190,58 32,64

05 CLUSA 2005 - 2007 (3) 375.005,00 93,45 26.296,00 6,55

06 DWA 2002 - 2006 (4) 896.654,00 36,37 1.568.715,00 63,63

07 GW IND (5) IND IND IND IND

08 HRW IND (6) IND IND IND IND

09 Oxfam GB IND IND IND IND IND

10 Oxfam Intermón IND (7) IND IND IND IND

11 PRAZEDOR 2002 - 2006 513.707,12 65,39 271.951,18 34,61

12 Rede Terra 2003 - 2007 (8) 165.460,00 17,09 802.474,77 82,91

13 SOS Habitat 2003 - 2007 56.190,00 22,78 190.495,65 77,22

Fonte: Dados fornecidos pelas ONGs (Out – Dez 2007). Vide detalhes nos files (dados por doador e taxas de câmbio, e.g.). IND: Informações não disponíveis nos files da avaliação do contraparte; (1) Não obtivemos informação s/ os recursos recebidos no ano de 2002. Esta ONG não recebeu mais de 1/3 dos recursos

aprovados pela ON referentes ao período 2003-2007; (2) Não obtivemos informação s/ os recursos recebidos em 2002. Inclui 1 financiamento da ON de 2008 (172,5 mil US$); (3) Considerou-se apenas o projecto Agromarket do Norte da Huíla; (4) Consideramos apenas o CIP. Na sua totalidade, os financiamentos da ON desse período representaram cerca de 2,9%

do recursos totais captados por essa ONG junto aos seus doadores (0,89 milhões num total de 31,0 milhões de US$); (5) Não obtivemos informação sobre os recursos totais recebidos por esta ONG. Contudo, sabemos que os recursos da ON

representaram 3% do seu orçamento mundial entre 2003-2004 e focou-se nas componentes “diamantes” e “petróleo” (a contribuição anual da ON nesse período cobriu assim 13% dos custos mundiais destas duas componentes).

(6) Dados parciais indicam que a ON financiou 83% do Programa Angola desta ONG no triénio Abril 2002 – Março 2005; (7) Não obtivemos informação s/ os recursos totais recebidos por esta ONG. Contudo, sabemos que os recursos da ON

representaram a totalidade dos recursos do projecto do Huambo apoiado pela ON e executado pela ADRA (2002 – 2003); (7) Inclui dois financiamentos que se prolongam até 2008;

350 Esse exemplo da SOSH (apoio a partir de finais de 2005 a uma ONG com actuação temática estratégica que teve seu maior protagonismo social em 2003 e 2004) parece confirmar a análise feita por alguns dos nossos entrevistados que têm acompanhado de perto o Programa da ON em Angola. Eles consideraram que a presença intermitente e insuficiente da ON no terreno em Angola é geradora de alguma “inércia” ou de um importante handicap a tomar-se em conta. Pois essa característica, que pode ter tendido a aumentar com a “nova cultura institucional” da ON (e seu impactos colaterais indesejados: maior burocra-tização, menos tempo para o acompanhamento in loco, etc.), leva a que a ON tenha menos tempo de presença no terreno para acompanhar a evolução da realidade e também menos agilidade (do que as outras ONGs no terreno) para identificar ou “explorar” novas “janelas de oportunidades” (áreas de actuação, parceiros, etc.). Como disse um antigo responsável do programa da ON, “as outras organiza-ções (com presença no terreno) chegam mais cedo do que a ON a essas oportunidades” (25.06.2007).

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• Focos temáticos da possível influência decorrente dessa contribuição

A análise acima (e as características dos programas executados por essas ONGs) significa dizer que essa contribuição teve uma influência mais decisiva (mesmo se às vezes os seus resultados práticos em termos de mudanças sustentáveis foram modestos/limitados, como vimos nos capítulos 6, 7 e 8) no desenvolvimento de três temáticas principais: (i) desenvolvi-mento rural (tema que engloba o relançamento da produção camponesa e a segurança alimentar, acesso à terra rural, a organização dos produtores, o micro-crédito, comercializa-ção, etc.); (351) (ii) protagonismo das OSCs e pequenas ONGs das três províncias região Sul e (iii) prevenção e combate à epidemia do VIH/SIDA. Embora em menor medida, influenciou também a actuação/protagonismo das ONGs e uma certa tomada de consciência das populações e comunidades na (iv) área dos direitos (DH e civis). Com a predominância de todas essas influências na região Sul (em especial, na Huíla).

Em compensação, podemos igualmente inferir, a partir da análise desses números, que a influência do apoio financeiro da ON foi certamente mais modesta (por vezes quase incon-sistente) nas áreas do (v) o direito/cesso aos serviços sociais básicos (saúde e educação) das populações pobres suburbanas (periferia de Luanda) ou do (vi) acesso à terra urbana.

• Influência a nível dos programas das ONGs/contrapartes

Embora de forma algo linear e, portanto, extrapolada, podemos tirar algumas outras ilações interessantes a partir dessa configuração dos financiamentos da ON em Angola. Ou seja, transformando a importância do apoio financeiro da ON em indicador de uma possível influência orientadora nos programas dessas ONGs (focos de actuação, estratégias e meto-dologias de trabalho, etc.). Esse exercício permite concluir sobre três possíveis níveis de influência desse tipo nos programas dessas ONGs: (352)

Forte influência da ON nos programas de três ONGs locais (ADRA, ASD e PRAZEDOR), cujos portfolios mostram uma comparticipação financeira da ON que varia entre 51% e 67%, e cujas modalidades de actuação parecem ter registado uma forte influência das estratégias e modus operandi da ON (vd. análise a seguir). A estas, poder-se-iam adicionar as duas ONGs não sediadas em Angola e que actuam principalmente na arena internacional (GW e

351 Temática essa igualmente apoiada pela actuação da Rede Terra à escala nacional. Muito embora o peso financeiro da ON tenha sido relativamente modesto com relação ao financiamento da actuação dessa rede (17%). O maior peso veio dos financiamentos da União Europeia a essa temática (39%).

352 Infelizmente, não foi possível obter dados financeiros globais (sobre o programa global no período 2002-2007) da parte de quatro ONGs: CLUSA (temos dados apenas sobre o projecto Agromarket, que é um projecto financiado praticamente pela ON), OGB (não dispomos de dados globais, apenas do JOAI) e Oxfam Intermón (não dispomos de dados globais). Por fim, o projecto CID (que é um projecto modesto e parece ter sido totalmente financiado pela ON) é relativamente marginal e irrelevante no conjunto dos financiamentos da ADRA Nacional à qual ele está ligado (não sendo pertinente inferir qualquer influência global a partir dessa acção).

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HRW), cujos programas em Angola foram quase totalmente suportados pelo apoio financeiro da ON. Pelo menos, desde finais da década de 1990. (353)

Contudo, se no caso da HRW existem evidências de uma certa influência da ON no progra-ma Angola dessa ONG, (354) no caso da GW essa influência (no programa Angola) parece ter sido relativamente menor ou mais difusa. Neste caso, a influência da ON decorreu mais da sua estreita parceria com a GW à escala internacional, focada na área da transparência/ extractivos e envolvendo campanhas e iniciativas supra-nacionais (EITI e PK, e.g.); (355)

Influência equilibrada da ON no programa da ACORD (comparticipação financeira da ON de 32%). (356) Cabendo sublinhar, contudo, que isso deveu-se a condições conjunturais que dificilmente se reproduzirão no futuro: forte comparticipação dos programas do Banco Mundial (PGDR) no programa global dessa ONG (46%). Bem como a uma estratégia de programas de país da ACORD cada vez mais alinhados com a “estratégia continental imposta de cima para baixo” (sic) com alguma rigidez pela ACORD Internacional. (357)

Fraca influência da ON nos programas da DWA (2,9% ), da Rede Terra (17%) e da SOSH (23%) -- muito embora a participação financeira da ON seja significativa no programa CIP da DWA (36%) ou na actuação da SOSH no biénio 2006-2007, como já sublinhamos. Por exemplo, não obtivemos evidências de que a ON tenha conseguido influenciar um certo padrão de actuação da DWA no programa CIP (padrão esse visto por alguns observadores como muito “constructivista” ou “focado na prestação de serviços”), (358) de forma a evitar que o CIP se polarizasse em aspectos organizacionais, logísticos ou de serviços (para assegurar a construção e o funcionamento de infra-estruturas, e.g.) e pudesse trabalhar com mais eficácia para obter resultados de mudanças sociais/institucionais. Por outras palavras,

353 Por exemplo, a ON financiou 83% das necessidades do Programa Angola da HRW no triénio Abril 2002 – Março 2005.

354 Com efeito, o programa da HRW é certamente um exemplo de uma certa influência da ON e até mesmo de suas possíveis contradições. Em especial, com as repetidas tentativas de reforçar a actuação dessa ONG em Angola numa vertente de trabalho para a qual ela parece estar menos preparada: um apoio directo ao reforço institucional e à capacitação das ONGs locais da área dos direitos (DH, civis, etc.). Como vimos, os resultados dessa relativa inovação no padrão de actuação da HRW nem sempre deram os resultados animadores que se esperavam (vd. capítulo 8). O que pode, inclusive, ter sido agravado pela pouca agilidade das decisões financeiras da ON, que dificultaram o programa de actividades desta ONG em Angola durante todo o ano de 2005 (vd. detalhes em 4.2).

355 Com relação ao ano de 2007, por exemplo, a contribuição da ON, embora representando uma modesta parte do orçamento mundial da GW, cobriu cerca de 1/3 da sua actuação à escala internacional sobre o tema da transparência da economia petrolífera.

356 Excluindo-se os recursos transferidos pela ON (para a ACORD Internacional), mas que ficaram retidos em Nairobi (vd. análise detalhada no file dessa ONG).

357 Com risco do programa de país da ACORD deixar cada vez mais de lado áreas onde esta ONG investiu durante longos anos em Angola com bastante sucesso. Como no caso do apoio às pequenas OSCs e ONGs da região Sul, tema sobre o qual ela trabalhou por quase uma década com parceiros locais).

358 Ou seja, demonstrando mais preocupação pelo “activismo e a logística das construções” de infra-estruturas (e da organização da prestação de serviços dessas infra-estruturas) do que com a construção de processo de crescimento institucional das comunidades envolvidas e suas organizações nesses projectos de construção. Actuando assim, de certa forma, quase como uma brigada ou “departamento de obras/construção” das municipalidades onde actua ou dos ministérios sectoriais com os quais colabora.

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para que esse programa se servisse dessas infra-estruturas para dar maior atenção a objectivos e modalidades de “construção social” que têm um papel estratégico vital no incentivo a um processo de desenvolvimento sustentável -- a construção da capacidade, da autonomia e do protagonismo social das comunidades, OSCs e ONGs envolvidas pelo CIP.

Os exemplos do CIP e do FUPEP

Por fim, talvez seja interessante reflectir sobre dois exemplos de actuação dos contrapartes do Programa da ON em Angola que parecem ser emblemáticos dos contrastes que podem coexistir no seio do Programa Angola em vários aspectos importantes. Referimo-nos a dois programas co-financiados pela ON: o CIP (DWA) e o FUPEP (ADRA e parceiros). Embora esses dois programas possuam dimensões e focos bastante diferencia-dos que podem dificultar as comparações, (359) e mesmo se os limites desta avaliação não nos permitiram aprofundar o seu desempenho e resultados (e, portanto, sua avaliação talvez mereça uma atenção mais apurada), destacam-se algumas semelhanças e, sobretudo, alguns contrastes entre essas duas iniciativas. Os quais são bastante esclarecedores dos próprios contrastes do Programa Angola da ON, seja em termos da sua influência sobre os contrapartes, das suas abordagens práticas, dos seus resultados em termos de mudanças, do custo-benefício desses resultados, etc.

Seja como for, uma breve análise comparada entre essas duas iniciativas (vd. box 9.1) deixa claros indícios de que a influência da ON junto a seus contrapartes, decorrente da sua contri-buição financeira (com peso relativo quase idêntico nestes dois programas) nem sempre permite conferir suficiente coerência/consistência ao seu Programa global em Angola ou facilitar o aproveitamento das experiências/lições desse programa ao longo do tempo. Ou seja, apropriar-se da experiência adquirida numa região para retro-alimentar e apoiar seus financiamentos/projectos em outra região. O que é particularmente crucial na actual fase de expansão geográfica accelerada do Programa da ON em Angola (com implantação de acções em outras províncias através de OSCs/ONGs com pouca ou nenhuma experiência nos domínios estratégicos da ON).

Embora sob reserva de um estudo mais avisado -- e por mais provisória ou dependente de melhores aprofundamentos que seja --, essa análise já permite supor que podem eventual-mente co-existir níveis de custo-benefício dos resultados finais (em especial, em termos sociais/institucionais) muito contrastados nas acções do Programa. Ou que talvez alguns desses contrastes pudessem ser ajustados/reduzidos considerando o extenso período de tempo de implementação dessas acções (mais de 6 anos).

Experiência do Programa da ON e processo de refinação/aprendizagem

359 Pelo menos na prática, estes parecem ter sido mais direccionados para a organização de condições para a provisão de serviços sociais básicos no meio suburbano de no caso do CIP (com forte predominância da construção e operacionalização das infra-estruturas de saúde e da educação). E mais “abertos” no caso do FUPEP (micro-projectos das ONGs emergentes sem foco temático pré-definido, indo dos serviços de saúde e educação, à informação/combate do VIH/SIDA, ao relançamento da produção artesanal e rural, à instalação de famílias deslocadas, etc.).

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A questão maior subjacente a essas constatações provisórias prende-se com as estratégias que devem ser adoptadas para se evitar esse tipo de situações contrastadas no futuro. Em particular, a de saber qual deveria ser a estratégia da ON para encontrar novas parcerias locais capazes de “absorver” seus financiamentos de forma significativa (quantitativamente falando) e os utilizar com maior eficácia de resultados possível (qualitativamente falando).

Box 9.1

Semelhanças e contrastes: CIP e FUPEP

Sobre as semelhanças, podemos dizer que em ambos os casos, tratou-se de prover o financiamento de micro-iniciativas de pequenas OSCs e ONGs comunitárias, seja no meio urbano (CIP) ou nos meios urbano e rural (FUPEP). Da mesma forma, ambos apostaram pesado na selecção/capacitação preliminar das entidades candidatas aos seus financiamentos com bons resultados (qualidade dos micro-projectos financiados, e.g.). Por outro lado, a comparticipação financeira da ON foi quase idêntica nesses dois programas: rondou os 33% (FUPEP) e os 36% (CIP). (360) Percebem-se, ainda, algumas semelhanças na forma de gestão global desses dois programas, embora ela tenha sido assumida de forma mais compartilhada no caso do FUPEP. (361)

Sobre os contrastes, destacam-se os objectivos meio dos micro-projectos financiados por ambos os programas, uma grande disparidade entre os montantes financeiros mobilizados nos períodos aqui considerados e (362) uma quantidade de projectos financiados nesses seis anos bastante contrastada. (363) Consequentemente, constata-se nesses dois programas uma abrangência de comunidades e entidades (OSCs, ONGs emergentes, etc.) e um custo final por micro-projecto financiado igualmente bastante contrastados, mesmo se a informação obtida no terreno nos pareceu bastante inconsistente. (364)

Uma questão que não ficou muito clara para os avaliadores refere-se às estratégias e aos objectivos finais/últimos desses dois programas: na prática, seriam eles idênticos ou não?

No caso do FUPEP, ficou claro na documentação consultada e na prática que a estratégia utilizada consistiu na utilização dos micro-projectos financiados por esse fundo para alavancar as OSCs envolvidas -- reforçar a experiência e a capacidade executora dessas organizações e seu protagonismo social futuro (havendo suficientes evidências do seu sucesso em toda a região Sul, como avaliamos atrás).

Todavia, no caso do CIP, embora a estratégia definida na sua documentação fosse sensivelmente a mesma, não se encontraram evidências que o programa tenha se orientado com a mesma clareza e determinação para esse reforço da capacidade institucional e do protagonismo social das OSCs abrangidas. Detectaram-se ganhos na consciência social e na capacidade de auto-organização dessas entidades, mas não se perceberam evidências de que o programa tenha logrado alavancar o protagonismo social de seus pequenos grupos

360 Consideraram-se períodos idênticos de 6 anos para o FUPEP (2002-2006) e para o CIP (2001-2006). 361 Esses processos (tomada de decisões, acompanhamento dos micro-financiamentos, etc.) seguiram

caminhos quase idênticos (centralização da gestão nas mãos da ONG executora, em colaboração com as OSCs beneficiadas, os parceiros, etc.). Contudo, o acompanhamento global do FUPEP avançou mais na descentralização das decisões e do acompanhamento global, envolvendo uma estreita articulação da ADRA com outras grandes ONGs parceiras da região Sul (board de orientação do programa).

362 Globalmente: cerca de 0,51 milhões de US$ (FUPEP), oriundos de 5 diferentes doadores, e cerca de 2,46 milhões de US$ (CIP) disponibilizados por 4 doadores (sem contar os eventuais financiamentos das próprias municipalidades envolvidas). Ou seja, o CIP envolveu valores 5 vezes superiores aos do FUPEP.

363 Considerando-se como certos os dados fornecidos pelas ONGs gestoras, o CIP teria financiado cerca de 70 projectos entre 2002 e 2006. Por seu lado, o FUPEP teria financiado 124 projectos entre 2002 e 2007.

364 Se considerarmos unicamente os financiamentos da ON, o custo bruto por projecto (sem o custo da gestão dos programas) foi de US$ 12,8 mil no caso do CIP e de US$1,35 mil no caso do FUPEP. Infeliz-mente, as condições da avaliação (o tempo disponível, a qualidade dos dados, a falta de informações sobre a totalidade dos micro-projectos financiados, etc.) não nos permitiram ter uma visão mais global dos custos reais por projecto considerando todos os projectos e financiadores (em especial, no caso do CIP).

365 Obviamente, não nos referimos às entidades e grupos religiosos que parecem ter constituído uma parte bastante significativa dos beneficiários do CIP. Mas cujo protagonismo possui outra lógica e depende de outras dinâmicas e relações institucionais (em especial, com as igrejas/congregações a que são filiadas).

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comunitários ou ONGs com a mesma força e a mesma autonomia. (365)

Nesse sentido, tudo leva a crer que o CIP desempenhou mais um papel de instrumento financeiro e “viabiliza-dor” de micro-projectos nas comunidades, em articulação com as municipalidades, do que um papel de alavanca para a “construção” institucional e a autonomia das OSCs. Dessa forma, contrastou com o FUPEP, que tendeu a inverter esses dois papeis. Servindo-se do instrumental financiador para desenvolver a capaci-dade e a autonomia das OSCs beneficiadas (e o trabalho articulado e sinergias entre as ONGs executoras).

À luz da análise da experiência dos últimos anos, podemos concluir que não basta privilegiar a capacidade das ONGs para gerir os recursos de forma “adequada” ou conforme às exigências burocráticas da ON. (366) Por maiores e mais “profissionalizadas” que estas ONGs possam ser, essas características podem não representar uma garantia suficiente para a eficácia no uso dos recursos (obter bons resultados de mudança, ter um custo-benefício razoável, etc.).

Assim, uma das possíveis lições que podemos tirar para o futuro (entre outras) seria enfatizar a necessidade de se desenvolver uma maior “influência propositiva” na formulação das propostas das ONGs (grandes ou pequenas) a serem financiadas. Não para determinar “de cima para baixo” o desenho dessas propostas, mas sim para fazer com que elas se beneficiem mais da experiência e das “boas práticas” acumuladas pelo Programa Angola da ON e as multipliquem.

Por outras palavras, essa influência visaria construir essas propostas, suas abordagens/ estratégias e suas modalidades ou “engenharias” executivas tomando mais em consideração o histórico e a experiência acumulada pelo Programa global da ON em Angola (e as lições aprendidas com outros contrapartes/projectos, parceiros e regiões do pais). Dessa forma, haveriam mais possibilidades de se evitarem os riscos de “retrocessos” (metodológicos, e.g.) com relação à experiência passada e, sobretudo, para construir o processo de refinação/ aprendizagem do Programa como um todo (envolvendo seu universo global de contrapartes e sua “memória institucional e metodológica” acumulada ao longo dos anos, fruto de seus erros e acertos).

9.2 Contribuição das políticas e práticas de gestão

De um modo geral, e procurando resumir rapidamente as avaliações, pode-se dizer que, de certa forma, a influência da ON nestes domínios foi mais decisiva nas ONGs com financia-mentos mais importantes (correspondendo aos contrapartes com uma contribuição financeira “forte” ou “equilibrada”, conforme acima analisado), as quais beneficiaram geralmente de um apoio “estruturante” da ON continuado no tempo (voltado para o conjunto das necessidades institucionais e executivas do seu programa). Encontram-se neste caso a maior parte das ONGs da região da Huíla, tais como a ACORD, a ADRA, a ASD e a PRAZEDOR.

366 No sentido do preenchimento dos requisitos formais (profissionais, administrativos, contabilísticos, etc.).

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Contudo, são igualmente alegadas influências e contribuições da ON deste tipo da parte das restantes ONGs com menor peso financeiro da ON nos seus programas. Como foi o caso, por exemplo, da CLUSA, da DWA ou da SOSH. (367)

Assim, todas estas ONGs tenderam a afirmar a “contribuição metodológica e pedagógica” da ON para a implantação de seus programas e o alcance dos resultados avaliados (ou mesmo para o que alguns chamaram de “desenvolvimento organizacional” dos contrapartes). Nessas opiniões, foram destacadas, com maior ou menor ênfase, a influência das políticas e dos métodos de trabalho da ON em certos domínios. Especialmente, a influência das moda-lidades para efectuar o planeamento, a orçamentação e o acompanhamento da execução/ gestão dos projectos do seu Programa Angola com a comparticipação dos parceiros locais e de forma relativamente flexível.

A quase unanimidade das opiniões positivas (inclusive, das demais ONGs que alegaram menor influência da ON) vai para a ferramenta toolbox e a introdução dos conceitos de oportunidades e riscos para a avaliação preliminar/aprovação e planeamento dos projectos (considerada, segundos os diferentes interlocutores, uma ferramenta “prática”, “rápida”, “flexível”, “dialogante”, “eficiente”, “inovadora”, etc.). Todos alegaram que o uso dessa ferramenta tendeu a garantir melhores resultados na execução dos projectos. (368)

Muitos referiram igualmente o método de planeamento/monitoria dos projectos por resulta-dos (embora nem todos os contrapartes dessem provas de conhecer cabalmente essas práticas), (369) os procedimentos de gestão financeira e administrativa regular dos projectos (que, em certos casos, deram origem a “manuais” ou “modelos” em uso no seio dessas ONGs) (370) ou a preocupação da ON com a sistemática das auditorias financeiras periódicas das acções financiadas (melhorando a eficiência e a transparência da sua gestão).

367 Pode-se dizer que as menores influências foram detectadas na Oxfam Intermón (que alega o facto de pertencer à mesma família das OXFAM e, portanto, ter os mesmos princípios e estratégias de actuação da ON, sem que isso seja fruto da sua influência), na Rede Terra e na ADRA/CID (neste caso, pela pouca pertinência dessa avaliação num programa relativamente modesto à escala do portfolio da ADRA Nacional). Infelizmente, não tivemos a oportunidade de aprofundar estas questões nas avaliações da OGB, da HRW e da GW.

368 Infelizmente, não foi possível obter os detalhes sobre esses “melhores resultados”. A esse propósito, cabe lembrar que durante a avaliação -- e após a leitura sistemática dos projectos --, foi possível construir uma leitura menos “optimista” sobre o uso dessa ferramenta. Ou seja, foi possível concluir que o uso do toolbox deve ser continuado e aprimorado para integrar a avaliação mais apurada do contexto do país e dos projectos, de forma a ser mais eficaz na avaliação/previsão dos riscos e oportunidades e a formular alternativas em consequência (veja-se, por exemplo, o caso do Programa 2005-2008 da HRW, que poderia ter sido desenhado de forma a integrar acções alternativas para fazer face ao “risco politico alta-mente previsível” (sic) de adiamentos sucessivos das eleições, um de seus grandes focos).

369 E não obstante -- e muito curiosamente --, poucas equipas desses contrapartes tivessem demonstrado dominar adequadamente (ou mesmo, às vezes, sequer compreender suficientemente) a conceituação ou os princípios básicos das avaliações com base em resultados de mudanças. Podendo-se facilmente concluir que essas opiniões ou são algo inconsistentes/incoerentes, ou se referiam equivocadamente a resultados de processo (que medem a execução de acções e actividades) e não de mudança (que medem a contribuição dos projectos para impactos nas politicas e nas práticas).

370 Como foi o caso, por exemplo, da ASD (procedimentos de gestão financeira e administração) ou da ACORD (sistema de orçamentação e prestação de contas).

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Algumas ONGs chegaram a evidenciar a importâncias da políticas globais e temáticas da ON na formulação das suas próprias visões e programas estratégicos -- como foi o caso “preco-ce” da ADRA (371) ou o mais recente da ACORD. (372)

Em todo caso, essas e outras ONGs deixaram patente a influência da colaboração e dos financiamentos da ON (e a convivência institucional deles decorrente, sobretudo quando prolongada no tempo) na construção e/ou aprimoramento da sua própria visão global e melhor entendimento da problemática e dos processos de desenvolvimento (conceitos, estratégias, metodologias, etc.).

Sintomaticamente, não houveram referências a uma eventual influência destacada da ON na construção de modelos de monitoria e avaliação ex post dos projectos, com base em sistemas de indicadores simplificados e operacionais de resultados. Ou sobre uma eventual política de produção/gestão da informação no seio dessas organizações, (373) devidamente articulada com esses sistemas de M&A (e igualmente com as necessidades de produção da sua memória institucional, de sistematização de experiências e melhores práticas, de fluxos internos de análise/aprendizagem alimentados pelas suas experiências de campo, etc.). O que, a bem da verdade, já era esperado tendo em vista a enorme fraqueza dessas ONGs constatada nessas áreas. E o que foi igualmente confirmado por uma certa insufici-ência de investimentos/esforços complementares da ON nestas duas áreas de carência crónica das ONGs (referimo-nos principalmente aos financiamentos complementares de apoio da ON a essas ONGs, mencionados abaixo). (374)

9.3 Outras contribuições: capacity building, advocacia, etc.

• Capacity building

Sobre estas outras formas de contribuição da ON aos programas e resultados obtidos pelos seus contrapartes em Angola destaca-se, antes de mais nada (na opinião das diferentes equipas das ONGs), o esforço de capacity building levado a cabo pela ON. Sobretudo ao longo da segunda metade do período aqui avaliado (2005-2007).

Não foi possível fazer o levantamento das acções de capacitação da ON no âmbito desta metodologia rápida de avaliação focada nos resultados (que aborda os aspectos executivos e institucionais apenas de forma tangencial) e que envolveu cerca de três dezenas de

371 Plano Estratégico 2004 – 2008. 372 Plano Estratégico 2008 – 2010; 373 Os avaliadores estão conscientes de que essa carência pode ser imputada (pelo menos, em parte) a uma

certa “flexibilidade” ou “simplificação” dos métodos de trabalho da ON para o acompanhamento dos projectos dos contrapartes (evitando impor modelos de produção da informação ou de report, e.g.). Mas não nos parece que um esforço de capacitação voltado para o desenvolvimento do domínio/práticas das ONGs nessa área seja incompatível com essa filosofia. Pelo contrário, só tenderia a reforçá-la.

374 Note-se que em nenhuma das 11 ONGs/contrapartes avaliadas in loco, durante o trabalho de campo em Angola, foi encontrado um sistema da M&A dessa natureza. Pelo menos, não em estado operacional e capaz de fornecer informações sistematizadas a partir de indicadores fiáveis e/ou colectados em base regular.

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projectos. Razão pela qual as análises abaixo devem ser vistas como a “aproximação da realidade” que foi possível fazer dentro desses e outros limites já atrás aprofundados (vd. capítulo 2). (375)

Mas tudo indica que grande parte desse esforço para apoiar a capacitação dos RH dos contrapartes foi feito, em especial, através de acções pontuais (não continuadas). Um rápido levantamento destas, (376) mostra que esta acção de capacity building se focou em iniciativas de difusão/debate da informação (seminários, conferências, apoio a estudos/publicações, etc.) e de formação na prática (viagens para participação em conferências, fazer contactos e trocar experiências com outras ONGs ou entidades no exterior, e.g.).

Por outro lado, seus conteúdos tenderam a privilegiar os temas-chave da abordagem e da estratégia global da ON (AIMs e SCOs) que se destacaram no Programa Angola, de forma a sensibilizar e capacitar os contrapartes para trabalharem esses temas com uma visão problemática mais alargada e com maior eficácia (por exemplo, VIH/SIDA, DH, direitos civis, processo eleitoral, etnicidade/identidade, etc.).

Encontraram-se poucas evidências de acções de capacity building significativas fora desses focos temáticos privilegiados pelas estratégias globais da ON. Ou, ainda, poucas acções para sensibilizar/capacitar as ONGs em áreas sectoriais estratégicas que talvez merecessem maior atenção nesta fase de alegada “transição da emergência para o desenvolvimento” e que têm tido uma actuação ainda pouco consistente no seio do Programa -- em parte, em decorrência da influência/impacto da fase da ajuda humanitária nas práticas actuais dessas ONGs (vd. análises dos capítulos 3 e 6).

O incentivo ao desenvolvimento: exemplo de novas capacidades das ONGs

O caso que melhor ilustra esta assertiva talvez seja o do ampla e complexa temática do desenvolvimento (ou, na terminologia da ON, dos “meios de vida”) no contexto angolano. Esta temática geral, também conhecida sob várias outras denominações e possuindo diferentes recortes temáticos (“desenvolvimento rural”, “relançamento da economia rural/ camponesa”, “desenvolvimento comunitário”, “segurança e soberania alimentar”, “economia popular”, etc.), articula domínios ou vertentes de trabalho (produtivos/sectoriais, técnicos, de organização social, etc.) que parecem ter sido relativamente “esquecidos” (ou ter ficado “adormecidos”, como afirmaram alguns) na actuação dos últimos anos de algumas ONGs mais antigas e experientes. (377) Ou jamais terem sido trabalhados de forma séria pelas

375 Por outro lado, e devido às mesmas razões metodológicas, convém destacar que as análises deste sub-capítulo 9.3 e do 9.2 anterior foram baseadas nos testemunhos e opiniões das equipas entrevistadas. Tendendo, por conseguinte, a depender demasiado das “lembranças mais frescas” dos entrevistados e a centralizar-se nos últimos anos de sua experiência. O que pode levar a negligenciar factos e contributos importantes do período 2002-2004.

376 Bergh, 2008b. 377 Com efeito, algumas dessas ONGs chegaram a fazer uma reflexão teórico-prática importante em grande

parte desses domínios na década de 1990 (especialmente com relação à problemática do desenvolvi-mento dos meios de vida das populações rurais, articulada com o micro-financiamento, a comercialização, a questão fundiária, etc.), no contexto da realidade angolana da época e em perfeita sintonia com os desafios dos conflitos sociais que começavam a despontar no campo (casos da ACORD e da ADRA,

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ONGs mais recentes, as quais construíram sua experiência influenciadas por agências da “ajuda” que privilegiaram ora as abordagens parciais e muito marcadas pelo assistencia-lismo, ora acções focadas em temas mais “políticos” (democracia, direitos políticos/civis, boa governação, etc.), tendendo, na prática, a negligenciar a defesa direitos sociais/económicos ou das bases da sobrevivência da maioria das populações. Ou seja, no sentido de traduzir essa defesa em actividades concretas de incentivo ao desenvolvimento auto-sustentado das comunidades/populações. (378)

A construção de uma estratégia de “transição para o desenvolvimento” ou de apoio a um modelo de desenvolvimento capaz de incluir social e economicamente as populações mais pobres/excluídas em Angola passa, inevitavelmente, pela renovação das abordagens e das práticas das ONGs em temáticas como essa (desenvolvimento/meios de vida). Tanto quanto possível, acompanhadas de um esforço acrescido para desenvolver propostas e engenharias sociais abrangentes e mais inovadoras do que no passado (quando a guerra inibia o protago-nismo das comunidades e suas OSCs e limitava o trabalho das ONGs) -- como a adaptação dos princípios do social business, impulsionado por activistas como Muhammad Yunus, à realidade angolana, e.g.

Seja como for, contribuir para a construção dessa nova estratégia de incentivo ao desenvol-vimento irá requerer maior concentração de esforços do Programa da ON na capacitação dos seus contrapartes, para assegurar sua actuação mais eficiente e eficaz em acções de apoio aos sectores produtivos e aos fluxos de troca/comerciais (e a outros serviços estruturantes, como o cooperativismo, o crédito de pequena escala e a gestão de pequenos negócios, e.g.) da economia popular nos meios rurais e peri-urbanos. (379) Acções essas que, para serem sustentáveis, terão que se articular com outras áreas de capacitação em que essas ONGs ainda têm conhecimentos e experiências muito incipientes. Alguns exemplos: o estudo/diagnóstico da realidade/especificidades locais ou regionais, a sensibilização/ capacitação e incentivo à auto-organização solidária (das comunidades, dos produtores, de segmentos sociais, etc.), técnicas de pesquisa/experimentação e disseminação/replicação (para introduzir, refinar e difundir/disseminar inovações técnicas, sociais e organizativas/ gerenciais, e.g.), etc.

Gestão da informação, M&A e planeamento

e.g.). No entanto, dificilmente se poderia considerar que as acções de algumas dessas ONGs levadas a cabo no período aqui observado (2002-2007) -- seja com o apoio da ON, do Banco Mundial ou outros --, traduzem fielmente a originalidade e os avanços teóricos e práticos das experiências da década passada.

378 Referimo-nos a certos doadores que, enclausurados em visões macro-políticas apenas preocupadas em influenciar o processo de “democratização formal” do país -- ou em ganhar maior influência política e comercial numa economia cada vez mais geradora de “bons negócios” -- têm pouca sensibilidade, dado pouca atenção ou disponibilizado poucos recursos para responder às necessidades e direitos básicos que condicionam a qualidade de vida (quando não a sobrevivência ou vida condignas) de 90% da população: produção e geração de emprego/renda, alimentação, serviços sociais básicos, educação/cultura, etc.

379 Sobretudo, no novo contexto de Angola e da sua nova “classe capitalista angolana” -- cada vez mais assumida oficialmente até pelos responsáveis do partido no poder, o qual, por ironia da história, ainda há poucos anos atrás se auto-intitulava como a “linha avançada do socialismo científico” em África.

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Como já aludimos antes, falando sobre a contribuição/influência da ON na área da gestão, tampouco se encontraram evidências claras de que tenha havido um esforço particular para implementar acções de capacity building em certas áreas-chave do planeamento/gestão dos programas desses contrapartes ou do seu reforço institucional em geral. Já mencionamos os casos da M&A ex post dos projectos com base em indicadores, ou das politicas de produção/ gestão da informação dessas ONGs (vd. 9.2).

Poderíamos destacar uma outra área que parece ter ficado relativamente descoberta e que assume igualmente uma grande relevância na perspectiva dessa transição da emergência/ assistencialismo para o desenvolvimento: a criação de maior capacidade local para o uso de metodologias de identificação/elaboração e planeamento dos projectos, devidamente consolidadas com abordagens participativas de consulta social e de estudo/diagnóstico das realidades (sociológicas, culturais, económicas e ambientais) com as quais esses projectos devem “dialogar” e “compor” para serem mais eficazes e sustentáveis.

Financiamentos complementares de apoio

Um dos instrumentos que teve um papel destacado para favorecer essas acções de capacity building (bem como as sinergias e o incremento das acções de advocacia social) veio da grande flexibilidade demonstrada pela ON para identificar e financiar pequenas iniciativas e acções complementares de apoio ao Programa Angola e aos seus contrapartes e parceiros.

No período avaliado (2002-2007), a ON realizou pelo menos uma quinzena de pequenos financiamentos de apoio desse tipo (organização de conferências, viagens/visitas, acções de capacity building, iniciativas na área do VIH/SIDA e género, tradução/edição de documentos, etc.) no valor total de cerca de 260 mil Euros. Com maior destaque (número de acções financiadas) para os últimos três últimos anos do Programa (quando foram gastos em torno de 75% desses recursos), especialmente 2005 (28% desse montante) e 2007 (47%). As temáticas mais privilegiadas foram o HIV/SIDA, (380) os direitos (DH, civis, etc.), a diversidade (género e minorias étnicas) e a advocacia social. (381)

• Advocacia social, sinergias e campanhas

Advocacia social

De uma maneira geral, foi muito pouco destacada pelas ONGs a contribuição da ON nesta área. Curiosamente, e contrariamente às expectativas dos avaliadores, praticamente não foram mencionadas as acções do JOAI de iniciativa das três Oxfams. Talvez devido à fraca

380 Destacando-se (em termos de resultados) a contribuição da ON para a organização da Conferência Regional sobre VIH/SIDA (Huíla, 2005), sobre a qual já tivemos a oportunidade de falar (vd. capítulo 7).

381 A desminagem, os estudos sobre a problemática fundiária, a liberdade de imprensa e a discussão das estratégias governamentais de “redução da pobreza” (PRSP) foram algumas outras áreas abrangidas. Como aludimos acima, entre um total de duas dezenas de acções complementares desse tipo (cobrindo 2003-2009) não se encontram acções de capacitação na área do M&A dos projectos (Bergh, 2008b).

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visibilidade geral desse programa, já constatada pelos seus avaliadores (Santos, 2006) e amplamente confirmada durante esta avaliação. (382)

Tudo parece confirmar, portanto, as avaliações (a de 2006 e esta) de que a contribuição desse investimento das Oxfams para desenvolver essa área de actuação das ONGs em Angola tenha tido um impacto bastante incipiente e despercebido pela grande maioria das ONGs em geral ou das equipas dos contrapartes integrantes do Programa Angola.

Construção de sinergias

As principais contribuições da ON para a construção de sinergias que foram percebidas pelos avaliadores, ou destacadas pelas ONGs avaliadas, foram as sinergias intra-programa. Ou seja, as que decorreram das próprias articulações institucionais e complementaridades executivas dentro do Programa da ON em Angola (algumas vezes, com o apoio dos financiamentos complementares acima mencionados).

Dentre estas, destacam-se as parcerias entre a ADRA e a ACORD (principalmente nos primeiros anos do período avaliado e, em grande parte, fruto de uma relação “triangular” e histórica entre elas) e sua ampla rede de parceiros na região Sul. (383) Mereceram especial menção as modalidades de funcionamento e financiamentos do FUPEP (384) e a articulação institucional e executiva alargada que ele facilitou ao longo dos anos -- envolvendo não só essa parceria central (ACORD e ADRA), sua rede de parceiros internacionais na região (DRA, SNV, FOS, etc.), como igualmente várias outras organizações emergentes beneficia-das pelo Fundo (ALSSA/FCC, ASD, ASPALSIDA, Consórcio Terras, PRAZEDOR, etc.), muitas das quais viriam a integrar o rol dos contrapartes do Programa ON mais tarde.

Foi destacada igualmente a parceria da HRW com a SOSH (sobre o estudo/denúncia das desocupações forçadas nas periferias de Luanda), (385) cuja sinergia contribuiu para alargar a divulgação desse tema (e a visibilidade do trabalho da SOSH, suas relações institucionais, etc.) às escalas nacional e internacional.

Além dessas sinergias intra-programa, foram desenvolvidas inúmeras outras envolvendo o universo dos contrapartes da ON e suas relações institucionais e de parceria com as restantes OSCs/ONGs angolanas, entidades governamentais (sobretudo no nível municipal/ local) e demais entidades nacionais e internacionais representadas em Angola. Seria inviável enumerá-las aqui (apresentam-se detalhes nos files da avaliação dos contrapartes, volume II).

382 Na verdade, as capacitações realizadas pelo JOAI na área da advocacia social foram mencionadas como contribuição significativa por apenas um dos contrapartes avaliados, cujos activistas participaram de várias dessas formações em diferentes províncias.

383 Relação “triangular” envolvendo a ON (financiadora) e essas duas ONGs executoras desde, pelo menos, meados da década de 1990 (vd. capítulo 4).

384 Embora pouco destacado nas avaliações, o FADN (do Namibe) seguiu a mesma linha de orientação prática do FUPEP e poderia ser incluído como um fruto das sinergias incentivadas por esse Fundo da Huíla.

385 Poderíamos igualmente sublinhar a colaboração da HRW com a AJPD com resultados bastante similares aos da sua parceria com a SOSH (vd. file da HRW).

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Contudo, particular importância foi atribuída ao incentivo e à contribuição da ON para desen-volver o trabalho em rede dos seus contrapartes, envolvendo estes e as restantes ONGs angolanas em geral, bem como outros actores estratégicos (sociais, institucionais ou governamentais). Especialmente em determinadas áreas temáticas, como o VIH/SIDA, a problemática fundiária ou os DH/civis. Nesse sentido, foi sublinhado o apoio da ON à emergência de algumas iniciativas de construção de sinergias entre OSCs/ONGs em nível nacional ou na região da Huíla. Tais como as redes nacionais (Rede Terra, e.g.) ou provin-ciais (rede HIV/SIDA e Consórcio Terras, e.g.) de articulação do trabalho das ONGs para desenvolver acções concertadas de sensibilização social e a montagem de equipas de activistas para o combate ao VIH/SIDA (ACORD, ASPALSIDA, PRAZEDOR, etc.) ou a defesa dos direitos fundiários dos pequenos produtores e pastores na região Sul. Ou, ainda, a informação/sensibilização social sobre DH/civis nessa região. (386)

Contribuição da colaboração intra-Oxfams

Como já aludimos, tudo leva a crer que a colaboração/interacção entre as três Oxfams em Angola não tenha sido percebida pelas ONGs contrapartes da ON como uma mais-valia muito significativa para o seu trabalho, ou vista como uma contribuição decisiva das Oxfams aos seus resultados.

Como vimos, a actuação dessa parceria intra-Oxfams no domínio da advocacia social através do programa JOAI, no qual ela atingiu seu mais alto grau de formalização, passou bastante despercebida. Por outro lado, a sua contribuição para o desenvolvimento das sinergias de trabalho entre as ONGs angolanas (do Programa da ON ou não) tampouco foi percebida, destacada ou valorizada pela maioria dos contrapartes avaliados. Como não o parece ter sido qualquer outra forma de contribuição decorrente do trabalho conjunto das Oxfams em Angola. (387) Muito embora os avaliadores sejam de opinião de que esse tema careceria de maiores aprofundamentos da avaliação. Inclusive, com maior envolvimento das outras Oxfams (vd. capítulo 2).

Síntese: sinergias

Seria fastidioso continuar a enumerar mais exemplos. (388) O que parece mais importante a reter como síntese é que a actuação da ON -- devido às características da sua visão

386 Envolvendo contrapartes (ADRA, ASD,...) e outras ONGs locais (OCADEC, ACC,...). 387 A esse propósito, no nosso entendimento, a própria colaboração/sinergia entre as três Oxfams em Angola

mereceria maiores aprofundamentos ulteriores. Como já dissemos (vd. capítulo 2), embora tenhamos tido algumas dificuldades para aprofundar a avaliação da colaboração intra-Oxfams em Angola -- isto é, para ira além dos clichés e superficialidade da “retórica oficial” assumida pelos interlocutores das Oxfams avaliadas face à equipa da avaliação --, não se perceberam evidências de que esta colaboração tenha tido grandes resultados práticos (em termos de contribuição para mudanças). E, sobretudo, ficou evidente que ela tem sido bastante dificultada por profundas divergências entre as equipas locais dessas entidades e a ON (visão do processo de desenvolvimento, leitura da realidade angolana, compatibilidade das abordagens metodológicas, etc.).

388 Não abordamos, por exemplo, o caso da GW na área dos extractivos. Um dos contrapartes da ON cujo trabalho/iniciativas de construção de ferramentas similares de concertação institucional alargada (ONGs, empresas, governos e entidades supra-nacionais) e trabalho em rede tem tido resultados de forte impacto

Page 162: PARTE III: AVALIAÇÃO DO PROGRAMA - Oxfam Novib · CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III) Setembro 2008 89 23 projectos de 10 contrapartes. Tanto por essa maior relevância

CCPE ANGOLA Relatório Final ( Volume I - Parte III ) Setembro 2008

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estratégica (a qual dá particular importância ao trabalho em rede e incentiva a construção desse tipo de ferramentas) e à sua filosofia de trabalho nos países (descentralização e flexibilidade executiva, e.g.) -- parece ter contribuído de forma bastante significativa (e reconhecida pelas ONGs) para a criação de sinergias, tanto no seio do Programa global como entre seus contrapartes e seu ambiente institucional alargado (nacional e, em alguns casos, internacional). Pesem embora as eventuais “oportunidades perdidas” e insuficiências desse esforço, (389) ou a necessidade sentida para avançar ainda mais do que no passado na construção de sinergias de trabalho/colaboração entre as ONGs em áreas temáticas relativamente negligenciadas no período avaliado (voltamos ao exemplo do desenvolvimento rural no seu sentido lato sensu, já mencionado atrás).

Campanhas internacionais

Já abordamos detalhadamente essa questão no capítulo 8, no qual se analisaram as razões que, no entender de nossos vários interlocutores, contribuem para a fraca mobilização social em Angola e o impacto incipiente das campanhas/lobby internacionais apoiadas pela ON (vd. box 8.5). De um modo geral, as percepções, opiniões e avaliações das equipas dos diferen-tes contrapartes avaliados tenderam a confirmar essa análise -- mais especificamente, com relação às contribuições/impactos dessas campanhas nos seus respectivos projectos/progra-mas.

internacional com o apoio da ON/OI (PK e PWYP, e.g.). Infelizmente, não tivemos a oportunidade de aprofundar essas questões (nem seu impacto em Angola).

389 Como no caso da rede de ONGs da área dos DH/civis prevista no programa da HRW; ou da “oportunida-de perdida” do JOAI para incentivar o trabalho em rede da centena de ONGs que, de uma forma ou de outra, possivelmente se beneficiaram das capacitações em advocacia social (cerca de 80 delas foram identificadas por esta avaliação).