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Patrimônio histórico-cultural imaterial e a educação patrimonial : entrelaçando saberes da história regional e memória Jaqueline Ap. Martins Zarbato (UFMS. [email protected]) Esse artigo faz parte do projeto de Pós Doutorado em História na Unicamp/SP, sob a supervisão da Profa Dra Aline Vieira de Carvalho, com o título: Patrimônio histórico-cultural material e imaterial nas cidades de Mato Grosso do Sul e seu impacto histórico- cultural: Formação de um sistema de preservação a partir da educação patrimonial. O enfoque principal este artigo se dá sobre as abordagens acerca da investigação do patrimônio histórico-cultural imaterial, um recorte da pesquisa, justamente pela quantidade de imagens e fotos históricas que visam buscam representar a constituição das identidades e identificações sul mato-grossense. Em relação aos bens patrimoniais imateriais, tem-se a catalogação de manifestações, como: aboios, acalantos, bênçãos, cerâmicas guató e kadiwéu, cestaria terena, as danças chamamé, siriri e cururu, a charqueada, a matula, as comitivas de gado, a lenda do Curupira, o fazer da viola de cocho, a roda de capoeira, a doma de cavalos, a erva-mate e suas diversas formas de preparo e consumo, várias festas religiosas e de origem agrícola, a guarânia e a polcaparaguaia, entre outras 1 . Porém, alguns bens patrimoniais possuem pouca informação histórica, pouca problematização sobre as representações na cultura regional. Ao propor trabalhar com os bens patrimoniais regionais, estamos atrelando também ao processo de convivência nas cidades. O processo de pesquisa sobre os bens patrimoniais imateriais tem um longa história e, tem sido alvo de estudos em diferentes países. Com o intuito de preservar as memórias e identidades. Outra dimensão em nossa pesquisa, de caráter conceitual, se dá pela história regional, que tem sua relação com a história nacional, mas que traz os aspectos mais próximos dos sujeitos, bem como as particularidades de cada região. 1 Identificadas e descritas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional( IPHAN)

Patrimônio histórico-cultural imaterial e a educação ... · histórico- cultural: Formação de um sistema de preservação a partir da educação patrimonial. O enfoque principal

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Page 1: Patrimônio histórico-cultural imaterial e a educação ... · histórico- cultural: Formação de um sistema de preservação a partir da educação patrimonial. O enfoque principal

Patrimônio histórico-cultural imaterial e a educação patrimonial : entrelaçando

saberes da história regional e memória

Jaqueline Ap. Martins Zarbato

(UFMS. [email protected])

Esse artigo faz parte do projeto de Pós Doutorado em História na Unicamp/SP,

sob a supervisão da Profa Dra Aline Vieira de Carvalho, com o título: Patrimônio

histórico-cultural material e imaterial nas cidades de Mato Grosso do Sul e seu impacto

histórico- cultural: Formação de um sistema de preservação a partir da educação

patrimonial. O enfoque principal este artigo se dá sobre as abordagens acerca da

investigação do patrimônio histórico-cultural imaterial, um recorte da pesquisa,

justamente pela quantidade de imagens e fotos históricas que visam buscam representar

a constituição das identidades e identificações sul mato-grossense.

Em relação aos bens patrimoniais imateriais, tem-se a catalogação de

manifestações, como: aboios, acalantos, bênçãos, cerâmicas guató e kadiwéu, cestaria

terena, as danças chamamé, siriri e cururu, a charqueada, a matula, as comitivas de

gado, a lenda do Curupira, o fazer da viola de cocho, a roda de capoeira, a doma de

cavalos, a erva-mate e suas diversas formas de preparo e consumo, várias festas

religiosas e de origem agrícola, a guarânia e a polcaparaguaia, entre outras1.

Porém, alguns bens patrimoniais possuem pouca informação histórica, pouca

problematização sobre as representações na cultura regional. Ao propor trabalhar com

os bens patrimoniais regionais, estamos atrelando também ao processo de convivência

nas cidades. O processo de pesquisa sobre os bens patrimoniais imateriais tem um longa

história e, tem sido alvo de estudos em diferentes países. Com o intuito de preservar as

memórias e identidades. Outra dimensão em nossa pesquisa, de caráter conceitual, se dá

pela história regional, que tem sua relação com a história nacional, mas que traz os

aspectos mais próximos dos sujeitos, bem como as particularidades de cada região.

1 Identificadas e descritas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional( IPHAN)

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A pesquisa sobre patrimônio, atrelada aos impactos na vida das pessoas, atrela a

dimensão regional a nacional. Já que, a historiografia nacional ressalta as semelhanças,

a regional lida com as diferenças, a multiplicidade. A historiografia regional tem ainda a

capacidade de apresentar o concreto e o cotidiano, o ser humano historicamente

determinado, de fazer a ponte entre o individual e o social. Ao pesquisarmos um objeto,

é importante criar possibilidades de disseminar a sua importância em âmbito social, com

sua relevância. Por isso, uma das perspectivas apontadas nesta pesquisa é a criação de

um guia educativo que seja utilizado em diferentes espaços, como escolas, casa de

cultura, setor de informações turísticas, nas próprias edificações.

Micro história, História regional e patrimônio cultural.

A micro-história desenvolveu-se com os estudos de cultura, especificamente na

interação entre o popular e o erudito nas ações cotidianas, relacionando as diferentes

manifestações da cultura, desenvolvidas na Itália por Carlo GINZBURG (1989) . As

proposições apoiaram-se nos conceitos da “circularidade cultural”, da

“intertextualidade”, em que fundamenta-se os ‘olhares’ sobre os campos de ação dos

sujeitos, do popular ao erudito.

Neste sentido, pontuamos aprofundar as análises da micro história, no campo

metodológico para abordar as concepções da história regional. Isso porque, os

instrumentos de análise e procedimentos de investigação histórica permitem fazer essa

relação, uma vez que pontuamos análise de patrimônios imateriais na história regional,

que são representações de grupos culturais populares. A história regional faz a análise

do cotidiano de uma comunidade, as suas representações na dimensão macro, já a

micro-história, na sua investigação busca a partir de fragmentos do cotidiano

comunitário ou de um indivíduo, identificar macro-fenômenos sociais.

Quando abordamos a História Regional, enfatizamos a necessidade de pesquisarmos

espaços e contextos que ficam esquecidos, sendo valorizados somente aspectos

históricos nacionais ou temas já consagrados.

[...] só se entende, então, metodologicamente falando, como parte de um

sistema de relações que ela [região] integra. Deve, portanto, ser definida por

referência ao sistema que fornece seu principio de identidade. Assim, pode-

se falar tanto de uma região no sistema internacional ou dentro de uma das

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unidades de um sistema político federativo. Pode-se falar igualmente de uma

região cujas fronteiras não coincidem com as fronteiras políticas

juridicamente definidas. (BARROS, 2004, p. 152)

A proposição de Barros de abordar a região, mas relacionar politicamente com

as fronteiras e até mesmo com a construção de identidades, contribui com nossa análise,

na medida em que, os patrimônios culturais imateriais representam a cultura regional,

bem como contribuem na concepção de identidades regionais. Tanto, que o autor afirma

ainda que, “ espaço regional, é importante destacar, não estará necessariamente

associado a um recorte administrativo ou geográfico, podendo se referir a um recorte

antropológico, a um recorte cultural ou a qualquer outro recorte proposto pelo

historiador de acordo com o problema histórico que irá examinar.(BARROS,

2004,p.152)

Patrimônio cultural na formação da identidade regional

As políticas de patrimonialização no Brasil passaram por diversas fases, que

foram sendo inseridas principalmente pelo Sistema do Patrimônio Artístico Nacional

(SPHAN), apoiado nas ideias no Movimento Modernista, no ano de 1937. E atualmente

com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ( IPHAN), que é

responsável pela inserção dos processos de tombamento, revitalização, capacitação,

preservação dos bens patrimoniais. E que insere alguns encaminhamentos para

preservação do bem patrimonial e sua região, o que se entrelaça com a estudo regional,

pois assim, podemos estudar o contexto histórico de determinado espaço a

representatividade do bem patrimonial.

De acordo com o IPHAN, a patrimonialização das culturas tem como

preocupação assegurar que os conhecimentos culturais de um grupo ou comunidade

sejam transmitidos de geração em geração, constantemente recriados por essas

comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de

sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim

para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

Porém, há em cada região uma complexa rede de questões a serem analisadas, as

dificuldades e as limitações de uma ação pública responsável pela defesa e pela

proteção de um patrimônio que seja identificado pela sociedade.

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Funari e Pelegrini (2006, p.20-21) apontam que a ênfase no patrimônio nacional

atinge seu ápice no período que vai de 1914 a 1945, quando duas guerras mundiais

eclodem sob o impulso dos nacionalismos. Alguns exemplos extremos mostram como

mesmo os vestígios mais distantes, no tempo e no espaço, podiam ser lidos como parte

da construção da nacionalidade. Assim, os italianos usavamos vestígios dos romanos

para construírem uma identidade calcada nesse patrimônio, restaurado, glorificado,

exaltado como exemplo do domínio do mundo pelos romanos e seus herdeiros, os

italianos.

Sendo assim, o processo de conhecimento histórico e de preservação dos bens

patrimoniais imateriais torna-se mais intenso a partir dos anos 2000 no Brasil, com o

Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de

Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) -

e consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR). Os bens culturais

imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, ao

modo de ser das pessoas.

Segundo o IPHAN, o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI),

instituído pelo Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, o qual viabiliza projetos de

identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do

Patrimônio Cultural Brasileiro, com respeito e proteção dos direitos difusos ou coletivos

relativos à preservação e ao uso desse bem. É um programa de apoio e fomento que

busca estabelecer parcerias com instituições dos governos federal, estaduais e

municipais, universidades, organizações não governamentais, agências de

desenvolvimento e organizações privadas ligadas à cultura e à pesquisa.

Ainda segundo os documentos do IPHAN que regulamentam o patrimônio cultural

imaterial, apontam que entre as atribuições do Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial (PNPI) está a elaboração de indicadores para acompanhamento e avaliação de

ações de valorização e salvaguarda do patrimônio cultural imaterial. Outros objetivos

são a captação de recursos e promoção da formação de uma rede de parceiros para

preservação, valorização e ampliação dos bens que compõem o Patrimônio Cultural

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Brasileiro, além do incentivo e apoio às iniciativas e práticas de preservação

desenvolvidas pela sociedade.

Nas diretrizes da política de apoio e fomento do PNPI estão previstas a

promoção da inclusão social e a melhoria das condições de vida de produtores e

detentores do patrimônio cultural imaterial, e medidas que ampliem a participação dos

grupos que produzem, transmitem e atualizam manifestações culturais de natureza

imaterial nos projetos de preservação e valorização desse patrimônio. A promoção da

salvaguarda de bens culturais imateriais deve ocorrer por meio do apoio às condições

materiais que propiciam a existência desses bens e pela ampliação do acesso aos

benefícios gerados por essa preservação, e com a criação de mecanismos de proteção

efetiva dos bens culturais imateriais em situação de risco. ( IPHAN,2000)

NA Convenção para salvaguarda do Patrimônio Cultural imaterial, em Paris, em 17 de

outubro de 2003, define patrimônio cultural imaterial:

Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações,

expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos,

artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os

grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante

de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se

transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas

comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a

natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e

continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

Para os fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio

cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos

humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos

e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável. 2. O “patrimônio cultural imaterial”,

conforme definido no parágrafo 1 acima, se manifesta em particular nos seguintes

campos: a) tradições e expressões orais, incluindo o idioma como veículo do patrimônio

cultural imaterial; b) expressões artísticas; c) práticas sociais, rituais e atos festivos; d)

conhecimentos e práticas relacionados à natureza e ao universo; e) técnicas artesanais

tradicionais.

Entre os bens patrimoniais imateriais registrados no Brasil, há as descrições no

Livro de Registro dos Saberes, Livro de registro de celebrações, Livro de Registro das

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Formas de Expressão, Livro de Registro dos Lugares. Com isso, é importante

fundamentar de que bem patrimonial imaterial estamos abordando

Os bens patrimoniais imateriais em Campo Grande/MS:

Ao longo da pesquisa realizada pontuamos que há alguns patrimônios imateriais

em Mato Grosso do Sul que são tombados pelo IPHAN, como: Modo de Fazer Viola

de Cocho, o qual esta no livro de Registro dos Saberes, 14/01/2005. A

Roda de Capoeira, que consta Livro de Registro das Formas de Expressão,

21/10/2008. E Ofício dos Mestres de Capoeira, que esta no Livro de Registro

dos Saberes, 21/10/2008. Entre os bens inventariados tem-se: Modo de Fazer Viola de

Cocho, Região Fronteira Erval Sul Mato-Grossense, Centro de Referência Virtual da

Memória e do Patrimônio Cultural Guarani-Kaiowá, Região do Bolsão Sul Mato-

Grossense.

Como ações que visam a preservação e salvaguarda, o IPHAN determina as

diretrizes têm como pilares a documentação e a produção de conhecimento que abordam

o patrimônio cultural no contexto social e territorial onde se desenvolve, contemplando

as condições sociais, materiais e ambientais que permitem sua manutenção e

reprodução. A primeira diretriz propõe investir, prioritariamente, em mapeamento,

inventário, documentação e no reconhecimento da diversidade de expressões culturais

existentes no território nacional; a segunda busca melhorar as condições sociais,

materiais e ambientais que promovem a continuidade desses bens culturais; e a terceira

trata do desenvolvimento das bases conceituais, técnicas e administrativas necessárias

ao trabalho de salvaguarda, ou seja, ao investimento na capacitação de estruturas

institucionais. E entre a implementação dos instrumentos de salvaguarda está orientada

para as seguintes ações( IPHAN,2000, p 02):

Ações que buscam promover o reconhecimento da diversidade étnica e

cultural do País; descentralização das ações institucionais para regiões

historicamente pouco atendidas pela ação estatal; ampliação do uso social dos bens culturais e a democratização do acesso aos benefícios gerados pelo seu

reconhecimento como patrimônio cultural; e sustentabilidade das ações de

preservação por meio da promoção do desenvolvimento social e econômico

das comunidades portadoras e mantenedoras do patrimônio; e a defesa de

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bens culturais em situação de risco e dos direitos relacionados às expressões

reconhecidas como patrimônio.

A partir da análise dos instrumentos de preservação e salvaguarda dos

patrimônios imateriais de Mato Grosso do Sul, percebe-se que ainda são poucos os bens

registrados, o que pode representar, a ausência de processos de preservação das

manifestações culturais em Mato Grosso do Sul.

Por isso, buscamos analisar dois bens patrimoniais imateriais, um registrado: viola de

cocho e outro que não é registrado,o fazer das artesãs.

A viola de cocho2 é um instrumento musical singular quanto à forma e sonoridade,

produzido exclusivamente de forma artesanal, com a utilização de matérias-primas

existentes na Região Centro-Oeste do Brasil. Sua produção é realizada por mestres

cururueiros, tanto para uso próprio como para atender à demanda do mercado local,

constituída por cururueiros e mestres da dança do siriri. O Modo de Fazer a Viola de

Cocho foi registrado no Livro dos Saberes, em 2005.

O nome viola de cocho deve-se à técnica de escavação da caixa de ressonância da viola

em uma tora de madeira inteiriça, mesma técnica utilizada na fabricação de cochos

(recipientes em que é depositado o alimento para o gado). Nesse cocho, já talhado no

formato de viola, são afixados um tampo e, em seguida, as partes que caracterizam o

instrumento, como cavalete, espelho, rastilho e cravelhas. A confecção, artesanal,

determina variações observadas de artesão para artesão, de braço para braço, de forma

para forma. ( IPHAN, 2000, p 03)

As imagens abaixo mostram como foi registrado o processo de fazer a viola de

cocho, no livro modos de fazer a viola de cocho( IPHAN) em que há a descrição de todo

o processo cultural que envolve diferentes gerações.

2 koschó: descrito como um violino de cordas de tripa, feito de madeira de salgueiro.

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O processo de fazer a viola, a integração entre as pessoas que fazem parte da

comunidade, desde os mais velhos aos mais jovens apresenta uma fundamentação

histórica no saber fazer regional, que intensifica a valorização da cultura regional. Se é

a força da tradição cultural, não vamos definir nem problematizar neste texto, mas que

tem uma influência das abordagens de contextos sociais e culturais marcados pelas

diferenças, pelas inserções do avanço tecnológico. É importante analisar como são

disseminadas as imagens deste fazer da viola de cocho, pois sempre trazem os homens

em todo o processo: desde a construção até nas festas. Como podemos perceber nas

imagens abaixo, que constam do livro de saberes do Instituto de Patrimônio Artístico

Nacional( IPHAN):

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Essas imagens e outras que estão disponíveis no livro de saber fazer Viola de

Cocho nos encaminham para algumas problematizações sobre os bens culturais

imateriais e sua preservação. Isso porque, a partir das imagens, que trazem consigo

representações culturais ou seja, vemos, hoje, que o estudo da imagem é fundamental

para o entendimento dos múltiplos pontos de vista que os homens constroem a respeito

de si mesmos e dos outros” (ALEGRE,1998, p.76)

E contrapondo ao que esta proposto sobre o fazer da viola de cocho,

identificamos na pesquisa que estamos realizando, o saber fazer de artesãs em Campo

Grande/MS, as quais estão vinculadas a Casa do Artesão. A casa do artesão Situada em

um prédio histórico e centenário que marca o crescimento da nossa Capital, a Casa do

Artesão de Campo Grande é um espaço singular de comercialização do rico e diverso

artesanato de Mato Grosso do Sul. Sua sede foi construída entre 1918 e 1923 sob as

ordens de Francisco Cetraro e Pasquele Cândida, com projeto do engenheiro Camilo

Boni. Foi a primeira sede do Banco do Brasil (cujo cofre é uma das atrações do local),

comércio e autarquia pública, é tombada em âmbito estadual, com decreto no 7.863, de

13 de julho de 1994.

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Mesmo sendo a Casa do artesão, a maioria dos bens patrimoniais imateriais

produzidos neste espaço são feitos por mulheres. Porém, nossa pesquisa ampliou-se e

buscamos em outros espaços, analisar o saber fazer das mulheres artesãs. As quais

tecem seu saber fazer, indo da tradição cultural a reutilização de novas técnicas

artísticas. Neste sentido, percebe-se a importância de abordar as contribuições culturais

para a formação das identidades regionais, pois nos detemos a analisar e reconhecer as

ações dos atores sociais( homens e mulheres) que com seu saber fazer contribuem para a

abordagem das dimensões culturais regionais. Ou como aponta Chartier (2009, p 49)

O objeto fundamental de uma história que se propõe reconhecer a maneira

como atores sociais dão sentido às suas práticas e a seus enunciados se situa,

portanto, na tensão entre, por um lado, as capacidades inventivas dos

indivíduos ou das comunidades e, por outro, as restrições e as convenções

que limitam – de maneira mais ou menos clara conforme a posição que

ocupam nas relações de dominação – o que lhes é possível pensar, dizer e

fazer.

Adentrando nas comunidades e reconhecendo as memórias coletivas,

apontamos o saber fazer das mulheres artesãs, Entende-se por cultura todas as ações por

meio das quais os povos expressam suas “formas de criar, fazer e viver ” (Constituição

Federal de 1988,art. 216) . A cultura engloba tanto a linguagem com que as pessoas se

comunicam, contam suas histórias, fazem seus poemas, quanto a forma como constroem

suas casas, preparam seus alimentos, rezam, fazem festas. Percebe-se no texto

produzido pelo IPHAN que, as “crenças, suas visões de mundo, seus saberes e fazeres.

Trata-se, portanto, de um processo dinâmico de transmissão, de geração a geração, de

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práticas, sentidos e valores, que se criam e recriam (ou são criados e recriados)no

presente, na busca de soluções para os pequenos e grandes problemas que cada

sociedade ou indivíduo enfrentam ao longo da existência. ( IPHAN, 2008) Assim, as

pessoas de cada grupo social compartilham histórias e memórias coletivas, visões de

mundo e modos de organização social próprios. Ou seja, as pessoas estão ligadas por

um passado comum e por uma mesma língua, por costumes, crenças e saberes comuns,

coletivamente partilhados. A cultura e a memória são elementos que fazem com que

as pessoas se identifiquem umas com as outras, ou seja, reconheçam que têm e

partilham vários traços em comum. Nesse sentido, pode- se falar da identidade cultural

de um grupo social.

A concepção em examinar a questão de gênero, contextualmente e de considerá-

lo um fenômeno histórico. A história não é mais a respeito do que aconteceu a homens e

mulheres e como eles reagiram a isso, mas sim a respeito de como os significados

subjetivos e coletivos de homens e mulheres, como categorias de identidades foram

construídos (SCOTT, 1994, p. 19).

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Ainda, seguindo nesta concepção “historicizar gênero, enfatizar os significados

variáveis e contraditórios atribuídos à diferença sexual, os processo políticos através dos

quais esses significados são construídos, a instabilidade e maleabilidade das categorias

“mulheres” e “homens”, e os modos pelos quais essas categorias se articulam em termos

da outra, embora de maneira não consistente ou da mesma maneira em cada momento,

esse seria o encaminhamento das abordagens históricas. (Scott, 1994, p 25/26).

Assim, elencar as possibilidades de se abordar a história das mulheres e seu

saber fazer envolve a abordagem sobre cultura e sua contribuição na sociedade. Além

disso, pretendemos realizar vídeos e guias educativos que mostrem a importância destes

trabalhos artesanais para a cidade e para o Estado de Mato Grosso do Sul. Costa(2003, p

195) destaca que, “os estudos das mulheres, a história social e a dos feminismos,

aproximados, serão, agora, os lugares principais de assentamento do conceito de

gênero”.

A possibilidade de analisar sobre saberes culturais femininos, tem consonância

com a análise das categorias mulheres e cultura, também na aula de história e de

sociologia, justamente como uma ferramenta relacionada ao combate ao anacronismo e

ao etnocentrismo e em prol da reflexão acerca da diversidade.

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