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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO – CEDUC

CURSO DE LETRAS E ARTES

MIRELE FERNANDA CÂNDIDO DE SOUZA

IDENTIDADE E ALTERIDADE NA CONSTRUÇÃO POÉTICA DO MANUAL DA DELICADEZA DE A a Z, DE ROSEANA MURRAY

CAMPINA GRANDE – PB

2017

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MIRELE FERNANDA CÂNDIDO DE SOUZA

IDENTIDADE E ALTERIDADE NA CONSTRUÇÃO POÉTICA DO MANUAL DA DELICADEZA DE A a Z, DE ROSEANA MURRAY

Monografia apresentada ao Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, em cumprimento à exigência para a obtenção do Titulo de Licenciada em Letras Português.

Orientadora: Profª. Ana Lúcia Maria de Souza Neves

CAMPINA GRANDE – PB 2017

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DEDICATÓRIA

A minha amada filha Alicia, razão do meu viver, parte de mim que me

impulsiona a todo momento seguir em frente, me fazendo sempre

lembrar que o problemas não são obstáculos, mas oportunidades para

serem superados.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que é a base de tudo em que acredito, por tudo que tem feito em minha vida,

principalmente por ter me dado o dom da vida, por cada oportunidade oferecida, por cada

recomeço, pelos dons e, principalmente por estar ao meu lado, sempre me protegendo,

guiando e me iluminando com sua presença divina no mais íntimo do meu ser, possibilitando

assim um crescimento diário.

A minha irmã Ysleny Cândido, pelo apoio e paciência.

Aos meus pais que sempre me apoiaram principalmente no auxilio com minha filha,

sempre cuidando com muito carinho e atenção para que eu pudesse dar continuidade a este

curso.

Ao meu Esposo Alisson, que me acompanhou e apoiou no decorrer do curso.

À minha Orientadora Drª. Ana Lúcia Maria de Souza Neves, pelo acolhimento,

paciência e atenção.

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EPÍGRAFE

Carregamos pela vida afora os cheiros dos encontros raros, dos acontecimentos, da nossa primeira casa, do quintal, se houve quintal, da mãe na cozinha, dos sonhos quando acordamos. Se houvesse uma caixa para guardá-los, seriam nosso tesouro.

E, então, em dias de saudade abriríamos nossa caixa e mergulharíamos como num túnel do tempo.

CAIXA Roseana Murray Cinco sentidos e outros

Fonte: www.facebook.com/viver-poesias

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RESUMO

Nesta monografia realizamos um estudo da poesia de Roseana Murray presente na obra Manual da delicadeza de A a Z (2014), livro composto de 26 poemas. Como sugere o título, trata-se de uma coletânea de palavras/poemas organizados em ordem alfabética, que aborda sobre o afeto, o ver, o ouvir, a relação entre o Eu e o Outro, tendo como fio condutor a delicadeza. A pesquisa nasceu motivada pelo interesse em analisar de que forma identidade e alteridade estão construídas e se relacionam nos poemas. O objetivo principal desta pesquisa é dar visibilidade as questões de identidade e alteridade presentes na construção poética do Manual da Delicadeza de A a Z, de Roseana Murray, expressos em um universo de palavras, imagens, cores e diferentes impressões sensoriais, que despertam a reflexão sobre quem somos e a importância da ternura e da solidariedade na sociedade contemporânea. A metodologia do trabalho consistiu na leitura analítica dos poemas, atentando para os aspectos estéticos do texto, sem perder de vista o contexto histórico e cultural em que a obra foi produzida. Neste sentido, as reflexões buscaram identificar os mecanismos de construção identitária e suas relações com a produção e a representação da alteridade presente nos poemas. Para tanto, recorremos às contribuições teóricas de Bauman (2001, 2003, 2005, 2009), Hall (2006), Silva (2000), Zanella (2005), Calvino (1998), no que diz respeito à identidade e alteridade, bem como lançamos mão das contribuições dos estudiosos: Aguiar (2001), Cara (1986) para o estudo de aspectos característicos do poema e da poesia escrita para o público infantil e juvenil. PALAVRAS-CHAVE: Roseana Murray. Poesia. Identidade. Alteridade.

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ABSTRACT

This monograph was carried out a study of the poetry of Roseana Murray presentin the work Manual da delicadeza de A à Z ( 2014 ), the book is composed of 26 poems. As the title suggests, it is a collection of words/poems in alphabetical order, which deals with affection seeing, hearing and the relationship between the self and the other, having as a central thread the delicacy. The research was motivated by the interest in analyzing as identity and otherness are built and related in the poems. The main objective of this research is to give visibility to the questions of identity and otherness present in the poetic construction of Rose Murray’s Manual da Delicadeza de A à Z, expressed in a universe of words, images, colors and different sensorial impression that arouse the reflection about who we are and the importance of tenderness and solidarity in contemporary society. The methodology of the work consisted in the analytical reading of the poems, paying attention to the aesthetic aspects of the text without losing the historical and cultural context in which the work was produced. However, the reflections sought to identify the mechanism of identify construction subjectivies, relations with the induction and representation of alterity present in the poems. Therefore, it was used to the theorical contributions of Bauman (2003, 2005, 2009) Hall (2004, 2006) Culler (1999) Silva ( 2000), Zanella (2005), Calvino (1990), with respect to identity and otherness as well as using the contributions of the theorists: Aguiar ( 2001 ), Bosi ( 1994), Alves (2008), Cara (1986), for the study of characteristics aspects of the poem and poetry written for children and youths.

KEYWORDS: Roseana Murray. Poetry. Identity. Otherness.

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SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO……………………………………………………………………...09

2- A PRODUÇÃO DE POESIA PARA CRIANÇAS E JOVENS NO

BRASIL…………………………………..................................................................………..11

3- O UNIVERSO POÉTICO DE ROSEANA MURRAY: UMA APRENDIZAGEM

DO OLHAR, DO OUVIR E DO SENTIR A SI MESMO, O OUTRO E O MUNDO AO

REDOR...................................................................………………………………………….18

4- IDENTIDADE E ALTERIDADE NA CONSTRUÇÃO POÉTICA DO

MANUAL DA DELICADEZA DE A A Z............................................................…………...21

4.1 A construção do EU e a interação EU X Mundo a partir da leitura dos poemas

“Horizonte”, “Afago”, “Dádiva” e “Esperança”................................………………………...22

4.2 Rumo ao encontro do Outro: uma leitura dos poemas: “Fonte” e

“Gavetas”....................................................................................................…………………..32

CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………………………35

REFERÊNCIAS……………………………………………………………………………..37

ANEXO (POEMAS SELECIONADOS PARA COMPOR O CORPUS DO ESTUDO

………………………………………………………………………………………………...43

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1- INTRODUÇÃO

Os poemas da obra Manual da delicadeza de A a Z tematizam sobre a delicadeza

presente nos gestos, no jeito de olhar, no silêncio, nas palavras e ações, despertando a

sensibilidade e instigando a reflexão crítica a respeito das relações entre o Eu e o Outro na

sociedade contemporânea.

A coletânea apresenta um total de vinte e seis poemas organizando os títulos em ordem

alfabética da letra “A” a “Z”. Cada poema ocupa uma página e recebe uma ilustração. No

projeto gráfico, as ilustrações chamam à atenção devido ao hibridismo entre fotografia e

pintura, estabelecendo uma relação com o poema de complementaridade. Enquanto a maioria

dos poemas enfatiza os símbolos e os apelos sensoriais, enveredando por um viés abstrato, as

ilustrações retratam um universo mais concreto (pessoas, ruas, casas, paisagens), que, por sua

vez, harmoniza-se com os poemas, ao projetar, por meio de cores e traços fortes, sentimentos

humanos e intensas emoções.

Apesar de percebermos esta riqueza das imagens, neste trabalho centramos no estudo

dos poemas. Para tanto, selecionamos como corpus de análise os textos: “Afago”, “Dádiva”,

“Esperança”, “Fonte”, “Gavetas” e “Horizonte”.

O livro Manual da delicadeza de A a Z foi lançado em 2014, quando recebeu o prêmio

2001/FNLIJ – Altamente recomendável/Prêmio Adolfo Aizen. Nossa escolha pela obra como

objeto de estudo deveu-se não apenas por se tratar de um livro premiado, mas, por retratar, de

maneira singular, questões relativas à identidade e alteridade, discussões atuais e nem sempre

abordadas de maneira instigante com crianças e adolescentes.

O objetivo principal desta pesquisa é dar visibilidade as questões de identidade e

alteridade presentes na construção poética do Manual da Delicadeza de A a Z, de Roseana

Murray, expressos em um universo de palavras, imagens, cores e diferentes impressões

sensoriais, que despertam a reflexão sobre quem somos e a importância da ternura e da

solidariedade na sociedade contemporânea.

Diante do exposto, na análise dos poemas de Roseana Murray, nossa pesquisa justifica-

se pelo interesse em perceber os diferentes sentidos e movimentos na busca da identidade e da

alteridade reveladas nas práticas sociais do dia a dia dos sujeitos no mundo moderno. Dentro

desta perspectiva, a questão problema que gerencia este trabalho é de que forma (s) a poética

de Roseana Murray, centrada na aprendizagem do olhar, da leveza, da imagem e das

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multiplicidades, (re)constroi/(re)produz a alteridade, definindo quem é o “outro”, tornando-o

identificável, (in)visível, previsível.

Para tanto, organizamos o trabalho em três capítulos. No primeiro, “A produção poética

para crianças e jovens no Brasil”, realizamos, com base na leitura de vários estudiosos da

área, um breve painel histórico dos principais escritores, obras e paradigmas que regeram a

poesia direcionada ao público infantil e juvenil no Brasil nas últimas décadas. No segundo

capítulo, “O universo poético de Roseana Murray: uma aprendizagem do olhar, do ouvir e do

sentir a si mesmo, o outro e o mundo ao redor”, discorremos sobre aspectos característicos do

estilo da escritora em estudo. No último, “identidade e alteridade na construção poética do

manual da delicadeza de A a Z” realizamos a análise do corpus selecionado para estudo. Este

capítulo foi dividido em duas partes: 1) A construção do eu e a interação eu x mundo a partir

da leitura dos poemas “Horizonte”, “Afago”, “Dádiva” e “Esperança”; 2) Rumo ao encontro

do outro: uma leitura dos poemas: “Fonte” e “Gavetas”.

Esperamos com este trabalho contribuir para o debate em torno de novos pontos de

vista acerca da poesia feita por escritoras contemporâneas no país, resultando em matéria-

prima para futuras pesquisas a partir das questões levantadas na obra estudada.

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2- A PRODUÇÃO DE POEMAS PARA CRIANÇAS E JOVENS NO BRASIL

Como bem destaca Aguiar (2001, p.109), a poesia direcionada ao público infantil,

assim como as narrativas escritas para crianças, tem sua origem na tradição popular, no hábito

de fazer versos e rimas que os povos desde a antiguidade tão bem cultivaram.

Na realidade brasileira, a literatura direcionada ao público infantil, desde o primeiro

momento, seguiu os moldes do projeto educativo europeu:

(...) a imagem da criança presente em textos desta época é estereotipada, quer como virtuosa de comportamento exemplar quer como negligente e cruel. Além de estereotipada, essa imagem é anacrônica em relação ao que a psicologia da época afirmava a respeito da criança. Além disso, é comum também que esses textos infantis envolvam a criança que os protagoniza em situações igualmente modelares de aprendizagem: lendo um livro, ouvindo histórias edificantes, tendo conversas educativas com os pais e professores... (LAJOLO; ZILBERMAM, 1986, p. 34).

Neste sentido, a Literatura infantil, durante muitos anos, seguiu rumos impostos pela

sociedade burguesa, sendo moldada pelos padrões pedagogizantes. Durante o século XVII e

meados do século XVIII, as produções literárias encontravam-se inseridas em determinados

contextos que buscavam retratar em cada produção a tomada de consciência da cultura, da

política, da economia, delineando, assim, a exaltação dos valores morais e cívicos, retratados

pela sociedade. Desta maneira, as crianças não tinham liberdade de escolha literária,

tampouco, acesso aos livros como objeto de prazer e motivação, uma vez que os livros

destinados ao público infantil eram meramente didáticos e religiosos.

A ligação com a pedagogia objetivava transmitir valores burgueses para serem

incorporados como instrumento de ensinamento educacional, com base na visão de mundo do

adulto, pois, o repertório de mensagens que os livros deveriam apresentar era comum aos

produzidos para adultos, ou seja, suas abordagens eram sujeitas aos ditames da classe

burguesa, limitadas, portanto, à área pedagógica.

No prefácio da obra Poesias infantis (1904) do poeta Olavo Bilac, o escritor

parnasiano deixa clara a intenção de educar por meio da poesia:

Quando a Casa Alves & Cia me incumbiu de preparar este livro para uso das aulas de instrução primária, não deixei de pensar, com receios, nas dificuldades grandes do trabalho. (...) Em certos livros de leitura que todos conhecemos, os autores, querendo evitar o apuro do estilo, fazem períodos sem sintaxe e versos sem metrificação. Uma poesia infantil, conheço eu, longa, que não tem um só verso certo! (...) O livro aqui está. É um livro em que não há animais que falem, nem fadas que protegem ou perseguem crianças, nem as feiticeiras que entram pelos buracos das fechaduras; há aqui descrições da natureza, cenas de família, hinos ao trabalho, à

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fé, ao dever; alusões ligeiras à história da pátria, pequenos contos em que a bondade é louvada e premiada. (...) Fiz o possível para não escrever de maneira que parecesse fútil demais aos artistas e complicado demais às crianças. (BILAC, 1904, p. 11).

Conforme Cademartori (1986, p. 38-39), “a criança, na época, era concebida como um

adulto em potencial, cujo acesso ao estágio dos mais velhos só se realizaria através de um

longo período de maturação”.

A partir dos séculos XVIII e XIX, com o "surgimento da família nuclear", de pais

provedores do sustento e da mãe como "rainha do lar" (a qual tinha como atividades cuidar da

casa, do marido e educar os filhos), a criança passa então a ser reconhecida como um ser

frágil e em constante formação, que exigia um tratamento diferente do que até então era dado

ao adulto.

De acordo com Neves (2014), pautando-se no artigo “Mulheres escrevem para criança

(1890-1930)”, de Rosa Maria de Carvalho Gens (2003), no século XIX várias escritoras

destacaram-se escrevendo poesias para crianças. Dentre estes três nomes são apontados como

referências: Júlia Lopes de Almeida (1862-1934); Emília Moncorvo Bandeira de Mello

(1852-1911), que usava o pseudônimo de Carmem Dolores; e Cecília Bandeira de Melo

Rebelo de Vasconcellos (1870-1948), que assinava as obras sob o pseudônimo de

Chrysanthème.

Segundo Gens, nas obras das escritoras citadas, a representação da infância encontra-se

circunscrita e conduzida pelo tom pedagógico. A literatura infantil é escrita visando a atender

aos anseios da sociedade da época marcada pelos ideais de nacionalização e modernização:

Ao final do século XIX, forte é a corrente positivista que deseja a condução de comportamentos e a literatura destinada a crianças torna-se excelente veículo para marcar os contornos dos comportamentos desejados. Tratava-se, nessa primeira leva de livros infantis que podem ser considerados como brasileiros, de produzir perfis de crianças que se adaptassem ao padrão almejado. Assim, a ênfase recaía em formar comportamentos condizentes com o que se entendia por criança. O escopo das obras situa-se na função de educar, harmonizando-se com a tarefa de educadoras que cabia às mulheres. Seres que educam e outros que existem no mundo para serem educados – estava feita a dobradinha que vai permitir o desenvolvimento de uma imagem de escritora ligada ao público infantil (GENS, 2003, p. 117).

Este viés pedagogizante apresentava para a criança modelos de comportamentos

considerados exemplar, conforme aponta os versos do poema “O bom menino”, de Cecília

Meireles, presente no seu livro Criança meu amor, de 1924 e a segunda edição de 1977:

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O bom menino Sei de um menino que vem todos os dias a escola. Com a sua roupinha asseada E as suas lições bem sabidas. Na rua vendo-o passar a gente grande diz - Este menino tão pequeno parece um homenzinho! Porque ele não vem aos pulos e aos gritos como os outros colegiais. Vem como uma criança ajuizada, bem direitinho, Muito direitinho.... Na escola, é amigo de todos os colegas. Nunca ninguém se queixou deste menino. É ele que aconselha os mais turbulentos a não brigar; É ele que reparte a sua merenda com os pequenos pobres; É ele, enfim, que explica aos mais atrasados as lições que não compreenderam bem.... Sei de um menino modelo, cujo nome não digo, Porque ele não gostaria, se eu dissesse... Qual de vocês conhecem este menino? Qual de vocês é ele? (Cecília Meireles, 1977, p. 11).

A Poesia de Cecilia Meireles representa o modelo da criança "obediente", "bem

comportada", cumprindo os papéis propiciados pelo contexto histórico e cultural da época.

Percebe-se, assim, que as produções destinadas as crianças inseridas neste contexto histórico,

de modo geral, possuía intenção claramente pedagógica, sendo a literatura infantil e

infantojuvenil utilizada na escola como objeto educativo e disciplinador. Nesta perspectiva, as

primeiras produções literárias foram escritos por pedagogos e professores clássicos como bem

assegura Cunha (1991, p.23),

Fica evidenciada a estreita ligação da literatura infantil com a pedagogia, quando vemos, em toda a Europa, a importância que assumem os grandes educadores da época, na criação de uma literatura para crianças e jovens. Suas intenções eram fundamentalmente formativas e informativas, até enciclopédicas. Bons exemplos disso são as obras de Comenius, Basedow, Campe, Fénélon, entre outros.

Com vistas a tais produções literárias, que deturpavam o conceito de literatura infantil

e infantojuvenil é que Lisboa (2002), cria um estilo de escrita que revela o prazer de saborear

palavras, marcar ritmos e descobrir belezas, superando a poesia moralista e pedagógica da

época, como bem afirma sobre à necessidade de material literário adequado à escola e

acessível à infância,

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Em longo e interessado convívio escolar, sempre me preocupou a falta de material literário com que lutam os professores para tornarem mais atraente e, pois, mais eficaz o ensino da língua. [...] De outro lado, em constante contato com as letras, sempre me impressionou e encantou a literatura oral, concisa e fecunda no seu realismo, tanto quanto ardente no seu idealismo (LISBOA, 2002, p. 13).

Com base nestas afirmações percebe-se, então, que as novas conceituações sobre o ser

criança estão aos poucos sendo moldadas e adequadas as necessidades do público infantil, em

relação as obras já existentes, promovendo assim, diversas transformações no entendimento

da literatura, de maneira que, a partir daí os leitores infantis passam a acompanhar por meio

dos textos as descobertas de um mundo diferente do já vivenciado até então, e por meio

destes, terão a oportunidade de adentrar em um mundo lúdico, mágico que vai de encontro

com a fantasia, estabelecendo, assim, uma linha tênue entre imaginação e realidade.

Bordini (1991, p.109) destaca outros vieses da poesia direcionada para a criança no

Brasil:

Historicamente a poesia infantil seguiu por três caminhos: a apropriação de criações folclóricas nem sempre dirigidas ao público infantil; a criação especificamente para crianças, nos estilos poéticos em voga em cada época; a adaptação de poemas clássicos para infância.

E só a partir do século XX que a produção literária direcionada para o público infantil

e juvenil traça uma ruptura com a poética tradicional e revitaliza os textos literários para que

pudessem acompanhar os anseios, sonhos e a imaginação das crianças e jovens, com uma

ênfase na liberdade de expressão e na ludicidade, levando em consideração que a criança

deveria ser tratada como um ser com necessidades e características diferentes dos adultos,

principalmente, quando estivéssemos falando de uma fase de transição para a vida adulta.

Dentro desse processo inovador, a criança é descoberta como um ser que precisava de cuidados específicos para a sua formação humanística, cívica, espiritual, ética e intelectual. E os novos conceitos de Vida, Educação e Cultura abrem caminhos para os novos e ainda tateantes procedimentos na área pedagógica e na literária. Pode-se dizer que é nesse momento que a criança entra com um valor a ser levado em consideração no processo social e no contexto humano. (...) Nos rastros dessa descoberta da criança surge também a preocupação com a literatura que lhe serviria para a leitura, isto é,para a sua informação sobre os mais diferentes conhecimentos e para a formação de sua mente e personalidade.(COELHO, 1991, p.139).

Percebemos então que as novas conceituações sobre a criança e a infância tornaram-se

essencial para construção da personalidade infantil, influenciando assim, diretamente no

desenvolvimento intelectual, moral e ético da criança, pois literatura é cultura e é através da

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cultura que desenvolvemos o nosso referencial para a formação de uma consciência de

mundo e para o processo de construção identitária.

No início do século XX destaca-se, segundo Neves (2014), a poetisa Henriqueta

Lisboa com a sua obra O menino poeta (1943) e com os seus textos críticos sobre poesia. Na

concepção de Henriqueta:

a poesia ensina ao fazer o leitor refletir criticamente sobre si mesmo e sobre o mundo no qual está inserido, sem perder a sensibilidade. Em suas entrevistas, prólogos e ensaios Henriqueta mostra-se a educadora preocupada com a formação estética e cultural de crianças e jovens no Brasil, bem como o compromisso da artista que via na arte, e mais especificamente na literatura, um meio fundamental para o florescimento da sensibilidade, da imaginação e da criticidade do leitor. (p.89).

Nesta perspectiva, a poetisa destaca o papel que a imaginação desempenha na vida da

criança, "provocando um quadro mental esteticamente produtivo, dosando a quantidade de

vazios ou indeterminações de modo a permitir que o leitor os preencha segundo seu horizonte

de pressuposições e conceitos." (BORDINI, 1986, p. 158), oferecendo ainda, as diversas

possibilidades de representação do real e os modos próprios de estar no mundo e de interagir

com ele.

Segundo Coelho (1991, p.5), a Literatura Infantil é:

Abertura para a formação de uma nova mentalidade, além de ser um instrumento de emoções, diversão ou prazer, desempenhada pelas histórias, mitos, lendas, poemas, contos, teatro, etc., criadas pela imaginação poética, ao nível da mente infantil, que objetiva a educação integral da criança, propiciando-lhe a educação humanística e ajudando-a na formação de seu próprio estilo.

É assim que se expressa Lisboa (1974, p.1) ao comentar o livro O peixe e o pássaro, de

Bartolomeu Campos de Queirós:

O mundo - principalmente o das crianças - precisa contaminar-se de cores em transparência, fluidez de linguagem, delicadeza de dicção, sobriedade expressiva e magia musical, qualidades presentes no poema em questão. As crianças devem - mais do que em geral se presume e hoje mais do que nunca encontrar uma faixa de relacionamento e equilíbrio em que se harmonizem seus sentidos e sonhos, entre as sombras do ignorado e os vislumbres do pressentido.

Para Henriqueta (1955, p.87,88), a poesia não tem destinatário, no sentido de algo

limitador, definitivo; diferentemente de Bordini, quando trata de dosar a quantidade de vazios

da indeterminação:

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Como todas as grandes cousas verdadeiras, a poesia é uma só. Uma só cousa – vasta, profunda, total. Que subsiste através de rótulos, desconhece divisões, emerge de departamentos e escolhas. Que não se atém a capacidade ou incapacidade de apreensão alheia, nem sequer a necessidades outras que não a sua própria necessidade de existir.

As palavras de Henriqueta se referem ao fenômeno poético como aspecto humano e

artístico que precisa ser considerado sempre de maneira plena. Logo, para Henriqueta, a

poesia, considerada como obra de arte, não deve ser acompanhada de adjetivo restritivo

(poesia infantil, juvenil, adulta), pois, na realidade, a “verdadeira” poesia não se limita a

rótulos. No ensaio intitulado “Poesia e didática” afirma:

Adjetivos ao lado da palavra poesia são geralmente supérfluos. Limitam-se quando muito há um círculo de sistema, como, por exemplo, na expressão “poesia didática”. Em rigor, poesia didática deixa de ser poesia pela razão de ser didática, ou melhor, por ter uma finalidade que não se enquadra no jogo poético.” (LISBOA, 1955, p.57).

Para a poetisa, “é por engano que se empresta à poesia a função de ensinar.”

(LISBOA, 1955, p.57). Segundo ela, a poesia “poderá ensinar, porém acidentalmente, desde

que o elemento lírico se sobreleve ao enunciado filosófico ou científico (...) ensinará, pois,

com a vida, de modo implícito e possivelmente melhor do que a escola.” (LISBOA, 1955, p.

58).

É, a partir desta perspectiva, que devemos refletir sobre o que realmente é

“classificado” como texto infantil, levando em consideração que os critérios de escrita são

variados, exigentes e que o público infantil encontra-se em fase de descobrimento e de

construção de sua personalidade, portanto, faz-se necessário ter um cuidado especial nas

produções escritas, tendo em vista que os poemas, antes de tudo, precisam despertar a

sensibilidade e ser capazes de conquistar o leitor, contribuindo para formação de um leitor

crítico.

Cecília Meireles defendeu como Literatura Infantil o que para as crianças se escreve.

Seria mais acertado, talvez, assim classificar o que elas leem. Não haveria, pois, uma

Literatura Infantil “a priori”, mas “a posteriori”. (MEIRELES, 1979, p. 19).

Em sua poesia, principalmente no livro Ou isto ou aquilo (1964), Meireles mostrou-se

atenta as riquezas do léxico e dos ritmos portugueses, foi a autora que modulou os metros

breves, marcou esta fase de transição de estilos literários com uma valoração para as crianças,

iniciando assim uma nova fase da poesia para o público infantil, privilegiando a visão da

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criança diante da contemplação do mundo. Ela também proferiu inúmeras conferências, não

só no Brasil como no exterior, tratando não apenas de leituras infantis, mas também das

metodologias utilizadas no processo de ensino.

Além de Cecília Meireles, destacam-se no Brasil, pela produção de poesia para

criança, escritores como Vinícius de Moraes (1913-1980), Sidônio Muralha (1920-1982), José

Paulo Paes (1926-1998), Sérgio Capparelli (1947), Elias José (1936-2008), Roseana Murray

(1950 até o presente).

De modo geral, a poesia foi a expressão poética a que mais pronta e mais radicalmente

se alterou com o advento da modernidade. De acordo com Salete Cara (1986, p.30):

A única maneira de reacender a chama da linguagem criativa era então incorporar, na poesia, o mundo e as circunstâncias da modernidade, esse privilégio no entanto não puderam assumir todos os poetas românticos, mas alguns que, dessa forma, já estabeleceram diálogo com o simbolismo e a poesia moderna.

Embora a autora esteja referindo-se não especificamente a poesia para criança, mas a

poesia em geral, os textos para crianças e jovens também passaram com o Modernismo por

mudanças linguísticas, estruturais e temáticas. De acordo com Aguiar (2001), no momento em

que os escritores adultos começam a entender o mundo da criança, seus textos passam a

cultivar temas e linguagens que tocam a sensibilidade infantil, sem menosprezá-la ou protegê-

la. (p. 109).

Nesta perspectiva, devemos reconhecer que a leitura de poesia é uma modalidade

singular de aprendizagem, interação e comunicação. Por meio desta, os alunos ampliam o seu

repertório de conhecimento, não apenas da escrita e da leitura, mas também em relação aos

aspectos sociais e culturais da realidade atual. De acordo com Bocheco (2002, p.33-35):

a poesia oferece-se como possibilidade de reavivamento da relação sensível com o mundo, ao encontro do que é profundo e original nos seres e nas coisas, porque na poesia, como arte, a palavra readquire a face perdida, retoma a aura lúdica, a plenitude da palavra original (...) O mergulho no tempo do poético, na plenitude da palavra, traz de volta os elos mágicos entre palavras e seres. A imagem poética exalta a riqueza das palavras; imanta-se através da corrente metafórica e promove um retorno ao verbo original.

O autor afirma que é por meio de poesias que se tem a possibilidade de explorar ao

máximo a “irrealidade” do imaginário infantil, pois a poesia reconfigura o universo infantil,

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conferindo-lhe novas formas de expressão além de contribuir para o desenvolvimento

sociointeracional.

Na poesia infantil brasileira muitos foram os meios pelos quais os poetas enveredaram,

dentre estes: o humor, a fusão prosa e poesia e o trabalho com a palavra de maneira lúdica e

inventiva. Para Aguiar (2001), a poesia infantil só está plenamente realizada quando é capaz

de se aproximar do leitor, criar imagens, sons e ritmos que façam a criança brincar com a

linguagem e descobrir novas formas de se relacionar com o mundo. (p. 131).

Para Coelho (2000)

Se partirmos do princípio de que hoje a educação da criança visa basicamente levá-la a descobrir a realidade que a circunda; a ver realmente as coisas e os seres com que ela convive; a ter consciência de si mesma e do meio em que está situada (social e geograficamente); a enriquecer-lhe a intuição daquilo que está para além das aparências e ensiná-la a se comunicar eficazmente com os outros, a linguagem poética destaca-se como um dos mais adequados instrumentos didáticos (COELHO, 2000, p. 158).

Além disso, a poesia, particularmente a infantil, representa um campo propício para o

desenvolvimento do imaginário da criança, agindo diretamente sobre a sensibilidade infantil,

todavia, concordamos com as afirmações de Coelho até momento em que a linguagem poética

não passe a ser concebida com elemento prioritário para instrução didática.

3- O UNIVERSO POÉTICO DE ROSEANA MURRAY: UMA APRENDIZAGEM DO OLHAR, DO OUVIR E DO SENTIR A SI MESMO, O OUTRO E O MUNDO AO REDOR

“Poesia tira o que a gente tem de melhor de dentro da gente. E todos nascemos poetas, depois a gente vai esquecendo”1

A escritora Roseana Kligermann Murray nasceu no Rio de Janeiro em 1950. Filha de

imigrantes poloneses que vieram para o Brasil antes da Segunda Guerra Mundial é uma das

representantes de nossa poesia brasileira contemporânea que tem traçado um caminho

singular e diferenciado no percurso da lírica atual, dedicando sua escrita exclusivamente ao

público infantil e infanto-juvenil. Publicou seu primeiro livro infantil em 1980 (Fardo de

1 Roseana Murray In: CORDEIRO, Leonor. Entrevistando Roseana Murray. 14 Abril 2007. Disponível em:

http://www.leonorcordeiro.blogspot.com.br/. Acessado em: 12 Agosto 2016.)

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Carinho). Tem dois livros traduzidos no México (Casas, e Três Velhinhas tão velhinhas).

Seus poemas estão em antologias na Espanha. Tem poemas traduzidos em seis línguas (in Um

Deus para 2000, Juan Arias, Esta grande desconhecida, Juan Arias).2

Recebeu o Prêmio O Melhor de Poesia da FNLIJ no ano de 1986 (Fruta no Ponto),

1994 (Tantos Medos e Outras Coragens), 1997 (Receitas de Olhar) e, em 2013, (Diário da

Montanhai).

Este ano a poetisa está completando 37 anos de produção literária. A respeito da sua

poesia para criança e jovens, ela declara em entrevista a Cruz (2014, p.3)³:

Em 1979, de brincadeira, comecei a escrever para meu filho mais velho, que ficava me rodeando, querendo ler tudo o que eu escrevia. Nessa época, ele estava na segunda série. Fiz uns poemas para ele e enviei-os à professora. Ela me mandou um bilhetinho dizendo que achava legal e que eu deveria tentar publicar. Levei-os para uma amiga ilustradora e pedi sua opinião: ‘Está uma gracinha. Eu vou ilustrar e a gente vai tentar’. Mandamos para várias editoras, em 1980. Aí, a Editora Murinho, que estreou com meu livro, publicou e, depois de algum tempo, ela faliu.

Roseana Murray já lançou 54 livros de poemas para crianças e jovens, 16 livros de

prosa destinada ao segmento infantil e juvenil e 7 livros de poesia não-infantil, totalizando 77

títulos publicados.

Na dissertação de mestrado, intitulada “A poética da delicadeza e do essencial: Roseana

Murray, Bartolomeu Campos Queirós e José Jorge Letria”, Gláucia Luiz destaca como

característica da obra de Roseana:

As obras de Roseana Murray provocam o descobrir-se, sugerem uma nova maneira de ver o mundo e o outro como integrante de sua vida, a abertura de caminhos de conscientização humanitária, além de responder à necessidade poética. Vemos aqui uma estreita relação entre os textos produzidos por Roseana Murray e os textos-vida trazidos pelo ser humano, isso provoca no receptor uma identificação tanto por seus textos-vida como pelo texto poético. Os títulos sugerem a delicadeza necessária para voltar-se para si e para o outro, assim reafirma a função renovadora do discurso poético na reumanização do ser humano. (LUIZ, 2007, p. 42).

A poetisa ressalta esta visão de mundo comprometida com o outro em entrevista

concedida a Felipe Cruz:

2 Estas informações foram coletadas no site HTTP//roseanamurray.com

³ Estas informações foram coletadas no site www.editorarealize.com.br/

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Acho que a poesia pode emocionar e tocar as pessoas e este seria o primeiro passo para qualquer mudança. Vivemos imersos numa sociedade violenta, numa cultura da violência, não existe no mundo uma cultura de paz. Todos brigam com todos. Hoje temos muitas guerras, muitas, muitas mortes de crianças e jovens, mulheres, velhos, civis, enfim. Pessoas no mundo vivem em situações terríveis. Povos inteiros fogem de lá para cá. Alguém pode ficar imune a isso? Sou uma poeta lírica, passo muita esperança com a minha poesia e me preocupo com o mundo. (CRUZ, 2014, p. 6).

Seus poemas seguem a construção de um projeto estético singular e inovador, que

transforma a poesia em momento de prazer e reflexão crítica, levando o leitor ao encontro de

si mesmo e do Outro (familiar, amigo, namorado, estranho). Seus textos fazem uso também

de uma linguagem que permite ao leitor transcender o lúdico, radicando-se de vez no poético,

abordando ainda, em sua poesia infantil o imaginário, o poético e subjetivo, com delicadeza e

sensibilidade. Segundo Zilberman (1997, p.1):

Roseana Murray pertence à geração de poetas aparecidos durante a década de 90, período em que a literatura em versos dirigida ao público infantil cresceu bastante. Após larga faixa de tempo em que reinaram praticamente sozinhos Cecília Meireles, Vinícius de Moraes e Sidônio Muralha (poder-se-ia acrescentar ainda o livro O menino poeta, de Henriqueta Lisboa), a poesia infantil cresceu em quantidade e qualidade, citando-se, entre seus praticantes, autores como Sérgio Capparelli, Elias José, Maria Dinorah, Roseana Murray.

Para Silva (2012, p.165), Roseana desde a primeira obra sempre voltou-se para o

público infantil e juvenil:

Roseana Murray, que estreou na literatura em 1980 com um livro de poemas para a infância, inclui-se entre os primeiros poetas a contemplar o público jovem. Desde a década de 80, ela vem construindo uma obra sólida e constante, de amplo reconhecimento da crítica, o que se evidencia nas sucessivas premiações e nos estudos críticos sobre sua obra, realizados principalmente nos programas de pós-graduação em Letras.

Silva (2012, p.165) ressalta, entretanto, que:

As gradações de tom, léxico, temática ou recursos estilísticos às vezes são tão sutis que se levanta a dúvida sobre qual seria, afinal, o público-alvo pretendido. Frequentemente é no formato e no projeto gráfico, ou, ainda, no catálogo da editora, mais do que nos textos em si, que o leitor vai encontrar esse esclarecimento.

Isto nos lembra das palavras de Lisboa (1955, p.87,88) com relação ao fato de que a

poesia não tem destinatário no sentido de algo limitador e definitivo. Além disso, mostra que

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Roseana Murray “não subestima seu leitor com facilitações de linguagem e obviedades de

assuntos”. (SILVA, 2012, p.165).

Ainda de acordo com Silva (2012), é preciso que o leitor esteja atento as peculiaridades

da dicção poética de Roseana e, mais do que isso, o leitor “precisa desarmar-se das peias do

pensamento lógico e abrir-se à imaginação sem rédeas, como faz nos momentos de sonho ou

de devaneio. Isto porque a poesia reside no domínio da emoção.” (p.167).

Vera Tietzmann destaca como imagens recorrentes na poesia infantil e juvenil de

Roseana Murray:

(...) imagens impregnadas de valor simbólico buscadas na paisagem natural ou na paisagem modificada pelo homem. São as árvores e os ninhos, os gatos, os pássaros e cavalos, a lua e as estrelas, mas, sobretudo, as águas, as nuvens e o vento (...). De presença forte e apelo marcante, a paisagem marinha se impõe na poética de Roseana: barcos, navios, farol, oceano, ondas, espumas, peixes e redes são imagens recorrentes, em que a ação do homem e da natureza se completam. Criada pela mão humana, a casa, com suas possibilidades de abrigo ou esconderijo, com seus poços e gavetas, ou com suas vias de acesso, suas portas e janelas, é presença insistente na obra desta poetisa. (apud SILVA, 2012, p.169).

Este investimento simbólico é observado também no livro Manual da delicadeza de A a

Z, conforme mostraremos nos tópicos a seguir.

4- IDENTIDADE E ALTERIDADE NA CONSTRUÇÃO POÉTICA DO MANUAL DA

DELICADEZA DE A a Z

Stuart Hall destaca na obra A Identidade Cultural na Pós-Modernidade (2006) três

distintas concepções de identidade: o sujeito do Iluminismo, o sociológico e o pós-moderno.

A primeira está baseada na concepção da pessoa humana como indivíduo centrado, unificado,

dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação. A segunda envolve um indivíduo

cuja identidade reflete na crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que

este núcleo interior do sujeito não é autosuficiente, mas formada na relação com outras

pessoas, mediadoras de outros valores, sentidos e símbolos. Segundo esta concepção, a

identidade é formada na interação entre o sujeito e a sociedade, preenchendo assim a noção de

espaço interior e exterior dentro de um espaço pessoal e social. A concepção do sujeito pós-

moderno, entretanto, aponta para um sujeito sem uma identidade fixa, essencial ou estável,

marcadamente fragmentada, muitas vezes refletindo em identidades contraditórias. É,

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portanto, formada e transformada continuamente de acordo com a cultura na qual estamos

inseridos.

Nesta perspectiva, Bauman (2003, p. 21) define as formações identitárias como:

Identidade significa aparecer: ser diferente e, por essa diferença, singular — e assim a procura da identidade não pode deixar de dividir e separar. E no entanto a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e ansiedades (...).

Logo, de acordo com os estudiosos citados, as identidades são formadas e modificadas

num diálogo contínuo com os mundos culturais "exteriores" e as identidades que esses

mundos oferecem.

A necessidade que o homem sente de construir sentidos para sua existência, já que não

os têm prontos, é muito bem retratada na sociedade moderna e pós-moderna. Segundo Hall

(2006, p. 12), esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceituado como não tendo uma

identidade flutuante.

Nesta perspectiva, ao discutir sobre a constituição dos sujeitos, estudiosos da

Psicologia, Antropologia, História, Estudos Culturais consideram que a dimensão singular é

“inexoravelmente constituída e constituidora do social, o que pode ser tematizado como

alteridade, como a dimensão de um outro ou das relações com outros”. (ZANELLA, 2005,

p.3) Os autores Hall e Silva lembram também que a identidade, tal como a diferença, é uma

relação social. Isso significa que sua definição - discursiva e linguística - está sujeita a vetores

de força, a relações de poder.

Para Silva (2000), a diferenciação é responsável por (re)construir/(re)produzir a

alteridade, por definir quem é o “outro”, e torná-lo identificável, (in)visível, previsível.

Com base nestas concepções, é possível percebermos que os versos de Roseana

enveredam por uma via onde são prioridades para o Eu juntar em vez de dividir, reunir em

vez de separar, proporcionar o encontro face a face entre os sujeitos, a troca de experiências, a

partilha, a delicadeza, o afeto, mostrando que é impossível fechar-se ao “outro”, mantê-lo

distante.

4.1 A construção do EU e a interação EU X Mundo a partir da leitura dos poemas “Horizonte”, “Afago”, “Dádiva” e “Esperança”

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Carregado de símbolos e imagens, o poema intitulado Horizonte nos propõe pensar na

existência humana, impulsionada pelos sonhos e desejos. Para tanto, o eu poético utiliza

referências a elementos da natureza e símbolos que apontam para significados atrelados à

construção do EU:

HORIZONTE Caminhar sobre a fina linha do horizonte requer profundo equilibro azul e muita delicadeza. Aí, onde céu e mar se encontram, onde estrelas cadentes se banham e sereias se vestem de lua, os sonhos se alimentam. (MURRAY, 2014, p. 17).

O titulo do poema “Horizonte” nos transmite uma ideia de longitude e evoca a beleza

que está no encontro, na união entre o mar ou a Terra e o céu. Sugerindo também que

devemos buscar ver para além do que os nossos olhos conseguem alcançar.

A linguagem simbólica instiga a nossa imaginação, apontando para a necessidade de

integração e harmonia do ser humano com a natureza:

"Caminhar sobre a fina linha do horizonte requer profundo equilibro azul e muita delicadeza."

O poema nos impulsiona a olhar para o mundo de forma mais sensível. As palavras

são carregadas de afetividade e despertam uma autenticidade na forma como podemos

enxergar o mundo: "Caminhar sobre a fina linha do horizonte".

É possível perceber, ainda, registros sensoriais, demarcados na identificação da cor

azul, os quais envolvem o sentir e o refletir, "requer profundo equilibro azul e muita

delicadeza", lembrando-nos de que as cores em seus diferentes significados podem nos

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transmitir luz e despertar sensações. Para tanto, Murray escolhe a cor azul que está, de acordo

com o dicionário de símbolos (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2012), relacionada com a

nobreza, harmonia, tranquilidade e serenidade.

Para o eu poético, é no horizonte, espaço símbolo do lugar desejado, que tudo se torna

possível. Como podemos observar nos versos abaixo:

"Aí, onde céu e mar se encontram, onde estrelas cadentes se banham e sereias se vestem de lua, os sonhos se alimentam."

As metáforas empregadas nesta estrofe revelam a busca do sujeito para a realização

dos sonhos. Pensando neste encontro entre o imaginário e o real, a poetisa nos convida a

compreender a necessidade de se conviver com as relações interpessoais, num constante

processo de mudanças, "Aí, onde céu e mar se encontram, os sonhos se alimentam”. A este

respeito, Bauman (2005) afirma que a busca identitária (re)vela: “(...) a verdade sobre a

condição precária e eternamente inconclusa do deve ser (...)”. (p. 21-22). Por estas razões,

Murray busca em seus poemas despertar o interesse do sujeito contemporâneo, inserido no

mundo individual e competitivo, pelas coisas simples que a vida oferece e por meio das

relações com o outro. A este respeito, vejamos o poema “Afago”:

AFAGO Afago é palavra bela, traz dentro água em movimento, água escorrendo, água de chuva, de cachoeira, água de lago, água de lago, água em murmúrio. Afagar o outro em nossa água, em nosso mel, em nossa alma. (MURRAY, 2014, p. 10).

Neste poema, dividido em duas estrofes, o eu poético fala do carinho por meio do

toque, do “afago”. O eu se volta para a existência do outro no sentido de estabelecer um elo

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com o de fora, que não o próprio eu, na contramão do que Bauman (2009, p.20) enfatiza sobre

a sociedade contemporânea:

O sucesso da busca da felicidade, propósito declarado e motivo supremo da vida individual, continua a ser desafiado pela própria forma de obtê-la (...) ligações frouxas e compromissos revogáveis são os preceitos que orientam tudo aquilo em que se engajam e a que se apegam.

Diferente dos que praticam a “arte da vida-liquida” (BAUMAN, 2009), os versos de

Roseana fundamentam-se na proposta de existência baseada na relação do homem consigo

mesmo e com o mundo em que está inserido, ampliando a perspectiva existencial para um

olhar em relação à vida como partilha, encontro, entrega.

A inter-relação entre palavras, musicalidade e imagens, presente no poema, destaca o

afeto como aspecto impulsionador desta poesia que fala do EU na busca pelo Outro e da

relação deste Eu no encontro afetivo com o Outro. Evidenciam-se ainda, no poema, imagens

que aludem a fluidez da existência ("água escorrendo"/"água de chuva"), por meio das quais o

eu poético refere-se à subjetividade, ao íntimo, à descrição dos sentimentos.

Outras imagens, selecionadas cuidadosamente neste poema, representam a rapidez dos

movimentos demarcados em palavras como podemos destacar: "escorrendo, chuva,

cachoeira", aspecto que segundo Calvino (1998) pode ser interpretado como a busca pela

retirada do peso da vida.

Assim, neste processo de leitura e reflexão, o poema desencadeia uma comunicação por

meio dos sentidos com os acontecimentos que se passam ao redor de nós mesmos. A poesia

propicia um desvelar, a cada instante, uma nova forma de sentir e perceber as coisas. Quando

a poesia transborda enche o corpóreo como o rio inunda o mar e as eternas ondas das

sensações não param de beijar as areias do corpo, numa metamorfose corpórea que revela

novas linguagens. É se entregando ao mundo e ao sensível que o ser poeta se transforma em

poesia (MERLEAU-PONTY, 1999).

A leitura é leve e agradável à medida que desenha um percurso linear da vida, por meio

da fluidez que elementos da natureza podem representar, como: "a água que corre, que passa,

despejando em suas correntezas a fluidez da vida", demarcados pela renovação do

movimento, da correnteza que segue um ritmo de vida sem prender-se às margens ou às

rochas, tão pouco a uma cultura globalizada que deixa a vida afundar-se nos prazeres

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imediatistas de consumo. Ao contrário, o poema ressalta a importância do carinho, da fluidez

do afeto:

"Afago é palavra bela, traz dentro água em movimento, água escorrendo, água de chuva, de cachoeira, água de lago, água de lago, água em murmúrio".

Nesta perspectiva, Calvino (1988, p. 19) enfatiza que:

Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional, quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. As imagens de leveza que busco não devem, em contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos…

O que o autor busca destacar é que há uma ideia de passagem, de fluidez na busca pela

identidade, a qual nos remete a uma crise do eu consigo mesmo, na busca de seus referenciais

de autoconhecimento, dando sentido à vida mediante as condições reais, marcas presentes nos

versos de Roseana.

Stuart Hall (2006) aponta uma crise de identidades que tem tomado conta e

ressignificado o sujeito contemporâneo. Para o autor:

Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto do seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. (HALL, 2006, p.9).

A ressignificação está no deslocamento do sujeito, que passa a perceber que se constitui

na relação com o outro, conforme aponta Murray em outro poema da coletânea em estudo:

“Cuidar da vida, / desse infinito /novelo/ de tantas tramas / e cores, /cuidar de cada/vida //com

desvelo, / para que a Terra possa /continuar sua dança, /para que possamos todos, /continuar

nossa trança” (“ZELO”, 2014, p.35).

Segundo Bauman (2009, p.12), esta perspectiva em relação à vida trata-se "[…] a

leveza e graça acompanham a liberdade - de movimento, de escolha, de deixar de ser o que se

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é e de se tornar o que ainda não se é". Verifica-se, assim, que o processo de criação e

recriação de identidades nos permite a possibilidade de experimentação e fusão de diferentes

nuances da vida.

Na segunda estrofe do poema, composta de quatro versos curtos e estruturada por

meio de enjambement e da anáfora, recursos que contribuem para a musicalidade que ecoa

entre os versos, a autora destaca a necessidade de substantivação do outro, da necessidade do

toque e do acolhimento do outro no próprio íntimo:

"Afagar o outro em nossa água, em nosso mel, em nossa alma".

A temática abordada nesta estrofe sugere um transporta-se para o outro de tal forma

que representa um desnudar-se para o outro, tal como ele é, ao aconchegar-se nas entre as

pessoas, considerada vital para o equilíbrio interior do indivíduo.

Neste sentido, os versos de Murray denotam uma sensibilidade de alguém que corre

em busca do objeto ideal, da simplicidade encontrada nas pequenas coisas, demonstradas em

cada palavra: "Afagar o outro/ em nossa água, em nosso mel/em nossa alma". Para o eu

poético, a vida só tem sentido quando se está plenamente em paz consigo e com o outro. Ou

seja, a experiência de vida perpassa todo o ser e, por esta perspectiva, dá qualidade à

existência.

A recorrência de determinadas palavras no poema reitera o viés da delicadeza, como

por exemplo, "aconchego", substantivo abstrato que traz a ideia da aproximação com o outro,

por meio de pequenos gestos e atitudes, assim como a "água", que nos traz uma ideia de

pureza, renovação da alma e do corpo. Para tanto, as palavras evocam um clima de leveza,

que apontam para uma direção contrária à perseguida por muitos nos dias atuais. Época

proclamada pela busca de superioridade humana por meio de bens de consumo, onde os

valores são mensurados por outros valores para se obter cada vez mais satisfação própria,

desta forma a autora utiliza tal léxico como meio de transformar as palavras em significados

capazes de romper com a ideia de peso e de fracasso humano.

De acordo com Bauman (2009), a felicidade e a identidade nos dias atuais confundem-

se com bens de consumo, de manifestações convincentes de interesse pessoal e, nesta

perspectiva, o autor destaca:

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Os bens necessários para felicidade subjetiva, e notadamente os não-negociáveis, tem um denominador comum, é possível quantificá-los; pois nenhum aumento na quantidade de um bem pode compensar plena e totalmente a falta do outro… (p.15).

Desta forma, observa-se no poema a necessidade do contato com o outro, por meio de

trocas de afetos, sensibilidade, comunicação, associada à representação da multiplicidade das

impressões sensoriais como tato, paladar, visão, envolvendo o leitor.

Pelo viés da delicadeza, a poetisa segue seu Manual utilizando um tom de

confidências, expresso através de sua poesia na revelação de que o ser está sempre para além

de si mesmo, inserido em uma dinamicidade de novas possibilidades e de novas identidades.

Desta maneira, o poema “Dádiva” tematiza sobre a gratuidade das coisas simples da vida.

DÁDIVA A dádiva da vida em suas minúcias: lavar o rosto e as mãos, mastigar o pão e sol, guardar no coração o canto raro de um pássaro e a voz amada, como se guarda com delicadeza, no fundo da gaveta, o mapa das estradas já percorridas. Todos os dias novas estradas, estrelas novas e antigas. todos os dias o alfabeto da vida. (MURRAY, 2014, p. 13).

O poema “Dádiva” aborda sobre a importância de se valorizar as coisas simples do

cotidiano. Algo que está sendo cada vez mais posto de lado no mundo de hoje, marcado pelos

interesses consumistas. O poema propõe que se perceba nas atividades simples do cotidiano

(“lavar o rosto e as mãos”) o verdadeiro presente da vida, tendo em vista que a modernidade

liquida contribui para que nos afastemos de tudo isso e nos voltemos para o consumismo

exacerbado, compreender que as formas da vida contemporânea, segundo Bauman (2001) se

assemelham pela vulnerabilidade e fluidez incapazes de manter a mesma identidade por muito

tempo, o que reforça um estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos.

O tempo liquido permite o instantâneo e o temporário.

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A experiência de se valorizar o simples redimensiona a relação do eu com o presente,

o passado e o futuro. É preciso valorizar o hoje como resultado do passado, pois o ontem não

passou e, sem dúvida, ajuda-nos a compreender melhor o hoje e abrirá perspectivas para

“novas estradas”:

"A dádiva da vida em suas minúcias: lavar o rosto e as mãos, mastigar o pão e sol, guardar no coração o canto raro de um pássaro e a voz amada, como se guarda com delicadeza."

Conforme lembra-nos Barreto (2004, p.55), ao estudar as bases do pensamento de

Paulo Freire, “ao perceber o ontem, o hoje e o amanhã, o ser humano percebe a consequência

de sua ação sobre o mundo, nas diferentes épocas históricas. Se torna o sujeito de sua história

e por isso responsável por ela.”.

Esta dimensão de mundo expressa nesta poesia se contrapõe a dimensão de mundo na

qual estamos inseridos nos dias atuais, pois, o sentido da vida encontra-se atrelado a busca

incessante de bens de consumo, na perspectiva de alcançar o sonho da felicidade, de uma vida

plena e satisfatória por meio da ostentação de bens materiais. Assim, a busca interminável

pela felicidade sempre se tornará inalcançada.

Desta maneira, entende-se que a busca pelo ter na sociedade contemporânea tem

distanciado cada vez mais o indivíduo de sua própria identidade. Ao contrário, no poema de

Murray, o encontro com a felicidade é retratado a partir de elementos cotidianos, mas nem por

isso simplórios, pelo contrário, busca-se o que é essencial: “Guardar no coração/ o canto raro

de um pássaro/ e a voz amada,”. As imagens de Murray podem ser compreendidas de acordo

com as palavras de Bachelard (1998, p. 04):

Em sua simplicidade, a imagem não tem necessidade de um saber. Ela é a dádiva de uma consciência ingênua. Em sua expressão, é uma linguagem criança. Para bem exemplificar o que pode ser uma fenomenologia da imagem, para especificar que a imagem vem antes do pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, mais que uma fenomenologia do espírito, uma fenomenologia da alma.

O autor faz uma ponte entre a imagem poética e os sentidos, transitando paralelamente

entre o que se "é" e o que se deseja "ser", por meio da simplicidade e leveza, nos levando a

visualizar o universo poético e real:

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"guardar no coração o canto raro de um pássaro e a voz amada, como se guarda com delicadeza, no fundo da gaveta, o mapa das estradas já percorridas."

As memórias são consideradas fundamentais na constituição identitária do eu. A

Memória e a identidade se juntam e, ao narrar-se, o sujeito mobiliza suas experiências e põe

em ação tudo o que o constitui para construir uma narrativa de si (“o mapa das estradas já

percorridas”).

Um dos sentidos pelos qual envolve estes versos é a necessidade de guardar

sentimentos como força definitiva para a razão humana, a partir do presente, identificando-se

em relação às inquietudes que já se fazem ouvir nos acontecimentos vivenciados, numa

intensa sensação de resgate que envolve a trajetória de uma vida, em direção a uma inspiração

humana e social.

Podemos perceber ainda, neste poema, como o eu poético tem consciência de que o

futuro é construção decorrente do passado e do presente:

"Todos os dias novas estradas, estrelas novas e antigas. todos os dias o alfabeto da vida".

A identidade desse sujeito consiste em um resgate das suas memórias: “Faz hoje o que

se tornou possível pelo ontem” (BARRETO, 2004, p.55).

Ainda seguindo o viés da simplicidade encontra-se o poema intitulado Esperança, no

qual a poetisa busca em suas palavras a leveza, a significação da necessidade existencial do

homem em relação a valores considerados por muitos como antigos:

ESPERANÇA Muitos são os que carregam água na peneira, como disse o poeta Manoel de Barros, e esperança como estrela na lapela. muitos são os que acreditam

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em coisas simples e limpas, em coisas essenciais, amor, amizade, delicadeza, paz, e tantas outras palavras, antigas e urgentes. (MURRAY, 2014, p. 14).

Neste poema a poetisa realiza uma comparação entre o "peso", demarcado na palavra

“carregam/carregar”, e a leveza, simbolizada na imagem “água em peneira", apontando para a

realidade fragmentada em que vivemos, marcada por continuidades e descontinuidades e pela

fusão entre real e irreal.

A poetisa intitula o poema de "esperança", lembrando-nos mais uma vez das palavras

de Paulo Freire que dizia que é preciso ter esperança, mas do verbo “esperançar”. A esperança

não deve ser confundida com espera, ao contrário, esperançar é ir atrás, é não desistir. É ser

capaz de dizer não às alienações e ter a coragem de acreditar e reagir. (FREIRE, 1992).

“Esperançar” nos remete a um apelo para o reencontro e a valoração das coisas simples,

sejam elas concretas ou abstratas, que foram perdendo-se aos poucos em meio a um mundo

globalizado e elitizado. Mas, de acordo com o poema, ainda podemos ter esperança de nos

reencontrar nas pequenas minúcias que a vida oferece, por meio da harmonia de sentimentos

simples e positivos como: amor, amizade, delicadeza, paz.

O poema proporciona a reflexão de que na busca atual desenfreada por satisfação,

felicidade e sucesso terminamos esquecendo da experiência da amizade, do respeito à

diferença e da responsabilidade, valores que se integram e dependem, em certa medida, das

nossas atitudes e escolhas, dando-nos a possibilidade de reconhecer o outro e conviver com

ele, A esse respeito Bauman (2005, p. 17) afirma que:

Tornamo-nos conscientes de que o "pertencimento" e a "identidade" não tem a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores cruciais tanto para o pertencimento quanto para a identidade.

O interessante é que o poema mostra que existem diferentes formas de ver e agir,

enquanto uns se pautam pela idealização (carregar água na peneira), outros acreditam e

buscam valores considerados “antigos”. O poema representa a possibilidade de um olhar

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diferente a respeito das vivências de mundo na busca por novos demarcadores sociais do que

é ser feliz no mundo atual.

4.2 Rumo ao encontro do Outro: uma leitura dos poemas: “Fonte” e “Gavetas”

FONTE Como trapezista alcançar o outro num salto: mergulhar em seus olhos, navegar até o fundo. Alcançar o outro no que ele tem de mais belo, de luz e de mel, delicadeza e mistério. E, então, beber a água limpa dessa fonte. (MURRAY, 2014, p. 15).

A água, elemento primordial, considerada o ponto de partida para o surgimento da

vida, aparece com frequência nos versos de Murray como símbolo ora de renovação da vida

ora recurso condensador das emoções humanas. O poema “fonte” reúne, a nosso ver, estas

duas ideias. O encontro com o outro propiciará este mergulho na origem da vida, na fonte,

renovando a própria existência.

Tal mergulho ganha, na verdade, uma dimensão metafórica: "mergulhar em seus

olhos", delimitando um espaço receptivo à vida, navegando até o mais íntimo da vida

humana, e assim, poder ver o mundo como se ele fosse outro universo, um universo como a

plenitude das águas na sua forma mais sublime.

A figura do trapezista é recorrente na poesia de Roseana Murray. Há inclusive no livro

O circo um poema intitulado O Trapezista:

O Trapezista Vai e vem o trapezista se balançando no espaço.

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Pula a cerca que separa o circo do céu e com a cauda de um cometa faz um laço. Vai e vem o trapezista desarrumando as estrelas: Até a lua se assusta, esconde o rosto no regaço. volta ao chão o trapezista refazendo o mundo com seus passos.

Nesse aspecto, o espaço demarcado pela autora neste poema, funde-se entre um

presente marcado por movimentos corpóreos e sensoriais, que vai de encontro com o outro.

Para alcançar tais objetivos, a autora segue seu percurso semeando movimentos de suavidade

e encantamento, na busca pelos espaços almejados.Enveredando pelas metáforas, podemos

identificar ainda a fusão dos sentidos (visual, paladar, tato), revelador do envolvimento

exterior e interior do eu em busca do outro:

"Alcançar o outro no que ele tem de mais belo, de luz e de mel, delicadeza e mistério."

Na última estrofe do poema a palavra “fonte” é retomada e pode ser lida como uma

referência a este encontro do eu com o outro.

O poema Gavetas é outra composição de Roseana em que o eu se dirige ao outro:

GAVETAS Com delicadeza abrir as gavetas que guardam as palavras de seda. Deixá-las sempre ao alcance de um sopro, prontas para o vôo, para o ouvido, para a boca. Palavras de sedas são como borboletas douradas quando pousam no coração do outro. (MURRAY, 2014, p. 16).

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A poetisa mais uma vez traz uma linguagem que nos remete a um afago na alma, à

delicadeza do ser e do existir, nos convidando a adentrar no mundo das sensações, do bem-

estar e dos sentimentos agradáveis.

O poema é dividido em três estrofes. Sendo a primeira uma quadra, a segunda uma

sextilha e a última uma quintilha. Este poema, de certa forma, sintetiza o cuidado com o

outro presente na maioria dos poemas do livro. De caráter metalinguístico, há nos versos a

preocupação por encontrar as palavras que, cuidadosamente selecionadas e combinadas,

possam sugerir uma situação de leveza que contrarie o peso do viver e estabeleça o elo entre o

eu e o outro.

Todo o poema parece tocado pelo rico campo semântico relativo aos significados de

leveza (“palavra de seda”, “sopro”, “voo” e “borboletas”).

Outro símbolo presente no poema que chama a atenção é o da borboleta, mas

especificamente o da “borboleta dourada”. De acordo com o dicionário de Símbolos, a

borboleta é considerada o símbolo da transformação, felicidade, beleza, inconstância,

efemeridade da natureza e da renovação. No caso da borboleta amarela, ela simboliza uma

nova vida, numa analogia às flores da primavera, cuja cor predominante é o amarelo.

Assim, o poema Gavetas trata desta renovação da vida gerada pelo encontro entre o Eu

e o Outro, tornando este outro não como um objeto para minha posse, mas um ser cuja

importância é reconhecida.

Percebemos assim que a poesia de Roseana desperta a reflexão sobre a importância da

alteridade, mostrando a relevância do reconhecimento do Outro para uma vida mais humana

no mundo contemporâneo. Para tanto, seus versos tratam de uma integração harmoniosa com

o Outro que se revela na cotidianidade.

Conforme lembra-nos o filósofo Emmanuel Lévinas em seu livro Humanismo do outro

homem (Apud, COSTA &CAETANO, 2014, p.201), na sociedade ocidental atual “o ser

humano não está preocupado com o face-a-face, nem muito menos com o rosto do próximo.

O que tem poder e domínio nesse mundo contemporâneo é a questão econômica e política,

esquecendo-se muitas vezes da qualidade de vida do ser humano.”. É sobre esta realidade que

a poesia de Roseana trata.

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5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa trouxe reflexões em relação a um olhar sistêmico e delicado sobre

a construção da identidade na poesia de Roseana Murray (2014), fazendo uma ponte com as

relações de alteridade na sociedade Moderna.

Como vimos, a construção da identidade nos dias atuais está diretamente ligada a

existência de uma autoimagem positiva, conferida pelas tendências de encontrar em si

qualidades que agradam não apenas a seu EU, mas a conceitos e normas materialistas

delimitados pela sociedade. Nesta perspectiva, as reflexões aqui apresentadas demonstram os

dilemas em que os indivíduos se encontram, ao mesmo tempo em que o comportamento

individual demonstra uma busca de construção da imagem pessoal.

Assim, com o intuito de retomar o sentido humano por meio de um olhar diferenciado,

com foco nas relações do EU e do Outro, pudemos perceber na poesia de Roseana Murray

(2001) o resgate afetivo das relações humanas, demarcados no horizonte imagístico e

singular, que de forma significativa contribuiu para repensar os conceitos e as próprias

relações humanas. Para tais reflexões a poetisa utiliza em seus poemas uma linguagem

delicada, simples e metaforizada, com uma singularidade única que se faz necessária para

busca de reconhecimento do seu Eu em relação ao Outro, aspectos primordiais para

construção da identidade.

A construção das imagens utilizadas pela poetiza nos apresentou um campo semântico

de possibilidades para a produção de sentidos em relação a nossa ação sobre o mundo, uma

vez que é por meio dos poemas que temos a oportunidade de vivenciar um universo tão

complexo e ao mesmo tempo tão delicado.

Pudemos perceber ainda em seus poemas, a construção da identidade poética revelada

a partir de poemas que demonstram o sentimento do eu poético que deseja valorizar as coisas

simples e essenciais para a felicidade, em contraponto as questões de identidade na

modernidade ou pós-modernidade onde os indivíduos estão atrelados a uma realidade

materialista, momentânea e descartável.

A relação entre essas identidades construídas pela autora torna-se interessante, uma

vez que pontua as diferentes realidades atreladas com a definição e reconhecimento da

diferença uma vez que as identidades são reflexos dos processos sociais e culturais. No

entanto, Hall argumenta que:

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Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós pró- prios como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento e descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade para o indivíduo.” (HALL, 2006, p.09).

O autor enfatiza em sua citação que é indiscutível o processo de mudanças históricas e

sociais que são agregadas aos novos papéis, aos novos valores dos dias atuais, desta forma, a

visão para o social nos permite pensar como o destino do homem está preso a coisas incertas,

levando em consideração que "as lutas de gerações a respeito do necessário e do desejável

mostram outro modo de estabelecer as identidades e construir a nossa diferença".

(CANCLINI, 1999, p.39). De acordo com Bauman (2005, p. 60):

Para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno, atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com os precedentes e manter-se fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis e de curta duração, não constituem opções promissoras. Se outras pessoas as adotam (raramente de bom grado, pode-se estar certo!), são prontamente apontadas como sintomas da privação social e um estigma do fracasso na vida, da derrota, da desvalorização, da inferioridade social.

Neste sentido, as identidades passam a ser concebidas como uma trajetória a ser

percorrida por meio de grupos que se excluem ou se misturam a partir da definição de

interesses, coordenando valores e status. "Dentro de nós há identidades contraditórias,

empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo

continuamente deslocadas." (HALL, 2006, p.13).

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ANEXOS

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