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A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA
OBJETO DA INTERPRETAÇÃO
A Teoria da Interpretação fundamenta o entendimento das fontes do
Direito, muito especificamente das leis, sendo estas, portanto, como reiterado
aqui, o objeto da interpretação. Muito embora valem-se mencionar os
contratos, onde existem regras específicas e singulares que serão estudadas
mais adiante na disciplina de Direito Civil.
Para a eficaz interpretação das leis, é primordial entender como ela foi
escrita. Primeiro, saber que uma lei é dividida em três partes básicas9:
a) Parte preliminar, que compreende a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o
enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das disposições
normativas;
b) Parte normativa, que compreende o texto das normas de conteúdo
substantivo relacionadas com a matéria que está a ser regulada;
c) Parte final, que compreende as disposições pertinentes às medidas
necessárias à implementação das normas de conteúdo substantivo, às
disposições transitórias, se for o caso, a cláusula de vigência e a cláusula de
revogação, quando assim couber.
Em segundo lugar, como já visto introdutoriamente em Linguística
Aplicada ao Direito, formalmente, os textos legais serão articulados com
observância dos seguintes princípios:
I - A unidade básica de articulação será o artigo, que expressa um princípio ou
uma norma jurídica que deve ser seguido ou respeitado na hipótese por ele
regrada. O artigo é indicado pela abreviatura "Art.", seguida de numeração
ordinal até o nono e cardinal a partir deste. Nas citações legais, o artigo é a
única unidade básica da legislação obrigatória, sendo os demais elementos
facultativos10;
__________
9 - Art. 3º da Lei Complementar 95/98; 10 - Completa-se a referência dando o número da Lei e a data da sua promulgação ou edição.
Observação 1: Na hipótese de ter de complementar um artigo de lei após a sua edição, o complemento terá o mesmo número do artigo acrescido de uma letra maiúscula em ordem alfabética. Observação 2: Não é admitida a renumeração dos artigos de uma lei.
II - Os artigos vão se desdobrar em parágrafos ou em incisos; os parágrafos
em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens;. O caput do artigo é a
parte principal, é o cabeçalho, onde está a informação mais importante trazida
pelo artigo11;
III - Os parágrafos servem para explicitar o princípio ou norma jurídica neles
contidos e serão representados pelo sinal gráfico "§", seguido de numeração
ordinal até o nono e cardinal a partir deste, utilizando-se, quando existente
apenas um, a expressão "parágrafo único" por extenso;
IV - Os incisos servem como divisão de um artigo ou de um parágrafo para
melhor esclarecer o assunto neles contidos. Os incisos serão representados
por algarismos romanos;
V - As alíneas servem como subdivisões do artigo, do parágrafo ou do inciso
para detalhar o assunto e são representadas por letras minúsculas;
VI - Os itens representam a divisão das alíneas para melhor detalhamento do
assunto e devem ser expressos por algarismos arábicos;
VII - O agrupamento de artigos poderá constituir Subseções; o de Subseções,
a Seção; o de Seções, o Capítulo; o de Capítulos, o Título; o de Títulos, o Livro
e o de Livros, a Parte;
VIII - Os Capítulos, Títulos, Livros e Partes serão grafados em letras
maiúsculas e identificados por algarismos romanos, podendo estas últimas
desdobrar-se em Parte Geral e Parte Especial ou ser subdivididas em partes
expressas em numeral ordinal, por extenso;
IX - As Subseções e Seções serão identificadas em algarismos romanos,
grafadas em letras minúsculas e postas em negrito ou caracteres que as
coloquem em realce.
Exemplos: Art. 4°, parágrafo único, IV, “a”, “3”, da Lei n° 10.611/06; Art. 192, parágrafo 3°, VI, “c”, “16” do Código e Processo Civil ou CPC. __________
11 - Um exemplo de artigo que só possui caput é o art. 3˚ da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: ”art. 3˚ Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.”
TIPOLOGIA DA INTERPRETAÇÃO
Classificar as várias possibilidades de interpretação não é tarefa fácil
porque muitos aspectos podem ser considerados. Para nossos interesses,
vamos ter em conta quatro critérios dispostos didaticamente à continuação: o
sujeito interpretador, o método ou natureza e sua extensão. O correto
estudo e domínio destes métodos fará a diferença do bom intérprete.
Segundo o sujeito interpretador (ou órgão prolator do entendimento) a
interpretação pode ser:
1) Pública – Quando é realizada por agentes públicos autorizados, membros
dos três poderes da República. Assim sendo, a interpretação pública se divide
em:
1.1) autêntica – realizada pelo Legislativo, através de Lei exclusivamente. O
intérprete autêntico de Kelsen é o Juiz, aquele que além de compreender deve
celebrar o ato de vontade de dizer que a compreensão „é esta‟ ou „é aquela
outra‟. Vale-se frisar que o juiz não cria as normas, ele as expressa.
Exemplo: Art. 150, §4° e §5° do CP em que o próprio legislador procurou estabelecer os
contornos da palavra “casa”.
1.2) judicial – feita pelos juízes e tribunais, através das decisões, sentenças e
acórdãos. Forma a jurisprudência.
Exemplo: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a
interpretação da lei federal em todo o Brasil, seguindo os princípios constitucionais e a
garantia e defesa do Estado de Direito.
1.3) administrativa – feita pelos órgãos do Executivo. Esta, por sua vez,
ainda pode ser classificada em (1.3.1) regulamentar, quando traça normas
gerais, através de decretos e portarias, por exemplo, ou (1.3.2) casuística,
quando exarada em decisões particularizadas.
Exemplos: portaria do Ministério da Saúde que define o que é droga. Definição, realizada pela
polícia e pelo Ministério Público, do crime cometido.
2) Privada – Quando é realizada por particulares. Assim sendo, a interpretação
privada se divide em:
2.1) doutrinal – realizada pelos estudiosos, pelo Direito Científico.
Exemplo: A Exposição de Motivos do Código Penal.
2.2) usual – Advém dos costumes interpretativos.
Exemplo: O Código Canônico, em seu art. 29, já estabelecia que “o costume é ótimo
intérprete da lei.”
Segundo a natureza, ou dito em outras palavras, de acordo com as técnicas
empregadas, a interpretação pode ser:
1) Gramatical (exegética, literal ou filológica) – Considera o exame do
significado e alcance de cada palavra do texto que se está a trabalhar, o estudo
das conexões entre os termos, a análise da estrutura das frases. Requer o
conhecimento de ortografia, de gramática, de estilística, de etimologia e
logicamente de lexicologia, para se chegar de forma segura e confiável ao real
significado do texto legal. Está concentrada no texto em si (papel e palavras).
Não considera fatores externos, tais como: os significados político, sociológico,
social, cultural e até mesmo jurídico.
Exemplo: Art. 485 CC de 1916 e o Art. 1196 CC de 2002 (CABRAL, Vera. Apontes de aula. 2012)
Art. 485 - Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno, ou não, de
algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade.
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de
algum dos poderes inerentes à propriedade.
A pergunta que o intérprete faz ao analisar o gramatical de um texto é: na
língua portuguesa, nas tradições e regras desta língua, o que significa esse
texto?
Veja outro exemplo de interpretação exegética na anedota a seguir:
ROCAN X ADVOGADO
Um advogado dirigia distraído quando num sinal de PARE ele passa sem parar, e na frente tem
uma viatura da ROCAN.
Ao ser mandado parar, toma uma atitude de espertalhão.
Policial: - Boa tarde. Documento do carro e habilitação.
Advogado: - Mas por que, policial?
Policial: - Não parou no sinal de PARE ali atrás.
Advogado: - Eu diminuí, e como não vinha ninguém...
Policial: - Exato. Documentos do carro e habilitação.
Advogado: - Você sabe qual é a diferença jurídica entre diminuir e parar?
Policial: - A diferença é que a lei diz que num sinal de PARE, deve parar completamente.
Documento e habilitação.
Advogado: - Ouça policial, eu sou Advogado e sei de suas limitações na interpretação de texto
de lei, proponho-lhe o seguinte: Se você conseguir me explicar a diferença legal entre diminuir
e parar eu lhe dou os documentos e você pode me multar. Senão, vou embora, sem multa!
Policial: - Positivo, aceito. Pode fazer o favor de sair do veículo Sr. Advogado?
O Advogado desce e é então que os integrantes da ROCAN baixam o cacete, é porrada pra
tudo quanto é lado, tapa, botinada, cassetete, cotovelada etc.
O Advogado grita por socorro, e implora para pararem pelo amor de DEUS.
E o Policial pergunta: - Quer que a gente PARE ou só DIMINUA?
Advogado: - PARE.....PARE...PARE...
Policial: - Positivo..... Documento e habilitação.
Algumas vezes a interpretação gramatical será necessária para a
adequação da lei aos tempos modernos (não confunda-se com método
histórico), bastando somente uma mudança de vocábulos ou pontuação ou
readequação de termos na oração etc.
Exemplo: o art. 4o do CPP que antes, erroneamente, tratava de “jurisdição”, necessitando de outra forma interpretativa. Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas jurisdições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. (Redação dada pela Lei nº 9.043, de 9.5.1995)
2) Lógica (Racional) – É o método que investiga o sentido das diversas
locuções e orações, através de suas conexões no texto que se está a trabalhar.
Não se trata puramente de conhecer suas palavras, mas o seu alcance e sua
força. Tem uma premissa: “O Direito é obra da razão e portanto deve ser
razoável”; qualquer interpretação contrária à razão é equivocada. Trata-se de
reconstruir pelo caminho da lógica o raciocínio do legislador, para perceber
qual, entre duas assertivas possíveis, foi a que o mesmo quis empregar.
A interpretação lógica enquadra-se noutro momento da evolução da ciência
jurídica a partir do qual se passa a adotar o preceito da doutrina expresso por
Celso em D.1.3.17: “Conhecer as leis não é compreender as suas palavras,
mas o seu alcance e a sua força” (scire leges non hoc est verba earum tenere
sed vim ac potestatem). Funda-se no fato de que o estudo puro e simples da
letra da lei conduz a resultados insuficientes e imprecisos, havendo
necessidade de investigações mais amplas.
Os argumentos lógicos mais usuais são:
- A razão da lei (ratio legis) = determinar as razões sociais determinantes da
norma que está a ser interpretada, seus elementos históricos circunstanciais, a
relação existente entre a norma e a vida social,
- a intenção da lei (intentio legis) = diz respeito à finalidade, a forma de
elaboração desta. Um texto legal pode parecer claro, inquestionável; poderá,
contudo, revelar um sentido que não se patenteia de imediato.
- a ocasião da lei (occasio legis) = consiste no levantamento dos elementos
históricos coetâneos desta, pois o clima ideológico predominante na sua
elaboração influi decisivamente.
Exemplos: O art. 127 do CPC brasileiro enseja a interpretação lógica e revela, ao mesmo
tempo, a insuficiência da interpretação gramatical.
Configurar-se-á uma inconsistência lógica quando num mesmo diploma legal for utilizado o
mesmo termo em normas distintas com consequências diferentes.
A pergunta que o intérprete faz ao analisar o lógico de um texto é: qual a
interpretação desta norma satisfaz a lógica do razoável (adequada ao Direito)?
5) Sistemática (orgânica) – Considera que todo fragmento de Lei é parte de
um sistema complexo e amplo (é a interpretação da norma à luz das outras
normas), o ordenamento jurídico, que deve ser harmônico e não deve conter
antinomias: as normas não se devem contradizer umas às outras, e, salvo os
casos de revogação, devem fazer sentido juntas, não se chocando e
convivendo harmoniosamente.
Logo, a dica é: a compreensão do todo ajuda na compreensão da parte, e a
compreensão da parte é normalmente impossível ou equivocada, sem o
conhecimento do todo. Não julgue precipitadamente.
O método sistemático trabalha em vários níveis:
a) Buscar respostas nas conexões que estão na própria lei onde está o
fragmento que se está a interpretar;
b) Buscar respostas nas leis que traçam os lineamentos do ramos do Direito a
que se refere o fragmento e depois no sistema como um todo e no sistema do
Direito positivo em geral.
Na interpretação sistemática há dois aspectos: I - o de quando é feita em
relação à própria lei a que o dispositivo pertence; II - o de quando se processa
com vistas para o sistema geral do direito positivo em vigor.
Exemplos: A palavra “casamento” é um termo definido pelo Código Civil que envolve aspectos
como capacidade, impedimentos, causas suspensivas, habilitação, celebração, provas,
invalidade, eficácia, dissolução etc. todos com normas previstas no mesmo código.
Quando buscamos saber se uma lei pode, sem limitações, criar restrições à atividade comercial
e industrial de empresas estrangeiras, recorremos em todo o ordenamento, uma noção
padrão de empresa nacional e seu fundamento nas normas constitucionais.
Se analisarmos, separadamente, o artigo 28 do CPP entenderíamos que não há “Princípio da
Obrigatoriedade”, mas se analisarmos juntamente com o artigo 24 percebe-se que o MP está
adstrito ao princípio.
A pergunta que o intérprete faz ao analisar o sistemático de um texto na
verdade está composta por duas vertentes: Há, no ordenamento jurídico, outra
norma que esclareça o significado desta que estou a estudar e qual a
interpretação que mantém essa norma em harmonia com o sistema jurídico?
Ainda sobre o método sistemático, para impedir os conflitos de leis ou
normativos, a ordem jurídica prevê e provê três grandes critérios que são
generalizadamente utilizados:
1º Critério Hierárquico – Quando duas normas entram em rota de colisão o
intérprete deverá verificar se uma delas é hierarquicamente superior à outra.
Por exemplo, se um regulamento colidir com uma lei, prevalecerá a lei.
2º Critério Temporal (Cronológico) – Quando duas normas de igual
hierarquia entram em rota de colisão, prevalecerá a norma posterior, já que
esta revoga à anterior.
3º Critério Especialização – A norma especial prevalece sobre a norma
geral. Por exemplo, a lei orgânica da magistratura que incide sobre os
magistrados prevalece sobre o estatuto dos funcionários públicos.
6) Teleológica – Refere-se ao entendimento dos fins, dos objetivos, das
metas. Parte da premissa: “toda norma visa proteger um interesse, um valor.”
Porém há de considerar-se também que toda doutrina possui, por trás do texto
legal, um “algo mais: uma intenção, um fim, uma meta, um valor que a norma
quer tutelar.” (MARQUES, 2003. Pg. 66) O problema consiste em desvendar o
que vem a ser concretamente esse algo mais:
a) Mens legislatoris / Voluntas Legislatoris - a vontade do legislador.
b) Voluntas Legis / Ratio Legis - a vontade da Lei. A Lei tem vida autônoma,
livre de seu criador, vale por si só, pode atender finalidades não imaginadas no
tempo de sua promulgação, ou seja, é atualizável.
Exemplo: art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, contem uma exigência que serve de
máxima teleológica: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”
7) Histórica – Considera que o Direito atual é uma reprodução, ora integral,
ora modificada, ora melhorada, ora não, de um sistema preexistente e que
evolui com o passar do tempo. O Direito brasileiro contemporâneo tem suas
raízes no Direito do Império Brasileiro (1822 a 1889), que por sua vez tem suas
raízes no Direito Português (1500 a 1822) enquanto o Brasil foi colônia de
Portugal, que tem suas raízes no Direito comum medieval, que tem sua raiz no
Direito romano. Cada Lei leva consigo um pouco do tempo em que foi escrita:
as preocupações, a ideologia dominante, os conceitos e preconceitos, o
contexto social que a motivou e inspirou etc. Sendo assim, o método consiste
em recorrer à História como auxiliar para perceber o texto legal.
A jurisprudência é a grande ferramenta deste método.
Exemplo: ao interpretar a CF/88 utilizando o método histórico e buscando um antecedente
histórico, pode-se pesquisar nas Constituições de 1824, 1946, 1967 etc., pois ao estudar essa
evolução, percebe-se como chegamos à Constituição atual. Também devemos considerar os
valores antagônicos da sociedade na época12: bipolarização do mundo, redemocratização do
país etc.
A pergunta que o intérprete faz ao analisar o histórico de um texto é:
quais as condições de meio e momento da elaboração da norma legal, e das
causas pretéritas da solução dada pelo legislador?
O método histórico, por sua vez desdobra-se em duas modalidades
diferentes:
7.1) Origo Legis (origem remota da Lei) - Considera a origem da Lei
remontando às primeiras manifestações da instituição regulada. Investiga-se
como era o instituto na sua origem, sua evolução histórica, como tem sido
citado nas legislações que serviram de modelo à lei nacional, e como evoluiu
no sistema jurídico pátrio (Direito Comparado).
7.2) Occasio Legis (origem próxima da Lei) - Considera a circunstância
histórica da regra a ser interpretada. Como bem diz a tradução: ocasião da Lei,
contextualmente, o momento de elaboração da mesma. Há que considerar-se a
sociologia, a política, a economia etc. para entender o momento em que a Lei
foi feita e por que ela foi feita (as razões que levaram o legislador àquela
solução legislativa).
__________
12 - Lendo-se o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 identifica-se cristalinamente o esboço preliminar onde um novo Estado declara a sua nova face, através de ideologias, políticas e identidade própria.
Segundo a extensão, a interpretação para ser, o máximo possível, fiel, deve
fazer corresponder o que está dito ao que foi querido. Para isto, é necessário
que ora proceda de forma a restringir e ora a alargar a letra da lei; neste
sentido a interpretação pode ser:
1) Declarativa ou Especificadora – quando seu enunciado coincide, em
amplitude, com aquele que, à primeira vista, parece indicado pela norma
interpretada. O intérprete chega a uma conclusão, a respeito da abrangência
da norma, que era, desde o princípio, perceptível no próprio texto. Assim, a
interpretação declarativa reconhece que o texto da norma coincide com o
espírito desta, limitando-se, por definição, a declarar o próprio texto legal, sem
estender seu sentido a situações não previstas. É o tipo mais comum de
interpretação.
Exemplos: É o caso da lei penal quando se trata da qualificação do crime ou da aplicação da
pena. CP, art. 121.
No art. 141. III, CP, deve-se entender que o número mínimo de pessoas exigido é três, pois,
sempre que a lei se contenta com duas pessoas, ela o diz expressamente. Neste caso portanto,
não há ampliação nem restrição do texto.
2) Extensiva ou ampliativa – quando, na conclusão do intérprete, constata-
se que a fórmula interpretada é menos ampla e abrangente do que a mens
legis. O intérprete conclui que o texto legal é mais abrangente (no alcance ou
no sentido) do que aparentemente se constata na sua literalidade. Diz-se que o
legislador escreveu menos do que queria dizer (minus scripsit quam voluit), Ou
em termos mais claros, o intérprete conclui que a norma disse menos do que
queria. É por esse método que se adaptam as normas antigas às
contemporâneas exigências da vida social, “atualizando” o conteúdo da norma
para manter sua eficácia.
Exemplos: "os pais" devem ser entendidos como o pai e a mãe.
O art. 235 do CP: incriminando a bigamia, necessariamente está a incriminar a poligamia e a
poliandria.
O art. 3º. do CPP.
O art.130 do CP, sobre crime de exposição a contágio de doença venérea, incriminando não só
a situação de perigo como, também, a situação de dano efetivo.
Se a norma pune o lenocínio (explorar, provocar ou facilitar a prostituição),
o interprete dirá que sob esta rubrica deste símbolo está também a exploração de motéis em
que se tolera a presença de casais, dos quais não se indaga se são ou não casados ou se lá
estão apenas por motivos libidinosos. A interpretação, segundo o autor, é extensiva e
admissível, embora o resultado seja discutível e, na atualidade, não se tenda a fazer aquela
extensão, salvo nos casos ostensivos. Se, porém, a norma é omissa quanto ao ato de alguém
oferecer seu apartamento a um amigo afim de que o mesmo utilize para lá passar algumas
horas com uma mulher, não se pode imputar-lhe o lenocínio, pois, não há a tipicidade do
delito, ou seja, a exploração de negócio, e se assim for feito, estar-se-á, por via interpretativa,
criando uma norma.
3) Restritiva – quando o intérprete conclui que o texto interpretado é menos
abrangente do que parece à primeira vista, e que a mens legis tem alcance
menor ou sentido mais estreito do que o texto. Restringe-se, na interpretação, o
conteúdo aparente da norma. O intérprete, na prática, conclui que o legislador
disse mais do que queria (plus scripsit quam voluit).
Exemplos: a lei diz “descendente”, quando na realidade queria dizer “filho”.
A interpretação das leis fiscais deve ser restritiva, posto que em caso de dúvida, a
interpretação deve ser favorável ao erário público.
O art. 28, I, do CP, por exemplo, diz que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade.
OBS. art. 28 do CP, acima mencionado, se cotejado com o art. 26, deve ser interpretado
restritivamente, no sentido de se considerarem os estados, a que se refere, como não-
patológicos, em caso contrário se aplicaria o art. 26.
Recomenda-se que toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais,
reconhecidos constitucionalmente, deva ser interpretada restritivamente. Assim se a lei impõe
limitação, esta deve conter, em seu espírito (mens legis), o objetivo de assegurar o bem-estar
geral sem nunca ferir o direito fundamental que a constituição garante.
Veja o quadro-resumo a seguir:
Classificação das espécies de interpretação
Quanto a quem interpreta:
(1)Pública
(1.1)Autêntica (1.2)Judicial (1.3)Administrativa
(1.3.1)Regulamentar
(1.3.2)Casuística (2)Privada (2.1)Doutrinal (2.2)Usual (Costumes)
Quanto aos métodos utilizados:
(1)Gramatical ou Literal
(2)Lógica
(3)Sistemática
(4)Teleológica
(5)Histórica
Quanto à extensão do seu resultado:
(1)Declarativa ou Especificadora
(2)Extensiva
(3)Restritiva
OBS: É possível encontrar-se outros métodos ou outras nomenclaturas diferentes dos aqui apresentados. Isto, porém não se trata de equívoco, mas de abordagem sob outro prismas e outras didáticas e estratégias de ensino. Como a Hermenêutica é ampla e filosófica sempre haverá lugar para uma nova técnica a ser abordada.
ATIVIDADES
01. Após a leitura de cada um dos conceitos abaixo, identifique a que métodos
de interpretação estão relacionados:
- Consiste na apuração exata das palavras e da linguagem = ______________
- Insere o intérprete nos meandros da mecânica social, na história da formação
da lei e da evolução do direito = _____________________________________
- Analisa a lei atendo-se ao fato de que o direito é organizado em princípios
informadores e hierárquicos = _______________________________________
- A interpretação é feita através da perspectiva histórica da formação da lei,
desde seu projeto, justificativa, exposição de motivos, emendas, aprovação e
promulgação = ___________________________________________________
- Consiste na busca do sentido literal ou textual da norma constitucional. Deve
ser apenas o ponto de partida no momento da interpretação de uma norma,
porque muitas vezes interpretando ao pé da letra, podemos chegar a soluções
hermenêuticas injustas (dura lex, sed lex) = ____________________________
- É aquela interpretação que busca correlacionar todos os dispositivos
normativos de uma Constituição, pois só conseguiremos elucidar a
interpretação a partir do conhecimento do todo = ________________________
- Consiste na busca dos antecedentes remotos e imediatos que interferiram no
processo de interpretação constitucional = _____________________________
- Faz alusão ao bom senso = _______________________________________
- Invoca a genealogia da Lei = ______________________________________
- Quem pode fazer o mais, pode fazer o menos = _______________________
02. CASO-PROBLEMA:
“Novas formas de família impõem desafios à Justiça - Um ex-casal de lésbicas
de São Paulo disputa na Justiça a guarda de um menino gerado com os
óvulos de uma e gestado no útero da outra (...).É como uma família qualquer,
como se fosse pai e mãe. Deve-se levar em conta as condições sociais,
psicológicas e econômicas de cada um e decidir o que é melhor para a
criança.” Já o juiz Edson Namba, especialista em biodireito, pensa que o caso
exige ainda mais cuidado na hora de julgar. “Não é só o fato de ter a guarda. É
preciso avaliar qual delas está mais apta para ajudar essa criança a entender
esse contexto de ser filha de um casal do mesmo sexo.” Namba afirma que, no
caso das enfermeiras, houve infração ética da clínica de reprodução que
realizou a fertilização in vitro. “A lei é clara: a doação de óvulo é anônima. Isso
é inviolável”. (Folha de São Paulo – Adaptado)
a) Qual é o fato juridicamente relevante?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
b) Na decisão desse caso aplicaram-se normas civis com fundamentação no
art. 5º da CF. Explique, à luz da CF, o que pode ter sido argumentado.
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
03. (in MARQUES, 2003 pg. 58) Baseando-se no método gramatical, analise a
seguinte Lei:
“O funcionário que exercer atividades técnico-científicas, de magistério ou
pesquisa, satisfeitas as exigências regulamentares, poderá optar pelo regime
de tempo integral” (art. 49 da revogada Lei 3.780/60)
...agora responda:
- Funcionário que exercer atividade técnico-científica que não for de magistério
e nem de pesquisa, satisfeitas as exigências regulamentares, poderá optar pelo
regime de tempo integral?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
04. Considerando que o Código Comercial tem sua origem na Lei nº 556, de
25 de junho de 1850, com a parte primeira do comércio em geral revogada pela
Lei 10.496 de 10/01/2002, qual o método mais eficiente para o completo
entendimento dessa Lei? Por quê?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
05. Empregue o método lógico e responda:
“O querelado alega vício na queixa-crime, por desatendimento ao art. 44 do
Código de Processo Penal. Mostra que na procuração que acompanha a inicial
não consta a qualificação do querelado, só a do querelante.”
- Tem razão o querelado? Por quê?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
06. Qual o método que está mais relacionado com a premissa: “estudando o
passado, percebe-se o futuro.”? _____________________________________
07. Analise: O art. 312 do Código Penal, agora responda:
- Como sei se um escrivão de Vara Cível se enquadra no conceito de
funcionário público desse artigo em questão?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
08. Considerando o texto original da Lei 2.848 de 07/12/1940 (ver abaixo), qual
foi o argumento usado pelos legisladores ao modificar o art. 215 do Código
Penal na redação dada pela Lei 12.015 de 2009? (Justifique a sua resposta)
“Posse sexual mediante fraude”
Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de
dezoito anos e maior de quatorze anos:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.” (Código Penal 1940)
Resposta:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
09. Veja o art. 233 do Código Penal e responda:
- Está definido o conceito de obscenidade no artigo? ____________________
- Em que se concentra a redação do tipo penal do qual trata o art. 233 do CP?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
- Pode o juiz identificar obscenidade de acordo com o caso concreto que está a
julgar?
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
10. Leia artigo 271 do CPP e diga quanto à extensão como deve ser a
interpretação? ___________________________________________________
11. Considere a hipótese do réu que se oculta para não ser citado (CPP, arts.
355, § 2º e 362). Haverá duas correntes de interpretação. Quais são e quais os
métodos de interpretação empregados que as sustentam?
Resposta:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
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12. Analise o caso a seguir e complete:
“Quando Rui Barbosa recebeu uma condecoração estrangeira. Seus
adversários alegaram que ele deveria perder seus direitos políticos, conforme
disposição da Constituição de 1891: “os que aceitarem condecorações ou
títulos nobiliárquicos estrangeiros perderão todos os direitos políticos”.
A defesa do jurista recorreu ao método _______________, demonstrando que
o adjetivo nobiliárquicos refere-se não apenas a títulos, mas também a
condecorações. Ele estaria, assim, proibido de aceitar condecoração
nobiliárquica estrangeira e não uma condecoração simples, como a que
aceitara.
13. Complete as sentenças:
- A interpretação _______________ permite resolver contradições entre
termos numa norma jurídica, chegando-se a um significado coerente.
Adotando-se o princípio da identidade, por exemplo, não se admite o uso de
um termo com significados diferentes.
- O método _______________ impede que as normas jurídicas sejam
interpretadas de modo isolado, exigindo que todo o conjunto seja analisado
simultaneamente à interpretação de qualquer texto normativo. Assim, não
podemos buscar o significado de um artigo, de uma lei ou de um código.
Ambos devem ser analisados em sintonia com a Constituição e as demais
normas jurídicas.
14. No art. 930 CC encontramos quais são as consequências dos danos
causados para evitar um perigo, quando esse perigo ocorrer por “culpa de
terceiro”.
Por ser ambígua a palavra culpa (negligencia, imprudência), todas as
conotações são possíveis, embora, num caso concreto, o aplicador da lei tenha
de identificar uma delas. Qual deve ser a interpretação mais coerente quanto à
abrangência do sentido?
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15. A CF diz que...
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
XXII - é garantido o direito de propriedade;”
Explique por que o método de interpretação literal dá conta do sentido deste
texto.
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16. Complete a tabela com os nomes dos 5 métodos, as premissas ou as
perguntas para interpretar que faltam (utilize os espaços em branco):
Argumento Premissa Pergunta
Só é correta a interpretação que proteja o valor que a norma visa proteger.
Qual o interesse a que a norma visa proteger, ou qual o fim a que se destina?
Lógico
Direito é obra da razão, e suas regras devem estar conformes à razão
Sistemático
Há, no ordenamento, outra norma que esclareça o significado desta em estudo? Qual a interpretação desta norma que mentem-na me harmonia com o sistema jurídico?
Gramatical
A norma é um fragmento de linguagem: um simples texto
Na tradição e regras da filologia, o que significa este texto?
Histórico
A compreensão da história de um instituto e do momento da criação da norma ajudam a entendê-la.
17. Quais normas podemos deduzir, por interpretação lógica, Do inciso III –
Art. 5º da CF?
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18. Analise o Texto a seguir e responda:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Preâmbulo
A Luta Armada de Libertação Nacional,
respondendo aos anseios seculares do
nosso Povo, aglutinou todas as camadas
patrióticas da sociedade moçambicana num mesmo ideal de liberdade,
unidade, justiça e progresso, cujo escopo era libertar a terra e o Homem.
Conquistada a Independência Nacional em 25 de Junho de 1975, devolveram-
se ao povo moçambicano os direitos e as liberdades fundamentais.
A Constituição de 1990 introduziu o Estado de Direito Democrático, alicerçado
na separação e interdependência dos poderes e no pluralismo, lançando os
parâmetros estruturais da modernização, contribuindo de forma decisiva para a
instauração de um clima democrático que levou o país à realização das
primeiras eleições multipartidárias.
A presente Constituição reafirma, desenvolve e aprofunda os princípios
fundamentais do Estado moçambicano, consagra o carácter soberano do
Estado de Direito Democrático, baseado no pluralismo de expressão,
organização partidária e no respeito e garantia dos direitos e liberdades
fundamentais dos Cidadãos.
A ampla participação dos cidadãos na feitura da Lei Fundamental traduz o
consenso resultante da sabedoria de todos no reforço da democracia e da
unidade nacional. (MOÇAMBIQUE, Constituição da República, 16 de novembro de 2004)
a) Quais os direitos que se podem interpretar previstos como nortes que
alimentarão a Constituição?
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b) Quais as técnicas de interpretação mais importantes usadas para o completo
entendimento do Texto? ___________________________________________
19. Marque a alternativa verdadeira sobre o Preâmbulo da Constituição da
República de Moçambique visto na questão anterior:
( a ) o texto é puramente cultural e desconexo da Lei.
( b ) o texto apresenta diretrizes nas quais estarão assentadas as bases
constitucionais de Moçambique.
( c ) o preâmbulo da Constituição Moçambicana possui força obrigatória e
normativa.
( d ) o preâmbulo não pode ser interpretado como parte componente do texto
constitucional, uma vez que não possui teor imperativo à sociedade.
( e ) a interpretação do texto não sugere uma preliminar que prepara todo
caminho para a chegada da estrutura de um novo povo, regido por novos
ideais e sonhos.
20. O artigo 155 CP trata de “furto simples” e o parágrafo primeiro de sua
figura agravada. O parágrafo segundo traz a figura privilegiada e o quarto trata
das figuras qualificadas. Pode ter um crime qualificado e privilegiado ao mesmo
tempo? Qual método de interpretação justifica a resposta?
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