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Livro - Educação, curriculo
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MARLI ANDR (ORG.)
PEDAGOGIA DAS DIFERENAS NA SALA DE AULA
PAPIRUS EDITORA, 2006
A PEDAGOGiA DAS DIFEReNAS
Marli Andr*
Professora titular da Faculdade de Educao da USP.
O presente captulo aborda as linhas gerais da pedagogia das
diferenas, proposta por Philipe Perrenoud.
Socilogo, doutor em sociologia e antropologia, Philippe
Perrenoud professor na Universidade de Genebra, Sua, atuando no
campo do currculo, das prticas escolares e das instituies de
formao.
Seus trabalhos sobre os mecanismos que levam a escola a
transformar as desigualdades sociais e culturais em desigualdades
escolares levaram-no a se interessar tambm por temas como o ofcio de
aluno, o trabalho pedaggico nas escolas, a formao do professor, as
polticas de educao e de formao e, sobretudo, o cotidiano de
professores e alunos.
O ponto de referncia em seus textos a realidade da escola
sua, mas suas anlises no se circunscrevem ao mbito local,
abrangendo questes bastante amplas como o processo de fabricao da
excelncia e do fracasso escolar; a transformao que vem ocorrendo no
trabalho docente em diferentes contextos culturais; as mudanas no
currculo e a organizao do ensino em ciclos escolares. Suas
propostas de uso da avaliao formativa, de construo de uma
pedagogia diferenciada, de trabalhar em torno das competncias
oferecem valiosas pistas para quem deseja enfrentar o grande desafio
de atenuar as desigualdades que esto presentes na escola, fazendo com
que no apenas uma parcela, mas todos os alunos se apropriem do saber
sistematizado.
Em seu livro intitulado Pedagogia diferenciada: Das intenes
ao, Perrenoud (1997) explica que as pedagogias diferenciadas no
voltam as costas para o objetivo primordial da escola que o de
tentar garantir que todos os alunos tenham acesso a uma cultura de
base comum. Ao contrrio, diz ele, considerar as diferenas
encontrar situaes de aprendizagem timas para cada aluno, buscando
uma educao sob medida, como sonhava Claparde, no incio do sculo.
Se esse princpio fundamental se mantm at hoje, os meios de alcan-
lo que vem se renovando: procura-se substituir o ensino
individualizado em que cada aluno desenvolve isoladamente suas tarefas
por uma diferenciao no interior de situaes didticas abertas e
variadas confrontando cada aluno com aquilo que obstculo para ele
na construo dos saberes. Trabalha-se com a transferncia de
competncias, questionam-se a relao pedaggica, o funcionamento dos
grupos, a distncia cultural, o sentido dos saberes e do trabalho
escolar. Paralelamente, tenta-se construir dispositivos para a
individualizao de percursos, organiza-se a progresso escolar por
vrios anos, criam-se ciclos de aprendizagem, inventa-se uma nova
organizao pedaggica. A grande questo da pedagogia diferenciada,
diz Perrenoud, esta: como levar em conta as diferenas sem deixar
que cada um se feche na sua singularidade, no seu nvel, na sua
cultura de origem?
Perrenoud considera a pedagogia das diferenas como uma das
formas de luta contra o fracasso escolar. Em suas palavras, "as
pedagogias diferenciadas so, em geral, inspiradas numa revolta contra
o fracasso escolar e as desigualdades" (1997. p.17). Mas ao mesmo
tempo ele adverte: essa indignao leva muitas vezes ao
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estabelecimento de medidas e aes um tanto imediatistas que,
carecendo de uma anlise mais profunda sobre os fatores que produzem o
fracasso escolar, acabam caindo, via de regra, num ceticismo muito
grande por no conseguir alcanar os resultados esperados no curto
prazo. Com isso, refora-se a idia de que o fracasso uma fatalidade
e pouco se pode fazer para venc-lo. A passagem precipitada das
intenes para as aes no ganha tempo, diz ele. Se as pedagogias
diferenciadas se propem a lutar contra as desigualdades, amenizando-
as ou neutralizando-as, preciso que elas tenham por base uma anlise
profunda e aguada dos mecanismos que geram essas desigualdades.
Explicaes para as desigualdades de desempenho escolar
Durante muito tempo tentou-se explicar o fracasso escolar como
um problema do aluno ou da famlia. No primeiro caso, tanto o bom
quanto o mau desempenho escolar estariam ligados ao patrimnio
gentico, s aptides geneticamente adquiridas pelo indivduo. Essa
explicao, que se traduz na ideologia do dom, ainda est muito viva
em nossos meios escolares e evocada freqentemente para justificar
avaliaes e julgamentos, embora vrios estudos tenham mostrado que o
ambiente, o meio cultural, exerce um importante papel no desempenho do
aluno. No segundo caso, tenta-se atribuir o insucesso escolar s
condies socioeconmicas da famlia, ou seja, ao meio cultural.
Vrios estudos j demonstraram tambm nesse caso que embora haja, de
fato, relao entre o nvel socioeconmico da famlia e o desempenho
do aluno, cada famlia tem uma cultura particular (Montandon 1987),
uma forma de se organizar e de funcionar que tem maior peso do que o
nvel social em si. Assim, o modo de vida de uma famlia, seus
valores, suas crenas e opes - que se traduzem em determinadas
formas de educao de interpretao da realidade e das normas sociais
-, seus meios de interagir, de se comportar e de usar a lngua tm
mais peso sobre o desempenho escolar do que simplesmente o seu nvel
socioeconmico.
Tanto a teoria do patrimnio gentico quanto a do meio cultural
poderiam ser analisadas em seus vrios matizes, desmontando a relao
mecnica que geralmente se faz entre cada um desses fatores e o
fracasso escolar. Entretanto, parece-nos mais importante enfatizar o
que as duas teorias tm em comum: ambas partem do pressuposto de que
falta alguma coisa para que o aluno tenha sucesso na escola: QI baixo,
meio cultural muito pobre, linguagem pobre, desenvolvimento lento,
falta de ajuda da famlia, baixa motivao, etc. Com base nesse
pressuposto, nos anos 60-70 surgiram vrios programas de educao
compensatria que visavam suprir as carncias culturais dos alunos.
Os estudos de sociologia da educao, no final dos anos 70,
vieram trazer novas explicaes para o insucesso escolar; eles afirmam
que as desigualdades biolgicas, psicolgicas, socioeconmicas e
culturais transformam-se em desigualdades de aprendizagem e de
desempenho pelo modo particular de funcionamento da instituio
escolar ou pela sua maneira de lidar com as diferenas. J em 1966,
Pierre Bourdieu escrevia:
Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos
os mais desfavorecidos, necessrio e suficiente que a escola ignore
no contedo do ensino transmitido, nos mtodos e tcnicas de
transmisso e nos critrios de julgamento, as desigualdades culturais
entre as crianas de diferentes classes sociais: dito de outra forma,
tratando todos os alunos, to desiguais como so de fato, como iguais
em direitos e em deveres, o sistema escolar levado a dar de fato sua
sano s desigualdades iniciais diante da cultura. (pp. 336-337)
Essa afirmao foi reforada por muitos autores em especial
socilogos da linha crtico-reprodutivista que, na dcada de 1970,
denunciavam a escola como reprodutora das desigualdades sociais por
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colaborar, juntamente com outras instituies da sociedade para a
manuteno da ordem social vigente. O fracasso escolar estaria sendo
gerado no interior da prpria instituio, a partir de seu modo de
organizar o trabalho pedaggico e de estruturar as relaes e prticas
pedaggicas. Essas reflexes foram importantes porque deixaram
evidente que para analisar o processo de produo das desigualdades
escolares, alm das variaes nos nveis de desenvolvimento e de
capital cultural, devem ser seriamente considerados os aspectos
ligados organizao e no funcionamento das prticas escolares.
Perrenoud prefere responder afirmao de Bourdieu com uma
pergunta: pode-se falar realmente em indiferena s diferenas? E ele
mesmo responde que no se pode falar em indiferena absoluta. Para
discutir a questo, ele julga necessrio definir o contexto de que se
parte e explica que qualquer comparao s poder ser feita se existir
um contexto comum, como por exemplo, um sistema educacional nacional,
estadual ou local em que todos os alunos sigam o mesmo currculo
formal.
Colocando-se, ento, no interior do sistema de ensino, pode-se
focalizar o tratamento dado s diferenas em pelo menos dois tipos
desituao: uma diz respeito a um grupo de alunos de um mesmo nvel de
ensino distribudos em diferentes escolas e salas de aula, e uma outra
voltada para os alunos de um mesmo grupo-classe.
Tratando-se, no primeiro caso, de um sistema de ensino, com um
programa oficial a ser seguido por todas as escolas, teoricamente no
deveria haver diferenas entre suas prticas: no entanto, sabe-se que
h uma grande variao de uma escola para outra, ou de uma classe para
outra, seja em termos de currculo real, seja no envolvimento dos
professores e tcnicos, seja na qualidade do ensino. Em que medida
essas variaes estariam ligadas produo das desigualdades? Na
medida em que essas diferenas favoream os favorecidos, como por
exemplo, as escolas mais bem localizadas disporem de melhores
equipamentos, melhor infraestrutura professores mais estveis e
qualificados, corpo tcnico habilitado, as quais muito provavelmente
oferecero melhor ensino para uma populao que geralmente j traz um
capital cultural melhor.
Da mesma forma, pode haver diferenas de tratamento que
favoream os desfavorecidos, como os programas e projetos que se
destinam a ajudar os alunos com maiores dificuldades, ou que visam
diminuir a evaso e a repetncia escolar como, por exemplo, os
projetos de reforo, de recuperao nas frias ou as classes de
acelerao.
No segundo caso, focalizando o grupo de uma sala de aula, h
tambm um tratamento das diferenas que pode favorecer os favorecidos
ou desfavorecer os desfavorecidos.
s vezes espontaneamente, s vezes intuitivamente, nas interaes com
o grupo-classe, o professor se dirige mais frequentemente queles
alunos que fazem perguntas, que so atentos, bem comportados,
interessados, que aceitam facilmente as suas regras e, da mesma forma,
rejeita aqueles que contestam, que resistem, que fazem baguna.
Nas relaes mais individualizadas tambm podem prevalecer
certas preferencias pelos alunos mais educados, limpos, bem vestidos e
certo "esquecimento" dos mais sujos, mal vestidos, feios,
desmotivados.
Mas h tambm, nas interaes de sala de aula, possibilidade de
tratamento diferenciado objetivando favorecer os desfavorecidos. Sabe-
se que existem muitos professores que procuram diversificar as tarefas
de sala de aula para atender a diferentes interesses e nveis de
desenvolvimento dos alunos. Sabe-se tambm, que muitos organizam
projetos, atividades, tarefas especialmente destinadas queles alunos
que tm dificuldades de acompanhar o ritmo geral da classe.
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Argumentando que essas aes podem ser direcionadas para uma
causa positiva, mas podem tambm reforar as desigualdades, Perrenoud
procura mostrar que, em vez de uma indiferena s diferenas, deve-se
falar em diferenciao intencional e diferenciao involuntria. A
primeira est geralmente voltada para beneficiar os alunos: so as
discriminaes positivas que procuram atenuar as desigualdades,
criando alternativas para ajudar os alunos mais fracos com
dificuldades com atraso escolar. A segunda configura-se como uma
diferenciao selvagem porque se trata de um processo muito pouco
consciente e pouco conhecido, com efeitos bastante negativos, j que
refora as desigualdades e a produo do fracasso escolar.
s vezes movido pelas contingncias da situao, pela urgncia
em resolver um problema ou mesmo por questes de insegurana ou de
afirmao pessoal, o professor pode vir a tratar diferentemente seus
alunos: dando mais ou menos ateno a alguns do que a outros, sendo
mais paciente ou mais agressivo com alguns do que com outros,
respondendo com maior interesse e dedicao s perguntas de alguns do
que s de outros.
Sero essas diferenas de tratamento geradoras de desigualdade?
Sim, na medida em que elas podem vir a favorecer os favorecidos ou
desfavorecer os desfavorecidos. Tanto a psicanlise quanto a
antropologia nos ensinam que a identificao mais fcil e o contato
mais estimulante quando a distncia cultural menor, e vice-versa.
Desse modo, mesmo contra sua vontade e seus valores, nas suas relaes
cotidianas, o professor pode estar reforando ou aumentando as
desigualdades. Da a necessidade de desenvolver pesquisas que possam
ajudar a compreender melhor esses mecanismos de diferenciao selvagem
para poder evit-la ou pelo menos reduzi-la.
o que se pretende ao trazer para este livro resultados de
pesquisa que ilustram os esforos de professores que, refletindo sobre
suas aes e prticas cotidianas, procuram evitar a diferenciao
selvagem e reforar as discriminaes positivas.
Pedagogia das diferenas na sala de aula
No desconhecendo os mecanismos reforadores das desigualdades
socioculturais existentes no nvel dos sistemas educacionais, os quais
se traduzem em discriminaes negativas, produtoras do fracasso
escolar (como, por exemplo, os bairros mais pobres ficarem com escolas
mais precrias, pessoal menos experiente e menos qualificado,
oferecendo ensino de baixa qualidade) e que precisam ser enfrentados
com determinao, competncia e vontade poltica, focalizar-se- aqui
o tratamento das diferenas no contexto da sala de aula. No se est,
com isso, valorizando mais um mbito do que o outro; ambos so
importantes, mas os limites de espao, tempo e o interesse acadmico
nos levam a priorizar as interaes didticas em sala de aula.
Tratando mais diretamente das pedagogias diferenciadas,
Perrenoud (1997) adverte que elas devem enfrentar uma questo de
fundo: como a crianas e os jovens aprendem? Como criar uma relao
menos utilitarista com o saber? Como instaurar um contrato didtico e
outros dispositivos que dem, de fato, sentido ao trabalho escolar?
Como inscrever o trabalho escolar num contrato social que faa da
escola um local cheio de vida, mas ao mesmo tempo um local protegido,
pelo menos em parte, das crises, dos conflitos, das desordens que
atravessam a sociedade (idem, p. 45)?
As pedagogias diferenciadas assumem as idias mestras da escola
nova: o aluno deve ser o centro do processo educativo e o professor
deve ser um orientador, uma fonte de recursos e de apoio. Assumem
tambm os princpios das correntes construtivistas e interacionistas
de que a aprendizagem ocorre atravs de um processo ativo de
envolvimento do aprendiz na construo de conhecimentos, que decorrem
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de suas interaes com o ambiente e com o outro. Enfatizam o ensino
voltado para as competncias e o trabalho com projetos, pesquisas e
situaes-problema.
Em seu livro Pedagogia nas escolas das diferenas, Perrenoud
(1995) afirma que a mesma situao didtica destinada a um grupo
relativamente homogneo de alunos pode ser considerada adequada,
estimulante, interessante para uns, mas inadequada, desestimulante,
montona para outros. Mesmo que a situao esteja adequada ao nvel de
desenvolvimento cognitivo dos alunos, alguns podem no ver o menor
sentido em realiz-la, outros podem julg-la irrelevante, a ponto de
que dela no resulte qualquer atividade intelectual significativa e,
portanto, no promova construo de conhecimentos novos. Da a
importncia do ensino diferenciado. Diferenciar o ensino, diz
Perrenoud, " organizar as interaes e atividades de modo que cada
aluno se defronte constantemente com situaes didticas que lhe sejam
as mais fecundas" (idem, p. 28).
Isso no quer dizer, por um lado, que se tenha que criar um
programa especial para cada aluno, e, por outro, que todos tenham que
ser expostos aos mesmos contedos, no mesmo ritmo, da mesma forma,pois
"podem-se atingir as mesmas competncias por caminhos diversos".
"Diferenciao", diz ele, "no sinnimo de individualizao do
ensino. evidente que no se pode falar em diferenciao sem gesto
individualizada do processo de aprendizagem, mas isso no significa
que os alunos vo trabalhar individualmente, o que acontece que o
acompanhamento e os percursos so individualizados" (idem p. 29).
A diferenciao tambm reconhece a fora do grupo como
oportunidade de educao mtua e de aprendizagem. O professor deve,
como animador, ajudar o grupo a construir sua identidade coletiva, a
aprender a trabalhar cooperativamente, a tomar conscincia de suas
diferenas e desigualdades e a agir de acordo com elas (idem, p. 36).
O estmulo a uma intensa relao interpessoal, seja entre os
prprios alunos, seja entre alunos e professores, no vai, por si s,
diminuir as distncias culturais ou criar uma relao mais positiva
entre o professor e os alunos com maiores dificuldades, explica
Perrenoud. Ao contrrio, interaes sociais mais intensas podem
acirrar diferenas culturais, econmicas, pessoais, atitudes de
rejeio, competio, conflitos de toda sorte. preciso aprender a
trabalhar essas atitudes e esses conflitos. A diferenciao requer
tomada de conscincia e respeito s diferenas, direito de se exprimir
livremente e de ser ouvido, possibilidade a cada um de ser reconhecido
pelo grupo, quaisquer que sejam suas competncias escolares ou seu
nvel cultural.
Alm disso, a diferenciao vai exigir ainda uma grande
investigao sobre atividades e situaes de aprendizagem que sejam
significativas e mobilizadoras, levando em conta as diferenas
pessoais e culturais existentes na sala de aula. A diferenciao no
se resume a um mtodo que pode ser aplicado a um nico nvel de ensino
ou a um tipo de contedos/competncias. Trata-se de uma idia muito
ampla que envolve o acompanhamento individualizado dos processos e dos
percursos de aprendizagem.
As formas de concretizar a diferenciao do ensino podem variar
muito de acordo com uma srie de fatores: os recursos de que se
dispe, o grau de liberdade que se tem, o tipo de instituio em que
se trabalha, as condies de exerccio docente, o apoio tcnico
disponvel.
Uma importante advertncia que faz Perrenoud a de que haja
muita ponderao antes de investir em experincias de diferenciao.
Para ele, a histria das tentativas de diferenciao marcada pela
precipitao, por concepes muito estreitas de ensino e aprendizagem
e por uma fragilidade de modelos explicativos. Da a importncia
segundo ele, de que sejam analisados, com muito cuidado, os fatores
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associados s desigualdades e ao fracasso escolar, levando em conta
sua complexidade, contradies, ambivalncias, antes de comear a
construir os esquemas de ao.
Para pr em prtica o ensino diferenciado preciso vencer uma
srie de preconceitos e resistncias. preciso, por um lado, vencer o
preconceito de que uns alunos so mais inteligentes ou mais bem
dotados do que outros, ou seja, rejeitar a idia s vezes cmoda, s
vezes desanimadora, de que o fracasso escolar uma fatalidade.
preciso aceitar, ao contrrio, a idia de que nem tudo est definido
no momento em que o indivduo nasce ou at os primeiros seis anos.
Acreditar como Bloom, que pelo menos 80% dos alunos de uma determinada
faixa etria podem dominar as habilidades, os contedos e as
competncias se lhes forem dadas as condies apropriadas (Andr
1976).
Por outro lado, preciso vencer a tendncia de ver tudo de
forma linear e unidirecional. Dizer "enquanto a sociedade, a escola,
os alunos, os pais, os programas no se modificarem, eu no posso
fazer nada" uma posio muito cmoda e paralisante. Seria absurdo
negar o peso dos fatores estruturais, diz Perrenoud, mas preciso
vencer a imobilidade diante deles e relativizar o seu papel.
Ainda segundo Perrenoud, preciso vencer os preconceitos e as
resistncias em relao aos alunos desmotivados, desinteressados,
sujos, agressivos, mal-cheirosos, indisciplinados, esquivos,
negligentes.
Diferenciar dispor-se a encontrar estratgias para trabalhar
com os alunos mais difceis. Se o arranjo habitual do espao de sala
de aula no funciona com esses alunos, se os livros e materiais
didticos no so adequados para eles, se, enfim, as atividades
planejadas no os motivam, preciso modific-las, inventar novas
formas, experimentar, assumir o risco de errar e dispor-se a corrigir.
Diferenciar , sobretudo, aceitar o desafio de que no existem
receitas prontas, nem solues nicas: aceitar as incertezas, a
flexibilidade, a abertura das pedagogias ativas que em grande parte
so construdas na ao cotidiana, em um processo que envolve
negociao, reviso constante e iniciativa de seus atores.
Falando sobre as possveis estratgias para a diferenciao,
Perrenoud afirma que no h uma que ele possa recomendar como a melhor
ou a mais desejvel. Diz ele:
Eu tenderia a privilegiar as dinmicas de equipes nos
estabelecimentos escolares e nesse quadro, o trabalho com as
representaes; buscar uma pedagogia das diferenas
desaprender, "desconstruir", ultrapassar prticas conhecidas para
tentar outras formas (1995, p. 128).
Deixando muito claro que no acredita em solues mgicas,
Perrenoud (1991,1992) afirma que a pedagogia das diferenas requer uma
avaliao formativa. E ele pergunta: por que formativa? Simplesmente
porque uma avaliao que objetiva melhorar a formao; sua
preocupao no classificar - dar notas, punir ou recompensar, mas
ajudar o aluno a aprender. Uma avaliao que permita aos alunos
identificar seus erros, acertos e lacunas; e aos mestres, destacar os
ganhos e as dificuldades de cada aluno para poder ajud-los a
progredir mais. Para isso, no h necessidade de testes ou provas,
enfatiza Perrenoud. Basta observar os alunos para ter uma idia de
seus interesses, suas dificuldades, suas motivaes e da pensar nas
melhores formas de agir.
A avaliao pode ser chamada de formativa quando tem um sentido
educativo: oferece elementos para o aluno monitorar a prpria
aprendizagem e para o mestre calibrar o ensino. Para enfatizar seu
aspecto formativo e desvincul-la da associao que se faz usualmente
entre avaliao e notas. Perrenoud prefere falar em observao
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formativa, que, segundo ele, deve estar a servio da regulao, do
acompanhamento do processo de aprendizagem e da ao didtica. A
avaliao formativa deve se inscrever num contrato que demanda
confiana e cooperao entre professor e alunos. O professor precisa
criar um clima de confiana que leve os alunos a se exporem, a revelar
suas dvidas e dificuldades: os alunos precisam se convencer de que
podem cooperar e lutar, junto com o professor, contra o fracasso
escolar.
Como a avaliao formativa a principal fonte de informao
para o desenvolvimento de uma pedagogia diferenciada, ela deve ser
usada continuamente, ao longo do ano escolar, cobrindo todas as
atividades escolares. Como sua principal funo ajudar o aluno a
aprender e o professor a ensinar, o importante no o preenchimento
de fichas ou a atribuio de pontos, mas a observao fina e
individualizada dos alunos para saber o que fazer e como agir. Em vez
de passar todo o tempo aplicando provas, o professor deve usar tambm
a intuio, diz Perrenoud (1992, p.19). E ele acrescenta: "Dominar a
avaliao formativa saber quando necessrio recorrer a
instrumentos (escalas, questionrios, provas, testes) e quando a
intuio basta".
Alm de colocar um forte peso nos aspectos qualitativos da
aprendizagem, a prpria avaliao formativa deve ser diferenciada. Se
visvel a olho nu que alguns alunos evoluem bem, diz Perrenoud
(1992, p.19), no h razo para continuar observando-os atentamente. A
avaliao formativa deve ser proporcional s necessidades, deve
concentrar seus esforos nos alunos com maiores dificuldades.
Finalmente, acrescenta Perrenoud (1991, p.14), a observao
formativa s ser realmente efetiva se ajudar a esboar um plano de
ao. No basta saber observar: preciso saber agir de acordo com as
observaes. O diagnstico apenas um passo do processo e no um fim
em si mesmo. Na rea mdica faz-se o diagnstico do paciente para
saber qual a doena e qual a medicao adequada. Na rea da educao
escolar deve ocorrer o mesmo; a avaliao deve permitir o diagnstico
da situao e a prescrio das medidas corretivas. nesse momento que
se tornam mais necessrias algumas disposies como a flexibilidade, a
criatividade, a coragem de inovar. preciso ser flexvel para pr em
dvida formas de organizao escolar correntes, solues e caminhos j
percorridos. preciso ser criativo para inventar novas formas de
organizao e de ao. preciso ter coragem de correr riscos dispor-
se a experimentar, rever o que foi feito e mudar o que no deu certo.
tambm nesse momento que ficam mais evidentes as carncias na
formao profissional dos docentes, a necessidade da formao em
servio, o papel da orientao pedaggica, o valor do trabalho
coletivo da equipe escolar.
Avaliao formativa e diferenciao do ensino so idias
aparentemente muito simples. Como comenta Perrenoud (1992, p.20), "a
avaliao formativa bem feita simplesmente uma observao intensiva
posta a servio de uma educao sob medida. A frmula de Claparde
no incio do sculo. Se as coisas demoram para mudar porque
difcil colocar esses bons princpios em prtica". Por um lado, porque
a reproduo das desigualdades se d de forma contnua e inexorvel e
romper esse ciclo infernal um empreendimento coletivo, de longo
prazo e cheio de incertezas. E, por outro, porque a luta contra o
fracasso escolar nos confronta com as contradies e complexidades da
nossa sociedade. Nada nos garante que nossos esforos nos traro
frutos nem que as pistas escolhidas sejam as melhores. So necessrias
muita pacincia e humildade. "A luta contra o fracasso escolar tem que
ser sistmica coletiva, planejada para o longo termo e perseguida por
dcadas" (1995, p.180), conclui ele.
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Referncias bibliogrficas
ANDR. M. "Um microestudo do tempo instrucional e da estratgia de
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Puc, 1976.
BOURDIEU, P. "Lcole conservatrice. L`ingalit sociale devant
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MONTANDON, C. "Pratiques ducatives, relations avec l'cole e
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Entreparents et enseignants: Un dialogue impossible? Berna: Lang,
1987.
PERRENOUD, P. "Das diferenas culturais s desigualdades escolares: A
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J. e PERRENOUD, P. A avaliao formativa num ensino diferenciado.
Coimbra: Livraria Almedina, 1986.