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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” PENSAMENTO FILOSÓFICO E CIDADANIA APRENDENDO A PENSAR DENISE MOREIRA RIBEIRO ORIENTADOR: MESTRE ROBSON MATERKO RIO DE JANEIRO DEZEMBRO 2001

PENSAMENTO FILOSÓFICO E CIDADANIA … MOREIRA RIBEIRO.pdfMercado de trabalho se abre para visão e raciocínio estratégicos dos engenheiros” de autoria de Leonardo Feijó e Fabiana

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

PENSAMENTO FILOSÓFICO E CIDADANIA APRENDENDO A PENSAR

DENISE MOREIRA RIBEIRO

ORIENTADOR: MESTRE ROBSON MATERKO

RIO DE JANEIRO DEZEMBRO 2001

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

PENSAMENTO FILOSÓFICO E CIDADANIA APRENDENDO A PENSAR

DENISE MOREIRA RIBEIRO

Trabalho monográfico apresentado como

requisito parcial para a obtenção do Grau Lato

Sensu em Docência de Ensino Superior

RIO DE JANEIRO DEZEMBRO 2001

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Agradeço de forma especial a minha filha Lenise

pela colaboração e pesquisas na Internet e a to-

dos que direta e indiretamente contribuíram para

realização deste trabalho.

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Dedico este trabalho ao Lucrécio, meu marido,

sem cuja colaboração e incentivo o mesmo não

teria sido possível.

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OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa

estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...

e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda

qual é o melhor: se é isto ou aquilo.

CECÍLIA MEIRELES

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SUMÁRIO Resumo 06 Introdução - Para que Filosofia? 08 1 - A Filosofia no Ensino Fundamental e Médio 10 2 - Filosofia, os Parâmetros Curriculares e Ensino Público 16 3 - Por que filosofar 21 4 - A concepção atual da disciplina Filosofia 23 5 - A Filosofia em uma sociedade científica-tecnológica 27 6 - A Democracia como modelo 35 7 - Filosofia para crianças – a proposta de Matthew Lipman 43 8 - Quanto mais cedo melhor 48 Conclusão 52 Referências Bibliográficas 53 Anexo I 54 Anexo II 56 Anexo III 57 Anexo IV 60

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RESUMO

A presente monografia tem como objetivo analisar a

crescente importância que a filosofia vem ganhando na educação ao nível do

ensino fundamental.

Até os anos 70 não havia nada parecido, sendo que

a filosofia só era ensinada no 2º grau e na universidade.

O movimento relacionado com o ensino de filosofia

no ensino fundamental iniciou-se nas escolas públicas já que o Ministério da

Educação (MEC) através dos Parâmetros Curriculares Nacionais deu especial

atenção aos temas que dizem respeito à educação moral e política consideradas

necessárias à formação integral da pessoa humana sabedora de seus direitos e

deveres, e do cidadão capaz de participar ativa e construtivamente da sociedade.

Portanto, a formação do sujeito moral depende do

esforço de educação pelo qual o ser em desenvolvimento interage com o meio

cultural em que vive, tendo como mediadores pais e professores. Só assim o

egocentrismo infantil poderá evoluir para a descentração, para o processo de

“sair de si mesmo” . Ou seja: do ponto de vista intelectual, o jovem aprende a

refletir criticamente; do ponto de vista afetivo, torna-se capaz de reconhecer a

importância do outro, abrindo-se para a solidariedade.

Se a filosofia se propõe a determinar o sentido dos

acontecimentos e a atitude a assumir diante deles ela pode ajudar-nos a

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compreender o mundo como é, a procurar os caminhos que possam afastar deste

mesmo mundo os abismos e o perigo de destruição.

Mathew Lipman, incomodado com o modo como os

filósofos em geral fechavam as portas da filosofia para as crianças lançou a idéia

de que as crianças podem e merecem ter acesso à filosofia.

Nesta monografia estamos nos propondo a analisar

a crescente aceitação do ensino de filosofia no Ensino Fundamental.

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INTRODUÇÃO

PARA QUE FILOSOFIA?

A disciplina da Filosofia, no decorrer da história da

educação, teve como funções a manutenção de um ideário religioso, a promoção

de uma educação livresca, elitista e desfocada da realidade, privilegiando

aspectos históricos e o pensamento europeu e a garantia de que os interesses

políticos de uma determinada época fossem reproduzidos pela escola. No

entanto, apesar da continuidade de equívocos históricos com relação ao trabalho

com essa área de conhecimento humano, muitos educadores e filósofos

continuaram suas investigações a respeito da importância da Filosofia na

educação.

Segundo a filósofa Marilena Chauí o professor de

natação não pode ensinar seus alunos na areia, é necessário que os mesmos se

lancem na água, fazendo seu corpo coexistir com as ondulações da mesma. O

diálogo do aluno não se trava com o professor de natação, mas com a água.

Assim o diálogo do aluno deve ser com o pensamento,

com a cultura que se materializa nas obras e nas práticas sociais e são

transmitidas pelos diversos tipos de comunicação e onde o professor é simples

mediador.

“(...) Afinal, para que Filosofia? É uma pergunta

interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, ara que

matemática ou física? Para que geografia ou geologia? Para que história ou

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sociologia? Para que biologia ou psicologia? Para que astronomia ou química?

Para que pintura, literatura, música ou dança? Mas todo mundo acha muito

natural perguntar: para que Filosofia?

(...) Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se

abandonar a ingenuidade dos preconceitos do senso comum for útil; se não se

deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for

útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for

útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem

conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a

felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil dos

saberes de que todos os seres humanos são capazes.”

Marilena Chauí

Entendemos, pois, que a Filosofia deve estar presente

nos currículos escolares desde o Ensino Fundamental até a Educação Superior,

por tratar-se de uma disciplina que atua enquanto um caminho a ser percorrido

para o pensar e agir melhor, como descoberta de regras de vida, superando-se

noções do senso comum.

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1 - A FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO:

FORMAÇÃO E NÃO APENAS INFORMAÇÃO

Em entrevista publicada no jornal Folha

Dirigida de 26 de junho de 2001, o diretor de uma famoso colégio do Rio de

Janeiro, assim se posicionou com relação ao ensino de filosofia:” O jovem

aprender Filosofia no 2º grau é desperdício, porque ele não está preparado

para isso.”

Na mesma entrevista, o mesmo diretor, avalia

da seguinte forma a educação brasileira atual: “A educação brasileira,

quantitativamente, tem melhorado muito. Lembro que a alguns anos

foram feitos estudos onde ficava evidente que se levaria anos para cobrir o

atraso no nosso ensino, bem como o déficit de escolas e professores no

Brasil como um todo. Eu acho que se cobriu num tempo razoavelmente

curto. Através de incentivos foram-se criando escolas: grandes, pequenas,

o importante é que se conseguiu oferecer escolaridade praticamente a toda

a população. Bem ou mal, em todos os lugares há uma escola. Lembro de

tempos em que a escola rural não ganhava nem salário. Os professores

ficavam seis meses para receber alguma coisa. Quando fazíamos

congressos, conferências e encontros, tínhamos que andar quilômetros

para chegar às escolas. Poucas instituições, como o Instituto de Educação

e o Colégio Pedro II, fugiam à regra. Não havia tradição escolar no Brasil,

diferente de toda a América Latina. Os portugueses não se empenharam

muito na construção de escolas.”

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Ainda na mesma entrevista, o mesmo diretor,

salienta que o que deve ser preservado na Educação são os valores. Seria

uma tarefa difícil mais indispensável já que se não há valores, acontece o

que temos visto por aí: políticos, até o presidente da República envolvido

em denúncias. E continua referindo-se ao papel da escola que, segundo

ele, é muito importante já que a formação de opinião está muito

influenciada pela mídia. “Para você passar para o aluno uma noção de

valores, de ética, é muito difícil. Os pais também perdem sua autoridade

sobre os filhos. O que se vê é a profusão de exemplos de desvios de moral

e de ética, o que coloca os responsáveis pela educação em uma posição

delicada. O outro lado é o aspecto emocional, psíquico, quando as famílias

se desfazem, os pais se separam, e isso altera a percepção e a

sensibilidade da criança.

Continuando sobre os objetivos da escola o

diretor enfatisa: “O objetivo da escola é muito mais amplo do que preparar

para o vestibular. É a criação de hábitos, de costumes, de pensamento, e

depois, nos preocupamos com a eficiência.”

O grande espaço dedicado a transcrição da

entrevista é porque acreditamos que o pensamento nela expresso

representa o de grande parte do dos donos de colégio ou de responsáveis

pelos projetos pedagógicos dos mesmos.

Em primeiro lugar há de se salientar a visão

pueril da situação educacional do país. Considerar que houve uma

melhora, quer quantitativa, quer qualitativa, da educação no Brasil, é estar

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de olhos fechados para a realidade. Tomando-se em consideração a

cidade do Rio de Janeiro, anos atrás o ensino estadual era considerado

modelo e a Escola André Maurois, no bairro do Leblon foi alvo de estudos

de equipes européias e era tida como de vanguarda. Hoje, é só fazer uma

visita a mesma para se constatar que foi sucateada.

Em segundo lugar, o diretor considera uma

necessidade urgente o ensino, pela escola, de valores, ou seja de ética

uma vez que as famílias nem sempre se encontram em condições disto.

Por outro lado o citado diretor declara que é

um desperdício o ensino de Filosofia no 2º grau. Qual será a concepção do

mesmo com relação a Filosofia? Qual a concepção da disciplina Filosofia

no Ensino Fundamental e Médio? Que disciplina será responsável pelo

ensino dos “importantíssimos” valores, aos alunos, dentro do âmbito da

escola?

Em 8 de julho de 2001 o jornal “O Globo”

publicou no caderno Boa Chance artigo intitulado “A lógica está em alta –

Mercado de trabalho se abre para visão e raciocínio estratégicos dos

engenheiros” de autoria de Leonardo Feijó e Fabiana Ribeiro no qual é dito

que os engenheiros estão em alta no mercado. Mais do que prédios e

pontes, estão construindo carreiras de sucesso em empresas brasileiras e

multinacionais. Segundo especialistas de Recursos Humanos, as razões

são várias: eles têm formação sólida, visão estratégica e raciocínio lógico

desenvolvido. Por isso, vêm sendo contratados para funções gerenciais e

executivas em diferentes setores.

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- “Com uma formação técnica, os engenheiros

ganham mais desenvoltura em funções estratégicas e de gerência porque

desenvolveram o raciocínio lógico voltado para a realidade” – diz Renato

da Silva Abreu, presidente do tradicional Clube de Engenharia, instituição

que está completando 120 anos de fundação.

Segundo Alessandra Melo, gerente de

Recursos Humanos da empresa Ponte S.A., que administra a Ponte Rio-

Niterói, ensinamentos de matemática, física e raciocínio lógico não bastam.

Os profissionais, assim como quaisquer outros, devem apresentar outras

competências:

- Apenas a formação não é suficiente. Hoje, é

preciso mostrar habilidades, com destaque para o empreendedorismo, a

adaptabilidade ao mercado e a capacidade de trabalhar em equipe.

Para que exatamente a juventude de hoje

deve se preparar? Em um futuro próximo, em que mundo seremos

chamados a viver?

Segundo Alvin Toffler, os analfabetos do

próximo século não são aqueles que não sabem ler ou escrever, mas

aqueles que se recusem a aprender, reaprender e voltar a aprender.

Com certeza, nos sistemas tecnológicos do

amanhã as máquinas lidarão com o fluxo de materiais físicos; os homens

com o fluxo de informação e percepção.

As máquinas, assim como os homens, em vez

de ficarem concentradas em fábricas gigantescas e cidades industriais,

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estarão espalhadas através do globo, ligadas por um sistema de

comunicação, impressionantemente sensível, quase instantâneo. O

trabalho humano sairá da fábrica e do escritório massificado, para a

comunidade e o lar.

Se os tempos são outros, se as necessidades

são outras, também os caminhos devem ser outros.

A Filosofia pode constituir-se num caminho

que educadores e alunos possam percorrer como uma forma de ampliação

do pensar a respeito do conhecimento produzido pela humanidade. Mas

para isto é preciso, antes de mais nada, resgatar a real função da escola

como instrumento de apropriação do conhecimento e não apenas como

mais um mecanismo de transmissão desses conhecimentos de maneira

fragmentada, pronta, acabada.

Manter na criança a curiosidade dos primeiros

anos escolares, aguçar cada vez mais seu espírito investigativo, despertar

a vontade de querer saber mais e melhor e, conseqüentemente, contribuir

na formação de sujeitos pensantes e atuantes na sociedade de maneira

mais adequada deve ser papel da escola, da educação e dos educadores.

A Filosofia deve, pois, estar presente nos

currículos escolares desde o Ensino Fundamental até a Educação

Superior, por tratar-se de uma disciplina que atua como um caminho a ser

percorrido para o pensar e agir melhor, como descoberta de regras de vida,

superando-se noções do senso comum. Para tanto, faz-se necessária uma

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aproximação do real sentido da filosofia e da visão que se tem a respeito

de tal área.

Note-se, no entanto, que a Filosofia só pode

oferecer os instrumentos necessários para a construção de uma visão de

mundo, de homem e de sociedade mais adequada, se a intencionalidade

deste trabalho estiver fortemente articulada com a concepção pessoal de

cada educador. É preciso que haja uma tomada de consciência a respeito

das atitudes filosóficas de cada um (questionar, investigar e ampliar) no

trabalho9 com o desenvolvimento do pensar do aluno. Para tanto, fazem-se

necessárias a superação do senso comum e a constituição de um novo

olhar com relação ao conjunto de conhecimentos e valores que já se têm

como definitivos. A constante capacitação é condição fundamental na

retomada do próprio processo de aprendizagem.

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2 - FILOSOFIA, OS PARÂMETROS CURRICULARES E ENSINO PÚBLICO

“Todos temos a capacidade de pensar, raciocinar

e estabelecer discussões. Mas para isso é preciso

que o indivíduo seja estimulado “

Emmanuel Carneiro Leão

Depois de quase 40 anos fora das grades curriculares

das escolas de ensino médio, a disciplina Filosofia volta às salas de aula. Não

como foi ministrada nos anos 50 e 60, nas antigas turmas do Clássico, onde era

preciso decorar os nomes e as teorias de filósofos. Hoje, muito menos

informativa, a matéria é mais formativa. Porém, mesmo com toda corrente em prol

da retomada da disciplina e um espaço cada vez maior, velhos problemas da

educação, como a falta de profissionais qualificados, ainda são alguns obstáculos

a serem vencidos.

Muitas questões relativas ao ensino de Filosofia foram

debatidas pelo professor Walter Kohan, da Faculdade de Educação da

Universidade de Brasília (Unb), na abertura do I Simpósio Sul-Brasileiro sobre o

Ensino de Filosofia, que aconteceu entre os dias 25 e 28 de abril de 2001, no Rio

Grande do Sul.

Segundo entrevista concedida ao jornal Folha Dirigida

de 5 de abril de 2001, caderno Educação, o professor Walter Kohan destacou que

estamos vivendo um fase de total retomada do ensino da Filosofia, em todos os

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níveis de ensino. A demanda cresce aos poucos apesar do grande entrave que

representa a formação obsoleta dos professores. Segundo ele atravessamos uma

era de dicotomia. Muito espaço para a disciplina e poucos profissionais

competentes para desempenhar o papel.

No estado do Rio de Janeiro, a Constituição Estadual,

promulgada em 1989 determinou a obrigatoriedade do ensino de Filosofia, mas só

muito lentamente a disciplina vem sendo incorporada no dia-a-dia dos alunos da

rede pública e privada.

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),

homologada em 1996 reforçou a obrigatoriedade das aulas de Filosofia.

Para orientar as escolas, o Ministério da Educação

(MEC) publicou e distribuiu os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

Médio que dedica 20 páginas sobre a importância do estudo e como ele deve ser

trabalhado nas escolas pelos educadores.

Segundo a professora Maria Nazaré Gomes de Souza,

superintendente do ensino do Estado do Rio concluiu-se que o ensino de Filosofia

é importante para a chamada formação do nosso futuro cidadão.

“ Queremos formar cidadãos pensantes, críticos e que

tenham a capacidade de opinar, discutir e debater, de forma coerente e correta,

suas posições e idéias. Trata-se de um desafio.”

Já para o professor e filósofo Emmanuel Carneiro

Leão, mestre e doutor na área pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ) com a incorporação do ensino de Filosofia na grade curricular, as escolas

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têm uma oportunidade única de estimular e desencadear nos estudantes o

pensamento e a análise crítica.

A superintendente de ensino do Estado, Maria Nazaré

explica: “As nossas aulas, na medida do possível, pretendem discutir e levar ao

questionamento do ser humano enquanto indivíduo. Através das aulas, que não

procuram estabelecer decorebas nem qualquer tipo de memorização, os

professores têm o compromisso de debater os valores humanos, a ética e o

homem enquanto homem.”

O que dizem os Parâmetros Curriculares do Ensino

Médio em relação ao ensino de Filosofia nas escolas.

É preciso

- Ler textos filosóficos de modo significativo

- Ler, de modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros

- Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo

- Debater, tomando uma posição e defendendo-a

- Articular conhecimentos filosóficos e diferentes conteúdos e modos

discursivos nas Ciências Naturais e Humanas, nas Artes e em outras

produções culturais

- Contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano de sua origem

quanto em outros planos: pessoal-biográfico; sócio-político, histórico e

cultural

Portanto, de acordo com ao Parâmetros Curriculares

do MEC, o ensino de Filosofia deve, em linhas gerais, fazer com que o estudante

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desenvolva o hábito de ler criticamente e passar para o papel, de forma clara e

concisa, suas idéias e pensamentos.

Para o professor Emmanuel a Filosofia, assim como a

Sociologia, é um meio pelo qual os professores podem debater qualquer questão

e, através dela, tornar os adolescentes indivíduos pensantes, articuladores,

críticos e cidadãos o que os tornará, com certeza, alunos preparados para

ingressar numa universidade.

Para o professor, segundo o seu homônimo mais

conhecido, o filósofo alemão Emmanuel Kant, “não se ensina Filosofia, ensina-se

a filosofar”.

Segundo coordenadores do vestibular da Universidade

do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), as habilidades e competências adquiridas

pelos estudantes através do ensino da disciplina são exatamente as mesmas

exigidas pelas provas do atual vestibular da instituição.

E mais: eles adiantam que está sendo estudada a

possibilidade de incluir, futuramente, no Exame de Qualificação do concurso

conteúdos programáticos de Filosofia.

Estimular o raciocínio e a criatividade numa sociedade

em que a indústria cultural determina as regras de comportamento são as maiores

contribuições que a disciplina pode oferecer aos alunos.

A leitura e o debate sobre as idéias de filósofos como

Platão e Descartes são apontadas pela professora Zulena dos Santos Silva, do

Colégio Pedro II, como formas de os estudantes começarem a desenvolver o

senso crítico. “Aos poucos, os alunos amadurecem e conseguem refletir sobre a

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realidade com mais consistência. É difícil saber como eles usarão o conhecimento

adquirido durante o cotidiano. Mas com certeza, serão cidadãos mais

questionadores e terão uma argumentação mais elaborada”.

Na avaliação do presidente da Academia Brasileira de

Filosofia, João Ricardo Moderno, o resgate da disciplina no ensino fundamental e

médio é ótimo para todos.

- É excelente para os alunos, para as escolas e para a

graduação e pós-graduação brasileira na área. Temos um corpo docente e

discente na graduação e na pós-graduação muito bom. Mas que precisa de

incentivo e estímulo sempre. A retomada da disciplina no ensino médio é uma boa

notícia para todos nós professores e, antes de tudo, filósofos – comemora.

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3 - POR QUE FILOSOFAR?

O homem, no seu cotidiano, está sempre filosofando,

sem se dar conta disso. No entanto, na escola, a filosofia é tida, pela maioria dos

alunos, como uma matéria “chata”, própria de intelectuais.

O homem é um animal diferente. Só ele tem

consciência de si próprio e da realidade, pode refletir sobre isto e, também, agir

sobre si, transformando-se, e sobre a realidade exterior, criando cultura e

mudando as circunstâncias.

A investigação filosófica é, pois, um tomar como objeto

da consciência o próprio ato de consciência das coisas, é uma busca do

significado imutável das coisas em si. Ela é uma atitude, um ato de reflexão e

apreensão, metodicamente controlado.

A filosofia busca, então, respostas. Ela não é uma

conclusão a respeito de nada, mas, mais apropriadamente, uma colocação, um

debate.

O filosofar é, portanto, próprio da natureza humana. O

que é isto? O que é o homem? Qual a sua humanidade? O que é o ente? Qual a

sua entidade?

A criança, logo que toma consciência de si e da

realidade exterior (por volta dos 2 a 3 anos), já começa a “atormentar”o adulto

com uma série de perguntas: há as fases do “o quê?”, do “para quê?” e do “por

quê?”

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O legitimo filosofar é a tentativa de responder,

pessoalmente, a uma pergunta pessoal, sobre algo experienciado.

O que é a realidade? Somente o que é palpável? Já

sabemos que não. O homem sofre ou é infeliz por meio de formas invisíveis

(amor, ódio...), que, no entanto, não são menos reais do que aquilo que é

palpável.

Na filosofia, pois, aprendemos a analisar os elementos

que compõem a existência do ser-no-mundo, isto porque há em nós uma

inquietação existencial congênita. Ao filosofar, avivamos nossa própria luz interior,

fazemos um exercício de aproximação e de encontro com o que é buscado. Há,

pois, o descobrimento e o diálogo, em busca do conhecimento. Por isso, a

filosofia é o conhecimento do conhecimento. Aí está a sua diferença com relação

à ciência. Enquanto esta trata dos dados experimentais da realidade, a filosofia

trata das idéias, conceitos ou representações mentais daquela mesma realidade.

Sabemos que o organismo não vive apenas no meio,

mas em função dele. O homem é um ser complexo, um somatório de experiências

passadas e não só se lembra destas experiências, como registra, no inconsciente,

tudo o que se refere à sua cultura, sua história e às suas tradições. Ele vive num

mundo de símbolos e significações e uma das tarefas da filosofia é de esclarecer

o entendimento dos homens a respeito dos problemas morais e sociais de sua

época.

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4 - A CONCEPÇÃO ATUAL DA DISCIPLINA FILOSOFIA

Podemos esperar que a Filosofia ofereça os meios

necessários para a construção de uma visão de mundo, de homem e de

sociedade mais adequada.

Em uma visão mais contemporânea do trabalho com a

Filosofia no Ensino Fundamental e Médio, buscam-se como embasamento e

fundamentação teórica, referências não só filosóficas, mas também das teorias

construtivistas, interacionistas e sócio-históricas que conferem diversos aspectos

com relação ao ato de conhecer a construção do pensamento, da linguagem e do

conhecimento humano. Assim, professor e aluno atuam enquanto sujeitos do

processo de investigação do conhecimento, que é vinculado à prática vivida por

ambos. Não se trata de deixar de lado ou abandonar o já pensado, mas de

promover no espaço da escola a reflexão autônoma e um novo pensar, ou seja, a

Filosofia deixa de ser o produto e passa a fazer parte do processo.

O exercício do filosofar deve ser iniciado a partir da

idéia de que a criança é capaz de desenvolver atitudes filosóficas a respeito de

assuntos ligados diretamente a sua realidade: ser curioso, perguntar a si mesmo

e aos outros sobre tudo o que está aí, questionar as afirmações sobre a realidade,

interessar-se pelas coisas e pensar sobre elas, suspeitar do que é dito facilmente,

buscar respostas para as questões e os problemas, examinar e comparar essas

respostas, investigar a respeito de dúvidas e ampliar idéias. Tudo isso só será

possível se o professor, nas suas intervenções durante o trabalho com diferentes

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temas, agir enquanto um orientador, instigador e que, em fez de fornecer

respostas prontas, buscar estimular seus alunos a fazerem cada vez mais

perguntas. Portanto, a formação de um sujeito com atitudes críticas,

argumentadas e coerentes frente à realidade na qual está inserido, só será

possível com a realização de um trabalho em que o professor, mesmo não sendo

um especialista na área de filosofia, instrumentalize-se constantemente,

adotando, também, atitudes filosóficas junto a seus alunos.

Por meio do incentivo a fazer interferências, os alunos

podem ir além do conteúdo dos fatos e iniciarem o processo de pensar.

O crescimento dessa aprendizagem depende do

estímulo dado à sua criatividade e à sua capacidade de invenção. A não ser que

os alunos possam imaginar como as coisas poderiam ser e como elas mesmas

poderiam ser, torna-se difícil que estabeleçam objetivos em busca dos quais

possam crescer.

O aumento da sensibilidade é um dos objetivos mais

valiosos da comunicação em sala de aula. É a partir do momento em que os

alunos tiverem idéias sobre a natureza dos indivíduos com quem convivem que

poderão fazer julgamentos válidos com relação a eles. E assim será com tudo o

que vivencia em seu meio, discute ou pensa sobre sua natureza.

A intuição geralmente é produto do diálogo filosófico

bem realizado.

Como os alunos podem aprender a pensar em novas

alternativas?

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Como podem aprender que seu modo de pensar não é

o único possível?

Desenvolvendo o hábito de sempre considerar a

possibilidade de que a negativa de sua idéia poderia ser correta. Toda afirmação

factual tem uma negativa que poderia ser certa.

Aprender a descobrir novas alternativas significa

considerar todas as possibilidade, levando ao trabalho de proposições de

questionamentos no qual se busquem soluções alternativas para determinadas

situações.

Direcionando o trabalho dessa forma, leva-se o aluno a

aprender a ver as coisas a partir do ponto de vista dele, e ele começa a ser

respeitado por suas opiniões, de modo a ser mais objetivo e imparcial. Devem ser

propostas situações em que ele fale de maneira objetiva e imparcial sobre seus

problemas.

Descobrir a coerência entre fatos afirmados no dia-a-

dia é fundamental para o trabalho em Filosofia, pois leva o aluno a aprender que a

palavra pode ter significados diferentes dependendo de sua colocação na frase e

que, não usando coerentemente uma palavra, corre-se o risco de tornar

negligente e contraditório.

Muitas das nossas ações e pensamentos dependem de

nossas crenças. Nossas crenças são as bases de toda nossa perspectiva de vida

e da nossa maneira de viver. Por isso, é útil pôr à prova as idéias dos alunos de

forma lúdica, ou até mesmo por polêmica, pois pensa-se nas respostas,

apresentam-se as razões para acreditar no que se acredito, pensa-se sobre por

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que acredita-se em determinadas coisas etc. Trabalhando dessa forma, leva-se o

aluno a reavaliar suas crenças, ele é desafiado a pensar e, assim, há mudança de

atitudes.

Não basta que uma pessoa tenha idéias sólidas sobre

este ou aquele assunto, uma convicção sobre isso e uma crença sobre aquilo,

porque fragmentos e pequenas partes talvez não levem a nada.

Os alunos precisam ser incentivados não só a amar e

respeitar as idéias, não só a querer que suas idéias sejam sólidas e razoáveis,

mas também a estabelecer as conexões entre as idéias e ver como elas se

relacionam, se apóiam e convergem umas sobre as outras. Somente assim

consegue-se construir uma rede de pensamentos que será útil e prática no

desenvolvimento da aprendizagem do aluno.

O papel do professor em todo o processo é

fundamental, pois ele tem maior experiência, e entende como as coisas que

acontecem neste mundo relacionam-se entre si.

Por meio de perguntas, é importante incentivar os

alunos a perceberem as conexões entre o que veio antes e o que vem depois e a

pensar por si mesmas, ajudando-as a descobrir os rudimentos de sua filosofia de

vida e a desenvolver um senso mais concreto de suas próprias vidas.

O trabalho em Filosofia objetiva levar o aluno a

aprender a pensar.

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5 - A FILOSOFIA EM UMA SOCIEDADE CIENTÍFICA-TECNOLÓGICA

Voar pelos céus sempre foi um sonho do Homem;

prova disso são as figuras místicas da Antiqüidade, como Dédalo e Ícaro na

Antiga Grécia, Mercúrio na mitologia romana, e Thor para os povos nórdicos. Voar

representava Poder – pois enquanto o Homem já havia se mostrado capaz de

conquistar as terras e as águas, aos céus só os pássaros podia alçar-se.

De Dédalo a Santos Dumont passaram-se muitos

séculos de desafios, mas, enfim, após muitas e muitas tentativas, o mito tornou-se

realidade.

No entanto, sabemos do descontentamento, ou

melhor dizendo, da profunda tristeza que se abateu sobre Santos Dumont ao ver

seu invento sendo usado na guerra.

O homem supera os pássaros. Mas as asas das

aves nunca transportaram bombas.

Santos Dumont

Até hoje o mundo fica indignado com o genocídio

representado pelas bombas atômicas lançadas sobre o Japão. O alcance e o

estrago causado foram maiores do que se havia previsto. Houve distorções e,

principalmente, manipulação pelo poder.

Nesse caso, fica evidenciado o perigo da tecnologia

quando ela é usada de forma inadequada.

A valorização da técnica, no início da era moderna,

trouxe como conseqüência a alteração da concepção de ciência. Se na

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Antiguidade e na Idade Média o saber era contemplativo, isto é, totalmente

voltado para a compreensão e para a descoberta dos fenômenos que a realidade

apresentava, na Idade Moderna esse saber passa a ser ativo, um saber

totalmente voltado para a prática, que atua no mundo a fim de transforma-lo.

O trabalho das mãos foi o elo marcante da

transformação da relação ciência e técnica. A tecnologia moderna é a ciência

aplicada.

São profundas as alterações provocadas pela

tecnologia em todos os setores da vida humana. Nunca ocorreram

transformações tão fundamentais e com tanta rapidez.

Hoje a tecnologia exerce um tremendo fascínio sobre o

homem, que busca aprimorar seus conhecimentos, criando aparelhos e

equipamentos cada vez mais sofisticados.

Face a esse quadro, no qual a tecnologia ocupa lugar

de destaque, somos levados a refletir: a tecnologia é boa ou ruim? Dispensável

ou indispensável? Escraviza ou liberta o ser humano?

Segundo George Kneller - A tecnologia pode criar ou

destruir, tornar o homem mais humano ou menos humano. Mas devemos correr

riscos se quisermos progredir. Se agirmos com prudência e tentarmos minimizar

os danos da tecnologia e incentivar ao máximo seus benefícios, certamente

valerá a pena aceitar o risco.

Para Régis de Morais o grande problema da civilização

científico-tecnológica não é de ciência nem de técnica. É um problema filosófico.

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Nesse contexto, a Filosofia poderia contribuir para a

formação de homens criativos e críticos, capazes de entender e direcionar esse

processo acelerado de mudança. Poderia contribuir, principalmente, na

recuperação da dimensão humana do conhecimento, inserindo os diversos

saberes num contexto global.

Durante muitos séculos – durante toda a Antiguidade e

a Idade Média – não se fez distinção entre filosofia e ciência. Isso porque, não

havendo instrumentos adequados, as observações e medidas não tinham

condição de ser realizadas. As descobertas eram feitas quase que

exclusivamente através do raciocínio, o que, evidentemente, podia levar a erros.

Além disso a experimentação era desvalorizada, por ser tarefa pouco nobre,

própria de artesãos, de pessoas que “sujavam as mãos”.

Foi Galileu que, no século XVII, demonstrou a

importância das experiências e medidas precisas. Os professores e filósofos da

época, porém, baseavam-se nos princípios da escolástica (como era chamada a

doutrina filosófico-religiosa da Idade Média, que conciliava o conhecimento

religioso com a filosofia da Antiguidade), e recusavam-se ao menos a

acompanhar as experiências de Galileu, alegando que só o raciocínio filosófico e

a tradição permitiam conhecer a verdade. E se as verdades fossem favoráveis,

não seria necessária a experiência...

Ao estabelecer o método científico que imprimiu

novo rumo às investigações, Galileu procedeu à separação entre filosofia e

ciência, dando nascimento às chamadas ciências particulares modernas. No caso

do estudo acerca do movimento, Galileu não se preocupava, como Aristóteles,

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com a natureza dos corpos pesados: restringia-se a medir repetidas vezes, num

plano inclinado9, o espaço percorrido e a velocidade alcançada por diferentes

corpos. Buscando estabelecer as relações necessárias e constantes desse

fenômeno, conseguir estabelecer a lei da queda dos corpos expressa numa forma

geométrica.

Eis aí as duas notas características do novo método

científico: experimentação e matematização.

Esse método, usado inicialmente na física, foi depois

apropriado pelas outras ciências. É uma questão de se perguntar, então, o que

teria sido feito da Filosofia, tão intimamente ligada à ciência antiga. Restou a ela o

papel importantíssimo de investigar os pressupostos desse método, ou seja,

discutir a respeito do que é ciência, o que é uma hipótese científica, qual o valor

da observação e da experimentação, que consiste o processo de generalização

que conduz a formulação das leis, o que são teorias científicas, qual o alcance do

conhecimento científico, se a ciência é objetiva ou não, se é um saber certo,

definitivo ou provisório, e muitas outras questões semelhantes.

Dessa forma, podemos dizer que qualquer cientista, em

certo momento de seu trabalho, pode parar para refletir sobre questões

propriamente filosóficas. Esse poder de reflexão crítica não se limita porém aos

exemplos acima. O bom cientista, no sentido humano da palavra, deve ser aquele

que também indaga sobre os fins a que se destinam suas pesquisas. Daí a

importância da ética, parte da filosofia que reflete sobre os problemas

fundamentais da moral, ou seja, dos valores de bem e mal que regem a ação ou

conduta humana. Por exemplo, é a reflexão ética que valoriza os estudos

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ambientais e de proteção à natureza, que constituem condição indispensável à

sobrevivência da humanidade.

Nem todo mundo vê na tecnologia a solução para as

dificuldades que o homem enfrenta. A tecnologia tem sido apontada como a vilã

do futuro, que se apresenta sombrio, egoísta e constantemente ameaçado pela

destruição por esses mesmos avanças tecnológicos.

Neste cenário, podemos visualizar o homem como

vítima de sua própria criação. A tecnologia escapa de seu controle e é utilizada

por indivíduos com interesses particulares de forma inescrupulosa, para seu

próprio benefício ou para grupos restritos. De modo geral podemos dizer que o

homem moderno acha-se muito mais voltado à cultura do ter do que à cultura do

ser.

Ao longo desses três séculos da história das

revoluções industriais, o que se constata é que a técnica muda, mas as

instituições responsáveis pela distribuição dos benefícios sociais pouco ou nada

mudam, mantendo o mesmo agravando os problemas sociais, como ocorre com o

desemprego.

A retrospectiva história das revoluções industriais

mostra que não se trata de condenas ou de refrear o progresso da técnica. Mas

de, junto a seu processo evolutivo, abrir de par em par as portas das instituições

sociais, mudando-as para que, justamente, emitam a relação harmoniosa da

técnica com o progresso da humanidade.

A questão ética está, portanto, na ordem do dia. Mais

do que um modismo falamos de ética hoje por uma necessidade de

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sobrevivência. Ela é lembrada mais pela sua ausência: fala-se em crise ética.

Indignamo-nos freqüentemente com sua falta na política, na economia, na

medicina, na ciência, só para citar alguns campos. Muitos falam em ética sem

saber o que estão dizendo. Muito freqüentemente é uma visão míope ou então

legalista, normativa e policialesca. Identifica-se a ética com a lei, com a norma,

com o código de ética profissional, com o que é certo ou errado, permitindo ou

proibido, bom ou mau pura e simplesmente. É verdade que a ética tem a ver com

tudo isso, mas é preciso ir além disso.

Começa a existir um problema ético a partir do

momento em que a intervenção humana não é condicionada totalmente pelo

curso das coisas, pela necessidade natural. O agir humano intervém e transforma

a natureza.

Uma das características do mundo de hoje é o fascínio

incondicional em relação às conquistas da ciência, cujos resultados modificaram

profundamente o estilo de vida de toda a humanidade. É só pensar no rádio e na

tevê, no carro, no avião, no robô, no computador, na anestesia, no transplante de

órgãos, só para citar algumas inovações. Para muitos, a ciência é a poção mágica

que abre as portas do paraíso terrestre e que restabelece a felicidade perdida.

Um sonho isento de qualquer limite.

Só o ser humano é dotado da capacidade de descobrir,

controlar e usar a seu critério as leis e as forças da natureza. E o faz através da

ciência e da técnica. A ciência descobre as leis e as forças da natureza. A técnica

cria o instrumental adequado o[ara domina-las e utiliza-las. Por exemplo, a ciência

descobriu a eletricidade e suas leis. A técnica planejou e executou usinas

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hidrelétricas, usinas nucleares, redes de distribuição, a lâmpada, o elevador e

tantas outras ferramentas de uso corrente. Mas a eletricidade implica riscos para

o ser humano. Não é à toa que nesses lugares de produção de energia está

sempre afixada a famosa caveira com a inscrição “perigo de morte”.

O fato fundamental do contexto cultural de hoje é o

poder do homem sobre a vida e a natureza. Ora, se há um poder do ser humano

sobre o mundo da vida e natureza é porque ele dispõe de certo saber sobre a

vida, que até pouco tempo era marcado por uma aceitação passiva do curso da

natureza e mudou para uma atitude científica, que interfere e transforma a ordem

natural das coisas. Em relação à natureza mineral, por exemplo, não existe o aço

como produto natural. Ele é fruto da ação humana resultante da combinação dos

diversos elementos químicos, bem como a produção de ligas de alta resistência, o

plástico e outros artefatos.

Hoje assistimos ao surgimento de uma espécie de

desconfiança em relação a tudo o que depende dos mecanismos naturais. Afirma-

se conseqüentemente o desejo de um domínio sempre maior. Esse domínio se

opõe à atitude que dominou, até recentemente, na história da humanidade, e que

consistiu principalmente em aceitar passivamente o curso da natureza tal como

ela se apresentava.

Nem tudo o que é cientificamente possível é

eticamente aceitável.

O uso dos resultados científicos não é fazer ciência,

mas constitui o comportamento ético do ser humano. Para orientar esse

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comportamento é que o ser humano deve adquirir a sabedoria ética que respeita

os valores da vida humana.

Filosofia e ciência não se substituem... nem se

excluem, completam-se.

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6 - A DEMOCRACIA COMO MODELO

Segundo John Dewey a democracia, não é um conceito

acabado e fixo, encontra-se em permanente ressignificação e transformação,

tanto no seu significado como nas suas manifestações exteriores.

É preciso distinguir dos usos ou sentidos de

“democracia”, um uso político no qual o termo designa uma forma de governo ou

um sistema de instituições políticas para regular a vida em comum e que tem por

normativa substancial a equidade e um uso social no qual a democracia é

concebida como um modo de vida que se aplica tanto à vida pessoal quanto às

experiências coletivas.

Em seu sentido social existem dois critérios para se

determinar o caráter democrático do modo de vida de um grupo social:

a) o grau de ligação entre as ações e os interesses das diferentes pessoas que o

formam;

b) o modo em que a livre interação entre seus membros possibilita a

reacomodação e a retificação e correção de hábitos.

O primeiro critério implica o reconhecimento da

interdependência dos membros de uma comunidade – a sua constituição como

seres sociais e mutuamente dependentes – e a inclusão de todos eles na

deliberação e determinação dos fins sociais.

A mais ampla participação dos membros de uma

comunidade na determinação dos interesses sociais potencializa a diversidade de

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estímulos e com isso enriquece a capacidade de escolha e ação de cada um, ao

oferecer um repertório de alternativas qualitativa e quantitativamente superior.

O acento conferido à importância de interesses

diversos no modo de vida democrático implica a afirmação do valor da diferença,

não apenas como uma concessão ou um direito das outras pessoas, mas como o

reconhecimento de que, numa comunidade, a simples experiência e expressão de

modos de vida diferentes enriquece a própria vida. A democracia, em todos os

seus aspectos, nutre-se de um modo cooperativo, deliberativo e pacífico de

assumir as diferenças como próprias e desejáveis.

O segundo critério afirma a mudança como um valor

social. Uma sociedade democrática funda-se na convicção de que sempre é

preciso corrigir-se, melhorar-se e que devem ser geradas condições para uma

mobilidade social irrestrita. Para isso, a livre circulação de experiências e idéias é

condição fundamental. Uma sociedade democrática é uma sociedade que muda,

que se autocorrige, que se renova.

Os distintos sentidos do termo democracia se

entrelaçam enquanto usualmente enfatiza-se que a democracia política é

condição de possibilidade da democracia pessoal e social, estas são também

condição de possibilidade daquela. Ou seja, se pessoas e instituições

comunitárias e sociais, como a escola ou a família, não são democráticas, as

instituições políticas nunca o serão num sentido real e não apenas formal. Se a

sociedade não virar uma comunidade, a democracia será apenas um ideal.

Assim, a democracia identifica-se com uma forma associada de vida em

comunidade, na qual todos os membros pensam em termos de “nós” e “o nosso”,

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e não apenas em termos de “eu” e “meu”, quando põem seus desejos e ações à

disposição da realização dos bens determinados socialmente.

Na verdade Dewey não se refere a nenhuma

democracia de fato, mas a um modelo de democracia. Eis o sentido moral ou

normativo do termo. Dewey não caracteriza como são as relações sociais

imperantes mas como deveriam ser. Ele traça uma normativa para elas, um

modelo perfeito de relações cooperativas e eqüitativas.

Seu modelo mostra o limite final, a visão perfeita do

que se experimenta imperfeitamente e, ao mesmo tempo, serve como termômetro

para medir tanto a vida pessoal como as relações sociais (família, escola) e suas

manifestações políticas.

Como poderia ser orientada nossa prática em função

deste ideal? Segundo Dewey: do ponto de vista do indivíduo, ela consiste em se

ter uma participação responsável, de acordo com a própria capacidade, na

idealização e orientação das atividades dos grupos aos quais se pertence, e em

compartilhar, segundo a necessidade, dos valores que o grupo sustenta. Do ponto

de vista dos grupos, exige libertação das potencialidades dos membros de um

grupo em harmonia com os interesses e bens que são comuns.

A ambição maior é a conciliação de duas idéias que

têm funcionado historicamente confrontadas e em mútua oposição: a libertação

ou realização dos indivíduos, ao lado da celebração do bem comum. A condição

necessária e chave para esta conciliação reside, segundo Dewey, na participação

responsável e deliberada de todos os seres humanos amadurecidos na formação

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dos valores que regulam a vida social e a existência de grupos e instituições que

potencializam e libertam as forças de cada um de seus membros.

A democracia como modo de vida deve valorizar um

processo de questionamento permanente que constitua a própria democracia, seu

significado, seus meios e fins em seu objeto de reflexão, deliberação e revisão.

Nos termos de Dewey:

A liberdade que é a essência da democracia é acima de tudo a liberdade

de desenvolver a inteligência; inteligência esta que consiste no juízo quanto

aos fatos relevantes para a ação e a como eles são relevantes no que

respeita às coisas a serem feitas, e uma correspondente prontidão na

busca de fatos. Até que ponto somos realmente democráticos irá depender

afinal do grau em que a ameaça totalitária existente desperte em nós uma

lealdade mais profunda à inteligência, pura e impoluta, e à ligação

intrínseca entre ela e a livre comunicação; o método de conferência,

consulta, discussão, em que tem lugar a purificação e a convergência dos

resultados líquidos das experiências de grande número de pessoas.

Para Dewey, nessa livre e irrestrita discussão e

deliberação reside o coração da democracia.

Dewey utiliza o termo “educação” num sentido

estreito, limitando-o às instituições educativas per se e num sentido amplo para

referir-se a toda forma de vida social que contribui para potencializar o

crescimento das pessoas e o enriquecimento da sua experiência pessoal e

coletiva.

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Neste último sentido, democracia e educação

conformam uma relação dialética: trata-se de que as instituições educativas –

como toda instituição social – gerem hábitos democráticos para estabelecer um

processo de deliberação pública e aberta que, Dewey confia, levará a um

crescimento pessoal e social e, como isso, à superação de preconceitos e ao

enriquecimento dessa experiência individual e compartilhada. Neste sentido

amplo do termo educar toda experiência democrática torna-se educativa.

Portanto, não se trata apenas de educar para a democracia, mas de democratizar

para educar. Esta relação recíproca se fundamenta em que ambas, democracia e

educação, são modos sociais de questionamento e investigação cujo propósito

comum é enriquecer a experiência humana.

Com relação às funções sociais das instituições

educativas, Dewey distingue cinco aspectos fundamentais:

1. A educação como reconstrução da experiência enquanto processo

contínuo de recriação, reorganização ou reconstrução individual e social da

experiência do estudante.

2. Continuidade e interação da experiência educativa.

O princípio de continuidade assinala a ligação inseparável entre o passado,

o presente e o futuro de toda experiência individual e social e a

necessidade de que a escola reconstrua essa experiência atentando para

um presente que enlace o passado e o futuro enquanto que o princípio de

interação considera a educação como um processo de intercâmbio ativo e

recíproco entre as demandas do estudante e as demandas sociais

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expressas pela escola.

3. A distinção entre pensar e conhecer.

Dewey distinguiu o pensar e o julgar, por um lado, e o conhecer pelo outro.

Ele propôs considerar a escola como um espaço de construção social do

pensar e de formação e exercício da capacidade de julgar das crianças, e

não como um lugar de transmissão de conhecimentos. O pensar e o julgar

desenvolvem capacidade e forças ativas, como a habilidade de discriminar

ou selecionar, enquanto adquirir informações promove uma aprendizagem

impotente sem o auxílio do julgar ou do pensar. O julgar e o pensar são

hipotéticos, projetam-se s9obre um futuro; já o conhecer procura apreender

o que é dado. Nesse sentido, o melhor que uma escola pode fazer pelos

seus alunos é desenvolver a sua habilidade de pensar. Para Dewey, existe

uma disciplina que cultiva o pensar no que o diferencia do conhecer, a

filosofia.

A filosofia é a disciplina que cultiva o pensar olhando para a experiência,

definindo suas dificuldades e propondo caminhos para enfrenta-las.

Segundo Dewey a filosofia e as escolas têm o mesmo objeto, a experiência

humana.

4. A educação em e para a democracia

Democracia entendida com um significado amplo de um modo de vida

social. Neste caso é uma educação para a democracia porque todo

processo educativo deve procurar dar aos estudantes as ferramentas que

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lhes permitam participar na geração e na sustentação de formas de vida

associadas que potencializem a qualidade de sua experiência, e a

democracia é a forma de vida associada que otimiza a experiência

humana. É uma educação na democracia pela importância de respeitar a

continuidade da experiência dos estudantes e porque a mesma experiência

humana tem mostrado sobejamente que os fins democráticos requerem

meios democráticos para sua realização.

5. Educação e mudança social

Para Dewey, num universo social em mutação, as instituições educativas

refletem e, ao mesmo tempo, participam ativamente da produção de uma

ordem social, ainda que não sejam o único agente de mudança social, elas

têm uma função necessária a cumprir como instâncias democratizantes da

vida social.

A fim de cumprirem essa função, as instituições

educativas devem possibilitar aos estudantes a compreensão dos fundamentos

da ordem social e as causas que ensejam as mudanças que nela se verificam.

Para isto, não devem doutrina-los, pois o doutrinamento é a negação da

participação ativa dos estudantes na compreensão deliberativa dos meios e fins

sociais. A democracia, tanto como sistema de instituições políticas quanto como

modo de vida social, não é algo acabado ou estático nem como fim nem como

meio, e deve ser renovada no dia-a-dia através da permanente ponderação de

seu significado e seus propósitos; toda comunidade que adota para si os valores

democráticos reflete, delibera e problematiza a democracia. A função das

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instituições educativas é serem o cenário desta deliberação problematizadora e

assim aliarem-se aos movimentos que resultem no enriquecimento da vida

pessoal e social.

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7 - FILOSOFIA PARA CRIANÇAS – A PROPOSTA DE MATTHEW LIPMAN

O objetivo da proposta educacional de Filosofia para

Crianças de Matthew Lipman é o de desenvolver o pensamento e o raciocínio de

alunos de primeiro e segundo graus através de discussões filosóficas nas salas

de aula.

A reação a essa proposta foi em grande parte de

ceticismo tanto por parte dos que temiam que a filosofia fosse desvirtuada ao ser

apresentada a alunos ainda imaturos, quanto pelos que duvidavam do valor

educativo da filosofia como disciplina curricular nos anos de formação básica.

O que tem sido comprovado, desde o início de sua

aplicação nos Estados Unidos na década de setenta é que a Filosofia para

Crianças revelou-se eficaz no desenvolvimento do pensamento crítico de

crianças, sugerindo que o raciocínio é tão ou mais básico que as demais

disciplinas. Avaliações experimentais em vários países demonstraram que os

alunos que estudam filosofia expressam-se com mais clareza, lêem melhor,

escrevem melhor, desempenham-se melhor em matemática, pensam mais

criativamente, interessam-se mais pelos estudos e questionam mais.

Atualmente os programas de Lipman são adaptados

e aplicados em 29 países, entre o quais o Brasil, onde desde 1985, centenas e

centenas de crianças discutem temas filosóficos.

Para Lipman a filosofia e a educação para o pensar

estão imbricados; uma definição do filosofar poderia ser o “exame auto-corretivo

de maneiras alternativas de fazer, dizer e agir”. O autor defende a tese de que o

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pensar e a discussão filosóficos geram o próprio pensar que se busca

desenvolver nos alunos “dentro de um contexto humanístico da filosofia no qual

os alunos vivenciam relevância cultural e rigor metodológico”. É justamente essa

estreita identificação entre processo e produto que torna a filosofia uma disciplina

tão valiosa dentro da educação primária e secundária.

A contribuição maior e específica de Lipman

consiste no papel que atribui à filosofia na experiência educativa e na sua idéia

revolucionária de que as crianças estão capacitadas para praticar a filosofia assim

que começa a sua educação institucionalizada. Segundo Lipman a filosofia é a

disciplina que prepara as crianças para pensar nas outras disciplinas e com isso

fornece-lhes as ferramentas que irão permitir-lhes achar sentido e

problematicidade na sua experiência. O seu nexo com a democracia é evidente: a

filosofia tem valor quando aperfeiçoa as formas de questionamento e investigação

que permitem tratar de modo cooperativo e deliberativo as diferenças numa

sociedade democrática. Mas a filosofia não deve apenas servir à democracia,

deve ser ela própria uma prática coletiva e democrática porque toda pessoa

precisa do diálogo deliberativo e cooperativo em comunidade para interiorizar os

métodos, as vozes e os valores de tal prática.

A tentativa de Lipman comporta uma idéia e uma

prática. Mesmo considerando que as duas coisas interagem e se influenciam

mutuamente, não devem confundir-se, pelo menos analiticamente. Uma coisa é a

idéia de levar a filosofia para as crianças, outra, bem diferente, é dispor de tudo o

que é necessário para concretiza-la: instituições, materiais, cursos, que Lipman e

seus colaboradores têm criado e desenvolvido para que a idéia tome forma.

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Como idéia filosófica, Filosofia para Crianças rejeita

dogmatismo e preconceitos e nos convida a pensar nos valores que esta idéia

pressupõe. Como prática filosófica, filosofia para crianças, precisa de uma

reflexão teórica que contribua para pensar as funções desta prática, suas

conseqüências e finalidades.

Este pensar não pode ser individual, pois sua prática

coletiva exige que seja também pensado coletivamente o que se faz e o que

sustenta este fazer. Afinal, pela prática, os educadores estão revelando novos

significados filosóficos e educacionais possíveis para esta idéia.

A metodologia utilizada pelo programa Filosofia para

Crianças tem como objetivo promover um verdadeiro processo de construção

coletiva do conhecimento a respeito dos temas levantados e, como processo, é

excelente recurso para o desenvolvimento das habilidades cognitivas. Esta

metodologia procura fazer com que os participantes do diálogo investigativo

sejam capazes de:

- Falar utilizando a linguagem de forma articulada e como instrumento de

desenvolvimento do pensamento;

- Falar cada um na sua vez e sobre o assunto que está em pauta nas

discussões naquele momento, auxiliando-os a organizar os o pensamento e os

seus discursos;

- Ouvir o que os outros dizem, habituando-se a prestar atenção ao que é dito e

a respeitar o direito de expressão dos demais;

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- Falar sobre o que acham do que os outros dizem, levando-os a interpretarem

o discurso dos colegas e a se posicionarem a respeito apresentando razões

para suas colocações;

- Apresentar razões para aquilo que dizem, desenvolvendo a capacidade e o

hábito de argumentar adequadamente;

- Identificar as questões que se relacionam com temas de outras questões,

levando-os ao exercício da análise e da síntese;

- Fazer um exame crítico, sobre os temas propostos pelas histórias,

desenvolvendo o hábito de buscar, comunitariamente, maiores clarezas sobre

temas de seu interesse.

Um dos aspectos centrais do programa Filosofia para

Crianças é o exercício do diálogo investigativo. O diálogo é diferente da polêmica,

pois os interlocutores não buscam fazer prevalecer, a qualquer custo, seus pontos

de vista e sim, buscam juntos, a construção coletiva de um conhecimento maior

sobre o tema em discussão. Os pontos de vista individuais são submetidos ao

exame crítico dos parceiros do grupo e se somam no esclarecimento do tema.

O diálogo investigativo transforma a sala de aula em

verdadeiras comunidades de investigação, onde as experiências dos alunos são

partilhadas seguindo alguns procedimentos comuns ao grupo. Assumindo um

compromisso com estes procedimentos investigativos os alunos adquirem hábitos

intelectuais que os capacitarão a serem abertos para avaliar novas visões de

mundo, e este é um caminho, dos mais promissores, para o desenvolvimento do

pensar e da cidadania.

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Comunidade de Investigação seria, pois, aquela

comunidade na qual é realizado o diálogo investigativo a respeito dos temas que

são suscitados por leituras e que, por sua vez, suscitam outros e outros e outros

temas.

Assim, aprender a realizar, cada vez melhor, o

diálogo investigativo exige que haja práticas constantes de tal diálogo e que o

professor, que o co-ordena, saiba, realmente, “faze-lo acontecer”.

E o fato de haver constância nas exercitações

práticas do diálogo investigativo poderá ensejar a desejada internalização do

hábito de o realizar.

Aí está o papel importante do professor que sabe o

que é uma comunidade de investigação, sabe quais atitudes deve buscar fazer

acontece na mesma para que ela seja produtiva e sabe as razões pelas quais ele

pode apostar na metodologia da comunidade de investigação como uma

metodologia que não só auxilia no aprendizado da investigação dialógica, mas

propícia excelente oportunidade de internalização do hábito do diálogo

investigativo.

A proposta de Lipman nos leva a questionar e refletir

sobre a responsabilidade que temos de influir na formação de seres capazes de

pensar, escolher e decidir por si mesmos.

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8 - QUANTO MAIS CEDO MELHOR

Ainda hoje pode parecer estranho um projeto que visa

praticar filosofia com crianças a partir de quatro anos. Precisamos, no entanto,

considerar que a filosofia alimenta-se de sentimentos profundos que são gerados

por nosso estar-no-mundo: assombro, espanto, insatisfação. Esses sentimentos,

vivos e fortes em nossos primeiros anos sofrem o embate de diversos dispositivos

sociais que procuram “naturalizar” nossa vida em sociedade. Assim, nos tornamos

seres cada vez menos surpreendidos pelos acontecimentos políticos e as

descobertas científicas e tecnológicas. Cada vez nos incomodamos menos com

as arbitrariedades e injustiças de nossas sociedades.

A filosofia resiste a essa naturalização do universo

humano. Opõe-lhe a idéia de que dimensão alguma de nosso mundo deve ser

aceita como inevitável ou inexorável. Para a filosofia, não existem no âmbito da

vida humana fenômenos puramente naturais. O mundo humano é um mundo do

não determinado, do contingente,do que sempre pode ser de outra maneira. O

questionamento filosófico procura pensar essa contingência, em seus

fundamentos, suas conseqüências e nas condições de potencializar outras

contingências alternativas às existentes.

Por esta, entre outras razões, a filosofia está em

sintonia com as crianças. Porque elas também não gostam de que o mundo seja

apresentado como algo imutável.

Quando as crianças são menores, mostram com

espontaneidade sua surpresa pelos acontecimentos do mundo. Junto à filosofia

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as crianças podem cultivar todos esses sentimentos e desenvolver uma relação

mais livre e ao mesmo tempo mais complexa com seu mundo. A filosofia pode

ajudar as crianças a manter vivo esse espasmo inicial; sua curiosidade originária

pode subsidia-las a pensar por que o mundo tem a forma que vemos hoje, quais

são as conseqüências desse “estado de coisas”, em que valores se apóia, quais

outras opções temos.

Em suma, a filosofia, como atividade ligada ao

cotidiano das pessoas, oferece às crianças uma possibilidade imensa de constituir

um recurso adequado para que elas tornem-se pessoas com um pensar mais

complexo no sentido de serem mais críticas e criativas, mais preparadas para

refletir os fundamentos e as questões significativas do seu universo. Ao mesmo

tempo, pode ajuda-las a desenvolver disposições afetivas e intelectuais que as

auxiliem a percorrer um caminho metódic9o e problematizador de sua realidade

social.

A filosofia para crianças e adolescentes, pois, deve

ser um programa que cultive o desenvolvimento de habilidades de raciocínio,

através da discussão de temas filosóficos, que ajudarão os alunos não somente

na aprendizagem do saber como na de inferir, comparar, relacionar, classificar,

definir, deduzir, criticar, fazer analogias, mas também a desenvolver valores

positivos e a posicionar-se diante da vida.

Um exemplo citado por Maria Luiza Silveira Teles

em seu livro Filosofia para crianças e Adolescentes pode ilustrar as dificuldades

da criança, como, por exemplo,l selecionar a idéia principal de um texto.

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Sempre cito um exemplo real, que parece piada. Fui professora de primeiro

ano de faculdade durante longo tempo e nunca me esqueço de duas

turmas a quem fiz uma pergunta de raciocínio simples, sendo que,entre 80

alunos, ninguém pôde respondê-la.

Havia explicado durante a aula, para ambas

as turmas, que a psicologia se baseava, principalmente, na observação e

que este tipo de ciência é chamada empírica. Quando a aula terminou,

apenas para fechá-la, eu levantei a questão: “Só para resumir: toda ciência

que se baseia na observação é empírica. A psicologia baseia-se na

observação. Ela é pois o quê?” Nem um único aluno completou: empírica...

Se pessoas de 18, 19, 20 anos ou mais não são capazes de fazer um

silogismo tão simples, o que aconteceu com o seu raciocínio e a sua

lógica?

Elas não foram ensinadas a pensar. A

atividade espontânea da curiosidade, da busca e reflexão foi-lhes tolhida

nos primeiro anos de vida.

Não há dúvida de que por detrás de muitas

dificuldades escolares, que já são apresentadas na infância, está a falta de

habilidade de raciocínio. Porque esta é uma característica humana, não significa

que não precise ser incentivada e exercitada.

A filosofia leva à discussão reflexiva, lógica e

analógica das idéias. Na verdade, é a única disciplina cujo objetivo é apenas o

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aprimoramento do pensar. Por isso é importantíssimo que a filosofia entre nos

primeiros anos do currículo escolar.

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CONCLUSÃO

A filosofia abre novos horizontes não apenas às

crianças que a estudam como também aos professores que ministram as aulas.

Quando os professores abrem mão de sua tradicional postura como autoridades

do saber, eles participam integralmente com seus alunos nas discussões

filosóficas. Opera-se uma transformação na sala de aula: o processo de

aprendizagem é compartilhado por todos e torna-se aquilo que efetivamente

deveria ser, ou seja, a busca de significado.

A tarefa dos educadores de hoje é menos a de

transmitir conteúdos aos alunos e mais a de orienta-los a como buscar aquilo que

necessitam saber e como processar as informações para que dêem subsídios

para aquisição de conhecimentos significativos. Os educadores devem

desenvolver seu próprio pensamento, e, para tal devem “aferir as ferramentas”

intelectuais. Os professores devem maximizar as oportunidades nas quais os

alunos exercitam seu raciocínio e aprendam a buscar, questionar e investigar em

lugar de esperar ou aceitar as respostas que lhes vêm prontas. Em discussões

filosóficas com os colegas, os alunos aprendem a formular e expressar seus

próprios pensamentos, a ouvir e respeitar as posições dos outros, a forjar e

empregar critérios adequados para avaliação de conceitos e a adoção de valores,

ou seja, tornam-se aptos a exercer plenamente a sua cidadania.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DOCUMENTOS DA CNBB Nº 12 – Exigências Éticas da Ordem Democrática DEMO, Pedro. A Nova LDB – Ranços e Avanços. 11ª ed. Campinas: Papirus, 1997 GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. Romance da História da Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995 HERNÁNDEZ, Fernando Transgressão e mudança na educação. Porto Alegre: Artmed, 1998 HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar. 4ª ed. Rio de Janeiro: Edição do autor, 2000 KOHAN, Walter Omar e Wuensch, Ana Miriam (organizadores). Filosofia para crianças Vol. I . Petrópolis: Vozes, 1998 ___________________________, Waksman, Vera (organizadores). Filosofia para crianças Vol. II . Petrópolis: Vozes, 1998 ___________________________, Gallo, Sílvio (organizadores). Filosofia no ensino médio Vol. VI. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000 LIPMAN, Matthew. O Pensar na Educação. Petrópolis: Vozes, 1995 _______________A filosofia vai à escola. 2ª ed. São Paulo: Summus editorial, 1990 SÁTIRO, Angélica e Wuensch, Ana Miriam. Pensando Melhor. Iniciação à filosofia. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999 TELES, Maria Luiza Silveira. Filosofia para jovens. Uma iniciação à filosofia. 8ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000 ________________________Filosofia para crianças e adolescente. Petrópolis: Ed. Vozes, 1999 WEISZ, Telma. O Diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 2000

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ANEXO I

Opinião dos alunos do Educandário São Francisco de Assis sobre o ensino de

Filosofia na escola.

Entrevistas realizadas, pelos alunos da turma 1171, com os demais colegas

do Ensino Fundamental e Médio.

- Não acho importante estudar Filosofia porque ainda não tirei nenhum proveito

até agora. Quem sabe no futuro.

- A Filosofia é ótima. Ela nos ajuda a organizarmos melhor nossos pensamentos.

- A Filosofia não é necessária. A matéria é chata, muito monótona. A Filosofia

somente algumas vezes é legal.

- É muito chato, mas deve servir para ajudar em alguma coisa. Não colocariam

Filosofia na escola sem motivo.

- A Filosofia é importante na vida de cada aluno da nossa escola.

- A Filosofia influência muito no nosso modo de pensar.

- Para mim a Filosofia é uma matéria que exige muito a capacidade de raciocínio

do aluno. Isso faz com que o aluno saiba desenvolver melhor o ensino que lhe é

transmitido na escola. Estudar Filosofia é muito interessante, pois você começa a

refletir sobre coisas que aparentemente não têm importância.Gosto da matéria e

acho que deveria ser ensinada em todos os colégios. Entrei este ano na escola,

porém estou achando muito divertido estudar Filosofia. E também consegui

entender que utilizamos a Filosofia em todos os lugares, até em casa.

- Eu acho importante o ensino de Filosofia na escola porque com a Filosofia

podemos abrir a mente. Nos ajuda, também em outras matérias.

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- Não acho importante ensinar Filosofia na escola porque na minha opinião não

tirei nenhum proveito dela até agora.

- Acho importante estudar Filosofia porque isso pode nos ajudar no futuro.

- Filosofar nos ajuda a pensar, estudar e organizar idéias.

- Não gosto muito. ‘’E muito chato. Não gosto de ficar pensando muito. A Filosofia

fala de muitas coisas que eu não gosto que falem e até algumas são bobeira.

- A Filosofia é legal, fácil de entender e é importante para se aprender.

- Gosto de filosofia, pois é uma matéria que é difícil de ser ensinada nos colégios.

Gosto de Filosofia, também porque nos permite estudar o nosso pensamento.

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ANEXO I I

Entrevista realizada com o aluno Walber Luiz Fernandes Maia do 6ª série do

Ensino Fundamental do Educandário São Francisco de Assis.

Você pensa antes de falar?

- Às vezes.

Quando você não pensa duas vezes antes de falar?

- Quando estou nervoso.

O que você acha da Filosofia?

- É uma matéria que tem como objetivo pensar.

Você acha que a Filosofia é útil no dia-a-dia?

- Sim.

Onde você acha que ela é útil?

- Em um jogo de futebol e etc...

O que você acha dos filósofos?

- Para mim são apenas pensadores.

Para você a Filosofia ajuda a arrumar um emprego?

- Sim. Na hora da entrevista.

Entrevista realizada em 14 de maio de 2001-10-19

Entrevistador: Douglas da Silva Ligliro – 8ª série

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ANEXO I I I

Texto produzido pelo aluno Yugo M. Aragão da 6ª série do Colégio Don Quixote.

Conteúdo de História: A utilização do trabalho escravo na empresa açucareira no

Brasil.

Proposta: baseando-se no livro didático e em pesquisas o aluno deveria levantar

uma hipótese e usando a imaginação e os conhecimentos históricos elaborar uma

história sobre um escravo desde a África até a sua utilização em um engenho.

Objetivo: contextualizar a informação histórica levantando hipóteses.

Da África para seu inferno - o Brasil

Em 1500 nasce mais um negro na África. Uma criança feliz que vai para o

colo da mãe.

Já havia notícia de que um continente fora descoberto e nomeado de Terra

de Vera Cruz.

Em 1516, o jovem Elijah, agora com 16 anos ouviu falar que os

portugueses estavam tendo problemas com alguns franceses que os atacavam e

roubavam o pau-brasil.

Em 1530 uma tropa portuguesa chegou ao local em que se encontrava

Elijah e sua família, ele já tem 30 ano e 2 filhos e sua mulher está grávida de um

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terceiro. Os portugueses chegavam nas casas pegavam os homens e os levavam

para um barco. Os africanos, incluindo Elijah nem puderam saber para onde

estavam indo. No caminho Elijah foi vendo seus amigos morrer pouco a pouco.

Finalmente eles pararam.

- Vamos Francisco! Sua hora chegou!

Francisco? Porque o nome de Elijah virou Francisco.

Quando saiu do barco viu homens de pele vermelha,

numa praia e uma floresta densa atrás. Elijah caiu de cansaço. Quando acordou

foi levando chicotadas. Estava em Pernambuco.

Os dias se passaram e ele foi trabalhando.

Pedro Carrante era seu dono, um homem branco e cheio de mulheres.

Conheceu alguns negros que foram ficando amigos.

Os meses, os anos foram passando e agora Elijah tinha 42 anos. Mas

durante esses anos ele e seus amigos foram preparando um plano de fuga.

O homem que os castigava era Esperco Carrante, irmão de Pero. Era forte

e não tinha mulher, ele apenas estuprava as negras que trabalhavam no engenho

porque era apenas ameaçar e pronto.

Já era março. Faltava apenas um dia para a fuga. Eles concordaram que

um iria brigar com o capataz para ajudar os outros a fugir. Elijah foi o escolhido.

Era noite e o plano foi “acionado”. Seus amigos, uns 20, fugiram, depois

mais 20... mas o capataz chegou e viu a fuga. Mas antes que ele pudesse gritar

Elijah chegou por trás dele e com uma pedra o furou. O golpe não foi forte o

bastante, por Esperco era muito grande e forte. Eles lutaram durante uns dez

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minutos mas Elijah morreu, mas morreu feliz pois seus amigos fundaram um

quilombo que foi uma revolta para os negros.

Um triste fim para um negro que poderia ter sido feliz.

Ao produzir um texto onde as informações históricas se mesclam a

imaginação do aluno, o mesmo tem a oportunidade de trabalhar individualmente a

informação, contextualizando-a.

A família concebida pelo aluno é baseada na própria já que a mãe está

grávida de um terceiro filho.

Um outro aluno cujo pai morreu antes de seu nascimento começou a

história já no engenho pois a mãe havia sido capturada grávida, na África, assim

evitando qualquer referencia ao elemento paterno.

Os alunos dessa turma estão habituados a trabalhar, como eles dizem,

com o pensamento.

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ANEXO IV

EDUCAÇÃO PARA O PENSAR – FILOSOFIA FUNDAMENTAL

CARTA DE FLORIANÓPOLIS

Na realização do Seminário Educando para o Pensar ocorrido entre 25 a 28 de

julho de 2000, na localidade do Campeche em Forianópolis/SC, organizado pelo

Centro de Filosofia Educação para o Pensar, estivemos reunidos educadores dos

estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e

Rio Grande do Sul. Nós, educadores comprometidos com uma educação

Reflexiva, Crítica e Criativa defendemos e buscamos a:

1. Reafirmação da importância da Filosofia, como disciplina, no atual

momento da Educação brasileira, tanto na Educação Infantil como no

Ensino Fundamental e Ensino Médio;

2. difusão de uma Educação que leve ao entendimento dos aspectos

estéticos e éticos da relação entre pessoas, para o surgimento de uma

prática política verdadeira e justa:

3. aprofundamento do pensamento filosófico como condição essencial para a

realização da proposta de transversalidade contida nos Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCNs;

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4. Educação para o Pensar pela Filosofia num contexto em que alunos sejam

reconhecidos como sujeitos do seu próprio pensar com responsabilidade e

como tal respeitados;

5. Construção das relações pautadas pela autonomia no pensar, e uma ação

cidadã que viabilize a Educação Emancipatória e a conseqüente práxis

social;

Acreditamos que a escola divide com os poderes públicos, a comunidade e a

família a tarefa da educação das crianças e adolescentes. Assim sendo,

queremos com iniciativas individuais e institucionais estar implantando, estudando

e aprofundando cada vez mais nosso entendimento na proposta de Educação

para o Pensar.

Para esse fim, conclamamos todos os líderes educacionais a envolverem-se com

a(s) proposta(s) de Educação para o Pensar, tendo a convicção de que isto

representa um significativo avanço para a Educação em nosso país e, que

através da difusão do saber dentro da perspectiva comunitária, venha a

concretizar-se a construção da paz e da dignidade humana.

Centro de Filosofia – Educação para o Pensar

Florianópolis, 28 de julho de 2000.