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II Encontro de Economia Política,luta de classes e opressão: uma homenagem a Rosa Luxemburgo (UFC 2013)

PENSAMENTO PÓS-MODERNO E CRISE ESTRUTURAL DOCAPITAL: IMPLICAÇÕES NA ELABORAÇÃO DO CURRÍCULO

DE HISTÓRIAAntonio Marcondes dos Santos Pereira (autor)-

mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UniversidadeEstadual do Ceará (UECE); Frederico Jorge Ferreira Costa-professor da UECE (orientador); José Deribaldo

Gomes dos Santos-professor da FECLESC-UECE (co-orientador); Antonio Nascimento da Silva-mestrando doPrograma de Pós-graduação em Educação da UECE (co-autor).

GT 4 - EDUCAÇÃO E CULTURAResumoEsta pesquisa pretende desenvolver uma reflexão crítica sobre as influências do pensamentopós-moderno na construção do currículo do curso de História em nível superior. O focoprincipal da análise será a relação pós-modernidade e educação, principalmente, a formaçãodo professor de história no contexto histórico atual de crise estrutural do capital e suasimplicações político-sociais no processo de ensino e aprendizagem dessa disciplina. Nossabase teórica de análise do objeto em foco será o marxismo numa perspectiva ontológica,LESSA (2005), currículo e pós- modernidade, GHIRALDELLI (2000), HARVEY (1998) e,crise estrutural do capital MÉSZAROS (2011), além das “Diretrizes Curriculares Nacionaispara a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura,de graduação plena” (2001). A presente pesquisa, preliminarmente, aponta elementos derelação entre o pensamento pós-moderno e suas implicações na elaboração curricular.Esperamos contribuir iluminando o debate sobre à formação docente no cenário de crise docapitalismo contemporâneo.

Palavras-chaves: Pensamento pós-moderno. Educação. Formação do professor de história.Crise estrutural do capital.

Introdução

Um primeiro esforço de reflexão sobre essas questões está diretamente relacionado àsinquietações teóricas relativas à compreensão dos pressupostos basilares da perspectivapós-moderna e suas implicações na prática docente do historiador no contexto da sala de aula,de forma específica e, na sociedade de um modo geral. Pois, partimos do pressuposto de que opensamento pós-moderno tem contribuído no sentido de consolidar uma consciência socialalienada e uma prática educativa despolitizada, sem compromisso com a transformação dascondições de vida atuais, portanto, sem contribuir com a perspectiva de uma humanidadeemancipada das desigualdades materiais. Para iniciar o debate, e situar nosso problema naesfera da educação, vamos perguntar a alguns autores alinhados a perspectiva pós-moderna aseguinte questão: de que maneira a pós-modernidade tem influenciado no papel social daescola e da educação de um modo geral?

O teórico Ghiraldelli afirma que no século XIX e no século XX ocorreram trêsgrandes revoluções no campo da teoria educacional, marcadas, fundamentalmente, pelainfluência dos pressupostos da modernidade. Ressalta esse autor, que hoje a teoriaeducacional passa por uma quarta revolução, marcadamente, envolvida pelos valores da épocapós-moderna. Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem, segundo a postura

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pós-moderna, dar-se “pela apresentação direta de problemas e situações problemáticas, oumesmas curiosas e difíceis - questões culturais, éticas, étnicas, de convivência entre gêneros,mentalidades e modelos políticos diferentes” - (GHIRALDELLI, 2000, p. 35). Desse modo,essa nova postura do educador na época pós-moderna é o que expressa, diretamente, asexigências do processo educacional contemporâneo.

Algumas ponderações sobre a noção de pós-modernidade

Para François Lyotard (1998), o contexto da pós-modernidade se inaugura,precisamente, com a falência da metanarrativa da ciência moderna e a descrença com asconcepções de mundo globalizantes. O autor discute basicamente a crise de legitimidade dosaber científico da modernidade, esta que estaria solapada pelos novos processostecnológicos-informacionais que estão, por sua vez, engendrando uma nova vida social ecultural possibilitando aos indivíduos traçarem novos caminhos de realizações no curso dasconstantes transformações do momento histórico atual, sem a necessidade de uma concepçãoteleológica da história.

David Harvey é outro autor que compreende a pós-modernidade como uma novaépoca histórica de profundas mudanças culturais. Assinala esse analista que esse novocontexto histórico é marcado por experiências que evidenciam novas formas de compreendero mundo para além das verdades eternas e explicações universais, pois segundo o autor:

... a crise de supracumulação iniciada no final dos anos 60, e que chegou ao augeem 1973, gerou exatamente esse resultado. A experiência do tempo e do espaçose transformou, a confiança na associação entre juízes científicos e morais ruiu, aestética triunfou sobre a ética como foco primário de preocupação intelectual esocial, as imagens dominaram as narrativas, a efemeridade e a fragmentaçãoassumiram precedência sobre verdades eternas e sobre a política unificada e asexplicações deixaram o âmbito dos fundamentos materiais e político-econômicose passaram para a consideração de práticas políticas e culturais autônomas(HARVEY, 1998, p. 293).

A pós-modernidade, nesse sentido, é caracterizada como um contexto de superação damodernidade, pois todos os pressupostos fundantes como a metanarrativa, a razão dialética, osujeito histórico e universal, a ideia de progresso, as concepções globalizantes, o projeto deemancipação e a racionalidade científica, que sustentavam a modernidade são desbancados.Um dos aspectos mais evidentes da nova época (pós-modernidade), seria a prevalência daideia de que os discursos se constituem agora como “jogos de linguagem”. Assim, comoobserva Susana Magalhães (2003, p. 211): “Na perspectiva pós-moderna, os jogos delinguagem moveriam a sociedade, corporificando-se, de modo fluido e instável, nofuncionamento efetivo das instituições sociais, através do conflito e da negociação...”.

A postura intelectual de rejeição da razão e a ideia de crise dos paradigmas, dentre asvárias características que situam a pós-modernidade, constituem-se, segundo a maioria dosautores que a conceituam, como os aspectos mais evidentes desse novo contexto histórico.Frederico Costa (2004, p. 66-67), sobre esses principais elementos, contrapõe:

[…] a razão é expulsa de todas as esferas da vida social. Nem na academia ochamado ‘templo do saber’, a razão encontra guarida. Principalmente, na áreadas chamadas ciências humanas. É aí que, após uma suposta crise de

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paradigmas, houve a proliferação de todo tipo de ‘pós’ e de novidades, muitasvezes sem nenhuma coerência interna ou qualquer lastro em uma práxistransformadora do real, indicando que o combate à razão e o culto ao efêmeropassaram a ser moedas correntes no ‘pensamento universitário’.

Por sua vez, o filósofo Sérgio Lessa (2005. p, 70) evidencia que na realidade domundo capitalista no qual vivemos, a “mercadoria assume, na ideologia cotidiana, o estatutoontológico da transcendentalidade: como substrato último e imutável, seria o suporte de toda equalquer existência concebível”. Parece que nada existe fora do mercado e que todas astransformações no mundo são operadas em função deste. Essa é a ilusão e a concepção frouxae irracional de mundo que permeia o contexto histórico dito pós- moderno, pois segundoLessa (2005, p. 72):

É por isso que, do ponto de vista da reprodução dos indivíduos e dos complexosideológicos mais diretamente associados, o mundo em profunda transformaçãoem que vivemos termina sendo o fundamento material para a ideologia em tudoconservadora. E, a partir de tal concepção de mundo, aceita-se acriticamente airracionalidade de uma sociabilidade na qual as relações sociais se reduzem àrelação entre mercadorias.

A partir dessa reflexão, compreendemos que as transformações em curso do momentohistórico atual, evidenciam, significativamente, as características de uma sociedade fundadaem um processo de relações humanas entre coisas. Isto é, na dita pós-modernidade, todos osaspectos da vida são mercantilizados, desse modo, as relações sociais são radicalmentemediadas e medidas por mercadorias.

De acordo com as reflexões de Fredric Jameson (2006, p. 43), a emergência dapós-modernidade está diretamente ligada com o desenvolvimento de um novo momento docapitalismo tardio fundamentado no consumismo desmedido e na ausência de um sentido dahistória. Assegura o autor, dessa maneira, “que o surgimento do pós-modernismo estáintimamente relacionado com o surgimento desse novo momento do capitalismo tardio deconsumo ou capitalismo multinacional”. E continua:

Creio também que os seus aspectos formais expressam de muitos modos alógica mais profunda desse sistema social particular. Entretanto, só serei capazde demonstrar isso em relação a um único tema maior, a saber, odesaparecimento do sentido de história, o modo pelo qual todo o nosso sistemasocial contemporâneo começou, pouco a pouco, a perder a capacidade de reter oseu próprio passado, começou a viver em um presente perpétuo e em umamudança perpétua, que obliteram as tradições do tipo preservado, de um modoou de outro, por toda informação social anterior (JAMESON, 2006, p. 43-44).

Esse autor reflete, dessa maneira, que o pensamento pós-moderno reforça a lógica docapitalismo de consumo. E que este novo tempo, é profundamente marcado por dois aspectosdecisivos: a transformação da realidade em imagens e a fragmentação do tempo em uma sériede presentes perpétuos. Ambos aspectos, para esse teórico, constitui dimensões consoantes eesse processo. A história enquanto conhecimento abdicou da perspectiva de análise global darealidade; rompeu-se com a ênfase teleológica, com as expectativas de projetos do futuro, opresente é contínuo, volátil, as mudanças são aceleradas e efêmeras. Para José Carlos Reis(2006, p. 48), dialogando com Jameson, o pós-modernismo não desenvolve uma crítica darealidade vigente; não critica os desdobramentos do seu tempo, “pois a preocupação com a

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crítica é moderna e é com ela que ele estaria rompendo. Ele é pós-crítico. Ele significa o fimdo projeto crítico”.

Pensamento pós-moderno, educação e crise estrutural do capital: elementos para seiniciar o debate

Para uma melhor apreensão aos desdobramentos dessa crise, que, por sua feita,possibilitará melhorar o desenvolvimento desta exposição, adiantaremos aspectos dasinterpretações de Ricardo Antunes sobre a análise de Mészáros (2003). Para aquele autor asprincipais características da crise são: a queda acentuada das taxas de lucro; colapso doparadigma de acumulação taylorista-fordista de produção; aumento excessivo da esfera daespeculação financeira; crescimento significativo da concentração de capitais; crise do Estadode bem-estar social e dos seus referentes de funcionamento e a expansão acentuada dasprivatizações (ANTUNES, 2003). Esta síntese evidencia a dimensão da crise estrutural docapital, mostrando em linhas gerais, o conjunto de fatores sob os quais essa crise perpassa.

Sustentamos, com base em pesquisa de Santos e Costa (2012), que estaria fertilizadanesse terreno a condição propícia para que o triângulo globalização, neoliberalismo epós-modernidade surgissem como os paradigmas de um ressignificado novo tempo. Segundoa pesquisa acima citada, encoberta sob o pretexto da 3ª Revolução Industrial, aquelasequência de elementos revelada por Antunes, forjou modificações importantes na esferaprodutiva, que procurou “se adaptar às novas regras do processo de acumulação do capital.No interior da indústria, tais modificações reverberam questionando o aspecto vigente daformação dos trabalhadores” (Santos e Costa 2012, p. 12).

O pensamento pós-moderno ao lado da chamada globalização e do neoliberalismo,ainda conforme Santos e Costa (2012), arvoram-se como os três vértices do triângulo que sustentaa atual fase do capitalismo. Para essa análise, a parcela reservada à teoria pós-moderna, seria a de“garantir, pela via teórico-acadêmica, a crença de que o máximo que os chamados excluídos (asminorias) podem fazer é organizar-se em suas particularidades – étnica, racial, de gênero, entreoutras1. Nesse sentido, com o mundo universitário invadido pela (des)razão, os cursos de formação deprofessores tomam como verdade única o sofisma fato de que a humanidade experimenta novostempos de realizações extraordinárias em todos os campos de atividades humanas, fruto doavanço tecnológico que fomenta novas descobertas em áreas do saber científico e, porconseguinte, engendra novas formas de organizar o modo de produção material gerando,desse modo, uma riqueza nunca vista antes na face da terra. A perspectiva pós-moderna,todavia, só não deixa claro que esse mundo do “pós” é marcado, profundamente, pelaemergência de novos mecanismos e estruturas de dominação política, ideológica, cultural esocial que aprofunda ainda mais a distância entre o mundo divido em duas distintas classes: osfavorecidos e os despossuídos.

Com efeito, o momento histórico de instabilidade influi nas posturas teóricas epolíticas formuladas pelos intelectuais afinados com aquele pensamento. Nesse sentido,Frederico Costa assevera o seguinte:

A coisificação das relações sociais sob a forma de imagens, o dilaceramento do

1 Os autores reconhecem “como legítimos os movimentos sociais que lutam em defesa das ditas minorias eprocuram avançar em conquistas pela via da política pública”. Eles citam Nesse ponto, citam James Petras paraindicar “não haver por parte dos intelectuais revolucionários desdém 'aos movimentos sociais étnicos e de classe,tais como a Conferência das Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), os cocaleiros na Bolívia, oszapatistas no México e os movimentos rurais de classe como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST) no Brasil' [...]. O que não se pode defender, todavia, concluem Santos e Costa (2012, p. 25): “é odesvinculamento desses movimentos da questão maior: a luta de classe”.

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indivíduo entre uma objetividade funcional inumana e uma subjetividadeensimesmada impotente, o fosso crescente entre o público formal e o privadosem sentido, a submissão à indústria cultural e ao consumismo, os limitesimpostos pela alienação a uma compreensão ontológica do real, o fetichismo dalinguagem, a fragmentação imposta pelo mercado compõem os adornos dointelectual ‘pós-moderno’ (2004, p. 77-78).

Com base no exposto podemos compreender, de um modo geral, que a crise docapitalismo atual atingiu em cheio o ser humano em seu processo de produção das condiçõessociais de existência, submetendo este ao domínio do fetichismo generalizado da sociedade damercadoria e, por conseguinte, da alienação da realidade. O contexto histórico dapós-modernidade se constitui, assim, como um momento de crise generalizada; instabilidadeseconômicas, decadência política, submissão às coisas, individualismo exacerbado, derrocadados valores humanos. A humanidade vive um período de decadência e de ausência dehorizontes de expectativas. Desse modo, um fosso abissal entre a realidade objetiva e osvalores éticos se aprofunda cada vez mais, se constituindo numa tendência geral dedegradação da vida humana. O filósofo marxista Ivo Tonet (2007, p. 52) aponta em suasponderações os aspectos característicos desse período de decadência:

Mas, não é apenas no âmbito da produção e do acesso à riqueza material que severifica essa decadência. É na degradação do conjunto da vida humana, nacrescente mercantilização de todos os aspectos da realidade social; natransformação das pessoas em meros objetos, e mais ainda, descartáveis; noindividualismo exacerbado; no apequenamento da vida cotidiana, reduzida auma luta inglória pela sobrevivência; no rebaixamento do horizonte dahumanidade que leva a aceitar, com bovina resignação, a exploração do homempelo homem sob a forma capitalista, como patamar mais elevado da realizaçãohumana.

Com essas reflexões em tela, torna-se necessário pensar a relação entre pensamentopós-moderno e construção de uma concepção de história no contexto do momento atual e qualos pressupostos que nortearão a formação dos professores.

Pensamento pós-moderno e concepção de história: breves considerações sobre aformação docente

Como essa crise se espalha por todos os âmbitos da vida, procuraremos agora visitar ocomplexo educativo verificando como o processo educacional recebe e rebate o pensamentopós-moderno. Para isso, convidamos ao debate István Mészáros (2008), pois esse autordesenvolve uma reflexão crítica sobre os limites e equívocos das concepções liberais daeducação. Esse pensador afirma que o processo da educação e os processos sociais maisamplos de produção e reprodução da existência material estão intrinsecamente ligados e,nesse sentido se não houver uma ruptura profunda nas relações sociais de produção atuais,que estão sob o controle da lógica do sistema capitalista, não poderão ocorrer transformaçõesprofundas na estrutura da educação. Dessa maneira, enfatiza o filósofo que,

Do mesmo modo, contudo, procurar margens de reforma sistêmica na própriaestrutura do sistema do capital é uma contradição em termos. É por isso que énecessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criaçãode uma alternativa educacional significativamente diferente (MÉSZAROS,

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2008, p. 27; itálicos do original).

Podemos afirmar, de um modo geral, baseados nas reflexões de Mészaros, que aeducação no contexto da crise estrutural do capital se constitui (embora preserve suaautonomia relativa) como um instrumento usado fortemente para legitimar os valores dasociedade capitalista, pois passa a funcionar, principalmente, como um mecanismo deinternalização dos processos de reprodução do capital. Por isso mesmo, segundo umaeducação para a emancipação humana, livre e autônoma, deve ser fundamentada com base noimperativo de rompimento com alógica do capital e sua sociedade mercantilizada.

Sem a pretensão de esgotar esse debate, tomamos como ponto de norteamento paranossas análises, alguns apontamentos sobre formação do professor no contexto atual. Aperspectiva de formação dos professores no contexto do mundo atual ganha fortessignificados políticos e sociais, no que se refere à adaptação dos professores aosdesdobramentos da realidade histórica em curso, que de determinada maneira sofre com asinjunções dos aspectos desse novo tempo marcado profundamente pela consolidação doavanço tecnológico, notadamente, as tecnologias da informação que produzem novossignificados sociais para as relações humanas. Nesse sentido, o professor tem que estarsintonizado e submetido às exigências da sociedade vigente, principalmente em relação àquestão da qualificação profissional para atender os imperativos da economia mundializada euma educação voltada para a chamada cidadania ativa, sem as pretensões de uma mudançaradical das estruturas sociais. Em nosso país, no que tange a questão da educação e daformação dos professores as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação deProfessores da Educação Básica e Superior fundamentam sua proposta afirmando que,

A democratização do acesso e a melhoria da qualidade da educação básica vêmacontecendo num contexto marcado pela redemocratização do país e porprofundas mudanças educacionais da sociedade brasileira. O avanço e adisseminação das tecnologias da informação e da comunicação está impactandoas formas de convivência social, da organização do trabalho e do exercício dacidadania. A internacionalização da economia confronta o Brasil com anecessidade indispensável de dispor de profissionais qualificados. Quanto maiso Brasil consolida as instituições políticas democráticas, fortalece os direitos dacidadania e participa da economia mundializada, mais se amplia oreconhecimento da importância da educação para a promoção dodesenvolvimento sustentável e para a superação das desigualdades sociais(BRASIL; MEC; DCNFP, 2001, p. 4).

Podemos depreender dessa discussão que no contexto histórico atual, marcado pela criseestrutural do capital, a educação tem o papel de reforçar as estruturas vigentes; já ao professor caberiaa tarefa de difundir visões de mundo calcadas na lógica da sociedade mercantil e todas as suasdemandas. Esse processo educacional tem implicações políticas decisivas na experiência social daspessoas, pois, uma educação que visa reproduzir as concepções de mundo dominantes, na prática,reforça e consolida a sociedade atual com todas as suas mazelas. Desse modo, a formação do professortem um papel decisivo na conservação dos valores, normas e expectativas desta sociedade cindidaentre ricos e pobres. A formação do professor de história e a concepção de história, assim, contribuemigualmente para a permanência ou transformação da sociabilidade.

As influências do pensamento pós-moderno na construção de uma concepção dehistória podem ser percebidas, principalmente, pelas produções da chamada “Nova História”,notadamente a corrente historiográfica francesa, que de um modo geral, não coloca mais ohomem na cena principal dos processos sociais do passado. A renúncia das análises críticas de

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sínteses globais em favor dos fragmentos do saber e o abandono da relação dialética entrepassado, presente e futuro, marcam as especificidades dessa corrente historiográfica. FrançoisDosse (2003) indaga se a geração de historiadores da renomada “Nova História”, sãorealmente herdeiros do movimento dos annales2, pois teriam traído seus pais fundadoresMarch Bloch e Lucien Febvre, ao renunciarem à perspectiva da síntese totalizante, abordagembásica do projeto de Bloch e Febvre, em favor de uma história fragmentada, com ênfase nosaspectos singularizados da realidade, daí uma “história em migalhas.”

José Carlos Reis (2006, p. 54), nessa linha de análise, afirma que os historiadoresafinados com a perspectiva pós-moderna “perderam a ambição de uma história global epensam em termos de descontinuidades e estruturas, de rupturas e fragmentação, em plenoprocesso de globalização”. É nessa compreensão que os aspectos da cultura, do discurso e daalteridade entre os grupos sociais ganham projeção nas análises dos estudos históricos hoje.Percebemos então que a perspectiva de formação do professor de história apontada nosParâmetros Curriculares Nacionais deve se guiar na ideia de que, por exemplo:

O reconhecimento de que muitas das sociedades contemporâneas não mais sefundam em relações de parentesco levou ao desenvolvimento de pesquisas quebuscam compreender a formação de grupamentos sociais de diversas naturezas– étnica, religiosa, cultural, política, econômica – bem como seus fluxos etransformações. A tendência atual é estudar os grupos sociais sob a ótica de umsistema de relações e comportamentos, considerando todos os aspectos daexistência social, materiais e simbólicos. A história da luta de classes, porexemplo, de forte inspiração marxista e baseada no estudo das grandesestruturas econômicas, passou a incorporar pesquisas e reflexões sobre oconteúdo simbólico e os valores presentes na linguagem, nos discursos e nasmanifestações culturais, com que as classes sociais expressam sua consciênciade pertencimento e suas relações com as demais (PCNEM, 2002, p.71).

À luz dessas questões, Reis, assim, sintetiza o espírito da historiografia pós-modernada seguinte forma:

valorização da alteridade, da diferença regional e local; microrrecortes no todosocial; apego à micronarrativa e à “descrição densa” em detrimento da explicaçãoglobalizante; redefinição da interdisciplinaridade e do tempo longo; abertura atodos os fenômenos humanos no tempo, com ênfase no individual, no irracional,no imaginário, nas representações, nas manifestações subjetivas, culturais” (Reis,2006, p.60-61).

2 O movimento dos Annales pode ser compreendido aqui de forma brevemente resumida como a atuação de umgrupo de historiadores que na primeira metade do século XX, engendraram um processo intelectual de renovaçãodos estudos históricos. O grupo (que no início era formado por Lucien Febvre e Marc Bloch) agiam,notadamente, em oposição à dita história tradicional baseada na perspectiva de enfoque factualista compredominância da dimensão política. O objetivo do movimento era tornar a história uma disciplina mais ampla,com novos métodos, abordagens e novas problemáticas e, para isso, deveria estabelecer um diálogo contínuo eprofícuo com as outras disciplinas das ciências humanas e sociais tais como a sociologia, a antropologia, ageografia, a psicologia, a economia e etc. A aproximação com essas disciplinas possibilitaria à história apreenderos aspectos mais diversos das atividades humanas no tempo e no espaço. Para uma compreensão mais precisa dotodo desse movimento ver: BURKE, Peter. A escola dos Annales (1920-1989): a Revolução Francesa dahistoriografia. São Paulo: Fundação da Editora da UNESP, 1997.

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Hoje, de forma significativa (mas não hegemônica) a história-conhecimento éinfluenciada pela perspectiva do pensamento pós-moderno, principalmente no que tange asanálises baseadas na “fragmentação”, na prevalência do discurso como construto da realidade,as microanálises, o descentramento do sujeito, a pluralidade, a alteridade e o predomínio dasabordagens culturalistas em detrimento dos processos econômicos, políticos e dosmovimentos sociais classistas.

Pensando todas essas questões, entendemos, que a predominância das análisesculturalistas na concepção de história pós-moderna, constitui uma tônica que deve serdifundida pelo professor no seu processo de ensino-aprendizagem como uma questãoincontestável, pois:

A cultura não é apenas o conjunto das manifestações artísticas e materiais. Étambém constituída pelas formas de organização do trabalho, da casa, dafamília, do cotidiano das pessoas, dos ritos, das religiões, das festas. Asdiversidades étnicas, sexuais, religiosas, de gerações e de classes constroemrepresentações que constituem as culturas e que expressam em conflitos deinterpretações e de posicionamentos na disputa por seu lugar no imagináriosocial das sociedades, dos grupos sociais e dos povos (OCEM, 2008, p. 77).

A formação do professor de história, influenciado por essa perspectiva de entender omundo, ganhou novos desdobramentos político-pedagógicos, sem dúvidas. Muitosprofessores de história, ao privilegiarem as análises culturalistas, por exemplo, não tomam apolítica ou a economia como elementos fundamentais em uma dada formação social, ou opróprio trabalho como aspecto ontológico fundante do ser social, que constrói o mundo e arealidade histórico-social, o que implica uma análise calcada na ausência de crítica e açãotransformadora da realidade social. As lutas de classes tão fundamentais para a compreensãodas dinâmicas sociais e as transformações históricas, são relegadas a meras notas de passagemsem muita significação nas aulas de história, pois o que prevalece a partir das novasabordagens é perceber as temáticas culturais, os aspectos simbólicos e mentais, assubjetividades fragmentadas e descentradas no cotidiano, as pequenas causas. Ahistória-conhecimento pós-moderna, renega a razão, evita a utopia de um futuro com umahumanidade universalmente emancipada. A história é dissolvida numa miríade departicularidades, sem unidade, sentido e direção. Há nessa perspectiva, uma recusa explícitado raciocínio teleológico. A busca pela verdade e por um sentido universal do ser humanoperdeu lugar para as pessoais, parciais e limitadas.

Notas conclusivas

Com essa perspectiva povoando os planejamentos educativos, não há como o currículoque forma os professores passarem ilesos a tais irracionalismos “científicos”. Com efeito, apretensa teoria pós-moderna vem influenciando de modo significativo a construção de umaconcepção de história que reflete todas as características de uma época. A formação doprofessor de história, nesse quadro, adquire novos significados, no que se refere a suasescolhas, posições políticas, afinidades ideológicas, práticas sociais, relações, etc., o que emcerta medida, tem repercutido decisivamente em suas práticas pedagógicas no processo deensino-aprendizagem dessa disciplina.

Uma concepção de história que não coloca mais o homem no centro dos eventos, emnome de uma realidade social radicalmente fragmentada produz uma miríade departicularidades e especialidades diferenciadas e sem correlações. O ambiente escolar assume

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uma concepção de história que abandona seu projeto de síntese totalizante e perde de vista seuhorizonte de articulação dialética entre as diferentes temporalidades históricas, sem unidade,sem direção e perspectiva de emancipação universal do ser humano. São colocados em xequea própria capacidade (e identidade epistemológica) do professor de analisar ahistória-conhecimento e de desenvolver uma análise crítica, coerente e articulada com atotalidade do ser social em seu processo dinâmico de transformação do mundo que habita. Odocente de história, que nos tempos atuais, perde a mira dos processos históricos em suatotalidade, com suas lutas, conflitos e contradições inerentes a uma sociedade dividida emclasses socialmente antagônicas, abandona seu poder de crítica radical ao mundo capitalista,renunciando, fatalmente, à ideia de que a educação tem o papel de ser um elementoimprescindível para a transformação do mundo objetivo.

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