11
VITÓRIA, SÁBADO, 10 DE DEZEMBRO DE 2011 www.agazeta.com.br Pensar Corrupç ão tem cura? Entrelinhas MONSIEUR PAIN”, DE ROBERTO BOLAÑO , TEM COMO CENÁRIO A PARIS DOS ANOS 30. Página 3 Cinema O GAROTO DE BICICLETA”, DOS IRMÃOS DARDENNE, MOSTRA A DOR DO ABANDONO. Página 4 Música LIVRO DE PESQUISADOR QUESTIONA CONVENÇÕES DA MÚSICA CLÁSSICA. Página 5 Memória BIOGRAFIA DESCREVE LADO HUMANO E PROFISSIONAL DO MÉDICO JOLINDO MARTINS . Página 10 ESPECIALISTAS APONTAM SOLUÇÕES PARA O PAÍS ENFRENTAR UM MAL HISTÓRICO Páginas 6, 7 e 8

PensarCompleto10/12

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Suplemento de Cultura de A Gazeta

Citation preview

Page 1: PensarCompleto10/12

VITÓRIA, SÁBADO, 10 DE DEZEMBRO DE 2011www.agazeta.com.brPensar

Corrupção tem cura?

Entrelinhas“MONSIEURPAIN”, DEROBERTOBOLAÑO, TEMCOMO CENÁRIOA PARIS DOSANOS 30.Página 3

Cinema“O GAROTO DEBICICLETA”, DOSIRMÃOSDARDENNE,MOSTRA A DORDO ABANDONO.Página 4

MúsicaLIVRO DEPESQUISADORQUESTIONACONVENÇÕESDA MÚSICACLÁSSICA.Página 5

MemóriaBIOGRAFIADESCREVELADO HUMANOE PROFISSIONALDO MÉDICOJOLINDOMARTINS.Página 10

ESPECIALISTAS APONTAM SOLUÇÕES PARAO PAÍS ENFRENTAR UM MAL HISTÓRICO Páginas 6, 7 e 8

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_1.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:08:26

Page 2: PensarCompleto10/12

2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,10 DE DEZEMBRODE 2011

marque na agenda prateleiraquempensa

Caê Guimarãeséjornalista,poetaeescritor.Publicouquatrolivroseescrevenositewww.caeguimaraes.com.br

AndréiaLimaéespecialistaemJornalismoCultural [email protected]

JucaMagalhãeséblogueirodecrônicas,professordemú[email protected]

RafaelSimõeséhistoriador,professoruniversitárioemembrodaONGTransparê[email protected]

LuísFilipeVellozodeSáéeconomistaemembrofundadordaONGTransparênciaCapixaba. [email protected]

LizeteVerilloépsicólogaediretoradeCombateàCorrupçã[email protected]

NayaraLimaéescritoraegraduandaemPsicologiapelaUfes.ww.nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

GabrielLabancaéprofessordeComunicaçãoSocialedoutorandoemHistó[email protected]

MilenaPaixãoécachoeirense,poetaeprofessoradeLí[email protected]

O Segredo deCopérnicoJack RepcheckO autor apresenta umadescrição rica, precisa e,principalmente, humanado gênio científico cujotrabalho revolucionou a

astronomia e alterou o entendimento denossa posição no universo. E mostracomo os últimos 12 anos de sua vidamudaram o curso da História Ocidental.

256 páginas. Record. R$ 49,90

Do que Riem asPessoasInteligentes?Manfred GeierO filólogo alemão analisaminuciosamente o risohumano e suas razões à luzda filosofia. Passando por

Kant até Karl Valentim, sem esquecer Platão,Aristóteles e a Antiguidade Clássica, Geierdevolve o humor ao pensamento acadêmico.

304 páginas. Record. R$ 42,90

Sinatra: Best ofthe BestFrank SinatraEsta antologia reúne osmaiores sucessos de “TheVoice” na Capitol Records e

no selo do cantor, Reprise Records, incluindogravações inesquecíveis como “I’ve Got youUnder my Skin”, “Night and Day” e “MyWay”. É o tipo de compilação ignorada pelospesquisadores, mas que agrada ao público.

24 faixas. EMI. R$ 32,90

Edith Veiga CantaLupicínio RodriguesEdith VeigaA cantora comemora 50anos de carreira

percorrendo com propriedade o repertóriodo compositor gaúcho que melhorpersonificou as desilusões amorosas emforma de letra e música na MPB.

12 faixas. Selo Discobertas. R$ 21,90

CampusA angústia a partir do pensamento de FreudO tema é a base da dissertação de mestrado em Filosofia deHenrique Torres Neto, que será apresentada no dia 16 dedezembro, às 14h, no Anexo 2 do CCHN, na Ufes.

EstudoDissertação analisa os mitos pagãos nas artesA mestranda em artes Elza Heloisa Filgueiras apresenta“Metamorfoses do cristianismo: tempo e hibridismo, permanênciase (des)continuidades da mitologia pagã em imagens do Ms. OvídioMoralizado”, dia 15 de dezembro, às 16h, no Cemuni I da Ufes.

12de dezembroBerredo deMenezes lançalivro de contosO ex-senador eex-prefeito de Vitóriaapresenta ao públicoo seu novo trabalho,“Sob a Luz dosSonhos”, nestasegunda-feira, às17h, na sede daAcademiaEspírito-Santense deLetras (AEL), naCidade Alta.

13de dezembroAntologia de Sergio BlankA Editora Cousa lança, na próximaterça, “Os dias ímpares – toda poesia”,contendo os cinco livros do autor –“Estilo de ser assim, tampouco”, “Pus”,“Um”, “A tabela periódica” e “Vírgula”.Às 19h, na Biblioteca Pública doEspírito Santo, em Vitória.

José Roberto Santos Nevesé editor do caderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected] ESTÁ A HONESTIDADE?

Quantas vezes você já ouviu alguém dizer que a cor-rupção faz parte do “jeito de ser” do brasileiro? Ou que opaís está fadado a conviver com essa praga que impede o seudesenvolvimento? Antenados com o Dia Mundial de Com-bate à Corrupção, comemorado ontem, os especialistasRafael Simões, Luís Filipe Vellozo de Sá e Lizete Verillo

mostram nas páginas 6, 7 e 8 que esse “câncer institucional”não é exclusivo do Brasil, e que, ao contrário do que se possaimaginar, pode ser controlado com a vigilância da sociedadee a atuação de uma imprensa livre. É o Pensar atento aodebate sobre políticas públicas, sem deixar de lado o viéscultural que é nossa marca registrada. Boa leitura!

Pensar na webOuçagravaçõesde FrankSinatra e EdithVeiga, trailer do filme “Ogarotodebicicleta” e trechosde livroscomentadosnesta edição, nowww.agazeta.com.br

PensarEditor: José Roberto Santos Neves;EditordeArte:Paulo Nascimento;Textos:Colaboradores;Diagramação:Dirceu Gilberto Sarcinelli;Fotos:Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações:Editoria de Arte;Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

AntôniodePáduaGurgeléjornalistaeorganizadordaColeçãoGrandesNomesdoEspíritoSanto”[email protected]

JorgeFranciscoAzevedoédoutoremLiteraturaBrasileirapelaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul.

TavaresDiasé jornalista, escritor, compositoremestreemEstudosLiterários. [email protected]

ColetivoPeixariareú[email protected]

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_2.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:18:29

Page 3: PensarCompleto10/12

3PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

10 DE DEZEMBRODE 2011

entrelinhaspor CAÊ GUIMARÃES

NOS LABIRINTOS DEPARIS SOB A CHUVA

DIVULGAÇÃO

MONSIEUR PAINRoberto Bolaño. Tradução:Eduardo Brandão. Companhiadas Letras. 144 páginas.Quanto: R$ 34, em média

Nem a luz, nem ofogo, nem a ele-tricidade, nem omagnetismo e nemo som são substân-cias, mas sim efei-

tos do movimento nas diversas sériesdo fluido universal”. A frase é dalavra do físico vienense Franz AntonMesmer. Em 1770, ele conheceu ojesuíta curandeiro Maximillian Hell,homem misterioso que curava en-fermos com um prato metálico mag-nético, e tornou-se seu discípulo, aponto de ter o seu nome ligado a estafamosa fraude clínica do séculoXVIII, imortalizada com o nome mes-merismo. A técnica consistia em“mesmerizar” os pacientes, isto é,usar poder de sugestão para levar aotranse, e quiçá curar, pessoas fra-gilizadas por enfermidades. Além deser precursora da hipnose, virou te-ma do conto “Revelação mesmérica”,de Edgar Alan Poe.Da realidade, ainda que charlatã,

para a ficção, rica em fantasia everdades filosóficas, o escritor chi-leno Roberto Bolaño (1953-2003)traz à tona a misteriosa e ques-tionável técnica por meio do per-sonagem Pierre Pain, no romance“Monsieur Pain” (Companhia das Le-tras). Veterano da I Guerra Mundial,o personagem vive na Paris de 1938.Às vésperas da II Guerra Mundial,ele convive com os fantasmas do queviu e viveu nas trincheiras salpi-cadas de gás Mostarda e se divideentre a paixão platônica por Mar-celle Reynaud, bela viúva de umhomem jovem cuja vida tentou sal-var, e o desencanto com as negrasnuvens nazistas que começam a ta-par o sol sob os Campos Elíseos.Indeciso a princípio, ele se vê

pouco a pouco envolvido em umatrama com motivo nonsense. Cha-mado pela jovem e charmosa pa-risiense, ele se dispõe a salvar a vidado poeta peruano Vallejo, explici-tamente inspirado em Cesar Vallejo,também poeta, mas chileno. O davida real morreu em 1938 vitimadopor uma febre misteriosa e erro mé-dico. O da ficção é acometido poruma crise interminável de soluços e,apesar de não ter sintoma algum,está morrendo lentamente nas mãosde médicos igualmente relapsos. Apartir daí, Pain se enreda a cadapágina em um emaranhado miste-rioso. A grande sacada de Bolaño, nocaso, foi mesclar no livro literaturapolicial com literatura fantástica, e

um passeio sentimental por ruas,pontes, paços e monumentos de Pa-ris. Na narrativa, a cidade vive aressaca dos loucos anos 20, quandoabrigou a produção intelectual doOcidente.Pain se esgueira fugindo de dois

espanhóis sombrios que tentam su-borná-lo. Ele aceita, se arrepende emergulha em uma paranoia que levao leitor a percorrer um agradávelexercício metalinguístico. Na me-dida em que sua consciência e dis-cernimento se perdem no própriolabirinto mental, a história se de-senrola em ruas estreitas, becos semsaída, um imenso hospital cuja cons-trução circular não comporta quinase galpões abandonados. O cenáriodescreve a ansiedade gerada pelaparanoia do homem diante de psi-

coses e teorias conspiratórias, fas-cismo, sonhos e paixões. A chamadaCidade Luz é apresentada ao leitorsob uma chuva quase intermitente,às vezes rala, em outras forte, crian-do um clima claustrofóbico e en-volvente.

Prêmios“Monsieur Pain” foi escrito no co-

meço dos anos 80. Ganhou dois prê-mios literários na Espanha sob otítulo original, “A trilha dos elefan-tes”, nome mantido no epílogo dolivro. É um dos primeiros romancesdo chileno nascido em 1953 e con-siderado ainda hoje, quase uma dé-cada após sua morte, um dos gran-des nomes da literatura latino-ame-ricana. Além de romances, Roberto

Bolaño escreveu contos, ensaios epoesia. Passou a adolescência noMéxico e voltou ao Chile no negroano de 1973, quando a truculênciade Augusto Pinochet, e dos seusgorilas uniformizados, calou bocas eabriu covas, brutalidade que se es-tendeu pelas décadas seguintes.Exilado na Espanha, começou a ser

publicado aos 40 anos, quando setornou pai, porque, em suas própriaspalavras, precisava garantir o sustentodos filhos, o que é impossível compoesia. Sua vida pregressa, farta emexcessos, o devorou precocemente.Mas deixou obras como “Os detetivesselvagens”, “2666” e “Putas assassi-nas”. Por elas, e outras, foi justamentechamado pela revista “Esquire” como“John Coltrane ensaiando com osSex Pistols”.

Em “Monsieur Pain”, Roberto Bolaño mescla literatura policial e fantástica

TRECHO– Talvez seja minha bebedeira,mas esta noite cheira a algoesquisito.

– Cada noite tem um cheirodiferente, caro amigo, docontrário seria insuportável.Acho que o senhor deveria irpara a cama.

– Mas o cheiro dessa noite éespecial, é como se algoestivesse se movimentandopelas ruas, algo impreciso, queconheço, mas que não consigolembrar o que é.

– Vá para a cama. Durma.Apazigue seu espírito.

– O cheiro me seguirá até lá.”

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_3.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:21:57

Page 4: PensarCompleto10/12

4PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,10 DE DEZEMBRODE 2011

Em “O Garoto de Bicicleta”, vencedor do Grande Prêmio do Júri em Cannes, os irmãosDardenne contam uma história sobre a infância com diálogos secos e economia de afetos

cinemapor ANDRÉIA LIMA

O DRAMA DO ABANDONOSOB A RIGIDEZ DAS EMOÇÕES

DIVULGAÇÃO

Ogesto é a expressão es-sencial do cinema deJean-Pierre e Luc Dar-denne. Em sua mais re-cente película, “O Garotode Bicicleta” (2011), ven-

cedora do Grande Prêmio do Júri doFestival de Cannes 2011, os diretoresdemarcam nas falas dos personagensCyril (Thomas Doret), Samantha (Cé-cile de France) e Guy Catuol (JérémieRenier), diálogos secos, e sem a sen-sibilidade que o momento exige. Ementrevista durante o Festival, Luc Dar-denne justifica dizendo que “evitar osentimentalismo, o dramalhão, as lá-grimas de crocodilo sempre foi umapreocupação nossa. É um exercício pra-ticado durante a elaboração do roteiro,nos ensaios com os atores e até mesmoquando estamos filmando”. O resultadosão 87 minutos de filme sem acessóriosnarrativos, sem trilha, embora haja mo-mentos pontuais em que a música apa-rece, e, também sem delinear um perfilpsicológico que explique a atitude dospersonagens. O filme está em cartaz noCine Jardins.Cyril (Thomas Doret) é um garoto

entre 11 e 12 anos que não se conformaemter sidoabandonadopelopai (JérémieRenier). Do internato, ele insiste em ligarpara a sua casa para falar com ele, emesmo ouvindo do porteiro do prédioque o apartamento está abandonado eleresolve ir lá conferir. Ele queria trazer asua bicicleta de volta: talvez o único eloentre ele, a sua infância e o pai. É quandoconhece Samantha (Cécile de France),que ao surgir dias depois no orfanato coma bicicleta recebe um convite inesperadodo garoto: “Posso ficar com você nos finsde semana?”. É o início de uma relaçãoconturbada que poderá desencadear emuma nova família.Entre o silêncio e a revolta, é no corpo

de Cyril que ele protesta solitariamente asua angústia: sãomovimentos rápidos quese alternam entre as pedaladas de suabicicleta, as fugasdo internato eos ataquesde mordidas a quem se colocar em seucaminho. Já Samantha possui gestos sutise comedidos nas suas impressões; emboraisso soe de forma insípida (como bemqueremos irmãosDardenne), é cativanteaforma como ela decide amar aquela crian-ça. E nesse ínterim, o pai Guy demonstrauma apatia repulsiva: suas ações apre-

sentam total indiferença com o garoto.No cinema de Jean-Pierre e Luc Dar-

denne, algumas regras são recorrentes:a câmera na mão invadindo o espaçodos personagens, a simplicidade da tra-ma, o não sentimentalismo que culminaem cenas quase cirúrgicas, além de umolhar crítico sobre a sociedade con-temporânea. E isso se reflete na in-terpretação dada pelos atores a seuspersonagens, na precisão e economia decada cena que esteriliza possíveis jul-gamentos do espectador e, por fim, emum roteiro que privilegia histórias atem-porais, mas comuma visão atualizada: acrise econômica europeia estaria nocerne do abandono de Cyril?“O Garoto de Bicicleta” possui

uma história sobre infância que sedesvia a todo instante do clichê em-bebido neste tema. Com precisão, osirmãos Dardenne obtêm uma pe-lícula árida sobre as emoções. Oparadoxo só é possível pela rigidezcom que os cineastas comandam ca-da plano em cena. A combinaçãoresulta em um filme igualmente con-traditório: belo e desagradável,emotivo em sua frieza e psicológicosem demarcar comportamentos.Algo no mínimo instigante.

Os irmãos Dardenne: simplicidade e aridez em CannesA Promessa(1997)Este é o 3º longados irmãosDardenne (foto), efoi a partir destefilme que a duplateve o seu estiloreconhecido em toda a Europa. O dramadesperta para a violência psicológica aoapresentar um garoto de 15 anos que observao cotidiano de imigrantes africanos ilegais nacompanhia de construção de seu pai comoalgo natural. Sua visão apática da situação éconfrontada quando ele faz uma promessa aum dos trabalhadores que sofre um acidentediante de seus olhos.

Rosetta (1999)Rosetta (Émilie Dequenne) é uma jovemimpulsiva que convive com o alcoolismo e aagressividade de sua mãe. As duas moram emum trailer de onde Rosetta sai todos os dias àprocura de um emprego para mudar de vida.Sua busca tem ares de uma guerra particular.Esta foi a primeira Palma de Ouro (prêmiomáximo do Festival de Cannes) da dupla. Ofilme também levou o prêmio de melhor atrizpara a estreante Émilie Dequenne.

O Filho (2002)Um jovem torna-se aprendiz de carpinteiro dopai de um rapaz que ele assassinou. Não

sabendo que se trata do pai de sua vítima, oconvívio parece normal, até o dia em que ocarpinteiro revela o que sabe sobre oaprendiz. Neste filme, o protagonista OlivierGourmet levou o prêmio de Cannes pela suaatuação, mesmo tendo aparecido apenas decostas durante boa parte das filmagens.

A Criança (2005)Sonia (Débora François) tem 18 anos e namoraBruno (Jérémie Renier), de 20 anos. Ele vive depequenos furtos que pratica com algunsadolescentes. Suas visões de mundocompletamente diferentes afloram com a chegadade um bebê, o que ocasiona sérios dilemas para ocasal. A película foi a grande vencedora do Festivalde Cannes daquele ano, recebendo a Palma deOuro como melhor filme.

O Silêncio de Lorna (2008)A jovem imigrante albanesa Lorna (ArtaDobroshi) sonha em abrir uma lanchonetecom o seu namorado belga. Para isso, elaprecisa obter a nacionalidade do país econseguir dinheiro. Assim, um criminoso lhepropõe um casamento arranjado com Claudy(Jérémir Renier), um jovem viciado emdrogas. O acordo previa que Lorna secasasse em seguida com um mafioso russo,que pretendia pagar muito por isso, só quepara isso acontecer ela precisaria matarClaudy. Vencedor de melhor roteiro doFestival de Cannes.

No longa, em cartaz no Cine Jardins, Cyril (Thomas Doret) vê em Samantha (Cécile de France) a chance de preencher a falta do pai

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_4.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:25:42

Page 5: PensarCompleto10/12

5PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

10 DE DEZEMBRODE 2011

ESCUTA SÓ – DOCLÁSSICO AO POPAlex Ross. Tradução:Pedro Maia Soares.Companhia das Letras. 424páginas. R$ 49,50

falando de músicapor JUCA MAGALHÃES

DESCOMPLICANDOA MÚSICA CLÁSSICA

Não é tarefa fácil atrairpara a música clássicaaqueles para quem mú-sica é sinônimo de festae rejeitam o “erudito”,tachando-o de “triste” e

até como trilha de velórios. Some-sea isso o fato de que alguns itens“clássicos” de consumo acabam vis-tos com reservas porque penam como fetiche de pessoas que adotam posee discurso dissociados de um possívelgozo – livros, filmes e até vinhos – aoinvés de curtir a coisa pelo prazer queela proporciona, sem regras e ex-plicações complicadas.A defesa da música clássica como

algo divertido e sem neuras perpassao livro “Escuta Só – do Pop ao Clás-sico”, uma coleção de artigos do crí-tico musical da revista “New Yorker”,Alex Ross. Porém, é bom entenderque quando Ross se refere ao pop estáfalando de certa vanguarda que temlá um pezinho no popular, como BobDylan, Björk e a banda Radiohead,mas passam longe de serem com-parados a megafenômenos da mídiacomo Lady Gaga e Justin Bieber.São vinte capítulos abordando

abismos sonoros, todos muito ins-tigantes. Ross passeia pela música deconcerto da China e vai até o somártico de John Luther Adams; abordaparticularidades da vida de John Ca-ge e rumores sobre a homossexua-lidade de Schubert. São visões dosclássicos para aqueles que podemfruir a arte pelo que ela tem demundano e verdadeiro, outra vez,evitando a postura blasé de endeusarmúsicos pelo que aparentam ser enão pelo que realmente são.

CapítulosTrês capítulos são particularmente

interessantes para os que se inte-ressam pelo futuro da música: o quetrata da transição da batuta do “an-timaestro” Esa-Pekka Salonem, da Fi-larmônica de Los Angeles, para ojovem prodígio venezuelano GustavoDudamel; o quemostra a queda brutalno ensino de artes nos Estados Unidose que é muito contundente, até peladificuldade de se traduzir a convicçãodos que amam a música em dadossociológicos exatos: “Sempre queuma pessoa tenta defender a músicaem termos utilitários, ela tropeça emincertezas fundamentais sobre o ver-dadeiro objetivo de uma arte cujaatração é, como observou ansiosa-

mente Platão, ilógica e irracional.”Mas o capítulo mais pessoal e ins-

tigante talvez seja o que aborda oFestival de Marlboro, tradição tra-zida da Alemanha pelo pianista Ru-dolf Serkin e seu sogro, o violinistaAdolf Busch. Carrega a marca sutil datransferência de conhecimento domestre para os alunos e da infelizinversão de valores das geraçõespós-guerra. Não é de espantar hojeum iniciante querendo ditar suges-tões ao professor, um leigo querendoensinar um especialista a trabalhar,mas o quão tola pode ser essa si-tuação. É um momento profundo edifuso do autor, lírico e distante.Estudante e amante da música clás-

sica (acredite, nem sempre uma coisatem a ver com a outra), Alex Rosstenta mostrar em seu livro que épreciso resgatar o gozo e a reverênciapela música viva e sacudir as ve-lharias. Por exemplo, sua visão daetiqueta em concertos vai contra mui-tas convenções estabelecidas e seusargumentos soam inovadores. Quemfrequenta concertos sabe que existemalgumas regras que, inclusive, des-mascaram os leigos na plateia, sendo

TRECHOEu odeio “música clássica”: não acoisa, mas o nome. Ele aprisionauma arte tenazmente viva numparque temático do passado.Elimina a possibilidade de quemúsica no espírito de Beethovenainda possa ser criada hoje.Condena ao limbo a obra demilhares de compositores ativosque precisam explicar a pessoasde outro modo bem informadas oque fazem para ganhar a vida.Essa expressão é uma obra-primade publicidade negativa, um tourde force de antipropaganda.Gostaria que houvesse outronome. Invejo o pessoal do jazzque fala simplesmente de “amúsica”. Alguns fãs de jazztambém chamam sua arte de“música clássica dos EstadosUnidos”, e eu proponho umatroca: eles podem ficar com o“clássica”, eu ficarei com “amúsica”.

a principal delas não aplaudir entre osmovimentos de composições de gran-de escala. Segundo Ross: “Os músicose críticos alemães inventaram essaregra nos primeiros anos do séculoXX. Leopold Stokowski, quando di-rigiu a orquestra da Filadélfia, foifundamental para trazer essa práticaaos Estados Unidos.”No Brasil é comum vermos “regras

de etiqueta” detalhadas em pompososlivros de “música clássica”, em pa-lestras e até mesmo em programas deconcerto. É inevitável que causem es-tranheza ao público leigo, que – quan-do vence a barreira do estranhamentoe vai ao teatro – naturalmente aplaudeo final estrondoso do primeiro mo-vimento de uma grande sinfonia, en-quanto boa parte do público protestapor silêncio e nem todos de maneiraeducada.Lendo os artigos muito bem es-

critos por Ross temos a impressão deque nós estamos indo de Transcol e osgringos estão voltando de nave es-pacial e que esse imaginário chi-quérrimo do cidadão “patropi” temmuito mais de caipira do quesuspeita a nossa vã filosofia.

DIVULGAÇÃO

Alex Ross tenta mostrar em seu livro que é preciso resgatar o gozo pela música viva e rever convenções estabelecidas

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_5.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:26:47

Page 6: PensarCompleto10/12

7PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

10 DE DEZEMBRODE 2011

6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,10 DE DEZEMBRODE 2011

PARA ESTUDIOSO, MAL HISTÓRICO QUE ATINGE O PAÍS NÃO ÉEXCLUSIVO DA POLÍTICA NACIONAL, E PODE SER ENFRENTADO

políticas públicaspor RAFAEL SIMÕES

CORRUPÇÃO:SINA OUPROBLEMA?

A confusão que se faz entre o público e o privado, herança do absolutismo português, está entre os fatores que contribuem para o aumento das práticas nocivas na gestão pública no Brasil

NESTOR MÜLLER/17/8/1992

Passeata pelo impeachment de Collorem Vitória: reação dos “caras-pintadas”

Abrir os jornais ou assistir àtelevisão nos mostra co-tidianamente casos e maiscasos de corrupção. Abun-dante, ela atinge desde aspequenas ações do cotidia-

no dos cidadãos até os grandes negóciosque envolvem empresários. No nossoimaginário, as figuras onipresentes nessescasos–algoqueéumameiaverdade– sãosempre e quase sempre somente políticose/ou servidores públicos.A repetição dos casos de corrupção –

por anos a fio, quiçá décadas ou sé-culos, diga-se – gera em grande partedos cidadãos um sentimento de queesse fenômeno faz parte do nosso “jeitode ser”, da nossa índole, da nossacultura política, enfim.A corrupção, no entanto, nãoé, aomeu

juízo, e assimdemonstramvários estudos,um “jeito de ser” brasileiro. Acontece aquie em todo canto, ocorre onde as opor-tunidades aparecem e faltam instrumen-tos de participação, controle, fiscalizaçãoe, principalmente, punição.Como fenômeno histórico é, como já

bem disse o professor José Murilo deCarvalho, “antiga e mutante”, preci-sando, portanto, ser estudada, ana-lisada e combatida com políticas pú-

blicas que lhes afetem a estrutura deocorrência, repetição e mutação.Marca fundamental de nossa história –

e que contribui intensamente para a cor-rupção – é a confusão que fazemos entre opúblico e o privado, resultante do ab-solutismo português e de nosso processode construção histórica, onde o Estadosurge antes do povo, no dizer do professorAlceu Amoroso Lima. Isso se comprova,por exemplo, com o retorno de D. João VIaPortugal quandoele “simplesmente” levatodos os recursos depositados noBancodoBrasil.Algomaisoumenosdogênero “édoReino, é doRei, émeu”. Hoje emdia talvezdissesse “fui!”. A confusão era total.Outros elementos de nossa história,

mesmo que nessa relação “antiga e mu-tante”, também se constituem como cha-ves para a compreensão da persistênciadesse fenômeno, que se não é, claro,tipicamente brasileiro, por aqui atingeconotação bastante específica. Entre osquais está a relação diferenciada com asleis e as instituições. Aqui, muitos pen-samainda, tal qual na fazenda deGeorgeOrwell, que “alguns são mais iguais queos outros”.É típica a frase “você sabe comquem está falando?”.A primeira Constituição Brasileira sur-

giu sobre a égide de ser digna do “Brasil e

de mim”, como afirmou D. Pedro I. Alémdisso, tornava o nosso Imperador inim-putável. Infelizmente,muitos sãoaindaosmandatários, talvez possamos chamá-losde pequenos imperadores, que se achamainda acima da Lei.Aqui podemos destacar, desde priscas

eras, que os cargos públicos eram vistoscomo de propriedade do soberano e po-dendo ser assimutilizados damaneira quebem lhe aprouvesse. Cargos comissiona-dos em abundância, comomoeda de trocapolítica e fonte de poder, se multiplicamem todos os poderes de nossa República,de alto a baixo na Federação. Nesse as-pecto não podemos deixar de chamar aatenção para o problema do nepotismoque abundava em nossas estruturas pú-blicas eque, apesardaalgo recentedecisãodo Supremo Tribunal Federal (STF), con-tinua a ocorrer aqui e ali.Além disso, a justiça em nosso país

tinha (tem?) alcance restrito, tanto nosentido geográfico do termo, não che-gando muitas vezes aos distantes rincõesdo país, quanto em sentido de classes ougrupos sociais a que atingia.Existiram, e ainda existem, em vários

sentidos, ao longodenossa história, osprivilegiados e os não-privilegiados.Terreno fértil para a prática do pa->

trimonialismo, mandonismo, nepo-tismo, clientelismo e todos esses “is-

mos” que ainda vicejam em vários pontosdo território brasileiro.A crítica à corrupção do poder, no

entanto, era feita “ao sistema”. O en-foque dado até o fim da República Velha(1889-1930), fosse, por exemplo, pelosrepublicanos na época do Império(1822-1889), fosse por tenentes na Pri-meira República, era o de que o sistemaé que propiciava as práticas demalfeitos,para usar palavra da moda.Isso sofreu mudança significativa de

sentido, a partir da Era Vargas. A crítica àcorrupção passou a ser fulanizada, es-pecialmente a partir de 1945. Era assimque os udenistas faziam contra Getúlio eseu segundo governo (1951–1954). Eraassim que os que tramaram a derrubadadeJoãoGoulart dapresidênciaagiam.Foiassim que Collor de Melo, aproveitan-do-se da situação política e econômica,criou os seus famosos “marajás” paraatacar e conseguir chegar ao poder.Transformou-se o problema da cor-

rupção de algo sistêmico e institucionalem um fenômeno pessoal de carátermoral. A receita para a emoção in-frutífera. Quais D. Quixote ficamos acombatermilhares,milhões, até de “moi-nhos de ventos” pessoais de corrupção.Reagir de forma consequente e efi-

ciente contra a corrupção envolve, claro,a percepção do problema individual, masdentro de uma perspectiva que coloque oproblemanumaabordagem institucional.A corrupção, diga-se sem rodeios, fere,talvez de morte, se não for enfrentada, ademocracia e a vida em sociedade. No

limite, podemos ver o homem se trans-formandono “lobodohomem”, para citaro filósofo inglês Thomas Hobbes.Como problema complexo que é, a

corrupção não tem um remédio único,não haveránunca a famosa e inútil “balade prata” para combater a corrupção.Exigem-se ações multifacetadas e que,construídas como políticas públicas, talqual temos, ou deveríamos ter, para asaúde e a educação, por exemplo, sejamexecutadas cotidianamente.Já demos alguns passos ao longo dos

últimos tempos. A criação dos portais detransparência, que precisam ser muitomelhorados e ampliados; a Lei da FichaLimpa,queaindacarecedeumaaprovaçãofinalnoSTF;a crescente,mesmoqueaindainsuficiente, organização da sociedade pa-ra combater a corrupção; a utilização dasredes sociais como mecanismos de con-

trole e transparência; a criação de órgãosde controle externo no Judiciário e noMinistério Público, faltando, ainda, para ostribunais de contas. E, principalmente, aconstrução de uma percepção de que aexistência de governos éticos é uma dascondições sine qua non para a construçãode melhores condições de vida para todosos cidadãos desse país.Para que possamos avançar omuito que

ainda falta, é preciso que as instituiçõesfuncionem e se aperfeiçoem continuamen-te. E que os cidadãos participem, acom-panhem, cobrem e sugiram. Aí então,poderemos ter a perspectiva de que esseproblema que tanto nos aflige terá umasolução, não para o seu fim, mas para suaredução expressiva e controle. Como jádisse alguém, o preço da liberdade é aeterna vigilância. Esse também é o caso dacorrupção.

Câncerinstitucional

Apalavra corrupção vemdolatim corruptione, quedenota decomposição,putrefação, depravaçãoou perversão. Envolveuma série de atos, tais

como: o suborno, a extorsão, a fraude,o nepotismo, entre outros.A corrupção é uma violação de re-

gras estabelecidas para a obtenção dealgum ganho privado. Ocorre tanto nosetor público – quando pelo menos umdos envolvidos é um agente público,quanto no setor privado – quando en-volver apenas agentes privados.É um fenômeno permanente, es-

trutural e autônomo, um “câncer” ins-titucional que pode sobreviver mesmoem governos honestos. Seu eficaz com-bate exige uma clara compreensão dascausas envolvidas e o estabelecimentode ações sistemáticas de curto, médio elongo prazo.Pode ser encarada como umamazela

grave do sistema econômico-institu-cional, dentro do qual se estabelece suaabrangência e os incentivos de en-gajamento em ações ilícitas.As principais causas que permitem

que a corrupção se desenvolva são: aexistência exagerada de regras discri-cionárias injustificáveis que geram po-der de monopólio em atividades eco-nômicas e rendas exclusivas para osagentes econômicos beneficiados; ele-vado grau de discricionariedade doagente público; baixa accountabili-ty/responsabilização e transparênciadas decisões do agente público; im-prensa tutelada e Judiciário com baixaefetividade (impunidade).Sua mensuração não é simples de-

vido à natureza de clandestinidade dofenômeno, mas estudos nacionais einternacionais estimam que cerca de1,6% (US$ 1,0 tri) do PIB mundial eentre 1,4% (R$ 51 bi) e 2,30% (R$ 85bi) do PIB brasileiro são desviadosanualmente dos cofres públicos.As consequências de um ambiente

social complacente com a corrupçãosão inequívocas: aprofundamento dadesigualdade e da injustiça social; po-líticas e serviços públicos de baixa qua-lidade; diminuição da competitividadedo país porque reduz investimentospúblicos e privados; mina a credibi-lidade nas instituições; e incentivacomportamentos oportunísticos quevão de encontro ao processo contínuo esempre inacabado de construção deuma sociedade democrática, social-mente justa e com instituições pú-blicas e privadas saudáveis.

Luís Filipe Vellozo de Sá

EDSON CHAGAS/12/08/05

Manifestação contra escândalo do mensalão no governo Lula: participação popular é uma das armas no combate à corrupção

AG. GLOBO/12/10/2011

Marcha contra a corrupção na Avenida Paulista (SP), durante o governo Dilma

>

>

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_6.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:39:32

Page 7: PensarCompleto10/12

8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,10 DE DEZEMBRODE 2011

+ artigo de capapor LIZETE VERILLO

PAÍS REAGE NO COMBATE AOROUBO DOS COFRES PÚBLICOSDenúncia de escândalos pela imprensa e fortalecimento de movimentos sociais contribuempara aumentar a percepção de que o Brasil está menos corrupto, aponta diretora de ONG

Nos últimos anos, a im-prensa nacional e regio-nal passou a ter comopauta “obrigatória”, qua-se que diária, falar sobreescândalos de corrupção.

Todos os dias, é possível coletar inú-meras notícias que tratam o assunto, emsua maioria carregadas de informaçõesque deixam o leitor/ouvinte com osentimento de que “somos mesmo umpaís onde a corrupção domina”; onde“os políticos não têmvergonha na cara esó buscam o governo para roubar”; ecom o sentimento “de impunidade e acorrespondente sensação de que comocidadão não consegue fazer nada”.O dilema que nossas estatísticas tra-

zem à discussão gira em torno dequestões como: temos hoje mais oumenos corrupção que 20 anos atrás?Os governos atual e anterior, pres-

sionados por movimentos da sociedadecivil, têm respondido e feito esforços nosentido de aprovar a Lei de Acesso àInformação, sancionada em novembropassado pela presidente Dilma, quecoloca o Brasil entre os países com umadas mais modernas leis nessa área.O Índice de Percepção da Corrupção,

medido pela Transparência Internacio-nal e divulgado mundialmente estasemana, coloca o Brasil evoluindo len-tamente na percepção do cidadão deque somos um país hoje com menoscorrupção que no passado. Quantomais alto o índice na pesquisa da TI,maior a percepção de que o país écorrupto (veja no gráfico ao lado).Quanto maior a posição, menor a

percepção de corrupção. O Brasil entãomostra um esforço nesse sentido, pois acada ano aumenta a percepção de que acorrupção está diminuindo. Pode pa-recer contraditório ver noticias diáriasde escândalos e mais escândalos decorrupção e termos a percepção de quesomos um país menos corrupto. Mas aequação é mesmo essa, denuncia-semais, a imprensa tem atuado maisfortemente; os movimentos sociais eas redes de controle social cresceramfisicamente e cresceram em conhe-cimento, na forma de fazer certo, defazer cumprir a lei, de fazer valer osdireitos do cidadão, de querer epoder exigir transparência, de termais coragem para denunciar.

Vemos então o fenômeno de maisdenúncias, mais escândalos que no pas-sado, porém a percepção de que a cadadenúncia fecha-se uma torneira abertada corrupção; vem daí então a relaçãode que hoje estamos menos corruptosque ontem, porque mais um escândalojá foi denunciado e estancado.Observamos, ainda, o esforço daCon-

troladoria Geral da União (CGU) emfazer parcerias com a sociedade civilpara transformar o combate à corrupçãoem agenda prioritária, o que mostrauma inovação e predisposição para ven-cer a luta como não vemos em outros

órgãos de controle ou nos poderes.Apoiados pela CGU e por parceiros

privados e organizações externas, co-mo a Avina, cuja sede é na Suíça, asorganizações de controle social cres-ceram e se multiplicaram pelo país. AAmarribo Brasil, pioneira das orga-nizações da sociedade civil no combateà corrupção, cita 209 organizações emsua rede; a Rede de Cidades Susten-táveis tem outras 38 organizações emrede; a ABRACCI reúne 77 organi-zações, o Observatório Social de Po-líticas Públicas reúne outras 30 or-ganizações, o Movimento Voto Cons-

ciente outras 56 organizações, o Mo-vimento Mulheres da Verdade tem 40organizações. Todas essas estruturas seentrelaçam e trocam informações dia-riamente, contribuindo para a forma-ção do ativista do controle social nagestão pública. Não podemos deixar demencionar a quantidade de blogs defiscalização e controle e os agitos queestão surgindo coordenados pelos jo-vens ativistas da internet. Afora o mo-dismo que atrai o jovem, os estudantesparecem ter acordado de uma inérciaprofunda.

MovimentoHá 8 anos, quando a Amarribo, a IFC,

a Transparência Capixaba e a ASAJANeram as únicas organizações de controlesocial, não fazíamos ideia do quanto onosso movimento seria replicado. O mo-vimento se profissionalizou em muitosaspectos, tomou cara de rede e exerceum papel fundamental de formação eblindagem para o membro participanteda rede. A diversidade do movimento égrande, reunindo desde organizaçõesque possuem ampla participação do em-presariado até aquelas muito simples eque lutam com dificuldades até parapostar uma carta no correio; lugarescomo Ribeirão Bonito (SP), onde já temuma Sala de Transparência à disposiçãodo cidadão, ou como Antonina do Norte(CE), Analândia (SP) e Rancharia (SP),onde o nepotismo e a falta de trans-parência são tratados como se o cidadãoestivesse cometendo um abuso ao pedirinformações públicas.Ainda temos muitos casos de amea-

ças, agressões e até mortes ocorrendocontra os que lutam nessa área, mas osavanços são significativos e os resul-tados contabilizados diariamente narede: desde um simples relatório dereceitas e despesas que passamos areceber, até punições exemplares feitaspelas Câmaras de Vereadores ou, maisraramente, pela nossa lenta Justiça.Independentemente dessa realidade

tão diversa, o que nósmembros da redede Controle Social na AdministraçãoPública vemos é o avanço da cidadania,da conscientização, do número de or-ganizações e cidadãos entrantes dia-riamente no movimento, o que so-lidifica nossa Democracia.

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_8.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:43:38

Page 8: PensarCompleto10/12

9PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

10 DE DEZEMBRODE 2011

poesias

BREVEDESCRIÇÃOPARA UMANOVAANATOMIA DAAUSÊNCIAMILENA PAIXÃOMais que de carne, osso, veias, unhas,sexoSou feita de ausênciaAusência pontuda, calcáriaMinha extensão toda negros espinhosrompendo a peleVindos dos debaixos da alma.Não há calma, sempre taquicardiaNunca é dia, ninguém se aproximaDo breu, da noite que me tornei.Me arrasto no movimento quaseintangível de mil perninhasSobre o chão liso demais das faltasmais fundas.Dentro da minha noite aguda todosdormem pra sempreMudam de posição, sofrem seusespasmos noturnosSonham descaradamenteDiante de meus olhos insonesDiante da minha fomeDa minha estranha arquitetura deagulhas escurasVeneno, inflamaçãoChamas, incêndio, sirenesEnxame de abelhas, canteiro de obrasEscombrosUma parede emassada aliMuitos pregos. Um quadroguerniquescoMel escorrendo grosso pelo pé direitoPelo lado de dentro.

Por fora só esse silêncio.

crônicas

RECANTOPor NAYARA LIMA

Escrevodaqui,do ladodecá, ondeáguasdejuventude ainda jorram nos vinte e trêsanos de até agora. Minha letra sou eu nua,em cicatriz e riso, no acidente de ternascido.Aconteceu.Creioque tenhavalido.Sobretudo pelo que existe além de mim.Sobretudo pelo que não alcanço. Hoje oque me acrescenta pra lá dos dias, são osagrado do cotidiano e as grandes obras dearte. Esta crônica eu dedico àmais recenteobra artística de nosso país. Chama-se“Recanto”, a letra é do Caetano Veloso, avoz é da Gal Costa, o disco é de quem seentregar para ele.Quandoamúsica entra napele, não vira

apenas respiração. Música passa a serqualquer coisa de além da condição hu-mana, qualquer coisa de além da comida.Não que seja maior. Mas é que do lucro deter nascido o sentido vem em horas assim.Há sons que me são novos, que minha

geração há muito já contempla, e que Galexperimenta nesta obra de agora. O ele-trônico entra devagar em mim, mas jáposso dizer o óbvio: escutem o disco deque falo. Digo isso como quem poderiadizer também:paremno sinal quandoeleestiververmelho,senãovocêpodematar e morrer.A urgência destas canções é nítida. A

história da Música Popular Brasileira temagora um novo passo. Isso, Gal, é osagradoquepermanece.Gal, quan-do criança eu te vi sorrindo embatom vermelho para sempre. On-tem o que vi foram – fora do batom– corpo e alma feitos, ao lado do deCaetano, que vive nascendo.Jô Soares perguntou se Caetano não

estaria agora ficando ranzinza. Expli-cou-se lembrando de episódio recente emque Caetano mostrou sua raiva. Boba

pergunta. Caetanomostra sua raiva desdehá muito tempo, em episódios que mar-caram bem mais que a história da MPB.Entre a ira honesta e o riso delicado, umdosmaiores cantores e compositoresdestemundo. Mas entendo o Jô, ele sabia queaquela entrevista também, de algum mo-do, perduraria no tempo. Isso faz tremer.Sei que faz tremer “Recanto Escuro”,

primeira faixa do disco. Neste instanteprecisei desligar o somporque elame levaembora. Transbordo e logo já não estoumais. Durante todas as faixas, aliás, meucorpo se fascina. No meio de um verso eoutro até o silêncio de Gal arrepia.Esses dias um menino sensível, de

nome todo brasileiro comoode quemnosdeu a Bossa Nova, veio me perguntar oque é fazer música. Fazer música é tantacoisa que a resposta saiu confusa. Masontem fui até onde ele jogava futebol.Certa de que a arte não escolhe idade,pedi que estendesse asmãos de oito anos,deixei nelas o “Recanto”, e disse: fazermúsica é o que fizeram aqui, João.João sorriu para a capa do disco. Por

razão que bem se explica gritou com ter-nura, para o rosto da Gal, a palavra: Gol.

DO CAPIXABISMOPor GABRIEL LABANCA

Afinal, que diabos é o capixaba? Não énenhuma novidade que todos nós, nas-cidos no Espírito Santo, sofremos de umaterrível crise de identidade. Como nãotemos um sotaque característico, can-samos de explicar em Minas que nãosomos cariocas e que não somos mi-neiros, quando visitamos o Rio. Pate-ticamente, nos defendemos apelandopa-ra os termos “pocar” e “róque” comosímbolos de nossa regionalidade. Somosmotivo de chacota no cenário futebo-lístico nacional. Apenas osmais fanáticoslembram que já tivemos um clube naprimeira divisão do Brasileirão. Emesmosendo do Sudeste, não conseguimos dis-farçar um sorriso tímido quando muitoesporadicamente somos citados na pre-visão do tempo do “Jornal Nacional”.Desesperados por algo que nos re-

presentasse culturalmente, governo, ar-tistas e a mídia criaram em laboratórioum batuque estabanado chamado con-go. O difícil foi se identificar com algo

jamais visto pela maioria dos capixabas.Felizmente, de tão artificial, a moda nãopegou. Até porque, longe de ser es-pecífico do Espírito Santo, o congo estápresente em vários outros pontos paraonde se levaram escravos africanos.Pelo menos temos um prato típico.

Mais do que isso, temos dois! Amoquecacapixaba e a torta capixaba.Quer dizer, amoqueca também é feita na Bahia. Coma diferença de que por lá eles adicionamazeite de dendê ao ensopado. Pequenodetalhe que misteriosamente nos enchede tamanha empáfia que nos autoriza anegar à receita baiana o título de mo-queca. Sobra-nos, então, a apetitosatorta capixaba, mistura de tradição re-ligiosa com palmito e frutos do mar.Apesar de deliciosa, convenhamos que énomínimo embaraçoso tratar como sím-bolo de nossa identidade cultural umprato servido uma vez ao ano. Atéporque se fôssemos realmente adotarum alimento enquanto símbolo seria

mais prudente escolher a maionese, jáque somos capazes de lambuzar todas asrefeições com o tal creme.De colônias italianas e alemãs, a Re-

giãoSul doBrasil está repleta.Mas temoso nosso trunfo pomerano. Esses sãonossos e ninguém tasca! Somos o únicolugar do mundo onde ainda se fala a tallíngua pomerana. É uma pena, no en-tanto, que eles nãopareçam ter amínimavontade de ser capixabas e sequer dei-xam os filhos aprender português.Nossa completa falta de características

típicas seria nossa principal qualidade?Confesso que não acharia ruim caso issose confirmasse. Pense bem, não somostão egocêntricos como os cariocas, nemtão desconfiados como os mineiros. Nãotemos a efusividade dos baianos, muitomenos o cartesianismo discriminatóriodos paulistas. Não somos tão reclusoscomo os catarinenses ou bairristas ex-tremistas como os gaúchos. Pelo con-trário, muitas vezes até ajudamos a falarmal de nossa querida terrinha com umafina camada de falsidade.Enquanto isso, aproveitamos tudo de

melhor (e de pior) dos outros Estados. Dosungão ao bailão, do churrasco à mi-careta, aceitamos de bom grado e co-piamos descaradamente modas e tra-dições. Apenas usamos, como se nossofosse, e nem sequer agradecemos. Somosculturalmente híbridos e bem resolvidosquanto a isso. Mas sem levantar bandeirade nada que isso dá um trabalho danado.Sevieremnosquestionar, nãodiscutimos.Sem qualquer motivo, organizamos umchurrasco, ou uma caranguejada, ou osdois ao mesmo tempo. Coisa pequena,para dançar um forró sertanejo, ouvir umaxé, assistir a um jogo do campeonatocarioca ou, simplesmente, para celebrarnossa capixabice.

PRIMEIROENSAIOporque você é esse transbordamentode coragem, de amoressa aragem, prenúncioesse clamorde vontades abertasofertasliquidação de coisas boasdessas que a gente acha e nãoacreditaremexe araras, prateleiras,pronto: precisa.peço pra embrulhar esses olhos clarosesse desejo perene de alturasnossas tantas reconhecênciaslevo tudo na concha das mãos.

(loas, entãoàs intempéries, aos planetasaos cometas, às mulheresloas a essa ou aquela canção.loas às colheres, de chá ou sopaloas às roupas, à poeira, às janelasa tudo mais que entortou nossasparalelase nos abençoou nessa interseção)

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_9.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:36:11

Page 9: PensarCompleto10/12

10PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,10 DE DEZEMBRODE 2011

memóriapor ANTONIO DE PÁDUA GURGEL

JOLINDOMARTINS: O OFÍCIO DAMEDICINA COMO SACERDÓCIO

Qual a melhor expressãopara definir Jolindo Mar-tins? Pessoa dotada deprofundo amor ao pró-ximo? Idealista? Solidá-rio? Amigo fiel? Pai de

família exemplar? Médico extremamen-te dedicado? Todas as alternativas sãoverdadeiras, como você verá no livroescrito por Andréia Curry Carneiro, queserá lançado no próximo dia 15, a partirdas 19h, na Biblioteca Pública Estadual.A programação será iniciada com umaconversa sobre a vida e a obra daqueleque foi um dos pediatras mais impor-tantes da história do Espírito Santo,falecido em 1999.Após descobrir que a grande maioria

das doenças infantis em sua época de-corria da subnutrição e da falta de hi-giene, em 1956 Jolindo Martins idea-lizou, construiu e fez funcionar exem-plarmente o primeiro Banco de LeiteHumano do Espírito Santo, mantido porrifas, festivais e outros meios, sem qual-quer ônus para os cofres públicos. Foi umdos primeiros pediatras brasileiros a per-ceber que o leite humano era “a melhorvacina que uma criança poderia ter”.Não era político, mas tinha uma ati-

tude militante e sabia que o exercício da

REPRODUÇÃO DO LIVRO “JOLINDO MARTINS”

medicina implica em opções políticas.Em 1960, segundo seu ex-aluno JoséCarlos Saleme, o então ministro daSaúde veio a Vitória anunciar um novoprogramadoGoverno Federal, comban-da de música, pompa e circunstância.No meio do Auditório do Carmo, umavoz retumbante que se anunciou como“Jolindo Martins, médico” fez uma sériede denúncias sobre o descaso com que oministro conduzia a problemática dainfância.Para Dr. Jolindo, só se poderia falar

em pediatria fazendo de toda criançatitular de direitos sagrados. Escreveuum livro com o título “Se a criançavotasse...”, editado pela primeira vezem1956. A segunda edição foi em1959e a terceira em 1996.Jamais obteve qualquer lucro ma-

terial com a venda desses livros, quedestinou à Casa do Menino e outrasinstituições de proteção à infância. Aten-dia muita gente que não podia pagar. D.Ivonne, companheira de Dr. Jolindo portoda a vida, lembra bem desses casos:– A mulher entrava no consultório

com o menino doente e fazia a consulta.Depois falava para a enfermeira que nãopodia pagar e que ia trazer uma galinha.Aí, Jolindo dizia: “Minha senhora, Deus

está vendo que a senhora não podepagar. Eu acredito na sua honestidade. Asenhora não leve amal, mas dê a galinhapara seu filho. Eu não quero”. Mesmoassim, as mães acabavam batendo lá emcasa. Era galinha, porco, cabrito...Na verdade, quando ele dizia que

não queria receber galinha como pa-gamento, um dos motivos era o des-prendimento. Além disso, no quintal desua casa tinha seu próprio galinheiro, aprimeira coisa – junto coma horta – queprovidenciou quando a família se mu-dou para a Praia do Canto.

Hospital InfantilTive o privilégio de conhecer essa

grande figura humana desde a infância,quando fui algumas vezes em sua casa,junto com meu pai, também um lutadorpela causa da Criança. Como prefeito deVitória, Mário Gurgel implantou umarede de distribuição gratuita de leite nosbairros carentes de Vitória em1957, logodepois que Dr. Jolindo implantou o ban-co de leite humano do Hospital Infantil.Dessa forma, as crianças pobres res-gatadas da morte pelo médico, con-tinuavam podendo se alimentar quandosaíam do Hospital Infantil graças ao leite

distribuído pela Prefeitura.Tive também a alegria de conhecer

vários integrantes da grande famíliaMartins, como define Andréia CurryCarneiro em seu belo texto. A primeirafoi Tilô, sobrinha de Dr. Jolindo que foiminha colega de sala no 1º anodo antigocurso Primário, quando tínhamos seisanos de idade. Depois, conheci D. RuthMartins Frota, irmã de Dr. Jolindo eviúva do general boa-praça José ParenteFrota, colega de meu pai na AssembleiaLegislativa e depois na Câmara dosDeputados. Mais tarde, conheci os gran-des advogados Rodrigo e ErildoMartins,sobrinhos de Jolindo. Há poucos anos,conheci e passei a admirar RonaldoMartins, pediatra como o pai, seus ir-mãos Annibal (o mais velho), JolindoFilho e Ângela Maria (a caçula), assimcomo D. Yvonne.Portanto, a inclusão de Jolindo Mar-

tins entre os Grandes Nomes do EspíritoSanto não é apenas um reconhecimentoao grande homem que ele foi e aogrande exemplo que deixou. Foi tam-bém um ato de amor à memória de umser humano que soube amar sua família,seus amigos e seus clientes, inclusive amultidão que ele arrancou damor-te e devolveu para a vida.

JOLINDO MARTINSAndréia CurryCarneiro. Org.: Antôniode Pádua Gurgel.Coleção GrandesNomes do EspíritoSanto. 192 páginasQuanto: R$ 30

Trajetória do médico que dedicou sua vida a cuidar da saúde das criançasno Estado vira livro que destaca sua atuação profissional e o amor ao próximo

A família reunida (da esquerda para a direita): os filhos Ronaldo, Ângela Maria, Annibal, Dr. Jolindo Martins, a esposa Yvonne e Jolindo Filho

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_10.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:36:52

Page 10: PensarCompleto10/12

11PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,

10 DE DEZEMBRODE 2011

letraspor JORGE FRANCISCO AZEVEDO

O CAMINHO DAS PEDRAS NAPOESIA DE MARCOS RAMOS

DIVULGAÇÃO

Em seu livro de estreia, o jovem poeta propõe o desconforto da reinvenção por meio deuma estrutura de linguagem pulsante, na visão de especialista em Literatura Brasileira

No longo poema de 80 páginas, o autor escreve para se constituir sujeito

De início, gostaria de aler-tá-los sobre o que esperar –ou antes, sobre o que nãoesperar: “Um corpo que seescreve Pedra” (Aves deÁgua, 2011), livro de es-

treia do poetaMarcosRamos, não ofereceuma leitura de entretenimento. Indis-cutivelmente, o ritmo imposto pelo poe-manão é o ritmodo ônibus, nem sequer odo passeio. Como o próprio poeta sugere,na epígrafe pinçada no texto de ClariceLispector, o leitor terá que experimentar opoema com o corpo inteiro.Vez ou outra, na leitura do longo

poema, somos tomados por um silêncioque obriga a calar. Abrigo-me, leitor, entrelugares, que descubro em frestas queseparam as palavras e suas letras: apren-dizagem pelo silêncio, o poema exibe seulugar de pedra. Talvez umaeducaçãopelapedra, para lembrar o poeta pernam-bucano João Cabral de Melo Neto –influência, semdúvida, decisiva na escritade Marcos Ramos: no rumo das pedras,na limpeza do verso, no sol da atenção.

a Grande-dor- a poesia –é Política- também perversa.

Explico: é preciso perceberque quando digo eunão me refiro a um me.

Há um me-doinsistenteem sustentar

a palavraPedra:

Seu peso,sua densidade,sua impermeabilidade.

Se eu começasse de novo este texto,poderia ser assim: Marcos Ramos é umjovem poeta brasileiro que, apaixonadopor literatura e por movê-la em meio aseus pares (por exemplo, é fundador eeditor da promissora revista “Água daPalavra”), estreia editorialmente com este“Um corpo que se escreve Pedra”. Co-meçar, para um jovem poeta brasileironos dias dehoje, não épouca coisa, pois é,

necessariamente, dilemático.São duas hipóteses. O poeta prossegue

umacontemporânea tendência, porassimdizer, autista de nossa poesia, pois semcontexto nem ética que ultrapasse oslimites do elogio mútuo, dos salões, dosprêmios, das Academias de Letras, e deuma gagueira sorridente em demasia.Nessa hipótese, a cultura brasileira con-tinua a cometer um equívoco que já

começa a ficar antigo: gostar muito detantas facetas próprias que a autocríticatorna-se tão rara quanto a desobediência.A segunda hipótese: fica estabelecidauma contradição, que, voluntariamenteou não, é curvilínea, reativa. É nestahipótese que se situa a estreante poesia deMarcos Ramos, capaz de escrever umapoesia tanto crítica (que pensa) quantopulsante, incapaz da assepsia.

Vejoadeficiênciaprovocadapelapoesiaquando não toco dúvidas no seu olho

que lê;

e quem lê,se não a própria sucessão de per-

guntasque se dobra sobre si

Como suportar a dissonância da me-táforasemconstruir espaços de vertigens?

“Umcorpo que se escreve Pedra”não éautobiografismo barato, não é a escritade um sujeito que busca espelhar suaideia de si mesmo em textos, mas umsujeito que se vai rascunhando enquantoescreve, pois nada é seguro em territóriosde poesia. O poeta escreve para se cons-tituir sujeito, mais ainda, por uma ques-tão de humanidade; lemos pelo mesmomotivo. O texto de Marcos Ramos per-gunta e, como todo grande texto li-terário, propõe o desconforto da rein-venção, do recomeçar, do zero. Mas épreciso ter a paciência da aprendizagem:é o texto que nos ensina ler.Talvez não a poesia um caminho de

pedras, mas a poesia a que nos re-ferimos, especialmente, um caminhode empedramento. O percurso do poe-ma reconstrói com a densidade dapedra. A verdade é que lidamos, nestelongo poema de 80 páginas, todo otempo, com pedras: a escrita é ummastigar de pedras, a leitura idem, eno processo, ninguém sairá ileso. Foidifícil escrever, não será fácil ler, e, dooutro lado, haverá outra pessoa.A leitura de “Um corpo que se es-

creve Pedra” é transformadora. Nãoporque há ali um testemunho exem-plar, ou receitas oferecidas pela in-dústria da autoajuda, a leitura trans-forma porque o texto propõe na es-trutura de linguagem, nas imagens,nos ritmos diversos, na manifestaçãode toda sua potência literária, ou seja,artística, uma pulsação. O textopulsa. A pedra pulsa.

UM CORPO QUE SEESCREVE PEDRAMarcos Ramos. Aves deÁgua Projeto Editorial.88 páginas.Quanto: R$ 20www.avesdeagua.com

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_11.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:40:57

Page 11: PensarCompleto10/12

12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,10 DE DEZEMBRODE 2011

ficçãopor TAVARES DIAS COM ARTE DO COLETIVO PEIXARIA

TE CONTO EMPRIMEIRA PESSOA...E que ridículo poeta é que a convidaria pra namorar? – pergunta o narrador deste contosobre Morena Maria dos ilhéus, “mulher culta e de muitas sacas de pomos muito valiosos”

Te conto em primeira pes-soa porque narrativa assimte povoará de imagens quetambém são tuas e ecoarãocomo um conto teu aindanão escrito mas às vezes, já

sim, pensado ou passado, de lampejoou sobejo, em horas mortas de ma-drugas ou meios-dias desses que cos-tumam ter os ilhéus......porque Morena Maria dos ilhéus

tem beleza tanta que só te conto emprimeira pessoa porque dela pouco sei,e Narrador em terceira pessoa se me-teria a querer ficar onisciente demaisdos mundos que lhe nela vão ali dentrodo feminino peito e onipresente demaise de sobra dos tamanhos dos medos edos amores que no silêncio ali se de-cantarão... E saber de tudo que ali sepassa, quem haveria de, senão partesdela mesma e o Todo de Deus? Sim......porque te contando em primeira

pessoa não posso saber, nem te contar,que emalgumadas camadas da narrativaum suposto e intruso outro narradormetido a onipresente ficaria tentando seespelhar nos labirintos da contação pradizer mal assim deste que te conta emprimeira pessoa: que Morena Maria dosilhéus é mulher culta, de altas nobrezas ede muitas sacas de pomos muito valiosose pessoa de modos finos adquiridos emOropa, França e Bahia. E que, ainda porcima, estudou em livro grosso, e daquidesta Terra tem poderes no atacado, nãoé nenhumas Dona Baratinha que a can-ção sai perguntando quem quer casarcom ela... E que ridículo poeta é queconvidaria Maria pra namorar, era capazaté de o narrador em terceira pessoa,invejoso, dizer que Maria chamaria oNarrador em primeira pessoa de imaturoemocionalmente e lhe me diria palavrasferramentas, de fio e pavio......e quiçá acrescentasse, o malvado

onipresente, que contos de fadas sóexistem mesmo em contos de fadas,contos maravilhosos, assim referidosporque começam com era uma vez eterminam com e foram felizes parasempre, e que, se mesmo aqui, norodapé das coisas prosaicas, já nin-guém morre e muito menos vive deamor, no mundo dos muitos dinheirosentão dama de tal jaez jamais se apai-xonará por poeta, porque o mal doséculo hoje é outro e poeta támorrendo

mais mesmo é de despoesia, de des-dinheiro, de AVC, de infarto, de balaperdida ou de depressão, que Deus oslivre aí, entes bons e gente boa.

Então, te conto em primeira pessoa......porque encanto de tamanho en-

quanto nunca se viu nem de passagem,seja na vida do Autor seja na do Nar-

rador, eu, que da cabeça do Autor souapenas uma das instâncias, sem ética,sem moral, sem nacionalidade e semum tanto desses negócios existentes aíneste mundo exterior aonde vou pro-jetando palavras e de onde você nos lê,ao Autor e a mim. Qualquer dia façouns versos praMorenaMaria dos ilhéuse volto aqui (neste ponto de encontrochamado página de jornal ou tela detraquitana cibernética qualquer), jácom nome de Eu Lírico. Mas por en-quanto te conto, prosaicamente, emprimeira pessoa, que......feito casca de cebola, que você vai

retirando uma a uma, em busca dacebola em si, e não acha nunca cebolanenhuma; seja numa obra de Ítalo Cal-vino, “Se um viajante numa noite deinverno”, onde de um livro você passapra dentro de outro livro e de outrolivro, e mais não conto, senão você nãocompra o (s) livro (os); seja na essênciado próprio desejo, que é metáfora demetáfora de metáfora de metáfora (e setivesse no teclado do computador aque-le símbolo de infinito que parece umlacinho eu teclava ele aqui pra não ficarrepetindo o que é de fato o desejo:metáfora de metáfora de metáfora demetáfora), no ao deveras, mesmo, o quehá é que o Autor e eu, Narrador, e agente toda vive correndo, na vida e arte,atrás dos objetos de desejo, pensandoque aqueles são o próprio desejo e queele, o desejo, é alcançável durante aVida, mas......te conto em primeira pessoa que

Morena Maria dos ilhéus é o amor deoutono deste Narrador em primeirapessoa. E se eu tivesse a certeza de quevocê não fosse recontar pra ninguém,eu contava dela pra você coisas tãolindas que dariam uma vida, dessas deverdade, com sortilégios e plantios ecolheitas e filhos e envelhecimento efim de ciclo e uma rosa que volta emtoda primavera.......mas é que tem aquela velha his-

tória de que todomundo tem umamigode toda confiança que tem uma amigade toda confiança que temumamigo detoda confiança, então......te conto, em primeira pessoa, só

que Morena Maria dos ilhéus é, hámuitos anos, um par de olhos em queum dia eu, Narrador, estacionei osolhos de ver do meu viver.

Documento:AGazeta_10_12_2011 1a. SABADO_CP_Pensar_12.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:08 de Dec de 2011 20:41:54