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VIII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - ISSN 2175-960X 888 PERCEPÇÕES DE UMA ALUNA SURDOCEGA SOBRE SUA INCLUSÃO NO ENSINO REGULAR GODOY, Shirley Alves 1 UEL Este estudo foi desenvolvido a partir de entrevista com uma aluna surdocega congênita em situação de inclusão da Rede Pública Estadual de Ensino, na região norte do estado do Paraná, e teve como objetivo investigar sua percepção concernente ao processo de inclusão no 9º ano do ensino fundamental. Constatou-se, após analise dos relatos da participante, que esta mesma percebe a sua condição de deficiente, aluna e, principalmente de ser humano, manifestando um imenso desejo de contribuir ativamente com o processo de sua própria inclusão, reivindicando a possibilidade de emitir opiniões e sugestões acerca do processo em que é protagonista. Dessa forma, chegou-se à conclusão de quão imprescindível é dar “voz” ao deficiente, pois somente ele poderá orientar-nos, apontando a direção correta para a efetivação de fato da inclusão escolar. Palavras-chave: Surdocegueira. Centro de Atendimento Especializado. Inclusão 2. INTRODUÇÃO "Sinto que uma vida intensa se desenvolve ao meu redor e anseio participar dela como todos os seres humanos" (Olga Ivanova Skorokhodova 1914-1987) Este relato partiu da necessidade de investigar a percepção de uma aluna surdocega matriculada no 9º ano do Ensino Fundamental da Rede Pública Estadual de Ensino na cidade da região norte do estado do Paraná, quanto ao seu processo de inclusão. A surdocegueira é bastante discutida pelos órgãos governamentais que definem as políticas públicas para o atendimento destinado a esse público. Dentre as definições aceitas pelos profissionais brasileiros que atuam na área, podemos citar a organizada pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Sensorial, uma rede nacional criada em 1997, por profissionais, pais e pessoas com surdocegueira e que consiste em: É uma deficiência singular que apresenta perdas auditivas e visuais concomitantemente em diferentes graus, levando a pessoa surdocega a desenvolver diferentes formas de comunicação para entender e interagir com as pessoas e o meio ambiente, proporcionando-lhes o acesso a informações, 1 Shirley Alves Godoy Aluna do Programa de Mestrado em Educação,da Universidade Estadual de Londrina, Especialista em Educação Especial, Pedagoga, Professora Guia-intérprete, Instrutora-Mediadora.

PERCEPÇÕES DE UMA ALUNA SURDOCEGA SOBRE SUA … · têm como características movimentos estereotipados, principalmente das mãos e dos dedos, apresentam balanceio corporal, isolam-se

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PERCEPÇÕES DE UMA ALUNA SURDOCEGA SOBRE SUA INCLUSÃO NO

ENSINO REGULAR

GODOY, Shirley Alves 1

UEL

Este estudo foi desenvolvido a partir de entrevista com uma aluna surdocega congênita

em situação de inclusão da Rede Pública Estadual de Ensino, na região norte do estado do

Paraná, e teve como objetivo investigar sua percepção concernente ao processo de inclusão no

9º ano do ensino fundamental. Constatou-se, após analise dos relatos da participante, que esta

mesma percebe a sua condição de deficiente, aluna e, principalmente de ser humano,

manifestando um imenso desejo de contribuir ativamente com o processo de sua própria

inclusão, reivindicando a possibilidade de emitir opiniões e sugestões acerca do processo em

que é protagonista. Dessa forma, chegou-se à conclusão de quão imprescindível é dar “voz”

ao deficiente, pois somente ele poderá orientar-nos, apontando a direção correta para a

efetivação de fato da inclusão escolar.

Palavras-chave: Surdocegueira. Centro de Atendimento Especializado. Inclusão

2. INTRODUÇÃO

"Sinto que uma vida intensa se desenvolve ao meu redor e anseio participar dela como todos

os seres humanos" (Olga Ivanova Skorokhodova 1914-1987)

Este relato partiu da necessidade de investigar a percepção de uma aluna surdocega

matriculada no 9º ano do Ensino Fundamental da Rede Pública Estadual de Ensino na cidade

da região norte do estado do Paraná, quanto ao seu processo de inclusão.

A surdocegueira é bastante discutida pelos órgãos governamentais que definem as

políticas públicas para o atendimento destinado a esse público. Dentre as definições aceitas

pelos profissionais brasileiros que atuam na área, podemos citar a organizada pelo Grupo

Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Sensorial, uma rede nacional criada em 1997, por

profissionais, pais e pessoas com surdocegueira e que consiste em:

É uma deficiência singular que apresenta perdas auditivas e visuais

concomitantemente em diferentes graus, levando a pessoa surdocega a

desenvolver diferentes formas de comunicação para entender e interagir com

as pessoas e o meio ambiente, proporcionando-lhes o acesso a informações,

1 Shirley Alves Godoy –Aluna do Programa de Mestrado em Educação,da Universidade Estadual de Londrina,

Especialista em Educação Especial, Pedagoga, Professora Guia-intérprete, Instrutora-Mediadora.

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uma vida social com qualidade, orientação, mobilidade, educação e trabalho

(GRUPO BRASIL, 2003).

2.1 Classificação de Surdocegueira

A surdocegueira classifica-se em pré-linguística ou congênita e pós-linguística ou

adquirida.

2.2 Surdocegueira Pré-Linguística ou Congênita

Surdocegueira pré-linguística ou congênita ocorre quando há perda visual e auditiva

antes da aquisição de uma língua, seja ela oralizada – Língua Portuguesa ou visual espacial –

Língua Brasileira de Sinais/LIBRAS. Maia (2008, p. 12) define como:

Surdocegueira pré-linguística é a terminologia adotada para identificar

pessoas que nascem surdocegas ou adquirem a surdocegueira na mais tenra

idade, ou seja, antes da aquisição de uma língua (português ou Língua

Brasileira de Sinais). Também conhecida como surdocegueira congênita,

caracterizada pela perda da visão e audição durante a gestação. (MAIA,

2008, p. 12).

A criança surdocega pré-linguística ou congênita não adquire uma imagem real do

mundo em que vive, não aprende com as pessoas com quem convive, pois não sabe o que

tem, nem o que se passa ao redor, tampouco tem consciência de que faz parte do mundo,

vivendo num eterno caos. Sem intervenção, seu universo resume-se ao próprio corpo, nada

existe fora de si mesmo, não havendo razão para explorar ou comunicar-se.

Ainda segundo as orientações da mesma autora, é possível dizer que essas pessoas

têm como características movimentos estereotipados, principalmente das mãos e dos dedos,

apresentam balanceio corporal, isolam-se do mundo demonstrando desinteresse pelas pessoas,

objetos e pelo ambiente. Ao serem tocadas, reagem com agressividade, demonstrando defesas

táteis, possuem dificuldades na locomoção, apresentam distúrbios alimentares, utilizam os

outros sentidos, tato, olfato e paladar, levam objetos próximos aos olhos ou à boca, não

percebem e nem diferenciam sons.

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2.3 Surdocegueira Pós-Linguística ou Adquirida

Segundo Maia (2008 p. 12), a surdocegueira pós-linguística ou adquirida ocorre em

indivíduos que apresentam uma deficiência sensorial primária (auditiva ou visual) e no

decorrer de sua existência adquire a outra, após a aquisição de uma língua (Língua Portuguesa

ou Língua de Sinais), como também pode ocorrer a aquisição da surdocegueira sem outros

antecedentes. Segundo denominação: “surdocegueira pós-linguística é utilizada para designar

pessoas, crianças, jovem ou adulto, que adquirem a surdocegueira após a aquisição de uma

língua (português ou LIBRAS)”.

Em relação à caracterização do atendimento ao aluno surdocego, o MEC - Ministério

da Educação e Cultura - define como:

O processo educativo de crianças surdocegas exige alterações no currículo,

nas estratégias e nos recursos que nem sempre são fáceis de concretizar em

uma sala de aula tradicional. A atuação dos especialistas se torna

significativa quando acontece no cotidiano das atividades escolares, como

apoio à atuação do professor da classe regular. Incluir crianças surdocegas

com necessidades educacionais específicas nas escolas de ensino regular

exige atenção às suas respostas e ao seu progresso na escola. Assim, a oferta

de serviços de apoio pedagógico especializado constituirá uma alternativa de

qualidade, sobretudo se forem levadas em conta determinadas características

dessa população e as especificidades do seu atendimento educacional.

(MEC/SEESP, 2006, p.53).

3. PROBLEMA/PROBLEMATIZAÇÃO

Este estudo foi desenvolvido visando à identificação de como uma aluna surdocega

percebia seu processo de inclusão na escola da rede regular de ensino.

4. JUSTIFICATIVA

No ano de 2009, em uma escola da rede estadual de ensino, jurisdicionada ao Núcleo

Regional de Educação/NRE órgão da Secretaria Estadual de Educação situado na região norte

do estado do Paraná, ocorreu a matrícula de uma aluna proveniente da rede municipal, que

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apresentava impedimentos explícitos na codificação e decodificação de mensagens, por meio

da via sensorial auditiva, como também pela via sensorial visual, fatores que impediam sua

aprendizagem. A aluna nasceu de parto prematuro e, segundo pareceres de profissionais da

área de fonoaudiologia e de psicologia, apresentava potencial intelectual para o processo

ensino/aprendizagem e para a aquisição de conhecimento, porém com algumas ressalvas,

verificando-se a necessidade de constantes intervenções e explicações complementares.

Constataram-se, igualmente, restrições a certas atividades. Houve-se por bem respeitar o

tempo da educanda e adaptar os conteúdos curriculares à medida de seu desenvolvimento. Os

laudos clínicos apontavam cegueira, devido ao descolamento de retina por retinopatia da

prematuridade grau V e perda auditiva neurossensorial severa, segundo Davis e Silvermann

em ambos os ouvidos, sendo que o diagnóstico nessa circunstância foi surdocegueira. No caso

específico surdocegueira congênita com resíduo auditivo-funcional, necessitando para a sua

comunicação da Língua Oral ampliada.

A língua oral amplificada ou fala ampliada consiste na recepção da

mensagem expressa pelo interlocutor por meio da língua oral, mediante o

uso, por parte da pessoa com surdocegueira, de aparelho de amplificação

sonora (AASI) / aparelho auditivo. No caso do uso do AASI, é fundamental

que a guia-intérprete ou instrutora-mediadora se coloque a uma distância

adequada, de acordo com a perda auditiva da pessoa surdocega, e do lado em

que apresente melhores condições de percepção do som (resíduo auditivo).

Assim o professor de apoio (Instrutor Mediador/Guia-Intérprete) faz a fala

ampliada como recurso de comunicação da aluna no âmbito escolar,

principalmente na sala de aula, transmitindo os conteúdos referentes à

disciplina abordada em tempo real. (GODOY, 2011, p.22).

Até aquele momento, não havia registro de alunos nessa condição frequentando a

classe comum da rede regular de ensino do estado do Paraná, não existindo, portanto, uma

oferta adequada de apoio específico. Pesquisou-se, então, na bibliografia existente, qual

profissional poderia realizar a tarefa de apoiar as necessidades da aluna. O estudo apontou em

direção ao profissional guia-intérprete e instrutor-mediador, sendo o primeiro considerado o

mais adequado.

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A importância do trabalho desse profissional é fundamental ,visto ser através dele

que o surdocego terá acesso a tudo o que o rodeia, podendo tomar decisões de maneira

autônoma e, assim, exercer sua cidadania.

A ocorrência do caso ora descrito, o primeiro no estado do Paraná, demonstrou a

necessidade de realizarmos o presente estudo, que dá ênfase à opinião e percepção da aluna

quanto à sua inclusão e desenvolvimento do seu processo ensino/aprendizagem, tendo como

pressuposto básico as suas necessidades.

Acredita-se que o presente estudo poderá fornecer subsídios para outras situações

que possam ocorrer, visto que a área da surdocegueira tem se expandido na rede estadual de

ensino, ou seja, essa ação poderá favorecer outros alunos com surdocegueira que poderão

frequentar a classe comum das escolas da rede estadual.

5. REVISÃO DE LITERATURA

5.1 OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS

5.1.1 Gerais:

Identificar as percepções que o aluno surdocego considera necessário a sua inclusão

escolar.

Analisar as condições escolares que favorecem a inclusão escolar e atendimento

pedagógico ao aluno com surdocegueira.

5.1.2 Específicos

Identificar as dificuldades encontradas no processo de inclusão dos alunos com

surdocegueira na rede regular de ensino.

Sensibilizar e preparar os alunos não deficientes a conviver com colegas que

apresentam surdocegueira.

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Identificar as dificuldades que os profissionais encontram para desenvolver o

atendimento com a pessoa com surdocegueira.

6. METODOLOGIA DA PESQUISA

6.1 Participante da Pesquisa:

Foi participante da pesquisa uma aluna surdocega congênita, com idade de dezesseis

anos - primeiro caso de inclusão na Rede Estadual de Ensino do Paraná – matriculada no 9º

ano do Ensino Fundamental, em uma escola pública do ensino regular pertencente a um

município, jurisdicionado ao NRE na região norte do estado do Paraná.

A aluna abordada aceitou participar do estudo, no entanto, por ser menor de idade,

solicitou-se a autorização dos pais, que gentilmente acolheram a ideia.

6.2 Local da Pesquisa:

A entrevista foi previamente agendada para ser realizada no mês de novembro de

2012, sábado, turno vespertino, na residência da aluna, respeitando a disponibilidade da

entrevistada e de seus pais em receberem a pesquisadora.

6.3 Procedimento metodológico:

O procedimento metodológico utilizado constituiu-se de entrevista semiestruturada,

tendo em vista a possibilidade de a entrevistada ter a liberdade de expor suas experiências.

Sua situação de inclusão na rede regular de ensino foi o foco principal proposto pela

pesquisadora, permitindo que a aluna emitisse respostas espontâneas e livres, tornando a

pesquisa mais rica em informações.

Segundo Manzini, a entrevista é:

A título de definição, a entrevista seria uma forma de buscar informações,

face a face, com um entrevistado. Pode ser entendida como uma conversa

orientada para um objetivo, sendo esse objetivo estabelecido pelo

pesquisador. Dentre as várias formas de entrevista, remetemos à entrevista

semiestruturada, que traz como uma de suas características a elaboração

prévia de um roteiro. (MANZINI p.13,2003)

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Salienta o autor que no caso de entrevista semiestruturada:

A resposta não está condicionada a uma padronização de alternativas

formuladas pelo pesquisador como ocorre na entrevista com dinâmica rígida.

Geralmente, a entrevista semiestruturada está focalizada em um objetivo

sobre a qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais,

completadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à

entrevista. (MANZINI p.154,1991)

Optou-se por elaborar um roteiro de 9 (nove) questões , cujas temáticas estavam

relacionadas à percepção que a educanda tinha da escola, às disciplinas que considerava mais

fáceis, bem como aquelas em que sentia dificuldades, à forma como interagia com os

professores e colegas, quais as dificuldades que os professores enfrentavam para incluí-la e o

que ela achava ser o motivo desse entrave, o que aprendeu ao interagir com os colegas, como

poderia auxiliar os professores e colegas para favorecer seu processo de inclusão, os aspectos

que considerava deveriam ser aprimorados na escola para facilitar a sua inclusão e,

finalmente,outro item que julgava importante acrescentar.

Buscou-se o contato pessoal com a entrevistada, momento em que foi solicitada a sua

contribuição para a pesquisa e realizadas as explicações necessárias a respeito dos objetivos a

serem alcançados e o conteúdo que seria abordado com o estudo; fez-se necessária a

aquiescência para o uso de um gravador, com o objetivo de registrar as informações e de

conservar fidedignamente as falas.

Com relação à utilização do gravador, Manzini afirma que:

O uso do gravador é comum a esse tipo de entrevista. É mais adequado

quando desejamos que as informações coletadas sejam fruto de associações

que o entrevistado faz emergindo, assim, de forma mais livre. (MANZINI

p.154,1991)

Estabeleceu-se junto à aluna que, após a transcrição integral da entrevista concedida,

a participante receberia o seu relato através de seu e-mail pessoal para que tivesse a

oportunidade de acrescer novas informações, corrigir ou explicar o que havia falado, enfim

adicionar as informações que julgasse necessárias.

6.4 Tratamento dos dados:

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Para analisar os dados obtidos, a opção por uma abordagem qualitativa permitiu

articular os elementos componentes dos relatos das entrevistadas entre si, segundo orientações

de Bardin. (2006).

7. RESULTADOS

O relato obtido por meio da entrevista foi organizado em oito categorias,

apresentadas a seguir.

1. Percepções da participante com relação à unidade escolar

[...] uma escola assim bem grande bem assim especializada em relação às

deficiências [...] tem o CAEDV, a Surdocegueira e o DA. [...] mesmo assim

eu gosto, acho que ela é muito grande e é muito fácil de perder e acho-a

bonita também, muito barulhenta.

Percebe-se que a aluna possui conhecimentos a respeito dos serviços de apoio da

educação especial ofertados pela rede estadual de ensino no estabelecimento de ensino que

estuda. Para maior compreensão desse atendimento, faz-se necessário mencionar o significado

de Centro de Atendimento Especializado/CAE, conforme a legislação do Estado do Paraná,

que consiste em:

Serviço de natureza pedagógica, desenvolvido por professor habilitado ou

especializado em educação especial ofertado a alunos com necessidades

educacionais especiais matriculados na educação básica. A finalidade desse

serviço será a de oferecer apoio à escolarização formal do aluno e/ou

possibilitar o acesso a línguas, linguagens e códigos aplicáveis, bem como a

utilização de recursos técnicos, tecnológicos e materiais, equipamentos

específicos, com vistas a sua maior inserção social. O atendimento nesse

serviço tem início na faixa etária de zero a seis anos e realiza-se em escolas,

em salas adequadas, podendo estender-se a alunos de escolas próximas, nas

quais ainda não exista esse atendimento. Pode ser realizado individualmente

ou em pequenos grupos, para alunos que apresentem necessidades

educacionais especiais semelhantes, em turno contrário, caso frequentem a

classe comum. (Del. 02/03, PORTARIA N.º 22/00-CEE).

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Quanto à arquitetura do estabelecimento de ensino, a aluna salienta a necessidade de

uma escola mais acessível, principalmente com relação a sua mobilidade; faz-se necessária a

colocação do piso tátil em suas dependências, como também a aquisição de materiais de apoio

como livros de literatura transcritos para o Sistema Braille, já que a biblioteca dispõe de

poucos exemplares.

Pra melhorar a escola, eu acho que pra mim já está bom. [...] Ah acho que a

acessibilidade poderia melhorar, eu diria o piso tátil, eu orientaria também

porque lá não tem piso tátil só fora da escola, [...] e a questão da biblioteca

também, tipo, ter mais livros em Braille acho que faltam livros em Braille,

acho que do meu nível. Livro áudio também é bom.

É importante salientar que a aluna, ao apontar aspectos existentes na escola que

impedem sua mobilidade, chama a atenção para o fato de, por se tratar de um prédio público,

ser negado o direito de ir e vir de um deficiente.

2. Percepções da participante que podem contribuir ou dificultar a interação com os

professores

[...] eu falaria assim que eu sou uma pessoa normal, com algumas

dificuldades e não tem problema para interagir, falar normal só que bem

perto de mim. Eles poderiam falar mais perto de mim.

[...] para explicar melhor e utilizar uma linguagem mais simples, alguns

deles precisam interagir mais comigo. Eles devem falar um pouco mais alto.

[...] Quando eles vão explicar a disciplina eu gostaria que eles chegassem

mais perto de mim e explicassem de maneira mais simples, quando eu

pergunto para eles eu gostaria que eles explicassem pra mim [...] quem é a

aluna sou eu.

Nesse relato, ao apontar aspectos muito significativos na interação professor/aluno, a

educanda identifica algumas dificuldades dos professores ao atuarem com alunos nas

condições por ela apresentadas; sugere, porém, soluções de cunho pedagógico que

favoreceriam a aprendizagem e melhorariam o atendimento.

3. Percepções da participante que podem contribuir ou dificultar a interação com os

colegas

[...] para melhorar a interação eu poderia tentar conhecê-los melhor,

conversar com eles, demora um pouco [...] o que eu espero deles é que eles

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se adaptem comigo. [...] pode assim interagir do mesmo jeito que se interage

com pessoas normais né falar qualquer coisa, eles deveriam interagir mais

comigo. [...] Eles devem me ensinar a ter confiança neles, uns andam muito

depressa não andam devagar. [...] como eu falei, interagir mais comigo, tipo

conversando mais falando mais coisas, fora assunto de escola, eu gostaria

que me falassem sobre a vida pessoal deles. [...] eu poderia fazer assim...

Mostrar pra eles como a pessoa surdocega se sente talvez eles fossem

aprender como lidar mais rápido e mostrar pra eles que não é do jeito deles,

não é do jeito que eles querem. [...] eu gostaria que eles entendessem que ser

surdocego é ruim, não... É horrível. [...] Eu quero aprender a estudar com

eles, eu tenho interesse de estudar e eu gosto de estudar, eu só fico nervosa

ou irritada se eu não consigo fazer nada. [...] às vezes eu me sinto que

ninguém me dá atenção [...] às vezes eu fico um pouco triste, irritada sei lá.

[...] porque eu me sinto diferente das outras pessoas eu não me sinto assim

uma pessoa normal [...] é isso como eu gostaria que elas assim ficassem

normal, não ficasse pensando ai aquela pessoa ali é surdocega [...]eu não

queria que as pessoas ficassem pensando assim.

Nessa passagem, carregada de emoção, a participante aponta aspectos existentes no

contato entre ela e os colegas, percebendo a dificuldade deles em interagir com ela, sua

necessidade de estabelecer a comunicação e a angústia de se sentir diferente das outras

pessoas por ser surdocega, a preocupação com a opinião do outro em relação a sua

deficiência, apresentando, no entanto, algumas sugestões de como facilitar o convívio em

sala de aula.

4. Aprendizagens adquiridas pela participante consideradas como fáceis e difíceis:

[...] mais facilidades, Artes, Ciências, são tantas, Educação Física e História.

[...] a mais difícil e à Matemática porque tem muitas fórmulas, vários

processos e isso dificulta né. [...] a questão da memória também na

realização dos cálculos, eles são muito grande pra fazer [...] é muito grande,

muito número. [...] a questão não é essa é a concentração eu tenho

dificuldade de me concentrar. A Matemática eu tenho que concentrar bem

[...] o Braille tem muitos símbolos são números muitos grandes.

Quando a entrevistada falou a respeito de sua aprendizagem, das disciplinas em que

encontra mais facilidades e nas que têm dificuldades, mencionou como mais fáceis os

conteúdos das áreas de Ciências Humanas e Linguagens, encontrando dificuldades na área

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das Ciências Exatas, salientando aspectos de cunho pedagógico como a questão das fórmulas,

os vários processos e a simbologia Braille, como também a característica da deficiência,

quando menciona a questão da memória e da concentração, dificuldades encontradas nas

pessoas surdocegas, para a realização de grandes cálculos .

5. Situações que dificultam a aprendizagem da participante.

[...] os alunos conversam muito e você tenta se concentrar. [...] O barulho é

muito difícil, eles conversam demais e atrapalham principalmente

matemática e inglês. [...] alguns – professores - falam muito rápidos, isto é,

explicam muito rápido e eu acabo não entendendo.

6. Adaptações/situações que favorecem a aprendizagem da participante.

[...] Alguns deles selecionam as questões e isso facilita. [...] explicando o

conteúdo próximo de mim, alguns ficam bem próximos de mim. [...] ela

explica bem, o mais simples possível ela explica. [...] a professora de história

é mais fácil, ela facilita mais, ela pergunta, você entendeu o conteúdo ai eu

respondo sim ou não. [...] a professora de ciências, pra ela é mais fácil às

vezes ela compra material, por exemplo: o sistema digestório, ela trouxe,

tipo negócio de montar, em textura e em alto relevo. [...] ela. Professora de

ciências pede para os alunos fazerem trabalhos, por exemplo: o aparelho

genital do homem e da mulher, eles fizeram e eu entendi.

Com relação às adaptações e situações que favorecem a aprendizagem da

participante, apontou técnicas empregadas ao longo do ano letivo por alguns professores, que

muito facilitaram a apropriação do conhecimento; elencou, igualmente, algumas posturas de

docentes como: explicação do conteúdo próximo à aluna, fala mais clara e pausada, como

também a apresentação de materiais concretos para manipulação.

7. Sugestões de adaptações que podem facilitar a aprendizagem da participante.

[...] Como a Matemática é muito número principalmente a prova que é muito

grande eu acho que poderia passar o conteúdo que mais repete passar o

conteúdo mais vezes [...] aos professores, eu diria sim, pra adaptar se

precisar adaptar algum material ou alguma coisa [...] eu poderia ajudar eles

também, e nos conteúdos eu diria para reduzir, ou melhor, selecionar as

questões mais importantes e também o tempo eles poderiam dar um tempo

maior para eu realizar as atividades, eles poderiam falar mais perto de mim

[...] para explicar melhor e utilizar uma linguagem mais simples [...] alguns

deles precisam interagir mais comigo. [...] Eles, - os professores - devem

falar um pouco mais alto. [...] Quando eles vão explicar a disciplina eu

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gostaria que eles chegassem mais perto de mim e explicassem de maneira

mais simples, [...] quando eu pergunto para eles eu gostaria que eles

explicassem pra mim quem é a aluna sou eu.

Nesse relato, a aluna aponta e sugere as adaptações a serem utilizadas pelo corpo

docente, tendo como intuito favorecer sua aprendizagem, a saber: diminuir a quantidade em

detrimento da qualidade, ofertar materiais concretos, expandir o tempo para a realização das

atividades, aproximar-se mais da aluna, utilizar uma linguagem simples, clara e em tom mais

alto; a aluna ainda se prontifica a ajudar os professores nessa tarefa, sendo assim também a

autora do seu processo de inclusão escolar.

8. Sugestões da participante com relação a sua percepção do estabelecimento

escolar e o que poderia ser melhorado.

Bom Como eu percebo a escola ah eu gosto, ah eu me sinto bem, a escola é

boa [...] é uma escola assim bem grande [...] e é muito fácil de perder e acho-

a bonita também, muito barulhenta. [...] até agora melhorou bastante, agora o

que poderia melhorar é a questão dos professores, eles poderiam explicar

mais o conteúdo, [...] alguns falam muito rápidos e eu acabo não entendendo,

acho que poderiam melhorar. [...] As pedagogas poderiam mostrar para eles

– os professores - que aquele mundo de conversa e gritaria não é bom. [...]

Elas – as pedagogas - poderiam conversar com algum professor em relação

as atividade e as provas, tudo isso aí facilitar mais o conteúdo e eu

aprenderia mais. [...] Pra melhorar a escola, eu acho que pra mim já está

bom. Ah acho que a acessibilidade poderia melhorar, eu diria o piso tátil, eu

orientaria também porque lá não tem piso tátil só fora da escola, mas dentro

não tem e a questão da biblioteca também, [...] ter mais livros em Braille

acho que faltam livros tem muito pouco em Braille, acho que do meu nível.

[...] Livro áudio também é bom.

Com relação à avaliação que a participante faz do estabelecimento de ensino e do

que pode ser melhorado, relata sua afeição pela escola, mas reconhece que são necessários

alguns ajustes para torná-la acessível e sugere a aquisição de livros em Braille, piso tátil entre

outros.

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Considerações finais

Constatamos, por meio dos relatos registrados, haver percepção da participante de sua

condição de deficiente, aluna e, principalmente, de ser humano. Foi possível perceber seu

grande desejo de participar do próprio processo de inclusão escolar e sua necessidade de ser

ouvida.

Identificamos que se faz necessário dar “voz” ao deficiente, pois somente ele poderá

nos orientar e dar direções de como lidar com ele. De que adianta termos conhecimentos

pedagógicos se não os colocamos a serviço das necessidades que nossos alunos apresentam.

Ao dar “voz” ao deficiente, não se trata de caridade, mas de respeito a um direito que lhe é

negado diariamente.

9. Referências

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, Pt: Edições 70. 3 ed. 2006.

GODOY, Shirley A.Convivendo e aprendendo com o surdocego – manual de orientações

para professores. Projeto: PDE- SEED. 2011.

MAIA, Shirley Rodrigues...et al. Sugestões de estratégias de ensino para favorecer a

aprendizagem de pessoas com Surdocegueira e Deficiência Múltipla Sensorial: um guia para

instrutores mediadores. São Paulo: Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e o Múltiplo

Deficiente Sensorial/ Canadian International Development Agency-CiDA, 2008.

_______ etall. Surdocegueira e Deficiência Múltipla Sensorial: sugestões de recursos

acessíveis e estratégias de ensino. São Paulo: Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao

Múltiplo Deficiente Sensorial, 2010.

MANZINI, Eduardo José, Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista

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