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PERCURSO DA LINGUÍSTICA À SEMIÓTICA e-book.br EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL Cid Seixas

PERCURSO - UFBA

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PERCURSODA LINGUÍSTICA

À SEMIÓTICA

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IV RO DIGITAL

Cid Seixas

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Dividido em seis capí-tulos, o percurso é inici-ado com a discussão dasperspectivas adotadaspor Peirce e Saussure, deonde advém a adoção dedois termos para desig-nar a mesma disciplina,um proveniente da orien-tação peirceana: SEMIÓTI-CA, e o outro de origemsaussuriana: SEMIOLOGIA.Neste item trata-se da hi-pótese levantada por Ro-land Barthes segundo aqual um dia teríamos deinverter o postulado deSaussure que via a lin-guística como parte deuma ciência geral dossignos em processo deconstituição.

Na presente edição,adotou-se o título esco-lhido para a introduçãooriginal do trabalho, Per-curso da Linguística àSemiótica, que expõe me-lhor os objetivos e con-teúdos do pequeno livropropedêutico.

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PERCURSODA LINGUÍSTICA À SEMIÓTICA

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Copyright © 2020 by Cid SeixasTipologia: Original Garamond, 14

Formato: 12 x 20 cmNúmero de páginas: 156

Capa (C. S.):“Reflexos: onde a água, onde o céu?”

A e-book.br não segue, obrigatoriamente, asnormas da ABNT, a exemplo das citações, queaqui são marcadas pelo modo clássico, isto é, en-tre aspas. O não uso de aspas pode fazer uma ci-tação de terceiros em mídia digital se confundircom o texto do autor, em decorrência da perda deformatação de margens e espaços.

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da linguística à semiótica

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CONSELHO EDITORIAL:Cid Seixas (UFBA | UEFS)

Ester Ma de Figueiredo Souza (UESB)Francisco Ferreira de Lima (UEFS)

Josane Moreira (UEFS)Moanna Brito (UFBA)

Contato:[email protected]

comportam pequenas tiragens impressas pelasEdições Rio do Engenho

Rua Dr. Alberto Pondé, 147/10340 296-250 | Salvador, Bahia

Nossas publicações eletrônicas

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................. 9INTRODUÇÃO ........................................... 15

I / UMA VISÃO PRELIMINAR:A SEMIOLOGIA E AS SEMIÓTICAS

Semiótica ou Semiologia:Peirce ou Saussure ................................. 21Saussure e a ciência socialdos signos ............................................. 28Barthes e o eco ......................................... 36

II / PRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES SEMIÓTICAS

NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Os sofistas, os clássicose a patrística ......................................... 45Vico e a ciência nova ............................ 55

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III / A SEMEIOTIKÉ

E A TEORIA DO CONHECIMENTO

John Locke e a criaçãoda Semeiotiké ....................................... 63Leibniz, Condillace os sistemas simbólicos ...................... 71

IV / O SÍMBOLO E O SIGNO

Símbolo e signo,representação e sinal .............................. 83Peirce: índice, ícone e símbolo ............... 89

V / O SIGNO SOCIAL,SEGUNDO SAUSSURE

Signo linguístico e semiótico ................. 99A dicotomiasignificante/significado ........................ 106

VI / A DIALÉTICA DO SIGNO

Expressão e conteúdo,segundo Hjelmslev ................................ 119O signo como processo ......................... 130

REFERÊNCIAS

e Bibliografia não referenciada ................. 141

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PREFÁCIO

Parecia ser um domingo como qualqueroutro. Ao iniciar as tarefas de pesquisa, se-gui o ritual de começar abrindo minha caixade e-mails. E lá constavam muitos que vari-avam substancialmente em graus de impor-tância. Porém, um deles saltou aos meusolhos, pois se tratava de um convite para pre-faciar um livro. No início achei até que setratava de uma brincadeira, pois a amizadeque tenho com o autor permite isso. Ao ter-minar de ler, percebi que se tratava de algosério. Aliás, muito sério! Fui tomada simul-taneamente por duas sensações distintas: fe-licidade por ter sido a escolhida dentre tan-tos já doutores; e tensão pela responsabili-

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dade de fazer a abertura de uma obra de ta-manha envergadura.

Cid Seixas é autor de uma considerávelbibliografia que vai desde a crítica literária,passando pelo mundo dos poemas, a obrasdas ciências da linguagem como o Espelho deNarciso, por exemplo (Rio de Janeiro, Civi-lização Brasileira; Instituto Nacional do Li-vro-MEC, 1981). Livro que também tive oprivilégio de conhecer. Aliás, aproveito o en-sejo para sugerir a sua leitura.

Os estudos de Cid Seixas sobre lingua-gem, cultura e ideologia, situados no limiardos anos 70 e 80, contrariando as pesquisasimanentes do estruturalismo, antecipam im-portantes questões hoje em debate. Comotestemunho disso, destaca-se o detalhado eextenso parecer do filólogo Antonio Houaiss,como integrante da banca que avaliou o pri-meiro trabalho acadêmico de porte do autor.Leia-se um pequeno trecho:

“Quero desde o início deixar patenteminha admiração por várias altas quali-dades manifestas, dentre as quais realçoa sequência nas ideias, a madureza do

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pensamento, o espectro rico da informa-ção e erudição, o inteligente aproveita-mento das fontes e bibliografia, e a ele-gância da exposição.

Nutro a esperança de que Cid Seixasnão abandone a direção de estudos quetomou e a prossiga, aprofundando pon-tos que parecem merecer indagação maisacurada de sua parte. Afloro, a seguir, al-guns com o só fim de espicaçá-lo, massem intuitos polêmicos ou, muito me-nos, professorais ou magistrais: será, an-tes, um diálogo entre pares de angústiase buscas (malgrado — ah! a diferença denossas idades).”

As palavras do filólogo Antonio Houaisscausaram surpresa porque alçavam o quasedesconhecido autor do trabalho à inesperadacondição de um dos seus “pares de angústi-as e buscas” na vasta seara dos estudos filo-sóficos e linguísticos, destacando a idade doentão jovem professor.

Quanto à esperança manifestada pelofilólogo e dicionarista, no segundo parágra-fo transcrito da sua crítica ao livro O Espe-

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lho de Narciso: Linguagem, Cultura e Ideo-logia no Idealismo e no Marxismo, convémchamar a atenção do leitor para o fato deCid Seixas, infelizmente, não ter prossegui-do na mesma direção dos seus estudos dosanos 80. Ao se tornar professor de Literatu-ra Portuguesa da Universidade Federal daBahia, foi progressivamente se deslocandopara os estudos literários.

Permitam-me destacar, entretanto, algu-mas das suas outras contribuições aos estu-dos da linguagem, elencados a seguir:

O lugar da linguagem na teoria freudiana(Fundação Casa de Jorge Amado,1997), Otrovadorismo galaico-português (UEFS,2000), Da invenção à literatura: Textos defilosofia da linguagem, (Rio do Engenho,2017), ambos também impressos, além dosseguintes em edição eletrônica: Do inconsci-ente à linguagem. Uma teoria da linguagemna descoberta de Freud (E-Book.Br, 2016),Strawinsky: uma poética dos sentidos ou Amúsica como linguagem das emoções (E-Book.Br, 2019).

Este Percurso da Linguística à Semióticaé ao mesmo tempo um retorno e um início.É retorno porque traz à baila, por meio de

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uma linguagem clara e convidativa, questõesque foram durante muito tempo objeto deestudo daqueles que consideramos clássicos:Ferdinand de Saussure, Hjelmslev, UmbertoEco, Pierce, Barthes e outros. É início por-que se torna uma obra de leitura essencialpara aqueles que querem principiar sua jor-nada intelectual acerca dos estudos da lin-guagem e para aqueles que se já debruçamsobre o tema e querem reconhecê-lo por meiode outras vistas dos pontos.

Em virtude da relevância do seu tema paraos estudos da linguagem, não há dúvidas deque se trata de uma obra que se inscreve atu-al para o desenvolvimento de estudos nas di-versas áreas, sobretudo, Letras, Psicologia eSociologia. Eu me arrisco a ir mais longe:inscrevo este Percurso da Linguística à Semi-ótica entre as obras de leitura basilar, assimcomo — guardadas as proporções — é oCurso de Linguística Geral (de Saussure) ouMarxismo e Filosofia da Linguagem (deBakhtin). Portanto, encerro o meu pensa-mento e ao mesmo tempo deixo uma suges-tão a quem lê: deleite-se!

Moanna Brito

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Os limites da minha linguagem de-notam os limites do meu mundo.

Ludwig Wittgenstein

Desde que se pode desobedecerimpunemente, torna-se legítimofazê-lo.

Jean-Jacques Rousseau

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O livro que ora se publica resulta do cur-so de Semiologia da Cultura que tive opor-tunidade de ministrar na Biblioteca Centraldo Estado da Bahia, no início dos anos oi-tenta (há quase quarenta anos, portanto),material este que deu corpo ao texto do livroO que é semiótica, anunciado para publica-ção pela Editora Brasiliense.

Nesse ínterim, o livro que integraria a Co-leção Primeiros Passos foi substituído pelotrabalho de uma conceituada semióloga peir-ceana e professora da PUC, sendo-nos apre-sentada a alternativa de, em seguida, publi-car o texto, como uma segunda visão do

INTRODUÇÃO

Um Percurso da Linguística à Semiótica

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tema, de natureza divergente, como era, defato, com o que na época não concordei,mantendo os originais inéditos.

Hoje, vencidos os melindres da juventu-de, reconheço o erro de ter deixado o traba-lho inédito, ao ser preterido por outro demaior aceitação, numa editora de grandeprestígio na segunda metade do século vin-te.

Na presente edição, adotou-se parte dotítulo escolhido para a introdução originaldo trabalho, “Um Percurso da Linguística àSemiótica”, que expõe melhor os objetivos econteúdos do pequeno livro propedêutico.

É o texto que passamos a transcrever apartir deste ponto.

Dividido em seis capítulos, nosso per-curso é iniciado com a discussão das pers-pectivas adotadas por Peirce e Saussure, deonde advém a adoção de dois termos paradesignar a mesma disciplina, um provenien-te da orientação peirceana: SEMIÓTICA, e o ou-tro de origem saussuriana: SEMIOLOGIA. Nesteitem trata-se da hipótese levantada por Ro-land Barthes segundo a qual um dia tería-

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mos de inverter o postulado de Saussure quevia a linguística como parte de uma ciênciageral dos signos em processo de constitui-ção.

Em decorrência da grande repercussão dalinguística estrutural e do seu papel balizadorno âmbito das ciências humanas, Barthes vis-lumbrava a linguística como uma ciência pi-loto por excelência. Já Umberto Eco, inicial-mente partidário da perspectiva saussuriana,aceitou a proposta da Associação Internaci-onal de Semiótica, predominantemente liga-da ao espectro lógico de Pierce.

Com o título de “Primeiras investigaçõessemióticas na história da filosofia”, o segun-do capítulo quer demonstrar a contribuiçãoinicial dos sofistas, recuperada pelos clássi-cos Platão e Aristóteles, incluindo em se-guida os estudos dos doutores da igreja,Agostinho e Tomás de Aquino, até chegar àchamada Ciência Nova, de GiambattistaVico, no Iluminismo.

É na teoria do conhecimento de JohnLocke que vai ser discutido o conceito e otermo semeiotiké, difundido por este pensa-

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dor seminal do empirismo inglês. Na mes-ma época, Leibniz e, em seguida Condillacvão deixar assentadas importantes contribui-ções ao estudo dos sistemas simbólicos.

No quarto e no quinto capítulos vamoster oportunidade de abordar com mais pro-priedade os conceitos do simbólico e dosígnico, ressaltando o alcance filosófico daslições de Saussure e a conexão das suas teo-rias com a descoberta de Freud.

Diferentemente da maioria dos estudio-sos que caracterizam o simbólico sem per-ceber com a necessária clareza um fato es-sencial para a compreensão do pensamentohumano e o posterior funcionamento de umcérebro eletrônico ou de uma máquina depensar. Tanto Saussure quanto Freud esta-belecem uma espécie de imanência da língua,ou mesmo da busca de algo que está insepara-velmente constituído na natureza do ser oudo objeto do conhecimento.

Evidencia-se aí a importância da compre-ensão do signo linguístico por ambos os pi-oneiros. Enquanto a maioria dos autores dárelevo aos objetos do mundo concreto,Saussure e Freud destacam a construção

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psíquica dos objetos que fundam a realidadehumana.

Com o pretexto de estabelecer uma psi-cologia útil aos seus pares, neurologistas,Freud demonstrou ainda no final do séculoXIX como a língua atua sobre os neurôniosde modo a possibilitar a transformação demeras excitações transmitidas pelos senti-dos em percepções fixadas na memória.

Como muitos filósofos, ao formular seusconceitos, estiveram por largo tempo preo-cupados com a coerência dos mesmos aosprincípios idealistas, de um lado, ou materi-alistas, do outro, esse rigor de pertencimentopode ter impedido que uns e outros aprovei-tassem as contribuições baseadas em funda-mentos filosóficos contrários. Cerca de cin-quenta anos antes do início das primeirasproposições de Freud e de Saussure, Marx eEngels com a crítica que fizeram ao materia-lismo alemão puderam resolver o impassecom a constituição do que chamaram dematerialismo dialético, já que para os defen-sores dessa corrente o idealismo seria algoincompatível com o avanço da razão prática.

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Por algum tempo, o materialismo maisprimitivo estabeleceu a crença segundo a qualtodo idealismo redundaria em uma concep-ção do mundo confinada aos limites da reli-giosidade e das mitologias de percepção pou-co elaborada do mundo.

No último capítulo, as proposições es-senciais do criador da linguística moderna sãoreiteradas através dos ensinamentos de LouisHjelmslev.

Do mesmo modo que, para Saussure, osignificante expressa e constrói um signifi-cado — posto que o significado não se con-funde com a coisa, mas é constituído poruma ideia —, para Hjelmslev, a expressão serefere a um conteúdo, ambos entendidoscomo constituintes da função semiótica.

O trabalho lembra por fim que, no cam-po rigoroso de uma metalinguagem da filo-sofia, o termo realidade significa para o serhumano “realidade psíquica” ou “realidadesimbólica”; isto desde que a obra de ErnstCassirer trouxe novas luzes, sugerindo asubstituição da expressão animal racional poranimal simbólico.

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percursoCapítulo I

UMA VISÃO PRELIMINAR:A SEMIOLOGIA

E AS SEMIÓTICAS

Semiótica ou Semiologia:Peirce ou Saussure

Duas expressões são usualmente empre-gadas para denominar a disciplina que estu-da os sistemas e processos simbólicos: Se-miótica e Semiologia. Costuma-se ligar a pri-meira a Charles Sanders Peirce (1839-1914),lógico norte-americano que retoma o pontode vista de Locke e sua posteridade — con-forme será visto ao longo deste estudo —,ao definir a lógica como a teoria dos sinais.

Já a denominação Semiologia está ligadaao linguista suíço Ferdinand de Saussure(1857-1913), autor de um livro clássico paraos estudos linguísticos. Esse livro, que nãofoi escrito pelo autor, mas pelos seus discí-

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pulos, resultou de apontamentos tomadosdurante os Cursos de Linguística Geral porele ministrados, de 1906 a 1911. Teve suaprimeira publicação, postumamente, em1916, passando daí por diante a orientar osmodernos estudos linguísticos e a servir dereferência para a Teoria da Comunicação, aAntropologia e outras ciências sociais. Nes-sa obra, Saussure concebe a Linguística comoparte de uma ciência geral dos signos na vidasocial: a Semiologia.

Por outro lado, Peirce propõe a Semióticacomo um outro nome para identificar a ló-gica; e se considera um pioneiro no trabalhode preparação e delimitação desta disciplina;o que não deixa de ser uma injusta desatençãodo autor para com as contribuições presen-tes nas obras de diversos filósofos que lheprecederam em semelhante tarefa.

Observe-se que os dois iniciadores dosestudos semiológicos — ou semióticos —modernos foram contemporâneos, um viven-do na América e outro na Europa, o que as-sinala o interesse de uma época pelo traba-lho de sistematização dos estudos do sim-bólico. Daí o fato de pesquisadores sem ne-

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nhum vínculo, vivendo em continentes di-versos, terem sentido a necessidade da cons-tituição de uma ciência dos signos. Lembre-se ainda que o início do século XX trouxe apreocupação com as formas simbólicas paraos mais diversos domínios do saber, entreos quais se inclui também o da saúde men-tal, quando Sigmund Freud abandonou a di-reção dos estudos fisiológicos e neurológi-cos, fundando a análise psicológica do uni-verso simbólico constituído pelo sujeito (ouconstituinte do sujeito): a Psicanálise. Nes-sa mesma época, um médico, que tempora-riamente se aproximou de Freud, Carl Gus-tav Jung, estudava o homem e seus símbo-los, se preocupando com a mitologia, as reli-giões, a literatura e outros sistemas signifi-cativos.

Em outro domínio do conhecimento,Ernst Cassirer concebeu a sua alentada Filo-sofia das formas simbólicas, obra que deu novadireção ao modo de compreender as relaçõesdo abstrato e do simbólico com a condiçãohumana. A chamada antropologia filosóficaque estabelece o campo de estudos deCassirer reforça e amplia a perspectiva dos

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autores aqui arrolados, destacando as obrasfundadoras de Saussure e de Freud.

Embora se tente esquecer que a denomi-nação da disciplina que estuda os processossimbólicos está vinculada à orientação segui-da, não se pode negar que o termo Semióticaevoca um certo compromisso com a lógica,a matemática e com a teoria da informação,enquanto Semiologia estaria mais ligado àsciências sociais e por conseguinte à teoria dacomunicação social.

Umberto Eco, numa das suas primeirasintroduções à pesquisa semiológica propõeuma distinção bastante operativa entre osdois termos, o que, de certo modo, se apro-xima das preocupações de Hjelmslev de evi-tar, tanto quanto possível, a ambiguidade nodiscurso de natureza científica. A palavraSemiologia designa a disciplina ou a ciênciados signos, e a expressão semiótica refere-sea cada um dos sistemas de signos ou doscódigos e linguagens (Eco, 1968). Uma se-miótica é portanto um sistema de signos,como as artes, a moda, os ritos, as línguasetc., enquanto a Semiologia é o estudo des-sas diversas semióticas.

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Acontece que a International Associationfor Semiotic Studies, organização que reúneos mais influentes estudiosos do campo, re-solveu adotar a denominação Semiótica, ten-do o mesmo Umberto Eco, em obra poste-rior, acatado, sem maiores discussões, a de-liberação plenária da IASS, desautorizandoassim o seu bem fundado argumento (Eco,1971).

Não obstante, ocorre com frequência ouso indiferenciado dos dois termos, razãopela qual grafamos ambas as palavras cominicial maiúscula quando denominam a ciên-cia dos signos e escrevemos semiótica cominicial minúscula para designar qualquer sis-tema ou processo simbólico. A rigor, deve-ríamos utilizar, em língua portuguesa, o ad-jetivo semiótico para o que se refere a taissistemas e processos simbólicos, reservan-do o adjetivo semiológico para quando a re-ferência recai sobre a ciência ou o conheci-mento (logos) dos signos (semeion).

Dois princípios se apresentam comodefinidores da atividade especulativa no cam-po das semióticas.

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De acordo com o primeiro desses princí-pios, a Semiologia tem por objeto o estudoda cultura vista como um diassistema sim-bólico, isto é, como um conjunto de sistemasque norteia e estabelece os limites dos fatose objetos construídos pela sociedade. Essaperspectiva se aproxima da lição de Saussure,para quem os signos exprimem ideias, istoé, pressupõem a ação e a inteligência huma-na no seio da sociedade.

Podemos ainda ligar esse primeiro prin-cípio a um dos pioneiros da Semiologia naRússia, Mikhail Bakhtin, que com o nomedo seu discípulo Voloshinov publicou algu-mas obras fundamentais para as ciências so-ciais, entre elas Marxismo e filosofia da lin-guagem. “Todo signo, como sabemos, resul-ta de um consenso entre indivíduos social-mente organizados no decorrer de um pro-cesso de interação. Razão pela qual as for-mas do signo são condicionadas tanto pelaorganização social de tais indivíduos comopelas condições em que a interação aconte-ce” (Bakhtin, 1929).

De acordo com o segundo princípio, e,nesse aspecto, contrariamente ao primeiro,

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a Semiótica tem por fim o estudo de todo equalquer objeto revestido de uma função sig-nificativa, quer seja comunicativa ou infor-mativa. Essa compreensão se aproxima dePeirce e de outros estudiosos que atribuemuma amplitude de certo modo infinita aonosso campo de estudos — como é o casode Umberto Eco, no Tratado de SemióticaGeral, um dos compêndios mais completosque se escreveu sobre a matéria.

Não se pode perder de vista que, ao tra-çar o espaço da Semiologia, Saussure tem emmira a Sociologia e a Psicologia Social, o mes-mo ocorrendo com Bakhtin, na sua Semióticamarxista, enquanto os defensores do segun-do princípio — como Peirce e Umberto Eco(1976) — visam à Lógica.

No presente trabalho, onde o interessese concentra nos signos sociais, ou seja, nosprocessos simbólicos intimamente mescla-dos com os fatos que constituem a cultura,julgamos ser de extrema conveniência mar-car a orientação adotada, assinalando o com-promisso do simbólico com o social e o cul-tural. Estamos, portanto, no âmbito de umaSemiologia da Cultura, que assim é, conse-quentemente, uma expressão redundante.

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Saussure e a CiênciaSocial dos Signos

No Curso de Linguística Geral, Saussureconcebe a existência da Semiologia ao discu-tir o lugar da língua entre os fatos humanos.O trecho abaixo da sua lição, hoje bastanteconhecido, vale ser citado:

“A língua é um sistema de signos queexprimem ideias, e é comparável, por isso,à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos,aos ritos simbólicos, às formas de poli-dez, aos sinais militares etc., etc. ... Ela éapenas o principal desses sistemas.

Pode-se, então, conceber uma ciênciaque estude a vida dos signos no seio soci-al; ela constituiria uma parte da Psicolo-gia Social e, por conseguinte, da Psicolo-gia Geral; chamá-la-emos de Semiologia(do grego semeion, “signo”). Ela nos en-sinará em que consistem os signos, queleis os regem. Como tal ciência não exis-te ainda, não se poderá dizer o que será;ela tem direito, porém, à existência; seulugar está determinado de antemão. A

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Linguística não é senão uma parte dessaciência geral; as leis que a Semiologia des-cobrir serão aplicáveis à Linguística e estase achará destarte vinculada a um domí-nio bem definido no conjunto dos fatoshumanos.

Cabe ao psicólogo determinar o lugarexato da Semiologia; a tarefa do linguistaé definir o que faz da língua um sistemaespecial no conjunto dos fatos semioló-gicos” (Saussure, 1916).

A preocupação básica do linguista suíço,decorrente da influência sociológica de Dur-kheim, era estudar a língua a partir de umaperspectiva mais ampla, através da sua in-serção num conjunto de fatos simbólicos davida social. Se, por um lado, Saussure impri-miu à sua ciência uma orientação positi-vis-ta que trouxe à tona a abordagem estrutura-lista das ciências humanas, por outro lado,deve-se também a ele a compreensão dolinguístico atrelado ao social.

Sabemos que os pesquisadores que se-guiram os caminhos abertos pelo Curso deLinguística Geral acentuaram o caráter meca-

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nicista do estruturalismo, descarnando a lín-gua do contexto no qual tem existência e pri-vilegiando o estudo formal dos sistemas. Masnão se pode esquecer que Saussure, ao em-preender os estudos dos aspectos ditos in-ternos ou imanentes da língua, estava atentoà sua natureza social, embora tenha marca-do seu pensamento por algumas contradi-ções. Um texto fragmentário e reconstituídoatravés de anotações de discípulos, como odo Curso, sofre necessariamente de taisdesencontros.

Para Saussure, o exercício da linguagemou a manipulação de formas simbólicas re-pousa numa faculdade que nos é dada pelanatureza, ao passo que a língua constitui algoadquirido e convencionado. Seu ponto de vis-ta vai de encontro à tese dos inatistas, por-que ele admite que a faculdade de criar lin-guagens é inata, apenas ela, e não a lingua-gem e a internalização de uma língua, quesão adquiridas.

É evidente que o ser humano recebe danatureza uma estrutura cerebral mais com-plexa que a dos outros animais, facultandoassim o engendramento de recursos e pro-

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cessos tipicamente racionais. Mas isso é di-ferente de se afirmar que o homem, ao nas-cer, tem internalizadas as formas simbólicase, particularmente, as estruturas linguísticas.Tal hipótese corre por conta e risco de umatradição filosófica assentada sobre bases pré-científicas, ou teológicas, segundo a qualDeus deu a Adão o domínio da língua. Em-bora essa formulação não apareça explícitanas teorias dos inatistas mais recentes, cons-titui a base dos argumentos dos primeirosdefensores de tal ponto de vista; base essaque é defendida cuidadosamente e continuaservindo de suporte à linguística cartesiana eoutras correntes de pensadores que compar-tilham a crença inatista.

Se, por um lado, a hipótese segundo aqual o homem traz consigo ideias inatas, ex-pressas através de uma linguagem tambéminata, não pode ser verificada; por outro lado,a proposição segundo a qual é a convivênciados homens em sociedade que cria a lingua-gem pode ser observada ao longo da históriadas culturas.

O autor do Curso afirma que não é a lin-guagem que é natural ao homem, mas a ca-

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pacidade de construir sistemas de signos.Pressupondo a existência de uma “faculdadeque comanda os signos”, Saussure atribui umlugar de destaque à língua no conjunto dosfatos da linguagem, por ser esta uma insti-tuição social por excelência. Acredita mes-mo que, devido à sua natureza social, a lín-gua pode funcionar como base das demaissemióticas. Não que ela seja um código es-truturalmente privilegiado, mas porque ter-mina se entrelaçando ao próprio desenvolvi-mento social, em decorrência do seu uso per-manente por todos os indivíduos socialmenteorganizados, enquanto os outros códigos,mais restritos, influenciam em menor grauo pensamento e a ação dos homens.

Com isso Saussure não subordina todosos processos simbólicos à língua mas, aocontrário, valoriza esses processos afirman-do explicitamente que a linguagem poderiater encontrado outro meio de expressão so-cial que não a língua. Assim como os ani-mais humanos se valem dos sons emitidospelos órgãos vocais para representar os pro-cessos sígnicos da cultura, poderiam ter es-colhido (como acidentalmente escolhem)

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outros meios, como o gesto, por exemplo,desenvolvendo neles vários níveis de articu-lações capazes de responder plenamente àsexigências da comunicação humana.

Entende-se aí porque o linguista procu-rou orientar a sua ciência mais para a análisedo funcionamento específico do sistemalinguístico: o estudo dos processos signifi-cativos nas suas relações com o pensamentoe a sociedade não é especificamente linguís-tico, mas semiótico e semiológico. Assim, asemântica saussuriana tem pela frente a ta-refa de confrontar as formas do conteúdoimpostas pela língua com eventuais forma-ções outras da realidade, empreendidas porsemióticas como as artes e os mitos, porexemplo.

Cabe então à Semiologia saussuriana oestudo geral e comparado da semântica, alémda procura das semelhanças e dessemelhançasentre as formações empreendidas pela lín-gua no seu uso cotidiano, ou por formasconotativas como a literatura e os mitos,dentre outros sistemas verbais. Isso permi-tiria a constatação da unidade ou da diversi-dade das formas do conteúdo.

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Caso sejam constatadas formações dife-rentes na língua pragmática, no texto poéti-co, no mito, no discurso publicitário etc.,teremos várias semânticas e poderemos fa-lar numa semântica geral ou comparada quearticularia as diversas formações do conteú-do. Caso o significado seja um só para a di-versidade de formações significantes, comoparece ser a expectativa de Saussure, tere-mos uma única semântica linguística, válidapara as diversas semióticas.

Vista a questão por esse ângulo, somosobrigados a repensar os reparos feitos a Saus-sure em um livro anterior a este, especial-mente no Capítulo “A tradição saussurianae suas consequências” (Seixas, 1979). Taisreparos se prendem às reais e aparentes con-tradições do Curso, onde, por um lado, osfatos da língua e da linguagem são colocadosnum amplo horizonte humano e social, e,por outro lado, a Linguística é proposta apartir de uma redução do objeto.

Para a compreensão do funcionamentodos signos no seio da vida social, Saussurereclama a necessidade de estudar “as carac-

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terísticas que pertencem somente aos siste-mas semiológicos em geral e à língua em par-ticular”, atribuindo à Semiologia a tarefa decompreender as relações da língua e das de-mais linguagens com a sociedade e a cultura,incluindo aí a constituição do significado.

Não é raro se lamentar a ausência de es-tudos semânticos no Curso, o que é vistocomo uma lacuna no projeto de constituiçãoda Linguística como ciência. Mas se Saussurepretendia abordar apenas os aspectos quedizem respeito à língua em particular — enão aos demais sistemas semiológicos — ouseja: os itens comuns aos diversos sistemas,itens como a formação dos significados, porexemplo, são objeto de estudo da Semiologia,que é a disciplina na qual a Linguística saus-suriana se insere.

Estabelecidos os limites da Linguística ea sua vinculação com a Semiologia é de seentender porque alguns fatos da linguagem,colocados em outras teorias como constitu-intes do objeto da Linguística, se deslocamna teoria de Saussure para o campo da Semio-logia. Assim, podemos compreender melhora sua afirmação, que a princípio nos pareceu

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demasiadamente comprometida com o ide-alismo: “Bem longe de dizer que o objeto pre-cede o ponto de vista, diríamos que é o pontode vista que cria o objeto” (Saussure, 1916).

De fato, o objeto de estudo de Saussuredepende inteiramente do seu ponto de vista.Num ponto de vista diferente teremos obje-tos diferentemente classificados.

Barthes e o eco

Os estudos semiológicos se tornam ain-da mais polêmicos quando Roland Barthespropõe a inversão da ótica saussuriana. Nosseus discutidos Elementos de Semiologia, elepondera que não existem na vida social donosso tempo outros sistemas da amplitudeda linguagem verbal, isto é, da língua. Dizainda que a Semiologia tem se ocupado decódigos de interesse irrisório e que, quandopassa a conjuntos dotados de profundidadesociológica, esses sistemas apenas traduzemestruturas da língua. Conclui então: “É pre-ciso, em suma, admitir desde agora a possi-bilidade de revirar um dia a proposição de

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Saussure: a Linguística não é parte, mesmoprivilegiada, da ciência geral dos signos: aSemiologia é que é uma parte da Linguística;mais precisamente, a parte que se encarrega-ria das grandes unidades significantes do dis-curso” (Barthes, 1964a).

Duas observações podem ser feitas àscolocações de Barthes. A primeira é um re-gistro da submissão barthesiana ao que sechama de imperialismo linguístico, nummomento em que as ciências humanas, sedu-zidas pelo estruturalismo, prestavam vassa-lagem à ciência da cultura estrutural por ex-celência: a Linguística. O próprio projeto dosElementos de Semiologia é declaradamentecalcado nas grandes dicotomias saussurianas.Falar em sincronia e diacronia, língua e fala,significante e significado etc., não pode servisto apenas como uma atitude metodoló-gica, mas como uma moda parisiense quevestiu — além da Semiologia, o Estudo daLiteratura, do Teatro, da Cultura, etc. — opensamento do maior expoente da Psicaná-lise na França, Jacques Lacan, que só podeser lido e compreendido com o necessáriodistanciamento crítico depois de assentada

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toda a poeira deixada pela “folia apocalíptica”do estruturalismo (Seixas, 1978a).

Surge então a pergunta irrespondível: oBarthes pós-estruturalista escreveria os Ele-mentos mantendo os pontos de vista de en-tão?

Sabemos que muitos são os Barthes: oque namorou a Psicanálise, a Linguística, aSociologia, a Crítica etc. O mérito maiordesse pensador francês é ter sintetizado asmudanças e controvérsias que viriam a ca-racterizar o nosso fin de siécle, tendo contri-buído para rever e superar cada uma das eta-pas e indagações do homem moderno. Oupara recolocar as indagações obsessivas.

A segunda observação a ser feita à su-bordinação da Semiologia à Linguística, pro-posta por Barthes, nos conduz novamenteao problema dos limites atribuídos a umadisciplina ou ciência. Observados os limitese a hierarquização traçados por Saussure, tan-to a Linguística quanto a Semiologia têmcampos e objetos diferentes daqueles pre-tendidos por Roland Barthes. O projetosaussuriano de uma Semiologia é mais auda-cioso do que o extraído dos Elementos, en-

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quanto a Linguística de Saussure tem tare-fas claramente definidas. Somente o desen-volvimento dos estudos semiológicos elinguísticos, isto é, somente a história, po-derá solucionar a questão epistemológica quese levanta a partir de Barthes.

Umberto Eco (1971 e 1976), ao estudaro problema do campo — e do que chama delimiar inferior e umbral superior da Semiótica— inscreve suas observações numa linha quepoderá levar à recusa da subordinação vis-lumbrada por Barthes. Desde a proposta daSemiótica da Comunicação como contrapar-te da Semiótica da Informação (ou da Signi-ficação) até a verificação de que a SemióticaGeral abrange estudos que vão da zoosemi-ótica à teoria das ideologias, a inversão bar-thesiana da formulação de Ferdinand deSaussure se torna inaceitável.

A diversidade de sistemas altamente com-plexos recusa a hipótese barthesiana de limi-tação da Semiótica ao campo linguístico. Aoadmitir o estudo das ideologias como perti-nente à Semiótica, Eco nos leva a considerarque esta disciplina tem suas fronteiras entre-cortadas com a Sociologia do Conhecimen-

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to, transcendendo os limites da investigaçãopuramente linguística. A não ser que se atri-bua à Linguística um estatuto enciclopédi-co, que abrangeria as ciências da cultura etransformaria a Linguística numa Episte-mologia do homem.

Ainda em defesa da consistência e do al-cance de sistemas semióticos outros que nãoa língua, surge o trabalho de Eliseo Verón,cientista de formação semiológica que tomaa ideologia como objeto, sem esquecer que aprodução do sentido depende do social(Verón, 1979).

A Semiótica, tal como compreendida porUmberto Eco, tem um objeto bem maisamplo do que aquele encontrado por Barthes.Além dos códigos engendrados pela socie-dade e identificados com os processos cul-turais, Eco atribui à ciência dos signos a ta-refa de estudar todos os códigos possíveis.Assim, o interesse desta ciência vai dos sis-temas formais, utilizados por computado-res e outras máquinas, aos sistemas depreen-didos pelo homem ao “ler” a informação con-tida num sintoma natural qualquer; passan-do também pelos sistemas de que os ani-

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mais se valeriam. O autor do Tratado vê, in-clusive, a possibilidade da noção de cultura esociedade vir a ser abalada com a constataçãopossível de que também os animais usam sis-temas de signos (e não apenas de sinais), oque implicaria uma revisão da exclusiva iden-tidade do humano com a inteligência do sim-bólico.

Se, por um lado, recusamos neste estudodiscutir sistemas tão diversos, preferindo si-tuar nossas observações no âmbito do quepoderíamos chamar de uma Semiologia daCultura, por outro lado, não podemos negara validade das contribuições de Eco, funda-mentais para a linha aqui adotada. Fazemosnossas as suas palavras, segundo as quais “alinguagem verbal é o artifício semiótico maispoderoso que o homem conhece; mas queexistem, não obstante, outros artifícios ca-pazes de cobrir porções de espaço semióticogeral que a língua falada nem sempre conse-gue tocar” (Eco, 1976).

Isso nos ajuda a pensar criticamente seBarthes tem ou não razão quando afirma quea Semiologia trata apenas de sistemas de in-teresse restrito, e que, quando passa a se ocu-

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par de códigos de maior alcance social, estesapenas traduzem as estruturas da língua.

Se algumas semióticas são também for-mas de conhecimento, como é o caso desemióticas estéticas como a música, a litera-tura, a pintura etc., nos parece que elas po-dem apreender o mundo de um modo diver-so daquele registrado pela língua, mesmo quetenham tomado as formas do conteúdo dalíngua como ponto de partida para o seuestranhamento e a sua superação. Restringiro modo de formar a realidade exclusivamen-te à língua histórica é negar o papel socialdos mitos, das artes e de alguns outros sis-temas que têm o poder de transgredir o es-paço, através de novos modos de compreen-der e expressar.

A partir dessas questões, convém recor-rer ao conceito de unidade cultural, que Ecotomou emprestado a Schneider e introduziuna Semiótica, para melhor compreensão doconteúdo dos signos e da sua relação com acultura onde são formados. Uma unidadecultural é um objeto construído pela cultu-ra, resultante de um modo definido de ver,sentir, compreender e formar. Evidentemen-

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te, objeto aparece aqui como tudo aquilo que,física ou moralmente, afeta e impressiona ossentidos; aquilo que serve de matéria ao exer-cício do raciocínio. Trata-se de uma entidademental (de um conceito), coincidindo, por-tanto, com o significado do signo linguísticode Saussure.

Eco compreende a estrita relação entre osemiótico e o cultural quando diz que o uni-verso das coisas e dos eventos cósmicos “nãointeressa à Semiótica”, mas interessa, sim,“o universo das noções através das quais umacultura organiza sua própria visão do mun-do” (Eco, 1971). Daí porque os signos inte-ressam à Semiótica como forças sociais, nãoimportando o problema da “verdade” ou dasua adequação aos “objetos naturais”.

Ao enfrentar a discussão sobre o univer-so do sentido, as investigações de Eco sãorelevantes ao ponto de vista aqui adotado;ele compreende que a língua não é a únicaforma de conhecimento existente, nem aúnica maneira de dar forma ao universo sim-bólico que constitui a realidade humana esocial: “enformar o universo do cognoscível,mas saber que essa forma não é definitiva e,

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portanto, admitir a predicação de várias ou-tras formas” (Eco, 1962 e 1971).

Sabemos que semióticas estéticas comoa pintura, a dança ou a música podem levar oser humano a experimentar sentimentos eimagens não ocorridos no exercício da lin-guagem verbal. Através da arte pode-se che-gar a um conteúdo construído pela própriaexpressão artística, o que nos leva a falar deum signo poético (estético ou artístico), con-trariando as afirmações de Umberto Ecodesde o livro O signo.

Ao conceber ideias ainda não experimen-tadas e que transgridem os limites do espa-ço estabelecido pela cultura, através da lín-gua, o artista não sabe precisamente o quepensa e sente; por isso, as formas tambémestabelecidas de expressar não são suficien-tes para materializar a configuração do seuser perante o outro. Ele se vê obrigado a re-correr a novas expressões e a novos conteú-dos como única maneira de atingir a nebulo-sa do pensamento que, após a predicação dasformas semióticas, constituirão uma novaface da realidade (Seixas, 1978b).

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percursoCapítulo IIPRIMEIRAS INVESTIGAÇÕES

SEMIÓTICASNA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Os sofistas, os clássicose a patrística

Os pensadores que se ocupam da teoriado conhecimento, da filosofia da linguagem,da estética e da lógica constituem os grandesmananciais da Semiologia ou da Semiótica,termos denominadores de uma mesma dis-ciplina.

Quando os sofistas trabalhavam dialetica-mente a retórica como meio de demonstra-ção da pluralidade da verdade, subordinandoo objeto do conhecimento à estrutura do dis-curso, estavam lançando os germes das pre-ocupações que, em consequência, não pode-riam estar ausentes das obras de Platão e deAristóteles.

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Apesar da submissão do pensamento oci-dental moderno aos sistemas filosóficos dosdois grandes mestres, não podemos ignorara contribuição dos sofistas, embora sempretratados de modo desdenhoso. A eles deve-mos o mérito de insistir, com a veemênciados pioneiros, na construção da verdade atra-vés da linguagem, quando deram mais ênfa-se ao processo de formação dos objetos doconhecimento do que a sua substância. Omodo de formar e ver as coisas passa a ser achave sofística, uma vez que esses filósofosrefutaram o caráter fixo e estabelecido dasconcepções.

A constituição do discurso sofístico vairepresentar, também, a constituição do mun-do, o que equivale a dizer que a realidadelinguística interfere decisivamente na cons-trução da realidade humana.

Protágoras — cuja doutrina, frequente-mente discutida por Platão, afirma que ohomem é a medida de todas as coisas — éresponsável pela não-unanimidade da ilusãoclássica da universalidade da verdade. Gra-ças ao pensamento dos sofistas a própria fi-

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losofia anti-sofística pôde trilhar, sem medode se perder, caminhos dialéticos.

O marxismo — cuja práxis partidária, aolongo do tempo, contradita alguns dos seuspressupostos filosóficos básicos — propõea verdade como uma construção permanen-te do espírito, e não como uma categoriaimutável e independente do processo histó-rico do homem (Schaff, 1964 e 1971).

Esse conjunto de constatações, ao longoda história, nos leva à formulação do princí-pio dialético segundo o qual “a verdade é acoerência das proposições verbais” (Seixas,1979), formulação esta que denuncia o com-promisso do conhecimento com os proces-sos simbólicos, instituídos pela sociedade,como fundadores da cultura.

Platão, não só nos diálogos que tratam dossofistas, da retórica e da linguagem, comotambém em outros momentos da sua obra,discute importantes problemas hoje reuni-dos e sistematizados como campo discipli-nar da Semiótica.

Aristóteles trouxe uma contribuição de-cisiva ao iniciar uma corrente do pensamen-to que, com Locke e Condillac, viria a iden-

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tificar a teoria do conhecimento com a teo-ria da linguagem. A Poética é obra funda-mental que já contém algumas das direçõesatuais dos estudos semiológicos, discutindoquestões cada vez mais pertinentes.

Desse modo, para se falar numa ciênciageral dos signos, deve-se propor como pon-to de partida uma releitura da tradição filo-sófica. Tão importantes quanto as moder-nas colocações dos filósofos e linguistas quedesencadearam a constituição da Semióticaou da Semiologia foram as investigações fi-losóficas empreendidas antes de a moderni-dade fazer a sistematização desta disciplina.

Já nos primeiros séculos da era cristã,Santo Agostinho (nascido no ano 354 e mor-to no ano 430) no diálogo De magistro, ondeaparece como protagonista ao lado do filhoAdeodato, fala do emprego dos signos comorecurso essencial para mostrar e compreen-der o mistério das coisas, destacando, assim,o papel das palavras.

A propósito, Jacques Lacan, nos seuscontundentes Seminários, dedicou a aula dodia 23 de junho de 1954 à memorável dis-cussão deste diálogo agostiniano, com a par-

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ticipação do Pe. Beirnaert e do filósofo Oc-tave Mannoni. O psicanalista não teve dúvi-das ao concluir que, para Santo Agostinho, aatividade humana “só pode existir num mun-do já estruturado pela linguagem” (Lacan,1954). Isso porque Agostinho não descui-dava do fato de que o homem vive num uni-verso simbólico, fato esse que também vaiser sublinhado nas Confissões.

É bastante significativo que Wittgenstein,um dos lógicos modernos que mais traba-lhou sobre a linguagem, tenha iniciado suasInvestigações filosóficas com a discussão deuma recordação infantil de Santo Agostinho:

“Se os adultos nomeassem algum ob-jeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele,eu percebia isto e compreendia que o ob-jeto fora designado pelos sons que elespronunciavam, pois eles queriam indicá-lo. Mas deduziu isto dos seus gestos, alinguagem natural de todos os povos, eda linguagem que, por meio da mímica edos jogos com os olhos, por meio dosmovimentos dos membros e do som davoz, indica as sensações da alma, quando

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esta deseja algo, ou se detém, ou recusaou foge. Assim, aprendi pouco a pouco acompreender quais coisas eram designa-das pelas palavras que eu ouvia pronun-ciar repetidamente nos seus lugares de-terminados em frases diferentes. E quan-do habituara minha boca a esses signos,dava expressão aos meus desejos” (Agos-tinho, citado por Wittgenstein, 1945).

Observemos que nesta passagem SantoAgostinho põe, ao lado da linguagem verbal,as outras linguagens ou os outros sistemassemióticos empregados pela espécie huma-na no processo de conhecimento e comuni-cação da sua realidade.

“Assim principiei a comunicar com aspessoas que me rodeavam, e entrei mais pro-fundamente na sociedade tempestuosa doshomens” (Agostinho, 398). Entrar na socie-dade dos homens corresponde a entrar nouniverso simbólico — eis uma constataçãojá presente no pensamento agostiniano.

Ainda no âmbito da filosofia cristã, To-más de Aquino (1225-1274) discute o quechamaríamos de natureza assemiótica de

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Deus. No Compêndio de teologia ele afirmaque Deus não compreende através de elemen-tos indeterminados, mas através da sua pró-pria essência, enquanto o ser humano neces-sita de imagens inteligíveis.

“A capacidade de compreender colocao homem acima de outros animais. Poisé óbvio que dentre os animais só o ho-mem é capaz de apreender os universais,as relações entre as coisas, as coisasimateriais, que só se percebem através dainteligência. Ora, é impossível que aintelecção seja um ato exercido por al-gum órgão corporal, assim como a visãoé exercida através dos olhos”. (Tomás deAquino, 1265).

Esta última afirmativa é fundamental paraa Semiologia e para a filosofia da linguagem,uma vez que rejeita a hipótese de que o co-nhecimento se dê diretamente através de al-gum órgão, deixando espaço para o queCassirer viria a chamar de “formas simbóli-cas”.

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Falando ainda das “imagens”, São Tomásintui que “será necessariamente através dealguma substância imaterial que o homemcompreende”. Embora seu raciocínio impli-que sempre questões teológicas, não se podedeixar de encontrar aí a distinção semióticafeita por ele entre os animais, o homem eDeus. Enquanto os animais classificadoscomo irracionais estariam aquém do simbó-lico e da compreensão, os homens estariamsubmetidos a elas, e Deus estaria além delas— porque é considerado, ao mesmo tempo,o objeto e o símbolo, a potência e o ato, overbo e a carne, o significante e o significa-do, o princípio e o fim.

Na Suma teológica aparecem algumas re-flexões em torno das relações entre lingua-gem e cognição, evidenciando o modo limi-tado e parcial do conhecimento humano:“Um ser é nomeado por nós conforme omodo pelo qual o compreendemos.” A lin-guagem, para Tomás de Aquino, atuariacomo um registro da forma da percepçãohumana, o que equivale à afirmação dos mo-dernos linguistas de que a língua é a formapela qual o homem vê o mundo e o traz den-

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tro de si. De certo modo, também somosremetidos ao pensamento de São Tomásquando lemos a constatação da lógica neo-positivista: “Os limites da minha linguagemdenotam os limites do meu mundo” (Witt-genstein, 1918).

Tomás de Aquino compreendeu que aspalavras não são simples sinais, mas signos.

Chamamos aqui de sinal a uma manifes-tação, a uma coisa que representa outra coi-sa, ao passo que o signo se refere a um con-ceito ou compreende um conceito aliado auma manifestação.

Enquanto o sinal é uma coisa que está nolugar da outra, como, por exemplo, a fuma-ça que pode ser sinal do fogo, o signo é oresultado de uma operação mental bem maiscomplexa, através da qual se atribui uma ex-pressão a um conteúdo, a um modo de com-preender algo. Observe-se que as diversasespécies animais reagem frequentemente aossinais, enquanto o processo sígnico instaurao universo dos animais simbólicos, a partirdo homo sapiens.

Vejamos que São Tomás, mesmo semutilizar esta distinção terminológica (que só

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ficou inteiramente clara após Ferdinand deSaussure), percebe que “os nomes não se-guem o modo de ser real das coisas, mas oque existe no nosso conhecimento” (Tomásde Aquino, 1273). A língua não é uma sim-ples lista de nomes correspondentes aos ob-jetos nomeados, porque os signos são mo-dos de conceber e constituir o próprio obje-to a ser conhecido. Quando os falantes dalíngua portuguesa utilizam o signo saudadeeles não recorrem a um conjunto de sons pararepresentar um objeto já constituído, mas éa própria língua que constitui esse objeto,traçando seus limites de acordo com a expe-riência dos falantes da língua.

Tanto isso é verdade que encontramosdificuldades para traduzir um texto de umalíngua para outra, especialmente quando nosdeparamos com construções para as quaisnão existem formas de percepção correspon-dentes. Cada língua não é um mero instru-mento de comunicação de uma realidade hu-mana ou social, mas também o instrumentobalizador da construção dessa realidade.Constituir e comunicar são faces de umamesma moeda. Negligenciar tal compromis-

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so entre a forma de dizer e aquilo que é ditosignifica compreender de modo incompletoe equívoco o papel da comunicação.

Vico e a ciência nova

Os filósofos medievais tiveram em geralgrande interesse pelo estudo da palavra e dosoutros modos de expressão, talvez emconsequência da herança deixada pelos ju-deus, no Antigo Testamento, onde Moiséscoloca o verbo como elemento da criação:“E disse Deus: Haja luz. E houve luz.” Ouainda: “E disse Deus: Produza a terra ervaverde (...). E assim foi.”

Já no Novo Testamento, São João escre-ve, na esteira das velhas escrituras: “No prin-cípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus,o Verbo era Deus”. Ou, mais adiante: “E oVerbo se fez carne, e habitou entre nós”.

Assim é que um católico italiano, cujosprimeiros estudos foram feitos com padresjesuítas, estruturou a sua Ciência nova a par-tir da linguagem. Giambattista Vico (1668-1744) encontrou na língua — e na lingua-

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gem em geral — os mitos, as fábulas e tradi-ções que constituem a expressão do espíritohumano. Partindo do princípio de que tudoque o homem sente, pensa e produz, nummomento da sua história, mantém ligaçõesentre si e forma unidades estruturais, o filó-sofo toma o estudo da linguagem como pon-to de convergência para a compreensão detodos esses fatos. Procura, assim, unir a Fi-losofia e a Filologia (diríamos, hoje, a Lin-guística), ao lado dos estudos do simbólico.

Para Vico, a história da humanidade émercada por três momentos distintos: a ida-de dos deuses, a idade dos heróis e a idade doshomens. Todos os povos passariam por es-sas etapas de desenvolvimento, sendo que aprimeira estaria ligada a uma espécie de lin-guagem pré-simbólica, onde a comunicaçãose daria mediante sinais e caracteres natu-rais, isto é, constituídos a partir de indica-ções diretas dos objetos. A segunda já seriamarcada pela presença do simbólico, quan-do toda comunicação depende de imagens,metáforas e demais recursos necessários aosintentos heroicos. Finalmente, a terceira éonde aparece “a língua humana, mediante

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vocábulos convencionados pelos povos”(Vico, 1725).

Ele acredita que o homem, num estadoprimitivo, não dominava ainda os processosde simbolização, passando depois para umestádio de uso de imagens e figuras impreci-sas, até chegar a um sistema de convenções.Essa compreensão da linguagem e da sua gê-nese é retomada mais tarde por Rousseau,podendo ser descrita a partir da seguinte hi-pótese:

Numa etapa inicial, o homem procurariamanter um contato direto com os objetos domundo, constituindo o conhecimento tão so-mente na relação do sujeito com um objetoparticular (e não com todos os objetos da mes-ma espécie). Seria uma forma semelhante oupróxima à dos animais, que conhecem umapedra determinada, ou uma árvore determina-da, sem operar o processo de generalização.

Em seguida, o ser humano começaria aperceber difusamente a relação existente en-tre os objetos de uma mesma classe; e essapercepção, difusa e imprecisa do mundo,implicaria uma forma de expressão tambéminexata, metafórica.

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Vico conclui que “os primeiros povos dagentilidade, por uma comprovada necessida-de natural, foram poetas, e falaram por figu-ras poéticas”. Ele entende por linguagempoética uma formação aberta dos conteúdos,tomando a metáfora como modo de captare, ao mesmo tempo, de expressar uma reali-dade apreendida de forma também incom-pleta. Há uma observação feita na introdu-ção dos seus Princípios de uma ciência novabastante sugestiva, segundo a qual os misté-rios dos oráculos eram, em todas as cultu-ras, revelados em versos, bem como os mis-térios da sabedoria popular se escondiam nasfábulas.

Isto quer dizer que o recurso utilizadopela poesia é um instrumento de formação ecompreensão de coisas novas. Ou melhor, overso estaria a serviço de uma formação darealidade ainda desconhecida.

A moderna Semiologia toma tanto a lín-gua quanto a arte e o mito como formas deconhecimento, e podemos constatar que alíngua delimita a realidade de modo relativa-mente preciso, estabelecendo entre os seus

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usuários um acordo quanto a forma de veros objetos.

Assim, podemos também comunicar demodo relativamente preciso as nossas per-cepções, utilizando as categorias e classifica-ções mediante as quais a língua compreendee enforma o mundo.

No entanto, quando estamos diante defatos novos, não convencionados pelo espa-ço social da realidade, necessitamos de umalinguagem diferente daquela já estabelecida,não só para apreender os novos aspectos darealidade como também para expressá-los aosoutros homens.

Quando o poeta utiliza metáforas e ou-tras figuras no seu texto, ele não busca ador-nos para a linguagem, mas assim procedeporque só consegue dizer o novo de modonovo. É como se as palavras usadas de for-ma habitual fossem insuficientes para darvida e expressão a uma coisa, ou a uma per-cepção, inteiramente novas.

É evidente que, em muitos escritores, adesautomatização da linguagem é apenas umenfeite, um revestimento elegante, ornamen-tal. Mas a grande literatura se faz com ideias

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novas e sentimentos novos que, consequen-temente, só podem ser expressos de ummodo novo, porque os modos estabelecidosestão comprometidos com as velhas concep-ções, não permitindo, portanto, a formaçãode outros conteúdos. Pode-se dizer, semdúvida, que todo modo de formar está com-prometido com a realidade enformada e in-formada (Eco, 1962).

Os estudos de Vico não se restringemapenas à linguagem verbal, sendo importan-tes para a Semiótica porque procuram com-preender tanto essa forma de linguagemquanto os demais sistemas como aspectosde um processo mais geral e comum à espé-cie humana. A língua, a escrita, os hieróglifos,as medalhas, as moedas e, enfim, as leis ecostumes foram compreendidos como fatossimbólicos, isto é, como códigos semióticos.

Modernamente, Roland Barthes, no livroMitologias, graças à influência de Saussure,estuda costumes, alimentação, vestuário, etc.como fatos semióticos, considerando todoe qualquer objeto como signo da sua própriafunção. De certo modo, ao falar das moedase das medalhas ou ao interpretar uma men-

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sagem constituída por uma série de objetos,Vico leva em consideração a função do obje-to para chegar à sua “leitura”, prenunciandoos modernos estudos do simbólico.

A história registra o episódio da declara-ção de guerra feita por Dario a Idantura, reidos citas. A resposta do rei cita foi levadapor um mensageiro e era constituída de cin-co objetos: uma rã, um rato, um pássaro,um dente de arado e um arco de flecha.

Vejamos como Vico faz a leitura destediscurso não-verbal:

“A rã indicava que ele nascera na terrade Cítia, como na terra nascem, com aschuvas de verão, as rãs, sendo ele, pois,filho daquele terra. O rato indicava queele, como o rato, ali onde nascera cons-truíra a sua casa, isto é, ali construíra asua gente. O pássaro indicava que ali ti-nha os auspícios, isto é, como iremos ver,não estar ele sujeito senão a Deus. O ara-do simbolizava ter ele, ali, reduzido asterras à cultura, e as ter, pela força, do-minado e feito suas. E finalmente, o arcode flechas significava que ele dispunha na

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Cítia do sumo domínio das armas, demodo a dever e poder defendê-la” (Vico,1725).

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percursoCapítulo IIIA SEMEIOTIKÉE A TEORIA DO

CONHECIMENTO

Locke e a criaçãoda Semeiotiké

Uma significativa contribuição aos estu-dos semióticos de ontem e de hoje foi trazidapor John Locke (1632-1704) no Ensaio acer-ca do entendimento humano, onde propõe aSemeiotiké como um dos três grandes ra-mos das ciências. Embora como sensualistaprivilegiasse os sentidos e as experiênciasobjetivas, Locke percebeu que o ser humanonão possui o dom da linguagem apenas por-que é capaz de articular sons, mas porquetem “habilidade para usar esses sons comosinais de concepções”.

Ao estudar o conhecimento humano, ofilósofo inglês relacionou a investigação das

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ideias ao estudo das palavras e do significa-do. Na sua obra, encontramos reflexões, acer-ca dos signos, que resistiram ao tempo e aindaapresentam consonância com a Linguísticamoderna. Ele afirma que as palavras se refe-rem às ideias e não aos objetos naturais, sen-do um precursor de Saussure ao falar na ar-bitrariedade do signo:

“Seu significado, perfeitamente atri-buído, não é a consequência de uma co-nexão natural. As palavras, pelo longo efamiliar uso, como foi dito, estimulamnos homens certas ideias tão constante eprontamente que estes são aptos parasupor uma conexão natural entre elas. Éevidente, porém, que elas denotam ape-nas ideias peculiares dos homens, e poruma perfeita imposição arbitrária, poiselas frequentemente deixam de estimu-lar em outros (mesmo se usam a mesmalíngua) as mesmas ideias que nós as con-sideramos como seus sinais; e todo ho-mem tem liberdade tão inviolável paraformar palavras para significar ideias aoseu agrado como ninguém tem o poder

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para obrigar outros a ter as mesmas ideiasem suas mentes quando, como ele, usamas mesmas palavras.” (Locke, 1690)

Nesta passagem, John Locke vai além daquestão da arbitrariedade do signo, refletin-do sobre a diversidade de formações do con-teúdo e nos remetendo ao funcionamento dosigno verbal quando operado no texto literá-rio. Na literatura, o signo está sujeito, maisdo que em outras circunstâncias linguísticas,às variações quanto ao plano do conteúdo.

Ele percebeu que o sinal, ou o som daspalavras, (o significante, como diríamos ago-ra) não se refere a um objeto de mundo físi-co, mas à ideia que o usuário do signo fazdesse objeto. De certo modo, pode-se cons-tatar que ele via as ideias como signos inter-nos das coisas e as palavras como signosmateriais ou externos desses signos interio-res.

Bem verdade que a Semiótica modernaformularia a questão de outro modo, mas aintuição de Locke não é desprovida de vali-dade lógica, principalmente se levarmos em

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conta o fato de, mesmo na filosofia da lin-guagem, o conceito de signo não estar clara-mente assentado. Por isso, as contribuiçõesde Saussure e Hjelmslev funcionam comoverdadeiros marcos para a Semiologia e paraa Filosofia. Mesmo Peirce, que se considerao fundador da Semiótica, não atribuiu ao sig-no o conceito de processo ou de função, por-que continua identificando o signo com osinal, ou com o representamem.

Mas deixemos esta questão para depois,ficando ainda com Locke que vê a linguagemcomo instrumento de conhecimento, tendopor isso mesmo dividido o seu Estudo acer-ca do entendimento humano em quatro li-vros assim denominados: Livro I - “Nem osprincípios nem as ideias são inatas”, Livro II- “As ideias”, III - “Palavras”, IV - “Conhe-cimento e opinião”. Observe-se que a dis-posição da matéria já apresenta um sumáriodo ponto de vista do filósofo, partindo dadiscussão a respeito da natureza inata ou ad-quirida das ideias, passando pelas palavras,que seriam os instrumentos de aquisição doconhecimento e de operacionalização das

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ideias, e chegando ao conhecimento e à opi-nião.

Num momento em que se tinha comotranquila a aceitação da natureza inata dasideias, a obra de John Locke representou umimportante passo para a revisão do proble-ma. Lembre-se que o Ensaio foi publicadoem 1690, quarenta anos após a morte deDescartes, um dos principais responsáveispela tese do inatismo, que vem desde Platão.Atribui-se o interesse de Locke pelo estudodo problema ao livro O verdadeiro sistemaintelectual do universo, de Cudworth, umdos filósofos de Cambridge mais concei-tuados na época, dentro da escola platônica.

Ralph Cudworth (1619-1688) susten-tava que a demonstração da existência deDeus dependia do pressuposto segundo oqual as ideias dos homens são inatas, isto é,que são depositadas na alma. Ele recusava,portanto, a hipótese de que essas ideias deri-vam da experiência — porque o empirismo,no dizer de Cudworth, conduz diretamenteao ateísmo.

Como podemos observar, a defesa doinatismo está sempre relacionada a proble-

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mas teológicos, tanto no caso de Cudworthquanto de outros defensores dessa concep-ção (Seixas, 1981). Locke, portanto, vai re-jeitar a concepção das ideias inatas, afirman-do que o espírito humano é como um papelem branco, onde a experiência e a reflexãofuncionam como fontes do conhecimento.Como consequência dessa sua tese, ele abor-da as relações entre linguagem e pensamen-to, dizendo que “a maioria dos homens, se-não todos, em seus pensamentos e raciocí-nios consigo mesmos, faz uso de palavrasem lugar de ideias” (Locke, 1690).

As ideias que alguns nomes significam,sendo em grande parte indeterminadas ecomplexas, não se prestam facilmente àagilização do pensamento, enquanto as pala-vras, pela sua materialidade, acorrem muitomais facilmente, atuando como instrumen-tos balizadores do raciocínio e possibilitan-do o avanço das proposições mentais.

Para Locke, é tão relevante o papel de-sempenhado pelas palavras no processo cog-nitivo que ele as chama de “grandes condu-tores da verdade e conhecimento, sendo es-tas que transmitem e recebem a verdade, e,

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geralmente, raciocinam acerca disto”. O fi-lósofo não atribui apenas à linguagem e àspalavras a função cognitiva, que é desempe-nhada também por outros sistemas e sig-nos, mas percebe que, ao menos, elas “en-curtam nosso caminho para o conhecimen-to”.

O Ensaio acerca do entendimento huma-no termina com a proposição de três gran-des classes que dividem as ciências; e aí apa-rece pela primeira vez na história da filoso-fia, a ideia da criação da Semiótica (Semeioti-ké). A esta caberia, segundo Locke, o estu-do dos caminhos e meios pelos quais o co-nhecimento é apreendido e comunicado,compreendendo, portanto, não só a línguacomo os demais sistemas simbólicos utili-zados pelo homem como forma de conhecere transmitir os fatos que constituem a reali-dade.

Vejamos suas próprias palavras sobre ostrês ramos da classificação das ciências:

“O terceiro ramo pode ser denomi-nado semeiotiké, ou a doutrina dos sinais;o mais usual são as palavras, e isto é ade-

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quadamente denominado também logiké,lógica, cuja função consiste em comuni-car a natureza dos sinais que a mente uti-liza para o entendimento das coisas, outransmitir este conhecimento a outros.Pois, desde que as coisas que a mentecontempla não são nenhuma delas, alémde si mesmas, presentes no entendimen-to, é necessário que algo mais, como osinal ou representação da coisa conside-rada, deva estar presente nele, e estas sãoas ideias. E porque a cena das ideias queformam o pensamento de um homem nãopode estar inteiramente aberta à inéditavisão de outrem, nem situada em nenhumlugar, a não ser em sua memória, [que é]um não muito seguro repositório; por-tanto, para comunicar nossos pensamen-tos mutuamente, assim como para regis-trá-los para nosso próprio uso, sinais denossas ideias são igualmente necessári-os; estes que os homens descobriram sermais convenientes, e, portanto, geralmen-te os usam, são os sons articulados. Aconsideração, pois, das ideias e palavrascomo os grandes instrumentos do conhe-

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cimento não representa aspecto despre-zível da contemplação de quem observao conhecimento humano em toda a suaextensão. E, talvez, se fossem distinta-mente pesados e devidamente considera-dos, nos oferecessem outro tipo de lógi-ca e crítica, diferente daquele que até ago-ra temos nos familiarizado”. (Locke,1690).

Não resta dúvida, portanto, que o En-saio acerca do entendimento humano, deLocke, é o primeiro grande tratado de Semi-ótica ou de Semiologia, entendida como dis-ciplina que estuda os processos de aquisiçãoe comunicação do conhecimento, entendi-mento convergente e bem compatível com oatualmente adotado.

Leibniz, Condillace os sistemas simbólicos

Leibniz (1646-1716) dedicou parte doseu trabalho à contestação da filosofia de

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Locke, tendo inclusive escrito os Novos en-saios sobre o entendimento humano para ne-gar os argumentos lockeanos. Esse livro obe-dece à mesma divisão e igual temática doEnsaio acerca do entendimento humano, deJohn Locke, sendo concebido como um diá-logo entre dois personagens dissidentes,Filaleto e Teófilo. O primeiro é um leitor deLocke, defensor das suas avançadas ideias, eo segundo representa o próprio ponto de vis-ta de Leibniz que, já no prefácio da obra,traça o dissídio entre os dois sistemas: “Odele se relaciona mais com Aristóteles, o meuradica mais em Platão”.

No Discurso de metafísica, Leibniz voltaa se referir à sua filiação platônica, quandodefende a concepção das ideias inatas e recu-sa os fundamentos do empirismo:

“Aristóteles preferiu comparar a nos-sa alma a pequenas tábuas ainda vazias,onde há lugar para escrever, e sustentounada existir no nosso entendimento quenão venha por meio dos sentidos. Temessa afirmação a vantagem de ser maisconforme as opiniões do vulgo, como é

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de uso em Aristóteles, ao passo que Pla-tão vai mais ao fundo” (Leibniz, 1686).

Nessa obra declaradamente contrária aoconhecimento empírico e ao saber popular,ele se lança em defesa dos escolásticos e detoda filosofia medieval que procurava com-preender o mundo a partir da necessidade dejustificação da existência do Deus cristão.Ao defender a teoria segundo a qual as ideiassão inatas e já existem gravadas na mentehumana, Leibniz não acrescenta argumentosdiferentes daqueles encontrados pelosinatistas que lhe precederam, dizendo que

“a alma contém originalmente princípiosde várias noções e doutrinas que os obje-tos externos não fazem senão despertarna devida ocasião, como acredito eu, naesteira de Platão e até da Escola, e junta-mente com todos aqueles que entendemneste sentido a passagem de São Paulo(Rom., 2, 15), onde o Apóstolo assinalaque a lei de Deus está escrita nos nossoscorações” (Leibniz, 1686).

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Como se vê aqui, a reverência absolutaàs narrativas e alegorias bíblicas e à interpre-tação mecânica, ditada pelo reducionismomedieval, forneceram dados para a defesa dateoria das ideias inatas; muito embora nãose possa negar que foi o mesmo autor quemprocurou dar consistência filosófica às con-cepções inatistas, ao retomar essa doutrinade modo menos radical. Leibniz propunhaque se considere a presença das “ideias e dasverdades” inatas como “inclinações, dispo-sições, hábitos ou virtualidades naturais, enão como ações”. Dessa forma, a experiên-cia, vista por Locke como a fonte de todoconhecimento, não contentaria empiristas einatistas.

No que diz respeito à Semiótica, a con-tribuição de Leibniz não vai além da repeti-ção de algumas colocações feitas por Locke,procurando, sempre que possível, refazer asafirmações do autor do Ensaio acerca do en-tendimento humano.

No artigo intitulado “O que é ideia” elediz não ser necessário que aquilo que expri-me seja semelhante à coisa expressa, tentan-

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do ainda fazer uma distinção entre os diver-sos signos semióticos: “Verifica-se tambémque algumas expressões têm fundamento nanatureza, ao passo que outras, ao menos par-cialmente, são arbitrárias, como é o caso dasexpressões que se fazem pelas palavras oraisou pelos símbolos escritos.” Já nos Novosensaios, contrariando Locke, procura, atra-vés das onomatopeias (que são formadas apartir do som dos objetos representados),negar o caráter arbitrário das palavras, ten-tando ainda atribuir aos fonemas, ou ao somdas letras, uma relação com determinadassituações naturais.

Deixemos então as contestações de Leib-niz ao avanço da Filosofia trazido por Locke,ao acentuar a submissão dos estudos filosó-ficos aos pressupostos teológicos, e passe-mos a outras contribuições consideradasmais fecundas para o estudo dos processossimbólicos do animal feito homem.

Curiosamente, o empirismo de Locke setornou conhecido na França através da obrade um religioso, o abade Étienne Bonnot deCondillac (1715-1780). Era de se esperar queum sacerdote cristão se filiasse à corrente

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dos defensores das ideias inatas, entre asquais, além de Platão, se destacam SantoAgostinho e Descartes, o que não ocorreucom Condillac, desenvolvendo seu pensa-mento liberto dos compromissos teológicose sem sacrificar as hipóteses filosóficas àconstante necessidade de demonstração daexistência de Deus.

Algumas das posições de Condillac po-dem ser concebidas dentro de uma orienta-ção materialista, embora o autor tenha to-mado o cuidado de promover a suacompatibilização com o idealismo religioso,como era conveniente à sua condição de sa-cerdote. Mas isso não afetou o caráter cien-tífico das suas especulações, pelo menos, noque diz respeito às obras aqui referidas.

No Tratado dos sistemas, Condillac ante-cipa algumas proposições do positivismo ede toda uma tendência cientificista que viriaa marcar o pensamento dos fins do séculoXIX e início do século XX, tanto na Filoso-fia e na Lógica, quanto nas diversas ciênciashumanas, como é o caso da Antropologia deLévi-Strauss, da Psicanálise de Lacan, da

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Linguística, da Teoria da Literatura e daSemiótica.

A noção de sistema proposta por Con-dillac se aplica, não apenas às ciências físicase exatas, mas a toda especulação filosófica ecientífica no campo das humanidades. Umsistema não é outra coisa que a disposiçãodas diferentes partes numa ordem onde elasse relacionam mutuamente, sendo que cadauma é responsável pelo equilíbrio do todo(Condillac, 1753). Desse modo, ele forjouuma máxima célebre: “Uma ciência bem tra-tada é um sistema bem feito.” A coerênciaestrutural é reconhecida como a base orgâ-nica de uma disciplina, consistindo nisto asua principal qualidade.

Por outro lado, a sistematização exigidapor Condillac para as ciências implica a cla-reza dos princípios e dos resultados obtidos.O filósofo recusa o pensamento de algunsestudiosos que acham impossível expor cla-ramente determinados assuntos:

“Somos, comumente, levados a crerque abstrato e difícil são a mesma coisa:

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eis o que eu não compreendo. Mas com-preendo que há escritores que não pode-mos entender, não porque eles sejam abs-tratos, mas porque não sabem analisaras ideias abstratas que eles formam; duascoisas que não se devem confundir. Se,como acredito ter demonstrado, uma ci-ência bem tratada é uma língua bem fei-ta, não há ciência que não deva estar aoalcance de um homem inteligente, por-que toda língua bem feita é uma línguaque se estende. Se vocês não entendemnunca, é porque eu não sei escrever, e selhes acontece, algumas vezes, não me en-tender é porque, algumas vezes, escrevomal” (Condillac, 1749).

Essas lições foram retomadas por Witt-genstein ao pretender condensar todo o sen-tido do seu livro mais notável, o Tractatuslogico-philosophicus, na certeza de que, se-gundo sua própria afirmação, o que pode serdito, o pode ser claramente; e o que não sepode falar deve-se calar (Wittgenstein, 1918).O autor do Tractatus propunha que as ideiasque não estivessem suficientemente claras

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para serem compreendidas não fossem ex-postas com pretensões científicas ou filosó-ficas, devendo ser amadurecidas até alcança-rem um grau de clareza e sistematização porsi mesmo comunicável.

No livro A língua dos cálculos, Condillacidentifica a linguagem com o pensamento,afirmando categoricamente que a gramática,entendida como estudo da língua, e a lógica,como disciplina do pensamento, não consti-tuem dois ramos diversos do saber, mas sãopartes de uma mesma ciência. O desenvol-vimento do raciocínio e da linguagem sãoprocessos inseparáveis; Condillac não admi-te que seja possível uma operação mental in-dependente de uma operação semiótica. Alíngua histórica, a álgebra e outros sistemassão meios de desenvolvimento do raciocínio,e o desempenho das operações mentais de-pende da adequação do sistema ou da lin-guagem utilizados aos fins pretendidos.

Os objetos do conhecimento são, porconseguinte, um resultado dos processossimbólicos que selecionam nos objetos danatureza os aspectos a serem conhecidos.Diferentes expressões representam a mes-

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ma coisa sob diferentes relações, percebeCondillac, demonstrando que o indivíduoadota uma perspectiva, consciente ou incons-cientemente, determinada pelos seus objeti-vos ou do grupo a que pertence. O objetoconhecido será uma soma desses fatores psí-quicos e sociais.

Na obra intitulada Lógica ou os primei-ros princípios da arte de pensar, ele reafirmaa necessidade de incluir problemas de lingua-gem e pensamento num mesmo campo ci-entífico, subordinado de modo radical aconstrução da realidade humana aos proces-sos simbólicos e, especialmente, à língua:

“Mas o que é no fundo a realidade senãouma ideia geral e abstrata que existe em nos-so espírito?” – pergunta esse antecipador detais fundamentos das obras de Wittgenstein,de um lado, e de Heidegger e Lacan, do ou-tro; para responder, em seguida: “É apenasum nome” (Condillac, 1780).

A partir dessa afirmação de que a reali-dade humana e social é uma entidade abstra-ta e geral, simbólica, portanto, o filósofoanalisa o papel da linguagem verbal no co-nhecimento, inferindo que, se não dispusés-

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semos de denominações, não teríamos ideiasabstratas, gêneros nem espécies e, por con-seguinte, não poderíamos raciocinar sobrenada, porque o próprio pensamento se cons-titui através de classificações: “Falar, racio-cinar, fazer ideias gerais ou abstratas é en-tão, a mesma coisa e esta verdade, por sim-ples que seja, poderia passar por uma desco-berta” (Condillac, 1780).

A filosofia da linguagem nas suas formu-lações mais avançadas tem suas bases pos-tas no pensamento de Condillac, que foi ogrande continuador da inestimável revoluçãodo pensamento filosófico empreendida porLocke. A compreensão e a reflexão críticadas ideias mais atuais passam, por conseguin-te, pela leitura de ambos os autores.

Não esqueçamos, portanto, que Con-dillac, apesar das suas incertas certezas reli-giosas, cultivava a – então insidiosa – sus-peita que a realidade é apenas um nome.

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A constituição do discurso sofís-tico vai representar, também, aconstituição do mundo, o que equi-vale a dizer que a realidade lin-guística interfere decisivamente naconstrução da realidade humana.

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percursoCapítulo IVO SÍMBOLO E O SIGNO

Símbolo e signo,representação e sinal

O conceito de signo, ao longo da históriada filosofia e da ciência, se confunde com osdiversos sentidos atribuídos a termos comosímbolo, representação e sinal.

O símbolo é, às vezes, compreendidocomo uma entidade figurativa que represen-ta uma outra coisa ou ideia, tanto devido àssuas características quanto a uma conven-ção. Assim, a cruz e o peixe são símbolos docristianismo, do mesmo modo que a combi-nação de uma foice e um martelo simbolizao comunismo, com a sua ideologia de valo-rização do trabalho.

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Observe-se que, além da convenção so-cial que estabelece essas relações simbólicas,existe uma motivação para a escolha de taisobjetos como símbolos: o peixe está ligadoaos relatos bíblicos das andanças de Cristo,como “pescador de almas”, e a cruz foi o seuelo com o calvário; por outro lado, a foice eo martelo são instrumentos de trabalho doproletariado. Em tais casos, a convenção queinstitui os símbolos não se faz arbitrariamen-te, mas levando em conta uma certa relaçãoentre a coisa evocada e o meio de evocação.Nesse sentido, o símbolo é uma representa-ção ou uma figuração de uma outra coisa ouideia, graças a um elo de proximidade qual-quer.

Contrariamente, no caso da arte (dossímbolos estéticos ou poéticos), o símbolonão é uma mera representação, porque nocontexto da criação artística ele evoca e, decerta forma, também constitui um modo desentir ou de pensar indefinido e inusitado.Aí, ele deixa de ser apenas um correlato, umsubstituto figurativo, sendo um modo decaptar e expressar o captado-construído.Nesse caso, o símbolo pode ser chamado de

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signo, na acepção semiológica de inspiraçãosaussuriana.

Já o termo sinal é usado tanto como cor-respondente à palavra representação, quantono sentido de indício ou de sintoma, assimcomo também aparece em lugar de signo. Adistinção entre os dois termos, no entanto,é útil para a Semiologia da Cultura. Enquan-to o sinal é uma coisa que está em lugar deoutra — como, por exemplo, nuvens carre-gadas, que podem ser sinais de chuva —, osigno não se reduz a uma simples equivalên-cia (ou a uma mera substituição de uma coi-sa por outra), mas é o resultado de uma ope-ração mental, através da qual os indivíduossocialmente organizados atribuem uma ex-pressão a um conceito. O signo contém emsi o registro de uma experiência, ou de umprocesso, operados por uma sociedade, comoveremos nos capítulos seguintes.

Observe-se, no entanto, que mesmo otermo signo é empregado em diversas acep-ções, algumas das quais diferindo muito daque é utilizada pela Linguística moderna. ASemiótica de Peirce e a moderna Semiótica,em geral, mesmo se valendo dos ensinos

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saussurianos, estendem o conceito de signoaquém e além daquele que foi, cuidadosa-mente, estabelecido por Saussure.

* * *

Independente de tais distinções, úteis enecessárias, podemos observar o conjunto defatos e objetos que constitui o universo so-cial e psicológico de mulheres e de homenscomo predominantemente simbólico ousígnico, no sentido lato. Os mais simplesobjetos da nossa vida cotidiana terminamfuncionando também como “signos” de al-guma coisa. Se, inicialmente, o homem lan-çou mãos dos trajes como proteção para ofrio ou para o sol, posteriormente, o vestuá-rio somaria à sua função original a funçãosígnica, isto é, além de vestir, serviria paradistinguir o macho da fêmea, o padre do sol-dado, o colegial do operário, o nobre do po-bre...

Assim, o modo de vestir funciona como“signo” da classe social, do sexo, da profis-são etc. Um automóvel, além de meio detransporte, pode ser um “signo” do status,

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da forma de vida ou do próprio universo devalores do indivíduo. Uma joia pode ser vis-ta como um enfeite ou como um “signo” daposição econômica e social do usuário. Aprópria existência do sistema da moda des-loca a função prioritária de vestir, dando ên-fase à função de representar os anseios domanequim: o modo de vestir significa essen-cialmente o modo como o indivíduo é ougostaria de ser, conotando seus desejos, suasambições e a posição social que ele ocupa ouimagina ocupar.

Por outro lado, a buzina de um carro, achaminé de uma fábrica, a cigarra de um apar-tamento, a seta luminosa de um elevador, asirene de uma ambulância, ou um modo deolhar, quando passam a ser percebidos comoexpressões de uma ideia qualquer, ganhamimediatamente o estatuto sígnico (nesse sen-tido lato de “signo”, entre aspas). A buzinado carro é para o homem civilizado equiva-lente a uma expressão: não atravesse a rua,ou olhe, ou tenha cuidado, ou ainda, podeser um chamado, uma advertência ou umagradecimento de um motorista a outro; ouuma forma de cortejo a alguém que passa

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etc. Um olhar, igualmente, pode significardiversas coisas — assim como um gesto ouaté mesmo o silêncio, várias vezes converti-do em “signo”, em oposição ao não silenciar.O próprio homem termina se convertendonum signo de si mesmo; passando a ser, pri-meiramente, descodificado, traduzido, parasó depois ser visto como homem: ser senti-do, ser amado ou ser odiado. Cada vez mais,transeunte de uma cidade de signos, o ani-mal dito homem perde o contato direto, na-tural (animal) com o outro homem, adqui-rindo junto à sua condição civilizada as len-tes semióticas, ou a capacidade de ver, de sen-tir e de compreender através dos signos.

Roland Barthes, após a leitura do livropóstumo de Saussure, procurou estudar asrepresentações coletivas, a cultura e seus fa-tos e objetos como signos, ou sistemas designos. Dos diversos textos publicados emjornais e revistas, analisando a vida cotidianado povo francês, nasceu o livro Mitologias,base e fundamento empírico das teoriassemiológicas que o autor viria a desenvolver.Ele terminou encontrando semelhanças en-tre a organização dos diversos sistemas que

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constituem o diassistema da cultura, com osistema da linguagem verbal, propondo omodelo linguístico como capaz de se ajustara todos os demais processos sociais. Se noestudo da língua temos uma sintaxe que im-põe regras de concordância e de restriçõesseletivas, no estudo dos vários sistemas semi-óticos podemos encontrar fatos equivalen-tes. A sintaxe da moda não permite que seuse um vestido de noite, ou um paletó, comtalhe para grandes ocasiões, combinados comuma sandália de praia e um caçuá de palhatrançada, pendurado a tiracolo. Por isso, Bar-thes fala em relações sintagmáticas que pre-sidem aos sistemas depreendidos pela Semio-logia (Barthes, 1964b), reforçando seus ar-gumentos em favor de um “imperialismolinguístico” traduzido pela crença segundo aqual os princípios da Linguística são aplicá-veis às demais ciências humanas.

Peirce: índice,ícone e símbolo

O filósofo norte-americano Charles San-ders Peirce, conforme já vimos, se considera

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um pioneiro da ciência das semioses, por eledenominada de Semiótica. Definindo a semi-ose como uma operação envolvendo, conjun-tamente, três sujeitos: o signo, o objeto e ointerpretante; ele sustenta a sua teoria emtricotomias básicas, como faz igualmente aoclassificar os signos. Na segunda das trêstricotomias classificatórias, ele divide os sig-nos em ícones, índices (ou indicadores) e sím-bolos.

O ícone é um tipo de signo que se refereao objeto, tendo em vista uma relação deidentidade recíproca. Desse modo, para aexistência do ícone é necessária a existênciareal do seu objeto (o que não ocorre com osímbolo peirceano). Numa tentativa de sim-plificar as ideias de Peirce, para fins expositi-vos, digamos que a balança é um ícone dajustiça, assim como a coruja pode ser vistacomo um ícone do saber e da reflexão.

Os exemplos tomados no item precedente(“Símbolo e signo, representação e sinal”)para ilustrar a noção genérica de símbolocorrespondem, na teoria peirceana, ao ícone:tem-se a cruz, o peixe, a foice e o martelocomo exemplos de símbolos, segundo a acep-

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ção mais comum, e chamamos atenção parao fato de existir uma motivação para a esco-lha desses e não de outros símbolos para ocristianismo e o comunismo, embora tal mo-tivação esteja submetida a uma convenção.Em termos peirceanos, isso se aplica ao ícone;que, apesar de ser motivado, tal liame não seimpõe por si mesmo, dependendo de umaconvenção capaz de legitimá-lo:

“Em oposição às teorias que susten-tam a naturalidade dos signos icônicos,existem demonstrações satisfatórias dasua convencionalidade. Vários são osexemplos de artistas que realizaram “imi-tações” que nos parecem hoje perfeitas eque, ao aparecerem pela primeira vez, fo-ram refutadas como ‘pouco realistas’.Significa isto que o artista inventara umtipo de transformação segundo regrasainda não adquiridas pela comunidade”(Eco, 1976).

Não se deve perder de vista que, tantonos diferentes autores quanto nas diferen-tes disciplinas, os conceitos adquirem for-

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mulações e designações diversas ou confli-tantes. O signo na Semiótica peirceana opõe-se ao signo saussuriano, do mesmo modoque o símbolo de Saussure é o contrário dosímbolo de Peirce. A filosofia e a linguísticaestabelecem um verdadeiro diálogo verbal desurdos no tocante à compreensão e aos con-ceitos dos elementos essenciais da atividadecomunicativa do homem. Assim, o leitordeve construir na mente uma espécie de di-cionário, ou de léxico contrastivo, destinadoa traduzir os termos e conceitos mais usa-dos nas várias teorias, sendo capaz de “mu-dar de uma língua para outra”, ou de umametalinguagem para outra.

Peirce chama de índice ou indicador aosigno que é afetado pelo objeto ao qual serefere, se aproximando, por isso mesmo, doícone. Digamos então que o índice mantémuma relação de causa e efeito com o objetorepresentado. Assim, podemos tomar os se-guintes exemplos de índices: os sintomas dasdoenças, a fumaça, com relação ao fogo, ouo chão molhado, como índice da chuva.

Já o símbolo, segundo a definição dePeirce, se sustenta inteiramente numa con-

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venção, sendo, portanto, arbitrário com re-lação ao seu objeto. As palavras, as cores dassinaleiras luminosas do trânsito e as letrasdo alfabeto, enquanto representações dosfonemas, podem ser tomadas como exem-plos de símbolos peirceanos.

O símbolo assim entendido apresentauma vantagem sobre o ícone e o índice: elepode ter existência independentemente doseu objeto. Para a constituição de um sím-bolo não é necessária a existência do objetoreal, basta que este seja imaginado pelo su-jeito pensante. Quando um povo toma umanimal, uma coisa ou um fenômeno para re-presentar seu deus, esta divindade passa ater um símbolo, mesmo que ela própria sejaapenas uma ficção da cultura. Assim, as fic-ções da cultura, ou as mitologias, encontramexistência na vida dos processos de comuni-cação do ser humano.

Por outro lado, e por isso mesmo, se afir-ma que “o mais elevado grau de realidade sóé atingido pelos signos” (Peirce, 1935c), es-pecialmente no caso das ideias abstratas. Mas,o que é, afinal, o signo de Peirce? O que é

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esta entidade que se apresenta ora como ín-dice, ora como ícone e ora como símbolo?

“Um signo, ou representamem, é algoque, sob certo aspecto ou de algum modo,representa alguma coisa para alguém. Di-rige-se a alguém, isto é, cria na mentedessa pessoa um signo equivalente ou tal-vez um signo melhor desenvolvido. Aosigno assim criado, denomino interpre-tante do primeiro signo. O signo repre-senta alguma coisa, seu objeto. Coloca-se no lugar desse objeto, não sob todosos aspectos, mas com referência a umtipo de ideia que tenho, por vezes, deno-minado o fundamento do representamem”(Peirce, 1935).

Observemos que, para esse autor, o sig-no é apenas a representação (o representa-mem), se reduzindo a um simples elementomaterial ou perceptível do processo semió-tico, enquanto o objeto é a coisa representa-da pelo signo e o interpretante é o modo peloqual esse mesmo objeto é apreendido ou re-presentado. Podemos dizer que, na esteira

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das teorias de Locke, de Leibniz e de todauma tradição, Peirce chama o sinal, entendi-do como expressão, de signo e a ideia deinterpretante. Evidentemente, o desenvolvi-mento das investigações lógicas do funda-dor da semiótica norte-americana impôs aosseus conceitos uma dimensão que vai alémdas noções básicas de sinal e ideia, presentesem diversos filósofos que se ocuparam daquestão, nos séculos anteriores; mas, do pon-to de vista que aqui se adota, o contributode Peirce, nesse particular, não acrescentamuito à tradição.

Para a Semiótica ou Semiologia da Cul-tura é inteiramente irrelevante o fato de umsigno ser um índice, um ícone ou um sím-bolo, porque essa tricotomia se sustenta napressuposição de que o signo se refere a umobjeto. Vista a questão desse ângulo, os sig-nos linguísticos, ou as palavras, seriam ape-nas rótulos atribuídos a coisas previamenteexistentes na mente humana. A linguagemverbal seria reduzida a uma nomenclatura, auma lista onde os nomes corresponderiam acoisas e ideias já formadas. Recusamos essacompreensão e acreditamos que uma semi-

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ótica, ou um sistema de signos, de alcancesocial, é um modo de formar e apreender osobjetos do conhecimento, ao mesmo tempoque é um modo de informar sobre este uni-verso enformado. A língua e as demaissemióticas não se reduzem, apenas, à condi-ção de tradutores de uma realidade, mas cadauma delas conduz à estruturação de uma re-alidade simbólica própria. Saber se um signofoi constituído levando em conta a motiva-ção proposta pelos objetos naturais é inves-tigar a respeito da verdade ou da não-verda-de do signo, o que é uma tarefa estranha àSemiótica da Cultura, posto que a própriacultura é, ela mesma, uma realidade simbó-lica onde a verdade é convencional, ou soci-almente eleita. Como já foi dito em um li-vro anterior a este, “a verdade é a coerênciadas proposições verbais” (Seixas, 1979).

Tal classificação dos signos proposta porPeirce pode ser útil para a lógica e para oestudo de sistemas formais diversos, maspara o estudo social dos signos sua contri-buição é menos relevante.

Bastante útil para o nosso ponto de vistaé a afirmação do mesmo Peirce que o signo é

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uma representação parcial do objeto, ou seja,um modo determinado de ver o objeto atra-vés de uma perspectiva que apreende apenascertos aspectos, negligenciando outros quepodem ser postos em relevo por outros sig-nos. Desde Bacon, a filosofia dá ênfase aofato das palavras desviarem o homem do quea tradição universalista chama de “o verda-deiro sentido das coisas”, projetando sua luzsobre o ângulo que mais interessa à culturafalante. O “real” não é apreendido de ummodo integral e único pelo homem, mas deacordo com circunstâncias e objetivos con-dicionados pela sociedade ou pelos interes-ses da cultura. Desse modo, há uma varia-ção na ênfase emprestada a alguns aspectosda realidade natural e na omissão de outrosao se constituir a realidade simbólica apre-endida e comunicada pelo signo (Seixas,1979). Estamos assim diante de um proble-ma de ideologia, tanto presente na teoria deBacon quanto na teoria de Peirce, quando eleafirma que o signo representa alguma coisa“não sob todos os aspectos, mas com refe-rência a um tipo de ideia que tenho”(Peirce,1935).

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Parece-nos ainda que os pontos mais es-tudados e postos em relevo da obra de Peircepela Semiótica de inspiração mecanicista sãoos menos úteis e menos relevantes para asciências humanas em geral, e, por conseguin-te, para uma Semiologia da Cultura, em par-ticular.

Com essas afirmações provocativas e —provavelmente — inaceitáveis pelos estudi-osos de orientação peirceana, estamos su-blinhando a existência de um fosso entre acompreensão dos lógicos ligados ao formalis-mo estrutural e a concepção daqueles quebuscam a natureza social da linguagem. Porisso, a insistência em seguir as descobertasde Ferdinand Saussure e de Sigmund Freud,dois estudiosos da questão, provenientes deáreas do conhecimento diversas, que legaramà posteridade as mais seguras teorias sobre alinguagem. A descoberta freudiana sobre olugar da linguagem no funcionamento do cé-rebro antecipou a construção de linguagensno universo inteligente das máquinas.

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percursoCapítulo VO SIGNO SOCIAL,

SEGUNDO SAUSSURE

Signo linguísticoe semiológico

Devemos a Ferdinand de Saussure a mo-derna conceituação do signo, o que repre-senta uma contribuição decisiva não só paraa Teoria da Linguagem como também para aSemiologia, a Lógica, a Filosofia e outras dis-ciplinas. A importância do pensamentosaussuriano ganha maior abrangência quan-do, ao postular a definição do signo linguís-tico, ele não perde de vista os signos semió-ticos e sociais.

Bem verdade que o criador da Linguísticamoderna toma o signo verbal como aquele

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que melhor realiza a tarefa semiótica, eri-gindo, por isso mesmo, os modelos linguís-ticos à condição de marcos ou de pilotossemiológicos. Daí talvez se originem os prin-cipais argumentos daqueles que se opõem aopensamento de Saussure. Mas, em contrapar-tida, não se pode esquecer que ele procurousituar os fatos linguísticos como pertencen-tes à esfera semiótica, compreendendo — emconsonância com a Sociologia de Durkheim— a íntima relação com o social.

Antes de definir o signo semiótico elinguístico, Saussure critica a antiga perspec-tiva filosófica que reduz a língua à condiçãode uma nomenclatura, ou de lista de termosequivalentes às coisas nomeadas. Essa visão,hoje desacreditada, prosperou porque paraalguns estudiosos, o pensamento se desen-volve independentemente da linguagem, sen-do posteriormente traduzido ou transforma-do em estruturas verbais; o que é inaceitávelpara Saussure, que fala de um universo amor-fo do sentido, organizado pelas formas lin-guísticas. Antes da predicação de uma for-ma verbal, o pensamento é apenas uma ne-bulosa, que só se apresenta nitidamente

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quando submetido aos modelos linguísticos.Se existisse uma forma de pensamento pre-existente às palavras, a linguagem se reduzi-ria a uma simples operação de substituiçãode coisas por nomes, argumenta Saussure.

A perspectiva de Saussure, adotada nestelivro em contraposição à de Peirce, já foi, hámuitos anos, demonstrada em um estudoneurológico de Freud em 1895, no qual elecolocava a linguagem como forma possívelde realização do pensamento. Para o entãoneurologista (nessa época, a Psicanálise ain-da não era um método científico estabeleci-do), somente quando a materialidade dossons das palavras é gravada nos neurôniosditos “impermeáveis”, isso é, aqueles que nãoapenas transmitem as percepções mas retémdados, é que os acontecimentos do mundomaterial adquirem uma realidade psíquica.Aí, o pensamento tem existência concreta everificável. Somente quando os computado-res passaram a desenvolver ideias e realizartarefas múltiplas — à imagem e semelhançado cérebro humano — é que uma teoria aná-loga à de Freud pôde ser comprovada pela

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primeira vez, através das modernas tecno-logias.

Enquanto, para alguns filósofos, o signose reduz a uma expressão, ou a uma repre-sentação da coisa, Saussure propõe o signosemiótico como um processo constituídoatravés de uma operação mental que parteda cognição para a denominação. “O signolinguístico une não uma coisa e uma palavra,mas um conceito e uma imagem acústica”(Saussure, 1916).

Observe-se que a imagem acústica não éo mesmo que uma emissão, ou uma realiza-ção, de fonemas, mas uma ideia de tal reali-zação, gravada na memória do corpo. Dessemodo, para que haja um signo linguístico nãoé necessário que se pronuncie uma palavra,basta tão só que, mentalmente, o falantetome uma imagem acústica como correspon-dente a um conceito, isto é, a uma compre-ensão ou a um modo de ver um determina-do objeto — quer seja ele existente ouinexistente no plano material.

A sutileza do mestre suíço se faz sentirnesse particular quando ele desmaterializa asduas partes do signo. A primeira face não é

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constituída por uma coisa, mas pela imagemmental que o falante faz (de um objeto men-tal, portanto), assim como a segunda facenão se identifica com a palavra enquantosequência de sons ou enquanto representa-ção material, mas com a ideia dessa mesmasequência fônica ou dessa mesma represen-tação.

A língua está presente no nosso mundomesmo quando não falamos, mesmo quan-do realizamos um monólogo interior, ouquando pensamos, porque o pensamentohumano pode ser compreendido como re-sultado da percepção dos objetos e das suasrelações através de formas linguísticas.

O signo é, pois, para Saussure, “uma en-tidade psíquica de duas faces”, sendo funda-mental a sua compreensão enquanto objetopsíquico, que se opõe a algo de concreto, paraum precisa conceituação da linguagem ver-bal. Estamos diante de um signo interior(Bakhtin, 1929), que se realiza mesmo quan-do a verbalização não se manifesta atravésda fala.

Veja-se que Locke se referia às ideiascomo signos interiores, e às palavras como

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signos exteriores, não resolvendo o impassecriado com esta duplicidade semiótica: umalinguagem interior e outra exterior. O filó-sofo inglês, à frente de muitos cientistas epensadores, acreditava que a palavra é o ins-trumento do pensamento, ao mesmo tempoem que via os signos interiores como ideias.A contradição seria resolvida se lhe ocorres-se falar em ideias verbais, ou de palavras, su-blinhando a natureza verbal deste signo queutilizamos como instrumento do raciocínio,mas que não passa de uma forma mental daexistência das palavras.

A língua é então a semiótica piloto, quedesbrava os caminhos para as demais semió-ticas, conforme o ponto de vista de Saussure,quando afirma que a linguagem verbal é ainstituição que acompanha o animal huma-no mais de perto; com a qual ele é obrigado aconviver a toda hora, criando assim um es-treito laço de interdependência. Daí o fatodo pensamento se realizar através de signoslinguísticos e não através de outros signos;porque a língua é o primeiro, ou o mais cons-tante, mediador conhecido pelo homem, des-

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de o nascimento, e permanecendo durantetoda a sua vida de ser social.

Pode-se objetar, no entanto, que, para al-guns artistas ou cientistas, numa determi-nada etapa da atividade mental, outras semi-óticas passariam a apreender e expressarmelhor os seus sentimentos e reflexões —como a música, a pintura, a álgebra etc. Mas,mesmo admitindo isto, estaríamos diante deum fato particular, de uma transgressão àsnormas da cultura, de uma exceção e não deuma regra, o que não invalidaria a questão. Erestaria ainda a suspeita de que a língua esta-ria atuando, mesmo inconscientemente,como semiótica de base para as outrassemióticas. Daí a cautela com que devemosnos colocar diante da questão proposta comocontradita à perspectiva — cada vez mais atu-al e pertinente — de Ferdinand Saussure.

A cada momento ouvimos um novo gê-nio, entre os pares da comunidade acadêmi-ca, declarar a superação de estudiosos querepresentam a base e a ossatura dos seus res-pectivos campos de conhecimento. Mas épreciso dizer que existem pensadores, con-forme o exemplo clássico de Platão e Aris-

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tóteles, que podem ter suas teorias refuta-das, modificadas e ampliadas, mas jamaissuperadas, no sentido da sua caducidade, de-cretada por aqueles que Ezra Pound chama-va de teóricos engomados.

A dicotomiasignificante / significado

A teoria de Saussure não aceita o concei-to de signo como representação, por ter emvista a indissolubilidade do laço constituídoentre linguagem e pensamento. A reduçãodo alcance do signo à representação torna-sebastante simplista, quando confrontada coma teoria saussuriana, onde o pensamento écausa e consequência da linguagem, forman-do com ela uma unidade mínima — o signo.

Quanto a este aspecto, inclui-se aqui qua-se toda linguística moderna. Edward Sapir,por sua vez, definiu os signos como cômo-das cápsulas do pensamento (Sapir, 1954).

Desse modo, a linguística atual rejeita aformulação das teorias lógicas que afirmam

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que a fumaça é um signo do fogo, porque aprimeira está no lugar do segundo, diante dosnossos sentidos. Para a teoria saussuriana, osigno não é um mero representante materialdo objeto, mas uma entidade de duas faces,contendo, de um lado, a representação, e dooutro, o conceito.

O objeto natural, a coisa em si, fica defora das especulações saussurianas — que seocupam da forma pela qual esse objeto éapreendido pelo falante (o conceito), assimcomo da forma pela qual ele é expresso (aimagem acústica). Pode-se dizer então que oobjeto trabalhado por Saussure não é o obje-to do mundo natural, mas o objeto do co-nhecimento, resultante de uma construçãodo sujeito cognoscente. Numa tal doutrina,a realidade (humana) também não é um ob-jeto natural, mas um objeto cultural, umaconstrução da sociedade falante. Embora olinguista não chegue a tais afirmações textu-ais, a filosofia da linguagem que dá susten-tação aos seus postulados não comporta odesconhecimento do papel do simbólico naformação da realidade conhecida pelo serhumano.

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Um poeta e estudioso brasileiro, Antô-nio Carlos Secchin, escreveu esses versos queguardo na lembrança, sem consultar onde fo-ram lidos:

“O real é miragem consentida,engrenagem da voragem,língua iludida da linguagemcontra a sombra que não peço.O real é meu excesso.”

(Secchin, 1980)

Se o homem vivencia aquilo que vê, aqui-lo que apreende por qualquer um dos seussentidos e extensões, a sua realidade não éuma realidade natural, mas aquela que resul-ta da sua apreensão. A língua, já percebeuFreud, este importante contemporâneo deSaussure, criador da Psicanálise e estudiosoexemplar da genética da linguagem, equiparaa realidade psíquica à realidade factual ou ob-jetiva (Freud, 1895).

Em seguida à sua formulação básica, Saus-sure propõe a substituição dos termos con-ceito e imagem acústica por uma dicotomiamais orgânica:

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“Esta definição suscita uma impor-tante questão terminológica. Chamamossigno a combinação do conceito e da ima-gem acústica; mas no uso corrente, estetermo designa geralmente a imagem acús-tica apenas, por exemplo uma palavra(arbor etc.). Esquece-se que se chama-mos a arbor signo, é somente porque ex-prime o conceito “árvore”, de tal manei-ra que a ideia da parte sensorial implica atotal” (Saussure, 1916).

Ele quer dizer que a imagem acústica im-plica necessariamente o todo, isto é, a pró-pria imagem acústica associada a um concei-to. E conclui:

“A ambiguidade desapareceria se de-signássemos as três noções aqui presen-tes por nomes que se relacionem entresi, ao mesmo tempo que se opõem. Pro-pomo-nos a conservar o termo signo paradesignar o total, e a substituir conceito eimagem acústica respectivamente por sig-nificado e significante; estes dois termostêm a vantagem de assinalar a oposição

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que os separa, quer entre si, quer do to-tal de que fazem parte” (Saussure, 1916).

Postulada a existência do signo linguísticosustentada na união de um significado a umsignificante, a Linguística moderna e a Semi-ologia adotaram, quase unanimemente, a pro-posta do Curso de Linguística geral, que podeser representada do seguinte modo:

Assim, o signo árvore é uma entidadeformada pela ideia que os falantes fazem de“árvore”, isto é, pelo significado aliado àsequência de sons que constitui o significanteou o aspecto físico da palavra.

Podemos então representar esse signopela seguinte figura de duas faces:

IMAGEM MENTAL

IMAGEM ACÚSTICA

SIGNO =SIGNIFICANTE

SIGNIFICADO

idéia do objeto árvore

significante “ÁRVORE”

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Apesar de unidas, como as faces de umamesma folha de papel, essas duas partes dosigno não aderem uma à outra, nem se cons-tituem de modo natural ou motivado, masarbitrariamente, a partir de uma convençãosocial que escapa ao domínio do indivíduo.

Nada obriga esse indivíduo a usar o sig-nificante árvore para evocar o significado de“árvore”, que poderia estar ligado, se a soci-edade falante assim estabelecesse, a signi-ficantes outros, como automóvel, governan-te, ladrão etc. Em síntese, chamamos o “ca-valo” de cavalo e não de professor, porque seconvencionou usar tal significante como cor-respondente ao significado ou à ideia de “ca-valo”. Se, por exemplo, o que entendemospor deputado, fosse denominado, em umalíngua qualquer, de parasita e não de deputa-do, a deriva linguística estaria apenas usandoas possibilidades criadas pelo que Saussurechama de princípio da arbitrariedade do sig-no, embora muitos pudessem ver aí uma for-te motivação.

É porque as línguas escolhem arbitraria-mente um significante, ou uma cadeia desons, para representar uma imagem mental,

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ou um significado, que, efetivamente, as di-versas sociedades falantes têm, como con-traparte do significado “cavalo”, significan-tes como cavalo, cabalo, cavallo, cheval,equus, horse etc.

Saussure acredita que os signos arbitrá-rios ou convencionais respondem melhor aosprocessos simbólicos do homem, e observa:

“quando a Semiologia estiver organiza-da, deverá averiguar se os modos de ex-pressão que se baseiam em signos intei-ramente naturais — como a pantomima— lhe pertencem de direito. Supondo quea Semiologia os acolha, seu principal ob-jetivo não deixará de ser o conjunto desistemas baseados na arbitrariedade dosigno. Com efeito, todo meio de expres-são aceito numa sociedade repousa emprincípio num hábito coletivo ou, o quevem a dar na mesma, na convenção” (Saus-sure, 1916).

Insistindo na predominância do conven-cional, ele nos lembra que os signos de cor-tesia, considerados naturais, estão fixados

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por regras sociais, o que torna esses signosgradualmente arbitrários. Tanto isso é ver-dade que não existe uma correspondênciaexata entre os signos de cortesia utilizadospor povos diferentes, como os chineses, osbritânicos, os botocudos etc. O que é des-codificado como gentil por um russo podeparecer uma afronta a um tupi ou a um ger-mânico. Mesmo a linguagem das boas ma-neiras varia de povo para povo e de épocapara época, fortalecendo assim a teoria danatureza arbitrária dos signos.

Convencido da veracidade do princípioda arbitrariedade do signo linguístico, Saus-sure levanta a possibilidade de estender oprincípio aos demais signos semióticos, pen-sando em estabelecer os limites da Semiologiano universo dos signos convencionais, e ex-cluindo dos seus domínios os signos intei-ramente naturais. Com isto, a Semiologiasaussuriana estaria mais próxima do queRousseau chamou de contrato social, umavez que a sociedade, segundo o ponto de vis-ta saussuriano, se sustenta em formas con-vencionais ou arbitrárias e, por isso mesmo,mutáveis.

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Uma língua artificial como o esperanto,por exemplo, afirma o linguista suíço, sóentrará em sua vida semiológica se abando-nar as leis da sua criação e se desvincular do“espírito” imposto pelos seus construtores,recebendo a influência dos fatos sociais e dascontingências coletivas, passando a ser regidapela própria coletividade dos usuários.

Observa Saussure, a respeito do projetoantibabel dos esperantistas, que o homemque pensasse em criar uma língua imutável,que deveria ser aceita por todos na sua for-ma original, nos lembraria a galinha que cho-cou um ovo de pata, isso é, a língua criadapor ele seria arrastada, independentementeda sua vontade, pela corrente que abarca to-das as línguas.

“Pode-se, pois, dizer que os signos in-teiramente arbitrários realizam melhorque os outros o ideal do procedimentosemiológico; eis porque a língua, o maiscompleto e o mais difundido sistema deexpressão, é também o mais característi-co de todos; neste sentido, a Linguísticapode erigir-se em padrão de toda a Semi-

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ologia, se bem que a Língua não seja se-não um sistema particular” (Saussure,1916).

Não se depreenda do que foi dito até aquique o princípio da arbitrariedade do signoconduza a língua a um processo de mudan-ças determinado por este ou aquele falanteque, baseado no fato de que os signos sãoarbitrários, resolva propor novos significan-tes para os significados linguísticos. Na ver-dade, isso é impossível porque o signo é so-cial, do mesmo modo que qualquer outrainstituição coletiva, como a moda, os siste-mas de parentesco, os costumes, os códigosde gentileza etc.

Mesmo sendo instituições e variando deuma cultura para outra, esses sistemas con-vencionados pela sociedade não são facilmentemodificados por determinação individual.Qualquer modificação depende de uma con-cordância social que, muitas vezes, escapa àdeterminação consciente. A cultura huma-na, para se preservar do desconhecido, é qua-se sempre conservadora, estando mais dis-posta a manter estáticos os seus diversos sis-

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temas, códigos e costumes do que promo-ver a sua modificação. Toda mudança se pro-cessa lentamente, de modo contínuo e vaga-roso, fugindo mesmo ao controle dos indi-víduos, que só se apercebem dela, ou delas,quando já se consumaram. A língua é talvezuma das instituições sociais mais conserva-doras, menos sujeita às revoluções, porqueutilizada mais amplamente pelo homem emais comprometida com os seus conceitose preconceitos.

Saussure percebe ainda que o signo lin-guístico tem um compromisso com as gera-ções precedentes, residindo nesse compro-misso a sua historicidade, graças ao que osigno armazena as experiências de todo umpovo, transmitindo para as gerações poste-riores o resultado de todo um trabalho datradição.

A arbitrariedade do signo está atrelada àtradição, fazendo com que qualquer mudan-ça escape ao controle ou à determinação dosfalantes, uma vez que depende do complexofeixe de fatos sociais que se mesclam à lin-guagem.

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O observe-se, por fim, que — como Saus-sure toma a Linguística como piloto da ci-ência geral dos signos — ele espera da Semi-ótica o compromisso com os signos sociais,considerando irrelevantes para esta discipli-na aqueles que não estão íntima e diretamenteligados à vida da sociedade. As semióticasque constituem o objeto da Semiologia saus-suriana são, portanto, semióticas sociais —ou semióticas da cultura.

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Do mesmo modo que, paraSaussure, o significante expressaum significado — posto que o sig-nificado não se confunde com acoisa, mas é constituído por umaideia —, para Hjelmslev a expres-são se refere a um conteúdo, am-bos entendidos como constituintesda função semiótica.

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percursoCapítulo VIA DIALÉTICA

DO SIGNO

Expressão e Conteúdo,segundo Hjelmslev

Louis Hjelmslev, o autor dos Prolegô-menos a uma teoria da linguagem, se afastada tradição filosófica segundo a qual o signoé, antes de mais nada, signo de alguma coisa.Fiel ao pensamento de Saussure, ele demons-tra que, do ponto de vista linguístico, essaconcepção é insustentável, uma vez que o sig-no é formado por uma expressão e um con-teúdo, ambos imanentes ao próprio signo.

Para sustentar a sua proposição, Hjelms-lev abandona provisoriamente o uso do ter-mo signo, considerado demasiadamente vago

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para uma teoria que se pretende, tanto quantopossível, inequívoca. Em Linguística, chama-se de signo, tanto a uma palavra como gata,por exemplo, quanto a um fonema ou letra,como a, em oposição a o, de gato. Sem estasduas letras representando os fonemas utili-zados como signos não poderíamos saber seo animal felino doméstico referido é machoou fêmea. O a e o o são, respectivamente,signos do gênero e do sexo feminino e mas-culino. Por outro lado, se aqui apenas umfonema e uma letra aparecem revestidos devalor sígnico, nos exemplos mesa redonda,pé-de-cabra e pica-pau são duas ou mais pa-lavras que conjuntamente constituem umúnico signo. Assim, uma letra, uma palavra,uma frase ou, até mesmo, um texto inteiropodem aparecer como sendo um signo.

Em outros campos que não o da Linguís-tica também verificamos a mesma ocorrên-cia: tanto uma linha, um ponto ou uma to-nalidade cromática, utilizados por um pin-tor, quanto um quadro na sua totalidade,podem ser tomados como formando umúnico signo. Embora o signo possa ser for-mado por um só elemento ou por um con-

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junto de elementos, persiste a impressão deque se trata sempre de uma unidade míni-ma. Por isso, Hjelmslev utiliza termos e con-ceitos menos comprometidos com as con-cepções estabelecidas, e capazes, portanto,de projetar o seu alcance de forma mais níti-da.

Ao invés de falar de signos, ele constataa existência de uma função semiótica, enten-dida como uma relação de dependência recí-proca entre dois componentes: a expressão eo conteúdo. Um só existe como tal em fun-ção do outro e é por causa da função que osune que eles existem. A expressão é o modopelo qual alguma coisa é expressa, enquantoo conteúdo é aquilo que é expresso, corres-pondendo aproximadamente ao significantee ao significado de Saussure. Para Hjelmslevnão existe um conteúdo sem expressão nemtampouco uma expressão sem conteúdo: osobjetos naturais não são por si mesmos oconteúdo de uma função semiótica; o con-teúdo resulta de um modo de apreender e(re) construir objetos através de uma opera-ção semiótica (o pensamento), onde estaconcepção está solidariamente ligada a uma

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expressão. Do mesmo modo que para Saus-sure o significante expressa um significado— e que o significado não se confunde coma coisa, mas é constituído pela ideia —, paraHjelmslev a expressão se refere a um con-teúdo, ambos entendidos como constituin-tes da função semiótica.

Surge assim o conceito hjelmsleviano deforma e substância, do que resulta a existên-cia de uma forma da expressão ao lado de umasubstância da expressão e de uma forma doconteúdo ao lado de uma substância do con-teúdo. Observe-se que, aqui, forma não seopõe a conteúdo, como ocorre na tradição.A forma (retomada a sua concepção clássi-ca) é uma espécie de linha invisível que seprojeta sobre um sentido, ou que demarcaum espaço, para constituir uma substância.Como os objetos do mundo natural não sãoem si mesmos objetos do conhecimento ouobjetos semióticos, o homem com a ajudade uma semiótica que é a sua língua captadeterminados aspectos destes objetos natu-rais. É a forma pela qual os objetos são cap-tados pelo homem, através das estruturas e

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caminhos da sua língua, que vai constituir oplano do conteúdo.

Saussure — de quem Hjelmslev preten-de ser fiel intérprete e continuador — nãoconcebia o pensamento independentementeda linguagem senão como uma nebulosa:

“Psicologicamente, abstração feita desua expressão por meio das palavras, nos-so pensamento não passa de uma massaamorfa e indistinta. Filósofos e linguistassempre concordaram em reconhecer que,sem o recurso dos signos, seríamos inca-pazes de distinguir duas ideias de modoclaro e constante. Tomado em si, o pen-samento é como uma nebulosa onde nadaestá necessariamente delimitado. Nãoexistem ideias preestabelecidas, e nada édistinto antes do aparecimento da língua”(Saussure, 1916).

Em termos hjelmslevianos podemos di-zer que é a predicação de uma forma (isto é,a forma proposta pela língua) que vai orde-nar essas ideias, ainda potenciais; é a proje-ção da forma do conteúdo sobre essa massa

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amorfa que vai construir a substância do con-teúdo, ou seja, o nosso pensamento, as nos-sas ideias tais como são: um resultado dasistematização emprestada pela língua à nos-sa percepção do mundo.

Pressupondo que as estruturas semió-ticas são as responsáveis pela forma do uni-verso humano, Hjelmslev afirma:

“A linguagem é o instrumento graçasao qual o homem modela seu pensamen-to, seus sentimentos, suas emoções, seusesforços, sua vontade e seus atos, o ins-trumento graças ao qual ele influencia e éinfluenciado, a base última e mais pro-funda da sociedade humana. Mas é tam-bém o recurso último e indispensável dohomem, seu refúgio nas horas solitáriasem que o espírito luta com a existência, equando o conflito se resolve no monólo-go do poeta e na meditação do pensador”(Hjelmslev, 1943).

Ao constatar que a linguagem não é umsimples acompanhante, mas um fio profun-damente tecido na trama do pensamento, ele

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acrescenta, no mesmo lugar: “Antes mesmodo primeiro despertar de nossa consciência,as palavras já ressoavam à nossa volta, pron-tas para envolver os primeiros germes frá-geis de nosso pensamento”.

Tais afirmações do criador da glossemáticaacompanham de perto a perspectiva de Saus-sure segundo a qual a língua é uma forma,isto é, um sistema que formaliza o ato decompreender e exprimir a percepção que ohomem tem do mundo. É, portanto, umaformalizadora desta percepção. A língua éainda uma espécie de álgebra, no dizer deSaussure, que ofereceu a Hjelmslev os argu-mentos para a concepção de uma funçãosemiótica formada pela dependência mútuaentre a expressão e o conteúdo.

“A língua é também comparável a umafolha de papel: o pensamento é o anversoe o som o verso; não se pode cortar umsem cortar, ao mesmo tempo, o outro;assim tampouco, na língua, se poderiaisolar o som do pensamento, ou o pen-samento do som; só se chegaria a issopor uma abstração cujo resultado seria

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fazer Psicologia pura ou Fonologia pura”(Saussure, 1916).

Vejamos que já está presente nesta pas-sagem do Curso de Linguística Geral a no-ção de interdependência que une a expressão eo conteúdo na função semiótica concebidamais tarde por Hjelmslev; assim como osconceitos de forma e substância também fo-ram estruturados desenvolvendo o pensa-mento de Saussure.

Tanto Saussure quanto Hjelmslev procu-ram mostrar como as diversas línguas esta-belecem suas fronteiras na “massa amorfado pensamento” ao enfatizar valores dife-rentes, pondo o centro de gravidade com umdestaque também diferente. O autor dosProlegômenos a uma teoria da linguagem ex-plica como

“as duas grandezas que constroem a fun-ção semiótica, a expressão e o conteúdo,comportam-se de modo homogêneo emrelação a ela: é em virtude da funçãosemiótica, e apenas em virtude dela, queexistem esses seus dois funtivos que se

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pode agora designar com precisão comosendo a forma do conteúdo e a forma daexpressão. Do mesmo modo, é em razãoda forma do conteúdo e da forma da ex-pressão, e apenas em razão delas, queexistem a substância do conteúdo e asubstância da expressão, que surgemquando se projeta a forma sobre o senti-do, tal como um fio esticado projeta suasombra sobre uma superfície contínua”(Hjelms-lev, 1943).

Feitas estas colocações, Hjelmslev retor-na ao termo signo, anteriormente abandona-do por ele e agora definido como uma uni-dade — complexa — constituída pela formado conteúdo e pela forma da expressão, eestabelecida pela solidariedade denominadade função semiótica. Vejamos ainda que aforma é o elemento mais sublinhado porHjelmslev, o que torna o signo uma entida-de abstrata, mental. Se a forma da expressãoé um modo de limitar e realizar a produção(ou a concepção) de sons vocais, ou, gros-seiramente falando, é uma fôrma imagináriade produzir fonemas, a substância da expres-

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são é resultante da aplicação da forma lin-guística aos sons da voz humana. Por outrolado, a forma do conteúdo é o modo com arealidade é captada pelo homem através deuma semiótica, e a substância do conteúdo éa consubstanciação desta percepção impostapela forma.

A forma hjelmsleviana é uma entidademental, que existe apenas enquanto elemen-to ordenador do raciocínio, o mesmo ocor-rendo com o signo saussuriano, que é umaentidade psíquica. Assim, para que a lingua-gem esteja presente não é necessária a reali-zação física da expressão dos signos, mas aoperação mental que distingue o homem dosoutros animais: a função semiótica.

Não podemos concluir este item sem res-saltar a importância da obra do linguista di-namarquês Louis Hjelmslev, fundador doCírculo Linguístico de Copenhague, em1933. Conhecer alguns livros essenciais deHjelmslev — tais como Princípios de gra-mática geral , A linguagem, Sistema linguísticoe mudança linguística ou os basilares Prolegô-menos a uma teoria da linguagem — é indis-pensável aos estudos das ciências da lingua-

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gem que consideram o legado de Ferdinandde Saussure fundamental para o desenvolvi-mento da linguística moderna.

Esse legado, que não se restringe à preo-cupação estrita com a imanência do objeto eà sua estrutura, ensina também que o rigorna delimitação do corpus não significa des-conhecer as implicações do linguístico como todo. Jakobson se aproxima de Saussurequando considera que tudo que diz respeitoao humano também diz respeito à linguística.

Assim, podemos ver que pensamento deSaussure tem uma consonância notável coma de Freud, no que diz respeito ao lugar dalíngua na construção do universo humano.Talvez muitos estudiosos não tenham dadoa devida importância ao fato da tradição fi-losófica e científica ter compreendido a lín-gua como uma mera nomenclatura, quandoela é, de fato, o instrumento de construçãodo mundo e da realidade do animal humano.

Quando Saussure e Freud, pioneiramen-te, na diversidade dos seus campos de inves-tigação, veem o signo como criador de umaimagem mental e de uma imagem acústica

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próprias e intrinsecamente linguísticas, elesabriram caminho para o que se descobriu noséculo XX a respeito do pensamento. Oscomputadores só puderam “pensar” quandofoi construída uma linguagem de máquinaadequada ao seu funcionamento. Isso com-provou as hipotéticas teorias de Saussure ede Freud, assim transformadas em teses ci-entíficas capazes de mudar o trajeto da vidahumana construído por softs e hardwares.

A figuração gráfica em destaque no itemseguinte serve para que se compreenda comose vem pensando até agora o funcionamentodesta unidade básica de qualquer linguagem:o signo.

O Signocomo Processo

Antes de tentarmos fixar a noção de sig-no mais útil à Semiologia da Cultura faça-mos um parêntese onde se tenta compararas diversas concepções do processo simbóli-co empreendido pelo homem. Sabemos quea “realidade natural” e a “verdade” sempre

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perseguiram os filósofos, os cientistas, ospoetas e os profetas, especialmente aquelesque acreditavam na sua própria concepçãodo mundo como a encarnação da única “ver-dade”. Tanto o idealismo quanto o materia-lismo nas suas formas ortodoxas e grossei-ras se entrincheiraram na “verdade” e, porisso mesmo, não fizeram nada mais que de-monstrar a sua pluralidade.

Admitir a realidade simbólica como sen-do a mais relevante do ponto de vista semio-lógico, porque se trata de uma realidade con-vencionada pela sociedade através das suasdiversas instituições, entre as quais se ins-creve a linguagem, pode parecer uma atitudeidealista aos olhos do materialismo primiti-vo, assim como pode trair a sonhada “Ver-dade Universal” aos olhos do idealismo maiscomprometido com o pensamento escolás-tico. Mas é o que, dialeticamente, aqui se fazem alguns capítulos. Daí, portanto, excluir-mos do nosso trabalho o interesse pelos cha-mados “objetos naturais” ou pela intoleran-te busca da “verdade última”; atitude estaque se reflete na própria conceituação do sig-no. Quando, por exemplo, Ogden e Richards

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estudam o problema do significado, cons-troem um triângulo em cujos extremos es-tão presentes o que eles chamam de símbolo,referência e referente. O primeiro corres-ponderia à expressão, o segundo, ao pensa-mento e o terceiro, à coisa referida.

Note-se que neste triângulo, onde os au-tores tentam esquematizar o processo semi-ótico, tal processo corresponde a uma ope-ração distributiva que consiste em estabele-cer uma substituição do objeto (ou da coisamaterial, que eles chamam de referente) pelopensamento (por eles denominado referên-cia) e, em seguida, pela expressão (que eleschamam de símbolo). Mesmo quando Ogdene Richards mostram que a relação entre aexpressão com o objeto é indireta — marcadano diagrama por uma linha pontilhada, poissó se dá através da referência ou do pensa-mento — a presença do objeto natural (o re-

REFERÊNCIA

SÍMBOLO REFERENTE

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ferente) reduz o processo semiótico do ho-mem a uma simples listagem. Numa teoriaassim concebida, onde a linguagem é umamera nomenclatura, o símbolo é apenas umsinal sensível.

Contrariamente, a proposta de Saussure,retomada por Hjelmslev, opõe um signifi-cante, (ou uma expressão) a um significado(ou um conteúdo), numa função semióticaonde não teria lugar a coisa em si (ou o obje-to), mas a percepção e o conceito que o fa-lante, em virtude da sua atividade social, temdesse mesmo objeto.

Antes de continuar a leitura, vejamos naFIGURAÇÃO GRÁFICA da página seguinte comoficaria o conhecido triângulo de Ogden e Ri-chards (1923), com o acréscimo das propo-sições e das designações de alguns outrosautores — que selecionamos e reunimosnum mesmo contexto como facilitadorescomparativos do raciocínio proposto.

Quanto ao plano do conteúdo, na partesuperior do triângulo, apesar da diversidadede termos, parece haver uma certa aproxi-mação no modo de conceber este compo-nente do processo semiótico. Designações

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como pensamento, significado, interpretante,conteúdo, figuração etc. se referem à ideia queo animal simbólico — a expressão é de Cas-sirer (1923) — faz dos objetos do mundo.Estamos diante de várias compreensões daforma como o falante percebe, através dosprocessos sígnicos, o mundo que o rodeia,construindo assim a sua linguagem ou a suarealidade simbólica.

Já as denominações propostas para o pla-no da expressão criam um certo impasse,principalmente quando Ogden & Richardsutilizam o termo símbolo, de um lado, e dooutro Peirce e Wittgenstein, o termo signopara se referirem ao significante (Saussure)ou à expressão (Hjelmslev).

Ora, já vimos que tanto símbolo quantosigno são, na verdade, denominações de umprocesso através do qual o homem capta umarealidade de um modo determinado e, aomesmo tempo, expressa essa realidade cap-tada. Símbolo e signo — no âmbito do dis-curso que se pretende científico ou acadêmi-co — não devem ser confundidos com umade sua partes: a expressão.

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Como a língua se sustenta em signos ar-bitrários ou convencionais, nada impede quealguém chame a expressão, isto é, o signi-ficante, de signo ou símbolo, ou que chame aterra de mar e o mar de dromedário. Tam-bém na metalinguagem que constitui a ciên-cia, o investigador está livre para denominarseus conceitos do modo que lhe parecer maisadequado. Mas quando estas denominaçõesse prestam a mal-entendidos e a ambiguidade,inclusive com relação a outros conceitos ope-rados pela mesma disciplina, alguma coisaprecisa ser revista.

Na semiótica de inspiração peirceana te-mos representamem e interpretante (que equi-valem aproximadamente a expressão e con-teúdo), temos também o termo signo, quedesigna tanto a união dos dois, da expressãocom o conteúdo, quanto serve para designaro representamem, numa imprecisão termino-lógica nociva ao raciocínio.

Passemos agora ao terceiro vértice do tri-ângulo, onde está o referente, de Ogden eRichards, ou o objeto, de Peirce e Wittgens-tein. Este último utiliza ainda o termo reali-dade para designar a coisa ou o “objeto na-

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tural” (que escrevemos entre aspas para evi-denciar a distinção entre ele e o objeto semió-tico, ou seja, o objeto do conhecimento ouda percepção do homem, que é social). Nocaso de Wittgenstein, para quem “os limitesda minha linguagem denotam os limites domeu mundo” (1918), a presença do termorealidade pode parecer estranhável, quandose refere a uma outra “realidade” que não aconstruída e apreendida através dos proces-sos semióticos.

Não é demais lembrar que, no campo ri-goroso de uma metalinguagem da filosofia,esse termo significa para o ser humano rea-lidade simbólica; isto desde que a obra deErnst Cassirer trouxe novas luzes, sugerin-do a substituição da expressão animal racio-nal por animal simbólico.

A recusa de termos como referente, obje-to, realidade etc. não significa a negação daexistência de uma “realidade” anterior à pre-dicação das formas simbólicas (anterior, por-tanto, à sociedade e à cultura), mas a premis-sa segundo a qual “objeto natural”, “realida-de pura” etc. são elementos estranhos à Semi-ótica da Cultura, onde a verdade é sempre

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uma verdade convencionada pelo homem aolongo da sua história; e onde a realidade ésempre aquela construída e reconhecida pelasociedade — ou ainda: aquela que venha aser vislumbrada pelas formas simbólicas pro-duzidas pela cultura, visando á sua própriasuperação, como é o caso da arte.

Digamos então que o signo (ou o símbo-lo) é um processo semiótico e social, um pro-cesso simbólico, que consiste em formaruma imagem do mundo, que passa a ter exis-tência como sendo a própria realidade hu-mana; ao tempo em que comunica esta reali-dade para os outros indivíduos. Quando nas-ce um novo homem, ele recebe não só dosseus contemporâneos, mas dos seus ances-trais, da história da sociedade humana, ummodo de pensar, de sentir e de ver o mundo.Este modo está presente nas palavras da sualíngua, nos códigos da sua cultura, nas rela-ções de parentesco, no sistema da moda, noshábitos de cortesia etc.

O animal humano, ao nascer, não tempela frente a tarefa de começar tudo de novo,ele já encontra pronto, nas diversas se-mióticas que formam a cultura, o seu mun-

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do, construído ao longo dos séculos por to-dos os outros homens — e preservado pelaslinguagens e semióticas diversas. Assim, seusesforços, em lugar de começarem tudo denovo, servem para fazer progredir a espécie,para rever e acrescentar a sua contribuiçãoao trabalho da história, onde nada se perde etudo se enriquece. Daí porque, os animaissão os mesmos ao longo dos séculos, tra-zem gravados com o código genético as pos-sibilidades e limites da espécie. O mundopróprio ou a natureza de um cavalo do sécu-lo XV não é diferente da natureza de um ca-valo do século XX. Mas os homens são sem-pre outros, através da evolução do espírito,do caráter, das técnicas e aptidões enfren-tam sempre novos caminhos e conhecem osfrutos do progresso. Assim como os percal-ços do percurso.

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No presente trabalho, onde o in-teresse se concentra nos signos soci-ais, ou nos processos simbólicos mes-clados com os fatos que constituem acultura, julgamos de extrema conve-niência marcar a orientação adota-da. Estamos, portanto, no âmbito deuma Semiologia da Cultura, expres-são aqui redundante, em consequên-cia da natureza do signo vislumbra-da por Saussure.

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PRETI, Dino: Sociolinguística. Os níveis da fala. Umestudo linguístico do diálogo na literatura brasilei-ra. 3ª ed. São Paulo, Nacional, 1977, 192 p.

PRIETO, Luis J.: Mensagens e sinais [Messages etsignaux]; trad. Anne Arnichand & Álvaro Loren-

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STAROBINSKI, Jean: As palavras sob as palavras. Osanagramas de Ferdinand de Saussure [Les mots sousles mots]; trad. Carlos Vogt. São Paulo, Perspecti-va, 1974, 120 p.

TODOROV et alii: Linguagem e motivação. Uma pers-pectiva semiológica; org. e trad. Ana M. RibeiroFilipouski et alii. Porto Alegre, Globo, 1977.

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ULLMANN, Stephen: Semântica. Uma introdução àciência do significado [Semantics — An introduc-tion to the science of meaning]; trad. OsórioMateus. 2ª ed., Lisboa, Gulbenkian, 1970, 586 p.

VERÓN, Eliseo (1979): A produção do sentido [Pro-duction de sens]; trad. Alceu Lima et alii. São Pau-lo, Cultrix, 1980.

VICO, Giambatista (1725): Princípios de uma ciêncianova [Principi di azienza nuova]; trad. AntonioPrado. São Paulo, Abril Cultural, 1979, 186 p. (Col.Os Pensadores).

VOGT, Carlos: Linguagem e poder. Campinas, UNI-CAMP, 1977, 19 p. (Policopiado).

WARTBURG, Walther & ULLMANN, Stephen: Pro-blemas e métodos da linguística [Problémes et mé-thodes de la linguistique]; trad. Maria Elisa Masca-renhas. São Paulo, Difel, 1975, 230 p.

WITTGENSTEIN, Ludwig (1918): Investigações filo-sóficas [Philosophische Untersuchungen), trad.José Carlos Broni. 2ª ed., São Paulo, Abril Cultu-ral, 1979, 228 p. (Os Pensadores).

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Cid Seixas é profes-sor titular da Univer-sidade Federal da Bahiae da Universidade Es-tadual de Feira de San-tana. Publicou diver-sos livros e centenas deartigos, tendo orienta-do dissertações demestrado e teses dedourorado. Antes de sededicar ao ensino, tra-balhou como jornalis-ta, dirigiu o TeatroCastro Alves e escre-veu para jornais e re-vistas do país e doesterior.

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PERCURSODA LINGUÍSTICA À SEMIÓTICA

Duas expressões são usualmente empre-gadas para denominar a disciplina que estu-da os sistemas e os processos simbólicos:Semiótica e Semiologia. Costuma-se ligar aprimeira a Charles Sanders Peirce (1839-1914), lógico norte-americano que retomao ponto de vista de Locke e a segunda aFerdinand de Saussure (1857-1913), o fun-dador da linguística moderna.

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