Perspectivas Nordestinas

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Perspectivas Nordestinas

Jos Guimares Duque

PERSPECTIVAS NORDESTINAS

Nota prvia FRANCISCO ALVES DE ANDRADE

Banco do Nordeste do Brasil Fortaleza 2004 1

Obra Publicada pelo

Presidente: Roberto Smith Diretores Antnio Roberto de Sousa Paulino Francisco de Assis Germano Arruda Joo Emlio Gazzana Luiz Ethewaldo de Albuquerque Guimares Pedro Eugnio de Castro Toledo Cabral Victor Samuel Cavalcante da Ponte Superintendncia de Comunicao e Cultura Paulo Srgio Souto Mota Escritrio Tcnico de Estudos Econmicos do Nordeste - ETENE Superintendente: Jos Sydrio de Alencar Jnior Editor: Jornalista Ademir Costa Internet: http://bnb.gov.br Cliente consulta: 0800.783030 Tiragem: 1.000 exemplares Depsito Legal junto Biblioteca Nacional, conforme decreto n. 1.823, de 20 de dezembro de 1907 Copyright by Banco do Nordeste do Brasil S. A.

D945n

Duque, Jos Guimares Perspectivas Nordestinas / Jos Guimares Duque. 2a ed. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2004. 424 p. il ISBN 85-87062-38-7 1 Situao Scio-Econmica - Nordeste. I Fundao Guimares Duque. Escola Superior de Agricultura de Mossor. II. BNB. ETENE - ed. III. Ttulo. CDU: 338.12 (812/814) Impresso no Brasil/Printed in Brazil

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SUMRIONOTAPRVIA ................................................................................... 13 1. UM DIAGNSTICO ....................................................................... 33 1.1. CONSIDERAES GERAIS ..................................................... 33 1.2. A DISPARIDADE DO PROGRESSO ......................................... 46 1.2.1. Recursos Naturais ................................................................... 47 1.2.2. Capitais .................................................................................... 48 1.2.3. Poltica Objetiva ....................................................................... 48 1.2.4. Conhecimentos Profissionais das Cincias Bsicas .............. 48 1.2.5. Qualidades Humanas Predominantes na Comunidade ........... 49 1.3. O MEIO FSICO .......................................................................... 50 1.3.1. Caractersticas Geogrficas ................................................... 50 1.3.2. Caractersticas Climticas ..................................................... 50 1.3.3. Caractersticas Agrolgicas ................................................... 51 1.4. DESCRIO SUMRIA DAS REGIES NATURAIS .............. 63 1.4.1. Serid ....................................................................................... 63 1.4.2. Serto ....................................................................................... 64 1.4.3. Caatinga ................................................................................... 65 1.4.4. Cariris-velhos .......................................................................... 66 1.4.5. Agreste ..................................................................................... 67 1.4.6. Serras ...................................................................................... 68 1.4.7. Cerrado .................................................................................... 69 1.4.8. Carrasco ................................................................................... 70 1.5. INFORMAES E OPINIES DOS ESTUDIOSOS DOS PROBLEMAS DO NORDESTE .................................................. 71 1.6. PROVIDNCIAS OFICIAIS E TENTATIVAS PARA O EQUACIONAMENTO E SOLUES DAS QUESTES NORDESTINAS ........................................................................... 85

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1.6.1. Comisso Cientfica de Explorao ......................................... 85 1.6.2. Comisso de Estudos ................................................................ 86 1.6.3. Ifocs .......................................................................................... 86 1.6.4. Servios Agroindustriais e de Piscicultura do Dnocs ............ 88 1.6.5.Comisso do Vale do So Francisco ......................................... 88 1.6.6. Petrobras .................................................................................. 89 1.6.7. Chesf ........................................................................................ 89 1.6.8. Banco do Nordeste do Brasil S.A. ............................................ 90 1.6.9. Sudene ...................................................................................... 90 1.6.10. Outros Servios Federais ...................................................... 91 1.7. UMA OPINIO DESPRETENSIOSA ......................................... 97 1.7.1. Questes Demogrficas e Sociais da rea ............................. 98 1.7.2. Problemas Nordestinos ........................................................... 98 1.7.3. A Integrao Econmica e Social do Nordeste ......................... 99 2. PREPARAO DA POPULAO NORDESTINA PARA O DESENVOLVIMENTO ECONMICO E SOCIAL ...................... 101 2.1. A NDOLE DO POVO ............................................................... 101 2.2. A CULTURA DO POVO ............................................................ 107 2.3. A INSTRUO E A EDUCAO ............................................. 111 2.3.1. O Ensino Primrio ................................................................. 118 2.3.2. O Ensino Secundrio ............................................................. 124 2.3.3. O Ensino Superior ................................................................. 126 2.3.4. Sugestes para Melhoramento do Ensino no Nordeste ......... 131 2.3.5. O Ensino na Frana, nos Estados Unidos e no Nordeste do Brasil ................................................................. 132 2.3.6. A Preparao do Professorado ............................................... 133 2.4. OS ABNEGADOS DA CINCIA ............................................... 136 2.4.1. Os Especialistas ..................................................................... 136 2.4.2. Os Cientistas ......................................................................... 137 2.5. ATRIBUIES DAS UNIVERSIDADES .................................. 139 2.6. VALOR ECONMICO DA INSTRUO E EDUCAO ....... 145 2.7. IMPORTNCIA DOS HABITANTES BEM-DOTADOS ......... 150 2.8. DOCUMENTAO ................................................................... 151

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2.9. MO-DE-OBRA NORDESTINA .............................................. 153 2.9.1. Habilidade do Pessoal para o Setor Primrio ........................ 163 2.9.2. Preparao do Pessoal para o Setor Secundrio .................. 165 2.9.3. O Aperfeioamento do Pessoal para o Setor Tercirio ......... 168 2.10. OS ADMINISTRADORES ...................................................... 169 2.11. ESCLARECIMENTOS DA OPINIO PBLICA SOBRE OS ASSUNTOS DO DESENVOLVIMENTO .......................... 173 2.12. SADE .................................................................................... 180 2.13. MALES SOCIAIS ................................................................... 189 3. PROBLEMAS ECONMICOS DO NORDESTE ....................... 193 3.1. RECURSOS NATURAIS ........................................................... 193 3.1.1. Solo ......................................................................................... 193 3.1.2. gua ....................................................................................... 195 3.1.3. Florestas ................................................................................. 197 3.1.4. Energia ................................................................................... 199 3.1.5. Minrios ................................................................................. 202 3.1.6. Petrleo .................................................................................. 205 3.2. TRANSPORTES ....................................................................... 207 3.2.1. Transporte Rodovirio ........................................................... 207 3.2.1.1. Pavimentao .................................................................... 209 3.2.1.2. Asfaltamento ....................................................................... 210 3.2.1.3. Concretagem ...................................................................... 210 3.2.1.4. Outras Questes Rodovirias ............................................ 211 3.2.2. Transporte Ferrovirio .......................................................... 211 3.2.3. Transporte Martimo ............................................................. 212 3.2.4. Transporte Fluvial .................................................................. 213 3.2.5. Transporte Areo ................................................................... 214 3.3. AGRICULTURA ......................................................................... 215 3.3.1. Lavouras em Geral ................................................................. 215 3.3.2. Lavoura Irrigada .................................................................... 222 3.3.3. Formas de Assistncia aos Irrigantes ................................... 230 3.3.3.1. Exigncias da Irrigao .................................................... 231 3.3.3.2. Equipe de Assistncia ........................................................ 233 3.3.3.3. Trabalhos dos Especialistas .............................................. 234 3.3.3.4. Financiamento ................................................................... 236

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3.3.3.5. Cooperativa ....................................................................... 236 3.3.3.6. Administrao ..................................................................... 237 3.3.4. Outras Culturas do Litoral Sul Baiano ................................ 238 3.3.4.1. Cacaueiro .......................................................................... 238 3.3.4.2. Seringueira ........................................................................ 239 3.3.4.3. Dendezeiro ......................................................................... 241 3.3.5. Lavouras Xerfilas ................................................................ 242 3.3.5.1. Sementes para Lavouras de Gneros Alimentcios ........... 244 3.3.5.2. Algodo Moc .................................................................... 244 3.3.5.3. Oiticica ............................................................................... 246 3.3.5.4. Carnaubeira ....................................................................... 248 3.3.5.5. Palma ................................................................................. 252 3.3.5.5.1. Cultura ............................................................................ 253 3.3.5.5.2. Rendimento ..................................................................... 254 3.3.5.5.3. Pastagens com Palma ..................................................... 254 3.3.5.6. Cajueiro ............................................................................. 257 3.3.5.7. Sisal .................................................................................... 260 3.3.5.7.1. Comrcio e Exportao .................................................. 263 3.3.5.7.2. Indstrializao Interna ................................................. 264 3.3.5.8. Umbuzeiro .......................................................................... 264 3.3.5.8.1. Habitat ............................................................................ 264 3.3.5.8.2. Estudos ............................................................................ 266 3.3.5.8.3. Possibilidades de Industrializao ................................ 267 3.3.5.9. Faveleiro ............................................................................ 268 3.3.5.10. Algaroba .......................................................................... 271 3.3.5.10.1. Habitat .......................................................................... 271 3.3.5.10.2. Ensaios .......................................................................... 273 3.3.5.10.3. Mudas ............................................................................ 274 3.3.5.10.4. Pastos ............................................................................ 274 3.3.5.11. Licurizeiro ....................................................................... 275 3.3.6. Prticas de Cultivo Seco .................................................... 277 3.3.6.1. Contornos em Curva de Nvel ........................................... 279 3.3.6.2. Culturas em Faixas ou Lotes Alternados .......................... 279 3.3.6.3. Cobertura Morta do Solo mulch ................................... 280 3.3.6.3.1. Cobertura Verde ............................................................. 285 3.3.6.3.2. Mulch do Prprio Solo ................................................... 286 3.3.6.3.3. Mulch de Pedras ............................................................. 287 3.3.6.4. Quebra-Ventos .................................................................... 287

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3.3.6.5. Rotao ou Alternncia .................................................... 288 3.3.6.6. Alqueire .............................................................................. 288 3.3.6.7. Disperso da Enxurrada para a Infiltrao no Solo ....... 288 3.3.6.8. Bacia de Chuva .................................................................. 289 3.3.6.9. Terraos e Patamares ........................................................ 290 3.3.7. Mecanizao das Lavouras .................................................... 290 3.3.7.1. Organizao Interna da Fazenda ..................................... 293 3.3.7.2. Melhoramento e Fabricao de Aparelhos Manuais ...... 294 3.3.7.3. Mquinas de Trao Animal ............................................. 294 3.3.7.4. Mquinas Motorizadas ..................................................... 295 3.3.8. Lies dos Mtodos da Agricultura ....................................... 300 3.4. PECURIA ................................................................................ 305 3.4.1. Melhoramento das Pastagens Nativas ................................... 309 3.4.2. Conservao das Forragens ................................................... 312 3.4.2.1. Fenao das Forragens nas Fazendas sem Mquinas ..... 312 3.4.2.2. Fenao das Forragens nas Fazendas que tm Mquinas de Trao Animal ........................................... 313 3.4.3. Preparao do Feno em Fardos com Mquinas de Trao Animal ...................................................................... 315 3.4.4. Fenao das Forrageiras nas Fazendas com Maquinaria Motorizada e Secagem ao Sol ................................................ 316 3.4.5. Silagem .................................................................................. 319 3.4.6. Bovinos nos Climas Quentes ................................................. 322 3.4.7. Processos de Melhoramento do Gado .................................... 325 3.4.7.1. Bovinos Leiteiros ............................................................... 325 3.4.7.2. Bovinos para Carne ........................................................... 333 3.5. INVESTIMENTOS NAAGRICULTURA ................................... 343 3.6. CRDITO RURAL .................................................................... 353 3.7. COMERCIALIZAO DOS PRODUTOS AGRCOLAS ....... 357 3.8. ABASTECIMENTO DE GNEROS ALIMENTCIOS .............. 361 3.9. PESCA ....................................................................................... 367 3.10. HABITAO .......................................................................... 373 3.11. FORMAO DAS CIDADES ................................................ 379

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3.11.1. Urbanismo ............................................................................ 383 3.11.2. Ruralismo ............................................................................. 384 3.11.3. Uma Possvel Harmonizao de Desenvolvimento Urbanista e Rural .................................................................. 386 3.12. INDUSTRIALIZAO ........................................................... 389 3.12.1. Vantagens da Industrializao ............................................. 389 3.12.2. Desvios e Tendncias da Industrializao ........................... 391 3.12.3. Indstria de Adubos ............................................................. 394 3.12.4. Indstrias de Ferramentas e Pequenas Mquinas .............. 400 3.12.5. Indstria de Alimentos ......................................................... 401 3.12.5.1. Matadouros Frigorficos Charqueadas .................... 401 3.12.5.2. Indstria de Laticnios .................................................... 404 3.12.5.3. Farinhas e Massas ........................................................... 405 3.12.5.4. Conservas de Hortalias ................................................. 406 3.12.5.5. Doces ................................................................................ 406 3.12.5.6. Bebidas ............................................................................. 407 3.12.6. Indstria de Celulose ........................................................... 407 3.12.7. Indstria de leos Vegetais ................................................ 410 3.12.7.1. Algodo ............................................................................ 412 3.12.7.2. Mamona ........................................................................... 412 3.12.7.3. Coco-da-baa ................................................................... 412 3.12.7.4. Caju .................................................................................. 413 3.12.7.5. Oiticica ............................................................................. 413 3.12.7.6. Amendoim ......................................................................... 414 3.12.7.7. Milho ................................................................................ 415 3.12.7.8. Gergelim ........................................................................... 416 3.12.7.9. Faveleiro .......................................................................... 416 3.12.7.10.leo de Dend ................................................................. 417 3.12.8. Siderurgia ............................................................................ 419 3.12.9. Fbrica de Borracha Sinttica ............................................. 421 3.12.10. Indstria de lcalis ........................................................... 422

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LISTA DE TABELAS01. Relao Chuva x Evaporao nas Regies Naturais do Nordeste .................... 53 02. Serid - R. G. Norte. Observaes Meteorolgicas da Estao Experimental de Cruzeta - 1930-55 .................................................................. 59 03. Serid - Cear. Observaes Meteorolgicas de Quixeramobim - 1910-5 .............................................................................................................. 59 04. Secas Ocorridas no Nordeste do Brasil, no Sculo XVIII ............................... 72 05. Secas Ocorridas no Nordeste do Brasil, no Sculo XIX ................................. 72 06. Secas Ocorridas no Nordeste do Brasil, no Sculo XX .................................. 73 07. Situao do Ensino Primrio no Nordeste do Brasil ...................................... 118 08. Ensino Primrio no Nordeste do Brasil. Evases de Classes e Concluses de Curso - 1957-61 ....................................................................... 119 09. Nordeste do Brasil. Resultados do Censo Escolar - 1964 .............................. 121 10. Crianas em Idade Escolar, por Estados, no Nordeste .................................... 122 11. Situao do Ensino Secundrio no Nordeste - 1954-64 .................................. 124 12. Ensino Secundrio no Nordeste - Ciclo Ginasial - 1959-61 ........................... 125 13. Ensino Secundrio no Nordeste - Ciclos Cientfico e Clssico - 1959-61 ......................................................................................................... 125 14. Ensino Superior no Nordeste do Brasil. Necessidades Estimadas e Custos por Diplomado 1963 .......................................................................... 128 15. Situao do Ensino Superior no Nordeste do Brasil - 1963 ........................... 129 16. Nordeste: Cursos de Ps-Graduao 1963 .................................................. 130 17. Nordeste: Seqncia de Uma Turma com 16 Anos de Escolaridade -1947-62 .......................................................................................................... 131 18. O Ensino na Franca. Alunos Matriculados nos Diversos Cursos em Relao Populao Total 1963 .................................................................... 132 19. O Ensino nos Estados Unidos da Amrica do Norte. Alunos Matriculados nos Diversos Cursos em Relao Populao Total ................ 133 20. O Ensino no Nordeste do Brasil. Alunos Matriculados nos Diversos Cursos em Relao Populao da rea. ........................................................ 133 21. Situao do Ensino Normal no Nordeste - 1958-64 ........................................ 134 22. Disponibilidade e Demanda de Professores no Nordeste do Brasil ................ 135

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23. Estados Unidos. Renda Anual, Mdia para Homens de 25 a 34 Anos e de 45 a 54 Anos, conforme o Nvel de Instruo (Expressa em US$) -1939-58 ............... 146 24. Rentabilidade das Invenes e das Inovaes na Refinao do Petrleo .............. 148 25. Perspectivas do xodo Rural Nordestino at 1980 ......................................... 154 26. Perspectivas de Crescimento da Populao do Nordeste ................................ 154 27. Populao Economicamente Ativa do Nordeste (Piau at Bahia) Clculo conforme a Tendncia Atual ............................................................................ 155 28. Perspectivas de Crescimento da Mo-de-obra no Nordeste - 1970-75 ........... 157 29. Perspectivas de Crescimento, por Setor, do Emprego no Nordeste -1970-75 ........................................................................................................... 157 30. Investimentos Totais Necessrios no Nordeste, no Qinqnio - 1970-75 .......................................................................................................... 158 31. Estimativas de Crescimento da Renda no Nordeste, no Qinqnio 1970-75 ............................................................................................................. 158 32. O Ensino Industrial no Nordeste ..................................................................... 165 33. Populao Adulta, Analfabeta do Nordeste (Piau-Bahia) ............................... 177 34. Avaliao do Aproveitamento Provvel das Terras do Nordeste ...................... 194 35. Potncia Instalada das Usinas Geradoras de Energia Eltrica 1965 ............................................................................................................... 200 36. Capacidade Potencial Provvel, Total, de Energia do Nordeste ...................... 200 37. Produo Brasileira de Petrleo - 1963-66 .................................................... 206 38. Consumo Brasileiro de Petrleo - 1963-66 .................................................... 206 39. Petrleo Refinado no Brasil ............................................................................ 207 40. Procedncia do leo Refinado no Brasil ........................................................ 207 41. Rodovias em Trfego no Nordeste (Piau-Bahia) - 1964 ................................. 209 42. reas Aproximadas das Regies Naturais do Nordeste e Suas Provveis Adequaes Agrcolas ...................................................................................... 219 43. Produo Agrcola do Nordeste (Piau-Bahia) - 1957-63 ............................... 220 44. Lavouras no Nordeste: Aumentos da rea Plantada e da Produo ............... 220 45. Audes Pblicos, Construdos no Nordeste, pelo DNOCS, at 1965 ............. 223 46. Barragens em Condies de Irrigao no Nordeste ....................................... 223 47. Produo e Consumo de Borracha no Brasil .................................................. 240 48. Produo de Cera, por tipos, no Cear 1964 ................................................ 250 49. Produo de Palma, por Hectare, em Alagoas ................................................. 254

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50. Anlise do leo do Faveleiro ............................................................................ 270 51. Anlise da Torta Peneirada, depois de retirado o leo com Solvente ............. 270 52. Anlise da Algaroba procedida no Instituto de Qumica Agrcola .................. 272 53. Anlises Qumicas das Vagens, realizadas no Exterior ................................. 273 54. Resultados do Efeito da Cobertura de Palha e dos Diferentes Tratamentos no Armazenamento de gua, no Solo de Nebraska .................... 282 55. Comparao do Custo Relativo dos Equivalentes Amidos nos Pastos e nas Diversas Formas de Forragens ........................................................................ 308 56. Classificao dos Pastos, segundo seu Potencial de Produo ...................... 308 57. Volume das Medas de Feno, conforme o Nmero de Animais Consumidores e o Tempo de Forrageamento ................................................... 319 58. Produo Mdia das Melhores Vacas do Zebu Leiteiro, comparada com as Melhores Produes das Raas Indianas Leiteiras - 1936-40 ................... 329 59. Produo Leiteira do Gado. Lactao de 305 dias. Jamaica Hope, Estao Experimental de Bodles - Jamaica ...................................................... 331 60. Mdia de Lactao de Mestias, na ndia, com Diferenas de Grau de Sangue, de Raas Europias, na Maior parte Holandesa ................................ 332 61. Tipos de Cruzamento representados em Rebanho Leiteiro Tropical, com Estabilizao no Nvel 7/8 Bos Taurus ..................................................... 333 62. Dados de Peso, por Idade, de Bovinos para Corte, das Raas Zebunas, Criadas em Uberaba ......................................................................................... 334 63. Peso do Gado Nelore da Fazenda Normal de Criao (Cear) ........................ 334 64. Estimativa de Crescimento do Gado Mestio Nordestino nas Condies Atuais ................................................................................................................ 335 65. Estimativa do Peso do Gado Mestio Nordestino quando Bem-alimentados .............................................................................................. 335 66. Abate de Bovinos de 1,5 Ano de Idade, das Raas Guzer, Nelore e Gir, depois da Prova de Ganho de Peso .................................................................... 336 67. Diferenas de Ganho de Peso entre as Raas Puras e Mestias que receberam Raes ............................................................................................ 338 68. Produo de Alimentos de Origem Vegetal no Nordeste (Piau-Bahia) 1964 ............................................................................................................... 363 69. Produo de Alimentos de Origem Animal no Nordeste 1964 .................... 364

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70. Produo de Alimentos e Necessidades Anuais por Adulto, no Nordeste ............................................................................................................ 364 71. rea de Lavouras a serem Cultivadas a Mais, considerando os mesmos Rendimentos por Hectare e mesma Populao - 1964 .................................... 365 72. Pastos a Melhorar para Completar a Produo das Pastagens Nativas .............................................................................................................. 365 73. Instalaes Necessrias para Conservar 20% das Necessidades de Alimentos no Nordeste ..................................................................................... 367 74. Produo de Pescado em 62 Audes Pblicos, construdos pelo DNOCS no Nordeste ....................................................................................................... 368 75. Crescimento da Populao dos Municpios das 8 Capitais dos Estados do Nordeste ............................................................................................................ 373 76. Populao dos 8 Municpios das Capitais do Nordeste (Piau-Bahia) e o Nmero de Casamentos .................................................................................... 376 77. Construes Licenciadas nas 8 Capitais do Nordeste (em m2) ...................... 377 78. Produo Brasileira de Fertilizantes - 1964 .................................................. 394 79. Importao Brasileira de Adubos Manufaturados - 1964 ............................... 394 80. Reses Abatidas e Toneladas de Carne no Nordeste - 1964 ............................. 401 81. Produo de Oleaginosas e leos no Nordeste 1964 .................................. 411 82. Produo de leos Secativos no Brasil 1964 .............................................. 413

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NOTA PRVIAA Fundao Guimares Duque e a Escola Superior de Agricultura de Mossor (ESAM), no propsito de documentar e divulgar a obra do consagrado agrnomo e escritor, que vislumbrou para o Nordeste uma doutrina operacional abrangente da Agricultura Ecolgica e da Agronomia Social, publicam neste volume o livro que o intrprete da problemtica nordestina deixou indito e necessrio ao conhecimento do Brasil. Para esse desiderato que a Fundao, representada por seu presidente, Prof. Vingt-un Rosado Maia, e a ESAM, por seu diretor Prof. Pedro Almeida Duarte, empenhados nessa divulgao puramente cultural, sem qualquer interesse comercial, recorreram ao patrocnio do Banco do Nordeste do Brasil S.A., que to bem tem avaliado o pensamento ativo do sbio, tutelar do empreendimento ecolgico e humanista da Regio. Perspectivas Nordestinas um esboo complementar aos trabalhos de pesquisa bsica Solo e gua no Polgono das Secas e O Nordeste e as Lavouras Xerfilas, j considerados de consulta obrigatria aos que se dedicam a estudos nordestinos, divulgados em vrias edies. Ocorre que, se as publicaes acima referidas constituem a nervura central do pensamento do escritor, o livro por ele deixado indito como um testamento esclarecedor a revelar o coroamento do seu trabalho, contendo uma viso global, em leque aberto, de interpretaes nos ltimos tempos que ele viveu. A experincia do autor, pode-se dizer, foi extensiva e intensiva. Desde o campo ctedra universitria, a sua vivncia com a realidade da regio semirida deu-lhe uma convico de solues que aparecem e surdem da prpria conscincia, de modo claro e pleno. Neste livro d-nos a sabedoria do que 13

observou no Dnocs e na Sudene, como administrador, conselheiro, assessor, produzindo afinal uma mensagem de perspectivas em termos no simplesmente quantitativos, mas de qualidade. No se pode dizer que se trata de obra completamente acabada. Ao findar as ltimas pginas, o escritor estava na fase dos retoques e revises. O que deixou espontaneamente lanado deve ser lido com esta advertncia. Nada impede considerar ser este um conclusivo compndio em que se delineia o mundo mental de Guimares Duque suas idias, seus conselhos e reflexes, suas tentativas de concreo poltica, atravs de uma bem idealizada programao ecolgica, alm de uma crtica dos planos e projetos executados no Nordeste. Est na ribalta o drama sofrido do trabalhador intelectual brasileiro. Se toda a sua vivncia dos problemas da terra e do homem, escrita, documentada, gritada para as elites dirigentes, houvesse em tempo hbil sensibilizado a todos, desde os que tm a primeira aos que aguardam a ltima palavra sobre os oramentos e leis organizacionais, e estes propiciassem a imediata transformao das idias em ao, a vida sorriria larga e permanente nos campos verdes, irrigados, a economia cresceria das plantas fibrosas, oleaginosas e cergenas, e o Nordeste daria ao Brasil uma contribuio mais forte, liberto da fome e das incertezas do tempo. Talvez no estivssemos assistindo volta dos calcanhares pela mesma sinuosa e estonteante vereda, por onde caminharam as populaes aborgenes. Nestes vinte anos de Sudene, todos os canais de irrigao dos grandes audes pblicos estariam concludos e ampliada a eletrificao em torno. As comunidades rurais estariam organizadas e assistidas por milhares de engenheirosagrnomos que, munidos dos instrumentos necessrios, dariam assistncia agricultura ecolgica do Nordeste, numa ao conjugada da rea seca com a irrigada adjacente. Uma agroindstria compatibilizada beneficiaria in loco os produtos da terra, valorizando o setor rural num plano de economia solidria. E no seramos meros exportadores de matria-prima, sacrificados s negativas relaes de

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troca, humilhados no campo e angustiados nas cidades pelo desemprego crescente, sem geopoltica e sem organizao. SNTESE BIOGRFICA DO AUTOR O engenheiro-agrnomo Jos Guimares Duque, de formao humanista, professor universitrio, administrador, especialista e generalista, nasceu a 20 de novembro de 1903, no municpio de Lima Duarte, do Estado de Minas Gerais, e faleceu em Fortaleza a 12 de maio de 1978. Casando-se com filha de cearenses, no Cear constituiu famlia, cuidou com operosidade afetiva dos problemas do povo nordestino em aspectos basilares da humanidade e da vida. Seus pais, Manoel Jorge Duque e Maria Pia Guimares Duque, fazendeiros, proprietrios da Fazenda Sumidouro, sempre foram da rbita rural, numa tradio persistente dos seus ancestrais. l Fez as primeiras letras em Juiz de Fora, entre 1911 e 1915; cursou ginasial e preparatrios no Instituto Grenbery (1916-1918), e o Instituto Gammom (1922-1924), no tradicional municpio de Lavras, de Minas Gerais, onde a famlia mineira tem um dos mais famosos centros de educao popular crist. Ora, esses institutos e uma Escola Superior de Agricultura, fundada por missionrios e mestres dos Estados Unidos, geraram uma pliade de tcnicos humanistas, de entusiasta formao. que as cincias, letras e artes eram ali transmitidas com uma alta filosofia de vida. Em 1918, quando ainda cursava o Instituto Grenbery, sobreveio a epidemia da febre espanhola. E o jovem Duque voltou ao labor agrcola, levado pelo pai a tomar conta da fazenda, onde permaneceu quatro anos como administrador. Lidou com a terra como criador de gado holands e sunos, fabricante de manteiga, lavrador de milho, feijo e fumo de rolo, forrou-se de experincia quando j possua o primeiro ciclo ginasial. To insinuante fora o labor vocacional, moldado no hbito das convices que, mais tarde, depois de con-

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ANDRADE, F. Alves de. Da agricultura ecolgica agronomia social. Fortaleza, Imp. Universitria, 1971. (Pensamento Universitrio).

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cludo o Instituto Gammom entre 1922-1924, matriculou-se na Escola Superior de Agricultura de Lavras, onde fez o curso agronmico, graduando-se em 1928. Modesta, mas regularmente equipada, sbria e objetiva, tinha aquela Escola ndole prpria e pedagogia original, voltando-se para o humano. Dispunha-se a formar no apenas o tcnico, mas o cidado, o lder, no futuro agrnomo, que deveria soerguer o mundo rural com a vigorosa ttica do saber humanizado, mediante uma aprendizagem participativa e intrahumana, capaz de se comunicar afetivamente, pois, como ensina Guimares Duque, no se vai ao agricultor, sem passar primeiro pelo corao. Guimares Duque conhecera o campo, antes de vir para a escola. Munirase de um saber rotativo, gerado entre a aprendizagem e o trabalho. Em sua faina aprendeu que, em primeiro lugar, preciso conhecer o homem, estudar e viver a sua experincia e nela mergulhar para ensaiar o ajustamento das tentativas tecnolgicas. Se os modernos tratadistas da problemtica do mundo preconizam unir estreitamente educao e trabalho, no Nordeste, ningum melhor que ele se aplicou neste saber rotativo. Explica-se assim a sua preocupao com a aprendizagem participativa e a necessidade de um ensino voltado para a realidade rural. Ao sair da Escola de Lavras, Duque ingressa no magistrio da Escola Superior de Agricultura de Minas em Viosa, onde se iniciou como professor no perodo de 1929 a 1932. Dali saiu, levado por Jos Amrico de Almeida, para enfrentar a lida agronmica em novo campo de lutas na Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). Convivendo com as secas, chegou concluso de uma agricultura ecolgica. Sua experincia direta levou-o a cobrir os sertes em tempos ngremes de quatro dcadas: 1932, 42, 43, 51, 53, 58, 62. As outras grandes secas, que a estas sucederam, seguiu-as Guimares Duque, como Conselheiro da Sudene e em outros setores junto ao Banco do Nordeste e na Universidade do Cear, onde ocupou ctedra de magistrio na Escola de Agronomia e na de Engenharia da mesma Universidade. 16

O DESAFIO DAS SECAS As secas do Nordeste, despertando as conscincias governamentais, funcionam como abalos altamente significativos, que determinam realizaes de infra-estrutura, mutantes da paisagem. A elas se pode aplicar a teoria do desafio-proposta de Toynbee.2 A de 1932, com Jos Amrico de Almeida, sucessor de Epitcio Pessoa, frente da problemtica regional, deixou-nos implantados os sistemas dos grandes audes e linhas-troncos de viao rodoviria, instituiu as obras de cooperao com os particulares e outros servios como a organizao dos postos agrcolas e de piscicultura que abriram a porta para a soluo agronmica. a fase da diferenciao. Antes jazia a Ifocs imersa na soluo hidrulica e florestal calcada na teoria de Ratzel, fundador da Escola Determinista, que atribui maior importncia ao meio do que ao homem. A seca de 1942 expandiu o sistema. A de 1951 trouxe-nos o Banco do Nordeste e a de 1958, a Sudene. Todavia, convm ressaltar que a obra dos que pensaram e realizaram na frente pioneira os trabalhos de valorizao econmica do Nordeste, forjando idias, ou executando servios, inapagvel. Inapagvel o que empreendeu o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, fazendo audes em alto estilo, construindo estradas, extinguindo as piranhas dos rios, implantando servios agrcolas experimentais, a irrigao, a piscicultura, perfurando poos para abastecer as cidades e os campos, cuidando do reflorestamento, da defesa e proteo da flora e da fauna, implantando a energia eltrica e campos de pouso. Para chefiar a Comisso Tcnica de Reflorestamento e Postos Agrcolas, foi nomeado o agrnomo Jos Augusto Trindade, cujo trabalho, em face da irrigao, incompreendida e tecnicamente desconhecida ainda, foi pioneiro e fundamental. Ao lado de Trindade, que veio do ensino para a implantao dos servios agrcolas do Dnocs, surgiu Guimares Duque, ambos professores da Escola Superior de Agricultura de Viosa, em Minas Gerais. Com estes dois mestres de trabalho sistematizado surgiu a concepo agronmica da soluo do problema das secas.2

ANDRADE, F. Alves de. Agronomia e humanismo. Fortaleza, Imp. Universitria, 1968.

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Aliar a nova lavoura irrigada lavoura pluvial antiga, racional criao de gados e explorao das plantas espontneas, abastecer os mercados locais de hortalias e frutas, produzir leite em maior e melhor escala, dar s mesas dos hotis e das famlias sertanejas um novo cardpio mais saudvel e atrativo, eis os principais objetivos a atingir. Os postos agrcolas metodizariam o trabalho, disseminariam boas sementes, mudas frutferas para os audes particulares, rvores de sombra, plantas forrageiras, raas aperfeioadas ou melhoradas. O Dnocs ergueu em So Gonalo, na Paraba, um Instituto Agronmico, destinado aos experimentos de irrigao e agropecuria na rea seca, tendente a produzir uma doutrina para um sistema de exploraes conjugadas. Falecido Trindade com 45 anos, em 1941, o Prof. Guimares Duque continuou-lhe a obra. Retomou a orientao e o desempenho do Instituto que passou a ter o nome do seu fundador. Arregimentou as equipes na pesquisa dos recursos naturais dos sertes, realizando diversos levantamentos de solos e de plantas forrageiras, oleaginosas e cergenas. Reuniu os resultados das pesquisas, analisou-os e interpretou-os de modo a discutir a problemtica luz de uma doutrina ecolgica, verdadeiramente agronmica, bem clara e bem definida. Revelando todo tipo de carncias a respeito do que tentou enfrentar; notadamente no que concerne irrigao nos audes pblicos, do Piau Bahia, Guimares Duque assim declara em uma entrevista concedida a Luiz Ricardo Leito, conforme texto divulgado na Revista Agricultura, no 18 Ano II 1976, pp. 59 a 65: Era preciso ter muita f no trabalho e cabelo no peito. Partamos da proposta de fazer da bacia de irrigao um microplo de desenvolvimento auto-sustentvel com a produo agrcola organizada em faixas de crculos concntricos em relao ao reservatrio. Comeando por culturas de vazantes, passando por reas de agricultura seca, at a cultura pura de xerfilas. Era um caminho novo.33

LEITO, Luiz Ricardo. Agricultura de hoje. 2 (18):59-65, set. 1976.

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O INSTITUTO JOS AUGUSTO TRINDADE E A DESCOBERTA DO NORDESTE Em seu primeiro livro Solo e gua no Polgono das Secas Guimares Duque d a conhecer os primeiros ensaios do Instituto Jos Augusto Trindade, instituio que a sonegao de recursos financeiros deixara abandonada. neste livro que o autor consegue salvar os resultados das pesquisas pioneiras, legando um repositrio de dados com os quais estabelece o enfoque ecolgico bem como o do desenvolvimento econmico, muito antes das idias do americano S. H. Robock: Os brasileiros, diz no prefcio do livro citado, temos observado o Nordeste sob o ponto de vista do combate s secas; desprezamos a sua funo como rgo integrado no Corpo Nacional, dando e recebendo benefcios de outras partes, permutando mercadorias e estimulando o comrcio com as comunidades midas limtrofes; temos subestimado a sua posio geogrfica como privilegiada no Hemisfrio Ocidental e esquecemos ainda que a perpetuidade de sua riqueza depende da conservao dos recursos naturais: solo, gua, flora e fauna. Aponta as vantagens da aridez, a salubridade e abundncia das plantas xerfilas do Nordeste, de alto valor industrial, possibilitando colheitas de produtos impossveis nas regies chuvosas. Lembra o clima propcio para a pecuria, a facilidade para a construo e conservao de vias de comunicao e a vantagem ainda da formao de regies de explorao agrcola e mineral diversificadas. No comeo deste sculo, pretendeu-se introduzir no Cear o dry farming dos norte-americanos, a lavoura seca, tendo como habilidade o manejo dos solos. Resumia-se em trabalhar a terra para embeber a escassa gua das chuvas, o que exigia solos profundos e de fcil manejo, raros do Nordeste do pedregulho e embasado no cristalino.

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A AGRICULTURA ECOLGICA Com fundamento na estrutura e fisiologia vegetal, refletindo sobre o fenmeno da elaborao e armazenamento de reservas das plantas, para as fases de escassez hdrica, Duque considerou que a lavoura seca nordestina devia basear-se no xerofilismo, buscando organismos que tolerem a escassez de gua, que fujam aos efeitos das deficincias hdricas e resistam s secas. J no eram os solos a base de operao da lavoura seca regional, mas as plantas xerfilas, cuja abundncia e riqueza a explorar constituem recurso dinmico para o desenvolvimento, com apoio na agroindstria. Havia ainda outros aspectos a considerar: a conservao dos recursos naturais e o binmio audagem-irrigao. E o nosso mestre, examinando a paisagem, via atento os solos cada vez mais nus, mais lavados, mais desrticos. Concluiu que o homem do Nordeste exercita-se na incompreenso cultural da interdependncia dos seres vivos. O desmatamento e a eroso arrastam a incomensurvel rea-problema, aqui, como em outras regies do mundo, para a grande crise silenciosa de que trata Udal em formoso livro, nos Estados Unidos, prefaciado pelo presidente Kennedy. Chama a ateno das elites para a conservao do solo e da gua, da flora e da fauna do Nordeste, em runas. A perpetuidade da riqueza regional depender, em suma, da manuteno mais ecolgica do habitat, num plano conservacionista dos recursos naturais. Convida ento os responsveis, a ajustar os processos tcnicos da populao, traando diretrizes aos nossos agrnomos. Num segundo tempo e visando mais ao aproveitamento dos recursos naturais, publica um outro importante livro O Nordeste e as Lavouras Xerflas em que estuda as regies naturais, as plantas resistentes s secas, oferecendo uma tentativa de zoneamento. Esta pesquisa passa a constituir verdadeira chave para o planejamento regional da agricultura e investimento do BNB e da Sudene. Informa, ento, sobre interessantes subsdios para o cultivo do algodo moc, carnaubeira, oiticica, caju, palma, faveleiro, manioba e outras mais.

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Os pesquisadores das universidades e outros institutos ou empresas de pesquisa devero retomar o fio e prosseguir na interiorizao, elucidando com experimentos este caminho aberto pelos pioneiros. Retroceder, hesitar numa atitude estanque, seria covardia caracterstica de uma involuo mental. A NOVA AGRONOMIA SOCIAL Outro mrito de Guimares Duque avulta em haver inicialmente positivado, mediante anlise dos recursos de solos e de guas, o real alcance do binmio audagem/irrigao. Assim, a audagem, pequena, mdia, grande, constitui soluo de alcance mui restrito a uma poro insignificante das terras, numa limitada poro a irrigar, quer por condies de topografia e constituio de solos, quer pelas disponibilidades e meios de utilizao da gua. Isto, porm, ao contrrio de retirar o mrito da soluo hdrica, refora a necessidade de utiliz-la de modo completo, intensivo e por todas as tcnicas exeqveis e cientificamente recomendadas. Uma nova interpretao em via da agronomia social constitui o ponto de chegada, o objetivo humanista da trajetria seguida por Guimares Duque. Da ctedra ao campo e do campo ao ensino inovador, o eminente intrprete insere-se entre os grandes mestres, desde a ordem dos princpios da Geografia ativa, de que tratam Pierre George, Guglielmo, Kayser e Yve Ia Coste, ao Humanismo telrico do Nordeste, compreendido como esforo cultural, tendente a assegurar melhores condies para o desenvolvimento econmico e social do homem da Regio. Eis que a melhor caracterstica de sua operosidade cultural codifica-se na interpretao dos obstculos ou resistncias humanas ao processo de desenvolvimento da agricultura moderna na Regio seca. Em suas observaes referentes tcnica, o agrnomo vai do fsico ao ecolgico e deste ao humano. As obras de engenharia (estradas, audes, canais de irrigao) introduzidas como uma cunha no ambiente sertanejo assevera Guimares Duque significaram uma reao violenta, de fora, no processo social que se vinha manifestando em cmara lenta. Os ltimos 50 anos trouxeram modificaes mais profundas e arbitrrias na zona, do que os trs sculos anteriores; o 21

panorama fsico apresenta-se mais devastado, as trocas comerciais se intensificaram e os contatos com os outros centros ampliaram os desejos dos homens nas conquistas materiais, provocando uma desacomodao dos grupos com o meio.4 Assim, Guimares Duque o intrprete humanista da agronomia brasileira, o socilogo do problema agrrio do Nordeste com fundamentao ecolgica; o preconizador da agronomia social para o desenvolvimento da Regio. O CONTEDO DO LIVRO Perspectivas Nordestinas, firmando-se na pesquisa elaborada e expressa em Solo e gua no Polgono das Secas e em O Nordeste e as Lavouras Xerfilas, estuda os aspectos humanos que interessam ao desempenho do seu povo, mostra os seus problemas nos diferentes setores de atividades, analisa, critica luz de sua doutrina e sugere providncias de poltica objetiva base dos recursos naturais e humanos. Na primeira parte estabelece uma tentativa de diagnstico. Observa que a rapidez dos transportes e comunicaes novas, que aproximaram os pases adiantados das praias do Nordeste, estabeleceram uma aproximao horizontal, no diminuindo o desnvel cultural. Deu-se uma competio comercial desigual e esmagadora. E enquanto as vias de comunicao internas levam ao interior os produtos de consumo estranhos ao povo, e a propaganda agua o desejo de compra, esse no alcana o poder aquisitivo correspondente. Vendendo matria-prima barata, compra por preos altos os produtos importados. No cresceu a renda e o povo no pode poupar. Rompeu-se o equilbrio da sociedade antiga, os fazendeiros perderam as chefias, o dinheiro refluiu para os bancos, idias polticas foram importadas sem que o povo estivesse altura de bem compreend-las ou de julg-las. Em concluso, no podemos culpar as condies fsicas e as raas que nos formaram pelo atraso do Nordeste. As deficincias da organizao administrativa, a fraqueza das condies polticas e o despreparo da populao,4

DUQUE, Jos Guimares. O Sertanejo e as modificaes da sociedade. R. Aspectos, Fortaleza, 1 (1):95-121.

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para defender e estimular o desenvolvimento so os fatores mais inibitivos da conquista do progresso.5 No fecho de sua tentativa de um diagnstico geral, Guimares Duque pronuncia-se com esta mensagem de esperana: felizmente, a nova conscincia nordestina nascente e a avidez de instruo da classe mdia merecem ser aproveitadas e estimuladas com otimismo, apoio e seriedade, como uma significativa esperana de melhor destino para o Nordeste.6 O autor reporta-se disparidade do progresso e, retomando o fio de seus conhecimentos sobre o meio fsico, faz uma sntese de suas definies, em retrospecto das regies naturais. D-nos uma reviso de informes sobre as opinies dos estudiosos dos problemas do Nordeste. E num esboo histrico pe em evidncia o procedimento em marcha evolutiva das providncias oficiais e tentativas para o equacionamento e solues das questes nordestinas. No final do que considera genrico em suas ponderaes preliminares e sob a epgrafe de Uma Opinio Despretensiosa, assevera que os homens do passado expuseram suas idias, conforme os conhecimentos do seu tempo e o que a gerao atual procura realizar a seleo daquelas idias mais racionais, sancionadas pela observao e experincia adquirida com a execuo tanto quanto possvel prioritria.7 O prosseguimento a seguir se encaminha em trs ordens de princpios: em primeiro plano, o povo fator dinmico e decisivo do desenvolvimento econmico e social; em segundo, medida que o aperfeioamento dos recursos humanos intensificado, a segunda ordem dos problemas econmicos cresce de importncia; os planos da Sudene contm as perspectivas de boas metas; em terceiro plano, procurando definir os objetivos da integrao econmica e social das regies brasileiras, aconselha os seguintes objetivos: a) orientar e ajudar as famlias que livremente querem agricultar o Maranho, o Piau e Gois; b) construir estradas estratgicas ligando os centros5 6

DUQUE, Jos Guimares. Perspectivas nordestinas (mimeografada). Ibid. 7 Ibid.

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de colonizao do Polgono das Secas; c) intensificar a produo dos gneros alimentcios, sementes oleaginosas e produtos da pecuria para o reforo dos sertes; d) povoar os claros demogrficos para a defesa nacional e justificar as obras hidrulicas dos rios Itapicuru, Parnaba, Tocantins e Araguaia, para fornecimento de energia e interligao com as redes nordestinas e suprimento recproco. A INSTRUO E A EDUCAO Na segunda parte a seguir, trata o autor da preparao nordestina para o desenvolvimento econmico e social. Assinala em sua ndole defeitos e virtudes e considera a instruo e a educao. luz de dados oficiais e em determinado instante de sua observao, faz um ligeiro repasse do ensino primrio, secundrio e superior no Nordeste. Procura estabelecer uma comparao, a exemplo da Frana e dos Estados Unidos, em relao ao Nordeste, cujas condies foram objeto de estudo em linhas do Decreto 50.913 de 5 de julho de 1961, relacionando as suas recomendaes. Focaliza posteriormente o problema da preparao dos professores. Manifesta as suas reflexes sobre os especialistas, os cientistas, passa a examinar as atribuies das universidades e revela que o ensino brasileiro demasiado intelectual e deficiente no contedo de sentimento. As escolas esto saturadas de cincia e quase vazias de humanismo. Prepara-se o habitante para servir a si prprio e no a seu povo. Ensina-se o educando como enriquecer rapidamente e no como tornar menos sofredora a sua gente. H relativamente muita cincia, mas pouca cultura e tica. Ora, o conhecimento cientfico proporciona capacidade realizadora ao tcnico, entregando-lhe o domnio da Natureza; confere-lhe regalias sobre os atrasados que tm sido abusivamente usufrudas. Mas a moral no sanciona os atos individuais dos lucros exorbitantes em prejuzo da coletividade.8 PONTO DE VISTA TICO-POLTICO Do ponto de vista tico-poltico, o nosso mestre de humanismo argumenta com fatos, exibindo em cada ramo das profisses liberais as deforma8

DUQUE, Jos Guimares. Perspectivas nordestinas (mimeografada).

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es patentes. E objetivando seu conselho de humanizao, mostra-nos este tpico: Pensamos que o tcnico deve enxergar alm da prancheta de desenho, ter a convico do trabalho em grupo e ser um homem sensvel conservao dos recursos naturais e ao melhor destino do ambiente em que ele vive. A luta contra a pobreza, a ignorncia, a doena e a inquietao das classes desprotegidas tem de ser baseada no uso das normas cientficas e na habilidade das relaes humanas dos tcnicos.9 Depois de considerar o valor econmico da instruo e da educao, mostra o realce da importncia dos habitantes bem dotados. Examina a instrumentalidade para a formao cientfica, a importncia das publicaes e bibliotecas. Passa em revista o problema da mo-de-obra nordestina, a necessidade de habilitao de pessoal para o setor primrio, a preparao de pessoal para o setor secundrio, o aperfeioamento de pessoal para o setor tercirio, faz suas reflexes sobre os administradores e escolas de administrao. Esclarecendo a opinio pblica sobre os assuntos de desenvolvimento, observa que, no Nordeste, a ao da cpula dirigente ou o esforo desenvolvimentista de cima para baixo est muito forte, porm a reao de baixo para cima, ou seja, a cooperao do povo para completar a sntese progressista est muito fraca. E esta fraqueza promana da quase indiferena da numerosa classe sem habitao, conhecimento e civismo.10 OS PROBLEMAS ECONMICOS E A IRRIGAO A terceira parte do livro voltada para os problemas econmicos do Nordeste, a partir dos recursos naturais e transportes. agricultura dedicado um captulo sistemtico, pontilhado de reflexes humanistas. Esclarece inicialmente que o povo rural carece de modificar o modo de interpretar a vida e no simplesmente substituir a tcnica de trabalho. Uma nova tcnica de labor, por si s, no forma uma sociedade. Seu conselho ao extensionista

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DUQUE, Jos Guimares. Perspectivas nordestinas (mimeografada). Ibid.

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participativo: procurar compreender o panorama da vida social, rural, aprender algo com o sertanejo, em vez de somente ensinar, para sermos eficientes na introduo de outras prticas contando com a simpatia e a ajuda do povo. 11 Oferece o quadro fundamental de suas pesquisas sobre as reas aproximadas das regies naturais do Nordeste e levanta a estimativa da sua capacidade de suporte em efetivos humanos. No relato descritivo sobre a lavoura irrigada, mostra o panorama da audagem at ento existente e focaliza algumas iniciativas de ordem tcnica primordial: a irrigao tem muitas questes a resolver; entre elas esto a correo dos solos, a adubao, as doses dgua, a evapotranspirao, a rea do lote familiar, a conservao da fertilidade do solo, a determinao dos custos da produo e outros. O nmero de audes pblicos e particulares ao longo de um rio ou riacho est exigindo regulamentao imediata. 12 As formas de assistncia aos irrigantes trazem outras reflexes auxiliares de ordem social e psicolgicas que devem ser consideradas. A seguir, o autor procura dar mais outros informes sobre as culturas do litoral Sul baiano. Todavia, ao estudo das lavouras xerfilas que o livro atende com maiores observaes. No constitui assunto novo, pois o tema vem tratado em outra obra especializada O Nordeste e as Lavouras Xerfilas. Mas o autor julgou por bem retomar o fio da meada para a necessria integrao. Considere-se o sistemtico e harmnico empenho de conduzir o seu pensamento, do ecolgico ao social. Deste modo, os recursos naturais so a chave que abre a porta para os empreendimentos humanos, que exigem afinal um tratamento poltico. Tratando da mecanizao da lavoura, o autor estabelece um interessante declogo de concluses. Passa a transmitir suas lies e mtodos de agricultura, num retrospecto antropolgico, concluindo que quanto produtividade, desde que seja atenuada a ambio, nos contentemos com o que o solo pode dar, sem extorso, observado o repouso e mantida a terra gorda.11 12

DUQUE, Jos Guimares. Perspectivas nordestinas (mimeografada). Ibid.

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O tema da pecuria tratado com objetivos prticos relativamente ao melhoramento das pastagens e conservao de forragens. Aborda o tema da climatologia, os processos de melhoramento dos rebanhos leiteiros e de carne. Conclui que antes de qualquer iniciativa de melhoramento gentico o pecuarista deve melhorar os pastos, multiplicar os bebedouros, dividir os pastos com cercas, estabelecer a rotatividade dos pastoreios, preparar feno e silagem, aplicar as vacinaes peridicas, fazer as fichas dos animais e organizar a escrita contbil da fazenda. Estabelece diretrizes para os investimentos na agricultura e faz algumas reflexes sobre a comercializao. Observa que as lies de assistncia aos agricultores, nos ltimos decnios, recomendam romper o estrangulamento da circulao dos produtos para alcanar a articulao direta dos agricultores com os consumidores. No captulo sobre o abastecimento de gneros alimentcios, alude organizao deste a partir das cooperativas ou sociedades no interior, articuladas em centros providos de instalaes e meios de transporte. No captulo sobre a Pesca, lembra a eficincia do Servio de Piscicultura, atividade pioneira do Dnocs desde 1933. O estudo das espcies ictiolgicas, a criao de alevinos, o peixamento dos reservatrios, o combate s piranhas, a construo dos escama-peixes e o controle da pesca do a conhecer um desempenho de reconhecido valor. Aborda em bem elaborada sntese o problema da habitao e chega afinal ao captulo da Industrializao, a partir da formao das cidades. Mostra a formao urbana desde o perodo colonial, situando os fatores que deram origem s diversas cidades do Nordeste. Chega-se neste caminho ao dualismo Urbanismo versus Ruralismo. O ruralismo visto pelo autor pelo conjunto das questes da populao campesina em relao ao ambiente, sendo a comunidade a profisso agrcola, e os problemas rurcolas so mais do ponto de vista humano. O urbanismo transcende a expresso da Arquitetura (estudo das cidades no sentido fsico, funcional, higinico etc.) para focalizar os aspectos da vida humana aglome-

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rada, as ocupaes e tendncias. Procura-se, porm, evitar o posicionamento antagnico de alguns que vem o crescimento das cidades como um mal, contrapondo-se aos que consideram que quanto maior a diminuio da mo-de-obra da lavoura mais acelerado o ritmo do desenvolvimento econmico. O humanista adota um meio termo: a absoro dos braos ativos do setor primrio pelos outros ramos da atividade ou deve ser realizada em funo da criao de novos empregos e em concordncia com o progresso da agricultura. O autor otimista, e assim se pronuncia: h uma possvel harmonizao do desenvolvimento. Vinculadas as medidas para o desenvolvimento urbano-rural, teremos ambiente propcio para o lanamento da Campanha de Esclarecimento da Opinio Pblica. E numa franqueza de convices, mostra e argi as vantagens, desvios e tendncias da industrializao. Conclui mostrando o espelho da indstria de adubos e fertilizantes qumicos e adubos orgnicos; indstria de ferramentas e pequenas mquinas; indstrias de alimentos: de lacticnios, de farinhas de massas; conservas de hortalias, doces, bebidas; indstrias de leos vegetais: algodo, mamona, coco-dabaa, caju, oiticica, amendoim, milho, gergelim, faveleiro e dend. Lana um olhar sobre o mercado de leos, indicando as medidas que considera mais importantes. Finalmente, estende-se siderurgia, fbrica de borracha sinttica, indstria de lcalis, no empenho de estabelecer uma tessitura global de suas consideraes. O PENSAMENTO UNIVERSALISTA Este livro, concludo nas proximidades da dcada de 70, escrito por quem dedicou toda a sua vida problemtica do Nordeste, e com os olhos fitos na implantao do desenvolvimento da Regio, de que ativamente participou, um documento com integrao proftica na mais recente mensagem dos cientistas que estudaram os problemas planetrios do Mundo. Referimo-nos ao ltimo comunicado do Clube de Roma, constante da Conferncia de Salzbourg sobre aprendizagem, em junho de 1979. Os resultados dessa importante reunio internacional, confirmados pelo Dr. Fre28

derico Mayor, diretor-geral-adjunto da UNESCO, voltam-se para o lanamento de um grande projeto internacional de pesquisa interdisciplinar em matria de aprendizagem, centralizada como meio de superar as desigualdades ou disparidades entre os seres humanos. 13 Esta anlise interdisciplinar de Guimares Duque, abordando a problemtica do Nordeste num enfoque global, anteviu este aspecto e tem esta ndole. Guimares Duque foi no Nordeste o primeiro a lembrar a aprendizagem inovadora como meio de transpor as desigualdades do desenvolvimento, no somente sob um pensamento racional e lgico, mas intuitivo. Ora, como a problemtica mundial encontra seu reflexo nas teorias da aprendizagem, a insistncia em recorrer ao ensino e educao participativa torna o seu trabalho atualizado e em rbita dos grandes ideais humanos. A FUNDAO, O ENSINO E A PESQUISA AGRONMICA A Fundao Guimares Duque, que, por diligncia do Prof. Vingt-un Rosado, a ESAM instituiu e articulou com a Escola Superior de Agricultura de Mossor, como instituio de apoio e orientao cultural, conta com vultoso nmero de publicaes de interesse regional, num total de mais de 170 livros editados na Coleo Mossoroense. Esta simbiose tcnico-cultural cresce com a doao, pela famlia de Guimares Duque, da biblioteca do escritor e ainda mais com este livro que ele deixou indito e que ser publicado como a ltima mensagem do seu autor. O catlogo da aludida biblioteca, que registra cerca de 1.200 livros, folhetos e peridicos, alm de documentos de interesse para o pesquisador das fontes nordestinas, ser enriquecido com mais este volume, coroamento das atividades culturais do consagrado tratadista do Nordeste. generosa e dedicada viva deste benfeitor, D. Maria Laura Moreira Duque e famlia, a Fundao e a Escola Superior de Agricultura de Mosso13

BOTKIN, J. W. et alii. On ne finit pas dapprendre rapport au Club de Rome. Paris, Pergamon Press, 1979.

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r testemunham, neste ensejo, os seus agradecimentos, j expressos no telegrama que se transcreve para documento: A D. MARIA LAURA MOREIRA DUQUE Rua Vicente Leite 1.600 Fortaleza Ce NR 07 ESAM 21/08 GUIMARES DUQUE NOS CHEGA PELAS SUAS MOS GENEROSAS ATRAVS DOS LIVROS QUE ELE TAMBM TANTO AMOU pt AGORA NOSSA RESPONSABILIDADE CRESCE DIANTE DA MEMRIA SAGRADA DO SBIO ET DO APSTOLO DO XEROFILISMO ET HUMANISMO TELRICO pt SAUDAES ATENCIOSAS PEDRO ALMEIDA DIRETOR ESAM ET JERNIMO VINGT-UN ROSADO MAIS PRESIDENTE FUNDAO GUIMARES DUQUE.14 A responsabilidade de apanhar os frutos da s doutrina e plantar as sementes que continuaro a obra de Guimares Duque de todas as instituies cientficas e culturais do Nordeste. que, como ele prprio disse Largo tempo foi perdido na demonstrao de uma tcnica sem humanismo, na implantao de princpios cientficos que, embora verdadeiros, no tiveram apoio dos conceitos sociais mais simples, mais humanos, mais altrustas. 15 No se pode dizer que a doutrina de Guimares Duque foi esquecida. A experimentao de contedo ecolgico prossegue no Dnocs, nos projetos da Sudene, nas iniciativas em convnios do Banco do Nordeste, a exemplo do que empreende o Centro de Cincias Agrrias da UFC, a Epace, a Esam, em projetos de pesquisas de plantas xerfilas, melhoramento de ovinos deslanados e criao de caprinos, alm de estudos sobre pastos nativos e pastejos rotativos.

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ARAGO, Maria Ins et alii. Catlogo da coleo Guimares Duque. Mossor, Escola Superior de Agricultura, 1981. (Coleo Mossoroense, v.144). 15 DUQUE, J. Guimares. O Nordeste e as lavouras xerfilas. 3. ed., 1980. p. 11. (Coleo Mossoroense, v. 143).

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A revista Agricultura Abastecimento e Pecuria16 divulga algumas pginas em evidncia. Estamos, com todo empenho, tentando mais campo e clareira para a seara de Guimares Duque, que refletiu muito sobre estas coisas. Depois de ensinar Agronomia Tecnolgica e v-la em um fundo ecolgico, como embasamento renovador dos processos agrcolas, sentiu o relevo da Agronomia Social. Por falta da continuidade de conhecimentos evolutivos mais densos e humanizados, esboroa-se o economismo puro, rgido, exclusivista, j superado. Retifiquemos os retculos da aparelhagem. tempo de amanhecer. Mossor, 8 de novembro de 1981 F. ALVES DE ANDRADE Do Instituto do Cear e da Academia Cearense de Letras, Prof. Titular da UFC e Prof. Visitante da Escola Superior de Agricultura de Mossor (ESAM) e Pesquisador II/B do CNPq.

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LEITO, Luiz Ricardo. Uma lio de convivncia entre a fartura e a seca. R. Agricultura abastecimento e pecuria, 2 (181, set. 1976.

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1. UM DIAGNSTICO1.1 - CONSIDERAES GERAIS O Nordeste, em relao ao Centro-Sul do Brasil, apresenta caractersticas de subdesenvolvimento econmico e social que so evidenciadas nos seguintes fatos: a) baixa produtividade por habitante ativo; b) renda per capita igual metade da do pas; c) subnutrio parcial da populao; d) elevada percentagem de analfabetos; e) deficincia administrativa nos servios pblicos e nas empresas privadas; f) conhecimento ainda limitado dos recursos naturais; g) infra-estrutura econmica incipiente; h) irregularidade pluviomtrica, ocasional; i) escassa cooperao na execuo dos trabalhos entre os rgos e entidades responsveis pelo desenvolvimento; j) predominncia dos interesses individuais sobre os coletivos e fraca colaborao entre os polticos, os administradores e os tcnicos, na soluo dos problemas; k) deteriorao nas trocas do comrcio internacional em prejuzo da regio exportadora de matrias-primas. Muitos dos sintomas citados so efeitos e causas ao mesmo tempo. As provveis causas do atraso no desenvolvimento econmico do Nordeste tm origem nas influncias internas e externas que atuam sobre a Regio; poderamos relacion-las como fatores geogrficos ou fsicos, determinantes histricos, conseqncias polticas, fatores econmicos, reaes sociais e despreparo da populao ou desprezo da tcnica. O Nordeste se encontra em posio geogrfica muito afetada pela diviso dos ventos secos e midos, quentes e frios, resultantes das temperatura e da presso atmosfrica no Atlntico-Norte, na frica do Sul, nas Ilhas do Pacfico e no Sul da Amrica. A variao desses fatores, afastando ou aproximando as frentes tropicais frias e midas, combinada com outras causas, traz uma irregularidade nas chuvas ou secas sem ciclo definido. A proximidade do Equador lhe d um clima quente, com sol abrasador no cu de poucas 33

nuvens. As montanhas de altitude limitada, nem sempre na posio, em relao aos ventos, de provocar chuvas; o solo de pouca profundidade para acumular gua e o elevado poder da atmosfera quente para sugar a umidade completam o quadro climtico, tropical, ora quase seco, ora mido, conforme o capricho dos ventos e das nuvens. No h seca total. Dir-se- que o ambiente anfbio e joga, com surpresas, s vezes, desagradveis, a sorte da populao. Esse , em linhas gerais, o Polgono das Secas com as regies do serto, do serid, da caatinga, do cariris, do curimata e do carrasco. O Nordeste (Piau-Bahia), por influncia da geologia, da topografia, da flora, do solo, da proximidade do mar e da altitude, apresenta regies isentas de seca e outras submidas (mata, agreste, serras). Assim, essa parte do Brasil no ecologicamente uniforme; um taboleiro de xadrez com microclimas especiais. Esse meio de cu, s vezes ingrato, habitado por um povo inteligente e verstil nas aptides, mas que no aproveita os recursos naturais e suficientes para o seu desenvolvimento, constantes dos minerais, da flora potencialmente rica, e de mananciais dgua em alguns pontos. A antilogia que a seca parcial corrigvel, que os recursos naturais so convidativos e, apesar disso, o discernimento e a presso das necessidades do povo no encontraram, ainda, a cooperao para atenuar os sofrimentos. As trs raas que nos formaram, depois do descobrimento, no eram dotadas de alta tcnica produtiva, agrcola, nem dispunham de equipamento adequado ao trpico; o ndio estava, ainda, no perodo neoltico; o negro trouxe a lavoura nmade, com as derrubadas e o fogo; o portugus, na luta contra os invasores, lanou a lavoura da cana e a criao de gado. O povoamento do Interior se fez pelo vaqueiro, que fundou os currais de gado e pelos bandeirantes, que procuraram o ouro, de forma improvisada. As fazendas foram-se formando em torno dos currais e das primeiras plantaes; medida que as fazendas surgiam, aqui e ali, em clulas comunitrias, os fazendeiros tornavam-se os chefes, os pais, os delegados e os banqueiros da sociedade patriarcal, composta da famlia, dos moradores, dos vizinhos e dos dependentes. As crises de seca, as lutas polticas e o cangao 34

quebravam, de vez em quando, a monotonia desta evoluo em cmara lenta. Era uma sociedade que se apoiava na economia de subsistncia com lavouras alimentcias e mais a carne e o leite, que a vaca trazia da caatinga. O crescimento da populao, no perodo imperial, multiplicou as fazendas com a diviso das antigas sesmarias, e introduziu o cultivo do algodo, as colheitas extrativas da cera de carnaba, da borracha, da manioba e o garimpo do ouro e do diamante. A exportao fomentou a economia monetria nas cidades, porm, em alguns recantos, ainda perduram as atividades de pura subsistncia. Aps o advento da Repblica, a populao aumentada sofreu mais intensamente os efeitos das secas. A solicitude do governo em atender s crises determinou a construo de obras na forma de estradas, de audes, de portos, de telgrafos, de poos e de escolas. Mas, o carter assistencial e descontnuo no deu aos empreendimentos todas as finalidades previstas. Enquanto a comunidade sertaneja, com poucas escolas, se mantinha isolada das outras regies brasileiras, sem contato direto com outra sociedade para adquirir novos hbitos por imitao, e se cristalizava nas suas crenas e tradies, l fora, no Exterior, alguns pases disseminaram a instruo, criaram indstria, inventaram meios rpidos de transporte e procuraram comprar matrias-primas e vender artigos manufaturados. A rapidez dos transportes martimos, do avio e das comunicaes por rdio aproximaram os pases adiantados das praias do Nordeste e deu-se uma competio comercial, desigual e esmagadora. A aproximao horizontal no diminuiu o desnvel cultural. As vias de comunicao internas levaram ao interior as novidades estrangeiras mais diversas que a propaganda incitava curiosidade e ao desejo do povo de compr-las, sem que esse tivesse o poder aquisitivo correspondente. Vendendo matria-prima barata e comprando mercadorias importadas, a populao despreparada no pde poupar. No cresceu a renda per capita local em igualdade com a mesma renda brasileira. Com o rompimento do equilbrio da sociedade antiga, os fazendeiros perderam as chefias locais, o dinheiro refluiu para os bancos e, nas capitais, a populao acrescida adquiriu mais mobilidade para o xodo contnuo e 35

novos polticos assumiram as posies para distribuir verbas e benefcios com outros critrios. Foi dada a maior prioridade s construes de novas obras do que complementao para explorao daquelas j iniciadas. As conseqncias desse impacto econmico perduraram por longo tempo, acentuadas algumas vezes pela seca e pela lavoura frustrada no conflito com as condies ecolgicas. Idias polticas foram importadas sem que o povo estivesse altura de bem compreend-las e de julg-las. As grandes modificaes polticas por que passou o Brasil desde o seu descobrimento, como a estrutura administrativa portuguesa da era colonial, o Imprio, a libertao dos escravos, a Repblica, a Revoluo de 1930 etc., tiveram repercusses sociais, preservaram a unidade nacional, porm, limitada conquista obtiveram na integrao econmica das regies brasileiras (Nordeste-Norte-Sul); atuaram fracamente na formao da infra-estrutura e na preparao de lderes regionais que evitassem o obscurantismo zonal. Houve grandes vozes isoladas que no alcanaram eco na poltica geral e que no tiveram fora para criar uma conscincia no Brasil economicamente unido, como ele o politicamente. Sem dvida, a independncia poltica do pas, assegurando a unio federativa dos estados, uma grande vitria dos polticos do passado. Esse milagre poltico um paradoxo econmico-social. Os ciclos do ouro, da cana-de-acar, do caf e da borracha, que deram curtos perodos de euforia financeira, no foram aproveitados para os investimentos racionais no adiantamento das regies atrasadas, de modo que ressaltassem o desequilbrio econmico e social futuros. A alternativa de secas e de anos chuvosos tem dificultado a acomodao de hbitos preservadores do bem-estar das comunidades; as fases de fartura fazem desprezar as medidas para conservar os alimentos; nos anos de cheias so esquecidas as secas. A populao, com 60% de analfabetos, com poucos tcnicos e escassos operrios especializados no estava preparada para vencer a seca e diminuir o pauperismo; as providncias governamentais, insuficientes e unilaterais, no conseguiam promover a cooperao entre governantes e governados. 36

A complicada mquina administrativa, o excesso de leis, a predominncia de interesses individuais (em alguns casos) atrasavam as distribuies das verbas, a liberao dos recursos e desanimavam os tcnicos ante as dificuldades que se situavam acima das suas foras, dos seus poderes e atribuies. A administrao geral e a local no primavam pela escolha dos homens com a capacidade, os conhecimentos, a honestidade e a dedicao para administrar os empreendimentos. As preferncias pessoais, as amizades, o companheirismo poltico e as trocas de favores eram os determinantes na seleo dos homens para os postos-chaves. As excees eram poucas. Tambm, a escassez de bons administradores no facilitava essas nomeaes. Em meio sculo passado, o governo central esforou-se por cumprir a misso, porm derivou as providncias para uma assistncia paternal, que gerou vcios administrativos e polticos de toda ordem. A inteno foi boa e patritica, mas a simples preocupao com os estudos do meio fsico e com as obras, sem uma investigao prvia dos aspectos mais profundos dos fenmenos sociais e econmicos, no ensejou o emprego mais benfico do numerrio, em favor das massas desprotegidas. A idia de que verba no investimento conduziu a gastos em empreendimentos dispersos, alguns inacabados, outros improdutivos, que no proporcionam, ainda hoje, os benefcios sociais e financeiros que eram esperados. O povo mais ignorante entendeu de esperar tudo do governo, afrouxou a iniciativa, descuidou de aprender mais, no se esforou para andar sobre os prprios ps e conformou-se com o teto baixo de sua vida. O despreparo popular no facilitou a fiscalizao nas inverses governamentais. Se competem alta administrao as medidas gerais, cabe ao povo a cooperao nas obrigaes locais, a execuo das tarefas que somente ele est em posio de realizar, com a sua fora de trabalho, a sua perspiccia, a sua onipresena de habitantes espalhados em cada municpio quando a administrao est ausente para corrigir, com a ao, os elementos frustrantes do xito nos empreendimentos. 37

A atitude da massa insubstituvel, na efetivao do progresso. Os planos governamentais devem atrair a ajuda da populao. Se o meio oscila na concesso de recursos, se a praga ataca as lavouras, o fator humano estado de alerta uma arma de que o sertanejo disporia para ultrapassar a crise momentnea. A premncia das necessidades, os sentidos aguados pelas indues ecolgicas, o contato mais ntimo com as dificuldades vislumbram sucessos, encontram solues locais que, mesmo originadas do empirismo, podem ter a sano da cincia. Cada comunidade tem, para os seus problemas, o acerto mais feliz, tudo dependendo de ach-lo. As solues universais, generalizadas, muitas vezes apontadas oficialmente, nem sempre se ajustam s mincias locais, s nuances do ambiente ecolgico, ndole da comunidade, motivo por que urge extrair do gnio inventivo, do poder de interpretao e da capacidade de adaptao do homem, os instrumentos e cabedais superadores dos empecilhos especficos da localidade, abrindo caminho para novas idias, outros expedientes e prticas diferentes, antes insuspeitadas, para atingir o melhoramento da vida. Os projetos oficiais, em geral, carecem de prudncia e poder de conquistar a simpatia, a aprovao e o auxlio dos habitantes, que eles pretendem beneficiar. As solues alternativas, modestas, como a procura, na tendncia de improvisao do povo, de novas formas de sucesso inculcadas pelo sentir da natureza em redor em face dos desejos inatos do campons, foram esquecidas ou desprezadas pelo tcnico, que, preocupado com a artificializao do meio, julgou-se superior na compreenso e na experincia ambiental do habitante nativo, olvidando que esse foi plasmado pelas reaes, pelas emoes e pelos sacrifcios de longa vida. preciso colher, aqui e ali, os germes de tentativas isoladas, em pontos destacados, onde alguns homens argutos, por iniciativa prpria, aplicaram idias, que esto indicando resultados surpreendentes, e estudar essas improvisaes com mtodo para auxili-las racionalmente, a fim de que ganhem os tcnicos mais conhecimentos ecolgicos e tirem lies para distribuir as suas vantagens com os lavradores menos favorecidos. Tem-se estudado o Nordeste 38

fsico, seu clima, seu solo, suas obras e nunca se avalia a sua civilizao, pelos fatores humanos que a compem, nem o sistema social e sua gente. A tradio do modo de viver e como ela evoluiu atravs das geraes determinaram o grau atual de conhecimento, o manejo e a eficincia do equipamento de trabalho e o modo de produzir para satisfazer s necessidades sentidas pelo povo, no local. A elaborao dos planos pelo governo, sem consulta ao povo, desestimula a participao mais ativa dos sertanejos nas finalidades das obras. A imposio de idias, sem permitir sugestes, causa reao contrria pela interpretao de desprezo no valor e na importncia da experincia alheia. A prioridade das carncias sofridas pelo matuto, supostamente ignorante, no a mesma concebida pelo homem instrudo e colocado como diagnosticador dos males alheios. Os rgos que, no passado, operavam no Nordeste, no se fizeram cientes das responsabilidades e das conseqncias de suas intervenes, com efeitos na sociedade rural; no se aperceberam de que a melhoria das condies econmicas e sociais requeria a atuao de diferentes especialistas como agrnomos, socilogos, economistas, educadores, engenheiros e veterinrios, para conhecer a realidade da situao cultural, do comportamento, do labor, dos hbitos comunais, das crenas, das ferramentas, das prticas agrcolas e da contribuio das famlias para a renda. A vida de uma comunidade um misto de cultura tradicional e de sistema de trabalho; o modo de pensar, de sentir e de trabalhar do homem do campo o resultado de um processo histrico, decorrente da influncia do passado, de segregao em que viveu, dos costumes familiares, do equipamento de que dispe, do grau de conhecimentos, dos recursos do ambiente e do contato que teve com outras sociedades adiantadas ou retardadas. No se pode progredir sem criar, no grupo, uma nova concepo de vida e do mundo. No se pode separar o homem da sua vida. O tcnico no se deve envergonhar de aprender algo com o matuto, pois no existe uma sociedade humana totalmente atrasada; o subdesenvolvimento parcial e relativo; uma comunidade retardada em relao a outra no capital tcnico (conhecimento e equipamento), na cooperao, no desejo de ven39

cer as dificuldades, nas relaes sociais dos seus membros e no clima psicolgico nelas existente. Embora a populao do interior apresente alto ndice de iletrados, criou, entretanto, uma cultura folclrica, rica; sedimentou hbitos comunitrios e tradio de famlia, a seu modo; firmou a crena religiosa, crist; formou um artesanato artstico, interessante e possui um nvel mental suscetvel ao progresso, desde que as intervenes oficiais no desprezem as suas aspiraes. A desarticulao entre os rgos federais, estaduais, municipais e autrquicos, com programas isolados, tem resultado na morosidade dos trabalhos, no fracionamento dos recursos, na no-utilizao eficiente dos especialistas e na prestao insatisfatria de servios. O fracionamento dos municpios, criou novas edilidades, sem o correspondente aumento de produo e de riqueza, exorbitou as despesas administrativas, exigiu mais administradores, quando esses existem em nmero mnimo e intensificou as disputas pelos quinhes federais do imposto de renda. J h mais de 1.000 (mil) prefeituras do Piau at a Bahia. O meio social nordestino, com a mentalidade contemplativa, com o desprezo pelo trabalho manual, resultante da escravido, com o baixo nvel das aspiraes, com o esprito pouco afeito ao mtodo e sistematizao das novas operaes, com a falta do encadeamento de processo de desenvolvimento desde os sculos passados (pois cada inovao tem origem na fase anterior, com a acumulao dos conhecimentos e das descobertas, que so os germes do progresso vindouro) o meio social , repetimos, no condicionou ou no propiciou o surto do adiantamento. Desse modo, o meio econmico no pode capacitar a estrutura da sociedade a absorver as mudanas do fenmeno tecnolgico com a rapidez imposta pela competio comercial estrangeira e pela satisfao das necessidades internas sempre crescentes. As excees so raras; somente algumas famlias formaram empresas prsperas em crculo restrito. A agricultura, principal ramo das atividades, no tem recebido para o seu desenvolvimento a prestao de servios dos setores secundrio e ter40

cirio; as cidades-chaves colocadas nos centros produtores e nos cruzamentos rodoferrovirios no dispem de estabelecimentos comerciais bem providos de materiais agrcolas. Faltam fbricas para dar trabalho populao ociosa. H carncia de hospitais, de colgios, energia eltrica e de gua. Os fazendeiros, em torno delas so forados a longas viagens para procurar mecnicos e peas para as suas mquinas, bem como inseticidas, remdios, dinheiro e assistncia para as pessoas sob sua responsabilidade. O fazendeiro fornece alimentos e matrias-primas mas no recebe, em compensao, a prestao de servios a que tem direito. A lavoura e a pecuria so elos da cadeia do desenvolvimento de que fazem parte, tambm, a indstria, o comrcio, os transportes, a instruo, as profisses liberais, a administrao pblica, a sade e a segurana. A industrializao do Centro-Sul, com favores cambiais e os desvios de gios oriundos da exportao de produtos nortistas, acelerou os multiplicadores do progresso no Sul, tornou as outras regies tributrias do centro industrial e acentuou o desnvel econmico. No se podem culpar as condies fsicas nem as raas que se formaram pelo atraso do Nordeste. As deficincias da organizao administrativa, a fraqueza das condies polticas e o despreparo da populao, para defender e estimular o desenvolvimento, so os fatores mais inibitivos da conquista do progresso. As lavouras de gneros alimentcios, exigentes de chuvas regulares no ciclo vegetativo, sofrem colapsos nas crises de seca, com rpido abaixamento de nvel de subsistncia do povo. Isso ocorre em conseqncia da prtica tradicional dos plantios sem ajustamento s regies ecolgicas. As plantaes de milho, feijo, arroz, batata, etc., esto generalizadas nos municpios mais midos e nos mais ridos. As lavouras alimentares no se adaptam aos ambientes de secas repentinas. O Nordeste, do Piau at a Bahia, no oferece a homogeneidade de condies climticas, de densidade de populao, de tcnica de produo e de grau da civilizao para justificar ou recomendar as solues universais para os problemas. Ao contrrio, as regies naturais apresentam-se midas 41

na mata e nas serras chuvosas; submidas no agreste; e irregularmente secas, no serto, na caatinga e no serid. A densidade da populao mais acentuada no litoral, no agreste pernambucano, no brejo paraibano e no cariris cearense (em face das oportunidades de trabalho, sem afirmar que h superpovoamento); o nmero de habitantes por rea muito menor na caatinga seca Bahia-Piau; o cerrado (oeste baiano) e o carrasco (limite Cear-Piau) so quase desabitados. As tcnicas de produo diferenciam-se muito. Por exemplo: de grau mdio na mata, no litoral e no agreste, com certas lavouras intensivas, algumas usinas aperfeioadas e fbricas modernas, ao lado de empresas obsoletas e culturas extensivas; deficiente no serto e no serid onde, a par de campos bem tratados de algodo, encontram-se os plantios de cereais sujeitos seca e desprezadas as lavouras xerfilas, os artesanatos e fbricas de capacidade limitada; medocre na caatinga seca, onde predomina a pecuria solta, a extrao de produtos nativos, as culturas alimentares inadequadas; praticamente no existe produo no carrasco e no cerrado, despovoados, onde a falta de conhecimentos agrolgicos e hidrolgicos impede a indicao de aproveitamento agrcola. O cerrado (oeste da Bahia no limite de Gois) percorrido por animais domsticos e homens solitrios (os borracheiros) que dormem no cho, caam animais selvagens para subsistncia, a ema para tirar as penas, colhem a borracha da mangabeira e da manioba e trocam tudo nas feiras adjacentes por farinha, aguardente e fumo, conforme constatamos em 1955. H uma disparidade nos estdios de civilizao da populao nordestina, evidente na elite intelectual, ou poltica, ou rica nas capitais, na vida aventureira dos vaqueiros, no nomadismo temporrio dos flagelados e nas famlias que no ultrapassaram ainda o regime da subsistncia. Tambm, existe contraste no modo como as comunidades aceitam a vida: algumas com apatia e resignao; outras, como a do serid, reagem com iniciativa e operosidade, utilizando ao mximo as vazantes dos pequenos audes para obter forragens, produzindo carne, manteiga e queijo durante todo o ano, tratando bem o algodoeiro, aproveitando os aluvies marginais dos rios e, finalmente, lutando pela vida com coragem e galhardia.

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vista dessa diferenciao fsica, econmica e social, a equipe do desenvolvimento, fugindo s generalizaes, forada ao estudo das condies locais, em busca de solues mais corretas para cada caso. O fracionamento das verbas em mltiplas e pequenas obras, muitas vezes sem base em estudos e sem classificao prioritria, resultava na disperso dos esforos, na deficincia da fiscalizao e no desperdcio parcial do numerrio. No passado, as reparties no se preocupavam com o aperfeioamento dos seus servidores; os cursos breves para treinamento e as bolsas de estudos no eram usados como meio para a habilitao crescente do pessoal tcnico e administrativo. Poucos foram os funcionrios que estudaram por vontade prpria e que participaram das sociedades culturais para acompanhar a evoluo do saber e ampliar o descortino mental. Muitos aspectos das questes locais poderiam ter sido focalizados e aprofundados pelos tcnicos que labutaram no Interior. O desconforto e a precariedade dos hotis sertanejos no encorajavam os homens da cincia para as viagens e permanncias no hinterland a fim de observarem os fatos e colherem os dados com os quais as interpretaes dos fenmenos fsicos, econmicos e sociais fossem colocados ao alcance de todos, para facultar decises mais corretas pelos poderes pblicos e pelos interessados em investimentos. Um ou outro estudioso abnegado lutava isoladamente e sem auxlio at para publicar os seus escritos. A experincia de alguns homens esclarecidos, radicados no interior, no foi usada nos projetos do governo; as reparties, atuando sob a concentrao das idias nos gabinetes, divorciavam-se das opinies e das aspiraes das comunidades a que deveriam servir. O Nordeste sofreu as conseqncias da decoordenao poltico-administrativo-tcnica. Ordinariamente, os polticos tomavam decises tcnicas no distribuir as verbas, os tcnicos queriam opinar sobre questes polticas nos esquemas e a administrao desejava impor o seu programa.

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Predominava a vontade do homem que estava no poder. Os programas e as obras tinham carter personalista. Quando mudava o governo, modificava-se a orientao. As verbas divididas para atender a muitos municpios em vez de se adotar uma classificao prioritria nos investimentos; a substituio de tcnicos executores de servios, por motivos que no os da competncia e da honestidade; a presso para realizar obras com a inaugurao datada, com estudos insuficientes e com recursos incertos, tem contribudo para a desarmonia entre os responsveis. No tem havido definio nas esferas da autoridade e da responsabilidade. Desse modo, no foi possvel, no passado, a fiscalizao indispensvel, nem salientar o valor da anlise madura do que se fazia, da direo para onde marchvamos, nem descobrir o panorama das necessidades, das realizaes e das cogitaes futuras. O governo, os polticos, e os tcnicos precisam, primeiramente, acordar na ao especfica de cada um, na fixao das atribuies e dos deveres concernentes diviso das responsabilidades morais no sucesso do desenvolvimento econmico e social da regio. No pra, aqui, o rosrio do diagnstico. A cada obra inaugurada compete uma continuidade administrativa para a prestao de servio eficiente ao povo; as construes de barragens, de hospitais, de escolas, as instalaes de luz, de gua e de esgotos requerem uma gerncia administrativa cuidadosa no funcionamento, nos reparos e na cobrana de taxas. Em trs decnios, assistiu-se a muitas inauguraes de obras que, pouco te