Pesquisa e universidade

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    1/207

    1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARCENTRO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAOMESTRADO ACADMICO EM EDUCAO

    DAMIO BEZERRA OLIVEIRA

    AS DIMENSES ENSINO E PESQUISA ENQUANTO PREMISSASINSTITUCIONAIS DA FORMAO ACADMICA

    NO ARQUIPLAGO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    Belm-Pa2007

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    2/207

    2

    DAMIO BEZERRA OLIVEIRA

    AS DIMENSES ENSINO E PESQUISA ENQUANTO PREMISSASINSTITUCIONAIS DA FORMAO ACADMICA

    NO ARQUIPLAGO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    Dissertao apresentada e aprovada na Linha dePesquisa Currculo e Formao de Professores doMestrado Acadmico em Educao do Programa dePs-Graduao em Educao da UniversidadeFederal do Par, como exigncia final para obtenodo ttulo de Mestre em Educao, construda sob aorientao do Prof. Dr. Paulo Srgio de AlmeidaCorra.

    Belm-Pa2007

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    3/207

    3

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca Central/ UFPA, Belm-PA

    Oliveira, Damio Bezerra.As dimenses ensino e pesquisa enquanto premissas institucionais da

    formao acadmica no arquiplago Universidade Federal do Par / DamioBezerra Oliveira; orientador: Prof. Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra. 2007.

    Dissertao (Mestrado em Educao) - Universidade Federal do Par,Centro de Educao, Curso de Mestrado Acadmico em Educao, Belm,

    2006.

    1. Ensino Superior - Pesquisa. 2. Universidade Federal do Par -Docentes. 3. Docentes Percepo Social. 4. Centro de Educao daUniversidade Federal do Par. I. Ttulo.

    CDD - 21. ed. 378.007

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    4/207

    4

    DAMIO BEZERRA OLIVEIRA

    AS DIMENSES ENSINO E PESQUISA ENQUANTO PREMISSASINSTITUCIONAIS DA FORMAO ACADMICA

    NO ARQUIPLAGO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR

    Dissertao apresentada e aprovada na Linha dePesquisa Currculo e Formao de Professores doMestrado Acadmico em Educao do Programa dePs-Graduao em Educao da UniversidadeFederal do Par, como exigncia final para obtenodo ttulo de Mestre em Educao, construda sob aorientao do Prof. Dr. Paulo Srgio de AlmeidaCorra.

    Banca Examinadora

    ______________________________________________Prof. Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra (UFPA)

    _________________________________________________Prof. Dr. Cristovam Wanderley Picano Diniz (UFPA)

    ________________________________________________Prof. Dra. Josenilda Maria Maus da Silva (UFPA)

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    5/207

    5

    quele que a fonte de toda sabedoria e em relao ao qual, na sua oniscincia, vemos todanossa ignorncia - o que nos impulsiona a nos entregarmos, na nossa finitude, buscailimitada do saber.

    minha me - Maria que soube representar, tambm, a figura do pai e que, com a suasabedoria simples, deu-me importantes ensinamentos: mais feitos de gestos vividos do que depalavras.

    Socorro minha mulher por teimar em me ensinar a jamais desistir dos meus projetos esonhos, por me pro-jetar.

    Aos meus filhos Ramon e Jssica que com a sua energia catica e as suas dvidas infantis,desordenam as minhas certezas: aprende-se muito com o no saber das crianas.

    Aos meus professores do Mestrado, especialmente ao meu orientador, o professor PauloSrgio de Almeida Corra, pela orientao competente e crtica, na qual aprendi a importnciado exerccio da autonomia intelectual.

    Maria Neusa Monteiro, que pelo seu exemplo de pessoa e profissional, ensinou-me aimportncia de ser um mestre ignorante.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    6/207

    6

    AGRADECIMENTOS

    Expresso a minha gratido a todos aqueles aos quais dediquei esse trabalho, pois direta ouindiretamente contriburam com a sua realizao.

    Universidade Federal do Par, Centro de Educao e Campus Universitrio do BaixoTocantins, pelo apoio institucional no meu processo de qualificao profissional.

    Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Educao e da Turma deMestrado 2005.

    professora Josenilda Maus e ao professor Cristovam Diniz pelas importantes crticas epreciosas sugestes que muito ajudaram na construo do trabalho.

    Aos colegas professores do Campus Universitrio do Baixo Tocantins (Abaetetuba),destacadamente Waldir Ferreira de Abreu e Antnio Otaviano Vieira Junior esse ltimo me

    intimou a continuar o meu processo de qualificao profissional.

    Aos meus alunos e ex-alunos dos diversos campi da UFPA, pelas interrogaes, pelosdilogos e ensinamentos.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    7/207

    7

    Scrates - Eis que me suscita dvidas, sem nuncaeu chegar a uma concluso satisfatria: o queseja, propriamente, conhecimento. Ser quepoderamos defini-lo? Como vos parece?(PLATO, 1988, p. 7).

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    8/207

    8

    RESUMO

    Tratamos da relao entre ensino e pesquisa como caracterstica essencial da modernaconcepo instituda de universidade e das suas repercusses na definio de docnciauniversitria, estabelecendo a educao enquanto particularidade comparativa a ser

    compreendida nessa totalidade. Com o tema assim definido, examinam-se as tenses desseideal acadmico na sua institucionalizao no Brasil, em seguida na UFPA e Centro deEducao. O problema de pesquisa se expressa em trs questionamentos bsicos: como seinstituiu a pesquisa no espao acadmico universitrio brasileiro e quais as suas repercussesna caracterizao da atividade docente nessa instituio? De que modos as dimenses ensino epesquisa se encontram enunciadas nos documentos oficiais da UFPA? Como essa relao seevidencia na particularidade do Centro de Educao? Essa problemtica constitui-se a partirde uma abordagem filosfico-epistemolgica em que os conceitos de racionalidade prtica,produtiva e terica e de instituio cientfica e social foram os fios condutores. Num esforode compreenso histrico-conceitual do tema, a investigao debruou-se sobre fontesbibliogrficas e documentais de carter qualitativo, mas tambm de informaes estatsticas arespeito da UFPA e do Centro de Educao. Ao conjunto de fontes selecionadas se aplicou

    basicamente procedimentos de anlise textual explicao, comentrio e dissertao. Foipossvel compreender que a idia de universidade de pesquisa intensificou-se enquanto dever-ser desde s primeiras dcadas do Sculo XX, trazendo como caracterstica fundamental nadefinio do que seja o conhecimento, o que se tem chamado de conhecimento desinteressadoou puro, em contraposio aos conhecimentos aplicados ou profissionais. Cria-se, assim, umadicotomia entre racionalidade prtica e produtiva, por um lado, e razo terica, por outro. Ocampo educacional se inscreveria naquele domnio e nele e por ele encontraria as suas maisfortes justificativas na universidade. A docncia universitria constitui-se em consonnciacom esse campo de sentido, no qual se pensa o exerccio do ensino a partir da diferenciaoentre domnio terico do contedo e preparao didtico-pedaggica, a qual pode desdobrar-se na distino do pesquisador em relao ao professor. Contudo, o iderio institudo deuniversidade defende a indissociabilidade do ensinar e do pesquisar. A alteridade instituintedessa imagem instituda vem procurando afirmar-se na tentativa de superar as dicotomiasantes mencionadas, tendo por base o conceito de prxis, o que se pde constatar em discursosmais recentes sobre o tema. Essa rede de conceitos institudos que constituem o iderio dauniversidade brasileira fez-se presente nos documentos oficiais que definem os objetivos e aestrutura da UFPA e do CED, ainda que se tenha verificado a emergncia de novas

    justificativas institucionais relativamente ao ensino, pesquisa e docncia universitria quevalorizam novas perspectivas epistemolgicas e didtico-pedaggicas. No que se refere scondies de efetivao do ideal institudo/instituinte da universidade de pesquisa na UFPA eno CED, pde-se constatar com base em dados oficiais, que s em anos bem recentes elasvem sendo construdas atravs de iniciativas concernentes qualificao docente, aodesenvolvimento de pesquisa e ps-graduao e aos novos projetos acadmicos de cursos,bem como iniciao cientfica.Palavras-chave: Pesquisa. Relao Ensino-Pesquisa. Instituio. Docncia Universitria.Universidade.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    9/207

    9

    ABSTRACT

    We deal about the relation between teaching and research as essential characteristic of themodern conception of university instituted and its repercussions in the understanding ofacademic teaching, establishing the education while comparative particularity to be

    understood in this totality. With the thus defined subject, the tensions of this academic ideal inits institutionalization in Brazil is examined, after that in the UFPA and Center of Education.The problem of research is express in three basic questionings: How was instituted theresearch in the Brazilian academic space and which its repercussions in the characterization ofthe teaching activity in this institution? How teaching and research dimensions arerepresented in official documents of the UFPA? How this relation happens in the particularityof the Center of Education? This problematic one consists from a philosophical-epistemological boarding where the concepts of practical, productive and theoreticalrationality and of scientific and social institution had been the conducting wires. In an effortof description-conceptual understanding of the subject, the inquiry was leaned over onbibliographical sources and registers of qualitative character, but also of statisticalinformation regarding the UFPA and Center of Education. To the set of selected sources if

    explanation applied procedures of literal analysis basically -, commentary and dissertation. Itwas possible to understand the specificity of the complexity and heterogeneity of the researchof the knowledge and education notions that there were institute in the Brazilian university,the tensions instituted and the particularities that assume in the educational field. Theseconceptual elements also appear in the official documents that define the objectives and thestructure of UFPA and Center of Education, still that the conditions of achievement of thisinstituted ideal only come if presenting in well recent years.

    Keywords: Research. Rationality. Institution. Higher Education Teaching. University.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    10/207

    10

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1: Nmero de cursos e de alunos matriculados na UFPA em 2005.........................120

    Grfico 2: Bolsas de iniciao cientfica na UFPA...............................................................123Grfico 3: Evoluo do quadro docente de 3 Grau/UFPA...................................................126Grfico 4: Evoluo do nmero de projetos de pesquisa e pesquisadores na UFPA............128Grfico 5: Criao de cursos de ps-graduao stricto sensu na UFPA...............................131Grfico 6: Titulao do quadro docente do Centro de Educao.........................................163Grfico 7: Srie histrica do nmero de pesquisadores do Centro de Educao na dcada de1980........................................................................................................................................168Grfico 8: Srie histrica da evoluo do nmero de pesquisadores do Centro de Educao nadcada de 1990.......................................................................................................................169Grfico 9: Srie histrica do nmero de pesquisadores do Centro de Educao nos anos2000........................................................................................................................................171Grfico 10: Projetos de pesquisa do Centro de Educao.....................................................171

    Grfico 11: Evoluo da produo de trabalhos de cursos de ps-graduao.......................180Grfico 12: Produo de Trabalhos de Concluso de Curso no Centro de Educao...........182

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    11/207

    11

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Produo cientfica de trabalhos de cursos de ps-graduao na UFPA...............132Tabela 2: Produo cientfica da UFPA.................................................................................133Tabela 3: Bolsas de iniciao cientfica no Centro de Educao...........................................184

    Tabela 4: Produo cientfica no Centro de Educao...........................................................186

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    12/207

    12

    LISTA DE SIGLAS

    ABC Academia Brasileira de CinciasABE Associao Brasileira de EducaoANPED Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Nvel SuperiorCED Centro de EducaoCNE Conselho Nacional de EducaoCNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoCONSEP Conselho Superior de Ensino e PesquisaCUBT Campus Universitrio do Baixo TocantinsDINTER Doutorado InterinstitucionalFGV Fundao Getlio VargasIQCD ndice de Qualificao do Corpo DocenteITA Instituto TecnolgicodaAeronutica.MEC Ministrio da EducaoMINTER Mestrado Interinstitucional

    NAEA Ncleo de Altos Estudos AmaznicosNMT Ncleo de Medicina TropicalNPADC Ncleo Pedaggico de Apoio ao Desenvolvimento CientficoPDI Plano de Desenvolvimento InstitucionalPICDT Programa Institucional de Capacitao Docente e TcnicaPIQD Programa Interno de Qualificao DocentePNI Plano Norte de InteriorizaoPNPG Plano Nacional de Pesquisa e Ps-GraduaoPNOPG Projeto Norte de Pesquisa e Ps-GraduaoPRODOC Programa de Absoro Temporria de DoutoresPROF Programa de Fomento Ps-GraduaoPROINT Programa Integrado de Apoio ao Ensino, Pesquisa e ExtensoPROPESP Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-GraduaoPQI Programa de Qualificao InstitucionalPUC Pontifcia Universidade CatlicaSPE Servio de Planificao a Apoio Pesquisa EducacionalTCC Trabalho de Concluso de CursoUFF Universidade Federal FluminenseUFGO Universidade Federal de GoisUFMG Universidade Federal de Minas GeraisUFPA Universidade Federal do ParUFRJ Universidade Federal do Rio de JaneiroUFRN Universidade Federal do Rio Grande do NorteUnB Universidade de BrasliaUNIMEP Universidade Metodista de PiracicabaUSP Universidade de So Paulo

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    13/207

    13

    S U M R I O

    INTRODUO......................................................................................................................14CAPTULO I: A INSTITUCIONALIZAO DA PESQUISA E A DOCNCIA NA

    UNIVERSIDADE BRASILEIRA......................................................................................... 301.1. Formao superior dos intelectuais brasileiros e a docncia universitria....................... 351.2. Origens e concepes de universidade no Brasil...............................................................501.3. A Relao ensino-pesquisa como caracterstica institucional da universidade................ 601.4. Relao ensino superior e pesquisa educacional noCurso de Pedagogia.........................75

    CAPTULO II: INSTITUCIONALIZAO E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISANA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR......................................................................842.1 A pesquisa como uma das finalidades institucionais da UFPA..........................................842.2 Os significados da relao ensino-pesquisa nos documentos sobre a interiorizao daUFPA......................................................................................................................................1012.3 A UFPA e os sentidos instituintes da relao ensino-pesquisa........................................108

    2.4 A atividade de pesquisa na UFPA....................................................................................119

    CAPTULO III: A PESQUISA, O ENSINO E A DOCNCIA UNIVERSITRIA NOCENTRO DE EDUCAO DA UFPA............................................................................. 1373.1 A Compreenso do lugar da pesquisa educacional na UFPA......................................... 1373.2 A Dinmica de institucionalizao da pesquisa no Centro de Educao.........................151

    CONSIDERAES FINAIS..............................................................................................193

    REFERNCIAS...................................................................................................................199

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    14/207

    14

    INTRODUO

    Nesta pesquisa reflete-se sobre as possveis implicaes da necessria relao entre

    ensino superior universitrio e pesquisa como um aspecto essencial para que se pense a

    atividade docente na Universidade.

    No se procurou, no entanto, analisar a totalidade daquilo que pode ser includo na

    categoria atividade ou ao docente que, na sua equivocidade, abarca um conjunto de

    significados relacionados agncia do professor tanto nas instituies de ensino quanto fora

    delas, seja em processos pedaggicos formais ou no.

    Em documentos oficiais como as Resolues n. 1/2002 e 1/2006, ambas do Conselho

    Nacional de Educao (CNE), a docncia assume enorme extenso, incluindo no apenas as

    aes de ensino-aprendizagem e seus desdobramentos por si mesmos j extremamentecomplexos planejamento curricular, avaliao etc. -, mas a capacidade de realizar pesquisa,

    analisar e aplicar os seus resultados.

    A definio do que se pode ou deve entender por docncia tem sido, pois, uma

    preocupao da pesquisa concernente educao, com reflexos na legislao educacional. A

    atuao prescrita para o pedagogo tem influenciado a compreenso, em geral, do que se

    considera como ideal para o conjunto dos licenciados nos diversos nveis de ensino.

    Essa extenso e falta de preciso referidas, fazem-se presentes, tambm, na definio

    legal de docncia no mbito da Universidade Federal do Par (UFPA), ainda que ela j sejabem mais restrita do que a anteriormente esboada. Alm da atividade de ensino e da pesquisa

    em geral, o Estatuto e Regimento Geral da UFPA, que esto sendo substitudos por novas

    propostas normativas, atribuam ao professor como sua competncia, as aes de extenso e

    as administrativas (UFPA, 1982b). Contudo, no Estatuto em processo de instituio,

    desapareceu a funo administrativa como parte da docncia, permanecendo as trs

    ramificaes do clebre trip (UFPA, 2006a).

    No presente estudo, investigou-se a atividade docente do professor universitrio, o

    sentido do ensino e da pesquisa desenvolvidos na universidade e as suas conexes. Os demaisaspectos da ao docente somente foram tratados quando a melhor compreenso dos dois

    anteriores o exigiu.

    Tal reflexo buscou apreender o sentido dessa relao pesquisa-ensino na constituio

    do que se entende por docncia universitria nas expresses discursivas dos documentos que

    instituem a UFPA, em dilogo com uma bibliografia a respeito do tema proposto.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    15/207

    15

    Pode-se afirmar que esse tema, pelo menos na sua generalidade, j possui uma extensa

    histria. Vem ocupando os pesquisadores educacionais desde o final dos anos 19601, em

    funo da Reforma Universitria que institucionalizou o modelo de universidade de pesquisa

    como dever-ser do ensino superior no Pas.

    Na bibliografia existente de estudos e pesquisas sobre a categoria Ensino Superior

    do Banco de Dados Universitas/BR, impressionam a diversidade terico-metodolgica, a

    heterogeneidade das temticas e a quantidade de objetos de pesquisa. Como conseqncia h

    dificuldade de enquadramento das novas investigaes em apenas uma das 15 categorias

    temticas com as suas 77 subcategorias2.

    De qualquer modo, pode-se dizer que a temtica geral aqui apresentada, coloca-se na

    categoria 15 da classificao do Banco de Dados Universitas/Br, Relao Ensino, Pesquisa e

    Extenso, mais precisamente na subcategoria 15.2 cujo ttulo Ensino-Pesquisa. Contudo,a construo do objeto de pesquisa permitiu e at exigiu conexes com outras categorias da

    mesma classificao, como: Pesquisa (subcategorias concepo de pesquisa e pesquisa e

    graduao); Universidade e Sociedade (subcategoria concepo de universidade) e Histria

    da Educao Superior (FRANCO 2001).

    Considerando-se que a categoria bsica representa apenas 0,98% (67) do total de

    trabalhos produzidos e publicados em trs dcadas, ento se pode afirmar que o tema tem sido

    pouco investigado e/ou divulgado. Acrescente-se que o objeto de pesquisa no

    simplesmente a relao ensino-pesquisa na universidade, mas o modo como essa relaoconstitui a docncia nos discursos documentais concernentes UFPA, na particularidade da

    rea de educao.

    Alm disso, na maioria dos trabalhos explora-se a relao ensino-pesquisa tomando-se

    como horizonte de anlise e crtica, as polticas pblicas estatais implementadas na

    universidade a partir de perspectivas histricas, sociolgicas e econmicas, o que pode

    justificar o interesse, como aqui se props, por uma abordagem mais filosfico-

    epistemolgica do tema. Essa teve como fio condutor, por sua vez, a compreenso de

    1O levantamento bibliogrfico do Banco de Dados Universitas/BR, organizado pela ANPED, reuniu a produocientfica sobre a educao superior no Brasil publicada nos peridicos especializados num perodo de 32 anos(1968-2000). Computaram-se 6.861 produes que seriam significativas queles que tratam do tema geraleducao superior (MANCEBO; FVERO, 2004). O levantamento no exaustivo, pois contempla apenas ostrabalhos publicados num conjunto de 32 peridicos, deixando de fora diversos outros peridicos, as teses,dissertaes e os livros que tratam do mesmo tema.2Mancebo e Fvero (2004, p. 9-11) apresentam um quadro com as 15 Categorias Temticas: 1. Polticas Pblicasda Educao superior; 2. Universidade e Sociedade 3. Histria da Educao Superior 4. Manuteno eFinanciamento da Educao Superior 5. Natureza Jurdica das IES 6. Organizao Acadmica e Gesto 7.Autonomia Universitria 8. Ensino 9. Pesquisa 10. Extenso 11. Corpo Docente 12. Corpo Discente 13. CorpoTcnico-Administrativo 14. Avaliao do Ensino Superior 15. Relao Ensino, Pesquisa e Extenso. 16. Outros.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    16/207

    16

    racionalidade3institucionalizada e/ou instituinte presente em textos legais e nas pesquisas ao

    definirem e justificarem a atividade docente no espao universitrio.

    Procurei pensar as noes correlatas de institucionalizado ou institucional e instituinte

    a partir das reflexes de Cornelius Castoriadis (1982) sobre o conceito de instituio social e

    dos estudos de Thomas S. Kuhn (1978; 1989) que tratam dos termos paradigma (depois

    matriz disciplinar), consenso e comunidade cientfica.

    Castoriadis (1982) retoma e critica o que chama de viso econmico-funcional de

    instituio cujas justificativas argumentativas encontram-se, de modo exemplar, nas

    preocupaes de Durkheim (2003) que so explicitadas de maneira interessante no estudo de

    Reboul (2000) e Douglas (1998) 4.

    A idia econmico-funcional de instituio criticada por Castoriadis no porque

    deixe de expressar qualquer verdade, mas pela trivialidade do que sustenta ou em razo doreducionismo dessa interpretao.

    Ela no reconhece, por exemplo, em todo o seu rigor, o sentido estritamente humano e

    scio-histrico do institudo ao transform-lo em fato social que se imporiam s vontades

    individuais, aos desejos e possibilidades de deciso racional dos sujeitos que j no seriam

    vistos como entes que agem motivados por determinadas finalidades, teleologicamente.

    Sob esse aspecto, verifica-se certa naturalizao do institudo que, apesar de ser

    reconhecido como sendo engendrado pelos homens, transforma-se em criao annima e

    independente5

    . Em tal interpretao, destaca-se na instituio ou no institudo, caractersticascomo: autonomia, estabilidade e capacidade de imposio de uma legalidade ou regularidade

    a determinada realidade social.

    Ao invs de se falar defins ou finalidades, essa concepo de instituio criticada por

    Castoriadis destaca o fato de que tais agncias cumpremfunes, atendem necessidades socais

    e, conseqentemente, estabelecem solidariedade e compromissos entre os indivduos.

    3A racionalidade, como veremos, ser buscada nos enunciados discursivos (materialidade simblica instituda einstituinte), tendo em conta o que se entende por objetivos do conhecimento enquantopraticidade,produtividadee teorizao, de acordo com o dilogo que ser aqui estabelecido entre Hannah Arendt (1995; 1998; 1999), Marxe Engels (1986) e Leandro Konder (1992).4A preocupao da autora nesta obra a de entender de que modo e at que ponto os determinantes institucionaisconstituem o pensamento, a cognio dos indivduos em sociedade e da mesma forma os possveis consensos emtorno do que o mundo e das decises morais. Procura refutar a teoria segundo a qual o sujeito racional decidelivremente mediante argumentos ao enfatizar a tese de que o pensamento institucional e socialmenteestabelecido.5A instituio um processo dialtico que envolve a produo humana (ao instituinte) e a objetivao(realidade instituda) que retorna sobre os produtores com relativa independncia, o que no anula, contudo, opoder instituinte destes (RABUSKE, 1993).

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    17/207

    17

    Tal tipo de co-existncia dos sujeitos no espao e tempo teria importantes implicaes

    no plano do conhecimento, pois criaria coletividades de pensamento e estilos de

    pensamento que instituem formas comuns de perceber o mundo, classific-lo, consider-lo

    como tendo ou no sentido (DOUGLAS, 1999).

    Depois de conceder os crditos viso econnico-funcional, Castoriadis dir que

    embora se possa ressaltar o aspecto alienante da instituio como uma tendncia de existncia

    independente da ao dos indivduos, preciso, por outro lado, levar em conta a possibilidade

    histrica de criatividade instituinte dos sujeitos.

    A partir da materialidade e do poder simblico do que existe, pode-se recuperar o caos

    criativo que habita a realidade scio-histrica instituda e estabelecer, assim, novas relaes

    simblicas em termos de significado.

    Assim, o institudo ser para a subjetividade humana um signo no qual se procura fixarcertas relaes entre significante e significado. Contudo, o poder instituinte dos sujeitos

    implica na possibilidade de questionar essas relaes que so dadas e estabelecidas enquanto

    fatos. Trata-se, portanto, de reconhecer a existncia de uma subjetividade constituinte capaz

    de negaro sentido considerado objetividade factual.

    Compartilhamos aqui, portanto, com Castoriadis as crticas viso cannica de

    instituio e s possibilidades de redefinio da relao do institudo e instituinte no sentido

    de compreend-la enquanto movimento e fluidez, de modo a desfazer qualquer interpretao

    dicotmica entre os dois termos, que sero vistos na sua complementaridade.Com isso no se quer afirmar que no haja nas prticas, materiais e simblicas, certos

    consensos tcitos ou explcitos em torno de determinadas regras, noes e conceitos

    institudos, de modo que esses passam a ter efetivamente precedncia e, por isso, maior

    visibilidade de modo a se instalar um desequilbrio na relao entre o institudo e o

    instituinte6.

    No Campo epistemolgico propriamente dito, possvel encontrar correlao entre as

    noes de institudo e instituinte na Filosofia da Cincia de Thomas S. Kuhn (1978), na

    contraposio que ele estabelece entre prtica cientfica realizada por uma comunidade

    6H que se considerar um aspecto nuclear na discusso do institudo que a prpria temporalidade social ecultural que adquirem na atualidade, caractersticas importantes, dentre as quais a alta mobilidade. Sendo assim,a estabilidade caracterstica do que se entende canonicamente como institudo tende a ser sacudida,metamorfoseada pelos esforos instituintes com muito maior vigor do que em outros perodos da histria. Assim,muitas vezes o instituinte no representa o surgimento de algo absolutamente novo, mas apenas o deslocamentode uma teoria, de um mtodo ou de um valor de um domnio ou campo para outro. O institudo s Enrgeia namedida em que est tomado por uma dynamis.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    18/207

    18

    cientfica7- instalada pelo consenso dos seus membros em torno de um paradigma - e as

    prticas cientficas no paradigmticas. Essas ltimas seriam realizadas por diversos grupos

    na ausncia de um consenso e de uma cultura comunitria.

    No primeiro caso tem-se uma cincia instituda cuja principal caracterstica a forte

    coeso e o vigoroso consenso criados pelo fator comunitrio e vice-versa, o que enfraquece o

    poder de cada cientista8 para instituir novas teorias, metodologias ou verdades que estejam em

    dissonncia com os valores paradigmticos consagrados. O movimento instituinte possuidor

    de um potencial de ruptura radical com a lgica paradigmtica e que no esteja prevista por

    esta, mantm-se acomodado at que haja uma Revoluo Cientfica.

    No segundo caso, a prtica cientfica fracamente instituda uma vez que falta

    estabilidade intra e principalmente entre os grupos de pesquisadores, o que concede a esses,

    vigor instituinte e crtico de uma perspectiva terica, metodolgica e axiolgica.O sentido mais amplo de instituio social e o significado mais restrito de instituio

    comunitria cientfica encontram-se na discusso sobre a relao ensino e pesquisa na

    universidade, pois essa por suas finalidades e atividades transita por entre esses dois

    domnios. O professor, por sua vez, compartilha a cultura acadmica em geral enquanto parte

    da chamada comunidade universitria, sem deixar de se identificar com o estrato docente no

    interior dessa e, por fim, na qualidade de pesquisador comunga em maior ou menor grau de

    valores ontolgicos, metodolgicos e axiolgicos de restritas comunidades e/ou grupos de

    cientistas (KUHN, 1978; FRANCO, 2000).Ao se falar, pois, de um tipo especial de relao entre ensino e pesquisa enquanto

    suposto que deve efetuar-se, tambm, no exerccio das aes ordinrias do professor,

    precisam-se levar em conta esses relevantes e complexos aspectos institucionais.

    Foi de dentro desse quadro conceitual que se partiu para compreender a assero

    firmemente instituda e consensual, conforme se verificou nos discursos documentais e

    bibliogrficos, de que a universidade define-se, no invlucro do discurso institudo, como uma

    instituio na qual deve haver indissociabilidade entre a atividade de ensino e a de pesquisa.

    Ao mesmo tempo, fez-se necessrio reconhecer, para a boa compreenso do tema, que o

    7 possvel aproximar esse conceito ao de Coletividade de Pensamento defendido por FLECK (apudDOUGLAS, 1998, p. 26) na medida em que ambos implicam um compartilhar um Estilo de Pensamento vistocomo uma espcie de esquema conceitual que conduz e treina a percepo e produz uma proviso deconhecimento.8Diminui, aqui, a autonomia e liberdade do sujeito para apresentar seus argumentos racionais e instituintes comsentido como pressupe a noo de agente racional to criticada pela epistemologia sociolgica doconhecimento (DOUGLAS, 1998).

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    19/207

    19

    slido acordo geral em torno do conceito moderno de universidade de pesquisa e do professor

    enquanto pesquisador, jamais deixou de abrigar um movimento polissmico.

    Os componentes para a compreenso do que seja essa relao entre ensino e pesquisa

    nos tempos modernos e de como o docente deve efetuar tal conexo, podem ser encontrados

    em pensadores e pesquisadores do incio do Sculo XIX, e no caso especfico do Brasil, em

    intelectuais protagonistas das primeiras dcadas do Sculo XX.

    No que se refere aos sentidos instituintes a respeito do tema, destacaram-se fontes

    documentais e bibliogrficas que foram publicados a partir dos anos 1990. Constatou-se,

    nesse perodo, que diversos conceitos legais a respeito do que se entende por universidade,

    ensino superior e docncia nesse nvel, passaram por srios questionamentos num cenrio de

    acirradas disputas polticas em face de propostas de Reforma da Educao, em especial do

    nvel superior (FRANCO, 2000; PIMENTA; ANASTASIOU, 2002; MANCEBO; FVERO,2004; SANTOS FILHO; MORAES, 2000; THAYER, 2002).

    No interior dessa complexa discusso, ganhou proeminncia como uma espcie de

    horizonte essencial que referencia o confronto, a questo da revogabilidade ou no do

    princpio de indissociabilidade entre ensino e pesquisa como epicentro de todo ensino

    superior e no apenas do que ofertado na universidade.

    Mancebo (2004) num estudo sobre o estado da arte no trabalho docente no ensino

    superior, a partir do Banco de Dados Universitas/Br, mostra que as mudanas do papel

    atribudo relao ensino-pesquisa nas propostas de diversificao e diferenciao dasinstituies de ensino superior, tm repercusses importantes nas prticas docentes. Ela

    enfatiza como aspecto relevante dessas discusses, as crticas que so feitas ao processo de

    ruptura das polticas oficiais do Estado com a clebre trade que marca a essncia institucional

    da universidade, modelo para todo o ensino superior:

    A ruptura com o princpio de indissociabilidade entre pesquisa, ensino eextenso nem sempre realizado, mas postulado com intensidade comoforma de assegurar um padro bsico de qualidade para a educao superior- ocupou, por fim a ateno de alguns trabalhos, nesse campo de anlise(MANCEBO, 2004, p. 247).

    Desse modo, o abalo atual dessa tradio de direito segundo a qual a universidade

    deve ter a sua docncia marcada pela pesquisa, justificou o esforo de reflexo. Tal fato

    tornou possvel explorar a compreenso de certos aspectos impensados na temtica,

    particularmente na forma prpria que adquiriu nas diversas unidades acadmicas da

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    20/207

    20

    Universidade Federal do Par, destacadamente o Centro de Educao9 enquanto componente

    por si mesmo complexo e especfico de uma totalidade institucional construda em torno

    desses significados bsicos.

    Pode-se dizer, pois, que o tema possui proeminncia histrica no discurso veiculado

    em Estatutos e Regimentos da UFPA, mas tambm nos movimentos mais recentes nos quais

    se tem repensado o arcabouo legal, a organizao administrativa e curricular e a formao do

    quadro docente em vista dos objetivos que se colocam para a universidade na atualidade

    (UFPA, 1982; 2005; 2006).

    Tendo em vista esse panorama, formulou-se o problema de pesquisa que se expressou

    nas seguintes interrogaes: como se instituiu a pesquisa no espao acadmico universitrio

    brasileiro e quais as suas repercusses na caracterizao da atividade docente nessa

    instituio? De que modos as dimenses ensino e pesquisa se encontram enunciadas nosdocumentos oficiais da UFPA? Como essa relao se evidencia na particularidade do Centro

    de Educao?

    Com o desenvolvimento dessas questes, pretendi atingir os objetivos que seguem: 1)

    Compreender os significados institudos e/ou instituintes da relao ensino-pesquisa na

    universidade brasileira, destacando o lugar do campo educacional. 2) Analisar os significados

    da relao ensino-pesquisa em documentos oficiais da UFPA. 3) Verificar de que maneira

    essa relao se particulariza no Centro de Educao dessa instituio formadora.

    A Universidade Federal do Par (UFPA) bastante recente se referida histria dessetipo de instituio no mundo ocidental e at mesmo quando comparada s suas congneres no

    Brasil, onde s tardiamente instalou-se o Ensino Superior Universitrio (SOUZA, 2001).

    Das 1.082 matrculas em 11 cursos de graduao10 em 1957, ano da sua fundao em

    Belm, a UFPA possui hoje 36.89111 estudantes nos seus 266 cursos superiores de graduao,

    45 de ps-graduao stricto sensu e 64 cursos lato sensu nos seus 10 campi (UFPA, 2005c).

    Em funo da consolidao da poltica de desconcentrao12 das atividades

    acadmicas, destacadamente depois de 1986 com o I Projeto Norte de Interiorizao e o

    9O destaque que dado a essa unidade acadmica da UFPA como referencial particular da reflexo justifica-se,entre outros motivos, pelo lugar concedido pesquisa e ao professor como pesquisador no atual Projeto PolticoPedaggico do Curso de Pedagogia.10Direito, Medicina, Engenharia Civil, Farmcia, Odontologia, Pedagogia, Matemtica, Cincias Econmicas,Estudos Sociais, Cincias Sociais e Letras.11O Campus de Belm matriculou 22.210 desse total, enquanto os demais 9 Campi (Abaetetuba, AltamiraBragana, Breves, Castanhal, Marab, Santarm e Soure) matricularam os 14.681 restantes.12A terminologia consagrada para denominar esse processo o de Interiorizao da Universidade ou deInteriorizao das Atividades da Universidade, como se constata nos Planos Norte de Interiorizao (PNIs) eno Projeto de Interiorizao da Universidade Federal do Par 1986 /1989.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    21/207

    21

    Projeto de Interiorizao da Universidade Federal do Par, o Estatuto Geral da UFPA

    aprovado em 2006, reconhece sua condio de Universidade Multicampi, o que ratifica

    legalmente uma nomenclatura amplamente utilizada desde os anos 2000 (UFPA, 2005).

    O corpo docente da UFPA que atua nos nveis e sub-nveis do Ensino Superior nos

    Campi compe-se de 2.032 professores, 1.599 (78,69%) desses so efetivos, sendo

    1.261(78,86%) com dedicao exclusiva. A maioria dos 433(21,30%) docentes temporrios

    compe-se de substitutos (97,45%), havendo um pequeno nmero de visitantes (2,54%)

    (UFPA, 2005).

    Dentre os 1.599 agentes intelectuais que integram o quadro de professores efetivos, 97

    (6,06%) possuem apenas o ttulo de graduado, portanto, os demais 1502 (94%) so ps-

    graduados, sendo que 1.227 (81,69%) desse ltimo total, 549 (44,74%) so doutores e 679

    (55,26%), mestres. J o quadro de 433 temporrios composto majoritariamente porgraduados (43,87%) e especialistas (33,25%). Os mestres so 20,09% e os doutores totalizam

    2,54%.

    Contudo, h possibilidades de que, em curto prazo, esse quadro se altere de modo

    positivo do ponto de vista da qualificao docente13, uma vez que 78 professores da UFPA

    encontram-se cursando mestrado e 380, o doutorado (UFPA, 2005).

    Esse tipo de esforo da Universidade para titular os seus docentes foi intensificado a

    partir dos anos 1990, por uma srie de razes, dentre as quais a possibilidade de aumentar o

    oramento da instituio. Sabe-se dos grandes cortes de verbas destinadas s Universidades ede como o Ministrio da Educao MEC, passa a condicionar o montante de recursos ao

    ndice de Qualificao do Corpo Docente (IQCD). Lgica semelhante adotada pelas

    instituies no que tange ao financiamento de pesquisas e bolsas. Acrescente-se a tudo isso os

    baixos salrios da categoria, especialmente dos menos titulados e a valorizao do ttulo pelo

    seu prestgio nas relaes acadmicas.

    Ainda que motivaes como as acima destacadas possam ser vistas como algumas das

    condies objetivas e subjetivas para a busca titulao, o desejo de atualizao da concepo

    do que seja a universidade moderna de pesquisa e os seus objetivos, fornecem importantesjustificativas institucionais.

    Na UFPA o investimento na formao do pesquisador justificado tanto em funo

    do aperfeioamento que traria qualidade do ensino da instituio, quanto numa referncia

    13Numa escala que varia de 1 a 5, o ndice de Qualificao do Corpo Docente (IQCD) da UFPA era em 2005 de3,39.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    22/207

    22

    mais ampla de poltica pblica como uma condio indispensvel para o desenvolvimento

    regional e do estado do Par (DINIZ, C. 1990, 2000).

    Apesar da herana pr-moderna e fortemente jesutica da cultura escolar brasileira, a

    UFPA nasce no interior de um paradigma moderno. Isso significa que se funda e justifica pela

    promessa de contribuio com o desenvolvimento regional atravs das atividades deensino e

    extenso, potencializadas pela pesquisa e produo de conhecimento (UFPA, 1982b).

    Contudo, durante boa parte da sua existncia caracterizou a sua atuao de formao

    acadmica, de fato, menos pela pesquisa institucional e mais pelo ensino de graduao com o

    objetivo de preparar profissionais para os diversos setores do mercado de trabalho pblico e

    privado.

    Seguia, assim, uma tendncia do Ensino Superior nacional que foi predominante, de

    modo geral, at os anos 1965, quando se iniciaram os Programas de Ps-Graduao strictosensu no Brasil. Entretanto, preciso enfatizar que a oferta dos cursos de mestrado e

    doutorado no ocorre, de fato, como prtica generalizada no sistema universitrio brasileiro

    desde os meados dessa dcada, mas antes se institui enquanto experincias muito particulares

    em universidades do Sudeste do Pas.

    Na UFPA, a Ps-Graduao stricto sensu iniciou-se timidamente nos anos 1970, mas

    em diversas reas do conhecimento, como educao, histria e geografia s em meados dos

    anos 1990 e anos 2000, comeou a se implementar com a oferta de cursos de mestrado que

    procuravam consolidar uma cultura de pesquisa e produo de conhecimento.Ora, se justificada a crena comum de que a Ps-Graduao , em geral, uma das

    condies de possibilidade do ensino mediado pela pesquisa14, na Universidade, nos Cursos

    de Graduao e nos de Ps-Graduao, ento se pode dizer que essa experincia muito

    recente na UFPA e embrionria na maioria dos campi.

    Talvez esse fato ajude a explicar as razes pelas quais no se verifica na UFPA,

    enquanto cultura acadmica generalizada, o desenvolvimento dos projetos de pesquisa, as

    orientaes de monografias, dissertaes e teses que so prticas em que a docncia ocupa-se

    claramente com a pesquisa na universidade.

    14O ensino com pesquisa pressupe que o docente seja parte da comunidade de investigadores da rea deconhecimento da qual advm os contedos que elabora para o processo de ensino-aprendizagem. Ressalta esseconhecimento enquanto totalidade sistematizada que como tal analisada, contextualizada e criticada. O Ensinoda pesquisa sem deixar de considerar o conhecimento sistematizado, interessa-se especialmente pelo processo deproduo desse: qual o problema que o gerou? Que caminhos permitiram a sua constituio? Quais os limites domtodo e das justificativas desse conhecimento? Que tipo de verdade ele quer ser? A rigor, no hincompatibilidade entre o ensino com e da pesquisa, mas antes at desejvel que no Ensino SuperiorUniversitrio todo conhecimento apresente a sua justificativa e os seus fundamentos.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    23/207

    23

    Resta como prtica comum de investigao envolvendo o corpo docente e discente, a

    elaborao, pelo ltimo sob a orientao do primeiro, do Trabalho de Concluso de Curso

    (TCC), disciplina obrigatria em todos os cursos da UFPA, caracterizada enquanto uma

    atividade de promoo da pesquisa.

    O ensino superior ordinrio e generalizado consiste nas aes mais cotidianas de

    ensino-aprendizagem em torno de temas, autores e obras prescritas curricularmente e

    efetuadas, em geral, na chamada sala de aula e nos Estgios Profissionais e Prticas

    Pedaggicas.

    esse ltimo conjunto de atividades que representa a maior parte da carga horria dos

    cursos com o envolvimento obrigatrio de professores e alunos. Dessa forma, pode-se deduzir

    que da advm a marca comum da formao da maioria dos alunos que passam pelos diversos

    Campi da UFPA, que definida enquanto uma instituio na qual o ensino precisa sedesenvolver de modo indissocivel da investigao cientfica.

    Significa dizer, portanto, em termos de ideal universitrio, que o ensino e a pesquisa

    devam entrelaar-se na maior parte do tempo de formao e no apenas na execuo do TCC,

    no momento de finalizao de um curso.

    importante discutir quais os sentidos institucionalizados de pesquisa, ensino e da

    relao entre as duas atividades acadmicas, partindo da definio majoritria, mas tambm

    procurando outros elementos discursivos nos documentos que possam ampliar os significados,

    revelar tenses, contradies. Por fim, que se possa nessa atividade de crtica histrico-conceitual apontar para novos sentidos, sendo esses entendidos como novas compreenses e

    possveis rumos para as atividades acadmicas na UFPA.

    Parte do que entende por pesquisa na universidade pode ser verificado, tambm, pelo

    tipo de esforo institucional para constituir o seu corpo docente. Assim, as estatsticas

    mostram que a UFPA vem investindo na formao de mestres e doutores, dentre outras

    razes, por aceitar ser a titulao, realmente, uma condio necessria para o reconhecimento

    institucional do pesquisador, capacitando-o a concorrer aos financiamentos das agncias de

    fomento e at da prpria UFPA, em Editais pblicos como o Programa Integrado de Apoio aoEnsino, Pesquisa e Extenso (PROINT)15.

    15Nos anos de 2005 e 2006, os Editais do PROINT impem como uma das condies para financiamento de umProjeto de Pesquisa e Extenso a relao clara desse com o Projeto Poltico Pedaggico do curso ao qual odocente est ligado, o que parece ser um mecanismo que incentiva a conexo da pesquisa e extenso com oensino. A maior parte dos Recursos para Pesquisa e Bolsas, no entanto, no faz parte do Oramento da UFPA,mas advm de Agncias Financiadoras e de Fundos especiais.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    24/207

    24

    O desenvolvimento da pesquisa enquanto prtica institucional de mestres, mas

    principalmente de doutores, que se concretiza nos projetos de pesquisa individuais ou grupais,

    envolvendo discentes da graduao e ps-graduao, contribui, sim, para criar um ambiente

    de investigao e uma cultura de pesquisa na Universidade.

    Entretanto, ainda que esse tipo de atividade desenvolvida pelo docente seja uma

    condio necessria, no suficiente para caracterizar universalmente a formao dos alunos.

    Ressentem-se as aes docentes e discentes mais ordinrias e majoritrias - como aula

    expositiva, seminrios, leitura e interpretao de texto - da contribuio clara da pesquisa

    institucional no preparo intelectual.

    A preocupao com a forma segundo a qual se conecta ensino e pesquisa na docncia,

    constituiu em alvo de minhas investigaes. Em primeiro lugar como estudante do curso de

    Bacharelado e Licenciatura em Filosofia da UFPA, e em segundo como professor de Filosofiada Educao no Curso de Pedagogia, nessa mesma universidade.

    Essa disciplina tem oportunizado interrogar os limites e possibilidades da pesquisa

    cientfica e das suas prticas institucionais na formao universitria. Essas inquiries

    conduzem necessria reflexo sobre o sentido gnosiolgico da pesquisa no ensino menos

    como uma prtica cercada de procedimentos formais estritamente cientficos e mais enquanto

    possibilidade aberta de admirao diante da realidade nas suas diversas dimenses.

    Como coordenador e vice-coordenador do Curso de Pedagogia de Abaetetuba por 3

    anos, acompanhei as discusses institucionais ocorridas na UFPA sobre as diversas atividadesacadmicas da universidade na segunda metade dos anos 1990 a 2000. No centro da polmica,

    chamava a ateno o quase consenso de docentes e discentes de que a titulao stricto sensu

    do docente condio para a realizao de pesquisa o que, por sua vez, supostamente

    contribuiria de maneira determinante para aperfeioar a qualidade de ensino e a formao do

    discente.

    Esse tipo de discurso institudo possui um grande prestgio na comunidade acadmica,

    pois de algum modo se ampara na idia de que a universidade define-se pela

    indissociabilidade entre pesquisa e ensino e por conseqncia seria necessrio quele queensina (condio inerente a todo professor) tornar-se, tambm, sagaz pesquisador.

    A idia de que a Universidade realmente exige que ensino e pesquisa estejam sempre

    conectados (dever-ser). Ora, a questo de fato que essas atividades no se pem

    indissociveis, mas tal constatao no cria por si mesma, a sua justificativa: no porque a

    situao realmente essa que deva ser.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    25/207

    25

    Frente ao desejvel ideal regulador, procura-se na universidade solues para atualiz-

    la. A sada mais comum apresentada nos pronunciamentos institucionais para se conferir ao

    Ensino Superior a qualidade de universitrio estaria, fundamentalmente, na formao do

    professor para a pesquisa em cursos de Ps-Graduao stricto sensu.

    O pressuposto o de que o aprender a ser pesquisador nesses cursos, traz como

    conseqncia um diferencial na atividade docente advindo de qualquer coisa inerente

    pesquisa em si: como se ao reunir as qualidades de professor e pesquisador se tivesse uma

    condio necessria e suficiente para que se desse a consumao das atividades nas prticas

    docentes efetivas.

    No decurso dessas discusses foi-se percebendo que embora houvesse certo consenso

    implcito em torno da definio institucional de universidade e do lugar do docente, de modo

    algum se estava diante de uma situao realmente evidente. Da porque se foi sentindo anecessidade de proceder a um questionamento mais radical de algumas certezas institucionais,

    presumidas enquanto concepo geral e por isso merecedora de um consenso tcito e,

    portanto, no refletido suficientemente.

    Diante disso, procurei abordar o problema que comeava a se constituir de acordo com

    um jogo de linguagem filosfico, no sentido de provocar um estranhamento com

    determinadas obviedades da semntica institucional. Passou-se a interrogar o que significam

    determinados conceitos, como ensino superior universitrio, pesquisa e ensino com pesquisa.

    Baseado nesse exerccio de reflexo vislumbrou-se algumas possibilidades de re-pensar taisconceitos, potencializando os elementos instituintes e pouco inquiridos.

    A reflexo no poderia ocorrer enquanto exerccio puramente analtico, da porque se

    procurou apoio emprico em um campo com materialidade simblica, a saber, um conjunto de

    documentos escritos e dados estatsticos cuja autoria institucional da prpria UFPA. Tendo

    em vista meu interesse pessoal pelo campo educacional, enfatizei no interior da universidade

    como um todo o campo educacional, representado predominantemente pelo Centro de

    Educao como lugar do dizer e do fazer.

    Essa escolha resultou tambm em razo do Mestrado Acadmico em Educao contarcom docentes e grupos de pesquisa que se dedicam investigao da docncia universitria e

    formao do pesquisador, o que tornou vivel a interlocuo e possibilitou o apoio terico-

    metodolgico e a devida orientao da investigao aqui materializada.

    O problema que se levanta procura se justificar, enfim, enquanto uma contribuio

    terica com potencialidades de repercusses na compreenso do trabalho docente e nas

    prticas e polticas curriculares dos professores universitrios.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    26/207

    26

    Foram considerados como representantes de compreenses predominantemente

    institudas de como a UFPA se autodefine, compreende as suas funes e objetivos, de modo

    especial a relao entre ensino e pesquisa na docncia, documentos como: o Estatuto e

    Regimento Geral da Universidade e Resolues. Os Anurios Estatsticos oferecem

    informaes para se confrontar o que se institui como discurso com aquilo que se tem

    conseguido realizar.

    Na conta de discursos predominantemente instituintes foram considerados os

    documentos que formalizam e assimilam as discusses que emergiram em meados da dcada

    de 1990 e chegaram ao ano de 2005, como: Novo Estatuto e Regimento Geral, Diretrizes

    Curriculares dos Cursos de Graduao da UFPA, Projeto Poltico Pedaggico do Curso de

    Pedagogia.

    Considerei importante, tambm, lanar mo de uma bibliografia especfica que trata dapresena da pesquisa na docncia universitria, ressaltando-se, sob essa perspectiva, o campo

    educacional e o curso de pedagogia em particular. Interessaram tanto os trabalhos tericos que

    se debruam conceitualmente sobre a questo quanto algumas pesquisas empricas existentes.

    Alm das fontes j citadas, acrescentamos aquelas que funcionaram como

    pressupostos da pesquisa, isto , a bibliografia que enquadra o problema, organiza os

    procedimentos, os dados e que finalmente orientou a interpretao dos resultados.

    No desenvolvimento da pesquisa foram dados os seguintes passos:

    1) Inicialmente foi realizado o levantamento de material bibliogrfico e documental. Emseguida fez-se a primeira seleo na qual a problemtica da pesquisa serviu de filtro.

    Contudo, a delimitao do corpo analtico s pde realizar-se por meio de leitura

    superficial dessas fontes.

    2) Passou-se, ento, leitura aprofundada a qual foi seguida de fichamentos e

    comentrios, posteriormente classificados de acordo com o planejamento dos captulos

    e seus tpicos. Considerou-se, tambm, a pertinncia conceitual quando se tratava de

    documentos que mostravam a fora institucionalizada da relao ensino-pesquisa na

    universidade e no curso de pedagogia, e o recorte temporal de 1995-2005, quandoestava em jogo o seu movimento insurgente.

    3) Os diversos tipos de registros que resultaram do trabalho com essas fontes foram

    elaborados em conformidade com as orientaes metodolgicas de Folscheid e

    Wunenburger (1997), Severino (2001) e A. Muniz (1990) no que respeita leitura,

    explicao, comentrio de textos e elaborao de dissertao.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    27/207

    27

    Na busca sistemtica de compreenso dos discursos e enunciados que compuseram as

    fontes de informao16 condensadas nesta dissertao, procedeu-se a um trabalho de anlise

    textual, sob inspirao das indicaes de Folscheid e Wunenburger (1997), Severino (2001) e

    A. Muniz (1990).

    A preocupao inicial em termos procedimentais consistiu em identificar com a maior

    objetividade17 possvel o que realmente era afirmado nos textos, o seu sentido explcito, de

    acordo com as regras sintticas, semnticas e lexicais ordinrias. O esforo de leitura

    concentrou-se na verificao dos problemas, das teses, dos argumentos e das definies e

    noes principais que caracterizavam a unidade de sentido escolhida para anlise. Folscheid e

    Wunenburger (1997, p. 30) denominam-se esse momento metodolgico da leitura de

    explicao cujo objetivo ... saber o que um autor verdadeiramente disse numa dada

    passagem.Esse cuidado em entender o que cada texto expressa na sua estrutura e estilo prprios,

    uma condio para se realizar snteses, efetuar crticas e comentrios. Faz-se necessrio

    perceber se o enunciado discursivo se constri de forma a facilitar uma interpretao unvoca

    e de acordo com padres rigorosamente lgicos ou se nele predomina construes que

    favorecem a polissemia.

    Efetua-se, pois, a anlise dos documentos tanto na sua estrutura superficial e imediata

    como com base naquilo que no est claramente enunciado do ponto de vista lingstico e

    lgico, mas que estimula o exerccio de interpretaes mais refinadas a partir de indcios.Aps essa leitura mais estrutural dos textos, a pesquisa exigia que se delimitasse e

    destacasse unidades de sentido diretamente ligadas ao problema e aos objetivos da pesquisa.

    Passou-se, pois, ao mapeamento dos trechos dos documentos de temas, noes e conceitos

    que tratavam de Ensino Superior, Pesquisa e da Relao entre elas na docncia universitria.

    Feita essa delimitao, passaram a ser comparados os textos, os problemas, as

    definies e as argumentaes em torno das categorias acima destacadas. Os fios condutores

    foram o problema e os objetivos da dissertao. Esse segundo momento metodolgico da

    pesquisa aproximou-se do que Folscheid e Wunenburger (1997, p.49) chamam decomentrio de texto: ... no se trata mais de apenas expor o que um autor realmente disse...

    mas de estabelecer um dilogo com ele....

    16Livros, Artigos, Documentos oficiais (Textos Legais, Projetos Institucionais, Anurios Estatsticos).17Sabe-se que a objetividade e iseno dessa aproximao inicial uma regra procedimental desejvel, emborano se acredite dogmaticamente na possibilidade de neutralidade da compreenso.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    28/207

    28

    Com relao ao uso feito das fontes histricas, no se teve como principal objetivo

    expor descritiva e sistematicamente a gnese temporal e o desenvolvimento seja do ensino

    superior, da pesquisa ou do curso de pedagogia. Teve-se antes por finalidade essencial, tecer

    os argumentos de como algumas noes e compreenses vo se consolidando, passando a

    constituir uma tradio que enquanto tal, por meio da suas inscries, fala ao presente.

    Desse modo, quando se quer mostrar o sentido institudo, no h preocupao de

    estabelecer recortes histricos ou espaciais rigorosos, pois pensamos que o objeto possui

    determinaes gerais sem cuja meno no se poderiam compreender as suas caractersticas

    mais idiossincrticas e atuais.

    Assim, procurou-se o sentido institudo nos autores mais influentes e nos textos legais

    e regulamentais provenientes de importantes instituies que representam o arcabouo

    jurdico e scio-cultural da universidade, do ensino superior, da pesquisa e do curso depedagogia no Brasil e na UFPA.

    O instituinte procurado nos atores que tm discutido a instituio universitria na

    ltima dcada (1995-2005), a partir do registro feito em documentos acolhidos pela instituio

    ou parte dela.

    No que diz respeito s fontes quantitativas, elas foram interpretadas de maneira

    discursiva e argumentativa, com procedimentos de anlise de contedo. Portanto, no se

    procurou aplicar tcnicas estatsticas como a de representatividade amostral na classificao e

    anlise das informaes.Alm dos elementos pr e ps-textuais de praxe, o relatrio final da pesquisa ganhou a

    forma de captulos que, por sua vez, dividem-se em tpicos. Traaremos, em seguida, um

    mapa dos trs captulos em que se organizou a dissertao.

    O primeiro prope-se a mostrar, com base nos estudos histricos de Nagle (1976),

    Paim (1982), Reale (1984), Penna (1987), Maia (1989), Carvalho (1996), Teixeira (1998), M.

    Diniz (2001), Souza (2001), Gatti (2002), Silva (2003), Mariani (2005) e Schwartzman

    (2005), como se constitui a formao de docentes do ensino superior e universitrio no Brasil.

    O fio condutor da trama argumentativa e anlise concentra-se na existncia ou no da relaoentre o ensino superior e pesquisa, seja como efetividade ou enquanto iderio institucional.

    Discutem-se, ainda, as exigncias que a compreenso moderna de universidade de

    pesquisa impe para o exerccio da docncia e como a questo se apresenta no mbito da

    pedagogia.

    Procurou-se, ainda nesse captulo inicial, realizar uma anlise mais fortemente

    conceitual do que seja o ensino superior universitrio, a pesquisa institucional e algumas

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    29/207

    29

    formas de relao possveis entre os dois na literatura consultada. Com essa discusso se

    cumpre, tambm, o objetivo de desdobramento, sistematizao conceitual e adensamento

    crtico das discusses anteriores, atravs da consulta as seguintes fontes: os filsofos da

    educao Pitombo (1976), Dewey (1979) Reboul (2000), Freire (1996), Saviani (1997,

    2000)-, e os epistemlogos Kuhn (1975) e Bruyne (s.d).

    O segundo captulo analisa, com base no primeiro, o sentido da institucionalizao da

    pesquisa na Universidade Federal do Par, as suas relaes com o ensino e com a docncia

    universitria, enfatizando as convergncias conceituais com o arcabouo de noes modernas

    presentes nos discursos de fundamentao da universidade brasileira, mas tambm as

    especificidades inerentes UFPA.

    Inicialmente se analisou as noes de pesquisa e ensino e suas relaes, manifestas

    em documentos que representam compreenses institudas na UFPA, em seguida, as suaspossveis tenses e ambigidades em movimentos instituintes de discusso ocorridos nesse

    espao universitrio. Por fim, examina-se no captulo, com base em anurios e relatrios de

    gesto da UFPA, o alcance de algumas importantes condies objetivas e subjetivas para a

    realizao da pesquisa e a sua conexo com o ensino na instituio.

    No terceiro captulo, so concentrados esforos na compreenso do lugar da pesquisa

    educacional no contexto da UFPA, as formas de relao daquela com a atividade de ensino no

    curso de graduao em pedagogia e no Programa de ps-graduao em educao.

    Discute-se de que modo se institui, no campo educacional, a idia de pesquisa comoum componente importante na formao do professor e na sua atuao profissional, de acordo

    com a definio oferecida por Ansio Teixeira da Escola de Educao em contraposio s

    Escolas Acadmicas. Verificou-se que uma verso dessa tradio instalou-se na UFPA,

    atravs da diferenciao entre Centros Bsicos e Centros Profissionais. Analisa-se o

    esforo instituinte e crtico dos sujeitos que compem o Centro de Educao, no sentido de

    redefinir os objetivos da educao e da pedagogia, tendo como sustentao epistemolgica e

    poltica, noes com prxis e crtica a partir das quais o ensino e a pesquisa adquirem novos

    significados.Em conexo com essa discusso inicial, passa-se, anlise de informaes sobre a

    dinmica de institucionalizao efetiva, no Centro de Educao, da pesquisa e ps-graduao

    e suas relaes com a graduao, tomando por fonte, indicadores disponveis em Anurios e

    Relatrios da UFPA e CED, mas tambm dois estudos realizados sobre essa mesma temtica

    especfica por Vasconcelos (2001) e Corra (2003).

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    30/207

    30

    CAPTULO I

    A INSTITUCIONALIZAO DA PESQUISA E A DOCNCIA NA UNIVERSIDADEBRASILEIRA

    Atravs do procedimento de anlise textual das fontes bibliogrficas, procuraremoscompreender como se institui no Brasil o ideal de universidade de pesquisa, enfatizando o

    lugar do campo educacional. A reflexo desdobra-se na busca do entendimento das

    repercusses que tal dever-ser da instituio universitria teve na caracterizao dos seus

    docentes a partir da constituio de um ideal moderno do ensino superior brasileiro que

    comea a se formar na primeira dcada do sculo XIX em contraposio tradio jesutica.

    Esse objetivo est articulado pela discusso de algumas idias-fora do que seja a

    pesquisa, presentes em relevantes discursos educacionais que lhe conferem importncia

    central como componente essencial da docncia, esclarecendo os sentidos que o termo

    pesquisa adquire na universidade.

    Tendo em vista o atingimento do objetivo e a sua melhor fundamentao, iniciaremos

    a discusso com algumas consideraes preliminares de cunho terico-metodolgico em torno

    da universidade.

    O sentido do que foi ou tem sido a instituio universitria moderna no Brasil, no

    pode ser compreendido sem que se faa uma reflexo a respeito do que seja a pesquisa

    cientfica de base, assim como das suas relaes com as atividades tcnicas, tecnolgicas,

    profissionais e com a conservao e/ou difuso da cultura em geral. Esses so aspectos

    cannicos e estruturais da chamada misso da universidade.

    Esse conjunto de finalidades e objetivos atribudos universidade na sua constituio

    histrica e social, indica a existncia de um alto grau de complexidade e heterogeneidade

    como caractersticas dessa realidade institucional, com repercusses significativas na

    definio das especificidades do ensino superior universitrio.

    Pensamos, pois, que a compreenso do sentido desse ensino liga-se s noes e

    conceitos de universidade, na medida em que os professores so personagens centrais na

    efetivao ou no do dever-ser dessa instituio milenar e solidamente estabelecida.

    Por conseqncia, o termo universidade carrega consigo um denso e polissmico

    contedo semntico que vem se construindo nesse longo percurso histrico. Assim, o que se

    tem no plano puramente formal um sentido universal abstrato e abrangente que, apesar

    disso, no pode ser desprezado por se constituir em um ideal regulador da instituio

    indispensvel sua compreenso.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    31/207

    31

    Sobre a questo do que seria a essncia da universidade, Pinto (1994, p. 18) adverte-

    nos da insuficincia de se ficar num plano de universalidade abstrata e recomenda a

    indispensabilidade de historicizar o conceito:

    A concluso a que desejamos chegar esta: quando falamos do problema dauniversidade, temos de levar em conta a peculiaridade de sentido que apalavra tem atualmente para ns. S possumos de comum com auniversidade, enquanto tal, o simples nome, pois o que para ns constituihistoricamente o conceito de universidade coisa to diferente do queocorreu na Europa que no nos lcito pensar em termos gerais, como se asnossas universidades e as europias fossem por essncia uma mesmarealidade. Importa-nos pensar concretamente e considerar o nosso casoparticular luz da histria da nossa formao nacional, onde em dadomomento, comeam a surgir as escolas superiores, e onde, em pocarecentssima, se configuram os primeiros organismos com o pomposonome de universidades.

    Concordamos com o autor citado sobre a necessidade de estudar a histria da

    universidade para melhor compreend-la e, conseqentemente, a docncia superior

    universitria. Contudo, encaramos com reservas a tese de que a tradio de educao superior

    no Brasil, inclusive a universitria, seja totalmente incompatvel com a europia,

    especialmente a portuguesa.

    Outro autor que trata da questo da complexidade ontolgica e epistemolgica da

    universidade como um fato que coloca o estudioso diante de grandes desafios terico-

    metodolgicos, Zabalza (2004, p.7):

    A primeira sensao que temos ao abordar o tema da universidade de queesta ser uma tarefa irrealizvel. So tantos e to complexos os elementos aserem considerados, que no parece possvel enfrent-los com suficientecoerncia e sistematicidade... Podemos, de fato, falar em universidadescomo um conceito unitrio, ou ser que as universidades se transformam emrealidades to diversas entre si que j no pertencem mesma categoriainstitucional? O que h em comum entre uma universidade inglesatradicional, um centro superior chileno, uma escola superior francesa ou umcentro de estudos superiores atravs da internet?

    Mesmo reconhecendo a pertinncia e importncia do que dito pelos dois autores,

    pensamos que negar a suficincia de uma compreenso de universidade como um universal

    abstrato, no significa desconhecer nas determinaes concretas, componentes abstratos e

    ideais que podem orientar at mesmo as prticas didtico-pedaggicas dos professores no

    jogo dialtico entre ser e dever-ser ou do que foi, tem sido e que se quer que venha a ser essa

    instituio.

    Dessa maneira, o reconhecimento da validade do esforo de compreenso e exposio

    lgica do pensamento em torno de um tema, no implica em desconsiderar que, sob as

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    32/207

    32

    tentativas de unidade e coerncia formal do conceito, encontra-se uma diversidade de aspectos

    contraditrios dinamizados dialeticamente no processo de constituio histrica da

    universidade e da docncia que nela se efetiva.

    Recorrendo-se histria dessa instituio, pode-se constatar que a conservao da

    cultura e, em menor grau, a sua difuso, j se dedicava a universidade medieval, sem

    descurar, contudo, da formao de ofcios indispensveis sociedade nas suas Faculdades de

    Teologia e Medicina.

    Tal tradio cultural que caracterizou a universidade chegou cedo ao Brasil, na sua

    verso jesutica, e marcou profundamente a histria da formao e do iderio educacional do

    Pas. Corporificou-se, de modo especial na formao cultural em nvel superior dos nossos

    intelectuais, ocorrida no intervalo que se estende de meados do sculo XVI primeira dcada

    do sculo XIX, exclusivamente em universidades europias, destacadamente nas de Coimbrae vora.

    Assim, o ensino superior introduzido no Brasil no primeiro decnio do Sculo XIX

    vir marcado por essa slida tradio, que j assimilara as modificaes procedidas pela

    Reforma Educacional introduzida pelo Marqus de Pombal a partir de 1759, que tivera

    repercusses considerveis na universidade portuguesa entre 1772 e 1777, antecipando

    muito do que ocorreria em instituies congneres no resto da Europa a partir do incio do

    sculo seguinte (PAIM, 1982; CARVALHO, 1996).

    Pombal propusera-se a efetuar uma espcie de modernizao da cultura universitriaat ento sob a hegemonia de valores religiosos catlicos. Contudo, o Marqus s acolher do

    iluminismo e da modernidade cientfica, os seus aspectos mais pragmticos com relao ao

    conhecimento dentro de horizontes conservadores no mbito poltico. Essa modernidade

    conservadora ser uma das marcas da universidade pombalina que se plasmar fortemente nas

    Escolas Superiores Brasileiras durante o Imprio e a Repblica.

    Quando surgiram as primeiras universidades brasileiras, as justificativas de existncia

    dessas instituies em termos pragmticos, conservadores e profissionalizantes, j estavam

    bem estabelecidas e persistiro vigorosas at o final dos anos 40, apesar da resistncia que sepodia verificar nos discursos de intelectuais, como Ansio Teixeira e Fernando de Azevedo, e

    nas posies de instituies como a Academia Brasileira de Cincias (ABC) e a Associao

    Brasileira de Educao (ABE) a esse modelo, desde os anos de 1920 (PAIM, 1982).

    O modelo rival de universidade que sustenta a resistncia dos crticos tradio

    jesutica e pombalina pode ser caracterizado como liberal, e se inspira efetivamente em

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    33/207

    33

    experincias j concretizadas desde o Sculo XIX, em pases como a Alemanha e os Estados

    Unidos da Amrica.

    Dentre os vrios princpios liberais que amparam os argumentos desses intelectuais

    brasileiros, ressalta-se o otimismo com relao aos poderes da universidade na constituio de

    uma nao moderna e capaz de se autoconhecer, o que constitui um dos elementos discursivos

    do que Lyotard (1988) chama de narrativa legitimadora da universidade que emergiu na

    Alemanha do sculo XIX e se transformou em modelo com reconhecimento de vrias naes,

    no apenas na Europa.

    Trata-se de um iderio otimista que se funda na crena no poder da educao em geral

    - e na pesquisa cientfica e no ensino superior, de modo particular -, para resolver os graves

    problemas nacionais e promover o desenvolvimento e a felicidade dos brasileiros. No que se

    refere pesquisa, ainda que se espere dela resultados prticos e produtivos - sem os quais nose cumpririam os objetivos j destacados -, no se deixa de simultaneamente defender que

    haja lugar na universidade para um tipo de investigao que seja pensada enquanto uma

    atividade desinteressada. Essa forma de definir a ao intelectual de investigao ou da

    busca em geral do conhecimento um dos aspectos essenciais da denominada legitimao

    idealista e filosfica da universidade (LYOTARD, 1988).

    A expresso atividade desinteressada, no entanto, no caracteriza propriamente os

    tempos modernos e nem se origina neles. Possui uma longa tradio no pensamento filosfico

    e ocupa importante lugar na filosofia aristotlica e na universidade medieval. Esse tipo deatividade contrape-se nesse autor a tudo que prtico (prxis) e produtivo (poiesis).

    Atividade desinteressada teoria, busca autotlica da verdade que se justifica por si mesma

    para alm de todo e qualquer resultado exterior satisfao intelectual da prpria busca.

    Alm dessa expresso no ser moderna, vrios autores da poca criticaram o ideal

    epistemolgico de um conhecimento desinteressado, contemplativo ou ocioso, a

    comear por Francis Bacon e Descartes, at adquirir grande fora em Karl Marx, que tenta

    superar dialeticamente s oposies entre prtico e produtivo (que ele chama de prtico) e

    terico com a redefinio do termo grego prxis enquanto unio dialtica de taisexpresses.

    interessante ressaltar, contudo, que todas essas crticas no tiveram fora para anular

    o ideal regulador epistemolgico de um conhecimento desinteressado, traduzido muitas

    vezes por expresses como cincia pura (como Fsica terica). Desinteresse pode

    significar um tipo de no interesse prtico, produtivo ou tecnolgico, portanto, um interesse

    inerentemente terico. O interesse ou desinteresse relativo ao que move ou no o sujeito no

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    34/207

    34

    ato de conhecer e no ao que se pode fazer ou no com o conhecimento enquanto produto

    (KONDER, 1992; MARX; ENGELS, 1986; LEO, 1998).

    A noo de conhecimento desinteressado encontra-se intimamente relacionada s

    idias de autonomia e liberdade do pensamento em relao aos dogmas e s doutrinas, ou

    mesmo aos interesses do Estado e s necessidades da sociedade, configurando-se enquanto

    atitude abertamente crtica porque desvinculada de qualquer amarra. Para Moreira (1981, p. 5)

    ... atitude crtica, ceticismo metodolgico e o esprit dexamen de Tocqueville, seriam

    caractersticas epistemolgicas do liberalismo que o colocaria igualmente distante da inrcia

    dogmtica do conservadorismo e das receitas profticas revolucionrias.

    Tal discusso mostra que a valorizao aferida pela universidade moderna noo de

    conhecimento como atividade desinteressada e crtica, criar enorme ambigidade

    epistemolgica na definio dessa instituio. Sabe-se que a razo contemplativa foi umacaracterstica da universidade clssica, medieval; ao ser mantido o discurso do desinteresse

    como componente legitimador de uma universidade que se quer re-fundada, entremeiam-se,

    de certo modo, as fronteiras entre essa e a que a antecedeu.

    Entretanto, ainda que a atividade desinteressada represente uma importante

    justificativa da universidade moderna, a razo contemplativa j no ser predominante nela,

    que de resto ser marcada pela racionalidade cientfica, a qual reconhece a conexo ntima

    entre saber e poder, assim como a necessidade do comprometimento da cincia com as

    demandas sociais (BACON, 1991).Por outro lado, o conceito de crtico - intimamente ligado ao de desinteresse -

    reivindicado no apenas pelo liberalismo, como tambm pelo pensamento filosfico clssico e

    com um sentido muito prprio mantido e includo como caracterstica do materialismo

    dialtico18.

    Esse emaranhado de conceitos se apresenta, tambm, como veremos a seguir, em

    vrios e diferentes discursos de justificao da universidade brasileira e da atuao do seu

    corpo docente. A construo de um campo de polissemia inicia com o esforo contraditrio de

    algumas universidades brasileiras para aderirem a partir da segunda dcada do sculo XX, emais efetivamente nos anos 1960 - aos valores polticos e epistemolgicos das matrizes

    modernas de pensamento, a partir e contra uma slida tradio intelectual humanstica e

    jesutica.

    18 O conceito de crtica no se define por uma simples atitude intelectual de crtica dos conceitos, das noes ouidias, mas s possui importncia e efetividade quando se relaciona prxis, especialmente do tiporevolucionrio (MARX; ENGELS, 1986; KONDER, 1992).

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    35/207

    35

    1.1 Formao superior dos intelectuais brasileiros e a docncia universitria

    Tendo em vista o incio tardio de funcionamento de universidades no Brasil, o lugar de

    formao em nvel superior dos brasileiros foi at a independncia, os clebres bacharelados

    das universidades europias, especialmente as portuguesas, destacadamente a de Coimbra.

    Carvalho (1996) mostra com excelente fundamentao documental que essa educao,

    predominantemente jurdica, foi marca emblemtica da elite poltica e burocrtica brasileira,

    colonial e imperial. Entre 1550 e 1808, foram 2.50019 os brasileiros formados na Universidade

    de Coimbra. No perodo de 1772 a 1872, registrou-se nessa mesma universidade, a matrcula

    de 1.242 estudantes brasileiros.

    Carvalho (1996) ainda nos informa que os jesutas foram personagens centrais da

    Universidade de Coimbra de 1537 a 1759, voltando a recuperar terreno aps 1777 com aqueda de Pombal. A introduo do Ratio nessa Universidade deu-se j em 1559,

    representando, portanto, para a docncia na universidade jesutica, certa limitao do livre

    pensamento e da liberdade de investigao que ser reivindicada fortemente pelo mundo

    moderno emergente, movido que esteve pelo ardor crtico e iconoclasta de uma dvida

    hiperblica com relao tradio greco-romana e medieval.

    A experincia brasileira de educao superior20 a partir da primeira dcada do Sculo

    XIX, com cursos para formao de militares, mdicos, advogados e engenheiros, fez-se em

    parte, em consonncia com o modelo ps-reforma pombalina de 1772, cujos objetivosproclamados consistiam na formao profissional e burocrtica. Contudo, os valores do

    modelo medieval-jesutico, nos moldes bacharelescos de Coimbra e vora, no deixaro to

    cedo de ser cultivados no meio acadmico brasileiro.

    Muito embora os discursos de exaltao da modernizao sejam freqentes, os

    referenciais de constituio do ensino superior no Brasil distam do que se pode considerar

    como justificativas modernas de universidade de pesquisa (PAIM, 1982; LEO, 1988).

    No primeiro caso, principalmente, no se d o encontro entre ensino superior

    universitrio e a pesquisa no sentido moderno e liberal do termo21 pelo destaque aplicao e

    19 A Informao fornecida por Teixeira (1998).20 De 1808-1820 criaram-se as instituies de Ensino Superior no Brasil: Real Academia dos Guardas-Marinhas,Academia Real Militar, Escola de Medicina do Rio de Janeiro, Escola de Medicina de Salvador e Academia deBelas-Artes; de 1827-1876: o Curso de Direito de So Paulo, Curso de Direito de Olinda, Escola de Farmcia deOuro Preto, Escola Politcnica do Rio de Janeiro e Escola de Minas de Ouro Preto (CARVALHO, 1996).21 O significado moderno do termo cincia advm do papel fundamental conferido ao mtodo experimental e linguagem matemtica na investigao da prpria coisa, em detrimento dos conhecimentos j solidificados noslivros e aceitos pelo princpio da autoridade e da tradio. Leo (1998) mostra que a idia de inseparabilidade deensino e pesquisa construo moderna do ideal de universidade.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    36/207

    36

    no produo desinteressada de conhecimentos; j no segundo, embora haja um

    compartilhamento do desinteresse como marco epistemolgico comum, o modelo liberal no

    se detm no estudo de uma literatura autorizada e fixada enquanto campo simblico cannico,

    preferindo a busca da verdade a partir da lio das prprias coisas.

    Embora o encontro da universidade com a pesquisa cientfica seja hoje parte da

    compreenso desses dois termos, ele no se deu simultaneamente ao desenvolvimento

    revolucionrio da cincia a partir do sculo XVII. No Brasil, em Portugal e no resto da

    Europa, os cientistas ficaram por muito tempo fora dos muros das universidades e foram

    apoiados por instituies de pesquisa, notadamente as Academias de Cincias22. A idia de

    uma universidade de pesquisa s comea a se firmar quando os alemes propuseram para si e

    ao mundo, no primeiro decnio do sculo XIX, um novo modelo para essa instituio, no qual

    o ideal de pesquisa cientfica bsica ocuparia posio nuclear, redimensionando o sentido daatividade de ensino.

    Pode-se dizer que mesmo a tradio luso-brasileira que se vai constituindo a partir das

    reformas do Marqus de Pombal tendo representado uma substancial mudana nos rumos da

    universidade tradicional, no chegou a significar adeso ao que mais profundamente se

    entendia como contribuio essencial da moderna cincia: a busca livre e autnoma de

    conhecimento que por essa caracterstica poder engendrar novidades tericas fundamentais,

    sem que se saiba a priori qual ser exatamente o seu potencial de aplicao. Em todo o caso,

    com as ocorrncias dos sculos XVIII e XIX em Portugal e no resto da Europa - com as suasidiossincrasias - compem o movimento de uma mesma e nova episteme que se est

    constituindo em reao universidade tradicional. A sua base comum deriva da cultura

    cientfica moderna e das mudanas scio-econmicas que marcam o processo de consolidao

    do capitalismo.

    As mudanas institucionais s quais a universidade se submete ao se inserir na

    modernidade traro inevitavelmente novas exigncias ao corpo docente. O modelo do

    professor erudito, com ampla formao humanstica, portador de uma grande quantidade de

    informaes provenientes de variados campos de saber tender a perder espao.J no se aceitar como desejvel a separao entre a atividade de produzir os

    conhecimentos e as teorias e a ao de ensinar, isto , de simplesmente transmitir ainda que

    seja com habilidade comunicativa, esse saber. Faz-se necessrio, portanto, ou que o cientista

    22A Italiana criada entre os Sculos XV e XVI; a Royal Society surge na Inglaterra do Sculo XVII; o SculoXVIII ver a Frana fundar a sua Academie; em 1916 veio tona a Sociedade Brasileira de Cincias, mais tarderenomeadaAcademia Brasileira de Cincias, com sede no Rio de Janeiro (PAIM, 1982).

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    37/207

    37

    seja o professor ou que o professor se transforme em cientista, pois o que interessa a

    garantia de que o ensino e a pesquisa se apresentem de modo indissocivel na atividade

    docente universitria mais cotidiana.

    Ora, como j pr-existem as culturas institucionais do cientista que atua em Academias

    e Institutos de Pesquisa23, por um lado, e a do professor que atua na universidade de ensino24,

    ser necessrio o estabelecimento de um tipo de prxis que possa reunir as duas atividades a

    fim de atender ao que se exige que seja a universidade de pesquisa.

    A rigor esse intelectual no poder ser considerado um pesquisador sem adjetivaes,

    pois ele visto pelas regras que instituem a universidade antes de qualquer outro atributo,

    como um docente, o que por definio implica o exerccio do ensino e a responsabilidade por

    formar discentes com a mediao de determinados conhecimentos estabelecidos pelo

    currculo.Uma questo fundamental diz respeito provenincia desse conhecimento. J no se

    aceita uma docncia de simples transmisso e reproduo de teorias existentes. O pesquisador

    o nico docente admissvel na medida em que capaz de contribuir com a produo do

    conhecimento que transmite. Esse o primeiro atributo a ser considerado na compreenso da

    docncia universitria moderna.

    Assim, cabe universidade enquanto instituio de ensino e pesquisa, produzir e

    divulgar em primeira mo, o conjunto de conhecimentos que estaro circulando nas suas

    atividades curriculares. Essa produo responsabilidade inalienvel dos que ensinam,podendo ser ajudados pelos discentes como parte da prpria formao.

    Alm dos professores universitrios enquanto pesquisadores precisarem produzir

    conhecimentos que constaro dos currculos que formaro profissionais diversos, parte da sua

    pesquisa chegar sociedade e ao Estado sem uma aplicao direta que seja determinada

    pelas necessidades do ensino. E por fim, normal que se espere que a universidade forme o

    seu prprio corpo docente e demais pesquisadores para atuao em empresas e outras

    instituies de investigao.

    23Numa biografia resumida de cientistas e pesquisadores que atuaram no Brasil da primeira metade do sculo XXe parte da sua segunda metade, pode-se verificar que nesse perodo a pesquisa ocorreu prioritariamente eminstituies sustentadas pelo Governo Federal e alguns governos estaduais, a partir da atuao de pesquisadoresestrangeiros e de brasileiros com estgio no exterior. O que caracteriza a formao deles a cincia aplicada porum lado, e a humanista, por outro. A docncia e instalao de unidades de pesquisa nas universidades serodevedoras desses pesquisadores (PAIM, 1982).24 No caso do professor do ensino superior no Brasil, havia uma longa tradio de valorizao do autodidatismona formao erudita. A cultura da especializao introduzida pela cincia moderna passar a exigir, cada vezmais, um treinamento formal na pesquisa certificado por ttulos de ps-graduao, o que representa oreconhecimento de certa competncia por uma comunidade de especialistas.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    38/207

    38

    Essas so algumas das conseqncias que a universidade moderna coloca para a

    redefinio das suas atividades e para a atuao dos seus docentes, vistos como agentes

    centrais na atualizao ou no desse ideal.

    As instituies superiores brasileiras do sculo XIX e das trs primeiras dcadas do

    sculo XX, tero grandes dificuldades para assimilar essa nova cultura acadmica, entre

    outras razes por no disporem de professores formados dentro do novo horizonte

    epistemolgico. O quadro docente daquelas instituies, especialmente das universidades,

    constitua-se, em grande parte, em consonncia com uma cultura acadmica de juristas,

    mdicos e engenheiros.

    Carvalho (1996) afirma que o modelo de ensino superior brasileiro do sculo XIX, na

    rea jurdica o da Universidade de Coimbra, de onde vieram egressos que compuseram o

    corpo docente das instituies emergentes no Pas em matrias como direito cannico, direitocivil, cincias fsicas e naturais, matemtica, filosofia e engenharia. Como tais matrias no se

    destinavam a formar professores, mas antes visavam preparar advogados, juristas e religiosos

    do alto clero que abasteciam os cargos polticos e burocrticos ou ainda militares, mdicos e

    engenheiros com o intuito de responder as necessidades do Estado; ento legtimo dizer que

    a docncia superior uma atividade residual de bacharis, tcnicos e profissionais de nvel

    superior e visa fundamentalmente o ensino sem a produo de novas teorias.

    No seria sustentvel negar a existncia de preocupao do modelo jesutico com a

    formao para o exerccio de um tipo de docncia25

    , inclusive da universitria, seja do pontode vista dos contedos disciplinares seja da perspectiva de atuao pedaggica e didtica. A

    crise se instaura porque a universidade moderna destaca sobremaneira a pesquisa, a

    capacidade de investigao do docente, mas padece com a falta de um slido modelo de

    formao do professor universitrio que pudesse rivalizar com o jesutico.

    No plano da formao docente pode-se dizer que de modo geral, o predomnio da

    proposta jesutica na organizao educacional e curricular em Portugal e no Brasil,

    representar a institucionalizao slida de um modelo de atuao docente em consonncia

    com o documento publicado em carter oficial em 1599: trata-se do clebre Ratio Studiorum(MAIA, 1989).

    Nesse documento que ir constituindo maneiras de ser professor, prescrevem-se de

    modo dogmtico, um conjunto de regras orientadoras da atividade docente, indo desde os

    25 Certamente que esse paradigma de professor jesutico apesar de bem estabelecido - ao se fundar no ensinopropriamente dito e esse, por sua vez, na aceitao da autoridade das teorias produzidas por outrem e prescritasinstitucionalmente como verdades sucumbir ao ideal moderno universitrio que valoriza o docentepesquisador ou o professor cientista e a atitude de crtica sem limites.

  • 8/14/2019 Pesquisa e universidade

    39/207

    39

    objetivos da ao pedaggica e dos seus procedimentos em geral at as especificidades de

    como ministrar cada uma das matrias e quais os seus contedos