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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARCENTRO DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAOMESTRADO ACADMICO EM EDUCAO
DAMIO BEZERRA OLIVEIRA
AS DIMENSES ENSINO E PESQUISA ENQUANTO PREMISSASINSTITUCIONAIS DA FORMAO ACADMICA
NO ARQUIPLAGO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
Belm-Pa2007
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DAMIO BEZERRA OLIVEIRA
AS DIMENSES ENSINO E PESQUISA ENQUANTO PREMISSASINSTITUCIONAIS DA FORMAO ACADMICA
NO ARQUIPLAGO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
Dissertao apresentada e aprovada na Linha dePesquisa Currculo e Formao de Professores doMestrado Acadmico em Educao do Programa dePs-Graduao em Educao da UniversidadeFederal do Par, como exigncia final para obtenodo ttulo de Mestre em Educao, construda sob aorientao do Prof. Dr. Paulo Srgio de AlmeidaCorra.
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca Central/ UFPA, Belm-PA
Oliveira, Damio Bezerra.As dimenses ensino e pesquisa enquanto premissas institucionais da
formao acadmica no arquiplago Universidade Federal do Par / DamioBezerra Oliveira; orientador: Prof. Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra. 2007.
Dissertao (Mestrado em Educao) - Universidade Federal do Par,Centro de Educao, Curso de Mestrado Acadmico em Educao, Belm,
2006.
1. Ensino Superior - Pesquisa. 2. Universidade Federal do Par -Docentes. 3. Docentes Percepo Social. 4. Centro de Educao daUniversidade Federal do Par. I. Ttulo.
CDD - 21. ed. 378.007
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DAMIO BEZERRA OLIVEIRA
AS DIMENSES ENSINO E PESQUISA ENQUANTO PREMISSASINSTITUCIONAIS DA FORMAO ACADMICA
NO ARQUIPLAGO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
Dissertao apresentada e aprovada na Linha dePesquisa Currculo e Formao de Professores doMestrado Acadmico em Educao do Programa dePs-Graduao em Educao da UniversidadeFederal do Par, como exigncia final para obtenodo ttulo de Mestre em Educao, construda sob aorientao do Prof. Dr. Paulo Srgio de AlmeidaCorra.
Banca Examinadora
______________________________________________Prof. Dr. Paulo Srgio de Almeida Corra (UFPA)
_________________________________________________Prof. Dr. Cristovam Wanderley Picano Diniz (UFPA)
________________________________________________Prof. Dra. Josenilda Maria Maus da Silva (UFPA)
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quele que a fonte de toda sabedoria e em relao ao qual, na sua oniscincia, vemos todanossa ignorncia - o que nos impulsiona a nos entregarmos, na nossa finitude, buscailimitada do saber.
minha me - Maria que soube representar, tambm, a figura do pai e que, com a suasabedoria simples, deu-me importantes ensinamentos: mais feitos de gestos vividos do que depalavras.
Socorro minha mulher por teimar em me ensinar a jamais desistir dos meus projetos esonhos, por me pro-jetar.
Aos meus filhos Ramon e Jssica que com a sua energia catica e as suas dvidas infantis,desordenam as minhas certezas: aprende-se muito com o no saber das crianas.
Aos meus professores do Mestrado, especialmente ao meu orientador, o professor PauloSrgio de Almeida Corra, pela orientao competente e crtica, na qual aprendi a importnciado exerccio da autonomia intelectual.
Maria Neusa Monteiro, que pelo seu exemplo de pessoa e profissional, ensinou-me aimportncia de ser um mestre ignorante.
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AGRADECIMENTOS
Expresso a minha gratido a todos aqueles aos quais dediquei esse trabalho, pois direta ouindiretamente contriburam com a sua realizao.
Universidade Federal do Par, Centro de Educao e Campus Universitrio do BaixoTocantins, pelo apoio institucional no meu processo de qualificao profissional.
Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Educao e da Turma deMestrado 2005.
professora Josenilda Maus e ao professor Cristovam Diniz pelas importantes crticas epreciosas sugestes que muito ajudaram na construo do trabalho.
Aos colegas professores do Campus Universitrio do Baixo Tocantins (Abaetetuba),destacadamente Waldir Ferreira de Abreu e Antnio Otaviano Vieira Junior esse ltimo me
intimou a continuar o meu processo de qualificao profissional.
Aos meus alunos e ex-alunos dos diversos campi da UFPA, pelas interrogaes, pelosdilogos e ensinamentos.
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Scrates - Eis que me suscita dvidas, sem nuncaeu chegar a uma concluso satisfatria: o queseja, propriamente, conhecimento. Ser quepoderamos defini-lo? Como vos parece?(PLATO, 1988, p. 7).
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RESUMO
Tratamos da relao entre ensino e pesquisa como caracterstica essencial da modernaconcepo instituda de universidade e das suas repercusses na definio de docnciauniversitria, estabelecendo a educao enquanto particularidade comparativa a ser
compreendida nessa totalidade. Com o tema assim definido, examinam-se as tenses desseideal acadmico na sua institucionalizao no Brasil, em seguida na UFPA e Centro deEducao. O problema de pesquisa se expressa em trs questionamentos bsicos: como seinstituiu a pesquisa no espao acadmico universitrio brasileiro e quais as suas repercussesna caracterizao da atividade docente nessa instituio? De que modos as dimenses ensino epesquisa se encontram enunciadas nos documentos oficiais da UFPA? Como essa relao seevidencia na particularidade do Centro de Educao? Essa problemtica constitui-se a partirde uma abordagem filosfico-epistemolgica em que os conceitos de racionalidade prtica,produtiva e terica e de instituio cientfica e social foram os fios condutores. Num esforode compreenso histrico-conceitual do tema, a investigao debruou-se sobre fontesbibliogrficas e documentais de carter qualitativo, mas tambm de informaes estatsticas arespeito da UFPA e do Centro de Educao. Ao conjunto de fontes selecionadas se aplicou
basicamente procedimentos de anlise textual explicao, comentrio e dissertao. Foipossvel compreender que a idia de universidade de pesquisa intensificou-se enquanto dever-ser desde s primeiras dcadas do Sculo XX, trazendo como caracterstica fundamental nadefinio do que seja o conhecimento, o que se tem chamado de conhecimento desinteressadoou puro, em contraposio aos conhecimentos aplicados ou profissionais. Cria-se, assim, umadicotomia entre racionalidade prtica e produtiva, por um lado, e razo terica, por outro. Ocampo educacional se inscreveria naquele domnio e nele e por ele encontraria as suas maisfortes justificativas na universidade. A docncia universitria constitui-se em consonnciacom esse campo de sentido, no qual se pensa o exerccio do ensino a partir da diferenciaoentre domnio terico do contedo e preparao didtico-pedaggica, a qual pode desdobrar-se na distino do pesquisador em relao ao professor. Contudo, o iderio institudo deuniversidade defende a indissociabilidade do ensinar e do pesquisar. A alteridade instituintedessa imagem instituda vem procurando afirmar-se na tentativa de superar as dicotomiasantes mencionadas, tendo por base o conceito de prxis, o que se pde constatar em discursosmais recentes sobre o tema. Essa rede de conceitos institudos que constituem o iderio dauniversidade brasileira fez-se presente nos documentos oficiais que definem os objetivos e aestrutura da UFPA e do CED, ainda que se tenha verificado a emergncia de novas
justificativas institucionais relativamente ao ensino, pesquisa e docncia universitria quevalorizam novas perspectivas epistemolgicas e didtico-pedaggicas. No que se refere scondies de efetivao do ideal institudo/instituinte da universidade de pesquisa na UFPA eno CED, pde-se constatar com base em dados oficiais, que s em anos bem recentes elasvem sendo construdas atravs de iniciativas concernentes qualificao docente, aodesenvolvimento de pesquisa e ps-graduao e aos novos projetos acadmicos de cursos,bem como iniciao cientfica.Palavras-chave: Pesquisa. Relao Ensino-Pesquisa. Instituio. Docncia Universitria.Universidade.
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ABSTRACT
We deal about the relation between teaching and research as essential characteristic of themodern conception of university instituted and its repercussions in the understanding ofacademic teaching, establishing the education while comparative particularity to be
understood in this totality. With the thus defined subject, the tensions of this academic ideal inits institutionalization in Brazil is examined, after that in the UFPA and Center of Education.The problem of research is express in three basic questionings: How was instituted theresearch in the Brazilian academic space and which its repercussions in the characterization ofthe teaching activity in this institution? How teaching and research dimensions arerepresented in official documents of the UFPA? How this relation happens in the particularityof the Center of Education? This problematic one consists from a philosophical-epistemological boarding where the concepts of practical, productive and theoreticalrationality and of scientific and social institution had been the conducting wires. In an effortof description-conceptual understanding of the subject, the inquiry was leaned over onbibliographical sources and registers of qualitative character, but also of statisticalinformation regarding the UFPA and Center of Education. To the set of selected sources if
explanation applied procedures of literal analysis basically -, commentary and dissertation. Itwas possible to understand the specificity of the complexity and heterogeneity of the researchof the knowledge and education notions that there were institute in the Brazilian university,the tensions instituted and the particularities that assume in the educational field. Theseconceptual elements also appear in the official documents that define the objectives and thestructure of UFPA and Center of Education, still that the conditions of achievement of thisinstituted ideal only come if presenting in well recent years.
Keywords: Research. Rationality. Institution. Higher Education Teaching. University.
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Nmero de cursos e de alunos matriculados na UFPA em 2005.........................120
Grfico 2: Bolsas de iniciao cientfica na UFPA...............................................................123Grfico 3: Evoluo do quadro docente de 3 Grau/UFPA...................................................126Grfico 4: Evoluo do nmero de projetos de pesquisa e pesquisadores na UFPA............128Grfico 5: Criao de cursos de ps-graduao stricto sensu na UFPA...............................131Grfico 6: Titulao do quadro docente do Centro de Educao.........................................163Grfico 7: Srie histrica do nmero de pesquisadores do Centro de Educao na dcada de1980........................................................................................................................................168Grfico 8: Srie histrica da evoluo do nmero de pesquisadores do Centro de Educao nadcada de 1990.......................................................................................................................169Grfico 9: Srie histrica do nmero de pesquisadores do Centro de Educao nos anos2000........................................................................................................................................171Grfico 10: Projetos de pesquisa do Centro de Educao.....................................................171
Grfico 11: Evoluo da produo de trabalhos de cursos de ps-graduao.......................180Grfico 12: Produo de Trabalhos de Concluso de Curso no Centro de Educao...........182
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Produo cientfica de trabalhos de cursos de ps-graduao na UFPA...............132Tabela 2: Produo cientfica da UFPA.................................................................................133Tabela 3: Bolsas de iniciao cientfica no Centro de Educao...........................................184
Tabela 4: Produo cientfica no Centro de Educao...........................................................186
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LISTA DE SIGLAS
ABC Academia Brasileira de CinciasABE Associao Brasileira de EducaoANPED Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao
CAPES Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Nvel SuperiorCED Centro de EducaoCNE Conselho Nacional de EducaoCNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e TecnolgicoCONSEP Conselho Superior de Ensino e PesquisaCUBT Campus Universitrio do Baixo TocantinsDINTER Doutorado InterinstitucionalFGV Fundao Getlio VargasIQCD ndice de Qualificao do Corpo DocenteITA Instituto TecnolgicodaAeronutica.MEC Ministrio da EducaoMINTER Mestrado Interinstitucional
NAEA Ncleo de Altos Estudos AmaznicosNMT Ncleo de Medicina TropicalNPADC Ncleo Pedaggico de Apoio ao Desenvolvimento CientficoPDI Plano de Desenvolvimento InstitucionalPICDT Programa Institucional de Capacitao Docente e TcnicaPIQD Programa Interno de Qualificao DocentePNI Plano Norte de InteriorizaoPNPG Plano Nacional de Pesquisa e Ps-GraduaoPNOPG Projeto Norte de Pesquisa e Ps-GraduaoPRODOC Programa de Absoro Temporria de DoutoresPROF Programa de Fomento Ps-GraduaoPROINT Programa Integrado de Apoio ao Ensino, Pesquisa e ExtensoPROPESP Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-GraduaoPQI Programa de Qualificao InstitucionalPUC Pontifcia Universidade CatlicaSPE Servio de Planificao a Apoio Pesquisa EducacionalTCC Trabalho de Concluso de CursoUFF Universidade Federal FluminenseUFGO Universidade Federal de GoisUFMG Universidade Federal de Minas GeraisUFPA Universidade Federal do ParUFRJ Universidade Federal do Rio de JaneiroUFRN Universidade Federal do Rio Grande do NorteUnB Universidade de BrasliaUNIMEP Universidade Metodista de PiracicabaUSP Universidade de So Paulo
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S U M R I O
INTRODUO......................................................................................................................14CAPTULO I: A INSTITUCIONALIZAO DA PESQUISA E A DOCNCIA NA
UNIVERSIDADE BRASILEIRA......................................................................................... 301.1. Formao superior dos intelectuais brasileiros e a docncia universitria....................... 351.2. Origens e concepes de universidade no Brasil...............................................................501.3. A Relao ensino-pesquisa como caracterstica institucional da universidade................ 601.4. Relao ensino superior e pesquisa educacional noCurso de Pedagogia.........................75
CAPTULO II: INSTITUCIONALIZAO E DESENVOLVIMENTO DA PESQUISANA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR......................................................................842.1 A pesquisa como uma das finalidades institucionais da UFPA..........................................842.2 Os significados da relao ensino-pesquisa nos documentos sobre a interiorizao daUFPA......................................................................................................................................1012.3 A UFPA e os sentidos instituintes da relao ensino-pesquisa........................................108
2.4 A atividade de pesquisa na UFPA....................................................................................119
CAPTULO III: A PESQUISA, O ENSINO E A DOCNCIA UNIVERSITRIA NOCENTRO DE EDUCAO DA UFPA............................................................................. 1373.1 A Compreenso do lugar da pesquisa educacional na UFPA......................................... 1373.2 A Dinmica de institucionalizao da pesquisa no Centro de Educao.........................151
CONSIDERAES FINAIS..............................................................................................193
REFERNCIAS...................................................................................................................199
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INTRODUO
Nesta pesquisa reflete-se sobre as possveis implicaes da necessria relao entre
ensino superior universitrio e pesquisa como um aspecto essencial para que se pense a
atividade docente na Universidade.
No se procurou, no entanto, analisar a totalidade daquilo que pode ser includo na
categoria atividade ou ao docente que, na sua equivocidade, abarca um conjunto de
significados relacionados agncia do professor tanto nas instituies de ensino quanto fora
delas, seja em processos pedaggicos formais ou no.
Em documentos oficiais como as Resolues n. 1/2002 e 1/2006, ambas do Conselho
Nacional de Educao (CNE), a docncia assume enorme extenso, incluindo no apenas as
aes de ensino-aprendizagem e seus desdobramentos por si mesmos j extremamentecomplexos planejamento curricular, avaliao etc. -, mas a capacidade de realizar pesquisa,
analisar e aplicar os seus resultados.
A definio do que se pode ou deve entender por docncia tem sido, pois, uma
preocupao da pesquisa concernente educao, com reflexos na legislao educacional. A
atuao prescrita para o pedagogo tem influenciado a compreenso, em geral, do que se
considera como ideal para o conjunto dos licenciados nos diversos nveis de ensino.
Essa extenso e falta de preciso referidas, fazem-se presentes, tambm, na definio
legal de docncia no mbito da Universidade Federal do Par (UFPA), ainda que ela j sejabem mais restrita do que a anteriormente esboada. Alm da atividade de ensino e da pesquisa
em geral, o Estatuto e Regimento Geral da UFPA, que esto sendo substitudos por novas
propostas normativas, atribuam ao professor como sua competncia, as aes de extenso e
as administrativas (UFPA, 1982b). Contudo, no Estatuto em processo de instituio,
desapareceu a funo administrativa como parte da docncia, permanecendo as trs
ramificaes do clebre trip (UFPA, 2006a).
No presente estudo, investigou-se a atividade docente do professor universitrio, o
sentido do ensino e da pesquisa desenvolvidos na universidade e as suas conexes. Os demaisaspectos da ao docente somente foram tratados quando a melhor compreenso dos dois
anteriores o exigiu.
Tal reflexo buscou apreender o sentido dessa relao pesquisa-ensino na constituio
do que se entende por docncia universitria nas expresses discursivas dos documentos que
instituem a UFPA, em dilogo com uma bibliografia a respeito do tema proposto.
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Pode-se afirmar que esse tema, pelo menos na sua generalidade, j possui uma extensa
histria. Vem ocupando os pesquisadores educacionais desde o final dos anos 19601, em
funo da Reforma Universitria que institucionalizou o modelo de universidade de pesquisa
como dever-ser do ensino superior no Pas.
Na bibliografia existente de estudos e pesquisas sobre a categoria Ensino Superior
do Banco de Dados Universitas/BR, impressionam a diversidade terico-metodolgica, a
heterogeneidade das temticas e a quantidade de objetos de pesquisa. Como conseqncia h
dificuldade de enquadramento das novas investigaes em apenas uma das 15 categorias
temticas com as suas 77 subcategorias2.
De qualquer modo, pode-se dizer que a temtica geral aqui apresentada, coloca-se na
categoria 15 da classificao do Banco de Dados Universitas/Br, Relao Ensino, Pesquisa e
Extenso, mais precisamente na subcategoria 15.2 cujo ttulo Ensino-Pesquisa. Contudo,a construo do objeto de pesquisa permitiu e at exigiu conexes com outras categorias da
mesma classificao, como: Pesquisa (subcategorias concepo de pesquisa e pesquisa e
graduao); Universidade e Sociedade (subcategoria concepo de universidade) e Histria
da Educao Superior (FRANCO 2001).
Considerando-se que a categoria bsica representa apenas 0,98% (67) do total de
trabalhos produzidos e publicados em trs dcadas, ento se pode afirmar que o tema tem sido
pouco investigado e/ou divulgado. Acrescente-se que o objeto de pesquisa no
simplesmente a relao ensino-pesquisa na universidade, mas o modo como essa relaoconstitui a docncia nos discursos documentais concernentes UFPA, na particularidade da
rea de educao.
Alm disso, na maioria dos trabalhos explora-se a relao ensino-pesquisa tomando-se
como horizonte de anlise e crtica, as polticas pblicas estatais implementadas na
universidade a partir de perspectivas histricas, sociolgicas e econmicas, o que pode
justificar o interesse, como aqui se props, por uma abordagem mais filosfico-
epistemolgica do tema. Essa teve como fio condutor, por sua vez, a compreenso de
1O levantamento bibliogrfico do Banco de Dados Universitas/BR, organizado pela ANPED, reuniu a produocientfica sobre a educao superior no Brasil publicada nos peridicos especializados num perodo de 32 anos(1968-2000). Computaram-se 6.861 produes que seriam significativas queles que tratam do tema geraleducao superior (MANCEBO; FVERO, 2004). O levantamento no exaustivo, pois contempla apenas ostrabalhos publicados num conjunto de 32 peridicos, deixando de fora diversos outros peridicos, as teses,dissertaes e os livros que tratam do mesmo tema.2Mancebo e Fvero (2004, p. 9-11) apresentam um quadro com as 15 Categorias Temticas: 1. Polticas Pblicasda Educao superior; 2. Universidade e Sociedade 3. Histria da Educao Superior 4. Manuteno eFinanciamento da Educao Superior 5. Natureza Jurdica das IES 6. Organizao Acadmica e Gesto 7.Autonomia Universitria 8. Ensino 9. Pesquisa 10. Extenso 11. Corpo Docente 12. Corpo Discente 13. CorpoTcnico-Administrativo 14. Avaliao do Ensino Superior 15. Relao Ensino, Pesquisa e Extenso. 16. Outros.
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racionalidade3institucionalizada e/ou instituinte presente em textos legais e nas pesquisas ao
definirem e justificarem a atividade docente no espao universitrio.
Procurei pensar as noes correlatas de institucionalizado ou institucional e instituinte
a partir das reflexes de Cornelius Castoriadis (1982) sobre o conceito de instituio social e
dos estudos de Thomas S. Kuhn (1978; 1989) que tratam dos termos paradigma (depois
matriz disciplinar), consenso e comunidade cientfica.
Castoriadis (1982) retoma e critica o que chama de viso econmico-funcional de
instituio cujas justificativas argumentativas encontram-se, de modo exemplar, nas
preocupaes de Durkheim (2003) que so explicitadas de maneira interessante no estudo de
Reboul (2000) e Douglas (1998) 4.
A idia econmico-funcional de instituio criticada por Castoriadis no porque
deixe de expressar qualquer verdade, mas pela trivialidade do que sustenta ou em razo doreducionismo dessa interpretao.
Ela no reconhece, por exemplo, em todo o seu rigor, o sentido estritamente humano e
scio-histrico do institudo ao transform-lo em fato social que se imporiam s vontades
individuais, aos desejos e possibilidades de deciso racional dos sujeitos que j no seriam
vistos como entes que agem motivados por determinadas finalidades, teleologicamente.
Sob esse aspecto, verifica-se certa naturalizao do institudo que, apesar de ser
reconhecido como sendo engendrado pelos homens, transforma-se em criao annima e
independente5
. Em tal interpretao, destaca-se na instituio ou no institudo, caractersticascomo: autonomia, estabilidade e capacidade de imposio de uma legalidade ou regularidade
a determinada realidade social.
Ao invs de se falar defins ou finalidades, essa concepo de instituio criticada por
Castoriadis destaca o fato de que tais agncias cumpremfunes, atendem necessidades socais
e, conseqentemente, estabelecem solidariedade e compromissos entre os indivduos.
3A racionalidade, como veremos, ser buscada nos enunciados discursivos (materialidade simblica instituda einstituinte), tendo em conta o que se entende por objetivos do conhecimento enquantopraticidade,produtividadee teorizao, de acordo com o dilogo que ser aqui estabelecido entre Hannah Arendt (1995; 1998; 1999), Marxe Engels (1986) e Leandro Konder (1992).4A preocupao da autora nesta obra a de entender de que modo e at que ponto os determinantes institucionaisconstituem o pensamento, a cognio dos indivduos em sociedade e da mesma forma os possveis consensos emtorno do que o mundo e das decises morais. Procura refutar a teoria segundo a qual o sujeito racional decidelivremente mediante argumentos ao enfatizar a tese de que o pensamento institucional e socialmenteestabelecido.5A instituio um processo dialtico que envolve a produo humana (ao instituinte) e a objetivao(realidade instituda) que retorna sobre os produtores com relativa independncia, o que no anula, contudo, opoder instituinte destes (RABUSKE, 1993).
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Tal tipo de co-existncia dos sujeitos no espao e tempo teria importantes implicaes
no plano do conhecimento, pois criaria coletividades de pensamento e estilos de
pensamento que instituem formas comuns de perceber o mundo, classific-lo, consider-lo
como tendo ou no sentido (DOUGLAS, 1999).
Depois de conceder os crditos viso econnico-funcional, Castoriadis dir que
embora se possa ressaltar o aspecto alienante da instituio como uma tendncia de existncia
independente da ao dos indivduos, preciso, por outro lado, levar em conta a possibilidade
histrica de criatividade instituinte dos sujeitos.
A partir da materialidade e do poder simblico do que existe, pode-se recuperar o caos
criativo que habita a realidade scio-histrica instituda e estabelecer, assim, novas relaes
simblicas em termos de significado.
Assim, o institudo ser para a subjetividade humana um signo no qual se procura fixarcertas relaes entre significante e significado. Contudo, o poder instituinte dos sujeitos
implica na possibilidade de questionar essas relaes que so dadas e estabelecidas enquanto
fatos. Trata-se, portanto, de reconhecer a existncia de uma subjetividade constituinte capaz
de negaro sentido considerado objetividade factual.
Compartilhamos aqui, portanto, com Castoriadis as crticas viso cannica de
instituio e s possibilidades de redefinio da relao do institudo e instituinte no sentido
de compreend-la enquanto movimento e fluidez, de modo a desfazer qualquer interpretao
dicotmica entre os dois termos, que sero vistos na sua complementaridade.Com isso no se quer afirmar que no haja nas prticas, materiais e simblicas, certos
consensos tcitos ou explcitos em torno de determinadas regras, noes e conceitos
institudos, de modo que esses passam a ter efetivamente precedncia e, por isso, maior
visibilidade de modo a se instalar um desequilbrio na relao entre o institudo e o
instituinte6.
No Campo epistemolgico propriamente dito, possvel encontrar correlao entre as
noes de institudo e instituinte na Filosofia da Cincia de Thomas S. Kuhn (1978), na
contraposio que ele estabelece entre prtica cientfica realizada por uma comunidade
6H que se considerar um aspecto nuclear na discusso do institudo que a prpria temporalidade social ecultural que adquirem na atualidade, caractersticas importantes, dentre as quais a alta mobilidade. Sendo assim,a estabilidade caracterstica do que se entende canonicamente como institudo tende a ser sacudida,metamorfoseada pelos esforos instituintes com muito maior vigor do que em outros perodos da histria. Assim,muitas vezes o instituinte no representa o surgimento de algo absolutamente novo, mas apenas o deslocamentode uma teoria, de um mtodo ou de um valor de um domnio ou campo para outro. O institudo s Enrgeia namedida em que est tomado por uma dynamis.
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cientfica7- instalada pelo consenso dos seus membros em torno de um paradigma - e as
prticas cientficas no paradigmticas. Essas ltimas seriam realizadas por diversos grupos
na ausncia de um consenso e de uma cultura comunitria.
No primeiro caso tem-se uma cincia instituda cuja principal caracterstica a forte
coeso e o vigoroso consenso criados pelo fator comunitrio e vice-versa, o que enfraquece o
poder de cada cientista8 para instituir novas teorias, metodologias ou verdades que estejam em
dissonncia com os valores paradigmticos consagrados. O movimento instituinte possuidor
de um potencial de ruptura radical com a lgica paradigmtica e que no esteja prevista por
esta, mantm-se acomodado at que haja uma Revoluo Cientfica.
No segundo caso, a prtica cientfica fracamente instituda uma vez que falta
estabilidade intra e principalmente entre os grupos de pesquisadores, o que concede a esses,
vigor instituinte e crtico de uma perspectiva terica, metodolgica e axiolgica.O sentido mais amplo de instituio social e o significado mais restrito de instituio
comunitria cientfica encontram-se na discusso sobre a relao ensino e pesquisa na
universidade, pois essa por suas finalidades e atividades transita por entre esses dois
domnios. O professor, por sua vez, compartilha a cultura acadmica em geral enquanto parte
da chamada comunidade universitria, sem deixar de se identificar com o estrato docente no
interior dessa e, por fim, na qualidade de pesquisador comunga em maior ou menor grau de
valores ontolgicos, metodolgicos e axiolgicos de restritas comunidades e/ou grupos de
cientistas (KUHN, 1978; FRANCO, 2000).Ao se falar, pois, de um tipo especial de relao entre ensino e pesquisa enquanto
suposto que deve efetuar-se, tambm, no exerccio das aes ordinrias do professor,
precisam-se levar em conta esses relevantes e complexos aspectos institucionais.
Foi de dentro desse quadro conceitual que se partiu para compreender a assero
firmemente instituda e consensual, conforme se verificou nos discursos documentais e
bibliogrficos, de que a universidade define-se, no invlucro do discurso institudo, como uma
instituio na qual deve haver indissociabilidade entre a atividade de ensino e a de pesquisa.
Ao mesmo tempo, fez-se necessrio reconhecer, para a boa compreenso do tema, que o
7 possvel aproximar esse conceito ao de Coletividade de Pensamento defendido por FLECK (apudDOUGLAS, 1998, p. 26) na medida em que ambos implicam um compartilhar um Estilo de Pensamento vistocomo uma espcie de esquema conceitual que conduz e treina a percepo e produz uma proviso deconhecimento.8Diminui, aqui, a autonomia e liberdade do sujeito para apresentar seus argumentos racionais e instituintes comsentido como pressupe a noo de agente racional to criticada pela epistemologia sociolgica doconhecimento (DOUGLAS, 1998).
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slido acordo geral em torno do conceito moderno de universidade de pesquisa e do professor
enquanto pesquisador, jamais deixou de abrigar um movimento polissmico.
Os componentes para a compreenso do que seja essa relao entre ensino e pesquisa
nos tempos modernos e de como o docente deve efetuar tal conexo, podem ser encontrados
em pensadores e pesquisadores do incio do Sculo XIX, e no caso especfico do Brasil, em
intelectuais protagonistas das primeiras dcadas do Sculo XX.
No que se refere aos sentidos instituintes a respeito do tema, destacaram-se fontes
documentais e bibliogrficas que foram publicados a partir dos anos 1990. Constatou-se,
nesse perodo, que diversos conceitos legais a respeito do que se entende por universidade,
ensino superior e docncia nesse nvel, passaram por srios questionamentos num cenrio de
acirradas disputas polticas em face de propostas de Reforma da Educao, em especial do
nvel superior (FRANCO, 2000; PIMENTA; ANASTASIOU, 2002; MANCEBO; FVERO,2004; SANTOS FILHO; MORAES, 2000; THAYER, 2002).
No interior dessa complexa discusso, ganhou proeminncia como uma espcie de
horizonte essencial que referencia o confronto, a questo da revogabilidade ou no do
princpio de indissociabilidade entre ensino e pesquisa como epicentro de todo ensino
superior e no apenas do que ofertado na universidade.
Mancebo (2004) num estudo sobre o estado da arte no trabalho docente no ensino
superior, a partir do Banco de Dados Universitas/Br, mostra que as mudanas do papel
atribudo relao ensino-pesquisa nas propostas de diversificao e diferenciao dasinstituies de ensino superior, tm repercusses importantes nas prticas docentes. Ela
enfatiza como aspecto relevante dessas discusses, as crticas que so feitas ao processo de
ruptura das polticas oficiais do Estado com a clebre trade que marca a essncia institucional
da universidade, modelo para todo o ensino superior:
A ruptura com o princpio de indissociabilidade entre pesquisa, ensino eextenso nem sempre realizado, mas postulado com intensidade comoforma de assegurar um padro bsico de qualidade para a educao superior- ocupou, por fim a ateno de alguns trabalhos, nesse campo de anlise(MANCEBO, 2004, p. 247).
Desse modo, o abalo atual dessa tradio de direito segundo a qual a universidade
deve ter a sua docncia marcada pela pesquisa, justificou o esforo de reflexo. Tal fato
tornou possvel explorar a compreenso de certos aspectos impensados na temtica,
particularmente na forma prpria que adquiriu nas diversas unidades acadmicas da
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Universidade Federal do Par, destacadamente o Centro de Educao9 enquanto componente
por si mesmo complexo e especfico de uma totalidade institucional construda em torno
desses significados bsicos.
Pode-se dizer, pois, que o tema possui proeminncia histrica no discurso veiculado
em Estatutos e Regimentos da UFPA, mas tambm nos movimentos mais recentes nos quais
se tem repensado o arcabouo legal, a organizao administrativa e curricular e a formao do
quadro docente em vista dos objetivos que se colocam para a universidade na atualidade
(UFPA, 1982; 2005; 2006).
Tendo em vista esse panorama, formulou-se o problema de pesquisa que se expressou
nas seguintes interrogaes: como se instituiu a pesquisa no espao acadmico universitrio
brasileiro e quais as suas repercusses na caracterizao da atividade docente nessa
instituio? De que modos as dimenses ensino e pesquisa se encontram enunciadas nosdocumentos oficiais da UFPA? Como essa relao se evidencia na particularidade do Centro
de Educao?
Com o desenvolvimento dessas questes, pretendi atingir os objetivos que seguem: 1)
Compreender os significados institudos e/ou instituintes da relao ensino-pesquisa na
universidade brasileira, destacando o lugar do campo educacional. 2) Analisar os significados
da relao ensino-pesquisa em documentos oficiais da UFPA. 3) Verificar de que maneira
essa relao se particulariza no Centro de Educao dessa instituio formadora.
A Universidade Federal do Par (UFPA) bastante recente se referida histria dessetipo de instituio no mundo ocidental e at mesmo quando comparada s suas congneres no
Brasil, onde s tardiamente instalou-se o Ensino Superior Universitrio (SOUZA, 2001).
Das 1.082 matrculas em 11 cursos de graduao10 em 1957, ano da sua fundao em
Belm, a UFPA possui hoje 36.89111 estudantes nos seus 266 cursos superiores de graduao,
45 de ps-graduao stricto sensu e 64 cursos lato sensu nos seus 10 campi (UFPA, 2005c).
Em funo da consolidao da poltica de desconcentrao12 das atividades
acadmicas, destacadamente depois de 1986 com o I Projeto Norte de Interiorizao e o
9O destaque que dado a essa unidade acadmica da UFPA como referencial particular da reflexo justifica-se,entre outros motivos, pelo lugar concedido pesquisa e ao professor como pesquisador no atual Projeto PolticoPedaggico do Curso de Pedagogia.10Direito, Medicina, Engenharia Civil, Farmcia, Odontologia, Pedagogia, Matemtica, Cincias Econmicas,Estudos Sociais, Cincias Sociais e Letras.11O Campus de Belm matriculou 22.210 desse total, enquanto os demais 9 Campi (Abaetetuba, AltamiraBragana, Breves, Castanhal, Marab, Santarm e Soure) matricularam os 14.681 restantes.12A terminologia consagrada para denominar esse processo o de Interiorizao da Universidade ou deInteriorizao das Atividades da Universidade, como se constata nos Planos Norte de Interiorizao (PNIs) eno Projeto de Interiorizao da Universidade Federal do Par 1986 /1989.
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Projeto de Interiorizao da Universidade Federal do Par, o Estatuto Geral da UFPA
aprovado em 2006, reconhece sua condio de Universidade Multicampi, o que ratifica
legalmente uma nomenclatura amplamente utilizada desde os anos 2000 (UFPA, 2005).
O corpo docente da UFPA que atua nos nveis e sub-nveis do Ensino Superior nos
Campi compe-se de 2.032 professores, 1.599 (78,69%) desses so efetivos, sendo
1.261(78,86%) com dedicao exclusiva. A maioria dos 433(21,30%) docentes temporrios
compe-se de substitutos (97,45%), havendo um pequeno nmero de visitantes (2,54%)
(UFPA, 2005).
Dentre os 1.599 agentes intelectuais que integram o quadro de professores efetivos, 97
(6,06%) possuem apenas o ttulo de graduado, portanto, os demais 1502 (94%) so ps-
graduados, sendo que 1.227 (81,69%) desse ltimo total, 549 (44,74%) so doutores e 679
(55,26%), mestres. J o quadro de 433 temporrios composto majoritariamente porgraduados (43,87%) e especialistas (33,25%). Os mestres so 20,09% e os doutores totalizam
2,54%.
Contudo, h possibilidades de que, em curto prazo, esse quadro se altere de modo
positivo do ponto de vista da qualificao docente13, uma vez que 78 professores da UFPA
encontram-se cursando mestrado e 380, o doutorado (UFPA, 2005).
Esse tipo de esforo da Universidade para titular os seus docentes foi intensificado a
partir dos anos 1990, por uma srie de razes, dentre as quais a possibilidade de aumentar o
oramento da instituio. Sabe-se dos grandes cortes de verbas destinadas s Universidades ede como o Ministrio da Educao MEC, passa a condicionar o montante de recursos ao
ndice de Qualificao do Corpo Docente (IQCD). Lgica semelhante adotada pelas
instituies no que tange ao financiamento de pesquisas e bolsas. Acrescente-se a tudo isso os
baixos salrios da categoria, especialmente dos menos titulados e a valorizao do ttulo pelo
seu prestgio nas relaes acadmicas.
Ainda que motivaes como as acima destacadas possam ser vistas como algumas das
condies objetivas e subjetivas para a busca titulao, o desejo de atualizao da concepo
do que seja a universidade moderna de pesquisa e os seus objetivos, fornecem importantesjustificativas institucionais.
Na UFPA o investimento na formao do pesquisador justificado tanto em funo
do aperfeioamento que traria qualidade do ensino da instituio, quanto numa referncia
13Numa escala que varia de 1 a 5, o ndice de Qualificao do Corpo Docente (IQCD) da UFPA era em 2005 de3,39.
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mais ampla de poltica pblica como uma condio indispensvel para o desenvolvimento
regional e do estado do Par (DINIZ, C. 1990, 2000).
Apesar da herana pr-moderna e fortemente jesutica da cultura escolar brasileira, a
UFPA nasce no interior de um paradigma moderno. Isso significa que se funda e justifica pela
promessa de contribuio com o desenvolvimento regional atravs das atividades deensino e
extenso, potencializadas pela pesquisa e produo de conhecimento (UFPA, 1982b).
Contudo, durante boa parte da sua existncia caracterizou a sua atuao de formao
acadmica, de fato, menos pela pesquisa institucional e mais pelo ensino de graduao com o
objetivo de preparar profissionais para os diversos setores do mercado de trabalho pblico e
privado.
Seguia, assim, uma tendncia do Ensino Superior nacional que foi predominante, de
modo geral, at os anos 1965, quando se iniciaram os Programas de Ps-Graduao strictosensu no Brasil. Entretanto, preciso enfatizar que a oferta dos cursos de mestrado e
doutorado no ocorre, de fato, como prtica generalizada no sistema universitrio brasileiro
desde os meados dessa dcada, mas antes se institui enquanto experincias muito particulares
em universidades do Sudeste do Pas.
Na UFPA, a Ps-Graduao stricto sensu iniciou-se timidamente nos anos 1970, mas
em diversas reas do conhecimento, como educao, histria e geografia s em meados dos
anos 1990 e anos 2000, comeou a se implementar com a oferta de cursos de mestrado que
procuravam consolidar uma cultura de pesquisa e produo de conhecimento.Ora, se justificada a crena comum de que a Ps-Graduao , em geral, uma das
condies de possibilidade do ensino mediado pela pesquisa14, na Universidade, nos Cursos
de Graduao e nos de Ps-Graduao, ento se pode dizer que essa experincia muito
recente na UFPA e embrionria na maioria dos campi.
Talvez esse fato ajude a explicar as razes pelas quais no se verifica na UFPA,
enquanto cultura acadmica generalizada, o desenvolvimento dos projetos de pesquisa, as
orientaes de monografias, dissertaes e teses que so prticas em que a docncia ocupa-se
claramente com a pesquisa na universidade.
14O ensino com pesquisa pressupe que o docente seja parte da comunidade de investigadores da rea deconhecimento da qual advm os contedos que elabora para o processo de ensino-aprendizagem. Ressalta esseconhecimento enquanto totalidade sistematizada que como tal analisada, contextualizada e criticada. O Ensinoda pesquisa sem deixar de considerar o conhecimento sistematizado, interessa-se especialmente pelo processo deproduo desse: qual o problema que o gerou? Que caminhos permitiram a sua constituio? Quais os limites domtodo e das justificativas desse conhecimento? Que tipo de verdade ele quer ser? A rigor, no hincompatibilidade entre o ensino com e da pesquisa, mas antes at desejvel que no Ensino SuperiorUniversitrio todo conhecimento apresente a sua justificativa e os seus fundamentos.
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Resta como prtica comum de investigao envolvendo o corpo docente e discente, a
elaborao, pelo ltimo sob a orientao do primeiro, do Trabalho de Concluso de Curso
(TCC), disciplina obrigatria em todos os cursos da UFPA, caracterizada enquanto uma
atividade de promoo da pesquisa.
O ensino superior ordinrio e generalizado consiste nas aes mais cotidianas de
ensino-aprendizagem em torno de temas, autores e obras prescritas curricularmente e
efetuadas, em geral, na chamada sala de aula e nos Estgios Profissionais e Prticas
Pedaggicas.
esse ltimo conjunto de atividades que representa a maior parte da carga horria dos
cursos com o envolvimento obrigatrio de professores e alunos. Dessa forma, pode-se deduzir
que da advm a marca comum da formao da maioria dos alunos que passam pelos diversos
Campi da UFPA, que definida enquanto uma instituio na qual o ensino precisa sedesenvolver de modo indissocivel da investigao cientfica.
Significa dizer, portanto, em termos de ideal universitrio, que o ensino e a pesquisa
devam entrelaar-se na maior parte do tempo de formao e no apenas na execuo do TCC,
no momento de finalizao de um curso.
importante discutir quais os sentidos institucionalizados de pesquisa, ensino e da
relao entre as duas atividades acadmicas, partindo da definio majoritria, mas tambm
procurando outros elementos discursivos nos documentos que possam ampliar os significados,
revelar tenses, contradies. Por fim, que se possa nessa atividade de crtica histrico-conceitual apontar para novos sentidos, sendo esses entendidos como novas compreenses e
possveis rumos para as atividades acadmicas na UFPA.
Parte do que entende por pesquisa na universidade pode ser verificado, tambm, pelo
tipo de esforo institucional para constituir o seu corpo docente. Assim, as estatsticas
mostram que a UFPA vem investindo na formao de mestres e doutores, dentre outras
razes, por aceitar ser a titulao, realmente, uma condio necessria para o reconhecimento
institucional do pesquisador, capacitando-o a concorrer aos financiamentos das agncias de
fomento e at da prpria UFPA, em Editais pblicos como o Programa Integrado de Apoio aoEnsino, Pesquisa e Extenso (PROINT)15.
15Nos anos de 2005 e 2006, os Editais do PROINT impem como uma das condies para financiamento de umProjeto de Pesquisa e Extenso a relao clara desse com o Projeto Poltico Pedaggico do curso ao qual odocente est ligado, o que parece ser um mecanismo que incentiva a conexo da pesquisa e extenso com oensino. A maior parte dos Recursos para Pesquisa e Bolsas, no entanto, no faz parte do Oramento da UFPA,mas advm de Agncias Financiadoras e de Fundos especiais.
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O desenvolvimento da pesquisa enquanto prtica institucional de mestres, mas
principalmente de doutores, que se concretiza nos projetos de pesquisa individuais ou grupais,
envolvendo discentes da graduao e ps-graduao, contribui, sim, para criar um ambiente
de investigao e uma cultura de pesquisa na Universidade.
Entretanto, ainda que esse tipo de atividade desenvolvida pelo docente seja uma
condio necessria, no suficiente para caracterizar universalmente a formao dos alunos.
Ressentem-se as aes docentes e discentes mais ordinrias e majoritrias - como aula
expositiva, seminrios, leitura e interpretao de texto - da contribuio clara da pesquisa
institucional no preparo intelectual.
A preocupao com a forma segundo a qual se conecta ensino e pesquisa na docncia,
constituiu em alvo de minhas investigaes. Em primeiro lugar como estudante do curso de
Bacharelado e Licenciatura em Filosofia da UFPA, e em segundo como professor de Filosofiada Educao no Curso de Pedagogia, nessa mesma universidade.
Essa disciplina tem oportunizado interrogar os limites e possibilidades da pesquisa
cientfica e das suas prticas institucionais na formao universitria. Essas inquiries
conduzem necessria reflexo sobre o sentido gnosiolgico da pesquisa no ensino menos
como uma prtica cercada de procedimentos formais estritamente cientficos e mais enquanto
possibilidade aberta de admirao diante da realidade nas suas diversas dimenses.
Como coordenador e vice-coordenador do Curso de Pedagogia de Abaetetuba por 3
anos, acompanhei as discusses institucionais ocorridas na UFPA sobre as diversas atividadesacadmicas da universidade na segunda metade dos anos 1990 a 2000. No centro da polmica,
chamava a ateno o quase consenso de docentes e discentes de que a titulao stricto sensu
do docente condio para a realizao de pesquisa o que, por sua vez, supostamente
contribuiria de maneira determinante para aperfeioar a qualidade de ensino e a formao do
discente.
Esse tipo de discurso institudo possui um grande prestgio na comunidade acadmica,
pois de algum modo se ampara na idia de que a universidade define-se pela
indissociabilidade entre pesquisa e ensino e por conseqncia seria necessrio quele queensina (condio inerente a todo professor) tornar-se, tambm, sagaz pesquisador.
A idia de que a Universidade realmente exige que ensino e pesquisa estejam sempre
conectados (dever-ser). Ora, a questo de fato que essas atividades no se pem
indissociveis, mas tal constatao no cria por si mesma, a sua justificativa: no porque a
situao realmente essa que deva ser.
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Frente ao desejvel ideal regulador, procura-se na universidade solues para atualiz-
la. A sada mais comum apresentada nos pronunciamentos institucionais para se conferir ao
Ensino Superior a qualidade de universitrio estaria, fundamentalmente, na formao do
professor para a pesquisa em cursos de Ps-Graduao stricto sensu.
O pressuposto o de que o aprender a ser pesquisador nesses cursos, traz como
conseqncia um diferencial na atividade docente advindo de qualquer coisa inerente
pesquisa em si: como se ao reunir as qualidades de professor e pesquisador se tivesse uma
condio necessria e suficiente para que se desse a consumao das atividades nas prticas
docentes efetivas.
No decurso dessas discusses foi-se percebendo que embora houvesse certo consenso
implcito em torno da definio institucional de universidade e do lugar do docente, de modo
algum se estava diante de uma situao realmente evidente. Da porque se foi sentindo anecessidade de proceder a um questionamento mais radical de algumas certezas institucionais,
presumidas enquanto concepo geral e por isso merecedora de um consenso tcito e,
portanto, no refletido suficientemente.
Diante disso, procurei abordar o problema que comeava a se constituir de acordo com
um jogo de linguagem filosfico, no sentido de provocar um estranhamento com
determinadas obviedades da semntica institucional. Passou-se a interrogar o que significam
determinados conceitos, como ensino superior universitrio, pesquisa e ensino com pesquisa.
Baseado nesse exerccio de reflexo vislumbrou-se algumas possibilidades de re-pensar taisconceitos, potencializando os elementos instituintes e pouco inquiridos.
A reflexo no poderia ocorrer enquanto exerccio puramente analtico, da porque se
procurou apoio emprico em um campo com materialidade simblica, a saber, um conjunto de
documentos escritos e dados estatsticos cuja autoria institucional da prpria UFPA. Tendo
em vista meu interesse pessoal pelo campo educacional, enfatizei no interior da universidade
como um todo o campo educacional, representado predominantemente pelo Centro de
Educao como lugar do dizer e do fazer.
Essa escolha resultou tambm em razo do Mestrado Acadmico em Educao contarcom docentes e grupos de pesquisa que se dedicam investigao da docncia universitria e
formao do pesquisador, o que tornou vivel a interlocuo e possibilitou o apoio terico-
metodolgico e a devida orientao da investigao aqui materializada.
O problema que se levanta procura se justificar, enfim, enquanto uma contribuio
terica com potencialidades de repercusses na compreenso do trabalho docente e nas
prticas e polticas curriculares dos professores universitrios.
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Foram considerados como representantes de compreenses predominantemente
institudas de como a UFPA se autodefine, compreende as suas funes e objetivos, de modo
especial a relao entre ensino e pesquisa na docncia, documentos como: o Estatuto e
Regimento Geral da Universidade e Resolues. Os Anurios Estatsticos oferecem
informaes para se confrontar o que se institui como discurso com aquilo que se tem
conseguido realizar.
Na conta de discursos predominantemente instituintes foram considerados os
documentos que formalizam e assimilam as discusses que emergiram em meados da dcada
de 1990 e chegaram ao ano de 2005, como: Novo Estatuto e Regimento Geral, Diretrizes
Curriculares dos Cursos de Graduao da UFPA, Projeto Poltico Pedaggico do Curso de
Pedagogia.
Considerei importante, tambm, lanar mo de uma bibliografia especfica que trata dapresena da pesquisa na docncia universitria, ressaltando-se, sob essa perspectiva, o campo
educacional e o curso de pedagogia em particular. Interessaram tanto os trabalhos tericos que
se debruam conceitualmente sobre a questo quanto algumas pesquisas empricas existentes.
Alm das fontes j citadas, acrescentamos aquelas que funcionaram como
pressupostos da pesquisa, isto , a bibliografia que enquadra o problema, organiza os
procedimentos, os dados e que finalmente orientou a interpretao dos resultados.
No desenvolvimento da pesquisa foram dados os seguintes passos:
1) Inicialmente foi realizado o levantamento de material bibliogrfico e documental. Emseguida fez-se a primeira seleo na qual a problemtica da pesquisa serviu de filtro.
Contudo, a delimitao do corpo analtico s pde realizar-se por meio de leitura
superficial dessas fontes.
2) Passou-se, ento, leitura aprofundada a qual foi seguida de fichamentos e
comentrios, posteriormente classificados de acordo com o planejamento dos captulos
e seus tpicos. Considerou-se, tambm, a pertinncia conceitual quando se tratava de
documentos que mostravam a fora institucionalizada da relao ensino-pesquisa na
universidade e no curso de pedagogia, e o recorte temporal de 1995-2005, quandoestava em jogo o seu movimento insurgente.
3) Os diversos tipos de registros que resultaram do trabalho com essas fontes foram
elaborados em conformidade com as orientaes metodolgicas de Folscheid e
Wunenburger (1997), Severino (2001) e A. Muniz (1990) no que respeita leitura,
explicao, comentrio de textos e elaborao de dissertao.
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Na busca sistemtica de compreenso dos discursos e enunciados que compuseram as
fontes de informao16 condensadas nesta dissertao, procedeu-se a um trabalho de anlise
textual, sob inspirao das indicaes de Folscheid e Wunenburger (1997), Severino (2001) e
A. Muniz (1990).
A preocupao inicial em termos procedimentais consistiu em identificar com a maior
objetividade17 possvel o que realmente era afirmado nos textos, o seu sentido explcito, de
acordo com as regras sintticas, semnticas e lexicais ordinrias. O esforo de leitura
concentrou-se na verificao dos problemas, das teses, dos argumentos e das definies e
noes principais que caracterizavam a unidade de sentido escolhida para anlise. Folscheid e
Wunenburger (1997, p. 30) denominam-se esse momento metodolgico da leitura de
explicao cujo objetivo ... saber o que um autor verdadeiramente disse numa dada
passagem.Esse cuidado em entender o que cada texto expressa na sua estrutura e estilo prprios,
uma condio para se realizar snteses, efetuar crticas e comentrios. Faz-se necessrio
perceber se o enunciado discursivo se constri de forma a facilitar uma interpretao unvoca
e de acordo com padres rigorosamente lgicos ou se nele predomina construes que
favorecem a polissemia.
Efetua-se, pois, a anlise dos documentos tanto na sua estrutura superficial e imediata
como com base naquilo que no est claramente enunciado do ponto de vista lingstico e
lgico, mas que estimula o exerccio de interpretaes mais refinadas a partir de indcios.Aps essa leitura mais estrutural dos textos, a pesquisa exigia que se delimitasse e
destacasse unidades de sentido diretamente ligadas ao problema e aos objetivos da pesquisa.
Passou-se, pois, ao mapeamento dos trechos dos documentos de temas, noes e conceitos
que tratavam de Ensino Superior, Pesquisa e da Relao entre elas na docncia universitria.
Feita essa delimitao, passaram a ser comparados os textos, os problemas, as
definies e as argumentaes em torno das categorias acima destacadas. Os fios condutores
foram o problema e os objetivos da dissertao. Esse segundo momento metodolgico da
pesquisa aproximou-se do que Folscheid e Wunenburger (1997, p.49) chamam decomentrio de texto: ... no se trata mais de apenas expor o que um autor realmente disse...
mas de estabelecer um dilogo com ele....
16Livros, Artigos, Documentos oficiais (Textos Legais, Projetos Institucionais, Anurios Estatsticos).17Sabe-se que a objetividade e iseno dessa aproximao inicial uma regra procedimental desejvel, emborano se acredite dogmaticamente na possibilidade de neutralidade da compreenso.
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Com relao ao uso feito das fontes histricas, no se teve como principal objetivo
expor descritiva e sistematicamente a gnese temporal e o desenvolvimento seja do ensino
superior, da pesquisa ou do curso de pedagogia. Teve-se antes por finalidade essencial, tecer
os argumentos de como algumas noes e compreenses vo se consolidando, passando a
constituir uma tradio que enquanto tal, por meio da suas inscries, fala ao presente.
Desse modo, quando se quer mostrar o sentido institudo, no h preocupao de
estabelecer recortes histricos ou espaciais rigorosos, pois pensamos que o objeto possui
determinaes gerais sem cuja meno no se poderiam compreender as suas caractersticas
mais idiossincrticas e atuais.
Assim, procurou-se o sentido institudo nos autores mais influentes e nos textos legais
e regulamentais provenientes de importantes instituies que representam o arcabouo
jurdico e scio-cultural da universidade, do ensino superior, da pesquisa e do curso depedagogia no Brasil e na UFPA.
O instituinte procurado nos atores que tm discutido a instituio universitria na
ltima dcada (1995-2005), a partir do registro feito em documentos acolhidos pela instituio
ou parte dela.
No que diz respeito s fontes quantitativas, elas foram interpretadas de maneira
discursiva e argumentativa, com procedimentos de anlise de contedo. Portanto, no se
procurou aplicar tcnicas estatsticas como a de representatividade amostral na classificao e
anlise das informaes.Alm dos elementos pr e ps-textuais de praxe, o relatrio final da pesquisa ganhou a
forma de captulos que, por sua vez, dividem-se em tpicos. Traaremos, em seguida, um
mapa dos trs captulos em que se organizou a dissertao.
O primeiro prope-se a mostrar, com base nos estudos histricos de Nagle (1976),
Paim (1982), Reale (1984), Penna (1987), Maia (1989), Carvalho (1996), Teixeira (1998), M.
Diniz (2001), Souza (2001), Gatti (2002), Silva (2003), Mariani (2005) e Schwartzman
(2005), como se constitui a formao de docentes do ensino superior e universitrio no Brasil.
O fio condutor da trama argumentativa e anlise concentra-se na existncia ou no da relaoentre o ensino superior e pesquisa, seja como efetividade ou enquanto iderio institucional.
Discutem-se, ainda, as exigncias que a compreenso moderna de universidade de
pesquisa impe para o exerccio da docncia e como a questo se apresenta no mbito da
pedagogia.
Procurou-se, ainda nesse captulo inicial, realizar uma anlise mais fortemente
conceitual do que seja o ensino superior universitrio, a pesquisa institucional e algumas
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formas de relao possveis entre os dois na literatura consultada. Com essa discusso se
cumpre, tambm, o objetivo de desdobramento, sistematizao conceitual e adensamento
crtico das discusses anteriores, atravs da consulta as seguintes fontes: os filsofos da
educao Pitombo (1976), Dewey (1979) Reboul (2000), Freire (1996), Saviani (1997,
2000)-, e os epistemlogos Kuhn (1975) e Bruyne (s.d).
O segundo captulo analisa, com base no primeiro, o sentido da institucionalizao da
pesquisa na Universidade Federal do Par, as suas relaes com o ensino e com a docncia
universitria, enfatizando as convergncias conceituais com o arcabouo de noes modernas
presentes nos discursos de fundamentao da universidade brasileira, mas tambm as
especificidades inerentes UFPA.
Inicialmente se analisou as noes de pesquisa e ensino e suas relaes, manifestas
em documentos que representam compreenses institudas na UFPA, em seguida, as suaspossveis tenses e ambigidades em movimentos instituintes de discusso ocorridos nesse
espao universitrio. Por fim, examina-se no captulo, com base em anurios e relatrios de
gesto da UFPA, o alcance de algumas importantes condies objetivas e subjetivas para a
realizao da pesquisa e a sua conexo com o ensino na instituio.
No terceiro captulo, so concentrados esforos na compreenso do lugar da pesquisa
educacional no contexto da UFPA, as formas de relao daquela com a atividade de ensino no
curso de graduao em pedagogia e no Programa de ps-graduao em educao.
Discute-se de que modo se institui, no campo educacional, a idia de pesquisa comoum componente importante na formao do professor e na sua atuao profissional, de acordo
com a definio oferecida por Ansio Teixeira da Escola de Educao em contraposio s
Escolas Acadmicas. Verificou-se que uma verso dessa tradio instalou-se na UFPA,
atravs da diferenciao entre Centros Bsicos e Centros Profissionais. Analisa-se o
esforo instituinte e crtico dos sujeitos que compem o Centro de Educao, no sentido de
redefinir os objetivos da educao e da pedagogia, tendo como sustentao epistemolgica e
poltica, noes com prxis e crtica a partir das quais o ensino e a pesquisa adquirem novos
significados.Em conexo com essa discusso inicial, passa-se, anlise de informaes sobre a
dinmica de institucionalizao efetiva, no Centro de Educao, da pesquisa e ps-graduao
e suas relaes com a graduao, tomando por fonte, indicadores disponveis em Anurios e
Relatrios da UFPA e CED, mas tambm dois estudos realizados sobre essa mesma temtica
especfica por Vasconcelos (2001) e Corra (2003).
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CAPTULO I
A INSTITUCIONALIZAO DA PESQUISA E A DOCNCIA NA UNIVERSIDADEBRASILEIRA
Atravs do procedimento de anlise textual das fontes bibliogrficas, procuraremoscompreender como se institui no Brasil o ideal de universidade de pesquisa, enfatizando o
lugar do campo educacional. A reflexo desdobra-se na busca do entendimento das
repercusses que tal dever-ser da instituio universitria teve na caracterizao dos seus
docentes a partir da constituio de um ideal moderno do ensino superior brasileiro que
comea a se formar na primeira dcada do sculo XIX em contraposio tradio jesutica.
Esse objetivo est articulado pela discusso de algumas idias-fora do que seja a
pesquisa, presentes em relevantes discursos educacionais que lhe conferem importncia
central como componente essencial da docncia, esclarecendo os sentidos que o termo
pesquisa adquire na universidade.
Tendo em vista o atingimento do objetivo e a sua melhor fundamentao, iniciaremos
a discusso com algumas consideraes preliminares de cunho terico-metodolgico em torno
da universidade.
O sentido do que foi ou tem sido a instituio universitria moderna no Brasil, no
pode ser compreendido sem que se faa uma reflexo a respeito do que seja a pesquisa
cientfica de base, assim como das suas relaes com as atividades tcnicas, tecnolgicas,
profissionais e com a conservao e/ou difuso da cultura em geral. Esses so aspectos
cannicos e estruturais da chamada misso da universidade.
Esse conjunto de finalidades e objetivos atribudos universidade na sua constituio
histrica e social, indica a existncia de um alto grau de complexidade e heterogeneidade
como caractersticas dessa realidade institucional, com repercusses significativas na
definio das especificidades do ensino superior universitrio.
Pensamos, pois, que a compreenso do sentido desse ensino liga-se s noes e
conceitos de universidade, na medida em que os professores so personagens centrais na
efetivao ou no do dever-ser dessa instituio milenar e solidamente estabelecida.
Por conseqncia, o termo universidade carrega consigo um denso e polissmico
contedo semntico que vem se construindo nesse longo percurso histrico. Assim, o que se
tem no plano puramente formal um sentido universal abstrato e abrangente que, apesar
disso, no pode ser desprezado por se constituir em um ideal regulador da instituio
indispensvel sua compreenso.
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Sobre a questo do que seria a essncia da universidade, Pinto (1994, p. 18) adverte-
nos da insuficincia de se ficar num plano de universalidade abstrata e recomenda a
indispensabilidade de historicizar o conceito:
A concluso a que desejamos chegar esta: quando falamos do problema dauniversidade, temos de levar em conta a peculiaridade de sentido que apalavra tem atualmente para ns. S possumos de comum com auniversidade, enquanto tal, o simples nome, pois o que para ns constituihistoricamente o conceito de universidade coisa to diferente do queocorreu na Europa que no nos lcito pensar em termos gerais, como se asnossas universidades e as europias fossem por essncia uma mesmarealidade. Importa-nos pensar concretamente e considerar o nosso casoparticular luz da histria da nossa formao nacional, onde em dadomomento, comeam a surgir as escolas superiores, e onde, em pocarecentssima, se configuram os primeiros organismos com o pomposonome de universidades.
Concordamos com o autor citado sobre a necessidade de estudar a histria da
universidade para melhor compreend-la e, conseqentemente, a docncia superior
universitria. Contudo, encaramos com reservas a tese de que a tradio de educao superior
no Brasil, inclusive a universitria, seja totalmente incompatvel com a europia,
especialmente a portuguesa.
Outro autor que trata da questo da complexidade ontolgica e epistemolgica da
universidade como um fato que coloca o estudioso diante de grandes desafios terico-
metodolgicos, Zabalza (2004, p.7):
A primeira sensao que temos ao abordar o tema da universidade de queesta ser uma tarefa irrealizvel. So tantos e to complexos os elementos aserem considerados, que no parece possvel enfrent-los com suficientecoerncia e sistematicidade... Podemos, de fato, falar em universidadescomo um conceito unitrio, ou ser que as universidades se transformam emrealidades to diversas entre si que j no pertencem mesma categoriainstitucional? O que h em comum entre uma universidade inglesatradicional, um centro superior chileno, uma escola superior francesa ou umcentro de estudos superiores atravs da internet?
Mesmo reconhecendo a pertinncia e importncia do que dito pelos dois autores,
pensamos que negar a suficincia de uma compreenso de universidade como um universal
abstrato, no significa desconhecer nas determinaes concretas, componentes abstratos e
ideais que podem orientar at mesmo as prticas didtico-pedaggicas dos professores no
jogo dialtico entre ser e dever-ser ou do que foi, tem sido e que se quer que venha a ser essa
instituio.
Dessa maneira, o reconhecimento da validade do esforo de compreenso e exposio
lgica do pensamento em torno de um tema, no implica em desconsiderar que, sob as
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tentativas de unidade e coerncia formal do conceito, encontra-se uma diversidade de aspectos
contraditrios dinamizados dialeticamente no processo de constituio histrica da
universidade e da docncia que nela se efetiva.
Recorrendo-se histria dessa instituio, pode-se constatar que a conservao da
cultura e, em menor grau, a sua difuso, j se dedicava a universidade medieval, sem
descurar, contudo, da formao de ofcios indispensveis sociedade nas suas Faculdades de
Teologia e Medicina.
Tal tradio cultural que caracterizou a universidade chegou cedo ao Brasil, na sua
verso jesutica, e marcou profundamente a histria da formao e do iderio educacional do
Pas. Corporificou-se, de modo especial na formao cultural em nvel superior dos nossos
intelectuais, ocorrida no intervalo que se estende de meados do sculo XVI primeira dcada
do sculo XIX, exclusivamente em universidades europias, destacadamente nas de Coimbrae vora.
Assim, o ensino superior introduzido no Brasil no primeiro decnio do Sculo XIX
vir marcado por essa slida tradio, que j assimilara as modificaes procedidas pela
Reforma Educacional introduzida pelo Marqus de Pombal a partir de 1759, que tivera
repercusses considerveis na universidade portuguesa entre 1772 e 1777, antecipando
muito do que ocorreria em instituies congneres no resto da Europa a partir do incio do
sculo seguinte (PAIM, 1982; CARVALHO, 1996).
Pombal propusera-se a efetuar uma espcie de modernizao da cultura universitriaat ento sob a hegemonia de valores religiosos catlicos. Contudo, o Marqus s acolher do
iluminismo e da modernidade cientfica, os seus aspectos mais pragmticos com relao ao
conhecimento dentro de horizontes conservadores no mbito poltico. Essa modernidade
conservadora ser uma das marcas da universidade pombalina que se plasmar fortemente nas
Escolas Superiores Brasileiras durante o Imprio e a Repblica.
Quando surgiram as primeiras universidades brasileiras, as justificativas de existncia
dessas instituies em termos pragmticos, conservadores e profissionalizantes, j estavam
bem estabelecidas e persistiro vigorosas at o final dos anos 40, apesar da resistncia que sepodia verificar nos discursos de intelectuais, como Ansio Teixeira e Fernando de Azevedo, e
nas posies de instituies como a Academia Brasileira de Cincias (ABC) e a Associao
Brasileira de Educao (ABE) a esse modelo, desde os anos de 1920 (PAIM, 1982).
O modelo rival de universidade que sustenta a resistncia dos crticos tradio
jesutica e pombalina pode ser caracterizado como liberal, e se inspira efetivamente em
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experincias j concretizadas desde o Sculo XIX, em pases como a Alemanha e os Estados
Unidos da Amrica.
Dentre os vrios princpios liberais que amparam os argumentos desses intelectuais
brasileiros, ressalta-se o otimismo com relao aos poderes da universidade na constituio de
uma nao moderna e capaz de se autoconhecer, o que constitui um dos elementos discursivos
do que Lyotard (1988) chama de narrativa legitimadora da universidade que emergiu na
Alemanha do sculo XIX e se transformou em modelo com reconhecimento de vrias naes,
no apenas na Europa.
Trata-se de um iderio otimista que se funda na crena no poder da educao em geral
- e na pesquisa cientfica e no ensino superior, de modo particular -, para resolver os graves
problemas nacionais e promover o desenvolvimento e a felicidade dos brasileiros. No que se
refere pesquisa, ainda que se espere dela resultados prticos e produtivos - sem os quais nose cumpririam os objetivos j destacados -, no se deixa de simultaneamente defender que
haja lugar na universidade para um tipo de investigao que seja pensada enquanto uma
atividade desinteressada. Essa forma de definir a ao intelectual de investigao ou da
busca em geral do conhecimento um dos aspectos essenciais da denominada legitimao
idealista e filosfica da universidade (LYOTARD, 1988).
A expresso atividade desinteressada, no entanto, no caracteriza propriamente os
tempos modernos e nem se origina neles. Possui uma longa tradio no pensamento filosfico
e ocupa importante lugar na filosofia aristotlica e na universidade medieval. Esse tipo deatividade contrape-se nesse autor a tudo que prtico (prxis) e produtivo (poiesis).
Atividade desinteressada teoria, busca autotlica da verdade que se justifica por si mesma
para alm de todo e qualquer resultado exterior satisfao intelectual da prpria busca.
Alm dessa expresso no ser moderna, vrios autores da poca criticaram o ideal
epistemolgico de um conhecimento desinteressado, contemplativo ou ocioso, a
comear por Francis Bacon e Descartes, at adquirir grande fora em Karl Marx, que tenta
superar dialeticamente s oposies entre prtico e produtivo (que ele chama de prtico) e
terico com a redefinio do termo grego prxis enquanto unio dialtica de taisexpresses.
interessante ressaltar, contudo, que todas essas crticas no tiveram fora para anular
o ideal regulador epistemolgico de um conhecimento desinteressado, traduzido muitas
vezes por expresses como cincia pura (como Fsica terica). Desinteresse pode
significar um tipo de no interesse prtico, produtivo ou tecnolgico, portanto, um interesse
inerentemente terico. O interesse ou desinteresse relativo ao que move ou no o sujeito no
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ato de conhecer e no ao que se pode fazer ou no com o conhecimento enquanto produto
(KONDER, 1992; MARX; ENGELS, 1986; LEO, 1998).
A noo de conhecimento desinteressado encontra-se intimamente relacionada s
idias de autonomia e liberdade do pensamento em relao aos dogmas e s doutrinas, ou
mesmo aos interesses do Estado e s necessidades da sociedade, configurando-se enquanto
atitude abertamente crtica porque desvinculada de qualquer amarra. Para Moreira (1981, p. 5)
... atitude crtica, ceticismo metodolgico e o esprit dexamen de Tocqueville, seriam
caractersticas epistemolgicas do liberalismo que o colocaria igualmente distante da inrcia
dogmtica do conservadorismo e das receitas profticas revolucionrias.
Tal discusso mostra que a valorizao aferida pela universidade moderna noo de
conhecimento como atividade desinteressada e crtica, criar enorme ambigidade
epistemolgica na definio dessa instituio. Sabe-se que a razo contemplativa foi umacaracterstica da universidade clssica, medieval; ao ser mantido o discurso do desinteresse
como componente legitimador de uma universidade que se quer re-fundada, entremeiam-se,
de certo modo, as fronteiras entre essa e a que a antecedeu.
Entretanto, ainda que a atividade desinteressada represente uma importante
justificativa da universidade moderna, a razo contemplativa j no ser predominante nela,
que de resto ser marcada pela racionalidade cientfica, a qual reconhece a conexo ntima
entre saber e poder, assim como a necessidade do comprometimento da cincia com as
demandas sociais (BACON, 1991).Por outro lado, o conceito de crtico - intimamente ligado ao de desinteresse -
reivindicado no apenas pelo liberalismo, como tambm pelo pensamento filosfico clssico e
com um sentido muito prprio mantido e includo como caracterstica do materialismo
dialtico18.
Esse emaranhado de conceitos se apresenta, tambm, como veremos a seguir, em
vrios e diferentes discursos de justificao da universidade brasileira e da atuao do seu
corpo docente. A construo de um campo de polissemia inicia com o esforo contraditrio de
algumas universidades brasileiras para aderirem a partir da segunda dcada do sculo XX, emais efetivamente nos anos 1960 - aos valores polticos e epistemolgicos das matrizes
modernas de pensamento, a partir e contra uma slida tradio intelectual humanstica e
jesutica.
18 O conceito de crtica no se define por uma simples atitude intelectual de crtica dos conceitos, das noes ouidias, mas s possui importncia e efetividade quando se relaciona prxis, especialmente do tiporevolucionrio (MARX; ENGELS, 1986; KONDER, 1992).
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1.1 Formao superior dos intelectuais brasileiros e a docncia universitria
Tendo em vista o incio tardio de funcionamento de universidades no Brasil, o lugar de
formao em nvel superior dos brasileiros foi at a independncia, os clebres bacharelados
das universidades europias, especialmente as portuguesas, destacadamente a de Coimbra.
Carvalho (1996) mostra com excelente fundamentao documental que essa educao,
predominantemente jurdica, foi marca emblemtica da elite poltica e burocrtica brasileira,
colonial e imperial. Entre 1550 e 1808, foram 2.50019 os brasileiros formados na Universidade
de Coimbra. No perodo de 1772 a 1872, registrou-se nessa mesma universidade, a matrcula
de 1.242 estudantes brasileiros.
Carvalho (1996) ainda nos informa que os jesutas foram personagens centrais da
Universidade de Coimbra de 1537 a 1759, voltando a recuperar terreno aps 1777 com aqueda de Pombal. A introduo do Ratio nessa Universidade deu-se j em 1559,
representando, portanto, para a docncia na universidade jesutica, certa limitao do livre
pensamento e da liberdade de investigao que ser reivindicada fortemente pelo mundo
moderno emergente, movido que esteve pelo ardor crtico e iconoclasta de uma dvida
hiperblica com relao tradio greco-romana e medieval.
A experincia brasileira de educao superior20 a partir da primeira dcada do Sculo
XIX, com cursos para formao de militares, mdicos, advogados e engenheiros, fez-se em
parte, em consonncia com o modelo ps-reforma pombalina de 1772, cujos objetivosproclamados consistiam na formao profissional e burocrtica. Contudo, os valores do
modelo medieval-jesutico, nos moldes bacharelescos de Coimbra e vora, no deixaro to
cedo de ser cultivados no meio acadmico brasileiro.
Muito embora os discursos de exaltao da modernizao sejam freqentes, os
referenciais de constituio do ensino superior no Brasil distam do que se pode considerar
como justificativas modernas de universidade de pesquisa (PAIM, 1982; LEO, 1988).
No primeiro caso, principalmente, no se d o encontro entre ensino superior
universitrio e a pesquisa no sentido moderno e liberal do termo21 pelo destaque aplicao e
19 A Informao fornecida por Teixeira (1998).20 De 1808-1820 criaram-se as instituies de Ensino Superior no Brasil: Real Academia dos Guardas-Marinhas,Academia Real Militar, Escola de Medicina do Rio de Janeiro, Escola de Medicina de Salvador e Academia deBelas-Artes; de 1827-1876: o Curso de Direito de So Paulo, Curso de Direito de Olinda, Escola de Farmcia deOuro Preto, Escola Politcnica do Rio de Janeiro e Escola de Minas de Ouro Preto (CARVALHO, 1996).21 O significado moderno do termo cincia advm do papel fundamental conferido ao mtodo experimental e linguagem matemtica na investigao da prpria coisa, em detrimento dos conhecimentos j solidificados noslivros e aceitos pelo princpio da autoridade e da tradio. Leo (1998) mostra que a idia de inseparabilidade deensino e pesquisa construo moderna do ideal de universidade.
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no produo desinteressada de conhecimentos; j no segundo, embora haja um
compartilhamento do desinteresse como marco epistemolgico comum, o modelo liberal no
se detm no estudo de uma literatura autorizada e fixada enquanto campo simblico cannico,
preferindo a busca da verdade a partir da lio das prprias coisas.
Embora o encontro da universidade com a pesquisa cientfica seja hoje parte da
compreenso desses dois termos, ele no se deu simultaneamente ao desenvolvimento
revolucionrio da cincia a partir do sculo XVII. No Brasil, em Portugal e no resto da
Europa, os cientistas ficaram por muito tempo fora dos muros das universidades e foram
apoiados por instituies de pesquisa, notadamente as Academias de Cincias22. A idia de
uma universidade de pesquisa s comea a se firmar quando os alemes propuseram para si e
ao mundo, no primeiro decnio do sculo XIX, um novo modelo para essa instituio, no qual
o ideal de pesquisa cientfica bsica ocuparia posio nuclear, redimensionando o sentido daatividade de ensino.
Pode-se dizer que mesmo a tradio luso-brasileira que se vai constituindo a partir das
reformas do Marqus de Pombal tendo representado uma substancial mudana nos rumos da
universidade tradicional, no chegou a significar adeso ao que mais profundamente se
entendia como contribuio essencial da moderna cincia: a busca livre e autnoma de
conhecimento que por essa caracterstica poder engendrar novidades tericas fundamentais,
sem que se saiba a priori qual ser exatamente o seu potencial de aplicao. Em todo o caso,
com as ocorrncias dos sculos XVIII e XIX em Portugal e no resto da Europa - com as suasidiossincrasias - compem o movimento de uma mesma e nova episteme que se est
constituindo em reao universidade tradicional. A sua base comum deriva da cultura
cientfica moderna e das mudanas scio-econmicas que marcam o processo de consolidao
do capitalismo.
As mudanas institucionais s quais a universidade se submete ao se inserir na
modernidade traro inevitavelmente novas exigncias ao corpo docente. O modelo do
professor erudito, com ampla formao humanstica, portador de uma grande quantidade de
informaes provenientes de variados campos de saber tender a perder espao.J no se aceitar como desejvel a separao entre a atividade de produzir os
conhecimentos e as teorias e a ao de ensinar, isto , de simplesmente transmitir ainda que
seja com habilidade comunicativa, esse saber. Faz-se necessrio, portanto, ou que o cientista
22A Italiana criada entre os Sculos XV e XVI; a Royal Society surge na Inglaterra do Sculo XVII; o SculoXVIII ver a Frana fundar a sua Academie; em 1916 veio tona a Sociedade Brasileira de Cincias, mais tarderenomeadaAcademia Brasileira de Cincias, com sede no Rio de Janeiro (PAIM, 1982).
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seja o professor ou que o professor se transforme em cientista, pois o que interessa a
garantia de que o ensino e a pesquisa se apresentem de modo indissocivel na atividade
docente universitria mais cotidiana.
Ora, como j pr-existem as culturas institucionais do cientista que atua em Academias
e Institutos de Pesquisa23, por um lado, e a do professor que atua na universidade de ensino24,
ser necessrio o estabelecimento de um tipo de prxis que possa reunir as duas atividades a
fim de atender ao que se exige que seja a universidade de pesquisa.
A rigor esse intelectual no poder ser considerado um pesquisador sem adjetivaes,
pois ele visto pelas regras que instituem a universidade antes de qualquer outro atributo,
como um docente, o que por definio implica o exerccio do ensino e a responsabilidade por
formar discentes com a mediao de determinados conhecimentos estabelecidos pelo
currculo.Uma questo fundamental diz respeito provenincia desse conhecimento. J no se
aceita uma docncia de simples transmisso e reproduo de teorias existentes. O pesquisador
o nico docente admissvel na medida em que capaz de contribuir com a produo do
conhecimento que transmite. Esse o primeiro atributo a ser considerado na compreenso da
docncia universitria moderna.
Assim, cabe universidade enquanto instituio de ensino e pesquisa, produzir e
divulgar em primeira mo, o conjunto de conhecimentos que estaro circulando nas suas
atividades curriculares. Essa produo responsabilidade inalienvel dos que ensinam,podendo ser ajudados pelos discentes como parte da prpria formao.
Alm dos professores universitrios enquanto pesquisadores precisarem produzir
conhecimentos que constaro dos currculos que formaro profissionais diversos, parte da sua
pesquisa chegar sociedade e ao Estado sem uma aplicao direta que seja determinada
pelas necessidades do ensino. E por fim, normal que se espere que a universidade forme o
seu prprio corpo docente e demais pesquisadores para atuao em empresas e outras
instituies de investigao.
23Numa biografia resumida de cientistas e pesquisadores que atuaram no Brasil da primeira metade do sculo XXe parte da sua segunda metade, pode-se verificar que nesse perodo a pesquisa ocorreu prioritariamente eminstituies sustentadas pelo Governo Federal e alguns governos estaduais, a partir da atuao de pesquisadoresestrangeiros e de brasileiros com estgio no exterior. O que caracteriza a formao deles a cincia aplicada porum lado, e a humanista, por outro. A docncia e instalao de unidades de pesquisa nas universidades serodevedoras desses pesquisadores (PAIM, 1982).24 No caso do professor do ensino superior no Brasil, havia uma longa tradio de valorizao do autodidatismona formao erudita. A cultura da especializao introduzida pela cincia moderna passar a exigir, cada vezmais, um treinamento formal na pesquisa certificado por ttulos de ps-graduao, o que representa oreconhecimento de certa competncia por uma comunidade de especialistas.
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Essas so algumas das conseqncias que a universidade moderna coloca para a
redefinio das suas atividades e para a atuao dos seus docentes, vistos como agentes
centrais na atualizao ou no desse ideal.
As instituies superiores brasileiras do sculo XIX e das trs primeiras dcadas do
sculo XX, tero grandes dificuldades para assimilar essa nova cultura acadmica, entre
outras razes por no disporem de professores formados dentro do novo horizonte
epistemolgico. O quadro docente daquelas instituies, especialmente das universidades,
constitua-se, em grande parte, em consonncia com uma cultura acadmica de juristas,
mdicos e engenheiros.
Carvalho (1996) afirma que o modelo de ensino superior brasileiro do sculo XIX, na
rea jurdica o da Universidade de Coimbra, de onde vieram egressos que compuseram o
corpo docente das instituies emergentes no Pas em matrias como direito cannico, direitocivil, cincias fsicas e naturais, matemtica, filosofia e engenharia. Como tais matrias no se
destinavam a formar professores, mas antes visavam preparar advogados, juristas e religiosos
do alto clero que abasteciam os cargos polticos e burocrticos ou ainda militares, mdicos e
engenheiros com o intuito de responder as necessidades do Estado; ento legtimo dizer que
a docncia superior uma atividade residual de bacharis, tcnicos e profissionais de nvel
superior e visa fundamentalmente o ensino sem a produo de novas teorias.
No seria sustentvel negar a existncia de preocupao do modelo jesutico com a
formao para o exerccio de um tipo de docncia25
, inclusive da universitria, seja do pontode vista dos contedos disciplinares seja da perspectiva de atuao pedaggica e didtica. A
crise se instaura porque a universidade moderna destaca sobremaneira a pesquisa, a
capacidade de investigao do docente, mas padece com a falta de um slido modelo de
formao do professor universitrio que pudesse rivalizar com o jesutico.
No plano da formao docente pode-se dizer que de modo geral, o predomnio da
proposta jesutica na organizao educacional e curricular em Portugal e no Brasil,
representar a institucionalizao slida de um modelo de atuao docente em consonncia
com o documento publicado em carter oficial em 1599: trata-se do clebre Ratio Studiorum(MAIA, 1989).
Nesse documento que ir constituindo maneiras de ser professor, prescrevem-se de
modo dogmtico, um conjunto de regras orientadoras da atividade docente, indo desde os
25 Certamente que esse paradigma de professor jesutico apesar de bem estabelecido - ao se fundar no ensinopropriamente dito e esse, por sua vez, na aceitao da autoridade das teorias produzidas por outrem e prescritasinstitucionalmente como verdades sucumbir ao ideal moderno universitrio que valoriza o docentepesquisador ou o professor cientista e a atitude de crtica sem limites.
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objetivos da ao pedaggica e dos seus procedimentos em geral at as especificidades de
como ministrar cada uma das matrias e quais os seus contedos