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PESQUISAS E REFLEXÕES EM

EDUCAÇÃO

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Faculdade de Ciências e Letras, UNESP  – Univ Estadual Paulista, Campus AraraquaraReitor: Julio Cezar DuriganVice-reitora: Marilza Vieira Cunha Rudge

Faculdade de Ciências e Letras – AraraquaraDiretor: Arnaldo CortinaVice-diretor: Cláudio César de Paiva

SÉRIE DIÁLOGOS Nº 3

Programa DINTER – UNESP/UNIR

Conselho Editorial Acadêmico do Laboratório EditorialProf. Dr. Luiz Gonzaga MarchezanProf. Dr. Leandro Osni ZanioloProfa. Dra. Marcia Teixeira de SouzaProf. Dr. Wagner de Melo RomãoProf. Dr. Enéas Gonçalves de Carvalho

Editoração eletrônicaEron Pedroso Januskeivictz

CapaEron Pedroso Januskeivictz

NormalizaçãoBiblioteca da Faculdade de Ciências e Letras

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PESQUISAS E REFLEXÕES EM

EDUCAÇÃO

João Augusto GentiliniJosé Vaidergorn

Elaine Cristina Scarlatto(Org.)

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Copyright © 2014 by Laboratório Editorial da FCLDireitos de publicação reservados a:

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Tel.: (16) 3334-6275E-mail: [email protected]

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SUMÁRIO

PrefácioRicardo Ribeiro ...................................................................................7

AgradecimentosJoão Augusto Gentilini, José Vaidergorn e Elaine Cristina Scarlatto ......11

ApresentaçãoJoão Augusto Gentilini, José Vaidergorn e Elaine Cristina Scarlatto ......13

Cinema, meio ambiente e educação: os conflitos socioambientais na representação fílmica de Adrian Cowell

Elisabeth Kimie Kitamura e Luiz Marcelo de Carvalho .................19

A trajetória de uma tese após a defesa: da teorização à realidade localLucia Rejane Gomes da Silva ...........................................................43

Em tempo: a questão do tempo na formação docenteOrestes Zivieri Neto ..........................................................................53

A educação do campo no contexto do capitalismo burocrático: semicolonialismo, semifeudalidade e ecletismo pedagógico

Marilsa Miranda de Souza ..............................................................77

Princípios epistemológicos para a avaliação emancipatóriaFlavine Assis de Miranda ...............................................................111

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Políticas de formação docente: um estudo sobre os professores indígenas em Rondônia

Mario Roberto Venere e Carmen Tereza Velanga ...........................125

A educação infantil em Porto Velho/RO no período de 1999 a 2008: realidade e necessidade

Juracy Machado Pacífico .................................................................143

As políticas educacionais para o ensino superior: a formação do psicólogo e as implicações para a atuação desse profissional

José Carlos Barboza da Silva ..........................................................163

Gestão educacional e os desafios da contemporaneidadeJoão Augusto Gentilini e Elaine Cristina Scarlatto ........................193

Considerações sobre a produção da pesquisa em educaçãoJosé Vaidergorn ................................................................................209

Lista de mini currículo e e-mail dos autores .................................219

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PREFÁCIO

A investigação acadêmica fortalece-se quando envereda por regiões de fronteira. Regiões que se oferecem ainda inexploradas, seja por não se saber a que território exatamente pertencem, seja por poderem pertencer a mais de um. Nas áreas do que denominamos como ciências duras – a despeito de todos os limites desse concei-to e do outro, que lhe faz companhia, das ciências moles – esse caminho é relativamente mais fácil: com frequência se descobrem “coisas” novas. No caso das ciências humanas, a situação é um pouco diferente. As descobertas ocorrem, mas as possibilidades delas se tornarem hegemônicas ou explicações únicas são bastante limitadas. Nas ciências humanas, descobrimos, de forma geral, novas interpretações ou explicações para fenômenos conhecidos, mas essas novas explicações ou interpretações podem conviver ou mesmo complementar as anteriores. Porém, por mais que esteja sujeita às incertezas que essa circunstância particular gera, isso não enfraquece. Antes, fortalece.

Como bem desenvolve o filósofo Michel Serres, as ciências duras não oferecem resposta para tudo e, de certa maneira, podemos mesmo dizer que oferecem respostas para poucas coisas. As ciências duras respondem a perguntas específicas e bem simples. Ainda de acordo com o filósofo francês, quando as perguntas são um pouco mais complexas ou menos bem formuladas, as ciências duras desobrigam--se de respondê-las, remetendo-as para o universo da metafísica. Respondendo ou tentando responder a todas as questões sociais que se apresentam, as ciências humanas operam em um universo mais amplo, onde não se escolhem as perguntas.

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Ricardo Ribeiro

Esse livro apresenta artigos elaborados a partir de investigações de intelectuais que não se furtaram à ousadia de atuar nas zonas de fronteira, tanto no que diz respeito à pesquisa propriamente, quando as suas respectivas realidades de trabalho. O grupo de pesquisadores que apresentam parte da sua produção nesse livro ousam nos temas que estudam e boa parte deles também ousaram e foram em direção ao que muitos chamam de “fim do mundo” mas que na verdade pode ser compreendido também como um “outro mundo”. Estados como Rondônia, Acre, Amapá, Roraima e Amazonas são realidades do Brasil ainda pouco conhecidas e onde grandes mudanças estão ocorrendo. Estudar as complexas realidades humanas, em todas as suas dimensões, dessa parte do país é fundamental se temos em vista a preservação ambiental e a sustentabilidade das iniciativas de inclusão dessa região na economia nacional.

Os artigos abordam um conjunto alargado de temas relacionados a: Educação Infantil; Educação no campo; Avaliação; Formação de Professores Indígenas; Carreira Docente; Cinema documental sobre a ocupação da Amazônia nos anos 80 do século passado; Gestão Educacional; Formação do Psicólogo; Pesquisa em Educação e polí-tica Educacional para o Ensino Superior. Entretanto, a maior parte dos trabalho tem a região Amazônica como eixo central dos estudos.

A expansão das Universidades Federais nos últimos dez anos fez com que o número dessas instituições mais do que se duplicasse. Embora essa expansão apresente alguns limites e dificuldades, o fato é que a sua dimensão política, traduzida, entre outras coisas, na democratização do acesso ao ensino superior público, a sustenta e justifica. Porém, para assegurar a sustentabilidade dessa expansão do ensino superior público nas fronteiras nacionais é fundamental a formação de professores/pesquisadores.

Para nós, pesquisadores e intelectuais, o grande desafio à frente é o atendimento adequado das demandas de formação de novos docentes para essas universidades. Iniciativas como o Minter e o Dinter têm papel fundamental para assegurar o sucesso dessa democratização efe-tiva do ensino superior. O Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da UNESP, por meio de seus professores, é um dos lugares/momentos/programas que enfrentam sse desafio com disposição. Este livro – provavelmente o primeiro de outros que brotarão da

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Prefácio

mesma fonte – apresenta uma significativa amostra das investigações realizadas por dezenove professores doutores da Universidade Federal de Rondônia.

Ser convidado a escrever o prefácio deste livro não é só uma honra. É também um grande motivo de orgulho, por ter tido a oportunidade de participar dessa jornada durante três anos, como orientador de um dos trabalhos aqui presentes e por ter sido responsável por disciplinas ministradas. Durante esse período, pude conhecer e conviver com colegas pesquisadores de grande generosidade, com os quais apren-di certamente mais do que ensinei. Não tenho dúvidas de que esse importante grupo de pesquisadores continuará sua jornada acadêmica oferecendo alternativas, com suas investigações, às demandas que são apresentadas por um mundo dinâmico e que exige respostas para uma realidade social que valorize a justiça, a democracia, a sustentabilidade das iniciativas e, acima de tudo, que ofereça uma educação escolar orientada pela solidariedade, pelo respeito às diferenças permitindo, dessa maneira, a formação de crianças e jovens que no futuro assu-mirão a responsabilidade por construir um mundo melhor do que o deixaremos para eles.

Profº Drº Ricardo Ribeiro

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AGRADECIMENTOS

A edição deste livro só foi possível graças ao apoio financeiro da CAPES que foi a instituição que acolheu e aprovou o projeto da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em parceria com a Universidade Federal de Rondônia (UNIR) para a realização do Programa Interinstitucional de Doutorado (DINTER).

Agradecemos, igualmente, o apoio da Profa. Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge, Pró-Reitora de Pós-Graduação da UNESP à época de realizado do DINTER e ao assessor da ProGrad, Prof. Dr. Eduardo Kokubum.

Ao Prof. Dr. Miguel Nenevé, primeiro coordenador do DINTER junto à Universidade Federal de Rondônia e à Profa. Dra. Maria das Graças Silva Nascimento, Pró-Reitora de Pós-Graduação da UNIR também à época de realização do Programa.

Á Lidiane Mattos e Maurício Garcia, pelo apoio técnico junto à Seção de Pós-Graduação da FCL-UNESP/Campus de Araraquara.

Aos docentes que atuaram no Programa, sobretudo aqueles que orientaram as teses de doutorado que compõem este volume e aos alunos que se doutoraram pelo DINTER e que se esforçaram para atender a tempo e a hora as exigências editoriais.

Prof. Dr. João Augusto GentiliniProf. Dr. José Vaidergorn

Profa. Me. Elaine Cristina Scarlatto

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APRESENTAÇÃO

Tem sido prática comum de várias universidades públicas brasilei-ras, federais e estaduais, a celebração de convênios para a promoção de cursos de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado na modalidade “interinstitucional” ou, como são denominados, os MINTER e os DINTER. Trata-se de cursos em que docentes de pro-gramas de pós-graduação reconhecidos e consolidados, deslocam-se de sua universidade de origem para outra universidade, possibilitando que os docentes da universidade que os recebe tenham acesso ao mestrado ou doutorado, sem que haja necessidade de permanecerem por dois ou três anos fora de seus campi e, reciprocamente, estes docentes-alunos – chamemo-los assim – se deslocam de seus campi para um estágio de pesquisa na universidade responsável pela oferta das disciplinas da pós-graduação interinstitucional.

Estes programas constituem-se em uma alternativa bem sucedida na formação em nível de pós-graduação. Procuram manter a mesma qualidade da formação oferecida por um programa de pós-graduação convencional, possibilitando que docentes que trabalham em univer-sidades distantes dos grandes centros, possam dar continuidade à sua formação no mestrado ou doutorado, evitando os custos em geral bem altos se tivessem que se afastar por muito tempo de sua instituição de origem ou tivessem que viajar constantemente para cursar uma pós-graduação em estados ou cidades distantes de suas residências. A expectativa é a de que os recém-mestres ou recém-doutores, formem em suas universidades grupos de estudos e pesquisas e instituam, com o tempo, seus próprios programas de pós-graduação, além, é claro, de melhorar a qualidade dos cursos de graduação. São, pois, programas de grande relevância acadêmica e, porque não dizer, de

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João Augusto Gentilini, José Vaidergorn e Elaine Cristina Scarlatto

grande significado social, contribuindo para a democratização do acesso à pós-graduação e elevação da qualidade profissional de seus docentes-alunos.

A Universidade Estadual Paulista (UNESP) através do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras do campus de Araraquara e a Universidade Federal de Rondônia (UNIR), através do campus de Porto Velho, com o suporte financeiro da CAPES, promoveram um desses DINTER entre 2009 e 2011, no qual foram aceitos dezenove docentes atuantes na área da educação e que tiveram seus projetos de pesquisa avaliados em um processo seletivo. Este livro que apresentamos é apenas uma amos-tra da qualidade das teses defendidas no DINTER, inaugurando uma série de dezenove outros livros referentes a cada uma das teses defendidas que serão oportunamente editados pela Editora Cultura Acadêmica, da FCL. Com este e os demais livros, o DINTER com-pleta as suas atividades e socializa as pesquisas dos docentes-alunos, encerrando o ciclo de atividades do Programa.

Neste livro, apresentamos a contribuição de dez dos dezenove docentes que cursaram o DINTER sendo que os demais, certamen-te, darão as suas contribuições nos livros posteriores já em processo de organização. Como dissemos, é uma pequena, mas significativa amostra das intensas pesquisas realizadas pelos docentes-alunos que demonstraram seriedade e competência profissionais e, acima de tudo, compromisso em melhorar a qualidade do ensino ministrado em suas instituições, superando dificuldades imensas que as regiões distantes do Brasil enfrentam nos seus processos de expansão (com qualidade) do ensino superior público na perspectiva da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Falemos, pois, resumidamente, de cada contribuição

No artigo “Cinema, meio ambiente e educação: os conflitos socioambientais na representação fílmica de Adrian Cowell” os pro-fessores Elisabeth Kimie Kitamura e Luiz Marcelo de Carvalho, fazem uma análise de uma produção fílmica (documentários) que registrou os conflitos socioambientais ocorridos com a intensa migração na Amazônia Ocidental na década de 1980, particular-mente nos estados de Rondônia e do Acre. A migração, induzida autoritariamente pelos governos militares e que teve continuidade

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Apresentação

nos governos democraticamente eleitos, com a justificativa econômi-ca do nacional-desenvolvimentismo, provocou estragos ambientais e conflitos sociais de gravidade, devidamente documentados por Cowell cuja produção é analisada pelos dois docentes, sem duvida, um trabalho de grande valor pedagógico, na medida em que contribui para ampliar o saber na área ambiental e estabelece uma ponte entre a política e a educação ambiental.

A inserção da orientação sexual nas escolas do ensino fundamental foi a temática da tese de doutorado de Lucia Rejane Gomes da Silva, com o título “A trajetória de uma tese após a defesa: da teorização à realidade social”. A autora, profissional experiente no ensino e na atuação na área da saúde e da educação, analisa a sua própria teoriza-ção na área frente às demandas locais de formação de professores que apontam para as dificuldades de implementação das ações formuladas, uma contribuição importante para a questão da orientação sexual nas escolas, área sempre objeto de discussão e de polêmica.

“Em tempo: a questão da formação docente” é como se denomina o artigo de Orestes Zivieri Neto que apresenta um fragmento de sua tese de doutorado, tratando dos fundamentos teóricos do tempo físico e real, juntamente com os estudos sobre os ciclos da carreira docente. O autor tem a preocupação de “enxergar” o papel do tem-po e da experiência do professor, desde o ingresso até o final de sua carreira, trazendo para a discussão formas de superar a ditadura do tempo físico-espacial em favor de um tempo real, acima de tudo, produtivo para o desenvolvimento profissional qualitativo, o que, sem dúvida, poderá orientar políticas que beneficiem a formação contínua e permanente.

Marilsa Miranda de Souza nos surpreende com um texto intitulado “A educação do campo no contexto do capitalismo burocrático: semicolonialismo, semifeudalidade e ecletismo peda-gógico”, utilizando uma perspectiva teórica não muito usual nas teses sobre a realidade socioeconômica no campo. Em seu texto, enfocando o “capitalismo burocrático brasileiro” e a interferência dos organismos multilaterais como o Banco Mundial, analisa as relações semifeudais e semicoloniais em uma região amazônica, o fechamento de escolas do campo e o êxodo rural. Além de um forte conteúdo ideológico e crítico, o texto avança, propositivamente,

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João Augusto Gentilini, José Vaidergorn e Elaine Cristina Scarlatto

para uma concepção de “educação popular” construída com base nas expectativas e demandas sociais e políticas das organizações camponesas em Rondônia.

A avaliação foi o objeto de estudo da pesquisa de Flavine Assis de Miranda, no texto “Princípios epistemológicos para uma avalia-ção emancipatória”, utilizando os recursos de análise da sociologia crítica no campo da Sociologia da Educação e a construção de um campo teórico para uma Sociologia da Avaliação. O texto explora as potencialidades de avaliação como dispositivo para a concretização efetiva dos direitos sociais e culturais, procurando responder às per-guntas, aliás bastante atuais, se é possível desenvolver políticas sociais emancipatórias com respeito à avaliação dos sistemas educacionais e se avaliação pode ser um instrumento emancipatório mesmo quando inserida em um contexto regulatório.

A educação indígena, após a Constituição de 1988, passou a se constituir em um dos pilares das políticas educacionais e sociais inclusivas e afirmativas no Brasil e instrumento de universalização de direitos humanos e sociais. Após décadas de descaso e desconsideração para com as culturas indígenas, recebeu a atenção diferenciada na LDB/1996 e, especialmente, nos Novos Parâmetros Curriculares. Entretanto, ainda são muitos os obstáculos enfrentados pelas políticas educacionais indígenas no Brasil, principalmente com as condições efetivas das escolas indígenas e a formação de professores que possam atuar nestas escolas. Este é o tema do artigo “Políticas de formação docente: um estudo sobre os professores indígenas em Rondônia”, escrito por Mário Roberto Venere que defendeu tese a respeito e Carmem Teresa Velanga.

Juracy Machado Pacífico, sob o título “A educação infantil em Porto Velho no período de 1999 a 2008: realidade e necessidade?” nos traz uma pequena mas significativa amostra do que foi a sua tese de doutorado fruto de seu esforço intelectual, de sua experiência e de seu conhecimento das políticas de educação infantil na capital do estado de Rondônia, tese que foi minuciosamente fundamentada com dados e indicadores estatísticos colhidos na Secretaria Municipal de Educação, uma pesquisa de suma importância para orientar políticas públicas locais neste setor educacional, inclusive para outros muni-cípios da região amazônica e do Brasil.

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Apresentação

No artigo de José Carlos Barboza da Silva sob o título de “As políticas educacionais para o ensino superior: a formação do psicó-logo e as implicações para a atuação desse profissional”, é analisada a formação dos psicólogos no contexto da reestruturação capitalista das duas últimas décadas e das mudanças econômicas, políticas e socioculturais dela resultantes. O autor procura demonstrar em que medida este contexto afetou as políticas educacionais e, em particular, a configuração da profissão e da formação em Psicologia, tendo em vista, também como efeito daquela reestruturação, as reformas no aparelho do Estado no Brasil.

O artigo “Gestão educacional e os desafios da contemporanei-dade”, João Augusto Gentilini e Elaine Cristina Scarlatto, à luz dos estudos da Escola de Frankfurt e pesquisas acerca da Gestão Educacional, tem como objetivo apresentar historicamente o campo em questão, os principais paradigmas que, ainda hoje, o influenciam, a fim de por em relevo desafios centrais que pesquisadores, gestores educacionais e escolares, em geral, precisam superar no desenvolvi-mento de seus trabalhos.

Sabe-se que vivemos em um período histórico no qual o número de pesquisas cresce expressivamente, inclusive na área educacional. Portanto, é mister refletirmos acerca da qualidade de tais pesquisas. Qual é o critério absolutamente objetivo que se deve levar em conta no processo de avaliação da qualidade de uma pesquisa? Em que medida uma pesquisa educacional contribui para o conhecimento científico da respectiva área? Ademais, o que se pode afirmar sobre a cientificidade da pesquisa educacional? Estas perguntas imbricadas constituem o ponto de partida do texto “Considerações sobre pesquisa em Educação”, de José Vaidergorn, contribuição imprescindível a este livro cujo objetivo, reitera-se, é difundir o conhecimento educacional fruto de pesquisas teóricas e empíricas.

Com este livro, o Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da FCL/UNESP/CAr. cumpre mais uma etapa de seu compromisso assumido com a UNIR, ao realizar o Doutorado Interinstitucional. Ele traduz o esforço de ambas as universidades, dos coordenadores, técnicos administrativos e de todos os docentes do Programa que se deslocaram, alguns mais de uma vez, para Porto Velho, lá ministrando as suas disciplinas e, sobretudo, o esforço inte-

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João Augusto Gentilini, José Vaidergorn e Elaine Cristina Scarlatto

lectual, físico, profissional e financeiro dos docentes-alunos, agora, portadores, com justiça, do titulo de doutores em educação e que, certamente, darão uma inestimável contribuição para o ensino e a pesquisa em suas respectivas áreas de atuação.

Araraquara, março de 2013.

Prof. Dr. João Augusto GentiliniProf. Dr. José Vaidergorn

Profa. Me. Elaine Cristina Scarlatto

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CINEMA, MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO: OS CONFLITOS

SOCIOAMBIENTAIS NA REPRESENTAÇÃO FÍLMICA DE

ADRIAN COWELL

Elisabeth Kimie KITAMURALuiz Marcelo de CARVALHO

INTRODUÇÃO

A Amazônia continua a representar para muitas pessoas, o mes-mo que os portugueses imaginaram no século XVI: uma dádiva da natureza composta por um grande sistema ecológico natural que abarca riqueza inesgotável e habitada por canibais e bestas indomá-veis. Para Arbex (2005), esta imagem está associada a uma dádiva que os cronistas do descobrimento narraram com competência e inspiraram artistas e religiosos para a representação do exuberante Mundo Novo e contribuiu significativamente para que a Coroa Portuguesa legitimasse a posse política da “Ilha Brasil” na disputa imperial com a Espanha. Neste contexto, para os colonizadores europeus, a posse natural deste imenso território brasileiro expres-sava a vontade de Deus.

Esta mesma representação de “dádiva natural” do Brasil foi rei-terada em diferentes períodos da história e também adotada pelos sucessivos governos republicanos na ocupação da Amazônia. No

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Elisabeth Kimie Kitamura e Luiz Marcelo de Carvalho

imaginário social vigente no Governo Militar (1964  – 1984) foi exemplarmente associada ao novo Eldorado, com extensos espaços vazios a serem ocupados, sem reconhecer que estes territórios já estavam habitados por nativos de culturas complexas.

Ao optarmos por explorar processos de produção de sentidos nos documentários do cineasta Adrian Cowell, que representam os con-flitos socioambientais na Amazônia Ocidental, o presente trabalho procura questionar esta “dádiva Amazônica” que ainda persiste no imaginário social de muitos brasileiros. Os filmes da séria A Década da Destruição (1980-1990) de Cowell foram projetadas para os nos-sos alunos do curso de Jornalismo, disciplina Realidade Regionais em Comunicação, pela primeira vez, em meados da década passada. Sendo uma série que narra, por meio de imagens testemunhais, um período histórico determinante para a presente configuração da paisagem humana e natural da atual Rondônia, estes documen-tários contribuíram significativamente para nos aproximarmos da realidade social do aluno presente em sala de aula. A projeção do filme de Cowell também facilitou a escolha de conteúdos didáticos que dialogavam com a narrativa fílmica. Foi também neste exercício de projeção aplicado em diferentes turmas de Jornalismo que per-cebemos o quanto estes alunos estavam distantes da representação “ambientalista” de Cowell sobre a realidade da Amazônia Ocidental.

Esse aspecto nos intrigava de certa forma, porque Cowell retra-tava em seu filme famílias de migrantes que haviam compartilhado a mesma realidade vivida pelos pais de, pelo menos, boa parte dos alunos em sala de aula: famílias de pequenos agricultores que vieram em busca de terra na Amazônia e que enfrentaram condições inóspitas no coração da floresta da Amazônia Ocidental.

Estão presentes na filmografia de Cowell, os diferentes atores sociais deste período da década de 1980 na Amazônia Ocidental, como ativistas ambientais, migrantes, pesquisadores, políticos etc, contextualizados no cenário político e econômico da execução do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE), um projeto financiado pelo Banco Mundial.

Nos anos de 2006 e 2007, a cidade de Porto Velho (RO) foi palco de discussão e euforia, pois estava em pauta o processo de aprova-ção das polêmicas obras do Programa de Aceleração e Crescimento

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Cinema, meio ambiente e educação: os conflitos socioambientais na representação fílmica de Adrian Cowell

(PAC) que incluíam as construções de duas usinas hidrelétricas no Rio Madeira, estado de Rondônia.

Na época, a euforia tomava conta da capital e carregava a expecta-tiva de que, com este programa governamental, Rondônia finalmente seria integrado ao projeto nacional de desenvolvimento. As advertên-cias de ambientalistas e cientistas sociais sobre os possíveis impactos ambientais não faziam parte da agenda principal dos conteúdos dos jornais locais e, nem mesmo, das conversas cotidianas na cidade.

Para os olhares mais críticos, a execução do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) significa a reedição da política da dita-dura que durante as décadas de 1970 e 1980 adotou um modelo de desenvolvimento autoritário e predatório em nome do progresso e que esta parece ser “ainda a opção do Estado brasileiro”, salienta Cunha (2010). Zhouri e Laschefski (2010, p.15) também vêem com cautela o PAC e seus projetos desenvolvimentistas ao observarem que “[...] ao final da primeira década do novo milênio, encontra-se marcado pelo ressurgimento de velhos conflitos em torno à temática sócioambiental.”

Segundo esses autores, o que identifica estes “velhos conflitos” que foram determinantes durante o período do governo militar e que retornam com força no presente, são as execuções de grandes projetos de infraestrutura. Como exemplo, eles citam as construções de usinas hidrelétricas, hidrovias, rodovias e portos que têm por objetivo favo-recer a “inclusão internacional” do Brasil ao mercado globalizado.

A expectativa era de que estes documentários poderiam contribuir, significativamente, para que a sociedade adotasse, em momentos decisivos como o da aprovação das obras do PAC, uma atitude mais crítica e participativa.

Sob esta perspectiva foram formuladas as seguintes questões:

• Que sentidos podem ser construídos a partir do contato com a obra fílmica de Cowell, considerando a sua obra como um todo e os diferentes atores sociais presentes nos seus filmes que abordam a temática ambiental na Amazônia Ocidental?

• Os documentários de Adrian Cowell podem cumprir um papel singular para projetos de educação ambiental e con-tribuir para a construção de um saber ambiental?

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Elisabeth Kimie Kitamura e Luiz Marcelo de Carvalho

Para buscar o embasamento teórico que permitisse o diálogo entre comunicação e educação ambiental crítica, foram considerados os autores das ciências sociais comprometidos com as complexas relações sociais instaladas no mundo contemporâneo, o papel social significativo atribuído à comunicação social e os textos de teóricos da educação que oferecem propostas para um aprendizado que ques-tionem as atuais crises socioambientais.

OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA AMAZÔNIA

Inspirados por esta proposta referencial, optamos para o primeiro capítulo pelo diálogo com autores das ciências sociais que colaboraram na compreensão da realidade regional amazônica e a sua posição no contexto mundial político e econômico. Foram priorizados autores que interpretam as políticas desenvolvimentistas adotadas pelo gover-no militar e sucessivos governantes brasileiros sob a perspectiva da Teoria da Dependência.

Esta teoria possibilita compreender a ocupação da Amazônia durante o governo militar (1964 a 1984) considerando-se o con-texto político e econômico nacional dependente das questões em pauta no cenário internacional. Sob esta perspectiva, as previsões menos cautelosas já feitas pelas Nações Unidas de que 1970 seria a década do desenvolvimento, esta se resultou nos anos da morte do desenvolvimento como idéia e como política (WALLERSTEIN, 2009).

Explica o autor que a economia-mundo capitalista em crise remanejou a sua produção industrial para países periféricos em busca de salários mais baixos para compensar o declínio de seus lucros. Esta transferência vista como a oportunidade para o desenvolvimento, pelos países anfitriões, revelaria, posterior-mente, um complexo jogo de interesses econômicos articulado pela especulação financeira, após as duras altas no preço do petróleo que endividaram países do Terceiro mundo e do Bloco Socialista – estas dívidas externas ainda estão sendo pagas com altos custos sociais.

Na década de 1980, a ideologia desenvolvimentista fracas-sou diante da crise financeira e, sob as ordens expressas pelo

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Cinema, meio ambiente e educação: os conflitos socioambientais na representação fílmica de Adrian Cowell

Consenso de Washington1, criou-se um cenário ideal para que o neoliberalismo desferisse, sob o comando de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, as suas políticas econômicas ditadas pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Fórum Econômico Mundial de Davos.

Wallerstein (2009), afirma que a Sociologia Instrumental2 exerceu um papel significativo para que esta nova ordem geopolítica fosse legi-timada como a hegemônica durante o período pós-guerra (Segunda Guerra Mundial). Esta, utilizando-se do método de pesquisa fun-cionalista, classificou e ditou as regras, cujos resultados favoreceram os atuais países do Primeiro Mundo.

A representação do mundo dual, salienta Wallerstein (2009), acentuou a divisão do mundo em países “desenvolvidos” e “sub-desenvolvidos” (econômica), entre a oposição de “mundo livre” e o “totalitário” (ideológica) inspirada pela Guerra Fria que, ainda hoje, parece persistir acomodada às novas configurações do poder no mundo. Ele ainda atenta para o fato de que foi neste período pós-1945 que os Estados Unidos da América consolidaram-se como o locus central da geocultura.

Gandásegui Filho (2009) salienta que a contribuição da teoria da dependência foi intensa no final da década de 60 e no decorrer da década de 1970 e perdeu o seu vigor nas décadas posteriores, mas que, com a ofensiva neoliberalista, no presente, ela retoma a sua força para a compreensão do capitalismo porque permite abarcar tanto o contexto regional como o nacional e, também, suas respectivas formações sociais.

1 Redução dos gastos públicos; investimento externo direto, com a eliminação de restrições e privatização das estatais são três exemplos do total das 10 regras básicas adotadas pelo Consenso de Washington. 2 Armand Mattelart (2002, p.95), no seu livro A Globalização da Comunicação expõe muito bem o espírito da época para integrar os países do Terceiro Mundo: “Os índices de moderniza-ção são calculados pelo cruzamento das taxas de alfabetização, industrialização, urbanização e exposição às mídias; traçam-se curvam-se, definem-se tipologias de modernização que situam cada país do Terceiro Mundo.” Observa Mattelart (2002, p.96) que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) publicou textos fundamentais da sociologia instrumental traduzidos em diversos idiomas e distribuiu catálogos cujos conteúdos ditavam os padrões básicos para que um país subdesenvolvido saia de sua condição de Terceiro Mundo. Este, segundo os catálogos da UNESCO deve “dispor de dez exemplares de jornal, cinco emissoras de rádio, dois de televisão e dois assentos de cinema para cada 100 habitantes.”

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Isto é, os teóricos da dependência3, explica ele, buscavam uma análise da realidade econômica e política na América Latina cons-truída, particularmente, para este continente, por intelectuais do continente (“América Latina pelos próprios latino-americanos”) e adotaram a leitura crítica marxista não dogmática para a análise da reprodução do subdesenvolvimento na “periferia” do capitalismo mundial. Sob esta perspectiva, estes não se esquivaram em proferir severas críticas ao posicionamento da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe4 (CEPAL) das Organizações das Nações Unidas que defendia um nacional-desenvolvimentismo e a “depen-dência associada”.

Os teóricos da dependência acreditavam que a promessa desenvol-vimentista5 proposta pela CEPAL jamais poderia ser atingida porque os países hegemônicos (que pertencem ao centro capitalista) sobrevi-vem e usufruem deste patamar extraindo os excedentes gerados pelos países periféricos. Portanto, para este sistema econômico assimétrico, no qual, um depende do outro, os países periféricos só poderiam alcançar o mesmo patamar dos “desenvolvidos” se rompessem com a ordem econômica internacional capitalista (GANDÁSEGUI FILHO, 2009).

Mantega (1997) discute o pensamento dos teóricos da depen-dência diferenciando as correntes internas existentes que se abri-garam sob as críticas dirigidas ao desenvolvimentismo cepalino. A

3 A teoria da dependência reuniu pensadores neomarxistas influenciados pelos marxistas americanos como Paul Baran, Paul Sweezy e das teses de Trotsky para os países atrasados. Entre outros, nomes importantes da teoria da dependência econômica estão os integrantes do grupo de Brasília, como Ruy Mauro Marini e Theotônio dos Santos. Entre os representantes da nova esquerda, também defensora da teoria do desenvolvimento, estão incluídos Paul Singer, Fernando Henrique Cardoso, Francisco de Oliveira e Maria da Conceição Tavares, entre outros. Entre o primeiro e o segundo grupo a defesa de teses e análises adversas sobre a dinâmica do capital nacional; deste segundo grupo, aquele que se aproxima em alguns aspectos de suas análises, dos primeiros, neomarxistas, é Francisco de Oliveira (MANTEGA, 1997). 4 Esta comissão foi criada em 1948 pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.5 O desenvolvimentismo é uma política econômica com a participação determinante do Estado e aplicável no sistema capitalista. É uma ação que tem como meta alcançar o crescimento da produção industrial e da infraestrutura concomitante com o aumento do consumo: “a solu-ção se encontrava na industrialização, na medida em que esse processo permitiria o progresso técnico e, dessa forma, poderia inverter ou pelo menos deter a transferência de recursos da ‘periferia’ para o ‘centro’” (OSÓRIO, 2009, p.169).

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sua abordagem distancia-se, em alguns aspectos, daquela feita por Gandásegui Filho (2009). Se este decreve os neomarxistas como Rui Marini e Theotônio dos Santos, como pensadores fundamentais da teoria da dependência, Mantega (1997) minimiza os mesmos e prioriza, no seu artigo, os teóricos da nova esquerda, como Paul Singer, Fernando Henrique Cardoso6, Maria da Conceição Tavares e Francisco de Oliveira, entre outros. Afora estas discordâncias, ambos os autores parecem concordar sobre a importância da teoria da dependência para a compreensão da economia nacional contextualizada no cenário internacional. Para Munteal (2009), resgatar o pensamento dos neomarxistas no contexto atual significa revisitar uma corrente que foi condenada a dois exílios ao longo de sua existência.

Para Mantega (1997) conhecer a “arqueologia do pensamento econômico brasileiro” é reconhecer a contribuição da teoria da depen-dência para uma justa compreensão do passado que permite não só revelar os fundamentos das práticas econômicas atuais, mas também, as do futuro. Segundo ele, a teoria da dependência foi a crítica mais consistente ao desenvolvimento autoritário posto em prática durante o governo militar (1964 – 1984) por Roberto Campos, Antonio Delfim Neto, Mário Henrique Simonsen e Afonso Celso Pastore que defendiam o Modelo Brasileiro de Desenvolvimento (MANTEGA, 1997, p.6). Para a presente pesquisa, identificar as diferentes correntes em evidência neste período do governo militar, ou ainda, no pro-cesso de democratização no País, contribui significativamente para a compreensão das legislações ambientais atuais e a sua relação com as práticas econômicas adotadas atualmente.

Salienta Mantega (1997) que a teoria da dependência assumiu o importante papel de desvelar a ideologia deste desenvolvimen-tismo autoritário que defendia a acumulação do capital interno, ignorando-se os custos sociais decorrentes desta prática. A rentabi-lidade do capital operado por esta política econômica autoritária, segundo os teóricos da dependência, efetivou-se, principalmente, pela redução dos salários, pela concentração da renda e pela desarti-

6 Ha-Joon Chang (2004, p.32–33) faz um estudo histórico da estratégia do desenvolvimento no mundo e menciona que Fernando Henrique Cardoso “foi um dos expoentes da teoria da dependência até os anos 80” e que o seu governo “implantou a doutrina neoliberal no Brasil.”

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culação dos movimentos sociais monitoradas pelas forças repressivas do governo militar.

Na América Latina, esta reorganização mundial do capital come-çou a desdobrar-se como efeito dominó, cuja imagem significativa que resta é a dívida externa em que muitos países do continente estão atrelados. A promessa do progresso desenvolvimentista ainda está sendo paga, desde a década de 1980, com altos custos sociais visíveis, principalmente, na educação e saúde públicas. Os programas emergenciais como o Bolsa-Escola7 adotado pelo governo em 1994 e ainda em pleno vigor expressam o fracasso desta política e denunciam a dura realidade de um país injusto e desigual.

Foi neste complexo cenário político e econômico internacional que a Amazônia recebe a “chegada deste estranho”, nada cerimonioso e incoteste portador de soluções para modernizar e desenvolver a região economicamente periférica, pouco habitada e rica em recursos naturais (MARTINS, 1993).

MODERNIDADE E A MEDIAÇÃO DO INACABADO

Para a compreensão da sociedade midiatizada priorizamos a perspectiva dos estudos culturais para que a análise e compreensão da produção e circulação de conteúdos midiáticos considerasse o cinema de Cowell como prática social. Também porque a natureza interdisciplinar e contestatória dos estudos culturais nos aproxima da temática das questões ambientais, pois ambos guardam a experiência do compromisso cívico e político dos anos de 1970 (BRANDIST, 2010; BAPTISTA, 2009) evidentes nas ações de ativistas ambientais retratados por Cowell.

A mídia sozinha não é responsável por esta visão alienante e fragmentada do mundo e nem mesmo tem o poder de tal determi-nação como teorizaram os frankfurtianos, argumentam os teóricos

7 Este programa social tem como missão, quebrar o círculo vicioso da pobreza por meio da educação. Tem o objetivo de combater a pobreza estrutural e promover a inclusão social. É uma medida de transferência de renda que incentiva a permanência de alunos na escola. O programa Nacional do Bolsa Escola foi criado em 2001, pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995–2003). Disponível em: <www.mec.gov.br/bolsasescola/estrut/serv/programa/default.asp>. Acesso em: 15 abr. 2011.

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da cultura e da mídia como Edgar Morin, Stuart Hall, Robert Stam, e Jesus Martin-Barbero. Segundo estes, a recepção destas mensagens não é mediada apenas pelo seu conteúdo, mas sim, em interação com os gostos e vontades (do sujeito), aos aspectos sociais, políticos, etc.

Morin (2003) salienta que esta recepção guarda uma relação marcada pela complexidade e simplificá-la é subjugar o espectador, porque os meios são apenas mais uma ferramenta que interage com as subjetividades que interpretam os signos veiculados pela mídia. Para compreender esta relação, afirma o autor, devemos diferenciar comunicação, informação, conhecimento e compreensão; porque a informação pode gerar perda do conhecimento e o conhecimento pode levar à perda da sabedoria.

A comunicação depende do meio, mas a compreensão só pode se efetivar na relação subjetiva com o outro e “não é essencialmente um problema de meios, mas de fins” defende Morin (2003, p.8). Para que possamos guardar um papel determinante para a comu-nicação no mundo contemporâneo, assevera o autor, é preciso entendê-la em conexão com outros fenômenos socioculturais e políticos para que esta compreensão seja efetivada. No debate teórico do papel social exercido pelos veículos de comunicação de massa como mediadores culturais, as pesquisas neste campo resgatam o conceito de sociedade civil e hegemonia de Gramsci – considerados essenciais para a compreensão da complexidade que permeia a produção e circulação de informações no mundo atual. Nesse processo, a mídia parece ser uma ferramenta importante na representação do “teatro do consentimento”8. Semerato (1999) ao refletir sobre a cultura e educação para a democracia, indica a importância de Gramsci.

Para Gramsci que teorizou o intelectual orgânico como interven-tor e mediador social, a ação social deve operar concomitante com a tomada de consciência de classe e a percepção totalizadora do mundo. Pois a consciência política é também fruto de uma elaboração cultural que legitima tanto as esferas institucionais da sociedade civil quanto à esfera do privado.

8 Para Stuart Hall (2003, p.174–175) que debruça sobre o ensaio “Aparelhos ideológicos de Estado” de Althusser, o “teatro do consentimento” é a forma como a ideologia é reproduzida nas chamadas instituições privadas da sociedade civil.

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Salienta Bobbio (1982) que o despertar desta consciência política no pensamento gramsciniano considera a compreensão da sociedade civil como “um lugar singular”, pois inverte o modo escolástico tra-dicional de interpretar o pensamento de Marx e Engels.

Segundo o autor, é preciso sublinhar duas inversões fundamentais que operam no esboço conceitual de Gramsci: a primeira é o privilégio concedido à superestrutura com relação à estrutura e a segunda, o privilégio atribuído por Gramsci ao momento ideológico com relação ao institucional. Isto é, o conceito de sociedade civil de Gramsci é inspirado no conceito superestrutural hegeliano, porque “Gramsci deriva sua tese da sociedade civil como parte da superestrutura (e não da estrutura)” enquanto “Marx se valera da sociedade civil de Hegel [...] quando identificara a sociedade civil com o conjunto das relações econômicas. Isto é, com o momento estrutural.” (BOBBIO, 1982, p.32–36).

O conceito de sociedade civil gramsciniano é fundamental para a compreensão das complexas articulações sociais modernas porque ao privilegiar o momento ideológico com relação ao institucional, a sociedade civil é o lócus onde as classes sociais lutam para exercer a hegemonia política e cultural sobre a sociedade como um todo. Para Gramsci, as contraditoriedades da modernidade são manifestações inerentes do sistema capitalista e são elas que oferecem as ferramentas para que as circunstâncias contra-hegemônicas sejam operadas no seio da sociedade para revelar a ideologia da classe dominante.

No entanto, quem introduz a mídia como importante ferramenta de disseminação e manutenção da hegemonia dominante no cenário da comunicação é Louis Althuser. Ele reinterpreta o conceito de sociedade civil de Gramsci e a relação social mediada na construção do espaço público. Matterlart (2009) considera estas releituras de Althusser9 como textos fundadores do marxismo que repercutiram profundamente na teoria crítica da comunicação na França e outros países.

A onipresença dos meios de comunicação no mundo contem-porâneo e a importância destes mediadores culturais, portadores e

9 Ler o Capital, publicado em Paris em 1965 e o artigo “Aparelhos Ideológicos do Estado”, publicado em 1970 na revista Le Pensée.

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disseminadores de valores e sentidos que permeiam a nossa sociedade é um dos temas principais que colocou em evidência o grupo de pes-quisadores britânicos do Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de Birmingham (CCCS), reconhecidos como Estudos Culturais da Escola de Birmingham.

Para a compreensão da importância da Comunicação Social no mundo contemporâneo, a contribuição de Gramsci é significativa para os Estudos Culturais porque este autor marxista considera que “um grupo social tem sua concepção de mundo implícita em sua prática social e manifestada na sua linguagem.” (BRANDIST, 2010, p.194). Esta é uma visão convergente com a produção teórica dos Estudos Culturais que debruça sobre as mediações culturais operadas pelos veículos de comunicação de massa, analisando tanto a produção quanto a recepção destes conteúdos midiáticos sob um determinando contexto histórico.

Observa Stam (2009, p.157) que “Embora Althusser tenha sido a referência fundamental para a screen-theory10, Gramsci [...] foi a referência fundamental par a o que viria a ser conhecido como os estudos culturais.” Stam (2009, p.250) ratifica Brandist ao defender que, aos estudos culturais interessa, mais do que a “especificidade da mídia” ou a “linguagem cinematográfica”, como se dá a “[...] disse-minação da cultura por meio de um amplo e contínuo discursivo, no qual os textos estão inseridos em uma matrix social e produzem conseqüências sobre o mundo.”

A teoria da recepção elaborada por Stuart Hall (2003), que dirigiu o centro em Birmingham de 1968 a 1979, é contundente ao refutar a teoria da recepção linear funcionalista emissor-mensagem-receptor11, processo no qual os veículos de comunicação exercem o neutro papel de integração social. Hall (2003) defende que a comunicação opera de forma unilinear e não existe um modelo que possa ser decifrada por uma lógica determinista global, pois a mensagem é uma estru-

10 Stam (2009, p.251) explica que o termo screen-theory significa, literalmente “teoria da tela” e não pode ser aplicado para as práticas teóricas dos estudos culturais porque enfatiza um meio particular, como o cinema, e não o “espectro mais amplo das práticas culturais.” 11 O alvo de Stuart Hall é o Centre for Mass Communicatios Research na Universidade de Leicester, considerado por ele um centro tradicional que utilizava os tradicionais modelos empíricos positivistas de análise de conteúdo, a pesquisa de recepção de audiência e etc.

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tura complexa de significados que pode ser decodificado ou não pelo sujeito-receptor; para Hall o sentido não é fixo, é multirreferencial e obedece a uma estrutura hierárquica.

Na América Latina, os estudos culturais no campo da comunica-ção manifestam-se nos trabalhos teóricos de Jesús Martín-Barbero, Nestor Garcia Canclini e Renato Ortiz. Para os autores latino--americanos, as singularidades dos países pertencentes à modernidade tardia devem ser priorizadas na compreensão das mediações cultu-rais operadas pelos veículos de comunicação de massa. É no texto de Martín-Barbero (2004) que podemos observar o que parece ser essencial para os Estudos Culturais quanto às reproduções ideológicas mediadas pela comunicação. Segundo ele, a linguagem da burguesia é imposta tal como a linguagem dos meios que controla a propriedade e o monopólio econômico dos meios. Este domínio territorial que exclui a diversidade e prioriza o mercado impõe padrões que anulam a existência daquele que não está sob o foco das luzes midiáticas. Por exemplo, o que não é noticiado pelo programa campeão de audiência do seu gênero, como o Jornal Nacional, passa a ser um fato duvidoso.

O acreano e o rondoniense, situados ao norte no extremo oeste do País, são eles espectadores de conteúdos produzidos e transmitidos pelos grandes centros do Sul – Sudeste do Brasil. Esta relação passiva com os veículos de comunicação pode contribuir, inclusive, para que estes adotem valores culturais de outros e passem a negar suas próprias raízes e suas identidades regionais; nessa relação padronizada de inte-grar e experienciar no cotidiano social os veículos de comunicação, parece imperar a reiteração perversa da invisibilidade do Outro.

A OBRA DE ADRIAN COWELL

O documentarista Adrian Cowell (1934 – 2011) é reconhecido mundialmente pela sua longa produção na Amazônia. São 50 anos de filmagens na região que resultaram em séries importantes como The Decade of Destruction (A Década da Destruição), versão 1984 e 1990 e The Last of Hiding Tribes (Os últimos Isolados), produzido para a Channel 4 inglesa de 1996 a 1999. Duas sérias que retratam o avanço das migrações na Amazônia Legal incentivadas pelos planos governamentais financiados pelos bancos multilaterais.

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As primeiras imagens de Cowell do Brasil foram feitas no final da década de 1950 e veiculadas neste período na televisão britânica BBC (British Broadcasting Channel). A convite dos irmãos Villas-Boas, Cowell filmou de 1967 a 1969 a expedição para contatar a tribo de índios Panará. Deste período foram produzidos The Tribes that Hides From Man (A Tribo que se Esconde do Homem) e Kingdom in the Jungle (O Reinando da Floresta).

Cowell segue o exemplo de grandes documentaristas britânicos engajados em causas sociais e opta por divulgar os seus filmes em mídia de grande alcance de público: a televisão pública educativa BBC. Esta estratégia de comunicação com o grande público aliada à credibilidade deste canal projetou Cowell mundialmente – prin-cipalmente nos EUA e Europa –, e o cineasta foi referência junto aos movimentos sociais ligados aos conflitos socioambientais na Amazônia até a Eco 92.

Cowell nasceu na China e também se interessou em registrar os conflitos sociais na Ásia. De 1964 a 1965 produziu na Birmânia (atual Myanma) as séries Rebels (Rebeldes), The Light ofAsia (A Luz da Ásia) e The Opium (O Ópio); Em 1972 volta para Birmânia para documentar The Opium Warlords (Os Guerreiros do Ópio) sobre os guerrilheiros que combatiam o controle do tráfico do ópio no Extremo Oriente. Em 1975 filmou na Tailândia The Masked Dance (A Dança das Máscaras), sobre o primeiro ministro deste país.

PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE FÍLMICA

Para a execução da análise dos sentidos nas obras de Cowell, recorremos aos conceitos fundamentais da linguagem fílmica, aos conceitos-chaves como dialogismo e polifonia de Mikhail Bakhtin e a adoção de textos fundamentais do sociólogo José de Souza Martins para contextualização a articulação das temáticas constantes na repre-sentação fílmica de Adrian Cowell.

A sistematização dos procedimentos iniciais para a seleção de filmes para análise é um passo importante e, nesta etapa, destacamos os cuidados necessários para efetuar as transcrições dos conteúdos fílmicos como ferramentas indispensáveis para o acesso às narrativas fílmicas e a manifestação de seus sentidos. As análises dos cinco

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títulos selecionados estão articuladas nos capítulos finais da tese, considerando-se as possíveis temáticas latentes em cada obra e para melhor articular as metodologias adotadas.

Deste modo, justificamos como os títulos selecionados foram agrupados em três temáticas fundamentais para a análise, a saber: os conflitos sociais que abarcam a questão indígena e a condição do migrante pobre; os movimentos sociais e a defesa do meio ambiente e, por fim, a permanência da mentalidade desenvolvimentista no seio do imaginário social.

Outro aspecto importante da metodologia adotada para a análise e que mereceu destaque neste capítulo são as abordagens referentes ao uso da linguagem cinematográfica nos filmes de Cowell. Nos cinco títulos selecionados da filmografia, priorizou-se a montagem e edição como ferramentas fundamentais que possibilitaram o diálogo com os conceitos de polifonia e dialogismo de Bakhtin.

A primeira temática, que agrupa os filmes Na Trilha dos Uru Eu WauWau (1990) e o Destino dos Uru Eu WauWau (1999), demarca o tempo e o espaço das fronteiras “o encontro com a alteridade” – um traço marcante nestes dois filmes. Esta análise explorou a habilidade do diretor em alternar, no decorrer da narrativa fílmica, a construção imagética que ora nos aproxima dos índios, ora nos aproxima dos migrantes brancos.

Para interpretar as representações das alternâncias do olhar, os textos de José de Souza Martins foram essenciais para a abordagem sociológica que Cowell retrata em seus documentários. Esta etapa permitiu explorar a linguagem cinematográfica que registra o coti-diano do indígena e do migrante pobre para a representação da invisibilidade destes atores sociais diante do Estado (e do brasileiro) que ignora esta realidade.

Se os índios e os migrantes são os protagonistas na primeira parte da análise, a segunda explora a produção de significados nos filmes Chico Mendes – Eu Quero Viver (1989) e Cinzas da Floresta (1990) e enfatiza os movimentos sociais que defendem as causas ambientais e o confronto destes com o capital internacional configurada na imagem do Banco Mundial.

As relações existentes entre as práticas governamentais na década de 1980, a entrada do capital internacional na Amazônia e a ideologia

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desenvolvimentista assumem papéis centrais na análise dos significa-dos. Os conceitos teóricos que abordam as políticas econômicas neste período da história da ocupação da Amazônia foram determinantes para avaliar conceitos como desenvolvimento sustentável e justiça social.

A última parte da análise se debruça sobre o título Batida na Floresta (2005) que exibe uma realidade regional que já não é mais “fronteiriça” (MARTINS, 2009) porque já não apresenta as oposições que demarcam os filmes anteriores, como por exemplo, o confronto entre o índio e o branco. O documentário narra as ações circunstan-ciadas do chefe do IBAMA de Ji-Paraná/RO, Walmir de Jesus que fiscaliza a derrubada ilegal de madeiras de áreas de reserva. Dentre os títulos selecionados, este é o mais recente e foi possível explorar no exercício da análise, como os traços violentos do passado estão ainda presentes na sociabilidade cotidiana de uma pequena cidade no interior do estado de Rondônia.

A OBRA FÍLMICA DE ADRIAN COWELL E AS POSSIBI-LIDADES PARA UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA

Para sistematizar as possíveis manifestações de sentido recorremos aos cinco títulos selecionados para articular as possíveis contribuições das representações fílmicas de Cowell sobre os conflitos socioambien-tais na Amazônia Ocidental para a construção de um saber ambiental. São, portanto, consideradas a importância dos conteúdos fílmicos de Cowell para o âmbito da temática ambiental e a sua relação com as propostas da Educação Ambiental crítica.

Ao refletir sobre a prática social do cinema, Turner (1997) e Burke (2004) têm como referencial o cinema de ficção porque é a partir deste gênero que podemos definir e compreender o que é o cinema de não ficção. Nichols (2008) parece defender esta ideia quando também argumenta que não existem barreiras conceituais para a análise de documentários porque, ficção ou não ficção, ambos os gêneros podem ser considerados filmes de representação do mundo em que vivemos.

Isto é, segundo Nichols (2005), os filmes de ficção tornam visí-veis e audíveis os nossos desejos e sonhos, nossos pesadelos, terrores ou frutos de imaginação. Tudo aquilo que a realidade possa vir a

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ser podemos aceitar ou rejeitar essa verdade representada, a idéia e pontos de vista projetados no écran. Por outro lado, os de não ficção representam um mundo que já compartilhamos com outros e expressa a nossa compreensão sobre o que a realidade foi, é e o que poderá vir a ser.

Sublinha Nichols (2005) que estes filmes transmitem igualmente “verdades”, editadas e organizadas (montagem) pelo cineasta para proporcionar novas perspectivas do mundo onde diferentes grupos compartilham interesses divergentes – cabe ao espectador explorar e compreender estas representações compartilhadas, nas quais, questões oportunas precisam ganhar visibilidade; a fotografia tem essa compe-tência. É deste modo que o documentário se engaja no mundo pela representação, persuadindo o espectador a adotar o ponto de vista daquele que o produz. Sob esta perspectiva, os filmes documentais, herdam da fotografia, a força do testemunho, isto é, o registro de um acontecimento em tempo real.

Sob estas considerações de Nichols, os documentários de Adrian Cowell – por registrar por longa data a Amazônia –, permitiram à esta pesquisa, o acesso a um acervo imagético no qual as diferentes vozes estão registradas respeitando-se “seus tempos e seus lugares”. Isto porque, quando Cowell recorre às imagens de arquivo, são suas estas imagens reeditadas que fazem reconhecer um rosto ou uma paisagem que, outrora (num tempo nem tão distante) guardavam cores, formas e sons distinguíveis na multiplicidade (destas paisagens) e hoje, imersas na homogeneidade da paisagem contemporânea. Portanto, pela sua riqueza documental que testemunha um período importante da história de ocupação da Amazônia, traduz o olhar estrangeiro engajado e determinado de um ambientalista que quer exibir para o mundo, a realidade socioambiental de uma região de fronteira cuja expansão humana e econômica reproduz drásticas mudanças na paisagem natural da Amazônia Ocidental.

Este registro da Amazônia Ocidental por quase uma década, possi-bilitou ao Cowell, a liberdade de elaborar narrativas interdependentes, que dialogam e se completam em torno da temática ambiental. Esta comunicação entre os títulos possibilita também ao espectador, o aces-so ao conteúdo fílmico não fragmentado, mas articulado em torno de imagens reiteradas que privilegiam, a cada inserção, uma perspectiva

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social, econômica ou política, considerando-se as diferentes esferas que permeiam a degradação do meio ambiente amazônico.

É com estas reiterações de “signos ideológicos” que as represen-tações de conflitos socioambientais nos documentários de Cowell permitem ao espectador questionar e experienciar – por meio de imagens testemunhais  – a mentalidade e os projetos econômicos desenvolvimentistas em vigor contextualizados em um período específico da região amazônica.

Nesta “circunstância de fronteira onde ocorre a degradação do Outro”, como define Martins (2009), que a câmera de Cowell registra os conflitos socioambientais respeitando o seu “referencial” (MACHADO, 1984) para conhecê-lo e apreender as diferentes temporalidades em conflito para dar visibilidade aos atores sociais excluídos de seu lugar para a execução de projetos econômicos desen-volvimentistas na Amazônia Ocidental.

A câmera de Cowell registra estas imagens-testemunhos – que exploram a história ambiental e cultural –, e parece disponibilizar uma ferramenta valiosa para a Educação Ambiental: ela aproxima atores sociais distintos sob a mediação da estética fílmica, estabelece um laço com a memória passada e abarca o gosto e o sensível no humano.

Ao mesmo tempo, as mesmas imagens abrem as feridas históricas e pendentes da nossa sociedade, como o direito fundiário (MARTINS, 1984; ACSELRAD, 1992). O seu olhar sobre a Amazônia Ocidental parece desafiar “a perspectiva central e unilocular renascentista”, pois questiona a “sua memória histórica” e o que está oculto além de seu “ponto de fuga” (MACHADO, 1984) quando representa em seus documentários, a relação homem e natureza mediada pelos conflitos sociais. Estes aspectos que podemos extrair dos filmes de Cowell pare-cem contribuir qualitativamente na construção de uma consciência ambiental convergentes com as propostas de uma educação ambiental crítica que reconhece a alteridade em busca de um consenso quanto aos riscos ambientais contemporâneos.

Layrargues (2006, p.04-05) propõe pensar Educação Ambiental e mudança social e busca referencial teórico na sociologia da educação e na teoria das ideologias. Sob esta perspectiva, a educação ambiental é compreendida como uma face da Educação voltada especificamente para o enfrentamento da questão ambiental e seria então, um elemen-

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to significativo do aparelho ideológico que, mediada pelas questões ambientais, pode atualizar “os movimentos ideológicos na dança entre a manutenção ou conquista do poder.”

No entanto, considerar a Educação Ambiental como um ins-trumento ideológico da reprodução social, ainda encontra pouco espaço na literatura produzida nesta área na tentativa de ultrapassar a fronteira da mudança cultural para a mudança ambiental. Para adotá--la como um instrumento ideológico de reprodução das condições sociais, a proposta de Layrargues é trazer a Educação Ambiental de volta ao terreno da política.

Carvalho (2006) ao discutir a temática ambiental e o processo educativo, comenta alguns pontos convergentes ao de Layrargues. Carvalho (2006, p.04) também valoriza a dimensão política da educação no geral e da educação ambiental e chama atenção para a compreensão da “educação um caminho para mudanças mais profundas, um motor de transformações mais radicais na sociedade como um todo.”

Portanto, para o autor, é importante questionar sobre os fins da educação: o de preparar os indivíduos para a vida social ou o de for-mar indivíduos para o exercício da cidadania. Sua proposta valoriza a dimensão política do processo educativo em geral e para os processos de educação ambiental. Carvalho (2006) agrega outras duas dimen-sões como constituintes de nossa práxis humana: a de conhecimentos e a de valores (éticos e estéticos) que são complementares e recíprocas à centralidade da dimensão política.

Leff (2008, 2006) debate de forma intensa estas propostas que nos instigam a adotar práticas pedagógicas transformadoras para dar conta da relação homem-natureza imersa na crescente complexidade da experiência contemporânea que exige novos instrumentos teóricos e metodológicos para a sua compreensão. Ele destaca, particularmente, o papel determinante reservado à sociologia do conhecimento e salien-ta que é preciso a emergência de um saber ambiental que questione esta racionalidade científica que sustenta e instrumentaliza o domínio do homem sobre a natureza. Segundo Leff, é a sociologia ambiental do conhecimento que agrega as ferramentas para análise e compreensão desta complexidade para o consenso (LAYRARGUES, 2003) que deve existir na pesquisa e na prática pedagógica em Educação Ambiental

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que valoriza a dimensão ética (comportamentais) em detrimento às questões políticas; a dimensão culturalizante ao invés do político.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existe certo consenso nos textos que versam sobre a interface Educação e Comunicação (BRAGA; CALAZANS, 2001; DUARTE, 2002; FERRÉS, 2000) de que esta ocupa um lugar especial para a compreensão da Educação no geral e, particularmente, para a Educação Ambiental, no discernimento do quanto é urgente reverter as crises ambientais na atualidade. Isto porque, a rede de comunica-ção pode ser uma ferramenta importante como mediadora de bens simbólicos que favoreçam o aprendizado de um saber ambiental que questione as práticas atuais predatórias do homem e natureza. Para situar este papel social da Comunicação como ferramenta ideológica de uma classe dominante ou como mediador cultural de bens simbó-licos, como instiga Morin (2003), devemos identificar de qual comu-nicação estamos falando. Aquela que informa, gera conhecimento e pode levar à sabedoria, para a compreensão humana, ou aquela que individualiza e degrada a nossa capacidade de incorporar o conheci-mento à vida cotidiana (abundância de informações não organizadas que gera carência de conhecimento) e dificulta o nosso compartilhar experiências com o Outro. Enfatiza Morin (2003, p.7) que, o tema da comunicação ainda é decisivo, mas não devemos superestimá-lo, porque este “só faz plenamente sentido quando é tomado em conexão com outros fenômenos socioculturais e políticos.”

Sob esta perspectiva parece-nos pertinente problematizar o papel, significados e potencial da produção fílmica, em especial os docu-mentários no processo de construção e desenvolvimento de propostas de comunicação e educação nos quais, em “conexão com outros fenômenos socioculturais e políticos” sejam caminhos de construção de um saber ambiental e contribuam efetivamente à construção de conhecimento que produzam sabedoria.

Eleger como objeto de pesquisa os documentários de Adrian Cowell e debruçar sobre a interface Comunicação e Educação Ambiental não foi uma tarefa fácil. Primeiro, porque nesta pesquisa não optamos por meios que facilitam a aprendizagem, mas sim,

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por meios como mediadores de significados que interagem com o contexto social do qual fazem parte, aqueles que possam contribuir para a aprendizagem (BRAGA; CALAZANS, 2001). Segundo, pelo próprio caráter interdisciplinar que permeia a temática ambiental que exige a busca de conhecimentos de diferentes áreas do saber e porque a própria natureza da comunicação já dialoga com a interdisciplina-ridade (MORIN, 2003).

Portanto, considerar a interface Comunicação e Educação Ambiental, permeada pelos conflitos socioambientais, vai ao encontro do complexo e do inacabado – um trajeto que exigiu uma atenção redobrada e muita cautela porque guarda muitas armadilhas para os mais desatentos. Ao optar por esta temática, foi necessário assumir uma postura flexível para a seleção de um possível referencial teórico (pela sua natureza interdisciplinar) e, ao mesmo tempo, rigorosa na aplicação destes referenciais para a abordagem e análise que envolve Cinema e Educação Ambiental.

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A TRAJETÓRIA DE UMA TESE APÓS A DEFESA: DA TEORIZAÇÃO À

REALIDADE LOCAL1

Lucia Rejane Gomes da SILVA

INTRODUÇÃO

A implementação da orientação sexual nas escolas se constitui em uma política de avanço da cidadania e, ao mesmo tempo, em um desafio que se apresenta às escolas que pretendem trilhar caminhos mais democráticos, eficazes e responsivos às necessi-dades do século XXI. Entretanto, as propostas governamentais formuladas pelo Ministério da Educação a respeito da adoção da orientação sexual não conseguem ultrapassar a sua concepção voltada à redução da morbi-mortalidade determinada pela gra-videz na adolescência e pelas doenças sexualmente transmissíveis (DST), que causam elevado custo de recursos da saúde e de vidas na adolescência.

O objetivo deste artigo é aprofundar a discussão sobre a orien-tação sexual como conteúdo escolar, abordando suas formulações mais básicas e, por isso mesmo, principais. A discussão sobre esse componente da política educacional, a partir da trajetória de uma teorização recente, é o que se pretende com a sua divulgação.

Dois autores se destacam nas teorizações sobre a sexualidade humana, Michel Foucault e Sigmund Freud. O primeiro, francês e filósofo, viveu e morreu no século XX, sendo uma das primeiras

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vítimas da Aids – Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida. O segundo, austríaco e médico psiquiatra, nasceu no século XIX e morreu no XX, um pouco antes da Segunda Grande Guerra.

Foucault destaca que o discurso sobre sexo na nossa sociedade não é sobre algo “[...] que se deve simplesmente condenar ou tole-rar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas, mas administra-se.” (FOUCAULT, 1988, p.30-31). Por meio da discussão sobre sexo, na nossa sociedade, discute-se a taxa de natalidade, a idade adequada para o casamento, a precocidade e a frequência das relações sexuais, a maneira de torná-las fecundas ou estéreis, etc.

A hipótese que Foucault construiu acerca da sexualidade humana é que esta não deve ser concebida como um simples dado da natureza, o qual o poder tenta incessantemente reprimir e regular. A sexualidade deve ser encarada como produto do encadeamento da estimulação dos corpos, da intensificação dos prazeres, da incitação ao discurso, da formação dos conhecimentos, do reforço dos controles e, conse-quentemente, das resistências. As sexualidades são, assim, social e historicamente construídas.

O outro autor em que se deve buscar os fundamentos da sexuali-dade humana, Sigmund Freud, foi o criador da psicanálise e da teoria da sexualidade infantil, de uma sexualidade propriamente humana e não apenas instintiva e biológica, distinguindo o ser humano dos outros animais.

Ao atribuir a gênese da sexualidade à mais tenra infância, e não apenas a ser “desperta” na puberdade, Freud (1996) desmitifica e desestrutura, no começo do século XX, em 1905, todas as concepções vigentes até então sobre o instinto sexual. Para ele, a sexualidade nasce com o indivíduo e algumas formas de interdições às manifestações sexuais infantis podem resultar em problemas de diversas ordens na vida adulta. Apesar disso, a ideologia que acompanhou a divulgação dos seus estudos recusou a sua veracidade, e segundo Souza (1997), destacou-se no seu ataque ao campo educacional. Na educação, de um modo geral, persistiu até nossos dias, com base nas ideias de Rousseau, as teses de uma improvável inocência infantil, a qual não deve ser conspurcada pelos adultos.

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A trajetória de uma tese após a defesa: da teorização à realidade local

É nos anos 70 do século passado que tem início todo um dis-curso pró-sexual, no Brasil e no mundo, surgindo a partir daí a necessidade cada vez maior de se discutir e estudar as teorizações a respeito da sexualidade, para com isso passar a entender o que efetivamente se passa na nossa sociedade e repercute em nossas vidas individuais. As décadas posteriores foram marcadas pelo movimento de libertação da mulher, e pouco a pouco chegou-se a constituição do atual movimento GLBTT – de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e transgêneros, no qual o primeiro é hege-mônico social, econômica e politicamente (KULICK, 2008) – e de expressão das minorias sociais, de gênero, étnicas e geracionais ao lado das de classe, as quais lutam por conquistas de espaço, empoderamento e participação na vida nacional (AFFONSO; RIBEIRO, 2006).

Em meados da década de 80 do século passado, entretanto, houve um abalo excepcional e, em certa medida, uma interrupção na ascensão dessa situação, devido ao advento da Aids (BRASIL, 2000). Passa-se do ideal do “sexo livre” à necessidade de adoção de precauções do “sexo seguro” (BASTOS, 1999) e essa nova abordagem exige que a sexualidade ocupe espaços antes proibidos e censurados, como a mídia oficial e a escola.

De acordo com Mendonça Filho (1999, p.111),

[...] esta nova demanda vai de encontro a uma escola que, raras exceções, permanecia na crença do corpo dessexuado, e que não havia ainda sido capaz de assimilar sequer a ideia da sexualidade infantil. Assim [...] às vezes de modo informal nas escolas pú-blicas, outras de modo regular em algumas escolas privadas da elite, o dizer sobre o sexo começa a freqüentar a sala de aula. De maneira por vezes tímida o/a professor/a via-se “condenado/a” a falar em público do que até bem pouco tempo não poderia passar de um sussurro na alcova.

A história da educação sexual no Brasil tem sido marcada por avanços e recuos desde a colonização (RIBEIRO, 2004), nem sempre em consonância com o que acontece no mundo ocidental mais desen-volvido social e economicamente. País de contrastes e desigualdades,

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também nessa área mantém posturas ambivalentes (RIBEIRO, 1990) e nele convivem a lascívia e a intolerância.

Ao mesmo tempo, veem-se as maiores expressões de permissivi-dade sexual – como a exposição dos corpos nus de “celebridades” nos desfiles das escolas de samba, a tolerância que leva à impunidade pelos crimes de abuso sexual de crianças e pedofilia – ao lado da misogi-nia, homofobia, repressão e violência sexuais cotidianas (BRASIL, 2007; KUBRIK, 2008). E nessa discussão é preciso entender que a erotização e a sensualidade não é o problema (RIBEIRO, 1990), mas sim o desrespeito ao ser humano, sua transformação em objeto de consumo e mercadoria (BAUMAN, 1998), além da desvalorização das relações humanas.

Por mais que os setores sociais mais conservadores não queiram, não há como negar que a sexualidade humana tem grande impor-tância no desenvolvimento e na vida psíquica de todas as pessoas. Além da potencialidade reprodutiva biológica, está relacionada com a busca e a realização do prazer, necessidade fundamental do ser humano, inclusive para aprender e descobrir, que se manifesta desde antes do nascimento e que persiste até a morte, e que é construída ao longo de cada etapa do desenvolvimento da vida humana (BRASIL, 1998). Por isso, a inserção da orientação sexual no currículo escolar, como conteúdo de ensino, é uma necessidade a ser cumprida pelos sistemas de ensino.

A armadilha de tratar a orientação sexual na escola através de pales-tras a serem ministradas por pessoal externo à escola, cujos temas são sempre a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST), principalmente a Aids, a gravidez indesejada e o abuso sexual, está sempre presente quando se pensa trabalhos desse tipo. Na verdade, o que pretendo é a implantação de ações programáticas continuadas com limites e possibilidades de uma práxis pedagógica (VIEIRA; PAIVA; SHERLICK, 2001). Considero que “[...] a orientação sexual, ao fomentar maior consciência de si e do outro e reconhecer como lícito o direito ao prazer, propicia às crianças e jovens melhores condições de buscar sua própria felicidade e exercer a cidadania de forma mais qualificada.” (SAYÃO, 1997, p. 117).

A orientação sexual na escola precisa ser vista como um processo de intervenção pedagógica que objetiva transmitir informações, mas

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também problematizar questões como as de gênero e da sexualidade, tais como preconceitos, crenças, valores e tabus (BRASIL, 1998), nas dimensões sociológica, psicológica e fisiológica. Se a proposta contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) não se con-cretizou, inclusive de transversalidade, ainda é (e sempre será) tempo de se correr atrás do sonho de possibilitar às pessoas em formação um diálogo aberto sobre a sexualidade e responder às suas dúvidas a respeito do assunto.

Para Kupermann (1999, p.90-91),

[...] a orientação sexual tem obviamente a função de romper o véu de hipocrisia e de silêncio imposto culturalmente às questões vin-culadas à sexualidade. Seu objetivo maior, no entanto, é favorecer o desenvolvimento pleno do potencial humano dos alunos do ensino fundamental, impedindo que a culpa referente às emoções provocadas pela sua sexualidade transforme-se em desconfiança do próximo e medo da vida, inibindo consequentemente sua curiosidade, sua iniciativa e sua ousadia transformadora. A orientação sexual não está, assim, restrita ao que seria a “vida sexual” (difícil aliás, como vimos, estabelecer os limites dessa abrangência) de cada um, mas referida à própria construção da cidadania, ou seja, ao desenvolvimento e aquisição da capacidade plena do exercício do amor e do trabalho criativo.

Já passa da hora de os professores reconhecerem como legítimas e lícitas, por parte das crianças e jovens, a busca do prazer e as curiosi-dades manifestadas acerca da sexualidade, uma vez que fazem parte do seu processo de desenvolvimento.

A TRAJETÓRIA DE UMA TESE SOBRE A POLÍTICA DE INSERÇÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Após as emoções desencadeadas pela defesa da tese sobre sexua-lidade e orientação sexual na formação de professores, em agosto de 2010, passou-se ao momento pós-tese, marcado pelas atribulações próprias do retorno ao ambiente de trabalho e pelas demandas geradas

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pela comunidade local com relação à divulgação dos resultados da pesquisa realizada no doutorado.

Emoção fundamental e inesquecível foi ficar frente a frente aos tão ilustres membros da banca composta para a avaliação da tese, profes-soras: Ana Lúcia Escobar, colega do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), com quem trabalho há mais de 20 anos; Ana Cláudia Bortolozzi Maia, da UNESP de Bauru, especialista do campo da educação sexual; Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, pesquisadora social renomada; João Augusto Gentilini, meu querido professor de Araraquara; e a minha orientadora, a quem tanto devo, a professora Ângela Viana Machado Fernandes.

As comemorações no Carmo, a “Vila Madalena de Araraquara”, foram pela noite a dentro, junto com colegas e parentes. Retornando a Porto Velho, logo após fazer as correções indicadas pela banca e preparar os exemplares em capa dura, me agendei para visitar as duas outras instituições de ensino, além da UNIR, que foram o lócus do estudo (FARO e UNIRON), nas quais entreguei um exemplar da tese para o acervo das suas respectivas bibliotecas e prestei meus agradecimentos, pessoalmente e por escrito, às coordenações dos cursos de pedagogia. Na UNIR, entreguei exemplares na Biblioteca Central. A alegria de me encontrar, a partir desse momento, em um novo patamar de titulação, e, ao mesmo tempo, nos sentirmos iguais como dantes, porém enriquecidos, é uma sensação muito boa.

Após essas primeiras ações, passei à elaboração de três artigos a partir da tese. Um abordando o que foi feito na tese, a metodologia, e os resultados da pesquisa. Um segundo, sobre a parte mais teórica da tese, tratando das concepções de Foucault, Freud e autores atuais sobre sexualidade e orientação sexual, incluindo uma análise sobre as políticas educacionais; e um terceiro, com a parte que trato das origens da orientação sexual como tema escolar e de como ele é desenvolvido hoje em Portugal, fazendo um paralelo com o que acontece no Brasil, algo que tive a oportunidade de fazer durante a elaboração da tese.

Com o primeiro material quase pronto, inscrevi o resumo em um encontro de pós-graduação em educação local, o I Encontro de Pós-Graduação em Educação – Semana Educa 2010 – e tive a opor-tunidade de apresentá-lo como comunicação oral ainda no segundo semestre de 2010, no mês de novembro. No dia da apresentação oral,

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notei que apenas eu e os outros autores que também apresentariam seus trabalhos naquele local estavam presentes. Ou seja, falaríamos uns para os outros, e concluí que esse não seria o meio de melhor divulgar à população os resultados da pesquisa.

Logo após, em janeiro de 2011, recebi uma mensagem eletrô-nica através do meu currículo Lattes, questionando se eu não tinha interesse em publicar os resultados de pesquisa ou outros trabalhos. Primeiro pensei que fosse algum golpe, desses dos quais sempre rece-bemos orientação para não cairmos, pela internet. Depois, procurei informações daqui e dali, entrei no site da editora, que é de Curitiba, vi que alguns colegas da UNIR participavam do seu conselho editorial e entendi que o convite era sério.

Formalizei contrato com a editora e o livro foi publicado em abril de 2011, com todo o conteúdo da tese, exceto os resumos em português e nos dois outros idiomas, e a página da composição da banca. O prefácio coube à minha orientadora, melhor pessoa a poder apresentar essa produção, pois foi a primeira leitora do texto e participou da sua construção enquanto produção de pesquisa. Dos quatro capítulos, destaco o último, com as categorias que identifiquei como resultados da análise de conteúdo que procedi como método de tratamento dos dados coletados com coordenadoras, professores e alunas de cursos de pedagogia de Porto Velho: a sexualidade negada, a sexualidade proclamada e a sexualidade idealizada.

Vamos a essas três categorias (SILVA, 2010), ao que elas querem dizer, de uma forma resumida. A sexualidade negada é aquela que pretende que a sexualidade esteja ausente ou não apareça nas relações sociais, no cotidiano das escolas, em sala de aula e na formação dos professores. A sexualidade proclamada designa o que é tratado sobre sexualidade e orientação sexual nos cursos de pedagogia pesquisados, segundo o que é proclamado pelos respondentes, que se preten-dem ocupando uma posição emancipatória, ao mesmo tempo que mantém os seus traços conservadores, é a expressão da contradição imanente à realidade. Já a sexualidade idealizada recusa a realidade do ensino sobre sexualidade e orientação sexual existente, com suas contradições, conflitos e problemas, em favor de um ideal de ensino destes conteúdos que não ocorre nos cursos de formação inicial de professores pesquisados.

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Em 2011, também fui convidada e fiz uma aula dialogada com for-mandos do Curso de Pedagogia da UNIR sobre o assunto. Participar mais da formação de professores para atender a essa necessidade de implantação de conteúdos de orientação sexual nas escolas é algo que gostaria de fazer, mas de improvável concretização por ser de outro Departamento que não o de Educação, responsável pelo curso de pedagogia onde trabalho. Fico, então, à mercê dos convites dos colegas para socializar o conhecimento acumulado e reelaborá-lo no ato de ensinar-aprender.

Acredito, mais do que nunca, que é preciso que tais ações de discussão sobre a implantação da orientação sexual partam da própria escola e dos sistemas de ensino e por eles sejam realizadas e desenvolvidas. À escola e aos professores, em particular, cabem adquirir a competência necessária para tal e para isso estamos tra-balhando. Resta à UNIR se inserir nesse processo, utilizando para isso os quadros qualificados que acabou de formar, com ônus para toda a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se que ações intersetoriais podem contribuir para a implantação da orientação sexual nas escolas, e que estas não são recentes. Resta, entretanto, avaliar na realidade escolar brasileira os resultados dessas intervenções e contribuir nos processos de sua intervenção.

Com a tese, restou para mim evidente que a maior dificuldade das políticas reside na sua implementação, no cumprimento das suas proposições e não na sua formulação, como apontam as análises no que respeita à sexualidade e à política de orientação sexual nas escolas. A implementação da orientação sexual nas escolas, que se constitui em uma política de real avanço da cidadania, principalmente devido aos seus conteúdos relativos ao respeito à diversidade e aos direitos humanos, é o desafio que se apresenta às escolas que pretendem trilhar caminhos mais democráticos, eficazes e responsivos às necessidades deste século XXI.

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EM TEMPO: A QUESTÃO DO TEMPO NA FORMAÇÃO DOCENTE

Orestes ZIVIERI NETO

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...

Quando se vê, já é 6ª feira...Quando se vê, passaram 60 anos...

Agora, é tarde demais para ser reprovado...E se me dessem – um dia  – outra oportunidade,

eu nem olhava o relógioseguia sempre, sempre em frente...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horasMário Quintana (2005, p.479)

Poesia: “Seiscentos e sessenta e seis”

Este texto é um fragmento da tese de doutoramento intitulada “Tempo e saberes: a constituição do professor experiente em mate-mática”, que teve como objeto de investigação o tempo e os saberes docentes na tentativa de compreender a constituição do professor experiente em Matemática e, para efeito desse artigo, tomará a dis-cussão do tempo como foco, numa tentativa de, em sua abordagem teórica, promover uma reflexão do tempo físico espacializado e o tempo real em nossa vida diária, bem como o seu papel em nosso processo de formação.

Nossa investigação foi desenvolvida no período de 2007 a 2008 em três escolas públicas estaduais do município de Rolim de Moura/RO e contou com quatro professores colaboradores, com o tempo

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Orestes Zivieri Neto

de serviço respectivamente diferenciado. A pesquisa, em seu todo, objetivava levantar os saberes/conhecimentos referentes ao processo de gestão do conteúdo e de gestão de sala de aula no processo de ensino--aprendizagem de professores de Matemática, conduzindo-nos para algumas situações a serem pensadas, como por exemplo: o papel do tempo na determinação das mutações dos saberes da experiência dos professores e o consequente nível de consciência que se obtém dessa articulação teórico-prática; a compreensão inerente às fases da carreira, o processo de estabilização com a identidade profissional e o processo de acumulação e maturidade adquirida pelo professor, tornando-o um bom profissional em sua prática; e, enfim, a possibilidade de caracterizar o professor experiente a partir de suas fases de carreira.

O estudo apresentava os seguintes questionamentos: Qual a rela-ção entre o tempo e os saberes da experiência (práticos) na carreira docente que indiquem seu desenvolvimento profissional? Há ao longo da carreira docente consciência das mutações que vão ocorrendo em seu saber ser e saber fazer? Caso haja, há diferença em relação ao tipo de saberes/conhecimentos que, ao longo do tempo, se potencializam mais? Quais as características, os tipos de saberes e a possível estimativa do tempo para se constituir como “professor experiente”?

Enfatiza-se que esse recorte, em nossa tese, permitirá que repen-semos os nossos saberes profissionais e a força que o tempo exerce sobre eles, o processo de maturação da carreira em que se sobrepõe os saberes da experiência e a constituição do professor experiente consagrado pela carreira docente, aqui neste texto não mais exclusi-vamente de Matemática, mas com o objetivo adicional de refletirmos sobre o tempo como ingrediente fundamental de nossas formações e profissionalização docente.

Assim, em nosso dia a dia, somos regidos por um tempo plural que marca o passado, presente e futuro de nossa circunscrição na vida; desde a mais tenra idade emergimos e imergimos em ritmos e cadências de ciclos naturais, astronômicos, em registro e contexto de épocas datadas por calendários, na ditadura das horas, minutos e segundos da construção de nossa própria história. Seu apren-dizado se dá pela inculcação em nossa consciência da disciplina imposta em nossas vidas, dificilmente desobedecidas, como trata Elias (1998, p.15):

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Em tempo: a questão do tempo na formação docente

O indivíduo não tem capacidade de forjar, por si só, o conceito de tempo. Esse, tal como a instituição social que lhe é inseparável, vai sendo assimilado pela criança à medida que ela cresce [...] ao crescer, com efeito, toda criança vai-se familiarizando com o ‘tempo’ como símbolo de uma instituição social cujo caráter coercitivo ela experimenta desde cedo.

Na perspectiva do tempo físico e espacializado muitos se escravi-zam a mercês dos relógios precisos de seus décimos, centésimos ou bilionésimos de segundos, enquanto poucos se aventuram a lidar com a atemporalidade de seu “[...] tempo psíquico, existencial, não mensurável, subjetivo e tão significativo em todas nossas experiên-cias.” (PRIPAS, 2009, p.09).

E continuando com Pripas (2009, p.09) o desafio que se impõe é:

No presente, o ser humano defronta-se com permanentes mudanças de valores, relações, tecnologia e trabalho, sem a correspondente adaptação, o que pode levar o indivíduo ao es-tresse e suas indesejáveis consequências, abalando a construção de sua identidade. Talvez, absorver as experiências pelas quais todos passamos fosse mais fácil em época de “bens duráveis” do que na atual “cultura do descartável”, cuja impermanência de valores, verdades e certezas tornam a capacidade adaptativa frágil, fragmentada e instável. A assimilação da velocidade desse tempo é um novo desafio.

Não queremos prometer uma solução para nossa pressa diária, pois em muitas situações ela integra a personalidade de forma não prejudicial. Também não podemos rejeitar a velocidade da evolução tecnológica, ou, então nos envolvermos em movimentos saudosistas, pois acreditamos em nossa capacidade adaptativa. É preciso analisar o que na verdade é o melhor tempo de e para cada um, contestando a veneração, vez ou outra, à velocidade e aligeramentos em tempos de formação.

Desse modo, precisamos compreender o tempo real e suas pro-priedades – a sucessão, a continuidade, a mudança, a memória e a criação – diferentemente do tempo físico quantitativo e ditatorial,

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colocando-nos diante da necessidade de apossarmos de nosso tem-po natural e singular, apropriando-se da formação temporal como condição de nossa evolução.

E novamente nos arremetemos a Pripas (2009, p.10), em seu exemplo com os índios do Xingu e sua colheita de piqui.

[...] em janeiro, os índios sentam-se sob aquele piquizeiro e aguardam o ruído de algo caindo, por entre galhos e folhagem, ao chão, para se lançarem sobre o fruto e quem primeiro chegar fica com o piqui. Atividade lúdica que garante comida à famí-lia. O piqui só está maduro e bom para ser consumido ao cair espontaneamente, enquanto isso não ocorre persiste a distraída espera. Sentemo-nos sob esse piquizeiro para descobrir o nosso tempo, o tempo do piqui: nem antes nem depois, o tempo certo.

Dessa forma, para atingirmos nosso escopo faremos uma incur-são em quadros teóricos que colocam o tempo físico e tempo real com suas marcas quantitativas e qualitativas respectivamente para compreendermos a formação como processo implícito à temporali-dade. Também, aproximaremos os estudos sobre os ciclos da carreira docente, numa tentativa de olhar para cada um como constituidores de formações temporais que caracterizam o profissional, sua atuação, experiência e acima de tudo sua imersão no aprendizado de seu tempo na profissão e na vida.

Esperamos, finalmente, com essa discussão, poder suscitar a discussão do tempo e da formação na carreira docente como um elemento imprescindível para que o desenvolvimento profissional ocorra, por um lado, como natural e singular, no entanto contínuo e permanente ao longo de toda a carreira docente.

O PAPEL DO TEMPO FÍSICO E DO TEMPO REAL EM NOSSO CICLO DE FORMAÇÃO DOCENTE

Como princípio de conversa, a exemplo de Zarifian (2002, p.4-5), indagaremos “para que serve funcionalmente este tempo espe-cializado”, levando em conta a grande invenção romana do relógio de areia e sua evolução até o relógio digital de pulso, que, além do

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Em tempo: a questão do tempo na formação docente

avanço tecnológico decorrente, se firmou como um artefato cultural e social da sociedade moderna, determinando a autodisciplina das horas, minutos e segundos de seus ponteiros ou, apenas de seu tempo digitalizado:

– para medir, para quantificar: introduzimos ao cálculo e à computação do tempo. Podemos doravante dizer: “foi ou será necessário tanto tempo para”;

– para regular os vastos conjuntos de interações dos quais a sociedade é composta: coordenamos processos qualitativa-mente heterogêneos por meio de seu encontro temporal, do qual a melhor ilustração é fornecida pela noção de “encontro” (“rendez–vous”): encontro entre duas pessoas ou encontro com a partida de um trem...

– para orientar a sociedade e para que nos orientemos em seu seio, permitindo a previsão. Podemos falar do que será o futuro, definindo o futuro como um deslocamento ao longo do tempo espacializado. O futuro não é outra coisa que a maneira pela qual nos projetamos mentalmente em um instante (o presente) escolhido no desenvolvimento espacial do tempo: “poderá acon-tecer tal coisa em tal dia a tal hora”. (ZARIFIAN, 2002, p.4-5).

Nessa perspectiva, para que houvesse uma base de tempo comum a todos os indivíduos e em vastas comunidades humanas, acresce--se, ao tempo espacializado do relógio, o calendário. O calendário passaria a ser, então, a materialização da computação das horas, minutos e segundos, agora em dias, semanas, meses e anos. Podemos hoje passar por décadas ou séculos passados, mensurando por horas, minutos segundos, dias, meses, anos, mas sempre com um referencial quantitativo homogêneo e neutro como base, pois nenhuma datação tomada como base terá valor maior que outra.

Entretanto o que importa não é somente o tempo espacializado, que poderá ser sempre mensurado, mas que se leve em conta os valores culturais subjacentes a cada grupo, comunidade ou povo, bem como os sentidos e valores que atribuímos aos acontecimentos e fatos que nos ocorrerem.

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Desse modo, é preciso ter a consciência do tempo-devir, como nos aponta Zarifian (2002); nele, as transformações presentes devem ser compreendidas a partir das imbricações entre o passado e o futuro no exato instante em que os fluxos de mutações acontecem.

[...] Esse tempo é qualitativo: ele fala sempre de uma transfor-mação. O presente existe nele, mas como simples tensão entre um passado já passado – porque a mutação já teve lugar – e um futuro que ainda está por vir. É no presente que nos transfor-mamos sempre, mas esse presente só tem sentido se estendido entre o passado e o futuro no fluxo das mutações. Ele está em si mesmo cindido entre o passado e o futuro. A esse tempo não sabemos hoje ligar uma medida homogênea. Podemos somente juntar–lhe avaliações. (ZARIFIAN 2002, p.5).

Outra abordagem de tempo qualitativo seria a dada por Coelho (2004), que ao adotar o pensamento bergsoniano explica-nos sobre o tempo real, em que coloca a necessidade de centrarmos nossa atenção sobre os acontecimentos e fatos a que estamos sujeitos e, assim, teríamos a revelação do tempo real através de suas propriedades fundamentais, a saber:

[...] o tempo real, “o tempo vivido ou que poderia o ser”. O tempo de Bergson não é o tempo espacial, esse “vazio” no qual os acontecimentos se sucederiam. O filósofo propõe que desviemos nosso olhar e consideremos os próprios acontecimentos, sejam eles psíquicos ou físicos. É aí que descobriremos o tempo real, cujas propriedades fundamentais são a sucessão, a continuidade, a mudança, a memória e a criação. (COELHO, 2004, p.238).

É necessário, então, contemplarmos o tempo real dos ciclos docentes como forma de compreender as mutações impostas pelo tempo, traduzidas em sucessão de vivências e/ou experiências que, armazenadas na memória, provocam conexões capazes de gerar mudanças na ação e também na criação de novas formas de atuação, dando ao desenvolvimento da carreira uma perspectiva contínua e/ou permanente de formação. Desse modo, vale a pena o destaque dado

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por Coelho (2004), que, fundamentado em Bergson, apresenta as propriedades tidas como fundamentais para o melhor discernimento sobre o tempo real, como tentativa de superação do tempo físico e espacializado.

A sucessão é a constituição da história dos acontecimentos e vivên-cias que, embora possam ocorrer simultaneamente, sucedem-se uns após os outros. Normalmente, ao pensarmos sobre tempo, recorremos à sucessão entre passado, presente e futuro.

A continuidade é, na verdade, consequência do caráter contínuo do tempo, o que provoca, na sucessão dos acontecimentos psíquicos ou físicos, que uns venham após os outros. Isso não quer dizer que será uma série numérica espacializada. A continuidade de tudo que interiorizamos ou colocamos para fora obedece a outra lógica que não a do tempo contínuo e quantificável, pois se trata de uma sucessão sem separação, que pode ser dividida e se sobrepor, sem a finalidade de comparar os seus tempos e tampouco de medi-los. Repare como Bergson (1972 apud COELHO, 2004) ilustra a discussão de sucessão e continuidade com exemplo da melodia e da estrela cadente.

Escute a melodia de olhos fechados, pensando apenas nela, não justapondo mais sobre um papel ou sobre um teclado imaginário as notas que concebeis assim uma pela outra, que aceitam então tornar simultâneas e renunciam à sua continuidade de fluidez no tempo para se congelar no espaço: encontrareis individida, indivisível, a melodia ou a porção da melodia que tiveres reco-locado na duração pura. Ora, nossa duração interior, encarada do primeiro ao último momento da vida consciente, é alguma coisa como essa melodia. Nossa atenção pode se desviar dela e conseqüentemente de sua indivisibilidade; mas, quando tenta-mos a separar, é como se passássemos bruscamente uma lâmina através de uma chama: dividimos apenas o espaço ocupado por ela. Quando assistimos a um movimento muito rápido como o de uma estrela cadente, distinguimos muito nitidamente a linha de fogo, divisível à vontade, da indivisível mobilidade que ela subentende: é esta mobilidade que é pura duração. (BERGSON, 1972, p. 102 apud COELHO, 2004, p.08).

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Desse modo, esse exemplo da melodia nos indica uma continui-dade de mudança, pois se entende que “[...] A sucessão temporal é uma mudança ou fluxo contínuo incessante, uma transformação inin-terrupta. [...]” (COELHO, 2004, p.8). Não há uma estabilidade nos acontecimentos psíquicos e físicos, pois as mudanças são constitutivas do real e, portanto, não há nenhuma essência que as pudesse alterar ou, ainda, uma identidade que seria fixa no processo de mudança. Basta, para isso, que atentemos para o fato: mesmo que disséssemos as mesmas coisas que dissemos ontem, ou resolvêssemos um mesmo problema, com as mesmas estratégias, ou que os acontecimentos se repetissem, ainda assim não seriam os mesmos, pois seria uma segunda vez na sucessão contínua e não mais a primeira. Por essa razão, não podemos afirmar que somos o mesmo, ou que o mundo não tenha se modificado, pois se estaria admitindo a possibilidade de os momentos serem colocados como idênticos.

Outra propriedade fundamental do tempo real seria a memória, que poderia ser entendida como a duração estabelecida pela “sucessão contínua de mudança heterogênea” que nos auxilia na compreensão da continuidade e mudança. Nossas retenções automáticas, quase sempre conscientes, contribuem para discernirmos, na sucessão contínua de mudança, os armazenamentos de natureza mecânica e lógica que constituiriam a nossa história evolutiva. Então, a duração com que habilitamos a sucessão contínua de mudanças em nossas vidas é diretamente proporcional ao armazenamento, em que a nossa memória se reconhece na presentificação diária que testemunhamos que se conecta ou enlaça com o passado arquivado e vivificado pelo presente, dando, com isso, a duração interna da memória a mesma igualdade da vida contínua, pois, com a possibilidade dos instantâneos vividos no presente, prolonga-se o passado em estoque na memória. Desse intercâmbio entre o passado e o presente, alimentado pela duração entre a sucessão contínua de mudanças e a memória, tudo mais seria instantaneidade. E, como nos diz Coelho (2004, p.9) sobre o papel da memória:

O presente psicológico e físico de uma pessoa, de um grupo social, dos seres vivos e do próprio universo traz a marca dos acontecimentos que lhes precederam, o que permite fazer infe-

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rências sobre esses acontecimentos, ainda que em alguns casos remonte a milhões de anos e a rigor não se repitam justamente em função dessas marcas. Só poderia haver repetição, e mesmo assim em termos relativos, se fosse possível abolir a memória, e com isso a história que precede os acontecimentos presentes.

A última propriedade do tempo real seria a criação. Tendo em conta que, no âmbito pessoal, o ato de criação de novidade está ime-diatamente vinculado à experiência acumulada, à possibilidade de que a memória consiga explicar a relação estabelecida entre o tempo vivido e o experienciado mostra-nos que, em seu dinamismo inter-no e criador, ela oferece a munição necessária para o enfrentamento presente e múltiplo das irreversibilidades do tempo, acontecimentos, fatos e de sua capacidade de ampliar-se cada vez mais com mais riqueza e complexidade para enfrentar novos inusitados e novidades.

Considerando agora a questão do tempo espacializado e seus artefatos, culturalmente socializados, passamos a compreender o tempo psíquico que nossos docentes vivem, mediados pelo tempo disciplinado pela ocupação profissional, em nosso caso, no magistério.

Da mesma forma que o tempo espacializado disciplina valendo-se, no fundo, muito mais de autodisciplina, a escola também reproduz o tempo em sua estrutura e organização, sintonizada com a finalidade do sistema capitalista industrial que sustenta toda a atividade social como tempo do trabalho. Zarifian (2002, p. 7) diz a respeito:

A disciplina do tempo espacializado forma–se inicialmente sobre o fundo da autodisciplina. Se as sociedades modernas, devido à complexidade e diversidade das interações sociais que nela estão em jogo, não tivessem desenvolvido uma forte autodisciplina de respeito ao tempo inculcado nas crianças de uma maneira muito similar ao aprendizado da linguagem (linguagem que é amplamente portadora de referências a esse tempo), é provável que o capitalismo industrial tivesse tido grandes dificuldades de impor suas regras. Mas, por outro lado, a disciplina do tempo industrial incontestavelmente reforçou e generalizou a autodis-ciplina do tempo, fazendo do tempo do trabalho um tempo que é sustentáculo de toda a atividade social.

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Assim, a hora aula, a carga horária da disciplina, os duzentos (200) dias letivos, calendário escolar, quadro de horário de aula, intervalo/recreio ajudam a construir os ritmos e a cadência cotidiana de profes-sores e alunos. Ritmos e cadência que, em respeito principalmente às diferenças culturais, sociais e econômicas, trazem implícitas as marcas de outros tempos, como os psíquicos familiares que, na escola, se multiplicam e diversificam, a exemplo do excerto de Teixeira (1999, p. 4), que ilustra bem o que estamos falando.

[...] a análise da experiência do tempo implica a consideração dos contornos rítmico-temporais da vida do dia-a-dia, imbricados nas estruturas temporais sócio-históricas em que se apresentam. Hoje, cadências marcadas pelo ritmo da produção mercantil, da produtividade, da razão instrumental; pelas pautas temporais das sociedades complexas, reguladas pelos imperativos homogêneos e quantitativos dos relógios. Mas, ainda assim, há temporalida-des irregulares, pondo-se e repondo-se em tensas combinações rítmicas, há cadências contemporâneas e não-contemporâneas, coetâneas aos ritmos da natureza inumana, do cosmos e da ordem físico-biológica que compõem a arquitetura do tempo.

Os ritmos cotidianos docentes estão, pois, circunscritos às ca-dências sócio-históricas das culturas e épocas e se atualizam nas práticas do dia-a-dia, nas quais nós, professores, os reproduzimos e reinventamos, mediante nossas ações, agenciamentos huma-nos que intervêm na rítmica corrente dos processos societários. Assim sendo, as configurações sócio-temporais são uma realidade caracterizada pela imprevisibilidade e pelo inédito de que a ação humana é capaz, uma realidade revelada nas dissidências, nas transgressões e resistências, na falibilidade e na imprecisão inerentes às condutas humanas, que se traduzem nos redirecio-namentos e alternativas aos ritmos instituídos. As possibilidades do novo estão sempre abertas, embora, em termos mais gerais, se mantenham ou pouco se alterem as estruturas temporais básicas, resultantes da ação e da estruturação histórica de práticas sociais instituídas. Elaborações de várias cadeias de gerações: uma cons-trução de longa duração, que exige processualidades complexas e radicais para se alterar substantivamente [...].

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Em tempo: a questão do tempo na formação docente

Sobre o domínio do tempo, os professores, de um modo geral ao ingressarem na carreira profissional assinam um contrato em que se estabelecem as regras e as disciplinas para o seu exercício docente. Entre o seu ingresso e sua fase final (aposentadoria), entre 25 e 30 anos de trabalho, levando em conta o tempo de serviço e a idade cronológica, é possível constatar seus percursos, fases e etapas, que revelam o processo de desenvolvimento da carreira profissional de todos os professores no exercício de suas funções educacionais.

Os trabalhos de Loureiro (1997), com 30 professores do 3° ciclo do ensino básico; Huberman (2000), com quatro gerações de profes-sores do ensino secundário e Gonçalves (2000), com 42 professoras do ensino primário, trazem em comum um quadro de etapas da carreira, no qual se apresentam figuradas cada fase e a devida correspondência em tempo de serviço.

Figura 1 – Ciclo de Vida Profissional dos Professores

Anos de carreira Fases/Temas da carreira

1-3 Entrada, Tacteamento

4-6 Estabilização, Consolidação de um repertório pedagógico

7-25 Diversificação, “Activismo” Questionamento

25-35 Serenidade, Distanciamento afectivo Conservantismo

35-40 Desinvestimento

Fonte: Huberman (2000, p.47).

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Orestes Zivieri Neto

O quadro das etapas da carreira apresentado acima é ampla-mente discutido por Loureiro (1997) e Huberman (2000), em total concordância entre anos de experiência e as fases e temas da carreira. Somente os estudos de Gonçalves (2000), em seu desenho metodológico com as professoras primárias apresentarão algumas modificações entre o tempo identificado em cada fase e em algumas titulações, que sugerem muito mais uma troca sinônima do que uma descoberta de subfases não contempladas pelo modelo de Huberman (2000) e Loureiro (1997).

Os estudos indicam que a etapa de entrada ou de tacteamento, ou de acordo com Gonçalves (2000, p. 163), “O Início (Choque do real, descoberta)”, encontra o seu paralelo em plena conformidade com a literatura clássica do ciclo da vida humana, caracterizando-se como uma fase de exploração, exatamente por apresentar-se como uma fase conjugada entre a descoberta e a sobrevivência.

A descoberta é normalmente marcada pelo entusiasmo de viven-ciar, finalmente, uma situação de responsabilidade, assumindo uma sala de aula, os alunos, os programas destinados à turma e, também, a experiência de estar integrando um grupo profissional. Para alguns profissionais serão os aspectos positivos do entusiasmo que farão com que muitos professores superem os problemas enfrentados, conjugando-os com a fase da sobrevivência.

A fase de sobrevivência é decorrente do confronto entre a forma-ção inicial e o ingresso propriamente dito no universo complexo da situação profissional, inclusive designado por muitos como “choque com o real”, como é o caso da indicação de Gonçalves (2000) e Tardif (2004). Suas características residem, como diz Huberman (2000, p.39), em:

[...] o tactear constante, a preocupação consigo próprio (“Estou-me a aguentar?”), a distância entre os ideais e as realidades quotidianas da sala de aula, a fragmentação do trabalho, a di-ficuldade em fazer face, simultaneamente, à relação pedagógica e à transmissão de conhecimentos, a oscilação entre relações demasiado íntimas e demasiado distantes, as dificuldades com os alunos que criam problemas, com o material didáctico inadequado, etc.

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Em tempo: a questão do tempo na formação docente

Acrescem-se à discussão de Huberman (2000) as observações feitas por Gonçalves (2000) que, ao tratar das características de sua primeira fase intitulada “O Início (Choque do real, descoberta)”, destaca dois aspectos bastante interessantes de sua investigação, conforme abaixo:

Para aquelas em que se mostrou marcante “a falta de prepa-ração”, efectiva ou suposta, para o exercício docente, a que se juntaram, na maior parte dos casos, “condições difíceis” de trabalho e o “não saber como fazer-se aceitar como professo-ra”, a entrada na carreira redundou numa autêntica luta entre a vontade de se afirmar e o desejo de abandonar a profissão.

Para aquelas em que o início da carreira se mostrou “sem difi-culdades”, tal foi o resultado da autoconfiança, motivada pela convicção de “estar preparada” para o exercício docente, ainda que mais tarde, como reconheceram ao rememorarem momentos posteriores da carreira, essa facilidade tivesse sido menos real do que no momento lhes parecera. (GONÇALVES, 2000, p.164).

O autor acrescenta, ainda, em seus comentários, que é bastante comum à convivência dos dois aspectos da fase da entrada na carreira, inclusive a descoberta dando certo apoio ao aspecto da sobrevivência. Huberman (2000) também destaca a possibilidade de se vislumbrar apenas um dos dois aspectos nessa fase, com perfis que variam entre:

[...] a indiferença ou o quanto-pior-melhor (aqueles que esco-lhem a profissão a contragosto ou provisoriamente), a serenidade (aqueles que têm já muita experiência), a frustração (aqueles que se apresentam com um caderno de encargos ingrato ou inadequado, tendo a atenção na formação ou nas motivações iniciais). (HUBERMAN, 2000, p.39).

A fase de estabilização se assemelha, no ciclo da vida humana, com a etapa de comprometimento definitivo ou de tomada de res-ponsabilidade e, como constitutiva dessa etapa que se sagra decisiva para o desenvolvimento docente, os estudos psicanalíticos indicam a identidade profissional como fator imprescindível para a afirmação

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do eu. Caso se evite ou se adie essa consolidação, se incorreria no que Huberman (2000, p.40) afirma se tratar de uma “dispersão do sentimento de identidade pessoal”.

Trata-se de um tempo que se inscreve entre o ato administrativo de nomeação oficial e o da escolha subjetiva de comprometer-se em definitivo. Isso implica em escolhas nem sempre fáceis, pois escolher sempre implica em renúncia. Por outro lado, no entanto, o senti-mento de consolidar-se como professor (a) aos próprios olhos e aos olhos dos outros traz a possibilidade da sensação de emancipação, libertação e do “pertenço a um corpo profissional”, como Huberman (2000, p. 40) acrescenta:

[...] Como a abordagem psicanalítica bem sublinha, a escolha de uma identidade profissional implica a renúncia, pelo menos por um determinado período, a outras identidades, e este acto (escolher e renunciar) representa justamente a transição da ado-lescência, em que “tudo é ainda possível”, para a vida adulta, em que os compromissos surgem mais carregados de conseqüências.

Estabilizar, portanto, significa, para os professores, poder afirmar-se dentro de sua categoria profissional, em particular para os professores mais experientes e também diante das autoridades de ensino. De acordo com Gonçalves (2000, p.164), significa o momento em que “[...] os pés assentaram no chão, a confiança foi alcançada, a gestão do processo de ensino-aprendizagem con-seguida e a satisfação e um gosto pelo ensino, até aí, por vezes, não pressentido, afirmaram-se.”

No que se refere à estabilização das capacidades e habilidades peda-gógicas, Huberman (2000, p.40) afirmará que os estudos empíricos serão precedidos ou mesmo acompanhados em sua quase totalidade pelo “sentimento de competência pedagógica crescente”. Diz ainda:

[...] as pessoas preocupam-se menos consigo próprias e mais com os objectivos didácticos. Situando melhor os objectivos em médio prazo e sentindo mais à-vontade para enfrentar situações com-plexas ou inesperadas, o professor logra consolidar e aperfeiçoar o seu repertório de base no seio da turma. [...] Nas amostras de

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Watts (1980) e de Field (1980), os registos são sensivelmente idênticos: a confiança crescente, o sentimento confortável de ter encontrado um estilo próprio de ensino, apostas em médio prazo, uma maior flexibilidade na gestão da turma, relativização dos insucessos (“já não me sinto pessoalmente responsável por tudo o que não é perfeito na minha turma”). (HUBERMAN, 2000, p.40).

Marcadamente, a estabilização do componente pedagógico gera no (a)s professore (a)s sentimentos de tolerância, respeito aos limites de cada um, segurança, espontaneidade, “[...] agrado e satisfação, pelo que é geralmente percepcionado em termos positivos.” (LOUREIRO, 1997, p.123).

Huberman (2000) e Loureiro (1997) concordam que a fase de diversificação corresponde a uma etapa da carreira em que a expe-rimentação e diversificação estão aguçadas, uma vez que a consolida-ção dos parâmetros pedagógicos irá permitir que esses profissionais firmem sua prestação de serviço no compromisso com a sua turma, lançando mão de algumas pequenas experiências pessoais, diversi-ficando o uso de materiais didáticos, reorganizando as formas de avaliação, implantando novas estratégias de agrupamentos para os alunos, novas sequências do programa, etc.

Também se considera que, em consequência de estarem muito motivados, empenhados e mais dinâmicos na sala de aula, buscam mais autoridade, responsabilidade e prestígio, colocando-se à dispo-sição para candidatar-se a postos administrativos, ou, então, tendo consciência dos fatores institucionais que intervêm e contrariam as possibilidades do desenvolvimento de um trabalho significativo em sala, optam por se indisporem e/ou por atacarem o sistema, pelas suas políticas de gabinetes. Loureiro (1997, p.123) confirma o que estamos discutindo:

Na opinião de Huberman, a estabilização conduz a uma fase de experimentação e diversificação, podendo registrar-se duas tendências gerais nos professores. Assim, uns estabelecem a consolidação pedagógica procurando vincar a sua prestação e impacto no seio da turma, lançando-se, por conseguinte, numa

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série de experiências pessoais que passam pela diversificação do material didáctico, dos modos de avaliação, a forma de agrupar os alunos, as seqüências dos programas. Outros, ao tomarem consciência dos factores institucionais que contrariam o desejo de “maximizar” a prestação em situação de sala de aula, procuram lançar ataques às aberrações do sistema.

Gonçalves (2000) irá tratar a terceira fase como de desequilíbrio em relação à fase de estabilização, por isso a intitulou de fase de divergência, pois o resultado de sua pesquisa apresentou alguns dados enviesados em relação às referências que eram dadas sobre o início da carreira, classificando-o como difícil ou mais fácil.

A fase “pôr-se em questão”, de acordo com Loureiro (1997), pode ser considerada muito mais como um sintoma aos quais todos, em determinada fase da carreira, estariam sujeitos. Desse modo, sua identificação vai desde um sentimento de rotina até uma crise existencial.

Huberman (2000, p. 43) pondera assim sobre o que entende pela fase de pôr-se em questão:

Por outras palavras, pôr-se em questão corresponderia a uma fase – ou várias fases – “arquetípica(s)” da vida, durante a(s) qual (quais) as pessoas examinam o que terão feito da sua vida, face aos objetivos e ideais dos primeiros tempos, e em que encaram tanto a perspectiva de continuar o mesmo percurso como a de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na insegurança de outro percurso.

Os motivos que conduzem à crise parecem ser, comumente, a monotonia da vida cotidiana em sala de aula ou os insucessos oriundos do encantamento da profissão, ou, ainda, pela participação ativa em projetos e reformas estruturais. A indicação pela passagem dessa crise reside entre “35 – 50 anos de idade ou entre 15° e 25° ano de atividade no ensino.” (LOUREIRO, 1997, p.124) e, como é comum ser marcada por fortes questionamentos, leva normalmente a um balanço na vida profissional, o que, em alguns casos, resulta na mudança de profissão.

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Em suas discussões, Huberman (2000) e Loureiro (1997) desta-cam que não há uma uniformidade nos resultados apresentados entre homens e mulheres, no que diz respeito ao tempo de incidência e, também, em relação aos motivos que os originaram.

Com relação à fase de serenidade e distanciamento afetivo, tere-mos como características básicas: uma grande serenidade em relação à sala de aula, proveniente da previsibilidade de praticamente quase tudo, “[...] um aumento da sensação de confiança e serenidade em situação de sala de aula e um distanciamento afectivo nas relações com os alunos.” (LOUREIRO, 1997, p. 124). Também como diz Huberman (2000, p. 44):

Apresentam-se como menos sensíveis, ou menos vulneráveis, à avaliação dos outros, quer se trate do director, dos colegas ou dos alunos. Falam explicitamente de “serenidade”, de ter, enfim, “chegado à situação de me aceitar tal como sou e não como os outros me querem [...].

A fase se caracteriza, ainda, pela queda no nível de ambição, que afeta imediatamente e de forma igual o nível de investimento no seu trabalho, mas que aumenta, como já vimos, as atitudes de tolerância e de espontaneidade em sala de aula.

Em sua fase de conservantismo e lamentações, os professores, em sua quase maioria, passam por essa via vindos de fases totalmente diferentes. Podem vir após uma “crise de pôr-se em questão” mal resolvida, ou da sequência de uma reforma estrutural fracassada ou de uma reforma que se opõe totalmente ou, mesmo ainda, de uma fase de serenidade. Normalmente, surge no percurso de professores em fase avançada da carreira, manifestando total incredulidade a qualquer tipo de inovação ou reforma, carregando uma forte descren-ça sobre qualquer tipo de mudança no ensino, por não representar nada de positivo.

A característica marcante é, portanto, o aumento na rigidez e dogmatismo, resistência às inovações, um sentimento nostálgico do passado e uma mudança geral de ótica em relação ao futuro. Normalmente se transformam em ranzinzas, e como nos falam Huberman (2000, p.45) e Loureiro (1997, p.124):

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[...] manifestando-se nos queixumes freqüentes em relação à evolução negativa dos alunos (considerando-os mais indisci-plinados, menos motivados, menos bem preparados), contra os colegas mais jovens (menos sérios, menos empenhados), na atitude negativa em relação ao ensino e política educacional (sem direção clara), contra os pais e até contra as atitudes do público em geral face à educação.

Por fim, Huberman (2000) e Loureiro (1997) apontam, como última fase, o desinvestimento, caracterizado quase sempre por um fenômeno de retroação e de interiorização no final da carreira pro-fissional. O que significa dizer que os professores vão se libertando progressivamente e sem se lamentar dos investimentos realizados no trabalho, para assim poderem dedicar um maior tempo a questões exteriores à escola e à vida pessoal e social, com maior dedicação e reflexão. Destaque-se que essa etapa pode ocorrer de forma positiva ou negativa, traduzindo-se em um desinvestimento sereno ou amar-go, como diz Huberman (2000). Como na fase anterior teríamos a serenidade e/ ou conservantismo, o autor evidencia, então, que a serenidade apresenta implícito um recuo em relação à ambição e aos ideais presentes à partida e, portanto, caminha rumo a um processo de desinvestimento tanto pessoal quanto institucional. No conser-vantismo, em razão de apresentar-se avesso às inovações e contrário às evoluções do momento, quase sempre ocorre certo isolamento ou marginalização, no que diz respeito aos acontecimentos que a escola e/ou sistema escolar continuam a viver.

Contudo, Huberman (2000, p.46) aponta que, em outros estu-dos, também é possível “[...] identificar grupos de docentes que, não tendo podido chegar tão longe quanto as suas ambições os teriam conduzido, desinvestem já no meio da carreira, ou que, desiludidos com os resultados do seu trabalho, ou das reformas empreendidas, canalizam para outros lados as suas energias [...]”.

Para efeito de concluirmos a proposta de etapas da carreira propos-tas por Huberman (2000) e Loureiro (1997), gostaríamos, a despeito dos autores, de colocar que o modelo apresentado é um “modelo não--linear” e “não monolítico”, significando, com isso, que na carreira docente podemos encontrar várias sequências ou “percursos-tipo”,

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reveladores de outros vários padrões de carreira. Sua leitura fica dependente de outros contextos e padrões, o que pressupõe, também, que os ciclos propostos não surgem sempre na mesma ordem, nem tampouco todos experimentam cada fase proposta.

É necessário adicionar, ainda, às discussões de tempo e de ciclos da carreira, a ideia de que a construção e o desenvolvimento dos saberes fazer e ser são ingredientes naturais no processo da experiência no trabalho, conforme a observação de Tardif (2004, p.56-57, grifo do autor):

[...] Se uma pessoa ensina durante trinta anos, ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa de si mesma: sua identidade carrega as marcas de sua própria ativi-dade, e uma boa parte de sua existência é caracterizada por sua atuação profissional. Em suma, com o passar do tempo, ela vai se tornando – aos seus próprios olhos e aos olhos dos outros – um professor, com sua cultura, seu ethos, suas idéias, suas funções, seus interesses, etc.

Ora, se o trabalho modifica o trabalhador e sua identidade, modifica também, sempre com o passar do tempo, o seu “saber trabalhar”. [...]

Os saberes docentes, principalmente os saberes da experiência, serão sempre, em qualquer ocupação profissional, mediados pelo tempo. Ao tempo também se agrega a aquisição da identidade com a área científica de formação, possibilitando melhor regulação do nível de estabilidade, segurança e flexibilização no uso de estratégias de ensino e aprendizagem, ao longo da carreira docente.

O pensamento e a ação serão, também, dois elementos impres-cindíveis na formação docente, porque subjacente a essa dualidade estarão a capacidade de gerar o processo de desenvolvimento desses profissionais. O tempo biopsicossociológico, então, de cada ator irá estabelecer a cadência e os ritmos com que os aprendizados serão assi-milados e sistematizados. Ao observarmos a realidade do tempo tra-balho, mais especificamente o ritmo e cadência das escolas, notamos que é negado, nos seus calendários e horários, o tempo destinado aos

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professores. O tempo para que os professores pudessem interrogar e analisar seus saberes e práticas, individual ou coletivamente. Também inexistem momentos para estudo e aprofundamento científico pro-fissional, para reflexão e mesmo para que possam elaborar e avaliar coletivamente suas propostas para a educação e a escola.

Esses períodos, quando existem nas estruturas rítmico-temporais da escola, são curtos, espremidos e pequenos quando comparados ao conjunto de atividades e programações no interior da distribuição dos tempos escolares. Esse tempo de certo modo silenciado, ausente e mesmo esquecido está bastante presente na rotina dos professores, pois comumente é tempo de ocupações, afazeres e preocupação que extrapolam o tempo de trabalho e entrecruzam e interpenetram os ritmos domésticos e familiares, inclusive delimitando-os, provocando a redução dos períodos de descanso e lazer. Essa é a lógica compen-satória que o tempo trabalho impõe aos professores, estabelecendo um longo período em suas carreiras para sistematizarem seus saberes/conhecimentos, dando assim ao tempo físico toda a função regula-dora e mesmo redutor para os docentes se constituírem professores experientes. Isso impede de se visualizar a reinvenção desse tempo por alguns docentes, na mesma medida que a tradição escolar prefere canonizar o tempo e a experiência, demarcados por fases e períodos no desenvolvimento da carreira. Somente do seu acúmulo seria possível emergir o professor experiente.

Finalmente, é necessário enxergamos e compreendermos o rom-pimento desse tempo físico espacializado como uma perspectiva de que alguns professores, em seu ritmo e cadência, reinventam o seu tempo de ocupação no magistério, beneficiando-se de uma forma-ção permanente construída dentro de uma lógica pautada sobre o domínio dos saberes/conhecimentos e de si mesmos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao desenvolver este trabalho, guardava e ainda guarda, o desejo de encontrar um caminho ou uma forma de auxiliar o futuro professor e também o professor já inserido na carreira a circular pelos mean-dros da prática pedagógica. Prática tão complexa e real para os que a vivem no dia-a-dia, tão real e idealizada para quem nela ingressa, que

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desejamos que se constitua como uma experiência formadora, tanto para quem ensina como para quem aprende. E, exatamente com a certeza de que a prática educativa assume uma importância enquanto espaço e tempo de formação profissional, colocando-se como mais um lugar de experiências edificantes, valorativas, construtivas e voltadas para o desenvolvimento é que colocamos lado a lado o tempo e os ciclos da carreira na construção do saberes da experiência profissional e, consequentemente, a possibilidade de enxergarmos a constituição dos professores experientes.

De um lado, para valorizarmos todo o esforço que o enfrenta-mento dos dilemas e tomadas de decisões que diariamente marcam as ações profissionais (e são incorporados aos seus reservatórios de saberes/conhecimentos) se materializam nos repertórios de ações dos saberes profissionais da e na prática docente cotidiana. Por outro lado, em virtude de racionalidades técnicas ou práticas se esbarrarem em paradigmas estatizantes da modernidade, muitas vezes impede--nos de olhar para a complexidade prática e descobrir o campo de investigações que programaria formações iniciais ou permanentes, independentemente de suas classificações como puras ou aplicadas.

Por essa razão é que inscrevemos a discussão teórica do tempo espacializado e do tempo de trabalho nas fases da carreira docente. Primeiro, para compreendermos os estudos de Loureiro (1997), Huberman (2000) e Gonçalves (2000) como fases características que, ao longo do tempo, resultam em atitudes e comportamentos dos professores, que antes de serem vistos como herméticas e mono-líticas, ajudam-nos a compreender as possibilidades e necessidades que resultariam da implantação de políticas de formação permanente que pudessem contribuir para seu desenvolvimento profissional.

É necessário, de antemão, destacar que mesmo não sendo possível estimar o tempo exato, nem tampouco dosar a quantidade de sabe-res/conhecimentos que constituiriam a experiência profissional e a origem do professor experiente, o tempo não para e vai provocando a necessidade de aprender, possibilitando enxergar além da experiência repetida; na renovação e recriação da experiência a partir de cada turma e de cada contexto.

É preciso assegurar, então, que, independentemente da rotina diária parecer aos olhos dos outros, mecânica e automática, existirá

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sempre um elemento que torna o dia a dia único, mas com uma potencialidade aberta a novas aprendizagens, valendo-se de uma revisitação à memória para encontrar respostas ou consultar estratégias conhecidas que podem ser reaproveitadas ou recicladas, impedindo que as experiências diárias se distingam e não se repitam. Pois, como nos explica Larrosa (2002), o saber da experiência é único para cada professor, ainda que se submetam à mesma experiência, e exatamente por isso impossível de ser repetida.

Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana particular; ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual ou coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua própria exis-tência, de sua própria finitude. Por isso, o saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma perso-nalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência não pode beneficiar--se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria. (LARROSA, 2002, p.27).

Desse modo, o que rege a lógica do tempo real da escola é o desafio que os professores têm para enfrentar a ausência de tempo destinado à sua formação. Por essa razão, o professor experiente é aquele que

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Em tempo: a questão do tempo na formação docente

dribla o tempo físico, pois encontra tempo onde o tempo é negado e destoa do restante do grupo, pela vontade de sempre aprender mais, pelo entusiasmo permanente e pela humildade em reconhecer que seu universo de trabalho é complexo e, por isso sabe muito pouco, mobilizando-o a buscar cada vez mais a melhoria de sua prática.

Como também trouxemos a perspectiva da constituição dos pro-fessores experientes na carreira docente, mais discutido largamente em nossa tese como um todo, apontamos abaixo as características indicadas por nossos professores colaboradores, quando indagados sobre essa natural forma de reconhecer a experiência e o seu acúmulo, que o sistema educacional reconhece e os próprios docentes reafirmam constantemente em suas falas, que passamos a apresentar classificada em três grandes grupos:

a) domínios pessoais – ser tolerante e paciente, ter vontade de aprender e buscar novos conhecimentos sempre, não se acomodar, ter muito amor e dedicação pelo que faz, aceitar as inovações e não parar nunca no tempo, manter a esperança, visão mais amplificada e nunca desistir do ser humano;

b) domínio de conteúdo – domínio e versatilidade no conteú-do, facilidade em planejar atividades para promover o aprendizado do conteúdo proposto, professor mais autônomo e emancipado, variações de estratégias e maneiras seguras de garantir o aprendizado, transpor os conteúdos do livro para a realidade de seus alunos e;

c) domínios da sala de aula  – demonstração de segurança e tranquilidade em atender seus alunos e tolerância em relação aos diferentes níveis entre o aprendiz e o professor.

Por fim, nossa tentativa de levantar a relação entre o tempo e saberes, buscando a constituição do professor experiente, possibilitou--nos visualizar o compasso entre o tempo físico autodisciplinador e o tempo de trabalho tão ausente na carreira docente, que teima em não ofertar mais tempo ao professor. Tempo para estudar, tempo para relaxar, tempo para se preparar mais e melhor. Tempo para se formar continuamente... Também nos possibilitou enxergar, em meio a todas as adversidades e desafios a serem superados, o professor experiente que se entrega a outro tempo, que não o físico, mas real, para projetar nos segundos, minutos e horas de seus dias, semanas, meses e anos, para avidamente se formar incessantemente e estar entusiasticamente

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à disposição de seus alunos. O professor experiente não faz isso com o fim exclusivo de se sobrepor a nenhum companheiro de trabalho, mas sim para ser reconhecido por eles, porque sabem de seus esforços, seus anseios, construções, sonhos, dedicações, solidariedade...

REFERÊNCIAS

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ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.

GONÇALVES, J. A. M. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, A. (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora, 2000. p.141-160.

HUBERMAN, M. O ciclo de vida dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.) Vida de professores. Porto: Porto Editora, 2000. p.31–61.

LARROSA, B. J. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p.20-28, 2002.

LOUREIRO, M. I. O desenvolvimento da carreira dos professores. In: ESTRELA, M. T. Viver e construir a profissão docente. Porto: Porto Editora, 1997. p.117–159.

PRIPAS, S. (Org.). Cronos ensandecido: sobre a agitação no mundo contemporâneo. São Carlos: EdUFSCar, 2009.

QUINTANA, M. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.

TARDIF, M. Saberes docente e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2004.

TEIXEIRA, I. A. C. Cadências escolares, ritmos docentes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.25, n. 2, p.87-108, jul./dez.1999.

ZARIFIAN, P. O tempo do trabalho: o tempo-devir frente ao tempo espacializado. Tempo Social, São Paulo, v.14, n.2, p.01-18, out. 2002.

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A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO

CAPITALISMO BUROCRÁTICO: SEMICOLONIALISMO,

SEMIFEUDALIDADE E ECLETISMO PEDAGÓGICO

Marilsa Miranda de SOUZA

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é uma síntese da análise dos dados da pes-quisa realizada no Estado de Rondônia na Amazônia Ocidental brasileira intitulada Imperialismo e Educação do Campo: uma análise das políticas educacionais no Estado de Rondônia a partir de 1990. O objetivo central é identificar e analisar as políticas públicas existentes na educação do campo em Rondônia e as propostas construídas pelas organizações camponesas para a educação do campo, delimitando o estudo no período de 1990 até os dias atuais, no nível de ensino fundamental. A pesquisa foi feita em quatro municípios (Ariquemes, Nova União, Rolim de Moura e Colorado D’Oeste), de forma que pudéssemos ter um panorama da educação do campo e, em âmbito local, compreender a aplicação e o funcionamento dessas políticas.

Para realizar este trabalho foi utilizado o método do materialismo histórico-dialético, entendido como um instrumento de compreensão da realidade enquanto práxis e de interpretação que possibilite uma

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intervenção transformadora. Na análise e interpretação dos dados buscamos interpretar a realidade objetiva e subjetiva em termos das categorias totalidade, contradição, ideologia e práxis, estudando as relações sociais e econômicas que determinam a educação do campo e a produção das ações concretas dos sujeitos históricos que dela fazem parte. Também estudamos duas categorias históricas que nos ajuda-ram a compreender as relações de dominação existentes nas esferas socioeconômicas, política e cultural e que incidem sobre as políticas educacionais. São elas: imperialismo e capitalismo burocrático. A aplicação destas categorias nos permitiu compreender a dominação histórica do imperialismo sobre o Brasil e suas consequências, a intromissão do capital estrangeiro e os processos de exploração e expropriação das riquezas na Amazônia e, principalmente, a Questão Agrária, que nos possibilitou analisar o contexto da luta de classes no campo, o monopólio da propriedade da terra na Amazônia e suas raízes históricas.

O princípio da contradição foi uma categoria fundamental na apreensão da realidade, pois em todas as coisas existem forças que se opõem e que simultaneamente formam uma unidade. Dessa forma, buscamos em Mao Tsetung (1979) os fundamentos para identificar as principais contradições existentes na sociedade brasileira e no fenô-meno pesquisado. Segundo Mao Tsetung (1979), uma contradição é a principal quando por um determinado tempo sua solução subordina a solução das demais. Concordando com Carvalho, entendemos que a sociedade brasileira possui três contradições principais que se produ-zem no tipo de capitalismo aqui implantado: entre a imensa maioria da nação e o imperialismo; entre camponeses pobres e latifundiários e entre proletariado e burguesia (CARVALHO, 2006).

Com base nessas contradições, compreendemos o Brasil como um país semicolonial, oprimido pelo imperialismo, especialmente pelo imperialismo norte-americano, que sustenta as mais atrasadas relações caracterizadas como semifeudais, especialmente no campo. Ao identificar as principais contradições da sociedade brasileira, buscamos elementos para compreender a educação brasileira e seus determinantes econômicos, pois compreendemos que é dentro dessa totalidade que estão situadas as políticas educacionais e as práticas pedagógicas da educação do campo.

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A educação do campo no contexto do capitalismo burocrático: semicolonialismo, semifeudalidade e ecletismo pedagógico

Nosso desafio foi o de confrontar o real no seu particular, pois é a partir do particular que se chega à totalidade. Assim, para com-preender o fenômeno estudado, buscamos conhecer a realidade de microespaços: a Escola Polo Paulo Freire no Assentamento Palmares e a Escola Multisseriada Novo Horizonte, ambas em Nova União, Rondônia. A pesquisa foi feita nos meses de setembro a dezembro de 2008 e janeiro e fevereiro de 2009, quando levantamos a maior parte dos dados documentais e fizemos as entrevistas com os sujeitos da pesquisa.

O resultado da pesquisa definiu as questões principais desen-volvidas nesta tese, que são: a) O Brasil é um país de capitalismo burocrático, que é o tipo de capitalismo engendrado pelo impe-rialismo nos países atrasados, ou seja, semifeudal e semicolonial, mediante o domínio do imperialismo sobre toda a sua estrutura econômica e social (MAO TSETUNG, 2008; GUZMÁN, 1974); b) As políticas públicas de educação do campo são hegemonicamente formuladas, dirigidas e financiadas pelo imperialismo, por meio de uma de suas principais agências, o Banco Mundial, e se efetivam nos programas implantados na educação do campo por meio do coronelismo existente no âmbito do poder local; se fundamentam nas teorias do capital humano e nas concepções da educação neo-produtivista pautada no neoescolanovismo, no neoconstrutivismo e no neotecnicismo que caracterizam a educação imperialista pós--moderna (FRIGOTTO, 2005, 2000; DUARTE, 2001; SAVIANI, 2007); c) Há um Movimento Nacional por uma Educação do Campo, criado numa articulação dos movimentos da Via Campesina com o governo brasileiro e os órgãos do imperialismo. A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações campo-nesas de pequenos e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas da Ásia, África, América Latina e Europa. No Brasil a Via Campesina é composta pelo MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra; MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores; MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, MMC – Movimento de Mulheres Camponesas; PJR – Pastoral da Juventude Rural; CPT  – Comissão Pastoral da Terra e FEAB – Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil. O Movimento Nacional por uma Educação do Campo tem por base

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a proposta educacional do MST, que se reveste de uma concepção revisionista e deformadora do marxismo, ligada aos princípios liberais pós-modernos, explicitamente definidos num ecletismo pedagógico anticientífico que serve ao objetivo imperialista de aplacar a luta de classes no campo e impedir a aliança operário-camponesa; d)Há uma resistência camponesa que forja uma nova proposta educacional anti--imperialista nos processos da revolução agrária em curso no Estado de Rondônia e em vários Estados brasileiros.

IMPERIALISMO E CAPITALISMO BUROCRÁTICO

Para tratar das políticas públicas educacionais voltadas à educação do campo buscamos compreender a sociedade brasileira e as relações que se estabelecem no campo, para, assim, situar a educação do campo no contexto geral do Estado capitalista e dos seus objetivos. Para compreendê-los, inicialmente buscamos na teoria marxista o conceito de Estado e sua função na sociedade. O Estado originou-se da apropriação privada de riqueza e da luta de classes. É um pro-duto da sociedade para legitimar e perpetuar a divisão de classes e a exploração de uma classe sobre outra (ENGELS, 1995), funcionando como um instrumento de dominação, de coação, formado especial-mente para manter a opressão sobre as classes dominadas (MARX; ENGELS, 2008), além de proteger a propriedade privada concen-trada nas mãos da classe dominante (MARX; ENGELS, 1989). O Estado assume várias formas no capitalismo, dentre elas as formas transitórias denominadas por Lênin (1979) de semicoloniais, nas quais o imperialismo domina todas as relações econômicas, políticas e culturais, violando a independência de suas semicolônias. Esses mecanismos utilizados pelo imperialismo garantem a dependência tanto de colônias, por meio da ocupação do território pela potência estrangeira, como de semicolônias, que se caracterizam pelo processo de submissão à potência estrangeira, com esta controlando a estru-tura e os aparelhos do Estado, as políticas públicas, os mecanismos de regulação financeira, de empréstimos para infraestrutura, etc., o que resulta na mais completa perda da soberania política da nação. Para sobreviver o imperialismo precisa avançar cada vez mais sobre os países sob seu domínio, regulando essa dominação pela força e

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pela guerra, o que torna o imperialismo moderno o mais sanguiná-rio e perverso no controle dos mercados, dos recursos naturais, da exploração do trabalho, etc.

O imperialismo determina um tipo de capitalismo nos países dominados, chamado por Mao Tsetung (2008) de capitalismo buro-crático. É o capitalismo engendrado pelo imperialismo nos países atrasados, ou seja, semifeudal e semicolonial, mediante o domínio do imperialismo sobre toda a estrutura econômica e social (GUZMÁN, 1974). O processo de formação do capitalismo burocrático no país dominado conformará uma burguesia servil, atada umbilicalmente ao imperialismo. Esta burguesia nativa é chamada de grande burguesia em razão de sua base de acumulação, de sua origem e da luta política pelo poder. Ela se divide em duas frações: a burguesia compradora e a burguesia burocrática. Estas duas frações da grande burguesia desenvolvem-se vinculadas à classe latifundiária e ao imperialismo (MAO TSETUNG, 1975b). Surge ainda, nesse contexto do capita-lismo burocrático, uma média burguesia economicamente débil, que se submete à grande burguesia e ao imperialismo. É a chamada bur-guesia nacional. O imperialismo busca comandar o núcleo dirigente do Estado dominado para atender aos seus interesses de acumulação de capitais, estimulando as lutas de frações da grande burguesia para garantir sua hegemonia sobre os aparelhos desse Estado e, assim, impedi-lo de desenvolver-se. O capitalismo nacional não se sustenta numa sociedade semifeudal e semicolonial.

O capitalismo burocrático tem duas colunas: semicolonialismo e semifeudalidade (grande propriedade, semisservidão, gamonalismo ou coronelismo), que são interligadas e indissolúveis. Compreende-se, assim, que a definição de capitalismo burocrático, de semifeudalidade, não significa falar de feudalismo, nem de modo de produção feudal, e sim de capitalismo burocrático, que é uma parte nova dentro do processo histórico (MARTÍN MARTÍN, 2007).

O Brasil é um país de capitalismo burocrático. A estrutura agrária concentradora exerceu papel fundamental no tipo de capitalismo que se desenvolveu aqui. Quando Portugal optou por colocar nas mãos de fidalgos os imensos latifúndios que surgiam a partir das capita-nias hereditárias, ficaram evidentes os traços iniciais da economia de ordem feudal. O modo de produção implantado na colônia se

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fundamentou no monopólio da terra e, como não havia servos da gleba, foi utilizado o escravo, que imprimiu uma característica ao peculiar sistema econômico brasileiro. Essas relações foram fortale-cidas no final do Império, com o advento da produção cafeeira, que não trouxe nenhuma alteração na estrutura semifeudal da economia brasileira. Os ex-escravos, agora “livres”, ficaram como agregados, meeiros e arrendatários dos ex-senhores ou foram para as cidades trabalhar nos serviços braçais. Essa estrutura semifeudal se manteve devido a essa classe dominante ser, além de proprietária das terras e dos meios de produção, também detentora do poder político para garantir seus interesses (GUIMARÃES, 1968; SODRÉ, 1976). Surgiram os coronéis, na sua forma decadente e degenerada. Em decorrência da ruína de seus feudos, eles passaram a residir nas cidades, de onde dirigem toda a região, apoiados militarmente pelos cabras e jagunços, cuja atividade criou um cenário de sangue em todo o campo brasileiro, no início da República (BASBAUM, 1986). O coronelismo foi aperfeiçoando seus métodos de dominação ao longo da história. O domínio imperialista teve comoresultadoa evolução do caráter semifeudal da sociedade brasileira, mas não o destruiu. O Brasil permanece mantendo seu caráter semifeudal e semicolonial, pois a independência política é apenas uma questão formal.

O capitalismo burocrático tomou impulso no governo de Getúlio Vargas, em meio à forte disputa entre as oligarquias semifeudais e a burguesia comercial. Nos primeiros anos da República, predo-minou no poder a burguesia compradora, originada da classe dos comerciantes, por sua vez ligada às oligarquias rurais. Com a crise da economia açucareira no Nordeste e do café em São Paulo, instalou-se uma crise governamental marcada pela desorganização do Estado e pela corrupção, motivo de várias revoltas militares, culminando no vitorioso golpe de Vargas, que colocou a burguesia emergente no poder do Estado: a burguesia burocrática. A característica principal dessa fração da grande burguesia brasileira é ser vinculada e dire-tamente impulsionada pelo capital financeiro internacional e pelo imperialismo norte-americano. O Estado se reestruturou, então, a partir de um capitalismo burocrático engendrado pelo imperialismo norte-americano, no qual a burguesia burocrática tenta construir uma hegemonia sobre as oligarquias rurais e sobre a burguesia compradora,

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submetendo-se completamente à política externa. A média burguesia ou burguesia nacional não teve forças para levar adiante a revolução democrático-burguesa, devido ao seu duplo caráter: tem contradições frente ao imperialismo, mas é vacilante e teme a revolução popular. Na época do imperialismo, a burguesia é limitada e não consegue levar adiante um processo revolucionário (MAO TSETUNG, 1975a).

A questão agrária aparece nos países que não concluíram a revo-lução burguesa. Ela nasce porque nos países dominados a burguesia não pode resolver o problema da terra. Embora tenha se desenvolvido, o capitalismo no Brasil, por não ter feito a revolução democrático--burguesa, a exemplo de outros países capitalistas hoje chamados de primeiro mundo, nunca democratizou a propriedade da terra, somente acentuou o monopólio da terra e a manutenção de relações semifeudais que ainda hoje encontramos no campo.

Conforme os dados oficiais do Censo Agropecuário do IBGE/2006, a concentração de terras no Brasil aumentou e a maior parte das terras públicas está ocupada ilegalmente pelos latifundi-ários, que continuam protegidos pelo governo. O latifúndio vem se expandindo devido aos processos de mecanização e commodities, chamados pelos capitalistas de agronegócio que é um tipo de lati-fúndio com vínculos ainda mais fortes com o imperialismo do que o latifúndio tradicional.

A concentração de terras no Brasil relaciona-se com a formação das classes sociais e do capitalismo burocrático. O povo brasileiro sempre lutou pela terra em duras batalhas, como Canudos, Contestado, Trombas e Formoso, combate de Corumbiara, etc. A política de reforma agrária para a América Latina foi gestada dentro da esfera do imperialismo norte-americano como estratégia de abrandamento da segunda onda da revolução proletária mundial, que avançava pela América Latina. A América Latina transformou-se num amplo labo-ratório de reforma agrária. Como uma política imperialista, a reforma agrária tem se reforçado ao longo dos anos por meio da concessão de créditos para a feitura da reforma agrária, em virtude do perigo que ela representa à ordem dominante. As classes dominantes brasileiras sempre encontraram fórmulas para “acalmar” os conflitos agrários e procrastinar a reforma agrária. Por isso mesmo, no Brasil ela é uma reforma tutelada (de mercado), que seguiu o caminho das concessões

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com o intuito de impedir a solução revolucionária do problema da terra. Muitos movimentos de camponeses sem terras surgiram no País a partir da década de 1980, a exemplo do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), e lutam pela reforma agrária dentro dos marcos do capitalismo burocrático, aceitam e defendem esse modelo de reforma agrária tutelada e toda a política dela decorrente.

Contrapondo-se a esse modelo historicamente fracassado de refor-ma agrária, desenvolveu-se a revolução agrária no Brasil por meio da ação radical da Liga de Camponeses Pobres, originada em Rondônia logo após o Combate de Corumbiara, em 1995, e hoje presente em vários Estados. Ao contrário da luta desenvolvida pelos movimentos reformistas, a revolução agrária está condicionada à participação e organização das massas camponesas e operárias na transformação revolucionária operada no sistema político e econômico.

A semisservidão é um aspecto-chave das relações de produção que se estabelecem no campo. Quando nos referimos à semifeudalidade no campo brasileiro, o fazemos com base nos dados oficiais que a demonstram claramente. O Relatório Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2008, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada  – IPEA (2010) (fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República), em 29 de março de 2010, e o último Censo Agropecuário do IBGE (2006), divulgaram que, somando os “sem rendimento” com os que têm um rendimento mensal de meio salário mínimo, temos 59% da população geral do campo vivendo abaixo da linha da pobreza. Apenas 9% do total de trabalhadores do campo têm contrato de trabalho; quase metade destes é temporário e as principais empregadoras são as pequenas propriedades, destacando os laços de parentesco entre proprietários e produtores.

A marca mais profunda da semifeudalidade encontra-se nas formas precárias de acesso à terra. Conforme o Relatório do PNAD 2009, assim como os dados do Censo Agropecuário do IBGE/2006, 30% dos camponeses trabalham como parceiros, arrendatários, posseiros, meeiros e outras categorias de trabalhadores submetidos às relações mais atrasadas e rudimentares. As grandes propriedades são conside-radas “modernas empresas capitalistas”, mas as relações de trabalho não o são. O trabalho assalariado no campo não tem características

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capitalistas e os latifúndios empregam pouca mão-de-obra, geralmen-te informal, como o trabalho dos diaristas, chamados no Brasil de “boias-frias.” Os camponeses que trabalham temporariamente, sem carteira assinada, “moradores”, “agregados”, peões, meeiros e parcei-ros, vivem numa situação de ausência de autonomia econômica, são subordinados aos grandes proprietários de terras, que, numa relação coronéis versus vassalos, exploram sua força de trabalho enquanto renda-produto. Essas relações confirmam o atraso e a fragilidade das relações de trabalho capitalistas.

O monopólio da terra garantido ao latifúndio semifeudal, sua interferência no Estado, manifestada por meio da política econômica e da espoliação do campesinato, associados à sua relação direta com o imperialismo, caracterizam a questão agrária em nosso País. A ligação com o imperialismo é confirmada pela destinação da produção agrí-cola para o mercado externo, onde a dependência frente aos países consumidores dos produtos primários brasileiros garante a constante pressão exercida pelos monopólios estrangeiros na produção agrícola. Esta pressão, associada a uma política estatal de proteção ao latifúndio, é “transferida” à exploração dos camponeses e à população em geral.

Essa análise da realidade do campo brasileiro, confirmada pelos dados oficiais, nos permite confirmar os três aspectos da semifeuda-lidade: grandepropriedade, semisservidão e gamonalismo (corone-lismo). Os dados analisados demonstram que a semifeudalidade está presente em todos os estabelecimentos, tanto nas pequenas e médias propriedades como nos latifúndios.

A AÇÃO DO IMPERIALISMO NO CAMPO DA AMAZÔNIA OCIDENTAL

A Amazônia é uma região estratégica para os interesses econômicos do imperialismo. As ações do imperialismo na Amazônia Ocidental são descritas mesmo antes da criação do Território Federal do Guaporé (atual Estado de Rondônia). Vários fatos do período situado do final do Império até a República oligárquica apontam que a região é alvo de interesse internacional. Algumas das suas personagens mais eviden-tes são: a) Na navegação dos principais rios da região: Earl Church (1868); b) na Revolução acreana:o Bolivian Syndicate (1901); c) na

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construção da E.F.M.M.: o truste de Percival Farquhar (1907-1912). Todos visavam o controle imperialista (exploração, transporte e comércio) da principal matéria-prima da indústria naquele período: a borracha. O produto só vai perder o interesse quando os ingleses, após roubarem mudas de seringueiras, iniciam a produção na Malásia e passam a controlar o mercado internacional. Também a expedição Roosevelt-Rondon (1913-1914) buscou fazer o levantamento de reservas minerais e da biodiversidade, supostamente com o intuito de obter exemplares da fauna sul-americana para o American Museum of Natural History of New York.

A criação do Território Federal do Guaporé (1943) por GetúlioVargas coincide com o interesse imperialista na exploração da borracha amazônica, episódio conhecido como 2º ciclo da borracha, já que a produção asiática estava sob controle do Eixo na 2ª Guerra Mundial. Em 1952 inicia-se a exploração da cassiterita, extraída de forma manual por garimpeiros. Em 1956 o Território Federal do Guaporé recebe nova denominação: Território Federal de Rondônia, e em 1960 a cassiterita explorada em seu território atinge 60 tone-ladas. Em 1972, em plena ditadura militar, o governo brasileiro optou por entregar a maior reserva de cassiterita já encontrada para a rapinagem dos monopólios, expulsando todos os garimpeiros. O Estado brasileiro mais uma vez garantiu a exploração do minério por grandes grupos econômicos ligados ao comércio mundial do estanho: Brumadinho, Patiño, Brascan, BEST e Paranapanema, gerando conflitos dos garimpeiros com o Estado e a falência das atividades comerciais em Ariquemes e Porto Velho. “O capital monopolista industrial estrangeiro assume totalmente o controle do processo produtivo da indústria extrativa de cassiterita de Rondônia.” (PEREIRA, 2007, p.111).

A partir do regime militar, o imperialismo impôs ainda mais sua política de controle da Amazônia, por meio de programas e obras públicas executadas com financiamento do próprio interessado, como a construção da rodovia Transamazônica, influenciando na estrutura fundiária e na definição de reservas ambientais e indígenas.

A população de Rondônia teve um aumento espantoso devido à implantação de projetos de colonização pelos governos militares a partir de 1970, que deu, entre outras causas, pela necessidade de

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expansão econômica e controle do território amazônico pelo imperia-lismo e devido ao crescente problema social gerado pela existência de grandes latifúndios, em oposição à existência de camponeses pobres sem terras ou com pouca terra em todas as regiões do País. A colo-nização dirigida intensificou-se a partir de 1970, com o Programa de Integração Nacional – PIN que pretendia assentar camponeses em lotes de 100 hectares numa faixa de terra de dez quilômetros de cada lado das rodovias em construção, a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém. Esse projeto foi o início da campanha ufanista do regime militar, que dizia ser necessário “integrar a Amazônia para não entregá-la aos estrangeiros”. A intenção era, na verdade, regularizar e facilitar a aquisição de terras pelos estrangeiros e grupos agropecuários, além de permitir a entrega dos recursos naturais da região aos grupos multinacionais (OLIVEIRA, 1988). Os projetos de colonização privilegiaram especialmente os grandes proprietários, enquanto a propaganda enganosa do governo arrastava as multidões excluídas das outras regiões do País para o que ela denominava de “Eldorado brasileiro”. Dessa forma, muitas das famílias que vieram em busca de terra, não a conseguindo, tomaram as terras indígenas, se transformaram em meeiras, arrendatárias em pequenas e grandes propriedades, ou foram para as periferias das cidades. Essa “con-trarreforma agrária” foi financiada pelo Banco Mundial, por meio da criação de programas que visavam a ocupação e o ordenamento econômico da região.

A partir de 1992, o imperialismo formulou o discurso de “desen-volvimento sustentável”, que foi utilizado para justificar novos projetos de financiamento de organismos internacionais na Amazônia, dentre estes as organizações não-governamentais (ONGs), que interferem no planejamento regional a serviço do capital monopolista, possuem informações precisas sobre o território, por meio de fotos de satélites, são responsáveis pela biopirataria e estão presentes em áreas de mine-ração, de exploração agrícola e pecuária, manejo florestal, exploração de petróleo, no extrativismo, no ecoturismo, enfim, espalham seus tentáculos por todas as atividades, respaldadas por bancos e agências do capital financeiro internacional. A hegemonia do imperialismo norte-americano na Amazônia pode ser observada em todos os setores da sociedade.

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É nesse contexto de dominação imperialista que se encontra a educação do campo. No Brasil a educação nunca foi prioridade do Estado, mas, em relação ao campo, a situação é muito mais grave. As principais iniciativas de educação do campesinato apresentaram uma influência direta do imperialismo norte-americano.

EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL E AS PERMISSÕES DO ESTADO BRASILEIRO

A origem da chamada “educação rural” no Brasil data de 1889, com a Proclamação da República. Os camponeses eram vistos pela burguesia como atrasados, ignorantes, sem higiene, o estereótipo do Jeca Tatu, personagem criado em 1914, por Monteiro Lobato. Até os anos de 1920 não havia uma preocupação do Estado brasileiro com a escolarização da população camponesa, pois se entendia que o trabalho manual executado por ela não necessitava de escolarização. Nos primeiros anos da República, embora a população rural fosse mais de 80% da população, a educação não alcançava o campo (LEITE, 1999, p. 14). Diante dessa realidade, surge em 1920 o primeiro movimento em defesa da educação dos camponeses, chamado de Ruralismo pedagógico. O objetivo central do Ruralismo pedagógico era promover a “fixação do homem no campo”, conter o êxodo rural. O Ruralismo pedagógico estava ligado à modernização do campo brasileiro e contava com o apoio dos latifundiários, que temiam per-der a mão-de-obra barata de que dispunham, e de uma elite urbana muito preocupada com o resultado da intensa migração campo-cidade e com as consequências desse inchaço das periferias das cidades, já que até 1930 2/3 da população residia no campo. Esse “otimismo pedagógico” que radicava a educação como redentora, capaz de “fixar o homem no campo”, originou-se da introdução no País do ideário da Escola Nova, lançado aqui em 1932, por meio do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, inspirado na obra do norte-americano John Dewey, que, criticando a escola tradicional, propunha novas metodologias nos processos de ensino-aprendizagem, com base no “estudo do meio”. O documento reivindicava mais atenção do Estado para com as políticas educacionais e defendia educação para todos, pública, obrigatória e laica, que eram aspirações do liberalismo

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burguês. Todas essas “aspirações” eram formuladas na esfera do novo poder hegemônico sobre nosso País, o imperialismo norte-americano, que lançava aqui sua base ideológica.

As bases ideológicas do imperialismo norte-americano estavam no controle da educação. O ideário da Escola Nova como o centro ideológico da pedagogia liberal fincou suas raízes de forma profunda na educação brasileira. Segundo Paiva (1987), foram organizadas duas frentes na educação: uma para conter a migração, outra para atender a demanda de trabalhadores para a indústria nas cidades.

Na Era Vargas os objetivos da burguesia burocrática em ascensão e do imperialismo em oferecer a educação no campo eram utilizar a escola como instrumento de veiculação dos valores nacionalistas do Estado Novo e a formação de mão-de-obra especializada para atender aos interesses do capital, que avançava na agricultura e na industrialização, conforme a constituição fascista de 1937. A partir de 1940, a educação brasileira incorporou a matriz curricular urba-nizada e industrializada. Os organismos internacionais vinculados ao imperialismo norte-americano começavam a se interessar cada vez mais pela educação do campo, já prevendo os resultados que poderiam ter com o controle ideológico dessa população. Além do mais, precisavam conter o avanço das organizações de luta camponesas. Vários acordos foram firmados entre o Brasil e os Estados Unidos da América e vários programas foram criados sob o comando daquele país.

A partir da década de 1960, inicia-se o período dos “Acordos MEC/USAID”, quando se fortalecem ainda mais as relações do Ministério da Educação com o imperialismo norte-americano, por meio de seus órgãos e da Agency for International Development (AID), para assistência técnica, cooperação financeira e organização do sistema educacional brasileiro. Houve, a partir desse período, uma inversão no objetivo da educação oferecida aos camponeses. Ao invés de “fixar”, o objetivo agora seria retirar os camponeses do campo para dar lugar aos modernos processos tecnológicos surgidos com a “modernização da agricultura”. Inicia-se a “expulsão” dos campo-neses para beneficiar o grande capital que avançava com voracidade sobre o campo brasileiro. Com a “modernização da agricultura” foi decretado o fim do campesinato e o estímulo ao êxodo rural. Se o

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campesinato estava fadado ao desaparecimento, logo a educação do campo também desapareceria (ROMANELLI, 1996).

A educação do campo existente até 1980 se limitava às escolas multisseriadas de 1ª a 4ª séries. O ensino de 5ª a 8ª séries e o ensino médio praticamente não existiam no campo. Com as novas orienta-ções dos organismos internacionais e suas estratégias de desocupação do campo, paulatinamente as salas multisseriadas foram sendo subs-tituídas por escolas concentradas, e as crianças e jovens tinham de se deslocar por longas distâncias para terem acesso à escola.

Com a Constituição de 1988, foram elaboradas e implemen-tadas reformas educacionais orientadas pelo Banco Mundial, que desencadearam alguns documentos como: Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº. 9394/96 (BRASIL, 1996); o Plano Nacional da Educação – PNE, Lei n°. 10.172, de 9 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001a); os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo – Parecer nº. 36/2001 (BRASIL, 2001b) e Resolução nº. 1/2002 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2002). Essa legislação não trouxe avanços para a educação do campo. No máximo assegurou que ela fizesse “adaptações” na organização da escola e do currículo.

Esse histórico descaso do Estado para com a educação do campo resultou num altíssimo nível de analfabetismo. Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE/2006, mais de 80% da população do campo é analfabeta ou não concluiu o ensino fundamental: 39% das pessoas são analfabetas e 43% têm ensino fundamental incompleto. Dentre as mulheres o analfabetismo chega a 45,7%, enquanto entre os homens essa taxa é de 38,1%. O relatório da PNAD/2008 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) aponta dados elevados de baixa escolarização: 73% não completaram o ensino fundamental (PNAD, 2008, p. 5).

Os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2009, do Censo Escolar do INEP/MEC (2002 a 2009), e da Pesquisa de Avaliação da Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária trazem dados alarmantes sobre a educação do campo. Mais de 24 mil escolas do campo foram fechadas nos últimos oito anos, para

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agravar ainda mais o problema da baixa escolarização dos camponeses e expulsá-los para as periferias das cidades.

Em resumo, a educação foi historicamente negada ou oferecida precariamente aos camponeses ao longo da história do Brasil e con-tinua com uma debilidade crônica: elevado nível de analfabetismo, baixo rendimento dos alunos, precariedade das escolas, professores mal formados, etc. Esses problemas que são levantados na educação do campo fazem parte do contexto agrário: altíssima concentração de terras, expansão do latifúndio, trabalho temporário e semifeudal.

O BANCO MUNDIAL E SUA HEGEMONIA SOBRE AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA AS ESCOLAS DO CAMPO

A principal agência responsável pela difusão das ideologias imperialistas na atualidade é, sem dúvida, o Banco Mundial, cujo objetivo central é formar seres dóceis e passivos diante das imposi-ções do capital e da miséria que se intensifica com as novas formas de organização econômica advindas da crise capitalista. A partir dos anos 1990, a educação foi destacada no conjunto das reformas do Estado feitas sob a orientação do imperialismo, por meio de seus órgãos Banco Mundial e Unesco. A reforma da educação teve como mola mestra a formação de professores, considerados culpados pelo baixo desempenho dos alunos. Em vez de elevar o conhecimento do professor, esse processo ofereceu formação inicial aligeirada e centrada na prática e priorizou a formação continuada, reforçando a cada dia o que o professor deve aprender a fazer em sala de aula. Os cursos de formação inicial têm sido programas especiais de formação em traba-lho, de férias, à distância, etc. Os cursos de licenciatura em educação do campo são um exemplo da precariedade da formação, já oferecida na modalidade à distância. Os programas de formação de professores estão associados ao currículo, aos conteúdos escolares. Os programas exigem a aplicação dos módulos em sala de aula, de forma que são dois projetos em um: forma-se o professor e garante-se o controle do ensino dos conteúdos. A escola deve funcionar como uma empresa capitalista e servir ao mercado na produção de mão-de-obra barata, qualificada e semisservil, que garanta maior produtividade ao capital

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monopolista. Para transformar a escola num mercado a serviço do mercado, novos conceitos estão difundidos nas políticas educacionais: equidade, solidariedade e cooperação internacional; autonomia, exce-lência, eficácia, competência, flexibilidade, descentralização, poder local, formação abstrata e polivalente, participação da sociedade civil, ensino com novas tecnologias, superação da pobreza, globalização, integração, etc.

Esses conceitos se fundamentam nas teorias do capital humano e da qualidade total, ligadas operacionalmente à tecnologia orga-nizada em grandes fábricas, decomposição das tarefas, ênfase na gerência do trabalho, treinamento para o posto, etc. (FRIGOTTO, 2005), e adaptadas à reestruturação do capitalismo e à base técnica do trabalho, mas conservando as mesmas características gerais do fordismo. Nessa perspectiva, é preciso qualificar trabalhadores para operar um sistema laboral informatizado, que tenham capacidade para “resolver problemas” e, principalmente, que se submetam ao trabalho superexplorado e precarizado. Essa formação se funda nos critérios de competência e está organizada dentro da lógica da informação, para inserir os trabalhadores na “sociedade do conhecimento”, que passapor mudanças constantes, atendendo ao objetivo de formar capital humano para uma produção de qualidade total.

Vimos que desde a década de 1930 o imperialismo norte-ame-ricano controla a educação do campo, financiando as políticas edu-cacionais que se materializam em projetos e programas. Atualmente está em pleno vigor o projeto Fundescola, que se subdividiu em Fundescola I, Fundescola II e Fundescola III. Na pesquisa que fizemos no Estado de Rondônia, constatamos que as políticas de educação do campo na atualidade são parte do pacote imposto pelo Banco Mundial por meio das ações do Fundescola.

Nos municípios de Rondônia estão implantados vários pro-gramas do Fundescola: PDE, Escola Ativa, Gestar, Pró-Gestão, Pró-Letramento, Pró-Infantil, Pró-Jovem, Proler, Pró-Info, Além das Letras e Brasil Alfabetizado. Na publicação do Ministério da Educação (BRASIL, 2007), a SECAD/MEC expõe mais algumas ações que se constituem em políticas de educação do campo: Saberes da Terra, Plano Nacional de Formação dos Profissionais da Educação do Campo; Licenciatura em Educação do Campo; Revisão do Plano

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Nacional de Educação  – Lei no 10.172/2001 (BRASIL, 2001); Fórum Permanente de Pesquisa em Educação do Campo e Apoio à Educação do Campo. Essas políticas, assim como o Fundescola, são financiadas e orientadas pelo Banco Mundial, em convênio com o FNDE e o Ministério da Educação. Elas fazem parte do conjunto das ações definidas a partir da década de 1990, com a reforma do Estado, e sua operacionalização se deu após o processo de descentralização. O imperialismo impõe a descentralização em todos os processos de reorganização do Estado, inclusive na educa-ção, o que culminou na municipalização do ensino fundamental. No Estado de Rondônia, o processo de municipalização resultou na transferência aos poderes públicos municipais de muitas escolas do campo, especialmente as escolas multisseriadas, que estavam vinculadas à Secretaria Estadual de Educação. Essa medida cau-sou grande impacto e foi um dos fatores que contribuíram para o fechamento de parte das escolas multisseriadas. Hoje o ensino fundamental do campo em Rondônia é oferecido exclusivamente pelas prefeituras municipais.

A pesquisa apontou que nos últimos dez anos centenas de escolas foram fechadas no campo rondoniense. Há muitos municípios que fecharam todas as escolas multisseriadas do campo. As escolas mul-tisseriadas foram desativadas e aglutinadas sob a forma de núcleos ou polos. Em Rondônia se popularizaram com o nome de escolas polo. Esse processo se iniciou com o financiamento do Banco Mundial nas ações do Fundescola, por meio do Projeto de Adequação dos Prédios Escolares (PAPE). Assim, os municípios construíram escolas polo, fecharam as escolas multisseriadas e, desde então, as crianças são transportadas a longas distâncias em ônibus precários, também financiados em parte por programas financiados pelo Banco Mundial (Caminho da Escola, PNATE). Os gastos públicos com transporte escolar são altíssimos.

Em algumas comunidades houve resistência ao fechamento das escolas multisseriadas e elas foram mantidas. Dentre os municípios pesquisados, em Colorado D’Oeste e Rolim de Moura não houve mobilização e luta camponesa pela manutenção das escolas, razão pela qual foram todas fechadas, como na maioria dos municípios de Rondônia. Ao passarmos pelas linhas vicinais e rodovias dos muni-

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cípios rondonienses avistamos as escolas abandonadas, estruturas depredadas, destruídas pelo abandono.

Em todos os municípios pesquisados a educação não é estendida a toda a população do campo, nem mesmo o ensino fundamental, o que tem sido um dos fatores responsáveis pelo êxodo rural. Em geral as escolas do campo não oferecem ensino médio nem educação infantil. As experiências nessas modalidades são poucas e precárias. Para não terem de mandar os filhos à escola de madrugada, percor-rendo longas distâncias em ônibus em mau estado, os pais acabam deixando o campo em busca de educação nas cidades. O não ofere-cimento de educação de qualidade no campo, portanto, contribui de forma estratégica para esvaziá-lo e deixá-lo à mercê do latifúndio, que se expande onde só havia pequenas propriedades, como nas áreas dos projetos de colonização das décadas de 1970/1980 e nos assentamentos de reforma agrária.

Nos municípios pesquisados estão implantados os seguintes programas na educação do campo: PDE, Escola Ativa, Gestar, Pró-Letramento, Pró-Infantil, Pró-Gestão e Pró-Jovem. O estudo que fizemos sobre cada um desses programas concluiu que todos eles se estruturam com base nas teorias do capital humano e da qualidade total e que estão umbilicalmente ligados às teorias neopragmáticas e ao neotecnicismo. O pragmatismo avançou na educação brasileira com o advento da Escola Nova, no final da década de 1920. Para Saviani (2007), essa escola foi criada pela burguesia imperialista e serviu, fundamentalmente, para desarticular os movimentos popu-lares. O neopragmatismo introduziu novos elementos na pedagogia da Escola Nova e se apresenta como um novo modelo, se oculta por trás de uma linguagem progressista, incluindo pensadores socialistas como Vigotski e Makarenko em suas elocubrações pedagógicas rea-cionárias. A formação para a “cidadania”, discurso antes reproduzido pela chamada “esquerda”, está presente em todos os documentos oficiais da educação brasileira, como a LDB, o PNE, os PCNs, o FUNDEF, o FUNDEB, etc., que assumem um discurso pragmático, “pós-moderno”, fragmentário e irracional (DUARTE, 2001). Essa proposta vai ao encontro das pedagogias pragmáticas pós-modernas, que visam preparar o aluno para as novas exigências do mercado capitalista e almejam trabalhadores “participativos” “flexíveis”, “poli-

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valentes”, com “competência” para resolver problemas que envolvam a multifuncionalidade do trabalho no processo de produção e que aceitem o trabalho precário e instável dentro da lógica da qualidade total. Para se inserir-se na “modernidade” produtivista se faz neces-sário possuir “eficiência” e “competência”. Esse novo pragmatismo revela nada mais que a velha pedagogia do “aprender a aprender” de Dewey, e fundamenta não só o construtivismo, mas a pedagogia das competências, a pedagogia do professor reflexivo, etc., que Duarte (2003, p. 6) chama de pedagogias do aprender a aprender.

A Escola Ativa é a mais legítima concepção neopragmática imposta aos professores das escolas do campo. Apresenta-se como um “novo” e redentor modelo e tem como objetivo superar o ensino tradicio-nal, valorizando a participação do aluno como sujeito do processo de aprendizagem, reorientar o papel docente como orientador da aprendizagem e reforçar sua formação em serviço. O Gestar e o Pró-Letramento são o amálgama do tecnicismo e do escolanovismo. Identificamos nos seus módulos, que buscam organizar o processo de aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos destinados a fazer os indivíduos se adaptarem ao capitalismo global. Esses programas estão centrados no ensino da Língua Portuguesa e da Matemática. Concluímos, no estudo dos documentos do Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 1990), que a formação em língua portuguesa e matemática é uma meta do imperialismo, expressa no documento básico de Jotiem. Os camponeses precisam dominar os rudimentos da matemática e da língua, pois são essenciais para o desenvolvimento dos novos consumidores, de força de trabalho mini-mamente preparada para operar a tecnologia da mecanização agrícola, do uso de insumos, etc. A educação da língua e a matemática básica são aplicadas como treinamento às classes subalternas do capitalismo burocrático. As burguesias continuarão a ter uma educação centrada nos conhecimentos universais, na arte, na literatura, etc.

O CORONELISMO E A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Nossa pesquisa indicou que a educação do campo em Rondônia é marcada pelos efeitos do coronelismo. Quando a educação é imposta no campo, configura-se o que se convencionou chamar, na América

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Latina, de gamonalismo ou caciquismo, e que no Brasil denominamos coronelismo. Para compreendermos o fenômeno do coronelismo devemos relacioná-lo à semifeudalidade existente no campo e às relações políticas estabelecidas no âmbito do poder local, lembrando que a semifeudalidade tem como características principais a grande propriedade, a semisservidão e o gamonalismo ou coronelismo.

O coronelismo é símbolo de autoritarismo e remonta à coloni-zação do Brasil. Ganhou força nos primeiros anos da República e se reforça ainda hoje, no conjunto de ações políticas de latifundiários em caráter local, regional ou federal, por meio da dominação econômica e social, especialmente no exercício do poder político. A figura do coronel surgiu no período regencial, quando o governo concedeu títulos de alta patente para os fazendeiros, com poder de organizar bandos armados para conter os levantes populares. Com o decorrer do tempo, os coronéis passaram a ser os donos do poder político, impondo-se perante a população local pela força ou pelas relações de dependência causadas pelas relações de servidão impostas aos camponeses. A relação de dependência da população local em relação aos grandes proprietários, especialmente nas pequenas cidades e no campo, ocorre na forma de favores políticos.

O coronelismo poderia ter sido liquidado com o advento da República e do fortalecimento das ideias liberais, mas, como não houve revolução burguesa, e consequentemente nenhuma mudança em relação à estrutura fundiária do País, manteve-se a semifeudalidade e com ela as relações autoritárias dos grandes proprietários de terras, que continuam detendo o poder político e econômico na maior parte dos municípios brasileiros. O coronelismo não pertence ao passado. Está vigorosamente presente nas relações que se estabelecem no campo sob novas formas. Para Mariátegui (2008, p.54-55), “[...] o fator central do fenômeno é a hegemonia da grande propriedade semifeudal na política e no mecanismo de Estado”.

Em Rondônia, a existência desse fenômeno é evidente. Os grandes proprietários semifeudais possuem hegemonia em todas as esferas governamentais. Historicamente, a maior parte dos representantes de Rondônia no parlamento estadual e federal pertence à classe latifundiária. Quando não é possível a eleição de um latifundiário, garante-se o apoio e financiamento de campanhas eleitorais para eleger

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pessoas de confiança que possam levar a cabo todos os seus interesses materiais. Há uma vinculação direta dos que detêm cargos políticos com as famílias dos grandes proprietários de terras. Esse controle político é exercido na forma dos farsescos processos eleitorais da ditadura burguesa, nos quais prevalecem o famoso “voto de cabresto”, que assume novas formas, como a manutenção dos “currais eleitorais” por meio de ações assistencialistas e clientelista se, sobretudo, pela compra de votos. Os partidos eleitorais, fragmentados e numerosos, são controlados pelos latifundiários e o poder político é disputado entre grupos com interesses semelhantes.

O poder dos coronéis se destaca em muitos setores. As políticas públicas imperialistas apresentadas pelos gerentes do capitalismo burocrático brasileiro são aprovadas com total apoio dos parlamen-tares latifundiários. A bancada dos coronéis no Congresso Nacional – denominada pelos monopólios de comunicação como “bancada ruralista” – facilita o desenvolvimento e expansão do latifúndio. Em Rondônia o sistema político é fortemente vinculado às relações de dominação hegemônicas exercidas pelos latifundiários, diretamente ou indiretamente (por profissionais liberais, professores, etc., eleitos com seu apoio). O Poder Judiciário também é controlado pelos grandes proprietários, especialmente nas pequenas cidades. Grande parte dos juízes e promotores de Justiça mantêm relações de amizade com latifundiários locais – quando eles mesmos não o são. Em locais onde a luta pela terra é mais acirrada, o magistrado não esconde as motivações políticas de seus atos, impondo todo tipo de perseguições às lideranças camponesas, como um verdadeiro cavaleiro na defesa de seus senhores. Nas situações em que isso não ocorre, em que os latifundiários têm seus interesses afrontados, imediatamente esses profissionais são transferidos de comarca, perseguidos e até amea-çados de morte.

Mariátegui afirmou que os coronéis invalidam toda lei. Diante deles “a lei escrita é impotente”:

O juiz, o subprefeito, o comissário, o professor, o coletor, estão todos enfeudados à grande propriedade. A lei não pode prevale-cer contra os gamôneles. O funcionário que se empenhasse em impô-la seria abandonado e sacrificado pelo poder central, junto

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ao qual são onipotentes as influências do gamonalismo que atuam diretamente ou por meio do parlamento, por uma ou outra via, com a mesma eficiência (MARIÁTEGUI, 2008, p.55).

A maioria das leis não é cumprida no Brasil, especialmente nos locais de influência dos grandes proprietários de terra. Está assegurado na legislação brasileira o direito ao contrato de trabalho. Entretanto, como já mencionamos, apenas 9% dos trabalhadores do campo pos-suem carteira de trabalho assinada. O trabalho semisservil é proibido, mas predominante. De posse do poder político do Estado, só se faz cumprir a legislação que serve aos seus interesses políticos e econô-micos. O coronelismo espalha seus tentáculos por todos os espaços da administração pública, em todos os níveis. O coronelismo ou gamonalismo não designa apenas uma categoria social e econômica dos latifundiários, como explica Mariátegui (2008, p.54):

O termo gamonalismo não designa apenas uma categoria social e econômica dos latifundiários ou grandes proprietários agrícolas. Designa todo um fenômeno. O gamonalismo não está represen-tado somente pelos gamonales propriamente ditos. Compreende uma grande hierarquia de funcionários, intermediários, agentes, parasitas, etc.

O coronelismo não caracteriza apenas o problema da terra, mas toda uma estrutura política e administrativa das instituições do Estado. Os cargos técnicos e políticos concentram-se nas mãos de pessoas escolhidas e nomeadas pelos detentores do poder local para executarem seus projetos, e raramente são escolhidas por critérios profissionais.

No caso da educação, a ação dos grandes proprietários de terra é indireta. Os agentes indiretos são os seus subordinados nos setores da administração pública. Professores ocupando cargos técnicos nas instituições dirigentes da educação se transformam em opressores de sua própria classe porque se colocam a serviço dos interesses do grupo detentor do poder.

Nas entrevistas, os professores da Escola Paulo Freire  – Assentamento Palmares, no município de Nova União – RO, com

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muito receio de serem perseguidos, acusaram os agentes da Secretaria de Educação de exercerem coação sobre eles para que aderissem aos programas do Banco Mundial, inclusive com ameaças de demissões e bloqueio de salários. É a forma pura do exercício do coronelismo: impor, coagir, ameaçar com o corte de salário, fiscalizar e punir caso não seja cumprido o objetivo. Não há direito de escolha. É regra, é obrigação instituída de forma tácita.

As práticas autoritárias e patrimoniais são uma constante histórica no Brasil, onde um grupo de “iluminados” se diz porta-voz da edu-cação pública, como explica Silva (2003, p.284): “A concepção de gestão racional do sistema educacional brasileiro, ainda hoje, revitaliza o autoritarismo, a verticalidade, o gerenciamento, o apadrinhamento e o clientelismo nas relações sociais”.

As ordens de implantação e todos os processos organizativos das políticas são definidos hierarquicamente, do escritório do Banco Mundial até a mais humilde secretaria de educação municipal, onde se efetivam de fato. Por isso, o processo de implantação é doloroso, cheio de contradições, mas que aos poucos vai envolven-do os professores, que acabam se encantando pelo “canto da sereia das novas pedagogias nomeadas com o prefixo ‘neo’” (SAVIANI, 2007, p.447).

O professor é vítima da ação do coronelismo existente nos pro-cessos de formação a que está submetido. Os agentes públicos, que devem cumprir as determinações externas utilizando os fundamentos teóricos da nova proposta educacional imperialista, propagam a liber-dade e a participação dos professores nos processos de formação. São oferecidas verdadeiras avalanches de cursos aligeirados, fragmentados, aludindo a questões práticas do cotidiano. Essa formação oferecida aos professores exige uma correspondência em termos de um exercí-cio docente com o máximo de produtividade, com um mínimo de recursos e, inclusive, com baixíssimos salários.

Podemos caracterizar o trabalho dos professores do campo como semifeudal, uma vez que se submetem à mais completa precariza-ção nas condições de trabalho e emprego, não possuem autonomia didático-científica, não possuem autonomia de gestão e se submetem aos processos mais rudes de obrigação e servidão às políticas implan-tadas nas escolas.

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A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO DA VIA CAMPESINA: UMA SINTONIA AFINADA COM O IMPERIALISMO

Na pesquisa realizada na Escola Paulo Freire foram elucidadas algumas contradições: a prática pedagógica dos professores expressa a ausência de compreensão dos pressupostos da educação em relação às suas bases econômicas, didáticas, psicopedagógicas e administrativas; a aplicação dos módulos dos programas garante o esvaziamento dos conteúdos escolares, pois se voltam a uma formação flexível, apoiada nos conceitos gerais e abstratos, fundamentados nas pedagogias do “aprender a aprender”, que deslocam o aspecto lógico para o psico-lógico e mudam o foco dos conteúdos para os métodos; busca-se desenvolver conhecimentos que permitam aos camponeses lidar com situações novas, a desenvolver a capacidade de se adaptar aos novos processos de dominação imperialista no campo; a educação do campo passa a ser um investimento em capital individual, buscando habilitar os camponeses para o mundo do trabalho urbano, se forem expulsos do campo, ou para o trabalho nos latifúndios de novo tipo, caso permaneçam; os camponeses buscam construir um projeto político-pedagógico na contramão do poder local e das políticas imperialistas, buscando ingenuamente os pressupostos educativos que não diferem, na sua essência, do projeto imperialista existente; os movimentos sociais do campo que atuavam no local, MST e MPA, decaíram e não mais representam os camponeses; o setor de educação desses movimentos desapareceu; os professores conhecem os problemas do assentamento e descrevem a ruína da produção, a desarticulação dos camponeses e dos movimentos do assentamento na luta contra o projeto imperialista para o campo na Amazônia.

O fenômeno do oportunismo e do revisionismo presentes na educação foi encontrado quando analisamos a proposta educacional do MST, divulgada amplamente ao longo das últimas décadas, expli-citando suas concepções e práticas pedagógicas que aparentemente se opunham ao Estado burguês. Essa proposta foi assumida pelos outros movimentos da Via Campesina no Brasil, a exemplo do MPA, e pos-teriormente se institucionalizou nas políticas públicas de educação do campo em vigor. No quadro das tendências pedagógicas do Brasil,

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localizamos a proposta de educação do MST dentro das pedagogias da educação popular e da pedagogia da prática. Concluímos que a proposta educacional da Via Campesina, especialmente a do MST, não difere da educação liberal pós-moderna proposta na atualidade pelo imperialismo, pelas seguintes razões: 1) a proposta apresentada pela Via Campesina para a educação do campo foi construída em aliança com o Estado capitalista burocrático e se consolidou com a participação dos movimentos da Via Campesina nos órgãos deli-berativos instituídos no aparelho do Estado e em conjunto com os organismos do imperialismo, como a Unesco e o Unicef; 2) busca a impossível “superação” da dicotomia cidade-campo no capitalismo. A proposta não identifica a origem dessa dicotomia nem a sua supe-ração, que é o fim da propriedade privada; 3) não reflete uma luta contra o capitalismo, nem teórica, nem prática. Limita-se às questões culturais fundadas no modismo pós-moderno das “diferenças” dos sujeitos do campo frente à sociedade em geral, às “especificidades” do campo e à afirmação da “identidade” camponesa; 4) luta pela inclusão dos camponeses na escola burguesa por meio de políticas públicas; 5) seu objetivo estratégico é a “transformação” da socie-dade brasileira com a construção de um “projeto popular”, de um “novo modelo de desenvolvimento”. Não se refere a uma educação voltada à construção de um processo revolucionário, mas à luta rei-vindicatória pela reforma agrária de mercado, por direitos a serem concedidos pelo Estado burguês na forma de políticas públicas; 6) busca o rejuvenescimento das ideias do Ruralismo pedagógico quando reafirma que o papel principal da escola é garantir a permanência dos camponeses no campo; 7) a educação se faz pelas várias pedagogias ecléticas e idealistas.

O conceito de práxis levou-nos a compreender que as pedagogias defendidas pelo MST que fundamentam a proposta do Movimento Nacional Por uma Educação do Campo são heterogêneas, um aglomerado eclético que tenta unir o pensamento cristão e as concepções fenomenológicas da educação popular, fundadas espe-cialmente nas pedagogias de Paulo Freire e nas produções de edu-cadores soviéticos. Um ecletismo pedagógico que não possibilita a união da teoria e da prática – união que se traduz na transformação social. Não há uma teoria revolucionária na proposta educativa

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da Via Campesina e a prática construída por ela também não é transformadora, pelo contrário, é reformista, e serve aos interesses da ordem capitalista.

Para o materialismo dialético, o conhecimento não pode estar desvinculado da prática, pois a prática social é uma atividade real, revolucionária. Compreendemos, assim, porque a união teoria e prática da proposta da Via campesina não se efetiva: não há teoria revolucionária e nem um processo de organização dos camponeses para uma prática concreta de luta pelo poder. Arrastando-se diante da gerência do Estado, o que vemos concretamente na proposta da Via Campesina é a luta por políticas públicas educacionais, não ultra-passando a esfera econômica tanto no que se refere à reivindicação pela terra quanto pela educação dos camponeses pobres.

Compreendemos que a Via Campesina, articulada aos preceitos liberais da educação presentes nas políticas públicas do MEC/Banco Mundial, é o resultado da hegemonia política e ideológica das classes dominantes brasileiras e do imperialismo sobre o proletariado. Para Lênin (1986, t. 33, p.21), esse ecletismo tem um único e indisfarçável propósito: impedir o desenvolvimento da consciência de classe, ades-trar o proletariado para continuar aceitando a exploração semifeudal e capitalista. É uma proposta deliberada do oportunismo, como já explicava Lênin (1986, t.33, p.21, grifo nosso):

Habitualmente unem-se ambas as coisas com a ajuda do ecle-tismo, tomando arbitrariamente (ou para agradar os detentores do poder), sem princípios ou de um modo sofístico, ora um ora outro argumento. E em noventa e nove por cento dos casos, se não mais, avança-se para o primeiro plano, precisamente o da ‘extinção’. A dialética é substituída pelo ecletismo: é a atitude mais habitual e mais geral entre os marxistas e nas publicações social-democratas de nossos dias. Esta substituição não tem, certamente, nada de novo: observou-se inclusive na história da filosofia clássica grega. Com a adaptação do marxismo ao oportunismo, o ecletismo, apresentado como marxismo, engana as massas com maior facilidade, dá uma satisfação aparente, parece levar em conta todos os aspectos do processo, todas as tendências do desenvolvimento, todas as influências

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contraditórias, etc., quando, na realidade, não proporciona nenhuma concepção integral e revolucionária do processo de desenvolvimento social.

O oportunismo tem uma ligação umbilical com o imperialismo (LÊNIN, 1979). A proposta educacional da Via Campesina é um exemplo dessa ligação, de tal forma que o Brasil é apresentado como um “modelo”, não só para a América Latina, mas para todo o Terceiro Mundo. A Via Campesina é a internacionalização do oportunismo para impedir a ação revolucionária do campesinato. O Brasil é o carro--chefe da Via Campesina, do “Fórum Social Mundial”, do socialismo cristão, que se amontoam em defesa de uma “via campesina” contra a guerra popular.

Por fim, a pesquisa revelou que a educação do campo reflete os interesses econômicos do imperialismo, em aliança com as classes burguesas latifundiárias, em oposição aos das amplas massas de trabalhadores do campo. Revelou, ainda, que esses interesses se processam também no âmbito da cultura, no qual se estimula o individualismo e o misticismo, subjugando a cultura nacional por meio dos processos de aculturação camuflados pelo discurso de modernidade; que as políticas educacionais do Banco Mundial para os camponeses se revestem de um caráter “humanitário”, de “justiça social” e “combate à pobreza” e se concretizam prioritariamente na oferta do ensino fundamental, visando, sobretudo, conter a luta de classes, manter as classes dominadas sob controle, prepará-las para o trabalho cada vez mais precário e, principalmente, para servir ao latifúndio de novo tipo; revelou que a educação dos movimentos da Via Campesina, por possuir os mesmos fundamentos que a educação proposta pelo imperialismo, se aliou à burocracia do Estado, ao governo Lula, por meio do Movimento Nacional Por uma Educação do Campo, retirando a máscara da proposta de educação crítica que reivindicava para os camponeses. Os debates sobre educação do campo foram reduzidos, mas a participação da Via Campesina na elaboração das políticas públicas tem sido cada vez mais constante, especialmente nos espaços onde possui representação.

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A RESISTÊNCIA CAMPONESA E A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA PROPOSTA EDUCACIONAL ANTIIMPE-RIALISTA

Embora o campo rondoniense esteja controlado pelas políticas públicas educacionais do imperialismo, seja pelos projetos do Banco Mundial ou das pedagogias da Via Campesina, há uma resistência organizada à educação burguesa. A Escola Popular é uma das formas de resistência dos camponeses que pudemos identificar em nossa pesquisa. A pedagogia da Escola Popular busca construir uma peda-gogia a partir da teoria, do método e dos princípios do materialismo histórico-dialético, fortemente vinculado às massas, à produção, à prática social construída pela revolução agrária, que deve avançar ininterruptamente na direção do socialismo. O papel dessa escola é contribuir com a luta revolucionária pela tomada do poder, por isso ela busca os referenciais da educação marxista. É um embrião da escola socialista contra o latifúndio, o capitalismo burocrático brasileiro e o imperialismo, constituindo-se numa referência de luta na educação do campo em Rondônia. A pesquisa que fizemos apenas identificou a existência dessa escola, mas não pudemos analisar suas experiências, o que pode vir a ser feito em pesquisa futura. A Escola Popular deve ser pesquisada e analisada profundamente em relação aos seus aportes teóricos e às suas práticas pedagógicas, desenvolvidas nas várias experiências existentes hoje na educação do campo.

O processo de resistência na educação que vem sendo construído em nosso País se funda no marxismo e nas experiências históricas da educação socialista, especialmente na URSS e na China, onde a educação dos camponeses se elevou em relação à organização da escola, à qualidade de ensino e aos processos de participação popu-lar. Defendemos uma educação que esteja plenamente a serviço do proletariado do campo e da cidade, combinada com o trabalho produtivo, a fim de formar o ser humano integralmente. Devemos continuar a luta por uma cultura antiimperialista e antifeudal, por uma cultura de nova democracia que propõe o desenvolvimento de uma escola única e democrática. Mas, sendo essa uma medida que promove a igualdade, não pode se desenvolver na sociedade atual, só terá viabilidade numa nova ordem social.

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A educação do campo no contexto do capitalismo burocrático: semicolonialismo, semifeudalidade e ecletismo pedagógico

No contexto do capitalismo burocrático, devemos travar a luta de classes dentro da escola oficial burguesa, combater o oportunis-mo e o revisionismo. É necessário lutar para que a escola burguesa cumpra sua função principal, que é socializar o conhecimento sem rebaixá-lo e minimizá-lo, pois o proletariado precisa dominar o conhecimento produzido pela humanidade para manejar a teoria marxista. Entendemos que, mesmo sendo uma instituição do Estado, a escola pode desempenhar um papel contraditório a ele, pois, como trabalha com o conhecimento, não consegue ocultar o tempo todo as contradições existentes na sociedade. Além do mais, são criadas em torno dela organizações e movimentos que a contestam e que lutam para transformá-la.

Compreendemos que o campesinato é uma classe revolucionária, em especial nas sociedades semicoloniais.A potencialidade e a dispo-sição de luta dos camponeses já foram comprovadas historicamente, sendo a condição para o avanço da revolução proletária. Engels (1979) já identificava a potencialidade do campesinato nas guerras camponesas da Alemanha; mesmo sem uma direção consequente, ele se colocava em luta desigual contra a exploração no campo. Na Rússia, o campesinato pobre foi a garantia do triunfo da Revolução bolchevique. O conceito de aliança operário-camponesa desenvolvido por Lênin foi aplicado na Rússia e desenvolvido em outros países, como na China, que viram o campesinato como uma força revolu-cionária, se conduzida pelo Partido Comunista. A história brasileira demonstra a disposição de luta dos camponeses. O seu papel ao longo das experiências revolucionárias vitoriosas, ou mesmo no levante das massas nas lutas econômicas, faz com que o latifúndio atrelado ao imperialismo se desespere cada vez mais quando o campesinato se rebela.

Portanto, o mesmo Estado que segue os ditames do imperialismo, que impõe a expulsão dos camponeses por intermédio das muitas medidas educacionais, econômicas e estruturais que não lhes garan-tem a permanência na terra e perpetuam a expansão do latifúndio de velho e de novo tipo, visa também mantê-lo acéfalo e dependente de suas medidas assistencialistas, já que, conforme discorremos ao longo do trabalho, sem o campesinato como aliado principal do proletariado, mantém-se a estrutura semicolonial em nosso País.

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O imperialismo em crise continuará manejando com essa frente oportunista que encabeça a contrarrevolução e comandando a mais terrível repressão contra as classes exploradas que se rebelam em cada canto deste país. Hoje, o oportunismo se empenha em efetivar as políticas imperialistas, mas seu destino histórico já está traçado, pois a cada dia cresce a luta de operários e camponeses, com a clareza de que a luta contra o imperialismo deve ser, antes de tudo, uma luta contra o revisionismo e o oportunismo. Somente o proletariado revolucionário, por meio de seu autêntico Partido Comunista, base-ado na aliança operário-camponesa, poderá derrotar o oportunismo/revisionismo, a grande burguesia, os latifundiários e o imperialismo, edificando um novo poder, uma nova economia, uma nova cultura, uma sociedade de nova democracia.

REFERÊNCIAS

BANCO MUNDIAL. El mejoramiento de la educación primaria en los países en desarrollo: examen de las opciones de política. In: CONFERÊNCIA DE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990, Bangkok. Anais... Bangkok: [s.n.], 1990, p.01-271.

BASBAUM, L. História sincera da República: das origens a 1889. São Paulo: Alfa-Ômega, 1986.

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PRINCÍPIOS EPISTEMOLÓGICOS PARA A AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA1

Flavine Assis de MIRANDA

Quando me foi proposto escrever um texto, referenciado na tese de doutorado que defendi, achei por bem abordar aquele que eu penso ser seu aspecto principal para a contribuição epistemológica ao campo da Avaliação Educacional. Sendo assim, o que ora apresento é um recorte, um fragmento do que venho discutindo nessa área.

A temática deste estudo, cravada no contexto da sociologia crítica, se situa no campo da Sociologia da Educação no sentido da construção de um campo teórico para uma Sociologia da Avaliação, sendo seu intuito o de intensificar os estudos desse campo, resgatando a defesa de A. J. Afonso (2000) quanto às potencialidades da avaliação como dispositivo emancipatório, já que ela tem possibilidades de promover a concretização efetiva de diretos sociais e culturais.

Diante destas preocupações, um problema se apresenta e surge a seguinte indagação: é possível desenvolver práticas sociais emancipa-tórias no seio de estruturas regulatórias no que concerne à avaliação de sistemas educacionais? E mais, pode uma política de avaliação educacional ser um instrumento emacipatório mesmo quando inse-rido em uma estrutura regulatória?

1 Este texto origina-se da tese de doutoramento intitulada Avaliação educacional no interior Amazônico: entre a regulação e a emancipação defendida no Programa de Doutorado Interins-titucional em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara/SP.

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Construindo uma racionalidade epistemológica que acompanha o pensamento de Boaventura de Sousa Santos (1985, 1989, 2005) e Almerindo Janela Afonso (2000), este estudo busca evidenciar uma natureza investigativa emancipatória à avaliação imputando a ela uma função social, política e pedagógica oriunda de uma prática regulatória com finalidade emancipatória. Os estudos teóricos e análises desenvolvidas pautam-se em conceitos básicos como regula-ção e emancipação, respeitando o processo que B. S. Santos (2005) denomina por ‘segunda ruptura epistemológica’ para a construção de um conhecimento prudente para uma vida decente. Entendida dessa forma, a avaliação educacional pode representar, além das funções já conhecidas e reconhecidas, uma maneira de produção de conhecimentos que parte de uma prática social regulatória com fins emancipatórios.

Os itens que seguem buscam desenvolver uma racionalidade científica percorrendo um caminho teórico que se apóia em autores que, em seus pensamentos, ousaram reinterpretar a ciência, especi-ficamente as ciências sociais.

OS CAMINHOS DAS CIÊNCIAS

A ciência em seus primórdios encontrava-se sob a égide do paradigma positivista, o que acarretou reflexos cientificistas de objetivação e planificação da avaliação. Estes reflexos podem ser verificados na priorização dos instrumentos avaliativos super-valorizando testes, escalas de atitude, etc. Sob a influência da matriz objetivista importava a elaboração de planos de ensino, a operacionalização adequada dos objetivos educacionais e instru-cionais, suas estratégias didáticas e procedimentos sistemáticos de avaliação baseados nos objetivos traçados. Os resultados obtidos pelos procedimentos de avaliação aplicados determinavam os conhecimentos adquiridos pelo aluno e o grau de competência do professor. Competência essa que tem seu eixo deslocado do ‘saber fazer’ para o ‘saber planejar o que fazer’.

Com a adoção da matriz epistemológica subjetivista nas pesquisas científicas a atividade do sujeito ganha destaque e predominância. Transposto para o campo da avaliação educacional, este modelo

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Princípios epistemológicos para a avaliação emancipatória

trouxe significativo avanço para essa área norteando e gerando deli-neamentos de investigação mais completos e abrangentes. Assim, a avaliação educacional preocupada com a apreensão das habilidades cognitivas, também se volta para a captação do sujeito buscando penetrar na ‘caixa preta’ dos seus processos cognitivos. Respeitando o ritmo individual do aluno para a aquisição da aprendizagem sig-nificativa, ganham importância os procedimentos avaliativos como auto-avaliação, o estudo dos aspectos afetivos e a análise das condi-ções emocionais que interferem na aprendizagem. São valorizados instrumentos como opinários, entrevistas, e as ‘questões abertas’ ou dissertativas.

Numa perspectiva epistemológica de caráter histórico na qual a explicação da realidade se dá em uma totalidade transitória, surgem novos modelos interpretativos. Com a tônica nas análises históricas, sociológicas e econômicas, essa postura de investigação científica chama atenção para a especificidade da escola e a problemática do indivíduo. Nela, o indivíduo, que é sujeito e objeto do conhecimento, não pode ser considerado de forma isolada da sociedade, mas, deve ser visto como parte integrante dessa dinâmica. Nessa nova perspec-tiva epistemológica, a avaliação educacional deve se voltar para o vínculo indivíduo-sociedade numa dimensão histórica (FRANCO, 2005). Isso significa conhecer, aprofundadamente, a realidade social do indivíduo em todos os seus setores, reconhecendo, descrevendo e identificando as desigualdades sociais existentes, decorrentes dos desequilíbrios e injustiças socioeconômicas. Além disso, é necessá-rio apreender as redes de relações sociais e conflitos de interesses imbricados na dinâmica social superando a mera descrição dos fatos, captando as contradições da sociedade e abrindo caminhos para as rupturas e mudanças.

Essa nova matriz epistemológica sugere uma avaliação educa-cional dos processos cognitivos fundamentada historicamente, o que significa estudá-la nos processos de mudança e movimento das práticas sociais no conjunto das relações concretas da estrutura social historicamente constituída. Daí, a avaliação educacional ser reconhe-cida como prática concreta que se desenvolve e, ao ser desenvolvida, transforma o mundo e a si mesma. Nessa ótica, o campo da avaliação educacional evolui no caminho de uma sociologia da avaliação supe-

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rando as análises objetivistas, psicopedagógicas e psicologizantes do fenômeno educativo e da própria avaliação.

Ao longo dessa trajetória presenciamos, entre meados e final do século XX, grandes transformações no mundo tal como o conhece-mos. Estas mudanças vertiginosas impactaram o contexto político e a vida cotidiana de maneira geral. Mas, impactaram sobremaneira, a visão de mundo da humanidade e o principal instrumento de interpretação e compreensão deste: a ciência moderna.

Perante a complexidade e perplexidade da vida contemporânea, a ciência moderna vem perdendo a confiança epistemológica no que se refere ao seu potencial de resolução dos problemas da humanidade. Posta em xeque, esta entra em crise e se transforma progressivamente gerando um processo denominado por Prigogine e Stengers (1997) de ‘metamorfose da ciência’.

Em seus estudos, Prigogine e Stengers (1997) exploram a ciência clássica na tentativa de compreender a articulação desta com seu conteúdo teórico, a interpretação que dá ao homem e a prática científica. Sua intenção é realçar a criatividade da atividade científica, as perspectivas e novos problemas que ela fez surgir. Sua tese se assenta na forte interação entre as questões produzidas pela cultura e a evolução conceitual da ciência no seio dessa cultura. Para o autor, o mundo depende de nós e para compreendê-lo necessitamos de todos os instrumentos conceituais e técnicos que a ciência pode fornecer.

NOVOS CAMINHOS PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS

Essa nova perspectiva abriu caminhos para o desenvolvimento das ciências sociais e novas construções foram possíveis à Sociologia e à Sociologia da Educação. Dentre as novas possibilidades científicas des-tacamos o pensamento de Boaventura. S. Santos (1985, 1989, 2005) e sua reflexão político-epistemológica sobre a crise da ciência moder-na e a emergência de um novo paradigma para as ciências sociais. Interessado na reflexão sociológica contemporânea, o autor focaliza a dimensão teórico-epistemológica num processo de construção de uma nova epistemologia que possibilite a superação do cientificismo que impregna a sociedade e seu processo de modernização. Com isso,

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o autor objetiva vislumbrar uma trajetória epistemológica e política em busca de um ‘conhecimento prudente para uma vida decente’. Ou seja, um conhecimento tecido na construção de relações culturais horizontalizadas, numa perspectiva de revalorização das culturas e dos modos de pensar e de estar no mundo tornados subalternos pelo cientificismo.

Na construção desse caminho que vai da ciência ao conhecimento prudente, B. S. Santos assume cinco hipóteses para responder às suas indagações. Estas, gradualmente, vão se desenrolando até alcançar a diretriz máxima de seu pensamento quanto a não hierarquização entre conhecimento científico e conhecimento vulgar.

Esse pensamento conduz à crítica ao modelo de racionalidade da ciência moderna, pretensamente fundado em uma racionalidade científica global que se distingue e defende do senso comum das humanidades, assumindo-se como única forma de conhecimento verdadeiro. A racionalidade científica moderna distingue conhe-cimento científico e conhecimento do senso comum, natureza e pessoa humana. E dessa forma aplica mecanismos de desconstrução e reconstrução da natureza para conhecê-la e dominá-la tornando o homem seu senhor e possuidor. Esses mecanismos, baseados na matemática e na física, são criticados por B. S. Santos que aponta como consequência nefasta dessa tradição a ideia de que conhecer significa quantificar, e por isso, o que não é quantificável é irrelevante; e, a ideia de redução da complexidade do método científico no qual conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que separou.

AVALIAÇÃO E O NOVO PARADIGMA CIENTÍFICO

Como o momento atual é de revolução científica, a crise gerada por ela aponta para o que pode vir a ser um novo paradigma cientí-fico. Focando as ciências sociais, especificamente a Sociologia, e mais detalhadamente a Sociologia da Educação, encontramos nesse cenário uma Sociologia da Avaliação, cujo objeto de investigação, múltiplo e complexo auxilia na configuração dos novos moldes epistemológicos de uma racionalidade científica que supera o modelo moderno. Com isso, entendemos que a avaliação educacional, enquanto objeto de

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investigação gerador de conhecimentos, responde e contribui nesse processo de construção paradigmática da pós-modernidade.

Na sua dimensão epistemológica e política, a avaliação pode potencializar as energias emancipatórias fundamentais para a cons-trução de uma sociedade mais justa e igualitária, mais democrática e solidária, e de perspectivas futuras ampliadas pelas ações do presente. Essa perspectiva é possível quando olhamos a história recente da ava-liação educacional e seus estágios de desenvolvimento teórico. Nela vemos que em seu último estágio, a avaliação recupera os aspectos humanos, políticos, sociais, culturais e éticos envolvidos em seus delineamentos associando-se à ideia da negociação em processos mais democráticos e interativos.

Essa evolução teórica, aliada à crise paradigmática da ciência moderna, permite-nos pensar, também, em novas bases epistemoló-gicas para o campo da avaliação, que pelos estudos de A. J. Afonso (2000) propicia a atualização de suas funções. Estas, além de res-ponderem às finalidades somativa, formativa e diagnóstica, passam a assumir um caráter epistemológico e político emancipador. Essa função emancipadora da avaliação educacional só é possível segundo a perspectiva teórica de B. S. Santos de não hierarquização entre os conhecimentos. Quando o conhecimento científico se une ao conhecimento do senso comum, desembocando num entendimento da ciência como prática social, os processos avaliativos proporcionam um conhecimento mais esclarecido e prático criando o hábito de decidir bem.

B. S. Santos (1985), na tentativa de configurar o paradigma emer-gente da ciência, aborda quatro teses essenciais para sua formulação. Vejamos, então, como a avaliação educacional pode contribuir para cada uma delas.

A primeira tese – todo conhecimento científico-natural é científi-co-social – recupera o papel do sujeito na produção de conhecimento, requerendo a revalorização dos estudos humanísticos de forma a colocar a pessoa no centro do conhecimento e a natureza no centro da pessoa. Do ponto de vista da revalorização do sujeito, a avaliação educacional evolui progressivamente, e hoje, não se restringe apenas à descrição de resultados. Ela vai além da cientificidade para captar os aspectos mais humanos, políticos e sociais, agora, colocados no

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centro do conhecimento. Em seus processos negociados, a avaliação coloca o sujeito no centro do conhecimento, e, respeitando as singu-laridades da natureza do indivíduo, ela contribui para a centralidade catalisadora das ciências sociais.

Na segunda tese – todo conhecimento local é total – por ser a avaliação uma forma de expressão e constituição de conhecimentos e informações de uma determinada realidade; e por fazer emergir temas estruturados e adotados por grupos sociais concretos, desenvolvidos como projeto de ação local e traduzidos para um contexto mais global, a avaliação se assenta a essa premissa. Exemplos disso são os sistemas de avaliação estaduais como o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Básica (SIMAVE), Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP), Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Estado do Ceará (SPAECE), Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco (SAEPE), entre outros, que representam experiências localizadas, geradoras de informação, conhecimento e tecnologias de avaliação, que podem ser traduzidas e adequadas a outros contextos mais gerais, respeitando as especi-ficidades e particularidades destes. Além disso, os conhecimentos gerados com relação aos contextos locais são importantes para que se tenha um quadro, mais geral e global, da real situação e condições educacionais do país.

A terceira tese – todo conhecimento é autoconhecimento – deixa claro que a distinção sujeito e objeto, apregoada pela ciência moderna, é um pressuposto difícil às ciências sociais. O problema situa-se na necessidade de articulação metodológica entre a distinção epistemo-lógica e a distância empírica entre sujeito e objeto, uma vez que os estudos sociológicos são realizados sobre homens e mulheres reais em contextos concretos. Essa fronteira metodológica está se flexibilizando trazendo o sujeito de volta à cena e demonstrando a inseparabilidade entre o ato de conhecer e seu produto. Assim, subjetivado, o novo conhecimento científico ensina a viver e traduz-se num saber prático. Nesse sentido, a avaliação educacional contribui na geração desse novo conhecimento científico, subjetivado e de sentido prático, uma vez que além de alcançar sua finalidade inata que é a geração de informação e conhecimento sobre a realidade, ela resgata o papel do sujeito nos processos de avaliação negociada. No momento em que

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um grupo social concreto define e adota um modelo de avaliação, este se propõe a submeter sua realidade imediata ao escrutínio dos fatos e dados que o levam a conhecer mais da sua realidade e de si próprio, enquanto grupo.

A quarta tese – todo conhecimento visa constituir-se em senso comum – reafirma o caráter não científico do estatuto privilegiado da racionalidade científica. A ciência pós-moderna entende que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional. Só a configuração de todas elas o é. Isso implica diálogo entre as diferentes formas de conhecimento e de interpretação entre elas. Isso requer o resgate do senso comum nesse diálogo por ser ele, o conhecimento vulgar e prático, que orienta nossas ações cotidianas e pelo qual damos sentido à nossa vida. Ao propiciar o diálogo entre o conheci-mento formal e sistematizado, produzido pelos processos avaliativos, e o conhecimento comum sobre uma dada realidade educacional interpretados pela comunidade e profissionais da área, a avaliação da educação poderá contribuir na ampliação e atribuição de sentidos às ações orientadas. Os resultados técnicos e sistematizados da avaliação educacional, aliados ao bom senso da comunidade escolar constrói um conhecimento real da situação educacional que propicia ações orientadas no presente. Por meio de intervenções político-pedagógicas férteis em potencialidades e capacidades de ação, o grupo social, de posse desse conhecimento comum re-significado pela racionalidade científica, pode construir um futuro cada vez melhor e mais ampliado para a educação escolar.

AVALIAÇÃO E A DUPLA RUPTURA EPISTEMOLÓGICA

Uma vez configuradas as teses para o novo paradigma científico, e inserindo, em cada uma delas a perspectiva da avaliação educacio-nal, podemos perceber no âmbito das matrizes epistemológicas que até hoje sustentaram o campo teórico da avaliação, que a ciência pós-moderna as amplia em direção a um conhecimento construído prudentemente. Isto é, um conhecimento construído de forma a contribuir para uma vida social e política fundamentada mais no pilar da emancipação, do que no pilar da regulamentação, como vemos até aqui no projeto da modernidade.

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Essa constatação passa a requerer outras matrizes epistemológicas que sirvam de base e estrutura para o estudo da avaliação educacio-nal enquanto objeto de investigação. Essa nova sustentação pode ser encontrada no pensamento de B. S. Santos (1989) ao propor a dupla ruptura epistemológica. Para compreendê-la precisamos recordar que o autor vê no conhecimento comum uma dimensão utópica e libertadora quando este é ampliado pelo diálogo com o conhecimento científico. Essa valorização do conhecimento comum se explica quando verificamos que nele subjaz uma visão de mundo assentada na ação e no princípio da criatividade e da responsabilidade individuais. Por este ser capaz de captar a profundidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre estas e as coisas. Além de ser imetódico e interdisciplinar, privilegiando as ações que produzam rupturas significativas no real.

Para B. S. Santos (1989), este conhecimento comum quando interpretado pelo conhecimento científico pode originar uma racio-nalidade que, num segundo movimento de ruptura, inverta a ordem da primeira ruptura epistemológica. Ou seja, é necessário, primeiro, que o conhecimento científico faça a ruptura com o conhecimento comum, para que, depois, faça a ruptura com a ruptura epistemoló-gica, no sentido inverso. Isto é, retornando o conhecimento gerado e re-significado pela ciência, ao senso comum. Esse processo que ele chama de dupla ruptura epistemológica tem o poder de reaproximar o conhecimento científico do senso comum e, consequentemente, do cidadão comum e corrente. Com a dupla ruptura epistemológica, o conhecimento que se constrói tem sentido de resistência e potencial transformador na luta contra a subalternização e submissão dos grupos sociais marginalizados, culturalmente e politicamente. B. S. Santos (1989) recorre a uma dupla hermenêutica, a de suspeição e a de recuperação, como metodologia e conceito operacional no que se refere à ação político-epistemológica para a transformação e contemplação do mundo.

Entendemos que a avaliação educacional tem potencial de realiza-ção da dupla ruptura epistemológica, uma vez que propicia o diálogo entre conhecimento científico e conhecimento comum, construindo um conhecimento significativo e cheio de sentido que retornando ao senso comum auxilia os grupos sociais a decidir melhor sobre seus

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rumos. Essa dupla transformação, propiciada pela avaliação, gera um senso comum esclarecido e uma ciência prudente constituída pelo saber prático, e dá sentido e orientação à existência e ao ato de decidir bem.

Nesse sentido, a avaliação educacional responde ao objetivo da dupla ruptura epistemológica que é a configuração de conhe-cimentos que seja ao mesmo tempo prática e esclarecida, sábia e democraticamente distribuída. Repensando a ciência e seus modos e desconstruindo-a para inseri-la numa totalidade que a transcende, a avaliação educacional em sua dimensão epistemológica se volta para a emancipação e a criatividade. Mas, não como ciência, e sim como configuração de conhecimento que contribui para a emancipação por compreender a indissociabilidade entre o campo da racionalidade cognitiva do conhecimento científico e o campo da ética e da política.

Para efetivar a dupla ruptura epistemológica e contribuir para a constituição de uma epistemologia pragmática, a avaliação educacio-nal deve, primeiramente, ampliar o diálogo entre os diferentes dis-cursos do conhecimento e promover a horizontalização das relações, para que estas não se baseiem mais na hierarquia entre os discursos eruditos e os do senso comum. Em segundo lugar, deve voltar-se para a superação da dicotomia entre contemplação e ação fundindo a produção científica aos usos que se fazem dela. O objetivo é produzir um conhecimento mais interessado e fortalecido em suas funções política e ideológica. A intenção é valorizar a práxis tornando possível que a técnica se converta numa dimensão prática. Por fim, a avaliação deve encontrar um novo equilíbrio entre adaptação e criatividade. Este equilíbrio só pode ser contemplado no contexto de uma práxis fundamentada numa ciência que privilegia as consequências levando o homem a refletir sobre os custos e benefícios de suas ações.

No que se refere às condições sociais para a realização da dupla ruptura epistemológica, estas requerem o entendimento de uma sociedade que identifique contextos de práticas sociais propiciadores da forma de conhecimento que se pretende promover com a dupla ruptura epistemológica. Considerando cada contexto como uma comunidade de saber, devemos primeiro, entender, nas sociedades complexas, nossa cotidianidade múltipla, diversificada e de signifi-cados diferenciados. Segundo, entender que somos indivíduos cujas

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configurações articulam e interpenetram nossos seres práticos. Isso porque somos todos produtores de sentidos, e o sentido de nossa presença no mundo e da nossa ação em sociedade consiste na con-figuração de sentidos.

E, dar sentido e significado a determinados contextos e realidades, é de certo modo, tarefa da avaliação quando desenvolvida em ações e procedimentos democráticos e negociados propiciadores da hori-zontalização das ações de poder. Se a distribuição do poder de forma desigual entre os diferentes grupos sociais transforma alguns deles em sujeitos sociais de conhecimento e outros em objeto, a avaliação, ao partilhar o poder, contribui para superar essa dicotomia e para que cada contexto interativo estrutural seja uma comunidade de saber dúplice. Ou seja, que essa comunidade seja portadora tanto do saber local, comum, quanto do saber científico e técnico.

É importante destacar que a diferenciação entre a aplicação técnica e a aplicação edificante da ciência configura uma nova conflitualidade entre paradigmas científicos e paradigmas societais. A luta pela ciência pós-moderna e pela aplicação edificante do conhecimento científico é a luta por uma sociedade que as torne possíveis e maximize sua vigência. E a avaliação tem muito a contribuir nessa luta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tudo isso leva a crer que essa perspectiva da avaliação para a emancipação, mesmo quando essa ocorre em um contexto de regulação do Estado para a formulação de suas políticas públicas, só é possível quando esta é entendida e inserida no contexto mais amplo de sua evolução teórica. Ou seja, quando a avaliação passa a incorporar a negociação como um de seus valores e procedimentos centrais. Nesse estágio evolutivo, a avaliação requer uma postura mais democrática e novos instrumentos e metodologias adaptadas das disciplinas da área de humanas e sociais. Surgem nesse estágio o enfoque naturalista da avaliação, o da negociação, o democrático, o enfoque de avaliação iluminativa e o de avaliação responsiva ou respondente (SOBRINHO, 2003). Neles, o poder é distribuído de forma democrática entre os envolvidos, partindo do princípio de que a participação é fundamental e que toda informação deve ser

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Flavine Assis de Miranda

levada em consideração. Logo, o processo é de permanente nego-ciação considerando as contradições teóricas, práticas e de interesses organizacionais ou políticos e busca de acordos, necessários para o desenvolvimento da avaliação.

Para Sobrinho (2003) as ideias produzidas pelas ciências sociais, na fenomenologia social, hermenêutica, interacionalismo simbólico e etnometodologia, acarretaram uma mudança paradigmática da avalia-ção que desestabilizou suas certezas e princípios metodológicos. Dessa forma, a nova perspectiva assume a natureza e os papéis valorativos, dinâmicos e políticos da avaliação. O conhecimento prático, assim gerado, parte das interpretações individuais e procura a construção de significados intersubjetivos.

Dessa forma, procuramos demonstrar que ao retornar seus resul-tados aos sujeitos envolvidos, cumprindo sua validade consequencial (VIANNA, 2003), a avaliação realiza a dupla ruptura epistemológica proposta por B. S. Santos (2005). No entanto, essa dinâmica só pode se efetivar quando ela ocorrer no plano da superação do pensamento científico moderno e retornar ao senso comum para exercer sua função emancipatória. Essa perspectiva possibilita uma análise da avaliação como uma prática social prenhe de ações emancipatórias que garan-tem a real interação e diálogo com o mundo, para sua compreensão, conservação ou transformação. A depender da ação humana social, cultural e politicamente orientada.

REFERÊNCIAS

AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. São Paulo: Cortez, 2000.

FRANCO, M. L. P. B. Pressupostos epistemológicos da avaliação educacional. In: SOUSA, C. P. Avaliação do rendimento escolar. 13. ed. Campinas: Papirus, 2005. p.13-26.

PRIGOGINE, I.; STENGER, I. A nova aliança. 3.ed. Brasília: Ed. da UNB, 1997.

SANTOS, B. S. Pela Mao de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10.ed. São Paulo: Cortez, 2005.

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Princípios epistemológicos para a avaliação emancipatória

______. Introdução a uma ciência pós-moderna. Porto: Afrontamentos, 1989.

______. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamentos, 1985.

SOBRINHO, J. D. Avaliação: políticas educacionais e reformas da educação superior. São Paulo: Cortez, 2003.

VIANNA, H. M. Avaliações em debate: SAEB, ENEM, PROVÃO. Brasília: Plano, 2003.

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POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE: UM ESTUDO

SOBRE OS PROFESSORES INDÍGENAS EM RONDÔNIA

Mario Roberto VENERECarmen Tereza VELANGA

INTRODUÇÃO

Um dos maiores desafios atuais da Amazônia brasileira é fazer a transição de um sistema de áreas preservadas, ou de uso tradicional, para um programa abrangente de desenvolvimento sustentável que inclua todo o seu território. Não há dúvidas de que conflitos pela posse da terra envolvendo grandes grupos econômicos nacionais e internacionais (sobretudo da agroindústria exportadora), grandes e pequenos proprietários, posseiros, sem-terra e indígenas geram um complexo quadro de violência estrutural e de embates sociais.

Na década de 1970, ocorreram assembléias e a estruturação de diferentes organizações indígenas no país1, o que possibilitou ao movimento indígena ganhar visibilidade nacional. Na década de 19802, a consolidação desse movimento refletiu nas propostas para a educação escolar do índio: a formação de professores com o foco na dinâmica da sua comunidade e a sua luta para a construção de

1 Confira M. Ferreira (2001).2 Confira M. Ferreira (2001).

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políticas específicas, de modo especial, para o acesso à escola. Somente a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, foram assegurados os direitos dos povos indígenas, entre eles, o direito à manutenção e à valorização de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.

A partir da década de 1990, o olhar foi direcionado para as propostas de regulamentação de educação escolar nas comunida-des indígenas. No campo da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) instituiu como dever do Estado a oferta de uma educação escolar bilíngue e intercultural e uma legislação regulamentar – a Resolução CEB n.3 do Conselho Nacional de Educação de 1999 (BRASIL, 1999) – que estabeleceu as diretrizes curriculares nacionais e fixou normas para o reconhecimento e funcionamento das escolas indígenas.

O tema em estudo é relativamente novo na história nacional e tem merecido a atenção das universidades brasileiras. Nos últimos anos, inúmeros trabalhos vêm sendo produzidos acerca das diver-sas dimensões que perpassam a educação escolar indígena (saúde, territorialidade, gênero, diversidade, educação, política indigenista, antropologia, entre outros) os quais são importantes para orientar políticas públicas de educação indígena e, mais recentemente, pro-jetos de formação de professores para o magistério para atuarem em suas comunidades. Um desses projetos, objeto de estudo de tese de doutorado no DINTER, é o Projeto Açaí, que faz parte do Programa de Educação Escolar Indígena do Governo de Rondônia.

No presente artigo, apresentamos parte dos dados da tese dou-toral referida, e busca-se, neste espaço, analisar a contribuição do Projeto Açaí na formação de professores indígenas durante o período compreendido entre 1998 e 2004 a partir das seguintes questões: Como se deu a Gestão Pedagógica do Projeto Açaí e qual foi a efeti-va repercussão na formação de professores indígenas? O projeto foi adequado às necessidades de formação dos professores considerando as suas realidades, ou seja, as escolas situadas nas aldeias onde iriam desenvolver suas atividades no que diz respeito ao ensino e à gestão escolar?

A partir dos dados da pesquisa, avançamos para reflexões sobre a formação do professor indígena para as escolas indígenas, com suas

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especificidades, fazendo uma leitura e interpretação das questões legais que estruturam a educação escolar indígena, suas necessidades, singularidades e o papel do professor indígena diante de sua formação inicial e continuada.

A pesquisa teve abordagem qualitativa (SILVA; MENEZES, 2001, p. 20), pois “[...] há um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números [...]” e, quanto à sua natureza, é um estudo de caso descritivo, pois objetiva a obtenção de conhecimento profundo e exaustivo de uma realidade delimitada (YIN apud GIL, 1999). Quanto aos proce-dimentos adotados para a coleta de dados, foi utilizada a pesquisa bibliográfica e a entrevista semi-estruturada (GIL, 1999).

Como participantes da pesquisa, a investigação contou com a participação de professores e lideranças indígenas, e uma executora do projeto de formação docente.

O DESAFIO PERMANENTE DA FORMAÇÃO DOCENTE INDÍGENA: O PROJETO AÇAÍ

A Constituição Federativa do Brasil de 1988, em seu Capítulo III, Artigo 210, vem assegurar aos povos indígenas a formação básica comum, destacando o respeito aos seus valores artísticos e culturais, expressando as políticas educacionais voltadas para a educação indí-gena. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB nº 9.394/96 assegura, por sua vez, às comunidades indígenas, o direito â educação escolar, objetivando fortalecer as práticas culturais e a língua materna (BRASIL, 1996). Como base para essas novas polí-ticas direcionadas á causa indígena, estão os movimentos não gover-namentais surgidos nas décadas de 1980 e 1990, e que trouxeram como contribuição o debate nacional sobre a educação vinculada à questão cultural e a autonomia dos povos indígenas. Entre os aspectos da discussão, destaca-se a formação de professores indígenas. Essa discussão tem trazido à reflexão de que a formação dos professores indígenas é questão sine qua non para a preservação da cultura das comunidades indígenas.

Observa-se que a década de 1990 destacou-se por um período em que foram desenvolvidos projetos sobre a educação dos povos

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indígenas bem como sobre a formação de professores. As políticas governamentais vêm, desde então, amparando tais projetos, que den-tro de suas especificidades se tornam mais presentes e significativos em determinadas regiões brasileiras.

Em 1991, a coordenação das ações educativas em terras indígenas deixou de ser do Ministério da Justiça e passou ao Ministério da Educação, o qual decide que a responsabilidade por essas ações seja dos estados e dos municípios. Ocorreu, a partir dessa medida, um processo de estadualização e de municipalização das escolas indígenas, exigindo dos governos um esforço de estruturação e de institucionali-zação, para que a elas fosse assegurado um funcionamento adequado (BRASIL, 1991).

No contexto dos novos paradigmas educacionais, identificam--se ações relacionadas à Educação Escolar Indígena em Rondônia, como, por exemplo, a criação, em 1992, do Núcleo de Educação Escolar Indígena de Rondônia (NEIRO) (ABRANTES, 1998), que tem como função coordenar o Fórum de entidades governa-mentais e não governamentais e as políticas de educação escolar indígena. Também participam do Núcleo a Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (SEDUC), a Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (SEDAM/RO), a Secretaria Municipal de Educação de Porto Velho (SEMED), o Conselho de Missão para Índios (COMIN), a Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e a Organização dos Professores Indígenas de Rondônia (OPIRON). Nessa direção, notam-se, por parte do Governo do Estado de Rondônia, ações interessadas nas políticas de formação de professores indígenas para o magistério, a elas vinculados, especial-mente as iniciativas referentes à produção de um projeto pedagógico para a educação escolar indígena.

O (CIMI) Conselho Indigenista Missionário, criado em 1972, é um organismo da CNBB e deu novos rumos ao trabalho missionário da Igreja Católica junto aos índios, quando já não se acreditava na sobrevivência dos povos indígenas. Seu objetivo é apoiar o processo de autonomia dos índios como povos étnica e culturalmente diferenciados, contribuindo para o fortalecimento de suas organizações, articulações e alianças no Brasil e no con-tinente. O Conselho de Missão para Índios (COMIN), criado

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em 1982, é um órgão da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) cuja finalidade é assessorar e coordenar o tra-balho da referida Igreja com os povos indígenas em todo Brasil. A Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (CUNPIR) é uma entidade indígena que representa cerca de 50 povos, dos quais 42 encontram-se em Rondônia, além dos oito Povos sem contato. O projeto Jovens Com Uma Missão (JOCUM) iniciou suas atividades no Brasil em 1975 e é uma missão internacional e interdenomi-nacional, empenhada na mobilização de jovens de todas as nações para a obra missionária. O Summer Institute of Linguistic, hoje Sociedade Linguística Internacional (SIL)3 iniciou seu trabalho no Brasil em 1956 a convite de duas entidades: o então Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão do Ministério de Agricultura que antecedeu a FUNAI, e o Museu Nacional da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro.

O Projeto Açaí  – Curso de Formação de Professores para o Magistério Indígena Nível Médio  – foi elaborado para o atendi-mento das séries iniciais do ensino fundamental em escolas situadas em terras indígenas. Foi resultado de uma das ações da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (SEDUC-RO), por meio do Projeto de Educação Escolar Indígena (PEEI) do governo do Estado (RONDÔNIA, 1998).

A formação de professores indígenas no Brasil é realizada por meio de projetos pedagógicos que, em seu discurso, buscam respeitar o multiculturalismo próprio das etnias indígenas, a sua identidade e alteridade. No estado de Rondônia, o Projeto Açaí é visto como um instrumento de ação pedagógica que possibilita a formação desses professores em espaços formais, informais, oficiais e não oficiais. Por ocasião da realização do I Encontro de Professores Indígenas do Estado de Rondônia, “Piraculina”, ocorrido em Vilhena, de 4 a 8 de novembro de 1990, o governo estadual reconheceu esses professores integrantes da categoria profissional dos docentes. Deixaram de ser, a partir de então, meros “monitores bilíngues” (GRUPIONI, 1991; FERREIRA, 2001).

3 ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LINGUÍSTICA (2011).

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Para realizarmos a pesquisa, tivemos como preocupação ini-cial obter informações junto à Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) a fim de que aquela Secretaria disponibilizasse cópias das versões do Projeto de Formação de Professores Indígenas e outros documentos. Foi solicitada ainda a autorização para que efetuássemos nossos procedimentos técnicos de pesquisa junto aos participantes.

OS FUNDAMENTOS LEGAIS DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INDÍGENA

Necessário se faz compreender as diferentes ideias pedagógicas subjacentes às estratégias de fazer educação sob o ponto de vista das políticas públicas cujo objetivo fundamental é a formação do cidadão, seja qual for a sua posição social, econômica, religiosa, étnico-racial, o que inclui os indígenas.

Os documentos oficiais que fundamentam a Educação Escolar Indígena, dentre eles os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997a, 1997b), enfatizam a temática da pluralidade cultural e dizem respeito às características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais vivendo em território brasileiro. O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998), no qual estão reunidos os fundamentos históricos, políticos, legais, antropológi-cos e pedagógicos que norteiam a proposta de uma escola indígena intercultural, bilíngue e diferenciada, oferece também, como suges-tão de trabalho, a construção dos currículos escolares em seis áreas de estudos: línguas, matemática, geografia, história, ciências, arte e educação física. Seu objetivo maior é oferecer subsídios e orientações para a elaboração de programas de educação escolar que atendam aos anseios e interesses das comunidades indígenas (BRASIL, 1998)4.

4 Importante observar que essa legislação não aborda a questão da Educação para pessoas Indígenas com necessidades especiais, conforme estudos realizados em minha dissertação de mestrado (VENERE, 2005). Esse assunto foi discutido pela pesquisadora Patrícia Carla da Hora Correia e apresentado no I Encontro Nacional de Educação Indígena promovido pela Universi-dade Estadual da Bahia, realizado em Porto Seguro, em 2007. Destacamos, ainda, que a autora vem desenvolvendo projeto de pesquisa junto à Universidade Federal da Bahia no programa de Pós-Graduação, curso de Doutorado, cujo tema é: “A interação da pessoa com deficiência na comunidade indígena: um estudo na etnia Pankararé da Bahia”. Disponível em: <http://busca-

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O objetivo da educação escolar indígena é de possibilitar uma educação diferenciada, intercultural e bilíngue (BRASIL, 1988), portanto abre a possibilidade para a construção de “pedagogias indígenas”, isto é, ações educativas, práticas pedagógicas e modos próprios de educação e de socialização dessas comunidades educati-vas tradicionais. Para a Escola tornar-se realmente indígena, deverá reencontrar-se e inserir-se na dinâmica própria dessas comunidades educativas, e, além disso, essa identificação passa pela presença de um professor índio e/ou um professor preparado para atender essa comunidade. Neste aspecto, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas chama a atenção para o seguinte fato: “A for-mação especifica do professorado indígena é, hoje, forte demanda das comunidades e também um direito previsto em lei.” (KAHN; AZEVEDO, 2004, p.72).

Nessa perspectiva, a educação escolar indígena institucionali-zada torna-se um instrumento político, que deve contribuir na luta pela conquista da autonomia em todos os níveis (econômico, político, cultural, religioso e social), e é nesse sentido que reafirmamos que as políticas pública, indigenista e de educação indígena devem ser compreendidas a partir de uma perspectiva inclusiva.

Monte (2001, p.104) afirma que, diante do fato de que as vozes das sociedades indígenas foram silenciadas pelas políticas educacio-nais, deve-se:

[...] formular e explicitar um novo projeto de escola, acom-panhada pelo eco de outras vozes, ressoando e reproduzindo, ainda que sob um intenso debate e conflito, em novas garantias e direitos coletivos e propostas de políticas públicas diferencia-das, a serem implementadas pelos estados brasileiros dentro dos sistemas de ensino.

Como um marco político e pedagógico, essas políticas deverão possibilitar a conciliação da cidadania com a diversidade como direito coletivo que implicará a participação dos emergentes movimentos

textual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=W339070#PP_A intera%C3%A7%C3%A3o da pessoa com defici%C3%AAncia na comunidade ind%C3%ADgena: um estudo na etnia Pankarar%C3%A9 da Bahia>. Acesso em: 19 jan. 2010.

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sociais indígenas e as definições e os rumos de suas comunidades como parte integrante da nação brasileira.

As comunidades indígenas expressam suas expectativas em relação à escola de muitas maneiras. Em alguns casos, ela é explicitamente solicitada para atender às necessidades presentes na luta pela terra: como é necessário ao índio deslocar-se para outras localidades, torna--se importante comunicar-se por meio da leitura, da escrita, do mane-jo do dinheiro e da compreensão de mapas – a qual implica conhecer o aumento ou a redução de áreas ocupadas pela sua comunidade.

Outro aspecto relevante do Referencial Curricular Nacional de Educação Escolar Indígena, de 1998 refere-se:

Os princípios contidos nas leis dão abertura para construção de uma nova escola, que respeite o desejo dos povos indígenas por uma educação que valorize suas práticas culturais e lhes dê acesso a conhecimento e práticas de outros grupos e outras sociedades. Uma normatização excessiva ou muito detalhada pode, ao invés de abrir caminhos, inibir o surgimento de novas e importantes práticas pedagógicas e falhar no atendimento a demandas particulares colocadas por esses povos. A proposta da escola indígena diferenciada representa, sem dúvida alguma, uma grande novidade para o sistema educacional do país (...) (BRASIL, 1998).

OS PROFESSORES NÃO ÍNDIOS NAS ESCOLAS DAS ALDEIAS

O universo escolar é marcado pela presença de pessoas que se apre-sentam com suas singularidades, variedade de etnias, diferentes visões de mundo e modos muito particulares de ser, de sentir e de viver.

Os professores índios reclamam da forma como os professores não índios são recrutados aleatoriamente para atender às comunida-des, já que muitos não têm o devido conhecimento para trabalharem com a diversidade. A coordenação encarregada de selecionar os professores o faz somente com base em um currículum vitae, sem que haja uma entrevista e uma verificação prévia sobre seu real

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preparo para trabalhar nas comunidades indígenas situadas em regiões distantes. Na fala de uma liderança indígena Tupari, durante a Reunião de Avaliação do Projeto Açaí5 realizada por professores indígenas e lideranças indígenas, em 2008, em Rondônia, fica evidente esse problema:

[...] Eu acho que, em primeiro lugar, a coordenação daqui de Porto Velho ou da representação para contratar uma pessoa para trabalhar na terra indígena, tem que fazer entrevista com essa pessoa, porque, às vezes, quando o governo abre um espaço para a contratação de profissionais, vai um monte de contratado para aquele setor. Só que as pessoas que mandam o currículo, não estão preparadas para trabalhar no mato com os indígenas. [...] Então, muitas vezes, elas são contratadas, mas, em primeiro lugar... chegam lá de joelho, pedindo para serem contratadas. Mas isso não é com o interesse de ficar lá. É com o interesse de ganhar só para sobreviver. Muitas pessoas que são contratadas não são daqui, são do Nordeste, vêm de São Paulo, vêm lá não sei de onde, procurando emprego para poder sobreviver. Ou talvez para pagar o repasse, os custos da volta; muitas vezes isso acontece. Então eu acho que é necessário alertar e explicar para essas pessoas antes de saírem daqui de Porto Velho, porque, se não, elas vão sair daqui pensando que irão ficar num apartamento que tem ar-condicionado, num escritório que tem computador, tem tudo. Não é isso, é muito diferente do trabalho na cidade o trabalho no campo [...].

Assim são contratados os professores, forma que não contribui para o desenvolvimento da educação escolar Indígena, o que se torna da maior importância que a construção do currículo seja elaborada a partir das necessidades levantadas pelos próprios indígenas junta-mente com sua comunidade. Mediante as anotações realizadas por eles, expressas em seus registros diários, é possível identificar quais as aspirações dessa população.

5 Reunião de Avaliação do Projeto Açaí realizada por Professores Indígenas e Lideranças Indígenas. Gravação efetuada pela Professora Dra. Tânia Suely Azevedo Brasileiro. Porto Velho: Rondônia, 2008.

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A pesquisa de campo, portanto, evidenciou alguns conceitos que fundamentam a política de educação indígena e da educação escolar indígena em particular, como multiculturalismo, interculturalida-de, alteridade, bilinguismo, dentre outros e que estão na base dos Referenciais e das Diretrizes para a Educação Escolar Indígena no Brasil e, consequentemente, dos projetos educacionais de iniciativa do Estado.

PROBLEMAS DETECTADOS NO PERCURSO DA FOR-MAÇÃO DO PROFESSOR INDÍGENA

No que diz respeito às principais dificuldades encontradas pelos professores indígenas em sala de aula, nossos colaboradores, em sua maioria, expressaram como um dos principais problemas a falta de acompanhamento pedagógico, de material didático apropriado, dificuldades de utilização de mais de uma língua em sala de aula e, quanto às condições de trabalho, a precariedade de transportes para a sua comunidade. As novas tecnologias, na opinião de alguns professores, deveriam ser objeto de cursos preparatórios específicos:

[...] falta de acompanhamento adequado, pessoas capacitados para fazer acompanhamento pedagógico aos professores. (A – ETNIA CINTA LARGA, 2008).

Produção de texto e falta de acompanhamento pedagógico. (B – ETNIA CINTA LARGA, 2008).

Mexer com computador, por exemplo. Nós, professores, nunca mexemos com computador. Nós tem [sic] que ficar capacitado pra mexer isso, computador, porque é importante Agora, a parte pedagógica, a gente não temos [...] visitas lá na nossa escola. Não tem um pedagogo, e não tem como contratar o pedagogo lá. Só que eles não tem! Como hoje não tem como! (A – ETNIA KARITIANA, 2008).

As principais dificuldades que hoje enfrentamos, não só eu, mas os demais professores, são acompanhamentos pedagógicos nas

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escolas indígenas, né. A SEDUC, hoje, ela manda para a gente o plano de curso pra que a gente possa trabalhar isso durante o ano todo. Só que ela manda, mas ainda falta uma parte que ela não faz, que é o acompanhamento, orientações aos pro-fessores indígenas de como trabalhar esse plano de curso, essa meta que está sendo pedido pela SEDUC hoje. (B – ETNIA MAKURAP, 2008).

Apesar dessas dificuldades, a maioria dos colaboradores reconhe-ceu o acréscimo que obtiveram em sua formação a partir dos aspectos pedagógicos, didáticos e metodológicos. No entanto, a questão do acompanhamento pedagógico, como já nos referimos, ainda é muito enfatizada, como também as dificuldades com relação à produção de material didático adequado às suas realidades.

O interessante é que tanto o acompanhamento pedagógico quanto a questão do transporte eram problemas previstos na gestão do Projeto Açaí, evidenciando uma falha em sua operacionalização e a necessidade de que tais problemas sejam mais bem enfrentados em projetos futuros.

Destacamos as falas relativas à falta de comunicação entre os professores e os setores responsáveis pela gestão da educação indígena em Rondônia, como se observa na fala seguinte:

[...] não tinha rádio, telefone. [...] difícil lá a comunicação para mim. Foi difícil pra mim porque, nesse tempo, eu não falava bem o português ainda, não entendia bem nesse tempo. É difícil de entender a palavra. Minha escola, ela é de palha, é muito velho, porque, quando chove, aí molha tudo dentro da escola. (C – ETNIA GAVIÃO, 2008).

Outros problemas apresentados presentes nas expressões dos professores e lideranças indígenas foram: dificuldades de utili-zação de mais de uma língua em sala de aula; precariedade de transportes; falta de preparo para o uso de novas tecnologias; falta de comunicação; responsabilidade da gestão da escola na aldeia e falta de pessoal.

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FORMAÇÃO DO PROFESSOR INDÍGENA E SUAS ESPECIFICIDADES

Uma das especificidades da formação do professor indígena é que não se pode desvinculá-la do conhecimento de sua própria cultura e de mecanismos para sua preservação.

Sabe-se hoje que a escola não é o único lugar onde se aprende, mas que se integra ao sistema educativo mais geral de cada povo, de cada nação ou país. A escola indígena não difere das demais escolas criadas e reconhecidas formalmente pelo sistema, os professores são contratados dentro das normas gerais e os critérios para manutenção e avaliação das mesmas seguem o padrão estabelecido pelas secretarias de educação.

Quanto a formação do professor indígena é um campo de discus-são em aberto, que aos poucos vem se estabelecendo a partir das lutas entabuladas historicamente pelos povos indígenas organizados, suas lideranças que começam a despontar nos cenários políticos levando a voz dos indígenas para que sejam ouvidas, suas teses acatadas, não sem luta.

No entanto, ainda que o real significado da educação indígena não esteja completamente estabelecido e claro para a sociedade brasileira, há que se pensar na formação docente como sendo, acima de tudo, “formação docente”, mesmo em se considerando a especificidade da formação do professor indígena, homens e mulheres inseridos profundamente em suas culturas e cada vez mais, desejando preservá--la, não abrindo mão de seus direitos de cidadania. Recorremos aos Referenciais para a formação de professores indígenas, trazendo a discussão de Grupioni e Monte (2002), nas questões que se referem à formação, tangenciando: a) a necessidade de o professor indígena participar de seu processo de formação; b) políticas públicas que contemplem a necessidade da escolaridade em nível superior para o professor indígena (no caso, transcendendo projetos de formação em nível de magistério, como a citado Açaí; c) a consequente criação de instancias administrativas que possam desenvolver, de fato, programas de educação indígena. Quanto à formação, há que se identificar a complexidade da mesma e o documento acima mencionado, que destaca a necessidade de que a formação não se perca em saberes e

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conhecimentos distantes da cultura indígena, mas que, ao mesmo tempo, neles não se limite, o “duplo olhar” que o professor indígena terá que desenvolver para ler o mundo ao seu redor (GRUPIONI; MONTE, 2002).

A formação de professores indígenas e sua complexidade estão reconhecidas e expressas nos cadernos da SECAD (BRASIL, 2006), que destacam o desafio de se buscar a promover a inclusão educacional de diferentes segmentos da população brasileira, bem como valorizar a nossa diversidade étnico-racial, cultural, de gênero, social, ambiental e regional. Ao expressar diferentes visões a respeito da educação esco-lar indígena, a visão antropológica, a linguística, a pedagógica e dos próprios professores indígenas, percebemos que não se trata apenas de um desafio de compreensão teórica, mas um desafio verdadeiro na atuação dos professores indígenas junto aos alunos na aldeia.

Reivindicam-se políticas que garantam não só o acesso e perma-nência na escola, porem que repensem na qualidade na educação, buscando direcioná-las para a superação da desigualdade, do precon-ceito e da intolerância. A formação de professores indígenas pauta-se na necessidade de se institucionalizar a escola indígena, construindo seu projeto pedagógico, planejando sistematicamente a forma de intervenção pedagógica, considerando as especificidades linguísticas, culturais, históricas das comunidades, sendo o professor orientado para essas praticas porem sem prescindir de ações específicas de for-mação de professores indígenas e da produção do material didático diferenciado.

Assim, não apenas a formação inicial em nível médio (Magistério) e superior deve ser possível diante do direito adquirido aos professores indígenas, mas também a formação continuada, uma possibilidade enfocada nos documentos de área da SECAD, como instrumento de reflexão sobre a língua materna praticada nas comunidades indíge-nas, bem como a elaboração de estratégias pedagógicas que venham favorecer a cultura, a língua e o ensino (BRASIL, 2006). Portanto, a complexidade está em estabelecer as relações sociais entre a comu-nidade, a escola, a diversidade linguística e cultural na formação dos professores indígenas.

Isto significa um verdadeiro desafio que não tem seus contornos todos firmados ainda no cenário brasileiro e especificamente no

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estado de Rondônia. Assim, há ainda que se refletir profundamente sobre o “ser professor indígena para indígenas”, num esforço teórico e fundamentalmente prático sobre como conciliar politicas públicas de formação docente nas esferas nacional, estadual e municipal para a atuação do professor indígena nas escolas indígenas.

TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Os professores indígenas que colaboraram com a nossa pesquisa revelaram que o Projeto Açaí, ao permitir que os seus protagonistas abordassem as questões problemáticas da sua execução, contribuiu como um espaço de afirmação da alteridade e da identidade indíge-na, possível de se observar na organização dos planos de aula pelos próprios professores durante o curso, bem como uma proposta curricular em que as disciplinas acolhiam temas relacionados com o cotidiano das aldeias.

Os problemas elencados foram: o precário acompanhamento pedagógico das atividades educativas desenvolvidas pelos professores indígenas em suas escolas, a falta de material didático-pedagógico, as dificuldades de transporte e comunicação entre as aldeias, as Representações de Ensino e o órgão central, agravados pela inade-quação da legislação oficial com relação ao não reconhecimento legal das escolas indígenas e de sua autonomia, aplicando-se, muitas vezes, a essas escolas, instrumentos legais que foram criados para as escolas não indígenas. Ainda assim, houve a dificuldade expressa por alguns professores indígenas acerca da comunicação e do entendimento da língua portuguesa, já que os ministrantes utilizavam-na para expo-sição de suas aulas.

No entanto, a trajetória de formação docente dos professores indí-genas por meio do Projeto Açaí demonstrou que as bases pedagógicas e curriculares foram adequadas, indicando que estão expressas as condições para que os professores possam desenvolver suas atividades educativas em suas aldeias de forma compatível às orientações atuais da política indigenista brasileira e, principalmente, à cultura indígena.

Quanto à formação do professor indígena, há que se destacar sua complexidade, diante da necessidade de contemplar fundamen-talmente o resgate da língua e da cultura das diferentes etnias e das

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Políticas de formação docente: um estudo sobre os professores indígenas em Rondônia

comunidades onde atua, não olvidando dos conhecimentos espe-cíficos e dos pedagógicos, necessários ao ensino qualificado. Como resolver tais questões ainda é objeto de estudo em aberto, em que pese a prodigalidade da ciência e tecnologia a favor dos tempos atuais.

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Mario Roberto Venere e Carmen Tereza Velanga

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Políticas de formação docente: um estudo sobre os professores indígenas em Rondônia

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A EDUCAÇÃO INFANTIL EM PORTO VELHO/RO NO PERÍODO DE 1999 A 2008: REALIDADE E NECESSIDADE

Juracy Machado PACÍFICO

INTRODUÇÃO

O acesso à Educação Infantil em creches e pré-escolas é fundamen-tal para a garantia do desenvolvimento pleno da criança. Estudos1 vêm demonstrando que a Educação Infantil traz benefícios explícitos para a família, além de que é nesse período que as crianças desenvolvem capacidades, habilidades e conhecimentos que podem transformar de forma positiva toda a sua vida.

As pesquisas (CAMPOS, 2005; BECKER, 2008) apontam como benefícios: a redução da mortalidade nessa faixa etária, maior desenvolvimento cognitivo, maior tempo na escola, redução da repe-tência e abandono no processo de escolarização, e ainda apresentam 32% a mais de chances de concluir o ensino médio. Como negar às crianças tantas oportunidades quando, inclusive, essas mesmas crianças já são detentoras desse direito? Em face disso perguntamos: quais políticas públicas de Educação Infantil foram desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Porto Velho/

1 Para informação sobre tais pesquisas consultar Maria Machado Malta Campos (1997). No texto a autora aponta vários estudos desenvolvidos, inclusive de outros países, sobre os bene-fícios da educação infantil para as crianças e seu desenvolvimento. Também, como apontado na introdução da tese, ver: Campos (1991, 2005) e Becker (2008).

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Juracy Machado Pacífico

RO, no período de 1999 a 2008? Recentemente, e em função de tantas evidências foi aprovada por meio da Emenda Constitucional 59/2009 a obrigatoriedade da educação infantil – pré-escolar para as crianças de quatro e cinco anos a ser garantida em escolas públicas até o ano de 2016 (BRASIL, 2009a). No entanto, como garantir o preconizado pela Lei frente aos tantos problemas ainda enfrentados pela educação pública?

Este artigo apresenta alguns resultados de um estudo desenvolvido por ocasião da elaboração da tese de doutorado em que se analisa as políticas públicas para a Educação Infantil desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Porto Velho/RO, no período de 1999 a 2008. A pesquisa foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa, com análise de dados qualitativos e quantita-tivos. Utilizou como fonte de dados: a) pesquisa documental, com análise dos Planos Plurianuais (PPA’s) com vigência para os anos de 1998/2001, 2002/2005 e 2006/2009, os relatórios de avaliação dos PPA’s do mesmo período, documentos com dados sobre as condições de funcionamento das escolas e dados sobre matrícula; b) entrevistas, realizadas com dirigentes educacionais municipais do período; c) grupo focal, realizado com diretoras e professoras de escolas de edu-cação infantil. Os sujeitos colaboradores foram, portanto, gestores da SEMED e professoras de escolas de Educação Infantil que atuaram no período em estudo. Também colaboraram com a pesquisa professoras que coordenaram a Educação Infantil no período de 1970 a 1990, no âmbito da SEDUC e SEMED.

No delineamento das questões de pesquisa, bem como dos objetivos, optamos pelo recorte geográfico e temporal. Como recorte geográfico, decidimos estudar o Município de Porto Velho por ser este a capital do Estado, o primeiro a ser criado e o mais populoso de Rondônia. O recorte temporal, com ênfase para o período de 1999 a 2008, que abrange duas administrações muni-cipais desenvolvidas por dois prefeitos2, justifica-se, entre outros

2 A primeira gestão com a sigla do Partido Democrático Trabalhista (PDT) teve à frente o Prefeito Carlos Alberto de Azevedo Camurça. Assumiu a prefeitura enquanto ainda era vice--prefeito, em 1999, sendo eleito para nova gestão 2001/2004. A segunda, com a sigla partidária do Partido dos Trabalhadores (PT), teve à frente da gestão o Prefeito Roberto Eduardo Sobrinho, que foi reeleito para a gestão 2009/2012.

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A educação infantil em Porto Velho/RO no período de 1999 a 2008: realidade e necessidade

aspectos, pelos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), com destaque para o Art. 89, e também pelo Plano Nacional de Educação – PNE/2001 (BRASIL, 2001) que estabeleceu objetivos e metas para a educação de modo geral, incluindo a Educação Infantil, e definiu prazos para o cumprimento dos mesmos.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFAN-TIL EM PORTO VELHO (GESTÕES MUNICIPAIS DE 1999/2004 E 2005/2008): ALGUNS RECORTES

Sabemos que após a promulgação da Carta Magna de 1988 os direitos da infância vêm sendo assegurados em vários outros docu-mentos legais. O Brasil conta hoje com leis que declaram ou garantem o atendimento às crianças de zero a cinco/seis anos3, e destacamos o Art. 4° da LDB n° 9.394/96, que define: “O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...] IV – atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade.” (BRASIL, 1996). Direito esse ainda não garantido integralmente.

O tema das políticas públicas reporta-nos à Constituição Brasileira de 1988, que no artigo primeiro afirma que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de

3 Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n° 8.069/90 (BRASIL, 1990a); a Convenção dos Direitos da Criança (ONU, 1989); Lei sobre Sistema Único de Saúde – SUS – Lei n° 8.080/1990 (BRASIL, 1990b), Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – Lei n° 8.742/1993 (BRASIL, 1993); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – Lei n° 9.394/96 (BRASIL, 1996); Plano Nacional de Educação – PNE – Lei nº 10.172/2001 (BRASIL, 2001); Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB – Lei nº 11.494/2007 (BRASIL, 2007); Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE); Convenções Internacionais, Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais. Outros documentos: Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito da criança de 0 a 6 anos à educação (BRASIL, 2006a); Parâmetros básicos de infra-estrutura para as instituições de educação infantil (BRASIL, 2006b); Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006c); Indicadores da Qualidade na Educação Infantil (BRASIL, 2009a); Resolução nº 5 de 17/CNE, de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009c) – fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil; Parecer CEB/CNE, nº. 8/2010 (BRASIL, 2010), que estabelece normas para aplicação do inciso IX do artigo 4º da Lei no 9.394/96 (LDB) – padrões mínimos de qualidade de ensino para a Educação Básica pública. Toda essa legislação apresenta a criança como cidadã, como um sujeito de direitos.

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Direito. No Parágrafo único do Art. 1º, a Constituição de 1988 res-salta: todo o poder emana do povo que o exerce por meio de repre-sentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).

Assim, as políticas públicas nascidas em um Estado Democrático de Direito, que têm suas bases na Constituição Federal, deverão tam-bém ser legal (amparada em leis), democrática (produzida a partir dos anseios e necessidades da sociedade e a partir de seus representantes) e representativa, ou seja, ter sido elaborada a partir dos segmentos sociais representativos da sociedade (representantes políticos eleitos pelo voto direto, representantes sindicais e representantes da admi-nistração pública) e não diretamente pelo povo.

Na definição das políticas públicas espera-se que o município planeje e desenvolva várias ações que juntas integrem um programa de governo. No caso específico da Educação Infantil, a SEMED atua na definição das políticas públicas de atendimento a essa etapa da educação básica a partir de seus recursos disponíveis, dentre eles, o poder decisório. Espera-se também que considere a memória da sociedade no momento da definição, implementação ou desativação de políticas públicas (AZEVEDO, 1997). No entanto, os dados evidenciaram que em alguns aspectos e momentos houve o distan-ciamento do poder público e de suas políticas sociais dos anseios da comunidade, alvo das ações.

Iniciamos pela expansão da rede de escolas, em que observamos um crescimento mais acentuado no número de escolas que atende-ram a Educação Infantil somente no período de 2004 para 2008. Isso também foi observado em relação ao número de matrículas na etapa. Na creche da rede pública municipal, no período de 1999 para 2001, as matrículas evoluíram 21,35%, e na pré-escola, no mesmo período, evoluíram 48,73%. Já no período de 2001 a 2004 as matrículas ficaram praticamente estagnadas. No período de 2005 a 2008 a expansão foi bem elevada. Se em 2004 foram atendidas 466 crianças em creches, em 2008 já eram 1.191. O mesmo aconteceu com a pré-escola: em 2004 foram atendidas 1.667 crianças e em 2008 já eram 6.845. Houve um aumento significativo em relação a 2004, apresentando uma evolução de 310,62% no atendimento a essa etapa.

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A educação infantil em Porto Velho/RO no período de 1999 a 2008: realidade e necessidade

O quadro 1 apresenta o número de escolas da Rede Municipal que atenderam a Educação Infantil no período de 1999 a 2008.

Quadro 1 – Número e evolução das escolas com atendimento à edu-cação infantil – rede pública municipal de Porto Velho – 1999/2008.

Ano

Escolas de Educação InfantilRede Municipal – Porto Velho/Ro

Total de Escolas Muni-cipais que atenderam a Educação Infantil(0 a 5/6 anos)

Do total, somente estas atenderam Creche(0 a 3 anos)

1999 17 4

2000 21 3

2001 23 4

2002 24 4

2003 27 4

2004 25 6

Evolução (%): 1999/2004 47,06 50,00

2005 30 9

2006 39 13

2007 39 13

2008 39 16

Evolução (%): 2004/2008 56,00 166,67

Evolução (%): 1999/2008 129,41 300,00

Fonte: Elaboração própria com dados de Rondônia (2008).

Quando analisamos separadamente o atendimento em creches e pré-escolas, observamos que o atendimento de 0 a 3 anos é ínfimo frente à demanda potencial, e na rede municipal manteve-se quase invariável no período de 2002 e 2003, com uma evolução de 57,97% se compararmos o ano de 1999 com o ano de 2004.

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Juracy Machado Pacífico

Figura 1 – Representação gráfica da matrícula em Creches no Município de Porto Velho – Redes Estadual, Municipal e Privada.

Matrícula na Creche - Município de Porto Velho

0

500

1000

1500

2000

2500

3000

Ano1999

Ano2000

Ano2001

Ano2002

Ano2003

Ano2004

Ano2005

Ano2006

Ano2007

Ano2008

Rede MunicipalRede EstadualRede PrivadaTotal

Fonte: Elaboração própria com dados de Rondônia (2008).

No período de 2004 para 2008 o aumento foi 155,58%. No entanto, o atendimento subiu de 5,51% de cobertura total em 2004 para, apenas 9,13% em 2007. Esse resultado ficou distante da meta definida no PNE/2001 (BRASIL, 2001), que seria de 30% de atendimento até 2006, e também distante da média nacional, que chegou a 17,10%. Em 2008 o atendimento à creche no município, em todas as redes, subiu para 10,17% de cobertura total. A rede municipal, apesar de ainda baixa, foi a que mais evoluiu em número de matrículas em creches no período de 2004 para 2008: de 1,53% de cobertura em 2004 subiu para 4,86% em 2008.

O percentual de cobertura total de matrículas para crianças com idade entre 4 e 5/6 anos no município foi de 37,35 em 2004 e de 76,30 em 2008. Até o ano de 2004 a rede privada atendia o maior número de crianças dessa etapa. A partir de 2005 a rede pública municipal supera esse atendimento, no entanto acontece algo dife-rente: caiu de 2005 para 2008 em quase 50% o número de crianças atendidas na rede privada. Esse também é um dado preocupante, pois muitas famílias deixaram de pagar, conseguiram atendimento público, mas não significou grande ampliação de atendimento para crianças que estavam fora da escola, até porque algo é certo: os espaços físicos dessas escolas estavam ocupados e, bem sabemos, não há como ampliar matrículas sem espaços físicos. Esse problema de espaços físicos possivelmente também afetou as escolas particulares.

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A educação infantil em Porto Velho/RO no período de 1999 a 2008: realidade e necessidade

Figura 2 – Representação gráfica da matrícula na Pré-escola no Município de Porto Velho – Redes Estadual, Municipal e Privada.

Matrícula na Pré-escola - Município de Porto Velho

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

Ano1999

Ano2000

Ano2001

Ano2002

Ano2003

Ano2004

Ano2005

Ano2006

Ano2007

Ano2008

Rede MunicipalRede EstadualRede PrivadaTotal

Fonte: Elaboração própria com dados de Rondônia (2008).

Outro aspecto importante é que a SEMED tem uma Proposta Político-Pedagógica para Educação Infantil, publicada em 2008, construída coletivamente, conforme registros na própria proposta. Embora seu conteúdo não tenha sido objeto de nossa análise, con-sideramos a proposta um importante instrumento para a gestão da Educação Infantil municipal.

Em 1999 a prefeitura contava com número bem reduzido de docentes (no total eram 66 lotados na educação infantil) e, destes, 60% tinham apenas o ensino médio magistério, 20% com ensino médio sem magistério e ainda, 9% de docentes com ensino funda-mental incompleto. De 1999 para o ano de 2008 saiu de 66 para 337 docentes. Também observamos suma diferença considerável no quantitativo de docentes com licenciatura. Se em 1999 havia apenas um docente lotado na Educação Infantil com licenciatura (2%), em 2008 havia 145 docentes, representando 43% do total de docentes da Educação Infantil com formação em nível superior e 52% com nível médio (magistério). Não se pode negar que houve um salto na qualidade em relação à formação docente (escolarização).

No entanto, a valorização profissional envolve não apenas a formação, mas o Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) e as condições de trabalho na escola. No caso do PCCS do Município de Porto Velho, em relação aos salários (vencimento básico), o valor ainda é baixo. Em 2002, um docente com nível superior recebia por

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20h, 25h e 40h semanais de trabalho R$ 256,00, R$ 315,00 e R$ 512,00, respectivamente, e em 2008 recebia R$ 434,00, R$ 552,00 e R$ 884,00. Em 2010, com a aprovação da Lei Complementar nº 360, os salários aparentemente foram ajustados. No entanto, como as gratificações poderiam ser incorporadas para a formação do piso salarial nacional, a proposta não nos pareceu tão atrativa, embora esteja garantido, legalmente e, de fato, o Piso Salarial Nacional para o magistério da Educação Básica. Atualmente um docente com 20h, 25h e 40h semanais de trabalho terá como vencimento, excetuando-se gratificações, R$ 712,46, R$ 890,57 e R$ 1.424,91, respectivamente.

Os principais desafios, apontados pelos dados, ainda são: a valo-rização da carreira do magistério, incluindo plano de carreira digno e atrativo, formação inicial e continuada, e condições dignas de tra-balho, conforme propôs Tamboril (2005) em estudo sobre políticas públicas para a formação docente no Município de Porto Velho; o financiamento e a gestão da educação, que precisam ser entendidos como passos iniciais para as demais condições; infra-estrutura física das escolas, com destaque especial para os espaços e materiais que valorizem e que ao mesmo tempo possibilitem o lúdico e o movi-mento; o estabelecimento de padrões mínimos de qualidade para as escolas públicas de educação básica e inclusive de educação superior, pois lá são inicialmente formados os docentes.

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Em relação ao financiamento entendemos que os gestores devem aplicar o que determina a Lei, para que os recursos do FUNDEB, repassados em razão do número de matrículas, sejam investidos totalmente nas etapas e modalidades para as quais foram recebidos, evitando-se utilizar recursos de uma etapa ou modalidade em outra, mas buscar outras fontes e formas de suprir as necessidades financeiras.

Também destacamos o que já é consenso em estudos de vários autores, dentre eles Carreira e Pinto (2007), de que sem alterar as formas de financiamento, ampliando os recursos, será difícil falar em qualidade, incluindo nesta a ampliação do atendimento. Deste modo, para que as melhorias aconteçam torna-se imprescindível, além da aplicação do que preconiza a legislação em vigor, que sejam revistos e

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A educação infantil em Porto Velho/RO no período de 1999 a 2008: realidade e necessidade

ampliados os percentuais constitucionais vinculados à educação, con-siderando-se a insuficiência dos atuais. Uma revisão que contemplasse todos os entes federados: União, estados e municípios. Acreditamos que uma possibilidade será a ampliação da vinculação da União, dos atuais 18%, para 25%, o que representaria 7% de acréscimo; e, para os estados e municípios, ampliar de 25% para 30%, da arrecadação de todos os impostos. Será ainda imprescindível que se destinem à Educação Infantil, nos primeiros cinco anos após alterações propostas, em caráter emergencial, 5% dos recursos vinculados, tanto na esfera federal como na municipal, e 3% na esfera estadual (para colaborar com os municípios), sendo 50% desse valor investido em construção de escolas e 50% em despesas de custeio. Com essas alterações será possível a ampliação do atendimento à creche e universalização do atendimento à pré-escola, conforme determinação dada pela Emenda Constitucional nº 59 de 11/11/2009 (BRASIL, 2009a).

Também será interessante incluir no orçamento do município um percentual de, no mínimo, 2% dos recursos da MDE, não incluídos no FUNDEB, para custear despesas com construção de escolas para a Educação Infantil, a ser aplicado, prioritariamente, na complemen-tação de recursos de convênio com a União destinados à construção e aparelhagem de Escolas de Educação Infantil.

ACESSO E PERMANÊNCIA NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Vimos que vários estudos4 têm apontado significativa preo-cupação com a garantia da efetivação dos direitos das crianças à educação infantil anunciados na legislação, indicando que ainda não se conseguiu solucionar aspectos fundamentais: a qualidade no atendimento realizado e atender à demanda potencial. No entanto, os vários estudos têm apontado que além de ser direito da criança, a educação infantil é direito da família e também uma necessidade da vida atual, na qual homens e mulheres precisam participar da vida social em igualdade de direitos, o que coloca a questão da qualidade

4 Craidy, Kaercher (2005), Kramer (1992), Zabalza (1998), Cury (1998), Rosemberg (2003), Campos (1999, 2005), Arelaro (2000), Peter Moss (2005), Corrêa (2003), Campos, Coelho e Cruz (2006) dentre outros.

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cada vez mais em discussão. As crianças precisam, além do direito de estar na escola, ter uma educação que responda às suas necessidades vitais, emocionais, sociais, culturais e psicomotoras de desenvolvi-mento. Contudo, a questão colocada refere-se a como garantir essa educação de qualidade.

Essas mesmas pesquisas5 investigaram sobre o conceito de qua-lidade na Educação Infantil e todas precisam ser consideradas na definição das políticas públicas para essa etapa. Se não é possível estabelecermos um conceito universal para a questão da qualidade (e nem é bom que se faça), esta também não está livre de conside-rações fundamentais, como as sintetizadas por Campos, Coelho e Cruz (2006), concluindo que a qualidade é um conceito socialmente construído e sujeito às constantes negociações, pois é dependente do contexto e baseia-se em direitos, necessidades, demandas, conheci-mentos e possibilidades. Tais aspectos necessariamente deverão ser colocados na pauta da definição de critérios de qualidade, pois essa definição está, no dizer das autoras, constantemente tencionada por essas diferentes perspectivas.

Não menos importante será que os projetos de construção de escolas considerem em sua formulação: as metas do PNE que se encerraram no ano de 2010 e do PNE que entrará em vigor em 2011 para os próximos 10 anos; as orientações dos documentos Parâmetros Básicos de Infra-Estru tura Para as Instituições de Educação Infantil (BRASIL, 2006b), Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006c), e Indicadores da qualidade na Educação Infantil (BRASIL, 2009b), além do Parecer CNE/CEB nº 8/2010 (BRASIL, 2010). Conforme Angotti (2006), os documentos oficiais são fundamentais para a conquista, de fato, do direito das crianças e suas famílias a uma educação de qualidade, pois delineiam a infância como momento singular e que precisa de atenção especial.

Vimos, neste estudo, que há ausência nas escolas de Educação Infantil de aspectos essenciais para a educação das crianças. Por essa razão faz-se necessário que em todas as escolas haja parque infantil, área verde, brinquedoteca e sala de leitura e/ou biblioteca com

5 Incluímos ainda, além das já citadas, outros estudos apontados no capítulo VII: Korczak (1997), MIEIB (2002), Campos (2006) e Carreira e Pinto (2007).

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tamanho e com materiais adequados ao número de crianças e às suas características e necessidades, garantindo-se, ainda, a acessibilidade a todas, em todos os espaços.

Quando falamos da necessidade de se pensar em propostas neces-sárias e possíveis, entendemos que os convênios com escolas particu-lares, comunitárias e confessionais para o atendimento à Educação Infantil precisam ser extintos, mesmo que de forma gradativa, pois essas instituições cumprem um papel social, e assumem com defici-ência o papel do Estado.

Consideramos também importante que as escolas de Educação Infantil mantenham essa característica: de serem Escolas de Educação Infantil, sendo oferecidas em uma mesma escola turmas de creche e pré-escola, evitando-se a segmentação entre as duas, mesmo que com a delimitação de espaços para repouso das crianças menores. Pode-se inclusive manter a organização mais comum hoje na rede municipal que é a formação de escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental – séries iniciais, tratando-se de escolas que abrangem a infância toda, pois todos os recursos de infra-estrutura física e peda-gógica necessários para as crianças de zero a cinco anos também são fundamentais para as crianças de seis a dez anos.

FORMAÇÃO DOS TRABALHADORES E TRABALHA-DORAS DA EDUCAÇÃO

Em trabalho desenvolvido por Rocha (2008) sobre as pesquisas na área de formação continuada, vimos que a mesma observou que um problema comum apontado nos estudos é que os currículos voltados à formação continuada não ensinam de maneira lúdica e criativa os estudantes e que, consequentemente, o profissional, na maioria das vezes, também não o faz ao atuar junto às crianças.

Apontamos como alternativas para se pensar a formação docente os estudos desenvolvidos por vários autores e autoras6, em que alguns apresentam os problemas da formação inicial e continuada e outros apontam, em função disso, possibilidades de organização da formação

6 Tardif e Raymond (2000), Contreras (2002), Zibetti (2005), Tamboril (2005), Charlot (2005) e Brejo (2007).

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docente, tanto inicial como continuada. Acreditamos que alterações nas políticas de formação precisam ser pensadas, dentre elas a criação, na carreira do magistério, no âmbito da categoria “Profissionais da educação” dos cargos de Docente para o Magistério da Educação Infantil e Docente para o Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tornando-se duas carreiras distintas, com ingresso através de concursos públicos de provas e títulos, com exigência de formação mínima em Pedagogia – licenciatura. Essa medida poderia evitar muitos problemas hoje presentes, sendo um deles o de que o docente obriga-se a fazer todos os cursos de capacitação, considerando que poderá mudar de etapa de atuação em qualquer momento ou no ano seguinte; outro, é que, se não há tantos recursos, é preciso evitar oferecer toda formação para todos e todas as profissionais.

Outro aspecto fundamental será a elevação dos contratos de tra-balho de 20h, 25h e atualmente de 30h, para 40 horas, garantindo tempo para o planejamento e estudo remunerados, além de maior renda ao docente, o que impactará positivamente. Se 2/3 dessa carga horária, como propõe a Lei que institui o Piso Salarial Nacional, for destinada ao trabalho direto com as crianças/alunos, o docente teria, no mínimo, 13 horas semanais para estudo e planejamento remunerados. Como pensar em educação infantil de tempo integral com contratos de 20, 25 e 30 horas? Cada turno trabalha, no míni-mo, cinco horas diárias com as crianças comprometendo 25 horas semanais. E como fica o planejamento acompanhado do estudo individual e coletivo, tão importantes para o projeto escolar, além da participação em outras atividades curriculares e pedagógicas? E o tempo remunerado para a formação continuada? É preciso pensar melhor sobre essa questão.

Ressaltamos nossa proposta, fundamentada nos autores e autoras já citados, de que a formação continuada será melhor quando for de fato continuada, ou seja, quando possibilitar ao/à docente, ao passo em que estuda, relacionar e refletir sobre o trabalho que desenvolve, com a possibilidade de melhorá-lo, alterá-lo, modificá-lo qualitati-vamente, considerando principalmente os aspectos relacionados à qualidade na Educação Infantil, conforme apontamos. Os cursos pontuais que geralmente são desenvolvidos fora da escola e/ou na própria escola não são um mal em si, mas não dão conta da proble-

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mática cotidiana e nem da reflexão sobre a prática. Eles precisam ser revistos em sua proposta teórico-metodológica.

A formação inicial presencial precisa ser garantida também para todas as/os docentes que já estão atuando na Educação Infantil, mas que ainda não possuem a formação em nível superior. Não que esta seja garantia de qualidade, mas é um dos aspectos e também direito do trabalhador. Defendemos a educação presencial como a mais capaz e com maiores possibilidades de garantia de uma boa formação para o magistério da educação básica, pois sem o acompanhamento presen-cial, respeitando-se o tempo de práticas pedagógicas em parceria com as escolas e estágios será muito difícil melhorar a formação inicial.

E ainda, que os cursos de Pedagogia – licenciatura deveriam definir em seus projetos uma ênfase à formação de docentes para a atuação na Educação Infantil, com carga horária de estágio de, no mínimo, 300 horas específicas para essa etapa. Nossa preocupação com o está-gio curricular caminha no sentido do que defende Oliveira (2005, p.37) para quem o trabalho direto com a criança é o principal, mas a “[...] formação do professor deve garantir não só o trabalho direto com a criança, como também a sua participação na equipe escolar, com responsabilidade de formular, implementar e avaliar o projeto educativo da escola.” Não basta passar pela escola. É preciso vivenciar e analisar a escola e suas práticas pedagógicas, ensinar e aprender com ela. É também fundamental que os cursos de Pedagogia – licencia-tura tenham um laboratório de práticas pedagógicas e de produção de materiais, para que os acadêmicos e acadêmicas contem com um espaço e equipamentos para a vivência e produção de materiais pedagógicos enquanto processo formativo que os capacitem ainda mais para o desenvolvimento do trabalho nas escolas.

A criança hoje, com suas especificidades, potencialidades, cultural e socialmente diferente, precisa de atenção responsável por parte do Estado, para que, independente de sua situação econômica, encontre na escola tudo o que lhe é de direito: cuidados, em relação à sua idade, proteção, respeito, carinho, possibilidade de ricas trocas cognitivas e culturais com colegas de diferentes idades, incluindo os adultos, espaço para criar, inventar, construir e testar hipóteses, enfim, ser feliz. Ou, no dizer de Bujes (2001), não podem faltar aspectos fundamen-tais para um saudável desenvolvimento infantil, como o lugar para a

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emoção, para o desenvolvimento da sensibilidade, da humanização do ser (que é humano, mas que precisa humanizar-se), e, ainda, o lugar da curiosidade deve ser garantido, assim como da investigação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O atendimento à Educação Infantil na rede municipal ocupou diferentes lugares no período de 1999 a 2008, tanto enquanto retórica quanto na efetivação de ações, dependendo da gestão e do contexto. Todavia, em nenhum desses lugares a primeira etapa da educação básica foi qualitativamente ampliada, conforme demonstram os dados apresentados nos quadros.

Na primeira gestão analisada a Educação Infantil foi descaracte-rizada para garantir a ampliação do ensino fundamental, mesmo que essa política não estivesse explicitada nos PPA’s. Este lugar de etapa da educação básica considerada menos importante foi observado tanto nas políticas de financiamento e de formação quanto de expansão do atendimento desenvolvidas e implementadas pela SEMED, eviden-ciando uma tendência nacional em função das políticas nacionais de financiamento. Nessa primeira gestão, nem mesmo enquanto discurso a Educação Infantil foi destaque. Além disso, as ações desenvolvidas bem como a ausência de outras que deveriam ser elaboradas nos autorizaram afirmar que nesse período a defesa da Educação Infantil não se colocava, haja vista as creches permanecerem todo o período sob a coordenação da Secretaria Municipal de Ação Comunitária e as crianças de seis anos serem atendidas como ensino fundamental.

Na segunda gestão analisada a Educação Infantil ocupou um lugar de destaque, tanto no discurso quanto nas políticas imple-mentadas, e foi também considerada necessária para a formação e desenvolvimento das crianças. No rol das ações voltadas à edu-cação, no PPA 2006/2009, a educação infantil contou com metas e ações programadas, além de aporte financeiro para desenvolvê-las. Ações de formação docente, expansão do atendimento, de ampliação da rede física, envolvendo a construção de escolas e a formalização de convênios com escolas da rede privada, elaboração da propos-ta Político-Pedagógica para a etapa e realização da I Conferência Municipal de Educação Infantil, representaram um diferencial, nessa

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gestão, no atendimento à primeira etapa da educação básica, porém não o suficiente em termos qualitativos.

No entanto, entendemos que para a consolidação da Educação Infantil de qualidade será necessário priorização dessa etapa com definição clara de metas e a ampliação dos recursos financeiros, tanto para a expansão e aparelhagem de escolas, como para as despesas de manutenção e desenvolvimento dessa etapa, haja vista que o acesso à Educação Infantil é fundamental para a garantia do desenvolvimento pleno da criança. O lugar de direito à educação já foi conquistado desde a Constituição Federal de 1988 e outros instrumentos legais vem garantindo esse direito às crianças menores de seis anos. Nossa defesa caminha no sentido de que serão fundamentais no mínimo três aspectos: colocar a Educação Infantil no rol das prioridades edu-cacionais, definir claramente suas metas e, principalmente, definir as fontes de financiamento. Sem esses três aspectos (prioridade, metas e financiamento) a ampliação do atendimento e a qualidade, a nosso ver, terão poucas chances de viabilização.

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AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR:

A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO E AS IMPLICAÇÕES PARA A ATUAÇÃO

DESSE PROFISSIONAL

José Carlos Barboza da SILVA

INTRODUÇÃO

Por conta da profissionalização da Psicologia em nosso país ter ocorrido pouco antes da instalação da Ditadura Militar, em 1964, também tem importância tal fato nos rumos dessa atividade profis-sional. Com a reforma universitária em 1968, a Psicologia perdeu o convívio salutar que mantinha com as disciplinas da Filosofia e das Ciências Sociais, pois foram isoladas em departamentos independentes, diferentemente do que acontecia anteriormente. Isso provocou um caráter liberal à profissão, expressão do novo status universitário. A formação passou a ter um caráter tecnicista em detrimento da formação humanística (PESSOTTI, 2004). É possível afirmar que o tecnicismo enquanto filosofia do ensino superior foi adotado como política educacional pelo Estado bra-sileiro durante o período da Ditadura Militar, e em consonância com o modelo de desenvolvimento econômico, político e social daquele período histórico. Tal modelo de desenvolvimento e de política pública para o ensino superior trouxe uma série de conse-

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José Carlos Barboza da Silva

quências para o campo da Psicologia que serão discutidas adiante no decorrer desse texto.

A importância da Psicologia no modelo de produção capitalista se dá por conta de seu papel no mundo do trabalho na utilização de métodos de seleção e de orientação utilizando-se da aplicação de testes que intencionam orientar os planificadores da política do trabalho, pois o mercado de mão de obra e a política do emprego são cada vez mais planificados e regulamentados. Os métodos e as técnicas psicológicas ligadas ao mundo do trabalho são utilizadas como fator de racionalidade e critério de rentabilidade (JAPIASSU, 1979). Assim, a psicologia desempenharia papel fundamental no controle dos indivíduos e grupos no atendimento ao “[…] bom funcionamento da sociedade industrial, no contexto de uma previ-são e de uma planificação dos comportamentos humanos a fim de que o sistema continue a funcionar sem falha e com um mínimo de imprevisto.” (JAPIASSU, 1979, p.89). Cabe então a pergunta feita pelo autor quanto ao lugar da psicologia quando é “[…] chamada a resolver um conflito entre uma norma social (econômica, cultural, pedagógica ou outra) e o comportamento dos indivíduos, exercerá sua função em proveito da norma, das estruturas, ou em proveito dos indivíduos?” (JAPIASSU, 1979, p. 90, grifo do autor).

A reorganização do sistema de ensino, em particular, no nível superior, levou a uma diversificação institucional (BRASIL, 2001) representada pela consolidação do sistema de avaliação superior (BRASIL, 2004a), pela elaboração das Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação (CNE, 2003), pela criação da Gratificação de Estímulo à Docência (GED) (BRASIL, 1998) e pela definição de critérios para o processo de escolha dos gestores dirigentes das universidades, dentre outros aspectos. Tais medidas constituem um projeto de ensino superior implantado e defendido pelos últimos governos caracterizando uma educação de natureza privatista, elitista e de qualidade duvidosa, já que balizada pelos interesses de mercado.

Entenda-se por política educacional o que está definido em Fernandes Neto (2007, p.112), por “[…] um conjunto de diretrizes que determinam a organização, a estrutura e o financiamento do sistema educacional.”

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As políticas educacionais para o ensino superior: a formação do psicólogo e as implicações para a atuação desse profissional

Cabe lembrar o que grafou Bianchetti (1996, p.93-94, grifo do autor), no tocante às políticas educacionais e seu papel na estruturação dos cursos escolares enquanto políticas “em educação” por referirem--se às “[…] orientações refletidas na estrutura e nos conteúdos do currículo” e “para a educação””, pois fazem parte das políticas sociais voltadas à educação consignadas pelo governo que se refletem: “[…] nas características e funções propostas para o sistema educativo onde as ações se orientam fundamentalmente à conformação de uma estrutura educacional que seja o veículo de efetivação das exigências do modelo social.”

A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em vigor, ocorreram transformações no setor educa-cional brasileiro em pouco mais de uma década e meia, no tocante às políticas e seus desdobramentos no ensino em diferentes níveis, principalmente no superior.

O NEOLIBERALISMO2 COMO POLÍTICA PÚBLICA PARA E NO ENSINO SUPERIOR

Saviani (1997, p.200), discorrendo sobre os fundamentos da política de orientação neoliberal e seu desdobramento no âmbito educacional por meio da LDBEN questiona:

Seria possível considerar esse tipo de orientação e, portanto, essa concepção de LDB, como uma concepção neoliberal? Levando-se em conta o significado correntemente atribuído ao conceito de neoliberal, a saber: valorização dos mecanismos de mercado, apelo à iniciativa privada e às organizações não-governamentais em detrimento do lugar e do papel do Estado e das iniciativas do setor públicos, com conseqüente redução das ações e dos investimentos públicos, a resposta será positiva.

Decorrente da LDBEN, que procurou ajustar o ensino nos diferen-tes níveis à realidade do mercado de trabalho no mundo globalizado e ao modelo de desenvolvimento econômico adotado, a saber, o neo-liberal (FERNANDES NETO, 2007), as instâncias governamentais responsáveis pelas políticas no ensino superior criaram um conjunto

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de documentos legais capazes de dar continuidade ao processo de construção das características necessárias ao ideário do mundo do trabalho e do mercado. Dentre tais documentos está as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os Cursos de Graduação (CNE, 2003), na qual está expressa a necessidade de flexibilidade da formação atualmente exigida pelo mundo do trabalho. Assim, com tal ideário, as noções de competência e habilidades, que dependem intimamente da capacidade de adaptação, são introduzidas neste documento para atender especificamente o mundo do trabalho. Tal situação pode ser entendida como uma maneira de estreitar a relação entre o intuito de desenvolvimento econômico e o ensino superior.

O capital está posto em todas as esferas sociais e passou a governá-las. Por isso, cada vez mais o mercado de trabalho tem assumido a hegemonia na determinação do tipo de escolarização que deve ser dada ao povo1. Correia e Matos (1999) afirmam que um dos aspectos importantes das reformas educativas da década de 1990 foi o aumento da permeabilidade da escolarização às mudanças econômicas. Houve a substituição de um paradigma democratizante e humanista por um de natureza tecnocrática em que os atores e interesses envolvidos só se legitimam à medida que haja eficácia dos conteúdos escolares na direção do mercado de trabalho (POPKEWITZ, 1997). Os aspectos econômicos passam a possuir a legitimidade necessária para interferir e determinar o tipo de escolarização a ser fornecido (AFONSO, 2003). Tal lógica de mercado passa a difundir-se como desejável dentro dos sistemas educativos. Santos Filho (1995, p.3-4), afirma que a universidade tem incorporado “[…] valores e práticas do mundo dos negócios, de vários grupos de interesses sociais e de outras subculturas.” Em países dependentes do capital externo como o Brasil, essa tendência é predominante e tenta estabelecer uma diretriz capaz de submeter o processo educativo ao processo produtivo (CHAVES, 2002). Pode-se falar no avanço das forças produtivas que fazem com que o capitalismo avance transformando tudo em mercadoria. A vincula-ção do sistema educacional ao bom funcionamento da maquinaria produtiva é um dos responsáveis pelas exigências feitas ao sistema

1 Conferir Conselho Federal de Psicologia (1998b).

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escolar. Uma das consequências segundo Gimeno-Sacristán (1998, p.54) é a seguinte: “Quanto mais escasso for o mercado de traba-lho, menos se aceitará que a educação faça outra coisa que não seja preparar para o mercado de trabalho. Quanto mais restrições são impostas pela crise, mais ajustes são reclamados.”

A política federal para a educação nos diferentes níveis representa a afirmação feita acima estabelecendo avaliações nos diferentes níveis de ensino fundamental, médio e superior, tais como expresso nos incisos VI e VIII do artigo 9º da LDBEN. A avaliação juntamente com o financiamento educacional são reconhecidos por pautarem a proposta de reforma nessa área em princípios neoliberais como pilares da mudança nos sistemas de ensino. É preciso destacar que a avaliação não é neutra, pois traz embutida uma determinada concepção de universidade que os gestores utilizam para o estabe-lecimento das estratégias e ações a serem utilizadas para a avaliação (MAUÉS, 2003).

Vianna (2003) chama a atenção para o fato de que a avaliação edu-cacional tem sido usada na tentativa de obter resultados que elevariam os padrões de desempenho, mas nota que apesar de tais avaliações apontarem os problemas não os solucionam. Tedesco (1999) afirma que os resultados modestos das mudanças educacionais são decor-rentes da interação de muitos fatores que atuam de forma sistêmica.

Chaves (2002) realiza uma bem fundamentada análise acerca dos aspectos embutidos no modelo de “avaliação” criado e executado atualmente na realidade brasileira, e sua vinculação umbilical com o modelo capitalista global vigente, além dos desdobramentos sociais, políticos e econômicos decorrentes da execução e continuidade de tal processo dentro do ensino. Há a utilização de um novo modelo de estado capitalista denominado neoliberal que atinge as mais variadas áreas, inclusive a educação em seus diferentes níveis. Nesse modelo de Estado, o Estado mínimo, o mercado é o regulador das ações eco-nômicas, e o investimento é menor ou inexiste nas políticas sociais, o que tornaria o Estado mais “forte e mais leve” e competitivo para efetuar ações de seu domínio “exclusivo”.

Silva Júnior (2002) descreve o caminho percorrido pelas políti-cas econômicas, sociais e educacionais em nosso país apontando, entre outros fatores, a substituição da influência do modelo de

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Estado Keynesiano2, criado pela necessidade de qualificação de mão de obra para a indústria nacional, e não pela preocupação da construção da cidadania, por um novo modelo de estado capitalista, a saber, o Neoliberal, em que há repasse para a iniciativa privada das responsabilidades antes desempenhadas pelo Estado. Aponta que, no Brasil, esse modelo começa a ser hegemônico a partir de 1994, com as privatizações e desmonte do parque industrial, tendo como uma das consequências, na Educação, a redução de verbas para as universidades e a instituição de avaliações: o antigo “Provão”3. O pro-cesso da desindustrialização brasileira está fundamentado em dados de Mendonça (2004), que analisa o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos de 1994 e 2001, verificando que as médias anuais de crescimento da indústria de transformação são decrescentes ou pífias se comparadas à década anterior.

A educação pública passa a ser questionada como cara e ineficiente dentro desse novo modelo. A “qualidade” do ensino passa a ter o seu “momento” de importância, assim como anteriormente houve o “momento” da garantia do acesso e da permanência. Passa a ser uma palavra de ordem como tantas, tais como: a evasão, a repetência e a democratização da gestão, anteriormente. Obviamente, não por acaso, a “qualidade” passa a ter tal destaque, pois no contexto da reestrutu-ração capitalista o conceito de qualidade advém do modelo gerencial importado das empresas privadas como se fosse uma mercadoria em que o processo produtivo pode ser avaliado por um “controle de qualidade”. A política educacional conjuga a “qualidade” do ensino a um paradigma de “qualidade total dos processos produtivos”.

Gentili (1999) apresenta alguns dos aspectos ligados ao conceito de qualidade no mundo dos negócios. Assevera que no setor priva-do sempre houve uma preocupação com a qualidade no processo produtivo, que levou ao desenvolvimento e criação de mecanismos

2 A partir do final da Segunda Guerra Mundial nos países desenvolvidos da América do Norte e da Europa houve a conjugação entre política econômica e política social, conhecida como teoria do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). Tal política foi elaborada ainda no final da década de 1920, pelo economista John M. Keynes, decorrente da crise da economia mundial em 1929, denominada de “A Grande Depressão”.3 Atualmente, o processo avaliativo denomina-se Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (ENADE).

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que possibilitassem às empresas produzirem mais sempre a um custo cada vez menor. A “qualidade” passou também a ser uma nova estra-tégia de competição, pois a diversificação e diferenciação da oferta impõem tal estratégia para a aceitação do produto no mercado. Há também uma trilogia “qualidade-produtividade-rentabilidade” decor-rente dos aspectos anteriores. A “qualidade” no mundo empresarial supõe uma organização particular do processo produtivo que, na atualidade, requer uma “flexibilidade” de atuação dos atores envol-vidos no processo. Por fim, aponta que no mundo dos negócios a “qualidade” é mensurável e/ou quantificável, pois implica em custos de produção que devem ser reduzidos atestando a sua “eficiência”. São estes princípios que foram transpostos para a educação com a crise e reestruturação do modelo capitalista de produção. Trata-se, portanto, de um conceito empresarial de educação e que tem como corolário a competição.

Estamos agora em condições de perguntar: qual é o “produto” da educação, se “ele” é palpável como os bens produzidos nas empresas e se é possível falar em qualidade ou atribuição de valor quando não se sabe o que é que foi “produzido”? Se respondermos que o “produto” da educação é o conhecimento, já nos deparamos com uma enorme dificuldade, já que tal “produto” não possui matéria “palpável” como os bens industrializados. Por isso, o sistema educacional implantado com a reestruturação do capitalismo requer o estabelecimento de parâmetros de “qualidade”, conseguidos por meio de uma “avaliação” do “produto” aferido. Assim, a avaliação educacional adquire o parâmetro de política educacional neste contexto da reestruturação capitalista. Contudo, seu resultado pode ser visto como um teste de rendimento (assessment) e de prestação de contas (accountability) (DIAS SOBRINHO; RISTOFF, 2000). Não mais do que isso. Na implantação de tal modelo de “qualidade” ao sistema de ensino, verifica-se, então, que o objetivo é classificatório e, portanto, possibilita “medir a qualidade” por meio do rendimento ou desempenho escolar. Traduzindo politicamente tal intenção pode-se afirmar que a democratização não é um objetivo, mas a criação de mecanismos que tornem possível a comparação e a compe-tição na busca de melhores resultados são os reflexos da “qualidade do ensino”. São os mesmos princípios empresariais aplicados para produzir “qualidade” na educação. Com tal resultado é possível afirmar que tal

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lógica do mundo dos negócios aplicada para gerir o sistema educativo público acarreta seu desmonte ao invés de sua democratização, pois na lógica empresarial somente aqueles que vencem a competição sobre-vivem no mercado. A natureza dos “produtos” educacionais é muito diversa da que encontramos na atividade empresarial (SANTOS, 2003).

Oliveira (2000) aponta que o sistema de avaliação do ensino implantado aliado ao tema da descentralização constitui um dos dois pólos característicos do modelo de reforma do Estado, pois cria um “novo padrão de controle” que substitui o controle direto realizado por meio de uma estrutura hierárquica que inspeciona e supervisiona, por mecanismos de aferição do controle do “produto”.

Dentro da reforma do aparelho do Estado a educação passou a fazer parte dos “serviços não exclusivos”, e, portanto, se insere direcionada para o cidadão-cliente com objetivos de satisfação de consumo numa ótica empresarial. O problema decorrente de tal visão da educação é que há devido a diferentes fatores, uma quantidade de pessoas fora ou excluída do sistema de produção, distribuição e circulação dos bens produzidos socialmente, o que alija tais pessoas de serem beneficiadas pela educação enquanto política social que visa à promoção dos indivíduos à condição de cidadãos em oposi-ção às desigualdades estruturais ocasionadas pelo modelo político e econômico adotado, a saber, o capitalista neoliberal. Não há dúvida de que a inserção da educação dentre os serviços não-exclusivos do Estado, podendo ser oferecidos por entidades de direito privado e/ou organizações sociais faz parte das propostas neoliberais de refor-ma, já que implica em redução dos gastos com políticas sociais, tais como a educação.

Como apontam Silva e Gentili (1999), o neoliberalismo serviu para a orientação de políticas governamentais num espectro de países que abrangiam desde as nações desenvolvidas até aquelas em situação de subdesenvolvimento ou não alinhadas.

É necessário esclarecer o significado da palavra neoliberalismo, derivada da palavra liberalismo que diz respeito a uma doutrina polí-tica e econômica centrada na idéia de que o mercado auto-regulado ou não regulado pelo Estado é capaz de promover a igualdade social entre as pessoas de uma dada sociedade e as conduz à prosperidade, como se fosse uma política social. O neoliberalismo seria assim uma

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nova forma do liberalismo. Para os neoliberais, as políticas sociais e de igualdade não conduzem à liberdade, mas ao seu oposto, à escravidão (FRIGOTTO, 2004).

O conceito de equidade dentro da doutrina neoliberal se contra-põe ao conceito de igualdade na medida em que a equidade serve para promover as diferenças “naturais” entre as pessoas dentro de um sistema social, ao passo que a igualdade seria fruto de uma intervenção de caráter homogeneizador e, portanto, artificial. Dentro da visão neoliberal a equidade se promove criando um sistema meritocrático para levar os indivíduos dessa sociedade à promoção das suas dife-renças naturais (SILVA; GENTILI, 1999).

Rodríguez (2003) considera que, em função do caráter com-pensatório das políticas sociais adotada para a área de educação, a utilização do termo igualdade vem sendo substituído na legislação e discursos oficiais por equidade, como se sinônimo fossem. Para ela, a utilização de forma indiscriminada, isto é, como sinônimo, serve para a introdução de regras utilitárias que somente justificam as desigualdades e possibilitam um tratamento diferenciado para os diversos setores e atores sociais.

Popkewitz (1997), tratando das diferenças entre o discurso público e a aplicação de valores mercantis às diferentes esferas políticas, incluindo a educação, aponta a vinculação do “progresso social” à concepção do individualismo possessivo4, desvendando que tal progresso segundo tal discurso está fortemente ancorado na idéia de igualdade de oportunida-de numa sociedade igualitária definida pelo mérito para a superação das desigualdades de nascimento, que seria o equivalente da equidade social.

As reformas estruturais por que vêm passando os países em desen-volvimento como o Brasil, desde as décadas de 80 e 90 do século passado, estão baseadas em uma concepção de desenvolvimento que aponta para: ajuste fiscal, privatização, reforma do sistema previ-

4 O conceito de individualismo possessivo é utilizado com referência à Macpherson. Diz respeito a formação do indivíduo “individualista”, ou seja, em face do processo de naturalização social o indivíduo passa a encarar sua forma de ser como natural, tendo um aval da ciência quanto a aspectos tais como: o caráter, a moralidade e o desempenho sendo tratados como “fatos objetivos” e implicando que ter tais características ou qualidades é o mesmo que ser seu dono, como ocorre com a propriedade privada ou de um bem. Tal forma de ser e de encarar a realidade traz implicações para a forma de ser em sociedade e para o trabalho. A qualidade seja ela qual for se torna uma “propriedade”.

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denciário, desregulamentação da economia e diminuição dos gastos públicos, dentre outros aspectos. No caso brasileiro tal reforma do Estado só pode se dar de forma abrangente a partir dos anos 1990, já que nos anos 80 do século passado, sua economia encontrava-se debilitada, além dos aspectos do processo de redemocratização vivi-dos após duas décadas de Ditadura Militar (1964 – 1985). Havia instabilidade macroeconômica e política, marcada pela desvalorização da moeda nacional, ausência de crescimento econômico, indefinição de políticas públicas, além de um processo de redemocratização da sociedade e de suas instituições.

Pode-se afirmar que a política para o ensino nos seus diferentes níveis, na atualidade, é decorrente da crise do capitalismo, principal-mente, a partir da década de 1970, já que os países capitalistas tiveram altas taxas inflacionárias, diminuição da produtividade industrial e crescimento econômico negativo ou baixo (CATANI; OLIVEIRA, 2002; NEVES; FERNANDES, 2002; SGUISSARDI, 2000; SOARES, 2000). Outro fator apontado pelas teorias para a reforma do Estado foi a crise do petróleo em 1973, gerada pelo aumento de preço dada a escassez desta fonte energética no mundo que gerou recessão eco-nômica mundial (LUCCHESI, 2007). A “culpa” pela estagnação e recessão econômica foi atribuída ao tipo de Estado Welfare State 5, adotado principalmente nos países europeus e nos E.U.A, já que era considerado “intervencionista” por conta de sua atuação em organizar e implementar políticas sociais para o atendimento de necessidades básicas da população, que teriam criado uma crise fiscal no Estado.

Vale salientar que a crise do Welfare State foi vivida de forma diferente por cada país, dado que os atingiu em distintos momentos e com diferentes intensidades no mundo por conta de peculiaridades em termos de desenvolvimento, ocasionando respostas diferentes para problemas semelhantes de acordo com o sistema político vigente e o grau de centralização que possuía.

Há uma transformação significativa na direção no discurso da década de 1980 para a de 1990, onde as idéias de qualidade e prin-cípios tais como o de justiça redistributiva dos bens sociais e econô-

5 Significa Estado do Bem-Estar social. Rosanvallon (1997) utiliza a expressão Estado--providência para referir-se ao welfare state.

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micos, foram trocados pelas idéias de maior produtividade, sempre com menor custo e maior controle do produto. Segundo Popkewitz (1997), a significativa mudança se deveu entre outros aspectos à profissionalização da ciência que a tornou mercadoria, tendo a pro-fissionalização se transformado em categoria epistemológica e política e apresentando como principal traço e valor o que ele, baseado em Macpherson, denomina de “individualismo possessivo”.

No contexto do ensino superior os aspectos de tais modificações econômicas e políticas vão se fazer sentir por meio da implementação de uma ampla reforma curricular, pois dentro do diagnóstico capita-neado pelo modelo neoliberal de desenvolvimento, trata-se de uma falta de qualidade advinda da falta de adequado gerenciamento das instituições. Daí caberem mecanismos que sejam capazes de avaliar a qualidade dos serviços educacionais entendida como a sua eficiência, a eficácia e a produtividade. A intenção e ação são vividas por meio de uma reestruturação do sistema de ensino com vistas a “flexibilizar” a oferta de “produtos educacionais”. Tal situação é acompanhada por ações no sentido de promover uma mudança comportamental que torne hegemônica uma cultura empresarial no sistema escolar dos diferentes níveis de ensino (AFONSO, 2003; SILVA; GENTILI, 1999). Trata-se da aplicação de um modelo gerencial de administração da máquina pública nas políticas sociais, principalmente na educação.

Na perspectiva neoliberal é a ausência de um mercado educacional que explica a incapacidade e ineficiência governamental para gerenciar o sistema de ensino e seus “produtos”, pois, nessa lógica, onde não há competição não pode haver interesse na qualidade dos “produ-tos” e nem preocupação com o estudante-consumidor. Assim, é na construção de tal mercado educacional que se dirige a linha mestra das políticas governamentais atuais, que priorizou incentivos à iniciativa privada no ensino superior (PROUNI)6 enquanto contingência os recursos para as instituições de ensino superior públicas7 (REUNI)8.

6 PROUNI significa Programa Universidade para Todos. Conferir (BRASIL, 2004b, 2005a).7 No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) o financiamento para as instituições de ensino superior federais que era da ordem de 0,91% do Produto Interno Bruto (PIB), em 1994, caiu para 0,61% do PIB, em 2001, o que equivale a uma redução de 33%. Os dados são de Gentili e McCowan (2003).8 REUNI significa Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Univer-

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O programa PROUNI transfere os recursos públicos não arrecada-dos, tais como: a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); a Contribuição para o PIS/PASEP; a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) (artigo 5º da Medida Provisória n.º 213, de 2004), para a esfera privada, pois garante isenção fiscal em troca de um percentual de vagas “gratuitas” na rede privada de ensino para alunos de baixa renda ou de determinadas etnias, oriundos do ensino público, além de professores do ensino público elementar que não possuem formação superior. A crítica a tal modelo de política pública para o Ensino Superior tem se concentrado na proposição de que a aplicação de tais recursos no ensino público apresentaria melhores resultados em todos os sentidos, já que recomporia a sua estrutura física e administrativa das Instituições Federais de Ensino (IFES) e ampliaria consequentemente o número de vagas ofertadas e garantiria uma melhor qualidade da formação segundo os critérios avaliativos do antigo Exame Nacional de Cursos (ENC) e atual Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes (ENADE), em uso.

POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL PARA OS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

A discussão sobre a formação profissional em Psicologia em nosso país já possui pelo menos 35 anos de existência conforme pode ser verificado no trabalho pioneiro de Pereira (1975), estendendo-se segundo os levantamentos de Witter et al. (1992) por mais de uma centena de trabalhos dedicados à formação e à atividade profissional do psicólogo.

Sinteticamente as discussões encontradas em tais trabalhos sobre a formação profissional em Psicologia podem ser resumidas nos seguin-tes aspectos: grades curriculares, propostas curriculares mais ou menos flexíveis, análises de currículos específicos, diretrizes para a formação, dicotomias entre formação técnica/prática e teórica/humanística, científica e profissional e entre formação de generalistas e especialistas,

sidades Federais. Foi criado pelo Decreto n.º 6096, de 24/04/2007 (BRASIL, 2007).

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formação com ênfase em áreas tradicionais versus áreas emergentes da Psicologia, formação predominantemente multidisciplinar versus unidisciplinar (psicológica) e/ou interdisciplinar, estágios acadêmicos, avaliação da formação e análise de propostas referentes à formação e formação ética. Muitos dos dilemas acima apresentados poderiam ser superados numa formação que articulasse tais polaridades e reco-nhecesse suas indissociáveis dimensões e evitasse o maniqueísmo.

Mais recentemente para discutir a formação em Psicologia foi criada a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP). Sua criação foi proposta do Conselho Federal de Psicologia (CFP) ao Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (FENPB) e foi efetivada em 1998 (CFP, 1998a).

Sua criação teve a intenção de contribuir com subsídios ao debate nacional sobre as Diretrizes Curriculares que explicitaram um con-junto de princípios, fundamentos e condições que orientam os cursos de Psicologia na organização, articulação e desenvolvimento das pro-postas curriculares. Tais Diretrizes foram aprovadas em 19/02/2004, por meio do Parecer do CNE/CES 0062/2004 (CNE, 2004).

Pode-se afirmar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia são tributárias de oito anos de embates políticos que levaram à aprovação da LDBEN – Lei n.º. 9394/96 (CNE, 1996). Tal legislação expressou uma determinada realidade social com suas contradições e conflitos e é o resultado dos interesses antagônicos em jogo. Reordenou todo o sistema educacio-nal brasileiro. Segundo Jorge (1993), as modificações dos currículos dos cursos de graduação são o resultado da tentativa de atender às mudanças rápidas de inúmeras naturezas que estão ocorrendo no mundo que criaram um descompasso entre as condições decorrentes de tais mudanças e a educação como um todo.

As Diretrizes Curriculares como expressão dessa reorganização no ensino superior substitui os Currículos Mínimos da legislação anterior e introduz profundas reformulações nos cursos de formação. Tais diretrizes estão presentes no texto da LDBEN como recomendações gerais que devem ser observadas pelas instituições de ensino superior (inciso II do artigo 53 da LDBEN), já que tais instituições gozam de autonomia, respaldado pela Constituição Federal do Brasil em seu artigo 207 (BRASIL, 1997).

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As Diretrizes Curriculares em Psicologia como expressão geral da LDBEN propõe flexibilização do currículo no tocante às adaptações às condições institucionais e às necessidades regionais, quanto em relação às estruturações e enfoques nos projetos de cursos das Instituições de Ensino Superior (IES). Mesmo assim, é preciso apontar o caráter inovador que as Diretrizes Curriculares em Psicologia possuem, já que comporta uma tentativa de superar as debilidades da formação acadêmica da área amplamente apontada por diferentes autores e entidades responsáveis pela formação em Psicologia (CFP, 1988; MELLO, 1983; PATTO, 1982).

As Diretrizes Curriculares estabelecem em Psicologia um “núcleo comum” de formação, em torno do qual se diferenciam “perfis de for-mação”, que por sua vez são acompanhados de “ênfases curriculares”. O “núcleo comum” é composto por um determinado conjunto de conteúdos com o objetivo de desenvolver “competências” e “habili-dades básicas”, conforme princípios e compromissos norteadores da formação em Psicologia. Os “perfis de Formação” são um conjunto amplo e articulado de campos de atuação tais como: formação do profissional (grau de psicólogo), pesquisa (grau de bacharel) e docên-cia em Psicologia (grau de licenciado). As Ênfases Curriculares são um conjunto de referenciais conceituais e de atuação definidas pelas propostas de curso.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia utilizam de nomenclatura diferente para tratar de aspectos já consagrados na formação. Como exemplo, cito o que tal documento chama de terminalidades ou perfis que, pela legislação anterior, era denominado de habilitações, ou seja, bacharelado, licenciatura ou formação de Psicólogo.

Basta examinar a utilização da nomenclatura nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia para se verificar que termos tais como: habilidades básicas/gerais e específicas e competências9 básicas/gerais e específicas é a representa-

9 Segundo Louzada (2010a), há uma diferenciação na literatura norte-americana entre os conceitos de competência, aptidão, habilidades e conhecimentos. Competência estaria ligada a um desempenho superior de uma dada pessoa no desenvolvimento de uma “tarefa” ligada a um “cargo” na esfera do trabalho intelectual e qualificado. O mesmo autor argumenta que os indivíduos detentores das chamadas competências são portadores potenciais de iniciativas e

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ção discursiva da mesma linguagem utilizada no mercado. É preciso lembrar o alerta feito por Figueiredo (1983, p.13), sobre a forma-ção do psicólogo, quando disse: “[…] antes de passar informações e instalar habilidades, parece necessário combater os equívocos e esperanças infundadas”, referindo-se à imagem que o estudante de Psicologia faz da profissão.

Cabe lembrar Louzada (2010a), quanto ao conceito de competên-cia na esfera do trabalho10 que, no caso da Psicologia, em particular, é tributário do campo da formação educacional, pois se trata de uma profissão de cunho universitário. Louzada (2010a), em sua tese, argu-menta que a noção de competência na esfera do trabalho indica uma forma de organização diferente do modelo fordista-taylorista11. Um dos motivos acerca de tal diferença refere-se à necessidade de escola-ridade diferenciada entre tais modelos, sendo pequena ou inexistente no modelo fordista-taylorista, enquanto que no modelo de sociedade pós-industrial, pós-moderna, denominada também de sociedade da informação ou do conhecimento12, apresenta uma nova lógica de organização do trabalho que requer maior nível de escolaridade e que seria, em tese, uma evolução da Sociedade Industrial representada pelo modelo fordista-taylorista13. Isso nos remete à dependência e

de papéis dentro das organizações na esfera do trabalho, isto é, “produzem” a organização por meio de uma maior autonomia na organização do trabalho.10 Segundo Louzada (2010a, p.72), há “[…] duas referências sobre o início do debate em torno da noção de competência […]”, sendo um deles por meio da publicação de um paper de McClelland, denominado Testing for competence rather than inteligence, datado do ano de 1973, nos E.U.A e, na França, também nos anos de 1970, com a discussão “[…] da noção de qualificação e do processo de formação profissional.” (LOUZADA, 2010a, p.72). 11 O modelo de organização fordista-taylorista do trabalho é aquele que aplica os Princípios da Administração Científica, ou seja, que tem o trabalho como objeto de estudo científico. Esse método foi desenvolvido por Frederick Winslow Taylor (1841 – 1925). Essa forma de organização do trabalho também é chamada de Organização Racional do Trabalho (ORT), isto é, aplicam-se procedimentos universalizantes na realização de uma determinada tarefa. Entre as características principais desse modelo estão o mecanicismo e a fragmentação do trabalho. Ficou conhecido como modelo de produção fordista-taylorista em função da aplicação de tal método nas linhas de produção das fábricas da Ford Motors Co, de Henry Ford, em 1913. (LOUZADA, 2010a).12 A palavra conhecimento encerra, além da dimensão cognitiva, também uma dimensão reflexiva/compreensiva/interpretativa e, portanto, relacionada à esfera subjetiva da senso-percepção.13 Em termos de política econômica se convencionou denominar de pós-fordismo a conju-

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necessidade de políticas oficiais de ensino para que tal modelo possa ser implantado e florescer. É essa minha hipótese quanto às reformu-lações e/ou adequações impostas pela nova legislação que implantou as Diretrizes Curriculares nas diferentes áreas de formação profissional universitária, incluindo aí a área da Psicologia, ou seja, visa atender o mercado de trabalho que necessita de maior período e preparo de escolarização, além da formação básica e técnica de nível médio, agora insuficiente à sociedade do conhecimento baseada na utilização da tecnologia no mundo do trabalho. Vejamos o que constava escrito nos Objetivos e metas das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação Superior, elaborada pela Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia do MEC/SESu, na versão online em 1999, e teremos apoio à hipótese acima aventada. O texto é o que segue:

[…] considerando-se que em uma sociedade globalizada, onde as mudanças no conhecimento são cada vez mais aceleradas, é na educação continuada que está a chave para que o ensino superior acompanhe estas transformações. Este aspecto dinâ-mico só é viável dentro de uma estrutura como a das Diretrizes Curriculares, que irão permitir às IES definir diferentes perfis de seus egressos e adaptar, estes perfis, às rápidas mudanças do mundo moderno. […] Os profissionais formados a partir das Diretrizes Curriculares, além de intimamente refletirem o projeto pedagógico e a vocação da cada IES, serão profissionais dinâmicos, adaptáveis às demandas do mercado de trabalho. (BRASIL, 1999, p.1, grifo do autor e grifo nosso).

Segundo Louzada (2010a, p.82), a noção de competência ligada a um novo modelo de organização do trabalho migra para o campo educacional a partir dos anos de 198014, e doravante “[…] não se restringe apenas à formação profissional, mas torna-se o componente central para orientar a educação do futuro […].”

gação de: uma produção globalizada, a diminuição do Estado-Providência e a desindexação dos salários (HELOANI; MACÊDO; CASSIOLATO, 2010).14 Principalmente, a partir das reformas no sistema de ensino francês, denominadas Berthoin--Fouchet, ambos Ministros da Educação, que basearam-se na Teoria do Capital Humano. Conferir (LOUZADA, 2010b).

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No campo da educação a noção de competência ora aparece associada à avaliação, pois “[…] a finalidade de explicitar as ativida-des que devem ser executadas e observadas no processo de avaliação para o desenvolvimento de determinadas capacidades” (LOUZADA, 2010b, p.87), ou adquire o sentido de “performance” e/ou capacidade. Entretanto, os autores da proposta francesa que serviu de base para a orientação da reforma dos conteúdos do ensino não apresentam a noção de competência, mas tão somente “[…] um conjunto de princípios, que poderia facilitar o consenso entre os diversos atores sociais mobilizados, para a institucionalização de uma política gover-namental” (LOUZADA, 2010b, p.91)15. Tal sentido de “performan-ce” no termo competência pode ser claramente verificado no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, em seu artigo 8º, que está assim grafado: “As competên-cias reportam-se a desempenhos e atuações requeridas do formado em Psicologia […]” (CNE, 2004, p.8, grifo nosso e grifo do autor). Também está presente no Preâmbulo da versão online, de 1999, da Proposta de Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Psicologia, elaborada pela Comissão de Especialistas em Ensino de Psicologia do MEC/SESu. Vejamos o que está escrito:

[…] O documento foi eficaz em provocar o debate sobre dois aspectos fundamentais na formação em Psicologia no país: a uni-dade versus a diversidade de formação; implicações operacionais necessárias para o planejamento de uma formação baseada na concepção de desempenhos profissionais. (BRASIL; 1999, p. 2, grifo nosso).

Acredito que o conceito de competência que se instalou decorrente desse processo encontrou terreno fértil no ensino em função de sua “jornada anterior” em outro campo, a saber, na esfera do trabalho, que o tornou uma forma naturalizada dentro do sistema educativo.

Outro aspecto ainda ligado às Diretrizes Curriculares para a área da Psicologia que apresenta problemas é a definição das Ênfases Curriculares, já que, como afirma o documento, os domínios mais

15 Conferir Bordieu e Gros (1990).

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consolidados de atuação profissional do psicólogo no país podem constituir ponto de partida para tal definição dessas ênfases curricula-res (Artigo 12). Os interesses de acordo com as disciplinas ministradas pelos diferentes docentes criam uma “queda de braço”, já que tais ênfases determinarão em boa parte o oferecimento de áreas específicas de estágios curriculares, conforme o parágrafo 3º desse mesmo artigo.

É preocupante a quantidade de aspectos a serem seguidos como princípios e compromissos assegurados em uma formação de psicó-logos, quando as reais condições oferecidas pelas instituições públicas são precárias. Só para citar alguns dos itens que me levam a tal preo-cupação cito como exemplos: a falta de contratação de docentes, de títulos atualizados nos acervos das bibliotecas universitárias, reduzidas experiências práticas durante a formação acadêmica, falta de labora-tórios, falta de disciplinas opcionais que permitam ampliar teórica e praticamente o que os cursos vem oferecendo, acompanhamento adequado dos estágios de modo a garantir a qualidade dos mesmos, bem como o cumprimento das exigências legais, falta desenvolver durante a formação uma responsabilidade ética e um compromisso político, além de uma postura crítica quanto ao saber psicológico, falta de revisão do modelo profissional dominante nos cursos de Psicologia, maior conhecimento de áreas tais como sociologia, antropologia, filosofia, economia, educação, medicina etc, para que o aluno possa se beneficiar com a interface de outros saberes complementares e tenha uma atuação profissional crítica, eticamente orientada e com-prometida com a construção de uma sociedade mais justa e mais democrática resultado de uma formação para a responsabilidade e compromisso social com os excluídos da população.

Vale lembrar o que disse Figueiredo (2008, p.149, grifo do autor), no tocante a um currículo ideal:

[…] Parece que neste momento nos esquecemos de que o estabe-lecimento de um currículo implica a definição de uma relação de forças entre diversas concepções do que seja fazer, pensar e ensinar psicologia. O currículo ideal, nesta medida, não existe; o que há são resultados provisórios do conflito entre perspectivas mais ou menos dispares. Concretamente, os currículos são soluções de compromisso que acabam refletindo o resultado de um jogo

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político que envolve as direções das faculdades, os membros do corpo docente e, às vezes, partes do corpo discente. Como em todo jogo político, não há, neste aqui, nenhuma pureza: interesses de toda ordem se misturam, deixando as convicções acadêmicas embrulhadas numa densa teia de pressões […].

Além de tudo, a formação também é afetada pelas regras e práticas explícitas e implícitas (ocultas) correntes da instituição formadora tanto quanto influencia o modelo de profissional a ser formado, sobrepondo-se inclusive às questões pedagógicas. Nas instituições de ensino superior de natureza pública, o processo de decadência a que estão submetidas pelas autoridades, exemplificada pela falta de recursos e apoio governamentais há uma tendência geral ao descom-promisso por parte da comunidade e responsabilização individual principalmente dos docentes (MATOS, 2005).

As novas diretrizes curriculares na área da Psicologia foram subme-tidas à apreciação e aprovação pelo Conselho Nacional de Educação, a partir da proposta apresentada pela Comissão de Especialistas no Ensino da Psicologia – SESu/MEC. Vale salientar que até que se chegasse ao Parecer CNE/CES n.º. 062/2004, de 19/02/2004, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de gradu-ação em Psicologia, houve intensa discussão e luta de diferentes grupos interessados num determinado modelo de formação profissional para a área. Estiveram envolvidas nessa luta as entidades representativas da categoria, tais como: o Conselho Federal de Psicologia – CFP, os Conselhos Regionais de Psicologia – CRPs, a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP, dentre outros representantes da classe dos psicólogos.

Devemos lembrar que a Resolução que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, são princípios que devem ser adaptados à realidade de cada institui-ção formadora e como o próprio nome enfatiza Diretrizes não são normativas a serem cumpridas, mas orientações como está destacado no artigo 2º da própria Resolução.

Quero chamar à atenção para o aspecto macropolítico estrutural que está por trás das mudanças curriculares não apenas na Psicologia, mas em todas as áreas de formação acadêmica.

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Tais mudanças fazem parte do processo de reforma do Estado brasileiro e mundial, implantado a partir dos anos 1980 nas eco-nomias desenvolvidas e, a partir da década de 1990 em nosso país (BRASIL, 1995a, 1995b). Tais reformas estruturais, pautadas em uma concepção de desenvolvimento que inclui: liberalização do comércio, desregulamentação da economia, ajuste fiscal, privatização, contenção de gastos públicos, incentivo ao investimento externo direto, reforma do sistema previdenciário e reforma das relações capital-trabalho, estão em consonância com as políticas prescritas pelo chamado “Consenso de Washington”16 (OMC, 2004).

CONCLUSÕES

No tocante à educação superior, as reformas e políticas implan-tadas, sejam pelo Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE), sejam pelo MEC, resultaram em ampliação do controle da produção do trabalho acadêmico por meio da instituição de sistema de avaliação (Provão/ENADE) e crescimento do grau de subordinação da formação acadêmica ao mercado de trabalho por intermédio de reestruturação curricular. Tal reestruturação curricular dos cursos universitários em Psicologia não propicia uma formação em que o domínio dos fundamentos da profissão seja realizado de forma crítica e haja uma adequada articulação entre teoria e prática, ensino e pesquisa, mas tão somente um treinamento para a utilização de técnicas de forma acrítica e, portanto, sem um compromisso que leve em conta a articulação entre a produção do saber científico e o cotidiano social. Não é por acaso que um dos princípios da atual estrutura curricular advinda das Diretrizes Curriculares é o mesmo que orienta a organização do sistema de ensino superior, a saber, o princípio da “flexibilidade”, onde os saberes são técnico-instrumentais para que possam adequar-se às modificações que estão sendo introduzidas no mundo do trabalho,

16 “Consenso de Washington” é uma expressão criada em 1989, por John Willianson, econo-mista inglês, durante reunião do Institute for International Economics, entidade dirigida por ele, e que previa uma relação de 10 medidas de política econômica para reformar a economia dos países da América Latina. Em realidade, tais medidas são um processo de reforma do Estado para adequar-se ao mercado.

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cada vez mais tecnológico. Nesse sentido, não há porque acreditar que a assimilação de um saber instrumental que está associado ao processo produtivo vá além de um mero tecnicismo, já que estão pre-sentes os fundamentos da “Teoria do Capital Humano17”. Portanto, tal flexibilização não será capaz de elevar a formação superior a uma qualidade para além das necessidades mercadológicas sem compromisso com a realidade social mais ampla. Pode-se resumir o que está dito acima com as palavras de Lessa (1999, p.20): “[…] fala-se da produção de recursos humanos, e não da formação do homem. Na expressão recursos humanos está a coisificação sublimi-nar adotada por todos que assumem, por vezes inconscientemente, a universidade como uma instituição mercantil.”

Yamamoto, Oliveira e Campos (2002, p.83), destacam a neces-sidade de articulação do compromisso social em uma formação com as condições concretas postas pelo mercado de trabalho, mas não a subordinando como adestrada para as demandas sempre mutáveis do mercado. Nos termos desse autor, o compromisso profissional com as demandas sociais contemporâneas necessita inicialmente da capacidade de problematização, de intervenção e consciência das “[…] determinações concretas da divisão social do trabalho capitalista […] no mercado profissional” dessa realidade.

Talvez não esteja havendo uma adequada formação profissional em Psicologia em função de que, entre outros fatores, tais cursos não têm discutido e apresentado suficientemente o Homem como fazendo parte de condições sócio-históricas dentro de uma intrincada rede de relações político-econômicas (PATTO, 1982). Vilela (1996, p.158) constatou em sua pesquisa que a formação dos psicólogos continua apresentando um modelo de natureza assistencialista, “[…] de cura, em um enfoque intimista e individualista.” Souza (1996, p.14), também aponta que os currículos de Psicologia historicamente não questionam nem a organização nem o funcionamento “[…] de uma

17 A teoria de que os custos em educação se transformariam em desenvolvimento social e econômico, conhecida como Teoria do Capital Humano (SCHULTZ, 1962, 1973), serviu para legitimar “cientificamente” a idéia de que a educação deve servir principalmente para uma esfera de formação para o mundo do trabalho e emprego, pois tem um valor econômico próprio sendo considerada um bem de capital que se desenvolve como importante fator produtivo na economia. Foi Theodoro Schultz quem formulou a Teoria do Capital Humano nos EUA, na década de 1950, o que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia de 1968.

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sociedade que produz e mantém a desigualdade social”, deixando desvinculada a dimensão intra-subjetiva da realidade social.

É preciso lembrar que durante a instalação da Psicologia como profissão em nosso país a imagem social do psicólogo era a de pro-fissional liberal, fato que deve ter influenciado e até direcionado as ênfases na definição dos currículos como demonstram as pesquisas (MELLO, 1983; PEREIRA, 1975). Contudo, a falta de uma crítica política responsável permitiu que tal situação perdurasse ao longo do tempo de existência da profissão.

Lane (1985, p.12) desmistifica o homem como ser biológico, denunciando que a Psicologia desconsidera o ser humano como produto histórico-social e que, por isso, se tornou:

[…] se não inócua, uma ciência que reproduziu a ideologia dominante de uma sociedade, quando descreve comportamento e baseada em freqüências tira conclusões sobre relações causais pela descrição pura e simples de comportamentos ocorrendo em situações dadas.

Seu texto ainda relata a discussão entre o biologismo versus o sociologismo. Autores como Sève (1979) apontam que há uma subestimação da importância científica do materialismo dialético em psicologia e que tal atitude custa caro à psicologia e é o efeito de uma discriminação ideológica burguesa, estranha aos interesses da ciência.

Figueiredo (1991, p.64), analisando a Psicologia como profissão e como cultura, sustenta que a psicologia tem sido assimilada por parte da sociedade do seguinte modo: “[…] tem se tornado uma forma de manter a ilusão da liberdade e da singularidade de cada um, em vez de compreender e explicar o que há de ilusório nestas idéias.” Denuncia que tal psicologia colabora para a psicologização da vida quotidiana e para um entendimento do mundo social e do indivíduo “[…] a partir de uma visão bem pouco crítica.” (FIGUEIREDO,1991, p.64) É o viés naturalizante de que nos fala Vilela (1996, p.5, grifo do autor):

[…] construído numa sociedade onde o ethos dominante é o de uma cultura psicológica, cujos determinantes […] são a modernização tecnológica, a individualização/fragmentação

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das relações sociais, o predomínio da psicologização como mecanismo explicativo.

Assim, o psicólogo ocupa-se então com a privacidade enquanto modo de subjetivação “[…] onde predomina a intimidade, o espaço da liberdade interior.” (VILELA, 1996, p.44).

Convém destacar a urgência de se orientar os futuros profissionais da Psicologia a perceberem a correlação existente entre seu papel profissional e suas funções na engrenagem social. Trata-se, em outras palavras, da compreensão política dos interesses subjacentes tanto à formação como à prática profissional. Reportando aos aspectos ide-ológicos que a Psicologia apresenta (CAMPOS, 1983; MERANI, 1977; PATTO, 1982) e que, ou são discutidos de forma aligeirada ou sequer fazem parte do conteúdo da maior parte das disciplinas de graduação, como sendo um fator importante para a construção de uma identidade profissional onde o psicólogo tenha consciência de seu papel na ordem social vigente.

A idéia de universidade passou a ser associada de forma pragmá-tica à de empresa privada, tendo em vista os interesses do capital no tocante à produção de um certo tipo de conhecimento. Assim, o saber acadêmico, a ciência e a educação, em geral, adquirem a condição de mercadorias típicas do atual modelo de acumulação capitalista, deixando de serem considerados bens coletivos e direito fundamentais da cidadania, garantida anteriormente pelo Estado. As razões de ordem comercial que tem orientado o planejamento educacional em nosso país impedem ou inviabilizam que a adoção de diretrizes curriculares por si só sejam capazes de solucionar ou diminuir os problemas existentes na formação e atuação profissio-nal em diversas áreas, inclusive e principalmente na Psicologia. A revisão da formação depende de um novo olhar e de atitude em relação ao conhecimento e à sua produção, ao processo próprio de formação e de exercício profissional sendo expressão de uma reivindicação política.

Cabe enfatizar a necessidade de situar a atual formação do psicólogo no quadro da ideologia neoliberal, hegemônica hoje em inúmeros países, inclusive no Brasil. Para isso é imprescindível que nos perguntemos sobre o que dá a especificidade do trabalho do

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psicólogo fato que de certa forma direciona para um determinado modelo de formação para responder a tal questionamento. É preciso lembrar que a questão conjuntural do mercado de trabalho, por servir a uma formação continuada tanto de natureza acadêmica quanto estritamente profissional. A formação deve visar o atendimento da parcela majoritária da população de nosso país como expressão de seu compromisso ético com as condições de vida dessa população carente de recursos.

Dada a trajetória acima citada cabem algumas perguntas. É possível escapar às condições de formação existentes nos cursos de Psicologia? Que caminhos alternativos podem ser utilizados? Em que medida tais condicionamentos da formação impede uma prática cônscia de suas limitações e comprometida com a construção de uma sociedade ética e, portanto, mais democrática e justa no atendimen-to à sua clientela (instituição, consultório particular, comunidade etc.) atendida em Psicologia? Utilizando o questionamento de Patto (1982, p. 16), cabe a pergunta: Será que “[…] sem o instrumental do pensamento crítico o psicólogo está condenado a ser apropriado pela sua Ciência, em lugar de apropriar-se dela?”

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GESTÃO EDUCACIONAL E OS DESAFIOS DA

CONTEMPORANEIDADE1

João Augusto GENTILINIElaine Cristina SCARLATTO

INTRODUÇÃO

Diretamente vinculada aos problemas educacionais contemporâ-neos, a gestão educacional constitui um campo de conhecimentos e práticas em construção, historicamente datados, cuja racionalidade está implícita não apenas nos princípios das teorias organizacionais e administrativas aplicadas à educação mas nos resultados da reflexão sobre a própria prática de gestão dos sistemas, organizações e institui-ções educacionais. Partindo destes pressupostos imbricados, portanto, faz-se imprescindível uma reflexão acerca dos desafios concernentes à produção do referido campo na sociedade hodierna.

Neste sentido, primeiramente, resgatamos o surgimento do fenômeno denominado “modernidade” e seu correlato, a “con-temporaneidade”, na história ocidental. Num segundo momento, expomos contradições político-institucionais deste fenômeno no território brasileiro, especialmente no que tange às contradições à

1 Este artigo é a ampliação da conferência pronunciada no simpósio de encerramento do Programa Interinstitucional de Doutorado (DINTER). Foi redigido com a valiosa participação de minha orientanda de doutorado, Elaine Cristina Scarlatto, estudiosa da Teoria Crítica.

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institucionalização dos direitos políticos e sociais, inerentes à demo-cracia moderna. Desse modo, por último, refletir-se-à acerca das implicações negativas de tais contradições na gestão educacional, a fim de evidenciar seus desafios.

MODERNIDADE E CONTEMPORANEIDADE

A expressão ‘contemporâneo’, na cronologia histórica tradicional, aplica-se ao período histórico que se inicia no século XVIII, com os acontecimentos com os quais estamos habituados a caracterizar aquele período da história ocidental, a saber: a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra, a Revolução Francesa que marca o início do fim dos regimes absolutistas e a emergência dos regimes liberais. No campo das ideias e das ciências, o Iluminismo e a Revolução Intelectual e Científica. A partir daí, todos os tempos históricos posteriores passaram a integrar o ‘contemporâneo’ e, desta forma, utilizamos, comumente, a expressão ‘contemporâneo’ como tudo o que se relaciona com os tempos hodiernos, o momento atual da sociedade, isto é, o ‘hoje’, o ‘agora’ e o que ocorre em nossos tempos. A contemporaneidade também é relacionada com a modernidade, na medida em que muitas de suas conquistas foram mantidas e ampliadas até os tempos atuais, como a democracia e a cidadania.

A modernidade, portanto, e seu correlato, a contemporaneida-de, surgem pela primeira vez na história ocidental, no continente europeu e em uma parte da América – as colônias que irão consti-tuir os Estados Unidos. A república federativa norte-americana e a democracia liberal que se seguiu à Revolução Americana e, mais ainda, a explosão industrial que se segue à Guerra de Secessão no século XIX que, entre outras coisas, acabou com o regime de escravidão que ainda vigorava em alguns estados do sul, trouxeram a modernidade para a América quando esta parecia, até então, um fenômeno apenas europeu. Os latino-americanos, à época, ainda se viam em luta pela conquista de sua independência e só conheceram a democracia liberal no século XX, assim mesmo, condicionada pela herança do colonialismo e, no caso do Brasil, do prolongado regime imperial que acabou estendendo a sua influência, inclusive, no regime republicano instalado em 1889.

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Gestão educacional e os desafios da contemporaneidade

O MODERNO E O CONTEMPORÂNEO NO BRASIL

Quando na Europa e nos Estados Unidos já se lutava pela insti-tucionalização dos direitos sociais, após a consolidação dos direitos civis e políticos, a América Latina ainda engatinhava na construção de sua república, devido aos conflitos regionais e ao caudilhismo, ameaças permanentes à unidade nacional. Mesmo o advento da democracia revelou-se uma experiência instável, na maioria dos países latino-americanos, sendo constantemente interrompida por períodos ditatoriais e autoritários.

No caso do Brasil, o período posterior ao estabelecimento da república – a chamada república oligárquica – viu pouco de demo-cracia: o voto livre era apenas uma aparência, as eleições manipuladas, a maioria do povo (e das mulheres) politicamente marginalizada e os candidatos, impostos pelos barões e, depois, pelos coronéis, estes verdadeiros potestados em suas regiões e municípios. As leis nacionais tinham validade real apenas na capital e nas regiões mais urbaniza-das do imenso litoral e o território brasileiro varrido, de tempos em tempos, por movimentos separatistas que pareciam tornar impossível a formação de um Estado Nacional.

Na capital e nos centros urbanos da época, falava-se e pensava-se como o liberalismo europeu e norte-americano, mas, na realidade, eram mantidas práticas conservadoras, a ponto de ser difícil distin-guir, no período imperial e republicano, quem era verdadeiramente ‘liberal’ e quem era ‘conservador’, se analisadas estas posições políticas com um pouco mais de rigor. O fim do regime escravo, por exemplo, sustentáculo da economia nacional, não constava do programa dos principais partidos, mas apenas na cabeça de alguns poucos líderes e intelectuais iluminados. O Brasil, portanto, entrou na contempora-neidade sem conhecer de forma completa a modernidade – alguns estudiosos chegam a afirmar que esta ainda não se instalou comple-tamente por aqui – e mesmo a democracia, como dissemos, tendo vigorado por pouco tempo desde a instalação da república, é consi-derada um fenômeno recente em nossa história política. A propósito, Sérgio Buarque de Holanda (1994), um dos grandes intérpretes de nossa formação histórica, vislumbrou as dificuldades da vigência do regime democrático do Brasil, considerando-se o modelo europeu e

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norte-americano, devido à cultura ibérica católica transplantada da Metrópole para a Colônia. Outro grande estudioso de nossa forma-ção, Raimundo Faoro (1985), demonstrou a fraqueza da Sociedade perante o Estado, onde a política, muito mais do que embate de ideais e programas, se sustentava nas relações de fidelidade entre os deten-tores de poder e seus protegidos na administração pública, através de práticas patrimonialistas onde o público se confundia com o privado. O patrimonialismo ou ‘neopatrimonialismo’, segundo Schwartzman (1982) estava (ou está) tão enraizado na política brasileira e, mais ainda, na gestão pública que não teve dificuldades, inclusive, de con-viver com regimes modernizadores, como o de Vargas e os governos militares posteriores a 1964.

Enfim, com sua história profundamente marcada pela herança de mais de trezentos anos de colonialismo, por quase cem anos de regime imperial e uma democracia que começou a ser efetivamente construída, quase cinquenta anos após a proclamação da República – mais precisamente, na década de 1930 – e já interrompida pelo menos duas vezes, durante o Estado Novo (1937-1945) e durante o regime militar (1964-1985) – apenas na década de 1980, com o fim do regime militar, o Brasil encontrou condições político-institucionais para entrar de fato na modernidade. A Constituição votada em 1988, em relação às constituições anteriores, é a mais completa em termos de explicitação dos direitos civis, políticos e sociais que definem a cidadania na modernidade ocidental e estabelecem as condições insti-tucionais para que a sociedade não seja mais dominada pelo aparelho estatal, na medida em que as esferas de atuação de ambos passam a ser bem definidas e a sociedade passa a ser dotada de instrumentos para exigir do Estado o cumprimento de suas obrigações, submetendo-as a um controle social só possível em regimes democráticos autênticos.

O Brasil, portanto, entrou tarde na modernidade, se a conside-rarmos como um fenômeno fundamentalmente europeu, a ponto de Celso Furtado (1989), em um clássico texto, afirmar que, na verdade, nosso país entrou muito em uma das várias “dobras da modernidade”, em uma modernidade diferente da que ocorreu nos países centrais. Ou, segundo Aspásia Camargo (1990), nosso país sofreu muito mais um processo histórico de modernização e não de modernidade, aderindo de forma incondicional à modernidade

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sem romper com as formas políticas, administrativas e institucionais arcaicas sobreviventes de seu passado colonial. Embora se trate de uma modernidade tardia, incompleta ou em construção, a sociedade brasileira sofre os efeitos da contemporaneidade, na qual se incluem os efeitos já consolidados na modernidade histórica, adaptadas, com todas as contradições, à nossa realidade histórica.

Profundamente inseridos na globalização, na qual exercemos um papel menor, estabelece-se, desta forma, em países como o Brasil, uma situação paradoxal: de um lado, sob muitos aspectos, sequer assumiu a modernidade em sua totalidade – como, por exemplo, a permanência de resquícios patrimonialistas na gestão pública – e, de outro, deve enfrentar os desafios das crises que são os desafios próprios da contemporaneidade.

A CRISE PARADIGMÁTICA DA CIÊNCIA E DA EDUCAÇÃO

Entre as crises contemporâneas que mais afetam a educação, podemos citar a crise paradigmática no campo das ciências e, simul-taneamente, a crise paradigmática no campo dos conhecimentos organizacionais e de gestão, originadas nos países industrial e tec-nologicamente avançados. Falemos, brevemente, da primeira crise para, posteriormente, explorarmos com mais detalhes seus efeitos no campo da educação.

Há atualmente, uma reflexão crítica no campo da filosofia da ciência sobre os pressupostos que impulsionaram a trajetória da civi-lização ocidental, com base na racionalidade científica e positivista. Pelo menos desde o século XVII, com a Revolução Intelectual e Científica e, mais ainda, a partir do século XVIII, a racionalidade que nos tem conduzido no campo da produção científica e intelectual, é uma racionalidade denominada pelos filósofos da Escola de Frankfurt de ‘razão instrumental’2. Nesta perspectiva, o paradigma científico

2 O movimento intelectual denominado Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt é consti-tuído por um grupo de intelectuais, associados ao Instituto de Pesquisa Social vinculado à Universidade de Frankfurt. Este movimento surgiu na década de 1920, na Alemanha, tendo publicado seu ensaio manifesto por Max Horkheimer (1937), intitulado Teoria Tradicional e Teoria Crítica. Todavia, em 1933, em função da ascensão nazista que culminou na Segunda Guerra Mundial, o Instituto transferiu-se para Genebra e, posteriormente para Nova York, retornando a Frankfurt somente em 1950. Tal Escola representa a institucionalização das pes-

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que surge com a eclosão da modernidade no ocidente foi justamente o da ‘razão instrumental’ que fundamentou o desenvolvimento do método científico, o qual possibilitou a compreensão de fenômenos naturais (e a dominação da natureza) e, no referido período históri-co, a identificação de leis que regem o funcionamento do universo.

Durante séculos, portanto, a ‘razão instrumental’ foi vislumbrada pelos cientistas de modo otimista, uma vez que ela possibilitou desco-bertas que alimentaram o projeto da modernidade. Este, por sua vez, prometeu a superação dos limites que ‘escravizavam’ a humanidade, como, por exemplo, a crença em forças extraterrenas que suposta-mente, controlavam os destinos humanos. O progresso verificado com a aplicação dos conhecimentos científicos para transformar a natureza e colocá-la a serviço do homem, inundando a sociedade de bens em uma escala jamais vista na história e satisfazendo necessidades até então precariamente atendidas, contribui também para fortalecer a crença, ideologicamente determinada, da cultura e da civilização ocidentais como superior a todas as outras na face do planeta. Ou seja, detentor da ‘razão instrumental’, o sujeito do conhecimento busca incessantemente conhecer e dominar a natureza e o próprio homem.

A divisão das ciências em campos especializados, embora interpre-tada como uma evolução natural e necessária, refletindo o domínio cada vez maior da realidade natural e a necessidade de sua separação e organização, fortaleceu uma racionalidade baseada nos avanços científicos que são cada vez mais utilizados para aplicação técnica no campo produtivo e, mais anda, no campo social e psíquico – como, por exemplo, o desenvolvimento da sociologia, da antropologia, da economia, da psicologia, etc. Conforme Horkheimer (1976), esta preocupação que dominou principalmente a ciência no Ocidente, isto

quisas de um grupo de intelectuais marxistas, cujo objetivo é enriquecer o marxismo a partir de contribuições de distintos pensadores, tais como, Kant, Hegel, Shopenhauer e Nietzsche. Ou seja, para desenvolver uma ‘teoria crítica da sociedade’ os ‘frankfurtianos’ adotam distintos modelos teóricos e, muitas vezes, realizam trabalhos empíricos, tendo em vista especialmente criticar a racionalidade científica moderna, refutando-a com as questões socioeconômicas culturais. Destacam-se na primeira geração da Escola de Frankfurt: Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898-1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Erich Fromm (1900-1980). Jünger Habermas (1929- ) é expoente da segunda geração e o filósofo e sociólogo alemão Axel Honneth (1949 – ) pertence a terceira geração deste movimento intelectual.

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é, de voltar-se quase que exclusivamente para a sua utilidade prática e produtiva, visava não apenas melhorar as condições gerais de vida da sociedade, mas sobretudo, satisfazer os interesses de uma classe social surgida com o capitalismo, a burguesia. Em outros termos, a ‘razão instrumental’ privilegiava uma classe – a burguesia – em detrimento da outra – a classe trabalhadora. Logo, a ética da ‘neutra-lidade’ e do ‘desinteresse’ que seria a característica central do trabalho científico, mostrava-se, a cada dia, mais submetida aos interesses do capital, justificado pela ideologia do progresso, da civilização e do desenvolvimento ‘humanos’. A especialização produtiva refletindo as transformações técnicas da formação socioeconômica capitalista e as novas formas de exploração do trabalho encontram na especialização e na fragmentação do trabalho científico a sua congênere necessária, útil e natural.

A fragmentação e a especialização do conhecimento científico refletem-se no campo das profissões (médicos, engenheiros, psicólo-gos, administradores, etc.) e, por conseguinte, na educação, à medida que a organização curricular das escolas, na modernidade, passa a ter como base a divisão do conhecimento científico em áreas específicas de saber, como a Física, a Química, a Matemática, a História, a Geografia, etc., havendo a necessidade de formar professores também especializados nestas áreas e de se buscar metodologias científicas no campo pedagógico. Ao mesmo tempo, ao lado de sua função de transmissora de valores, de conformação de comportamentos e de disseminação de ideologias, a educação escolar assume a função de formar indivíduos dotados de especializações de interesse do sistema produtivo.

A crítica à racionalidade científica baseada na racionalidade instrumental coincide com a reflexão surgida no próprio campo da ciência, motivada pelas recentes descobertas que desvelaram dimensões ignoradas dos fenômenos naturais, como, por exemplo, as conquistas no campo da física quântica e da termodinâmica que inauguram um novo paradigma na ciência, rompendo com as certezas da física clássica newtoniana e demonstrando que a realidade não pode ser medida, quantificada e ‘matematizada’ de forma tão exata, introduzindo na metodologia científica fatores que eram descartados como ‘não científicos’ e ‘não racionais’, como o acaso, o aleatório,

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o caos, os desequilíbrios e a desordem, a ponto de um prestigiado cientista ganhador do prêmio Nobel de Química, escrever um dos mais importantes textos da revolução no pensamento científico do século XX, proclamando‘o fim das certezas’, e defendendo a necessi-dade de uma nova aliança dentro do pensamento científico, baseada no diálogo entre as diversas áreas do conhecimento e consideran-do a ciência como produção da cultura humana (PRIGOGINE; STENGERS, 1997).

A busca de uma nova racionalidade no campo científico que leve em conta a complexidade e a mutabilidade do real e a consciência de que a ciência não é rigorosamente neutra, de que há uma relação de mútua condicionalidade entre ‘conhecimento’, ‘interesse’ e ‘poder’, como demonstrou Habermas (1982) e que, mais ainda, sujeito e objeto do conhecimento não podem ser considerados de forma rigorosamente separados, provoca uma crise no campo da educação que tem questionados os seus pressupostos clássicos de organização e de transmissão de conhecimentos. Esta crise é interpretada segundo várias vertentes.

Uma dessas vertentes, influenciada pela reflexão no campo da ciência, descrita anteriormente, defende que a educação não pode mais ser organizada em termos de transmissão de conteúdos ou ‘dis-ciplinas’ separadas, na medida em que não são mais adequados ao novo paradigma científico. A educação, desta forma, tem de ser feita tendo como base uma nova racionalidade e uma nova ética, onde se possam conciliar os objetivos de formação técnica-científica com os de formação humanística, numa perspectiva de formação integral dos indivíduos e se substitua a ‘razão técnica e instrumental’ por uma ‘razão complexa’ que reconcilie o homem com a natureza e consigo mesmo (MORIN, 2006).

Uma segunda vertente destaca a submissão da educação aos inte-resses mercadológicos, no qual se inclui o próprio ser humano, que tem sua consciência, atos, sentimentos, submetidos a uma sociedade que elege como fim último da vida humana gozar as delícias e pra-zeres de um pretenso paraíso do consumo. Uma terceira vertente, no campo dos conhecimentos curriculares, critica uma educação escolar, até então, preocupada em formar indivíduos dotados de um saber excessivamente especializado e técnico, quando na própria

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Gestão educacional e os desafios da contemporaneidade

organização produtiva a aplicação das novas tecnologias, baseadas na informatização e na robotização, exigem indivíduos dotados de competências que motivem a criatividade, a capacidade de solucionar problemas e de analisar, com a ajuda dos conhecimentos científicos, a realidade sob diversas dimensões e perspectivas.

A educação escolar, portanto, para se adequar às exigências da contemporaneidade, marcada pelas crises e discussões resultan-tes de um projeto de modernidade que ficou inconcluso ou que produziu consequências imprevistas e não-desejáveis, tem que se revolucionar, em termos de objetivos de formação dos indi-víduos, de definição de conteúdos disciplinares e suas formas de transmissão e de estruturas de organização e gestão. A discussão sobre estas novas estruturas organizacionais da educação já tem um considerável tempo nos países que experimentaram a moder-nidade de forma primeva, mas chegou recentemente aos países ditos ‘em desenvolvimento’. Desta forma, obrigatoriamente, os colocaram tal como aqueles países, no seio das discussões que tentam enfrentar os desafios da contemporaneidade, inclusive porque se encontram, como já se sabe, profundamente inseridos na globalização, exercendo um papel que é radicalmente diferente dos tempos em que eram apenas países ‘periféricos’ exportadores de matérias primas e importadores de produtos industrializados dos países ‘centrais’ capitalistas, então os principais produtores de ciência e sua aplicação tecnológica.

NOVAS ESTRUTURAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA EDUCAÇÃO

No enfrentamento dos problemas contemporâneos que afetam a educação, a gestão educacional exerce um papel de mediação entre as instituições educacionais e a realidade educacional que, por sua vez, insere-se em uma realidade maior, que é a realidade do tempo presente, isto é, do contemporâneo. E, considerando-se este con-temporâneo em toda a sua complexidade, ou seja, caracterizado por crises paradigmáticas de que falamos no item anterior e com as novas exigências que são colocadas para a educação, deduz-se que à gestão educacional coloca-se um desafio de também efetuar uma reflexão

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sobre os paradigmas nos quais se basearam os conhecimentos e teorias que fundamentaram a sua ação no passado.

Esta reflexão no campo da organização e gestão das instituições educacionais vem se realizando há pelos menos duas décadas e, de certa forma, foi influenciada pelas mudanças ocorridas no campo das organizações produtivas, o que nos leva a ter uma posição de prudência quanto à assimilação dessas mudanças no campo da educação, de forma unilateral e acrítica. Mas é possível identificar algumas preocupações que são comuns aos estudiosos dos diversos tipos e modelos de organização nos dias atuais.

Por exemplo, a reflexão crítica no campo das teorias e conheci-mentos administrativos e organizacionais referentes à gestão das ins-tituições econômicas privadas, mostrou que o paradigma ou modelo de gestão taylorista não era mais adequado diante das profundas mudanças produtivas e tecnológicas do capitalismo pelo menos des-de a década de 1970, nos países centrais e, na década de 1980, nos países ditos “emergentes3.” Essas mudanças questionaram a eficácia daquele modelo, ocorrendo, mais uma vez, o que tradicionalmente vinha ocorrendo pelo menos desde as décadas de 1950 e 1960, ou seja, a transferência e a aplicação dos princípios gerais de organização e gestão, dentro das novas tendências ou dos novos paradigmas, da área produtiva privada para as demais áreas da sociedade, inclusive, à área educacional. Esta transferência e aplicação justificavam-se por alguns argumentos que passaremos a expor.

Primeiro, argumentava-se que o campo educacional nunca tivera real autonomia para fundamentar as suas práticas próprias de gestão. Não havia, rigorosamente, uma ‘gestão educacional’ como disciplina autônoma, mas disciplinas de gestão, em geral, aplicadas à educação. Por outro lado, tratava-se de ‘organizar o trabalho no campo da educação’, significando, com isto, o mesmo que em outros campos, ou seja, compreender os processos de trabalho e de ‘ação humanos’ nas organizações e fazer as intervenções necessárias para que estas

3 A área industrial, no Brasil, no início da década de 1980, foi a primeira a aplicar as teorias de gestão surgidas com as mudanças tecnológicas e produtivas do capitalismo, inaugurando a etapa do ‘capitalismo flexível’ ou da “produção enxuta”. Tal modelo ficou conhecido como o ‘toyotismo’ por ter sido aplicado, pioneiramente, pela Toyota do Brasil, produtora de veículos automotivos.

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fossem os mais eficientes e eficazes possíveis, dentro das metas e fins dessas organizações (CASASSUS, 2000, grifo nosso).

Argumentava-se, também que, se considerarmos que gestão no tempo presente, isto é, na realidade contemporânea, deve levar em conta a complexidade desta realidade, ela não pode ser compreendida, em seus princípios e práticas, de forma rígida, definida e acabada, mas sempre como um ‘processo de aprendizagem’, segundo os pro-blemas cotidianos enfrentados pelas organizações, em suas relações e interações com aquela realidade, com o contexto externo ou, como se tornou comum afirmar, com o seu ‘entorno’ (SENGE, 1992, grifo nosso). Ora, nos processos de aprendizagem estão implicados valores, interações, representações, visões de mundo, compartilhados pelos membros da organização que, com mais razão, estão mais presentes nas organizações educacionais. A gestão destas organizações na rea-lidade contemporânea, portanto, tal como em outras organizações, além de ser um processo contínuo de aprendizado, deve sempre ocorrer com a preocupação de articular aqueles valores, interações, representações, etc., em ações deliberadas e racionais, isto é, com uma base cognitiva, reagindo de forma ativa e não passiva aos problemas enfrentados pelas organizações (ARGYRIS, 1971). Em termos de análise organizacional, disciplina surgida nos anos de 1950 a 1960, como resultado das pesquisas iniciadas pelos teóricos do movimento de relações humanas de 1940 a 1950 e, posteriormente, do movi-mento das teorias comportamentais que, em tese, seriam opostas ou pelo menos, alternativas ao movimento da administração ‘científica’ baseada em Frederik Taylor e Henry Fayol, chegou-se a definir que a gestão seria, essencialmente, a ‘gestão de processos’, processos estes que ocorreriam em todas as organizações e que serviriam para categorizá-las: as estruturas, as estratégias, os estilos e capacidades pessoais dos dirigentes e os sistemas internos de decisão (ARGYRIS; SCHÖN, 1978).

Propôs-se, inclusive, um quadro de mudanças paradigmáticas no campo das estruturas organizacionais e seus correlatos em termos de modelos de gestão em que uma determinada característica das estru-turas tradicionais – denominada ‘paradigma A’ – teria, de imediato, a sua contraposição nas características das modernas estruturas  – denominada ‘paradigma B’.

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Por exemplo, as estruturas de gestão no primeiro paradigma, tradicional e clássico, seriam baseadas em uma visão abstrata, determi-nada, rígida, homogênea, centralizada, autoritária e unidimensional de gestão, ao contrário das estruturas contemporâneas e atuais, que seriam baseadas em uma visão concreta, flexível, diversa, descentrali-zada, democrática e multidimensional de gestão (CASASSUS, 2000). Segundo este quadro, as estruturas organizacionais e a gestão das organizações, para atenderem as exigências da contemporaneidade, devem levar em conta as características do paradigma ‘B’, embora muitas organizações, principalmente da área educacional, ainda estejam estruturadas e mantenham sistemas de gestão baseados no paradigma ‘A’.

Todas estas visões sobre as organizações – e muitas outras nascidas predominantemente do campo privado – foram não apenas trans-feridas para a área educacional, mas foram também intensamente utilizadas para se criticar as formas tradicionais com que esta área era organizada e administrada, causando problemas de ineficiência dos serviços oferecidos à sociedade, críticas essas que se dirigiam, frequentemente, às organizações e instituições da área pública submetidas a processos ‘irracionais’ próprios da política e, por isto, nada ‘científicos’. Mas elas devem ser consideradas de forma crítica e prudente pelos gestores e demais agentes no campo da educação.

CONCLUSÃO

A generalização e a aplicação dos princípios das teorias organi-zacionais e administrativas nascidas do campo econômico privado, não podem ser unilateralmente transferidas para as instituições e organizações educacionais. A racionalidade implícita nestes princípios é historicamente datada, ou seja, o contexto histórico no qual se deu o desenvolvimento do capitalismo e das sociedades industrializadas que utilizaram intensamente as conquistas das ciências de forma instrumental.

Mas se aceitamos que a gestão educacional é um campo de conhecimentos e práticas ainda em construção, procurando sua identidade própria, é impossível ignorar a evolução e a contribuição das teorias organizacionais e administrativas que surgiram com as

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Gestão educacional e os desafios da contemporaneidade

mudanças tecnológicas e produtivas das sociedades que conheceram a modernidade e enfrentam as suas crises na contemporaneidade já que elas também ocorrem nos países, como o Brasil, inseridos no mundo globalizado.

O que, no campo da gestão educacional, nos parece importante é fazer sempre uma reflexão crítica sobre a racionalidade das práticas e conhecimentos que fundamentam aquelas teorias e como podem ser considerados, mesmo que parcialmente, para se enfrentar os problemas educacionais atuais que, definitivamente, não podem ser enfrentados com os instrumentos teóricos e práticos das formas tradicionais de gestão, incompatíveis com as exigências que a con-temporaneidade faz para a área educacional.

A gestão educacional na contemporaneidade deve levar em conta as diversificadas formas de se conduzir e de se intervir nas organizações e nas instâncias dos sistemas educacionais, para a consecução dos fins a que estas de propõem, não de forma aleatória e improvisada mas, se possível, cientificamente fundamentada, trazendo para o seu campo, os conhecimentos proporcionados pelas ciências humanas e sociais em geral, nascidas da modernidade e, atualmente, revendo criticamente as suas próprias racionalidades.

Desta forma, a gestão educacional não tem como deixar de con-siderar que os problemas educacionais são parte de uma realidade concreta, histórica, na qual se verificam as crises da contemporanei-dade que afetam as ciências em geral e as ciências da educação em particular. Não há como deixar de considerar que é nessa realidade e no seio destas crises é que operam os sistemas e as instituições educa-cionais: considerá-las é necessário para que as decisões tomadas não sejam abstratas, alienadas ou mesmo dificultem as inúmeras e diversas formas e alternativas de se organizar aqueles sistemas e aquelas as organizações para o enfrentamento dos problemas contemporâneos da educação. A gestão educacional, na contemporaneidade, apela para a criatividade e a imaginação, buscando não apenas soluções imediatas no cotidiano das instituições, mas efetivamente, mudanças em seus processos internos de organização e decisão.

Enfim, neste aspecto, parece-nos imprescindível que ao se con-siderar os atuais processos internos de decisão das organizações e instituições educacionais, ainda fortemente influenciados por uma

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João Augusto Gentilini e Elaine Cristina Scarlatto

perspectiva tradicional e clássica de organização e gestão, refletir sobre a sua racionalidade. As reflexões críticas sobre a permanência da racionalidade instrumental, mesmo na contemporaneidade, indicam que esta mesma contemporaneidade amplia as possibilidades de se questionar as bases do poder, da autoridade, dos processos comunica-tivos entre as instâncias e entre os sujeitos, transformando-se a teoria e a prática da gestão em um instrumento que potencialize os processos educativos como processos efetivamente formativos e emancipatórios (GENTILINI, 2001; GENTILINI; SCARLATTO, 2013).

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO DA PESQUISA EM

EDUCAÇÃO1

José VAIDERGORN

Avaliar a produção da pesquisa em educação não é tarefa para poucas horas. Requer, inicialmente, uma referência sobre o conceito de ciência e de pesquisa científica que seja apto a dar conta do que se produz de conhecimento na educação, de forma a ressaltar sua relevância. A concepção de ciência, ela própria, remete à imagem do cientista que fica freneticamente trabalhando em um laboratório, ou, inversamente, procura inspirações meditando em passeios des-compromissados, na busca de alguma ideia brilhante. Estas imagens vulgares, inspiradas em ficções que se utilizam de personagens como Isaac Newton ou Albert Einstein, reforçam, no entanto, um movi-mento que abriu todo um novo conhecimento para a humanidade.

A ciência, ou antes, o conhecimento científico, relaciona-se à necessária solução de problemas, sejam eles práticos ou não, através da expansão do conhecimento por meio de uma explicação satisfa-tória que indica um avanço nas condições da existência cotidiana. O conhecimento científico, ao incorporar os saberes adquiridos por meio de experimentos, de provas e de confirmações, resolve problemas postos pelo dia-a-dia e pelas necessidades sociais, e eventualmente pode ele mesmo criar novas demandas. E quanto mais ampla for sua utilização, mais relevante se torna.

1 Palestra ministrada na abertura da VI Mostra de Pesquisa em Educação.

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José Vaidergorn

Por outro lado, há a pseudociência, muito semelhante à ciência e que por vezes se confunde com ela. Ao contrário da ciência, porém, a pseudociência não resolve problemas, apenas desvia a atenção e consome energia para tentar explicar algo de maneira falsa. Muitos estudiosos da filosofia da ciência vêm procurando estabelecer quais são os critérios que definem o que distingue o que é ciência do que não é. Karl Popper (1975, 1979), por exemplo, no decorrer do século 20, buscou um método que identificasse o que é ciência através do falsificacionismo, uma ferramenta que utiliza perguntas que falsificariam e negariam uma asserção. Caso a resposta não sustentasse a asserção, esta é considerada não-científica.

À pergunta – o que se pesquisa em Educação, é ciência? – pode ser encaminhada, primeiro, pela consideração de que não há um campo específico e claramente reconhecível do que vem a ser “pes-quisa educacional” particularmente identificável, à semelhança, da biologia, da física, da história, da filosofia etc. O que se pode, então, afirmar sobre a cientificidade da pesquisa educacional? Para tal, há que se considerar alguns requisitos comuns às pesquisas nas ciências humanas, que inclui a educação.

A investigação educacional, tal como as outras ciências, se ini-cia com uma pergunta, um “incômodo existencial” que mobiliza a atenção e o desejo de conhecer o assunto e de procurar uma resposta. A partir dessa pergunta primitiva, intuitivamente já acontece uma primeira aproximação do assunto e uma mobili-zação para buscar as informações anteriormente conhecidas, por meio de um método e uma técnica de investigação que seleciona e organiza o coletado, com o apoio de uma teoria. Por não possuir um corpo teórico particular, a pesquisa educacional utiliza-se das diversas teorias das diferentes ciências às quais se refere – como as teorias e os métodos da História, da Sociologia, da Filosofia, da Psicologia etc. Com esse apoio, a pesquisa educacional per-segue um estatuto científico, embora o objeto pesquisado não seja necessariamente o da ciência em pauta. Não é incomum a apresentação de trabalhos destinados ao cumprimento de exi-gências institucionais (como os TCC – “trabalhos de concussão de curso”, monografias, relatórios, mas também dissertações e teses) cujos autores indicam uma filiação a uma ciência ou teoria

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e redigem – ou às vezes, copiam-e-colam – textos que, se não ilegíveis, são no máximo irrelevantes.

O objetivo de uma pesquisa científica, a busca de respostas, deve ser, portanto, coerente em todo o seu processo de elaboração. Pode-se assim confirmar o que se supunha inicialmente, ou, se for o caso, promover uma mudança, uma transformação do que se entendia até então. Este movimento de transformação é o que se chama de “mudança de paradigma”, que, no seu limite, muda a comunida-de científica. Esse processo, entre outros, faz parte do esforço de explicação e solução dos problemas, condição para a cientificidade.

A ideia de paradigma enquanto conceito foi disseminada a par-tir do início da década de 1960, após a publicação da obra de T. S. Kuhn A Estrutura das Revoluções Científicas. Kuhn (1997), físico que migrou para a filosofia da ciência, procurou consolidar a trajetória do conhecimento científico na história através de algumas formu-lações comuns. Para ele, a ciência se desenvolve durante uma série de intervalos pacíficos – períodos por ele identificados como o da “ciência normal” – pontuados por crises, quando ressalta a “ciência extraordinária”. As crises podem ser resolvidas com alguns ajustes do modelo científico até então adotado, mas, se insolúveis, estão sujeitas a gerar revoluções intelectualmente violentas que redefinem totalmente o conhecimento – é a chamada revolução científica. Kuhn entende que o desenvolvimento da ciência se dá por meio da adoção dos para-digmas, crenças compartilhadas pelo grupo de cientistas (comunidade científica), formuladas a partir das revoluções científicas.

Kuhn (1979, 1997, 2006) se contrapôs à concepção da ciência como um processo de evolução linear, uma acumulação constante de conhecimentos sem as crises que provocariam mudanças radi-cais. O trabalho da comunidade científica, para ele, se organiza a partir da definição de um tema comum, da seleção dos aspectos a serem observados e dos problemas a serem resolvidos, avaliados e criticados, compartilhando-se descobertas, conhecimentos, méto-dos, procedimentos técnicos, instrumentos, crenças teóricas e uma linguagem comum, esotérica – é a “ciência normal” e seu paradigma. O aparecimento de uma anomalia, de um problema insolúvel para o modelo paradigmático, produz uma crise cuja solução pode vir por meio de novos procedimentos técnicos ou instrumentos, que mantém

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o modelo paradigmático, até o seu limite de resposta – a “ciência extraordinária”. Porém, quando se ultrapassa tal limite e se evidencia a incapacidade de resolver um problema – a “crise do paradigma” – torna-se necessária uma ruptura com o modelo, uma nova forma de responder às perguntas até então insolúveis (bem como dando novas respostas às que anteriormente pareciam satisfatoriamente solucio-nadas), renovando-se a ciência e sua comunidade científica sob um novo paradigma. Tal movimento não é pacífico: o paradigma nascente somente se torna dominante quando desaparecem as resistências dos adeptos do anterior, normalmente por meio da sucessão de gerações.

A pesquisa educacional, como já citado, toma “emprestado” os paradigmas de outras ciências, seus métodos, técnicas, teorias, linguagem, adotando nos problemas abordados os referenciais das respectivas comunidades científicas, bem como seus embates, suas crises e superações de crises. Tal condição tributária torna a pesquisa educacional sujeita ao “efeito paralaxe”, um deslocamento aparente do objeto causado pelo movimento do observador em relação ao campo observado, ou a distinção da posição de um objeto em rela-ção a outro devido à mudança de posição do observador. O efeito paralaxe pode distorcer a pesquisa educacional, ao deslocar o objeto “educação” para o paradigma amadurecido de outra ciência possui-dora de um estatuto reconhecido. Corre-se assim o risco de se fazer uma pesquisa superficial, onde a aparência científica dada pela forma não se confirma pelo conteúdo.

Outro problema que pode atingir a qualidade da pesquisa edu-cacional – e isto não é seu privilégio – é o que se pode chamar de “patrimonialismo universitário” ou “acadêmico”, degeneração pro-vocada por alguns vícios. Pode se citar, entre estes, a bibliometria, metros ou pilhas de textos requentados ou apenas reformulados que cumprem com as exigências institucionais e dão um “valor” ao autor e ao seu grupo, conquistados por critérios de reciprocidade corporativa ou vassalagem – além, é claro, das coautorias mútuas. Há também o conservadorismo burocrático (WEBER, 1999), através de barreiras (normalmente injustificáveis) impostas para se obter informações, recursos, estágios, financiamentos e bolsas. Outro vício é a auto--evidência axiomática, termo usado por Horkheimer e Adorno (1973) para caracterizar uma afirmação improvável que é reiterada e repetida

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por outros autores que dão um estatuto de credibilidade tácita para a ideia original. Se não é comum encontrar este vício na pesquisa científica (é mais identificável, por exemplo, no discurso político e, sobretudo no preconceituoso), uma forma aparentada é o da citação autorreferente como critério de autoridade científica. E, não menos importante e talvez mais delicado, a irrelevância científica. Como se pode mensurar o valor de uma pesquisa educacional? Qual é o critério absolutamente objetivo que um leitor (eventualmente incumbido de elaborar um parecer) pode utilizar para avaliar a qualidade de uma pesquisa e a contribuição que dá para o conhecimento científico da educação?

O patrimonialismo acadêmico traça como valor a qualidade do texto redigido nos parâmetros formalmente aceitáveis, sem se aprofundar rigorosamente no conteúdo e nas contribuições para o conhecimento científico. Obviamente, a quantidade de textos postos a público torna a avaliação de qualidade uma tarefa improvável. Observando-se apenas a produção de teses e dissertações dos 122 Programas de Pós-Graduação em Educação recomendados pela Capes em 2012, tem-se 111 cursos de Mestrado acadêmico e 60 cursos de Doutorado (os onze Mestrados profissionais não exigem uma dissertação, substituída por outros tipos de trabalho final). Em uma estimativa muito conservadora, de uma média anual de 10 dissertações e teses por programa, tem-se uma produção de no mínimo 1.700 trabalhos finais/ano. A indagação pertinente é se existe uma variedade de temas novos e relevantes para tantas pesquisas, ou se uma parcela significativa é mais do mesmo. Uma rápida busca na página de teses e dissertações da Capes indica que vem sendo apresentado como dissertações alguns relatos de estado da arte e revisões bibliográficas, justificáveis pela pressão do curto tempo para o término do Mestrado, porém insustentáveis do ponto de vista científico.

Ainda na observação do que se produz academicamente, os peri-ódicos que constam no Qualis Capes da área de Educação, tendo como referência o período de 2010 a 2012, se distribuem do nível A1 (periódicos de excelência, categoria internacional, com um mínimo de quatro números por ano) até C (periódicos locais, com no míni-mo um número por ano). A seguinte tabela resume a distribuição

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por categoria de qualidade e os totais acumulados do nível mais alto para os inferiores:

Tabela 1 – Periódicos avaliados pelo Qualis Capes, área: Educação

Categoria Quantidade Total de periódicos Números/ano(mínimo)

A1 92 92 4

A2 131 (Ʃ A1àA2) 223 3

B1 216 (Ʃ A1àB1) 439 3

B2 236 (Ʃ A1àB2) 675 2

B3 296 (Ʃ A1àB3) 971 2

B4 356 (Ʃ A1àB4)1327 2

B5 381 (Ʃ A1àB5)1708 1

C 393 (Ʃ A1àC) 2101 1

Imprópria 314

Fonte: Elaboração própria com dados da CAPES (2010).

A soma do mínimo de números/ano – 18 – pode ser então multi-plicado pelo total de periódicos qualificados – 2101, o que resulta no mínimo 37.818 periódicos publicados por ano, ou quase 3.152 por mês. Ponderando-se que alguns deles não são exclusivos da área edu-cacional, conceda-se que 2/3 do total apresentam no mínimo cinco artigos. Isto se traduz em aproximadamente 10.500 artigos mensais, 126.000 anuais. Mesmo se considerando essa estimativa excessiva, a metade desse número já indica um universo quase infinito de moti-vações para publicar e cumprir as obrigações institucionais. E ainda há os livros de autor único ou coletivos, coletâneas, reedições etc. Com essa expressiva quantidade, poder-se-ia esperar uma cobertura completa de todo o conhecimento educacional, os problemas que o afligem e, sobretudo as respostas para tornar a educação brasileira exemplar.

Diante desses números aproximados (mas não muito distantes do real), como identificar um modelo paradigmático (ou vários)

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que atenda aos critérios de cientificidade? Na antiguidade clássica, a ciência atendia a modelos abstratos, que não se submetiam a testes empíricos e técnicas de verificação – apenas buscava uma explicação para harmonizar o mundo sensível com a ideia produzida. O período em que passou a predominar a experimentação empírica, a partir dos séculos 15 e 16, teve a ascensão do racionalismo iluminista que promoveu a busca de modelos explicativos gerais, testados em sua validade a partir da elaboração de teorias. Este conhecimento chega aos dias atuais com uma imensa acumulação e compartilhamento de informações a serem processadas (HEY; TANSLEY; TOLLE, 2011). Coloca-se então a circunstância de gerenciamento das informações, hoje tentada por meio de ferramentas lógicas computacionais via banco de dados. Os procedimentos para o encontro das informa-ções se refinam com o uso de algoritmos lógicos, como o Google, mas não é suficiente para apresentar de forma ordenada a resposta necessitada. Por vezes, fatores imponderáveis ou um direcionamen-to externo estabelecem uma relevância para uma informação não desejável e deslocam para lugares distantes e sem nenhum destaque o que se procura. É duvidoso, então, o grau de confiança da resposta do algoritmo de busca.

Revendo o quadro citado acima, reforça-se a pergunta: como produzir algo novo ou uma nova contribuição para o conhecimen-to científico em Educação? Ou antes, como realizar uma revisão bibliográfica razoável para se iniciar um projeto, com tantas teses, dissertações, artigos, livros e referências na Internet? O cumprimento dos requisitos para a constituição de um paradigma, assim, dificil-mente se realiza, com essa imensidão de páginas – palavras, palavras, palavras, como diria Hamlet. O refino de teorias e métodos que se justapõem produzem circuitos fechados, repetitivos, uma ciência normal estagnada.

Uma forma diferente (o “vergar a vara” para o lado oposto) das exigências paradigmáticas da ciência normal é pensar o conhecimento educacional de uma forma “punk”. Como se sabe, o movimento “punk”, na música, surgiu contra o excesso de virtuosismo e exigência formal, admitindo as imperfeições e a simplificação melódica como uma libertação da criatividade. A música “punk” não requer mais do que três acordes e não exige nenhuma informação musical de seus

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executores, e ao mesmo tempo filtra e incorpora todas as influências culturais possíveis. No caso da pesquisa educacional, a forma “punk” é trazer todo e qualquer assunto como objeto de investigação, assumin-do-se a banalização da pesquisa, a fragilidade teórica e metodológica como virtudes. No seu limite, dissolve-se a comunidade científica da ciência normal e abrem-se algumas possibilidades de mudanças positivas. Dentre estas, pode ser indicada, primeiro, a fragmentação da pesquisa educacional em comunidades científicas especializadas, sem uma pretensão de universalidade. Uma segunda possibilidade é reduzir e segmentar as publicações – afinal, quem lê tudo o que se publica? Outra necessidade é a de se redefinir o que vem a ser “Tese” e “Dissertação”, dentro dos moldes de cientificidade teórica e metodológica aceitáveis. E mais um aspecto é o de se estabelecer a curadoria confiável da produção científica relevante, independente de algoritmos misteriosos, e que permita identificar os avanços no conhecimento educacional. Por último, mas não menos importante, emerge o refinamento no critério produtivista de avaliação, bem como a avaliação dos próprios avaliadores.

REFERÊNCIAS

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LISTA DE MINI CURRÍCULO E E-MAIL DOS AUTORES

Elisabeth Kimie KitamuraTítulo do texto: CINEMA, MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO: os conflitos socioambientais na apresentação fílmica de Adrian CowellGraduação em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero, graduação em Bacharel Em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; especialização em Discurso Fotográfico pela Universidade Estadual de Londrina; mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003), linha de pesquisa semi-ótica francesa análise do discurso fílmico; doutorado em Educação Escolar, linha de pesquisa Educação Ambiental e Cinema pela Unesp, campus Araraquara. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Federal de Rondônia, departamento de Jornalismo. Tem experiência em artes, com ênfase em Fotografia e Cinema atu-ando no campo da Sociologia Visual, interface cinema documental e Educação Ambiental.E-MAIL: [email protected]

Luiz Marcelo de CarvalhoTítulo do texto: CINEMA, MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO: os conflitos socioambientais na apresentação fílmica de Adrian CowellGraduado em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Barão de Mauá (1976) , mestrado em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos

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(1980) , doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (1989) e posdoutorado pelo Instituto de Educação da Universidade de Londres (1999 e 20013) . Atualmente é Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, junto ao Departamento de Educação, onde trabalha como pro-fessor de Prática de Ensino em Ciências e Prática de Ensino em Biologia. É credenciado junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP - Instituto de Biociências - Rio Claro - Linha de Pesquisa - Educação Ambiental. Também credenciado junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da UNESP - FCL de Araraquara. É um dos editores do periódico Pesquisa em Educação Ambiental e Membro de corpo editorial da Interacções, da Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Educação e Ambiente, Revista Brasileira de Educação Ambiental. Tem parti-cipado da Comissão Organizadora dos Encontros de Pesquisa em Educação Ambiental, do Grupo de Trabalho Educação Ambiental da ANPED (GT22) e é membro da Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia. Tem experiência na área de Educação , atuando prin-cipalmente nos seguintes temas: Educação Ambiental, Educação Ambiental no Contexto Escolar, Pesquisa em Educação Ambiental, Ensino de Ciências e Biologia e Formação de Professores.E-MAIL: [email protected]

Lucia Rejane Gomes da SilvaTítulo do texto: A TRAJETÓRIA DE UMA TESE APÓS A DEFESA: da teorização à realidade socialLúcia Rejane Gomes da SilvaPossui graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal de Pernambuco (1979), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998) e doutorado em Educação Escolar pela UNESP – campus de Araraquara (2010), eixo de gestão e política educacional. Atualmente é Professora Adjunta IV da Universidade Federal de Rondônia. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em educação profissional, atuando principal-mente nos seguintes temas: formação profissional em saúde, gestão educacional e assistência à saúde.E-MAIL: [email protected]

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Orestes Zivieri NetoTítulo do texto: EM TEMPO: A QUESTÃO DA FORMAÇÃO DOCENTEPossui graduação em Pedagogia  – Administração Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras de Votuporanga (1983), graduação em Ciências Com Habilitação Em Matemática pela Faculdade de Ciências e Letras de Votuporanga (1982), mestrado em Educação pela Faculdade de Educação e Ciências Administrativas de Vilhena (2002) e doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009). Atualmente é professor Adunto DE da Universidade Federal de Rondônia. Tem experiência na área de Educação e Matemática, com ênfase em Formação de Professores e processo de ensino e aprendizagem em matemática.E-MAIL: [email protected]

Marilsa Miranda de SouzaTítulo do texto: A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO CAPITALISMO BUROCRÁTICO: semicolonialismo, semi-feudalidade e ecletismo pedagógicoPossui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia (1993), graduação em Direito pela Universidade Federal de Rondônia (2000), mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Rondônia (2006) e doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista – UNESP (2010). É Professora Adjunta da Universidade Federal de Rondônia, lotada do Departamento de Educação do Campus de Rolim de Moura. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Filosofia da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação do campo, movimentos sociais, capitalismo burocrático, semifeudalidade, políticas educacionais e imperialismo. Atualmente é membro docente na linha de pesquisa Políticas e Gestão Educacional do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Rondônia – Núcleo de Educação/Campus José Ribeiro Filho-Porto Velho-RO.E-MAIL: [email protected]

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Flavine Assis de MirandaTítulo do texto: PRINCÍPIOS EPISTEMOLÓGICOS PARA UMA AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIADoutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010), Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2002). Especialista em Políticas Públicas e Avaliação Educacional pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1999). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1997). Professora da Universidade Federal de Rondônia no Departamento de Educação. Líder do Grupo de Pesquisa em Política, Gestão e Avaliação Educacional – GPPGAE. Tem experiência de ensino e pesquisas na área de Educação com ênfa-se nas seguintes temáticas: Sociedade, Estado e Educação; Políticas Públicas Educacionais; Gestão Educacional; Legislação Educacional; Organização e Sistemas de Ensino; Avaliação Educacional e Institucional; Sociologia da Educação e Sociologia Rural. Com inte-resse na interface entre estes nos processos sociais da área de educação na realidade amazônica.E-MAIL: [email protected]

Mario Roberto VenereTítulo do texto: POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE: um estudo sobre os professores indígenas em RondôniaGraduado em Educação Física pela Fundação Educacional São Carlos – Escola de Educação Física de São Carlos (1981), mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Rondônia (2005) e Doutorado em Educação Escolar – Gestão e Políticas educacionais, pela Universidade Estadual Paulista/UNESP/Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – SP (2011). Atualmente é Professor Adjunto I/DE da Universidade Federal de Rondônia. É membro dos grupos de Pesquisa: Pensamento Docente e Prática Pedagógica Universitária – concepções teóricas e perspecti-vas metodológicas nos cursos de licenciatura (PRÁXIS) e Grupo de estudos do desenvolvimento e da cultura corporal. Tem experiência na área de Educação Física, com ênfase em Educação Física, atuando principalmente nos seguintes temas: educação física, inclusão, edu-cação infantil, fotografia e políticas públicas. E-MAIL: [email protected]

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Carmen Tereza VelangaTítulo do texto: POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE: um estudo sobre os professores indígenas em RondôniaDoutora em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP, 2003). Professora associada e pesqui-sadora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR- Porto Velho), vinculada ao Departamento de Ciências da Educação e ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/ Mestrado em Educação). Graduada em Pedagogia, especialista em Educação Especial pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/ /Marília) e em Administração Escolar (Fundação Severino Sombra/RJ). Mestre em Educação (Políticas Públicas e Administração Escolar/UFRJ). Atuou como Coordenadora Geral em Rondônia do Programa Escola de Gestores (MEC/SEB/UNIR), bem como na Coordenação Operacional do Doutorado Interinstitucional (DINTER- UNIR/UNESP /Araraquara). Atua na Educação a Distancia, como Coordenadora de Estágios do Curso de Pedagogia (CAPES/UAB/UNIR). É membro dos grupos de Pesquisa: Pensamento Docente e Prática Pedagógica Universitária – concepções teóricas e perspec-tivas metodológicas nos cursos de licenciatura (PRÁXIS). Integra o Observatório Nacional de Educação Especial (UFSCAR-SP), e seu correspondente em Rondônia. Linhas de Pesquisa : Currículo e Práticas Pedagógicas na perspectiva dos Estudos Culturais, Formação de Professores, Gestão Educacional.E-MAIL: [email protected]

Juracy Machado PacíficoTítulo do texto: A EDUCAÇÃO INFANTIL EM PORTO VELHO NO PERÍODO 1999 a 2008: realidade e necessidadeDoutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/2010), Mestre em Psicologia Escolar pela Universidade de São Paulo (USP/2000) e possui graduação em Pedagogia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR/1996). Atualmente é membro associada da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional e Professora Adjunta da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação infantil, alfabetização e formação de docente,

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atuando principalmente nos seguintes temas: educação infantil; polí-ticas públicas; formação docente; alfabetização; gênero e educação.E-MAIL: [email protected]

José Carlos Barboza da SilvaTítulo do texto: AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO SUPERIOR: a formação do Psicólogo e as implicações para a atuação desse profissionalPossui graduação em Psicologia pela Faculdade de Filosofia do Recife (1988), especialização pela Fundação Universidade Federal de Rondônia (1996) e mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal de Rondônia com doutorado em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara (2010). Tem experiência nas áreas de Psicologia, com ênfase em Psicologia Clínica, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicanálise, Psicopatologia e Técnicas Psicoterápicas; de Educação, com ênfase em Formação Profissional, Políticas Públicas Educacionais e Currículo. Atuou como psicólogo em hospital psiquiátrico e consultório particular, além de atualmente supervisionar estágio curricular em Saúde Mental no Departamento de Psicologia da UNIR/RO. É conferen-cista nas áreas de Psicologia e Educação. Foi membro Permanente do Comitê de Ética na Pesquisa do Núcleo de Saúde da UNIR/RO e membro e Presidente de Banca de comissões julgadoras em concursos públicos para Professor em Psicologia. Autor do livro: As Políticas Educacionais e a Formação do Profissional da Psicologia: suas implicações para a atuação profissional. Professor colaborador do Mestrado Acadêmico em Psicologia (MAPSI), do Departamento de Psicologia da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR/RO).E-MAIL: [email protected]

João Augusto GentiliniTítulo do texto: GESTÃO EDUCACIONAL E OS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADEPossui graduação em Licenciatura Em Filosofia – Fac. de Filosofia, Ciências e Letras de Ensino de Poços de Caldas (1978), mestrado

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em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1993) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Atualmente é professor assistente doutor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Gestão Educacional e Política Educacional Brasileira, atuando principalmente nos seguin-tes temas: gestão educacional e escolar, planejamento educacional, sistemas de ensino, poder local, autonomia, inovações em gestão educacional e escolar.E-MAIL: [email protected]

Elaine Cristina ScarlattoTítulo do texto: GESTÃO EDUCACIONAL E OS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADEDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar na Faculdade de Ciências e Letras  – Campus de Araraquara  – Unesp. Possui Graduação em Ciências Sociais (2006) e Mestrado em Educação Escolar (2011) pela FCL/Car. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino/Aprendizagem e Política Educacional.E-MAIL: [email protected]

José VaidergornTítulo do texto: CONSIDERAÇÕES SOBRE PESQUISA EM EDUCAÇÃOJosé Vaidergorn é Bacharel (1977) e Licenciado (1979) em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1987), e Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1995). Desde fevereiro de 1986 é professor assistente doutor junto ao Departamento de Ciências da Educação da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Araraquara. Foi Chefe de Departamento (1996-1998) e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da FCL (junho de 2004 a maio de 2007), reeleito para o período de junho de 2010 a junho de 2011, dentre outros cargos. Tem experiência na área de Educação,

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com ênfase em Sociologia da Educação, Política Educacional e Pesquisa, atuando principalmente nos seguintes temas: Sociologia da Educação, Política Educacional do Ensino Superior, Epistemologia e Pesquisa em Educação, História da Educação Superior, Cidadania e Educação. Participa do Grupo de Estudos Filosofia para Crianças. É membro do Comitê de Redação do Caderno CEDES (Qualis A2 – 2012), tendo coordenado vários números desde 1999, e co-editor da Revista Eletrônica Política e Gestão Educacional (Qualis B2 – 2012). Coordenou o Doutorado Interinstitucional – DINTER – da UNESP com a Universidade Federal de Rondônia (UNIR), através de convênio promovido pela Capes, de dezembro de 2006 a janeiro de 2011. É assessor junto ao Programa CNPq-PIBIC, à Capes e à FUNDUNESP, de editoras científicas e de cinco publicações da área de educação e ciências sociais.E-MAIL: [email protected]

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SOBRE O VOLUME

Série Diálogos, nº 3Formato: 14 x 21 cm

Mancha: 10 x 19,1 cmTipologia: Garamond 12/13,5

Miolo: Pólen Bold 90 gr/m2 (miolo)Capa: Cartão Supremo 250 gr/m2 (capa)

Tiragem: 1501a edição: 2014

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