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    DOUTRINA ESTRANGEIRA

    O Recurso de Amparo no SistemaGermnico de Justia Constitucional

    Peter HberleUniversidade de Bayreuth

    A criao e o desenvolvimento de Tribunal ConstitucionalFederal so um dos aspectos mais notveis da cultura jurdicaalem do ps-guerra. Com o apoio da generalidade do povo, oTribunal de Karlsruhe um elemento extremamente importantena consolidao do Estado constitucional alemo, no perfilcultural e poltico especfico que este vem adquirindo desde oannus mirabilisde 1989. Instrumento decisivo neste contexto o recurso de amparo: graas a ele, o Tribunal Constitucionalconverteu-se num tribunal de cidados na verdadeira e prpriaacepo da palavra. A-A.

    INTRODUOEntre os contributosclssicos da cultura jurdica alem contam-se a

    construo e a consolidao do Tribunal Constitucional Federal de Karlsruhe,a partir de 1951. A autoridade e a aceitao deste rgo constitucionalso indubitavelmente considerveis na Alemanha e, desde a desejadareunificao de 1990, tambm a confiana da populao no mais alto Tri-bunal cada vez mais forte: por vezes, isso acontece mesmo custa doprocesso poltico democrtico. E tambm se buscou no Tribunal Constitu-cional Federal Alemo (TCFA), tanto no seu conjunto, como relativamentea algum dos seus aspectos especficos (organizao, procedimento, funoe jurisprudncia), um modelo para outros pases, em especial na Europa,sobretudo desde que os pases de Leste empreenderam a tarefa de cons-

    truir o Estado constitucional atravs de processos de transformao rela-tivamente penosos. Assim se pode explicar que at num Manual sobrea jurisdio constitucional na Amrica Latina se possa fazer ouvir umavoz alem (*). Esta oportunidade constitui uma honra e uma alegria parao autor. Embora o lanamento de pontes com a Amrica seja umprivilgioprincipalmente de Espanha e Portugal, qualquer voz europia pode dar

    * O autorrefere-se circunstncia de este textovir publicado in D. GRCIA BELAUNDE eF. FERNANDEZSEGADO (coords.), La juisdiccion Constitucional en Iberoamrica, Madrid: Dykinson, 1997, pp. 225 ss.

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    uma colaborao valiosa para o concerto da comparao jurdica. Sobretudohoje, uma vez que desde o annusmirabilis de 1989 o Direito Comparado e a

    Histria do Direito tmumaoportunidade nica: trabalhar juntosno modelode Estado constitucional, comparativamente noespao e no tempo. Estemodelo, em ltima instncia, apenas apreensvel na perspectiva da cinciada cultura, ultrapassando o estrito sentido jurdico, foi produzido atravsde umlongo processo de transformao: pode ser documentado em gran-des datas, tais como 1689, 1776, 1789, 1849, mas tambm 1945; pode serobjetivado nos textos clssicos (entendidos como textos constitucionais emsentido lato) de ARISTTELES (ligao entre igualdade e justia), J. LOCKE(contrato social) e MONTESQUIEU (separao de poderes), passando por I.KANT (dignidade da pessoa) at J. RAWLS (justia comofairness) e H. JONAS

    (princpio de responsabilidade); e no raramente traduzido para a culturageral pelas palavras aladas dos poetas (como F. SCHILLER, em GuilhermeTell)ou por inspirados quadros de pintores (como DELACROIX em 1789).

    Cada nao em particular varia quanto ao modelo de Estadoconstitucional em funo da sua histria cultural e poltica. Entre as ex-presses propriamente alems deste modelo encontra-se o controle daconstitucionalidade (de forma idntica ao que acontece na ustria ouna Sua relativamente democracia semidirecta ou ao Estado Federal).Este controlo pode enraizar-se tanto na cultura poltica da Constituio(Grundgesetz)como na histria cientfica dos constitucionalistas alemes

    e, embora as realizaes pretorianas do TCFA e a histria da eficcia dassuas decises tenham freqentemente ameaado dar a impresso deuma autonomia da cincia do Direito Constitucional e de manifestar aslimitaes do Direito dos juristas, a prpria cincia jurdica tem granderesponsabilidade na construo e consolidao do sistema alemo decontrole da constitucionalidade e do seu Direito marcial: atravs deum consciencioso aprofundamento dos problemas capitais ou atravs docomentrio do trabalho do TCFA em comentrios de jurisprudncia ouinclusivamente, em casos afortunados, pela unio pessoal (rara) (porexemplo, em E. FRIESENHAHN, G. LEIGOHOLZ, K. HESSE, que foramprofessores e juzes constitucionais).1

    O presente texto foi concebido como um relatrio nacional. Graas sua colocao na parte geral deste manual [o autor refere-se versopublicadain D. GARCA BELAUNDE e F. FERNANDEZ SEGADO (coords.).

    1 Sobre agrande personalidade de G. LEIBHOLZ veja-seaRichiterbild de H. J. RINK em:JR 35 (1986),p. 133 ss.; e tambmM. J. WIEGANDT,Norm undWirklichkeit, GERHARDLEIBHOLZ (1901-1982), 1985;assim como o colquio do 80 aniversrio C. Link(ed),Der Gelicheitssatz im modernem Verfassungstaat,

    1982. Com extremaclareza: E. G,. MAHRENHOLTZ, Verfassungsinterpretation aus praktisher Sichtem: Verfassungresht Zwischen Wissenchaft und Richrkunst, K. HESSE zum 70, Geburtstag, 1990, p. 53ss.(MAHRENHOLTZ foi vice-presidente do TCFA).

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    La Jursdiccin Constitucional en Iberoamrica. Madrid: Dyknson, 1997, pp.225ss], poder ultrapassar a simples informao de carcter histrico-jridi-

    co-comparado2 e aventurar-se em construir reflexes terico-constitucionaisa partir daquele material. O controle da constitucionalidade, entendido nosentido mais amplo e estudado mais profundamente, corresponde, do pontode vista alemo, a umnvel especfico de transformao no modelo de Esta-do constitucional como cultura jurdica. O TCFA pode valer como exemploafortunado da histria constitucional alem. No , em verdade, o guardioda Constituio, como com agrado se afirma, uma vez que o seu primeiro eltimo guardioso todos os cidados no seu conjunto. Pois bem, trata-sede um tribunal de cidados por excelncia, sobretudo devido ao recursode amparo (Verfassungsbeschwerde), e exerce uma funo poltica no con-

    junto do sistema da diviso de poderes, que integra a autocompreenso daRepblica Federal alem.

    Este texto deseja tambm carrear materiais para todos os esforosconjuntos europeus ou para os esforos conjuntos da Europa e da AmricaLatina em matria de controlo da constitucionalidade. O Direito comparadopode ser, hoje como nunca, uma grande ajuda para este objectivo, seja no

    trabalho poltico-jurdico sobre o modelo de controlo da constitucionalidadeem cada pas, seja medianteo emprego do Direito vigente. A comparao

    jurdica utilizada em todo o mundo e, quando utilizada ousadamente

    com uma inteno universalista, implica praticamente o quinto mtodode interpretao fio Direito Constitucional aps a consagrao dos quatroclssicos de F. C. SAVIGNY (1840). Quanto mais distintos so os contextosculturais das normas constitucionais em cada pas individualmente consi-derado, mais a comparao nos abre novas possibilidades interpretativasno tempo e no espao. E esta no a menor das razes que explica que os

    tribunais constitucionais se sirvam, desde h algum tempo (de forma maisou menos manifesta), desta ampliao do horizonte normativo. O facto de aEuropa tambm poder aprender com a Amrica Latina demonstrado pelasprprias instituies de controlo da constitucionalidade. Nessa medida, esta

    contribuio no deseja ser uma rua de sentido nico, mas antes abrir ca-minhos para processos de intercmbio de produo e recepo entre naese continentes.3

    2 Veja-se H. R. HORM; A. WEBER (eds.).Richrerliche Verfassungskontrolle in Lateinamerika, Spanien undPortugal, 1989.

    3 Digna de meno a coleco dirigida por C. STARKStudien und Materialien zur Vefassugsgerichts-barkeit (desde 1973) com livros to importantes como: R. DREIER; F. SHWEGMANN (eds.), Problemeder Verfassungsinterpretation, 1976; C. MOENCH, Verfassungwidruiges Gesetz und Normienkontrolle,1977;C. STARK (ed), Grundgesetz und deutsche Verfassungsrechtsprechung im Spiegel auslndisherVerfassungentwickhoung, 1990.

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    I ESTATUTO E FUNO DO TCFA SEGUNDO ASPERSPECTIVAS JURDICO-CONSTITUCIONAL E TERICO-

    CONSTITUCIONAL

    1 Estatuto jurdico-constitucional, composio e eleio:duas salas

    Segundo o art. 1 da Lei do TCFA (LTCFA), este tribunal mais umrgo constitucional, sendo um tribunal da Federao autnomo e indepen-dente. A sua autonomia comprovada, entre outras coisas, pelo facto de aposio jurdica dos seus juzes se regular separadamente da posio dosrestantes juzes (art. 3 e ss. e art. 98. e ss. da LTCFA) e pelo facto de ter

    um oramento prprio no selo do oramento da Federao.4

    A composio do TCFA regulada no art. 94 da Constituio (GG) e naLTCFA. O Tribunal divide-se em duas seces (Senate), cada uma das quaiscom oito membros. freqente design-las como tribunal gmeo porqueas duas seces tm o mesmo nmero de membros e so independentesuma da outra. Trs membros de cada seco so eleitos entre os juzes dos

    tribunais supremos da Federao (por exemplo, do Tribunal Supremo ou doTribunal Federal Social). A durao do cargo de doze anos, no sendo pos-svel a reeleio. Todos os juzes constitucionais devem ter completado 40anos de idade. A sua actividade judicial incompatvel com qualquer outraactividade profissional, excepto a de professor de Direito em universidadesalems. Na minha opinio, esta compatibilidade constitui uma expressode uma afortunada ligao entre a cincia do Direito Constitucional e ajurisprudncia constitucional e tem sido posta em prtica, na medida emque alguns juzes do TCFA eram anteriormente professores e continuaramcomo tal.

    A eleio dos juzes corresponde em partes iguais aoBundestag e aoBundesrat, requerendo uma maioria de dois teros, o que obriga os partidosa estabelecerem acordos. O Bundestagelege os magistrados por um pro-

    cedimento indirecto, a saber, atravs de uma comisso eleita pelo mesmo.No entanto, o Senado (Bundesrat)elege os magistrados de forma directa. Opresidente e o vice-presidente do Tribunal so eleitos alternadamente peloBlindestag e pelo Bundesrat. Por exemplo, foram presidentes o antigo Pri-meiro-Ministro do Estado Federado de Baden-Wrtenberg, GEBHARD ML-LER, e o antigo Ministro Federal do Interior, ERNST BENDA. Ambos desen-volveram um estilo muito pessoal, marcante, e, depois de ocuparem o cargo,demonstraram uma grande independncia interna e externa relativamenteaos partidos que os apoiaram no momento da eleio.

    4 Sobre o estatuto do TCFA veja-se antes de mais o chamado statusDenkschift des B VerfG. JR 6(1957), p. 110 ss. Com o relatrio de G. LEIBHOLZ ao TCFA: JR 6 (1957), p. 120 ss.: sobre isto tambm E.BENDA; E. KLEIN, op. cit., 1991, p. 27 ss.

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    A eleio dos juzes do TC pertence sem dvida aos temas da re-forma. A interferncia dos partidos polticos notria. Reclamam sem

    rodeios o seu lugar no Tribunal para algum dos seus. Deste modo, h umadeterminada quantidade para o SPD ou para a CDU e acrescentada maisalguma para o FDP, sem que, at ao momento, se tenha atribudo qualquerposto ao partido Aliana 90 Os Verdes. Neste contexto, tambm, se do caso afortunado de se elegerem candidatos neutrais (por exemplo, K.HESSE, 1975). Espero no ser mal interpretado: na histria do TCFA, atao momento, todos os juzes, uma vez eleitos, tm demonstrado uma in-questionvel independncia face aos partidos que os patrocinaram. Mascontinua a ser necessrio reformar o sistema de eleio: em conjunto, deveser fomentada uma representaopluralista e uma presena de todos ospartidos representadosno Bundestag. A aptido para o cargo de juiz deveser demonstrada, tal como nos EUA, atravs de interrogatrios pblicos.Tambm seria necessrio pensar no modelo italiano,na qual uma parte dadesignao dos juzes confiada ao Presidente da Repblica.

    2 Principais competncias, principais decises: a consolidaodo TCFA desde 1951. O importante significado dos votosdissidentes

    a) PreliminarAs competncias do TCFA esto, certamente, fixadas por enumerao

    e de formas taxativas. Estas foram configuradas de forma bem peculiar at1989 em todo o mundo. Desde esse annus mirabilis, o elenco de competn-cias foi reforado nos novos Estados constitucionais, sobretudo na Europade Leste, e assumido nalguns pases em desenvolvimento (incluindo nosnovos Estados Federados (Lnder)da antiga Repblica Democrtica alem).A grande autoridade do TCFA, alcanada ao longo de muitos anos, reforaa histria da eficcia das suas grandes decises.

    A este propsito, cumpre referir os votos de vencido. So permiti-dos, desde 1971 nos termos do art. 30. 2 da LCTFA (em relao com oart. 56 do regulamento de funcionamento do TCFA de 1986/89) e cha-mam cada vez mais a ateno da comunidade cientfica e mesmo noseio do prprio TCFA. Efectivamente, existem vrios exemplos de votosde vencido, que depois foram assumidos por uma seco do TCFA cujamaioria mudou por exemplo, o voto dissidente de RUPP VON BRNNE-CK, E 32, 129 (141 e ss.) em relao com E 53, 257 (289). Tambm ficoufamoso o voto dissidente dos juzes H. SIMON/HEUSSNER (E 53, 69) em

    matria de proteco de direitos fundamentais atravs da organizaoe procedimentos ou do status activus processuaisno sentido dado por P.HBERLE. Os votos dissidentes, utilizados prudentemente, so uma pea

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    da abertura da Constituio, cujo desenvolvimento proporcionam. Servempara a abertura do processo de interpretao constitucional no decurso do

    tempo e podem ter efeitos pacificadores na medida em que superam nosentido hegeliano (ou seja, conservam), a opinio da parte vencida. Tam-bm servem para refutar a doutrina de uma deciso unilateral. Os votosdissidentes so inseparveis de uma compreenso da Constituio comoConstituio do pluralismo. A histria da sua eficcia, bem como a suaestrutura, tm sido cada vez mais investigadas nos ltimos 15 anos. Dadoque estes votos esto submetidos a uma maior presso para se legitimarem,o Direito Comparado joga neles um papel ainda mais importante do quenas decises da maioria. Alguns juzes, tais como W. GEIGER, publicaramposteriormente as suas opinies dissidentes em livro (1985).5

    b) As competncias em particular

    O TCFA classificado (por vezes, criticamente) como o guardio ou,inclusivamente, dono da Constituio, como quarto poder ou at mes-mo como primeiro poder, como secreto soberano etc. Antes de efectuaravaliaes globais, convm examinar as suas principais competncias quea Constituio (GG) desenvolveu desde 1951.

    a) O primeiro lugar corresponde ao recurso de amparo (Verfassug-beschwerde) art. 93.. 1.4.a da Constituio (GG) I: converte o TCFA num

    tribunal do cidado. O acesso ao TCFA, permitido gratuitamente e seminterveno obrigatria de advogado a todos(RUPP-V. BRNNECK), refor-ou profundamente o Tribunal na conscincia cvica face ao poder pblico.To pequena a percentagem de xito vista numa perspectiva puramen-

    te numrica (exemplo: de 36.000 pedidos triunfaram 400, ou seja, 1,11%),como grande o efeito didctico, em termos do Estado, e democrtico, em

    termos do cidado, do recurso de amparo. Qualquer pessoa pode interporrecurso aps estarem esgotados os recursos ordinrios, desde que tenhasido afectada pelo poder pblico num dos seus direitos fundamentais ouequiparados. Uma deciso chave que se proferiu num recurso de amparo

    bastante poltico e que, na prtica, possui nvel de Lei Fundamental, a famosa sentena Lth (E 7, 198) cuja eficcia perdurou at a sentena Le-bach (E 35, 202). Esta, com seu mtodo da ponderao de bens, vai muitomais almdo art. 5. da Constituio (GG). So tambm dignas de refernciaa sentena das farmcias (E 7, 377), a primeira sentena sobre onumerusclausus(E 33, 303), bem como as decises sobre o direito de ser ouvido e odireito transparncia do procedimento [E 47, 182 (187) e E 46, 325 (334 ess.)], passando pela justificao de um estatuto especial (E 33, 1) e, maisrecentemente, a sentena sobre Maastricht (E 89, 157).

    5 Ver tambm W. RUPP v. BRNNECK, Verfassung und Veraniwortung, Gesammelte Schiften und Sonder-voten, ed. por H. P SCHNEIDER, 1983, R. LAMPRECHT, Richter contre Richter, 1992.

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    b) Os controlos abstracto e concreto das normastm, por seu lado,um elevado significado poltico em termos prticos. Por exemplo, a pedido

    do Governo Federal ou de um tero dos membros do Bundestag(regime deproteco da minoria) pode ser sujeita apreciao a constitucionalidadede uma lei federal. Atravs desta via de controlo abstracto (art. 93..1.2 daConstituio) proferiram-se sentenas bsicas, como a primeira sentenasobre o financiamento dos partidos (E 20, 56). Atravs do chamado controloconcreto de normas (art. 100. da Constituio) tambm chamada ques-

    to de inconstitucionalidade (Richterklage) apresenta-se atravs de umtribunal (por exemplo, um tribunal administrativo) uma questo prejudicialperante o TCFA [exemplos: a deciso sobre a equiparao jurdica de homeme mulher (E 3, 225 e E 45, 187) ou sobre a constitucionalidade da pena de

    priso perptua (E 47, I 6) ou a deciso sobre o art. 7. da lei da energiaatmica (E 49, 89)1.

    Os conflitos entre rgos(art. 93.. 1. 1 da Constituio) levaram sen-tena sobre a publicidade eleitoral (E 44, 125), deciso sobre os oramentos(E 45, 1) e tambm sentena sobre o tempo dos discursos (E 10, 4). O TCFA

    tem competncia para decidir sobre a interpretao da Lei Fundamental emvirtude de conflitos sobre o alcance dos direitos e obrigaes de um rgoconstitucional federal ou de outro que tenha sido dotado de direitos prpriosatravs da Lei Fundamental ou do regulamento de funcionamento de umrgo constitucional federal (art. 93.. 1. 1 da Constituio, arts. 13..5 e

    63. e ss. da LTCFA).6

    Como rgos neste sentido foram reconhecidos os deputados [E 60,374 (379); E 62, 1 (31 e ss.)], os grupos parlamentares do Parlamento Federal(Bundestag) [E 1, 372 (378); E 68, 1 (63)1 e os partidos polticos [E 44, 125(136 e ss.); E 74, 44 (48) e ss.]. Recentemente, aumentou o nmero de pro-cessos por conflito entre rgos. Merecem ser referenciados alguns casosfamosos, tais como a ltima sentena sobre financiamento de partidos (E85, 264), sobre rearmamento (E 62, 1) ou sobre fundaes partidrias (E 73,1). O conflito entre rgos no serve apenas para proteger a minoria pelofacto de poder ser utilizado por deputados ou grupos parlamentares; actua

    tambm como garante do pluralismo e confirma o peso que o TCFA temno equilbrio de poderes da Constituio.

    d) Os conflitos federaispertencem s razes histricas do controlo daconstitucionalidade na Alemanha ( famoso o caso do golpe da Prssiaperante o Tribunal do Reich alemo, em 1932). Segundo o art. 93.. 1.3 daConstituio e os arts. 13..7 e 68. e ss. da LTCFA, este tribunal decide osconflitos jurdico-constitucionais que sejam suscitados entre a Federao eos Estados federados (Lnder) ou entre diversos Estados federados sobre osdireitos e obrigaes da Federao. Sobretudo na primeira dcada de

    6 Entre literatura: D. LORENZ, Der Organstreit vor dem BVerFG em: C. STARK (ed.): Festgabe BVerfG,t. 1, 1976, p. 225 ss.

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    actividade do TCFA, foram proferidas importantes decises atravs destetipo de processo: acerca da Concordata doReich (E 6, 309), sobre a consulta

    popular acerca das armas atmicas (E 8, 1 22) e mormente a primeira sen-tena sobre a televiso (E 12, 205), que, em matria da estrutura pluralistados meios de comunicao, constituiu um marco na histria constitucionalcomo o foi, no seu tempo, a consolidao do conceito de lealdade federal(Bundestreue). Nos anos seguintes tiveram lugar muitos conflitos federaissob a forma do controlo abstracto das normas [art. 93..1.2 da Constituio(GG) I, por exemplo E 37, 363]. de notar que neste processo no existemprazos e o universo dos sujeitos com legitimidade maior. Deste modo, oconflito entre a Federao e o Estado federado continua a ser uma pedraangular do federalismo alemo e do controlo da constitucionalidade. Este

    mecanismo atesta o papel do TCFA no jogo combinado de poderes e a suafuno de controlo do poder e de proteco da liberdade (federal), bem comoa sua limitada participao na direco suprema do Estado (K. HESSE).7

    e) Restantes competncias do TCFA. No ramo das restantes com-petncias do TCFA podem ser citadas: em primeiro lugar, no grupo doschamados procedimentos de proteco da Constituio, o procedimentode acusao contra o Presidente federal [art. 61. da Constituio (GC)], aacusao contra os juzes [art. 98..2 da Constituio (GG)] e os processospor abuso dos direitos fundamentais [art. 18. da Constituio (GG)] queat agora no tinham alcanado um significado prtico. Distinto o caso

    doprocedimento para a proibio de partidosem virtude do art. 21..2.2 daConstituio. Com efeitos constitutivos, pode ser proibido um partido polticopor causa da sua oposio organizada Constituio (K. STERN). Aps asexperincias da poca de WEIMAR com os partidos extremistas, representauma medida preventiva dos criadores da Constituio e uma expresso dasua democracia protegida. At agora foram utilizados dois procedimentosdeste gnero: contra o Partido Socialista do Reich (E 2, 1) e contra o PartidoComunista (E 5, 85).

    Outra categoria de conflitos constitucionais est prevista nos arts.

    4 1..2 da Constituio e nos arts. 13..3 e 48. e ss. do TCFA: nas decisessobre escrutnios do Bundestag pode interpor-se um recurso eleitoral noTCFA. Ao contrrio do que acontece com o recurso de amparo, trata-sede um procedimento objectivo. Recentemente, foram pronunciadas im-portantes decises a este respeito [por exemplo E 66, 31 1, E 79, 47 (48),E 85, (48)1.

    c) Balano provisrio: dignificao e consolidao do TCFA

    Caso se procurem os principais pontos de vista, sob os quais a juris-prudncia do TCFA fez histria at ao momento, encontramos:

    7 K. HESSE, Grundzge..., cit., n. margem 669: limitada participao na suprema direco do Estado.

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    decises em matria de direitos fundamentais e Estado de Direito[por exemplo, Lth (E 7, 198); Blinkfer (E 25, 256)1, assim como de-

    cises sobre direitos processuais fundamentais: arts. 101.. a 104.da Constituio (CG), em especial no incremento um processotransparente [por exemplo, E 46, 202 (209 e ss.); E 46, 325 (334 ess.)];

    decises sobre federalismo e diviso de poderes(por exemplo, sen-tena sobre a televiso: E 12, 205) que constituem duas formas depluralismo;

    decises em matria de oposio e proteco das minorias[caso dasTestemunhas de Jeov, E 23, 127 (191)]; tambm a instituio do

    voto de vencido tem aqui o seu lugar, assim como ajurisprudnciada tolerncia [no Direito Eclesistico do Estado: EE 41, 65 (78), 65(83), 88 (108 s) e tambm E 47, 46 (76 e ss.).

    Surge agora a questo de saber se o TCFA sempre se restringiu a siprprio o suficiente relativamente ao conjunto dos poderes equilibrados(equilbrio de poderes estrutural e funcional).

    Em conjunto, todas estas decises favorecem, em ltima instncia, opluralismo poltico: a idia de jurisdio constitucional como jurisprudnciado pluralismo. O TCFA actua como uma fora jurdica e poltica. O balano

    fundamentalmente positivo e, em certos casos, apenas um pouco deficitrio(como ocorre na sentena Mephisto: E 30, 173; bem como no caso de E 44,197).

    Analisemos agora ahistria da eficcia poltica das principais deci-ses no exerccio das principais competncias. Numa perspectiva poltica, oTCFA, na sua primeira sentena sobre a televiso, reduziu a democracia dechanceler aos seus limites e fortaleceu a oposio e tambm o federalismoe a liberdade como direito fundamental. Tal como anteriormente o EstadoFederado (Land) de HESSE, sob a direco de K. A. ZINN, fez frente a Bonacom xito (exemplos: financiamento dos partidos: E 20, 56; luta para serouvido: E 30, 1 etc.), da mesma forma, tambm serviram ao federalismo asIniciativas da Baviera (por exemplo, E 37, 363). Por outras palavras, os con-

    trapesos dos Estados Federados (Lnder)face Federao, das minorias (deoposio) face s maiorias, dos indivduos face aos grupos ou instituies como as igrejas (ver EE 23, 127, 191, 32, 98; 33, 23; 35, 366; 44, 37) con-seguem a sua eficcia graas jurisdio constitucional que, deste modo,se converte em garantia de pluralismo.

    O adjectivo poltico entende-se aqui em sentido amplo. utilizadopela sua ligao potencial ou real com o conjunto da res publica, pelo que,

    at ao momento, os diferentes conceitos da poltica tornaram absolutos oselementos parciais singulares como, por exemplo, o elemento do poder, oelemento do bem-estar ou da felicidade, ou o aspecto do irracional e do

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    dinmico. Todasas funes estatais so funes polticas no sentido atrsmencionado. Essas funes distinguem-se entre si pelo modo e pela forma

    como actuam no quadro da diviso do trabalho da repblica. No entanto, nose colocam frente ao Direito. Tambm o legislador democrtico interpretaa Constituio, sendo o juiz uma pea do poder poltico (e isto particu-larmente evidente no Tribunal Federal Social relativamente ao direito dosconflitos laborais). O Direito e a Poltica, no Estado constitucional democr-

    tico, no esto um face ao outro: so aspectos parcelares, funesparciaisdo conjunto dares publica.

    Muitos falam de transgresses dos limites do TCFA relativamenteao aspecto poltico, mas at agora ningum proporcionou uma clara distin-o entre Direito e Poltica. Tal no deve surpreender, precisamente porque

    no se pode encontrar essa distino. Tambm fazem parte da poltica asboas decises dirigidas no sentido de dar efectividade aos direitos funda-mentais: concretamente, uma poltica de direitos fundamentais. Apenasse pode falar de distintos modos Tribunal Constitucional exerce poltica faceao legislador: difcil encontrar uma distino qualitativa entre ambas asrealidades.

    3 O TCFA, enquanto Tribunal Constitucional, como TribunalSocial peculiar e o seu papel na garantia e actualizao do

    contrato social (entre outros, do contrato entre geraes)a) O TCFA como Tribunal Constitucional e como

    Tribunal Social peculiar

    O TCFA, encarado numa perspectiva formal, possui todas as carac-tersticas de um tribunal estatal (para utilizar a sua prpria terminologia,em E 18, 241), ou seja, depende de uma lei estatal e o Estado regula e influia nomeao dos juzes. Mas bastante mais do que isso: um tribunalconstitucional, ou seja, competente para emitir decises num conjunto de-finido de conflitos materialmente constitucionais. Toda a transcendnciadesta afirmao revelada em primeiro lugar pelo conceito de Constituio.Constituio a ordem jurdica fundamental do Estado e da sociedade;no apenas a limitao do poder estatal, mas tambm a apropriaodeste poder. Compreende Estado e sociedade. O controlo jurisdicional daConstituio como fora poltica actua para l do dogma da separao Es-

    tado/sociedade.8

    O facto de o TCFA ser o Tribunal Constitucional de toda a respublica tem efeitos concretos em questes mais concretas, por exemplo,relativamente recusa por parte dos juzes (sobre isto, veja-se E 35, 171 246;

    8 Cf. P. HBERLE,Kommentierte Verfassungsrechtsprechung, 1979, p. 435 ss.

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    E 89, 28); vem, sobretudo, como conseqncia que o Tribunal no deve mol-dar-se a umateoria ou escola, mas deve preocupar-se em conseguir uma

    integrao pragmtica de elementosde uma teoria.Esta ligao constitucional material do controlo jurisdicional da

    Constituio tem implicaes materiais e processuais: por exemplo, na suaobrigao de respeito do modelo de pluralismo e no fomento da construode um Direito Processual Constitucional tendo em conta os instrumentos departicipao e informao de carcter pluralista.

    A crescente poltica de uma obteno pluralista de informao, porparte do TCFA, deve ser vista em ligao com este aspecto. Tambm a eleiodos juzes constitucionais, de entre o espectro de todos os partidos polticos (e

    que, no futuro, de esperar venha a ser reforada no sentido suprapartidrio)incorpora efectivamente o pluralismo nos processos constitucionais e actuasobre ele. Este o pressuposto para uma direco da sociedade pelo TribunalConstitucional e pelo seu Direito. Aqui se produz um efeito combinado:quanto mais se implica o TCFA no processo de direco da sociedade maisse volta esta sociedade para o Tribunal e se deseja que facilite o acesso aKarlsruhe. O impacto deste efeito pode ser avaliado pelo debate sobre o

    tema da co-gesto: percebeu-se quais eram as tendncias da opinio pblicana sala de audincias (E 50, 290).

    Esta afirmao conduz-nos a outro patamar. O TCFA deve ser visto na

    sua relao intensiva com toda a sociedade: um Tribunal social. Peculiar

    e em sentido amplo. Atravs da sua jurisprudncia abre-se pluralidade de

    idias e interesses, assumindo-os, e vice-versa, dirigindo assim a sociedade.

    Face eleio dos juzes, a utilizao do seu Direito Processual Constitucional

    e dos frutos materiais da sua interpretao (por exemplo, na estruturao de

    aspectos parciais da sociedade, atravs da eficciainter privatosdos direitos

    fundamentais) permite consider-lo como um tribunal de toda a sociedade, ou

    seja, um tribunal estatal. Este facto tem conseqncias de grande impor-

    tncia, sendo tambm relevante para o trabalho quotidiano do Tribunal.

    O TCFA e o seu Direito Processual conseguiam, pois, uma relaopeculiar com a sociedade. A sua actividade transformadora do Estado e dasociedade faz com que seja o tribunal para a Constituio, e esta no s regulao Estado mas tambm a estrutura fundamental da sociedade, convertendo-aem sociedade constituda. O TCFA actua sobre esta de modo muito especiale selectivo, intensivo e extensivo, e de forma particular no terreno dares publi-ca, situado entre o Estado e o privado, que pode chamar-se sociedadeou territrio do pblico (pluralista). Assim se v que, no apenas na acopara dar efectividade aos direitos fundamentais no plano procedimental, mas

    tambmem toda a sua prtica processual, os instrumentos de participao e

    informao do Direito Processual Constitucional so cada vez mais teis. O Tri-bunal procura informaes atravs de uma prtica diferenciada de audinciase de formas de participao escalonadasrelativamente aos grupos plurais, a

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    organizaes como a DGB (Federao de Sindicatos alemes), Liga deEmpresrios e s Igrejas etc. [por exemplo, E 50, 57 (59 e ss.); 51, 115 (119

    e ss.)]. Deste modo, o Tribunal embrenha-se no terreno social, assumeidias e interesses do mesmo, escuta-o e aprofunda o seu conhecimentotendo em vista a sua interpretao constitucional aberta. Nesse trabalho,deve ser apoiado pela cincia. O Direito Processual Constitucional abre-se sociedade aberta dos intrpretes da Constituio; o seu mediador,principalmente nas reas onde o Parlamento recusou pronunciar-se.

    Assim como o caminho da lei parlamentar foi, e , a tentativa de umtransplante do social para o estatal, tambm se apresentam agora, atcerto ponto, muitos paralelos nos processos jurdico-constitucionais. Ditode outra maneira: o TCFA aproxima-se da sociedade de duas formas. Porum lado, dirige-se-lhe cada vez mais atravs da jurisprudncia que emite(por exemplo, sobre a eficcia inter privatose a objectivao dos direitosfundamentais). Por outro lado, estrutura-a e converte-a, a seu modo, numapea da sociedade constituda. Por causa desta ligao com a sociedadev-se, por vezes, como no seu Direito Processual se leva a sociedade ao foro:de forma notria na prtica da participao e da informao plurais sobretu-do nos grandes processos [como o processo do caso donumerus clausus E 33, 303 (318 e ss.)], mas tambm em pequenos processos. Dito de formaexagerada: o TCFA consegue aperfeioar o carcter de um peculiar tribunalde (toda) a sociedade. Perde o seu anterior carcter estatal, na medida emque se converte num elemento promotor da constituio ou estruturaoda sociedade. um Tribunal Constitucional que ultrapassa a separaoentre Estado e sociedade, entre os tribunais estatais e sociais. O TCFAleva a srio a sociedade aberta dos intrpretes da Constituio, no sem termos processuais (no sentido do processo jurdico-constitucional), mas

    tambm materialmente na sua interpretao da Constituio, onde recolheas opinies do Governo Federal (por exemplo, declaraes do Governo), aautocompreenso das Igrejas [E 42, 312 (331); 46, 73 (95)], os argumentos deuma associao como a Liga Liberdade Cientfica ou de uma instituio

    como o Conselho das Cincias [veja-se E 47, 327 (384 e ss.)].b) O controlo jurisdicional da Constituio no contrato

    social: o TCFA como regulador nos processos continuadosde garantia e actualizao da Constituio como contratosocial

    A tese a seguinte: o TCFA tem uma responsabilidade especficaconjunta na garantia e actualizao da Constituio como contrato socialDirige os seus processos de continuidade e est, assim, obrigado a respeitaro princpio do pluralismo.

    O modelo do contrato social (patrimnio clssico de todos os europeus) aqui utilizado no sentido de um modelo figurado, um princpio heurstico

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    para a consecuo do objectivo de assegurar aliberdade pessoal e a justiapblica.No certamente um molde ao qual tenha de se ajustar reali-

    dade global da Constituio como processo pblico, mas pode servir-nos deajuda para conseguir o domnio de algumas questes fundamentais de tipopoltico e jurdico-constitucional, livres de posies ideolgicas unilaterais.A extenso deste modelo do contrato social para o Tribunal Constitucionalpode parecer atrevida para alguns. De facto, tanto quanto sei, ningum ou-sou formul-la at ao momento. O modelo de contrato social antigo, maso controlo jurisdicional (exclusivo) da Constituio relativamente recente.Nunca, at agora, tinham sido colocados um frente ao outro. Esta poder seruma oportunidade para que esta comparao demonstre a sua utilidade. Aolongo da histria, a teoria clssica do contrato social serviu, nassuas vrias

    implicaes, como modelo explicativo e justificativo (desde LOCKE a ROUS-SEAU, desde KANT at a discusso actual sobre o consenso bsico). Porque razo este modelo no poderia desempenhar, hoje em dia, uma foraexplicativa para os nossos problemas, para as questes do controlo jurisdi-cional da Constituio e para a actualizao da Constituio?

    c) Possibilidades e limites da capacidade de actuao doTCFA: o TCFA no marco da cultura poltica da ordemfundamental da liberdade e democracia da Constituio

    (GG)A questo sobre as possibilidades e limites do TCFA no marco da cul-

    tura poltica da ordem fundamental da liberdade e democracia da Constitui-o devolve-nos ao ponto de partida. Deve valorizar-se bastante o facto de oTCFA, num espao de tempo relativamente curto, ter actuadojuridicamentee atravs de juristas. Do mesmo modo se deve dar valor igual ou superior aoque este Tribunal conseguiu, desta forma, para oprocesso poltico (em parte

    j iniciado e em parte estimulado, relativamente s directrizes polticas).A questo reside unicamente em saber se, e em que medida, o Tribunal, alongo prazo, terexigido demasiado de si prprio e do resto do sistema, e se,

    depois da actividade construtiva dos primeiros anos (nas reas dos direitosfundamentais), dever e poder agora restringir-se mais, de modo a que aculturapoltico-democrtica no fiqueestrangulada ou demasiado protegidapelo sector judicial prprio doEstado de Direito.

    Ocontrolo jurisdicional da Constituio, em ltima instncia, no umseguro de vida jurdico, nem poltico! A compreenso pluralista e poltica,desenvolvida a partir deste, est relacionada com a cultura global da nossarepblica. Este facto, que torna possvel as suas funes positivas, tambmpossui limites. Um limitedo controlo jurisdicional da Constituio provm

    tambm de que apenas actua a pedido e no por iniciativa prpria. Pode seractivado pelos cidados ou pelas foras polticas. Sobre este facto, devemfazer-se algumas reflexes.

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    O controlo jurisdicional da Constituio desenvolvido at agora parte da cultura poltica (tal como o federalismo), especialmente nos EUA,

    masagora tambm na Alemanha. Entende-se aqui por cultura poltica umconceito complexo (emprico-normativo) e no um esquema livre de valores.Apenas pode ser descoberto em aspectos parciais, atravs de indagaespor meio de sondagens. A cultura poltica compreende certamente asrepresentaes, experincias e expectativassubjectivasdos cidados re-lativamente s instituies do seu sistema (na qualidade de Constituiointerna de um povo), mas tambm lhe pertencem o comportamento objec-

    tivo, a actuao dos responsveis polticos, a prtica parlamentar, a funodos tribunais, o grau de realidade da liberdade individual e do pluralismovivido, os seus temas e concretizaes, desde as cartas ao director num

    jornal at as iniciativas de cidados, desde a inscrio num sindicato ata participao numa igreja ou associao de artista, desde a compra ouleitura de livros at ao comportamento estudantil, como elementos de uma

    justia constitucional. O TCFA prestou uma contribuio par excellence educao e tarefas de formao polticas (pedagogia constitucional)em domnios como a poltica de direitos fundamentais e a poltica fede-ral com as suas mximas para regular o comportamento entre os rgosconstitucionais [expresso-chave: lealdade federal, considerao rec-proca entre os rgos constitucionais, veja-se E 12, 205 (254 e ss.); 35, 1 93

    (199); 36, 1 (1 5); 1 (38 e seguinte); por ltimo, E 81, 310 (337)]. Na medidaem que a cultura poltica (o mesmo que a cultura de Estado de Direito)no pode ser plantada de um dia para o outro, ao controlo jurisdicionalda constitucionalidade corresponde um papel central neste lento processode crescimento (como o da Constituio).

    Ora bem, o forte enraizamento na tica e na opinio pblica bur-guesa (cvica) do controlo jurisdicional da Constituio (especialmenteno que respeita ao recurso de amparo), a sua capacidade de identificaona relao cidado-Constituio e, deste modo, a sua participao naconstruo de uma cultura poltica, ocultam tambm um aspecto nega-

    tivo, o controlo jurisdicional da Constituio pode induzir tambm umadesconfiana poltica na democracia e a uma confiana desproporcionadano poder judicial. A f alem no controlo jurisdicional da Constituio nodeve envolver a descrena na democracia. Dito de outra maneira: a com-preenso, actualmentepositiva, do controlo jurisdicional da Constituiono deve tornar-se absoluta. A imagem que reflecte no deve conduzir auma relao negativa com o pluralismo de interesses, com as situaesde conflito limitadas (necessrias), com as contribuies do processopoltico democrtico, e nem sequer conduzir ao no-entendimento, como

    freqentemente acontece na cndida doutrina. Esta reflexo pretendechamar a ateno para o cumprimento das tarefas que correspondem aospolticos, funcionrios, educadores, escritores republicanos, cidados, ou

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    seja, a todos ns, relativamente a nossa ordem de liberdades (sem quetal implique retirar o mrito ao controlo jurisdicional da Constituio). Os

    guardies da Constituio no so apenas os tribunais constitucionais,mas, politicamente, todos ns.

    As reflexes aqui expostas foram tecidas pelo autor em 1979. I. EBSENdesenvolveu-as em 1985(Das BverfG als Element gesellschaftliche Selbs-tregulierung, p. 192) para defender a sua tese de que a determinao dasfunes9 e a justificao do controlo jurisdicional da Constituio devemseparar-se da imagem que as compara com um ponto de Arquimedes externoao processo poltico a partir do qual se pode alcanar segurana para este.O TCFA deveria ser compreendido como uma instncia directiva relativa-mente autnoma, e A. V BRNNECK (prximo destas posies) defende (em

    Verfassungsgerichtsbarkeit in den westlichen Demokrtien, 1992, p. 146)que o controlo jurisdicional da Constituio no encontra o consenso, mascontribui para que o consenso constitucional, que objectivamente est emquesto, seja sempre renovado atravs da validade geral do princpio damaioria no Estado social.

    Resumindo, pode dizer-se que a funo do controlo jurisdicional daConstituio a limitao, racionalizao e controlo do poder estatal e social.Por outro lado, efectiva uma cooperao material para a consecuo do con-senso fundamental e contm uma nova proteco para as minorias e para os

    mais desfavorecidos pela sua capacidade de reaco flexvel e rpida, faceaos novos perigos para a dignidade da pessoa humana, pelo seu carcter,que no exclui os aspectos polticos, e pela sua orientao e capacidade deresposta.10

    4 Princpios processuais: a idiossincrasia do Direito ProcessualConstitucional

    Tudo o que referimos demonstrou que, em larga medida, a inter-pretao do Direito positivo requer pressupostos terico-constitucionais.Estes devemser expostos Eticamente e submeter-se ao discurso cientfi-co e no devem, como freqentemente o faz a opinio dominante, serutilizados de forma encoberta. A pr-compreenso e a escolha do m-

    todo (J. ESSER) em nenhum outro campo jurdico so to problemticascomo no Direito Constitucional do modelo de Estado constitucional. Isto vlido tambm para as questes fundamentais do Direito ProcessualConstitucional.

    9 Entre a literatura tambm D. GRIMM, Verfassungsgerichtsbarkeit, Funktion und Funktinsgrenzen imdemokratischen Staat, em: W. HOFFMANN-RIEM (ed.), Sozialwissenschften im Studiom des Rechts, t.2, 1977, p. 83 ss.

    10 Veja-se o meu voto de discusso en VVDStRL 39 (1981), p. 202. Em geral na literatura: G. ROELLECK,Aufgaben und Stellung des B VerfG im Verfassungsgerichtsbarkeit im Gfge der Staatsfunktionen,VVDStRL 39 (1981), p. 7 ss.

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    a) Os princpios processuais

    Como tribunal, o TCFA deve seguir determinados princpios proces-suais (tal como os tribunais civis, segundo a lei de processo civil) os quaisesto relacionados com determinados princpios, como os da oralidade,publicidade, livre apreciao da prova etc. O TCFA expressamente obri-gado, em virtude do art. 26..1.1 da LTCFA, cuidadosa averiguao daverdade (O Tribunal Constitucional Federal produz as provas necessriaspara a averiguao da verdade). Certamente que difcil saber, num casoconcreto, qual de entre todas as diferentes teorias da verdade ser para oTCFA a mais correcta. Em todo o caso, a posio do tribunal na averiguaoda prova, a sua apreciao e a busca do Direito aplicvel (dilogo jurdico,no sentido de A. ARNDT) coloca exigncias particulares. Numa Constituio

    do pluralismo, o TCFA deve considerar e pesar os prs e os contras dosdiferentes interesses segundo vrias perspectivas, o que tambm se reflectenos instrumentos de participao (por exemplo, nas audincias dos gruposplurais) na sua prtica processual.

    O TCFA, desde muito cedo, considerou-se a si prprio como donodo processo [E 13, 54 (94); 36, 42 (357)1 e observou que deve configurarlivremente o seu processo [E 1, 396 (408)]. Como tribunal constitucionalinstitucional no deve ser avaliado com o mesmo critrio utilizado para os

    tribunais civis e penais ordinrios [E 2, 79 (86)]. No entanto, esta utilizao

    da autonomia de processo, segundo a doutrina dominante na Alemanha,apenas pode entrar em jogo nas reas onde a lei deixe propositadamenteuma lacuna. Tal uma conseqncia do princpio do procedimento devido.Falou-se de uma ligao entre o Direito Processual Constitucional e o DireitoProcessual geral de forma que, no caso de haver lacunas teria de se recorrers normas das restantes ordens processuais. No entanto, deve admitir-seuma peculiaridade do Direito Processual Constitucional.

    b) A idiossincrasia do Direito Processual Constitucional

    Face anterior posio, o autor destas linhas desenvolveu, desde 1973,

    a tese da idiossincrasia do Direito Processual Constitucional.11 Esta consisteno facto de o Direito Processual Constitucional se ter emancipado do Di-reito Processual em sentido prprio e, conseqentemente, no ter ficado merc da teoria das lacunas. As normas da LTCFA e os princpios do DireitoProcessual Constitucional devem ser examinados luzde umainterpretaoespecificamente jurdico-constitucional;trata-se de Direito Constitucionalconcretizado. Tal infere-se da compreenso, aqui defendida, da Constitui-o como processo pblico e da Constituio do pluralismo. A estrutura doDireito Processual Constitucional deve colocar-se na abertura da Constituio,

    11 Sobre a controvrsia acerca da peculiaridade ou especialidade do Direito Processual Constitucional,P. HBERLE, Die Eingenstndigkeit des Verfassungsprozessrechts, JZ 1976, p. 451 ss.; ID., Verfas-

    sungsprozess, p. 62 ss.; K. SCHLAICH, op. cit., p. 42.

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    expresso do paradigma da sociedade aberta dos intrpretes da Consti-tuio. A ligao funcional entre o Direito Processual Constitucional formal

    e o Direito Constitucional material tambm conseqncia do facto de oTCFA ter um carter duplo: um Tribunal e um rgo constitucional. Ainterpretao e concretizao da Constituio nos procedimentos espe-ciais do Direito Processual Constitucional parte da Constituio comoprocesso pblico que impe exigncias especficas de racionalidade ede aceitabilidade. As leis processuais comuns podem comportar muitossaberes jurdicos e experincias, mas o TCFA, em virtude do seu estatuto,pode modific-los. Numa srie de decises recentes, ficou demonstradoque o Tribunal luta contra eles sublinhando o cariz especfico do DireitoProcessual Constitucional [ver E 90, 286 (339 e ss.)]. Por mais que o Tribunal

    se tenha adiantado pragmaticamente ao Direito, a discusso fundamental,na minha opinio, deve resolver-se, e tambm afinar-se, pela cincia, com ointuito de tornar o problema central mais compreensvel. A cincia do DireitoConstitucional alimenta-se da procura (sem compromissos) da verdade, eum tribunal constitucional vive da integrao pragmtica de elementosdasdiversas teorias.

    5 Ex cursus:o controlo jurisdicional da Constituio nos EstadosFederados alemes (Lnder), em especial o modelo do TCFApara os cinco novos Estados

    a) Generalidades

    Em conformidade com a ordem estatal federal da Lei Fundamental, os16 Estados Federados alemes tm o seuprprio carcter de Estado, cons-

    trudo pelas suas prprias Constituies. A esta autonomia constitucionaldosEstados-membros da federao pertence tambm a possibilidade deestabelecer o seu prprio controlo jurisdicional da Constituio. A maiorparte dos Estados Federados (Lnder)fez uso desta autonomia desde muitocedo, com algumas variantes. Embora o TCFA fale de espaos fundamentaisseparados do controlo jurisdicional da Constituio dos Estados Federados(Lnder), por um lado, e da Federao, por outro [E 36, 342 (357); 60, 175(209)], na prtica produzem algumas coincidncias em termos normativos eem termos de competncias. Ora bem, o TCFA procura limitar ao inevitveladependncia dos tribunais constitucionais do Estado Federado (Land).Tal corresponde ao auto-entendimento dos Estados federados (Lnder)que

    tem origem no controlo jurisdicional das suas constituies, o que representaum coroamento da sua autonomia constitucional.

    b) O controlo jurisdicional da Constituio nos onzevelhos Estados Federados(Lnder)

    Os onze velhos Estados Federados (Lnde), ou seja, os quepertenciam Repblica Federal antes da reunificao em 1990, j tinham,

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    na sua maioria, os seus prprios tribunais constitucionais ou tribunaisde Estado.12 O Tribunal Constitucional da Baviera, o Tribunal do Estado de

    Baden-Wrttemberg e o Tribunal Constitucional de Rennia do Nordrhein-Westfalen, ao longo de muitos anos, construram a sua prpria cultura jurdicaem matria de Constituio do Estado federado (Land) a qual teve origemno prprio Estado Federado, que irradiou e criou escola, enriquecendoinclusivamente, nalguns casos, o prprio TCFA.

    Sem pretenses de exaustividade, poder-se-ia citar algumas competn-cias dos tribunais constitucionais do Estado Federado (Land).A Baviera nasua Constituio de 1946, juntamente com o recurso de amparo reguladopelo art. 120. (todo o habitante da Baviera que se sinta lesado nos seus direitos constitucionais por umpoder pblico, pode reclamar a proteco doTribunal Constitucional bvaro), contm a (nica na Alemanha) chamadaaco popular(art. 98..4 da Constituio de Baviera, art. 55. da Lei do Tri-bunal Constitucional da Baviera). Em virtude da mesma, todo o habitante daBaviera pode fazer valer a pretenso de que um preceito jurdico do Direitobvaro limite inconstitucionalmente umdireito fundamental garantido pelaConstituio. Graas a esta aco popular, o Tribunal Constitucional bvaro

    teve apossibilidade de desenvolver uma jurisprudncia prpria e muito ricaem matria de direitos fundamentais, sobretudo nos anos da fundao,imediatamente depois de 1946, em que realizou contribuies pioneiras. En-

    tre as restantes competncias do Tribunal Constitucional da Baviera, podemmencionar-se as seguintes: o conflito entre rgos (art. 64. da Constituioda Baviera), o controlo concreto de normas (art. 65. ibidem) e tambm osconhecimentos das acusaes criminais contra ministros e deputados (art.61.) ou o contencioso jurdico-eleitoral (art. 62. e seguinte).

    No interesse da equiparao federativa entre os Estados, tambm sepode observar o caso da Rennia do Nordrhein-Westfalen. Tambm a suaConstituio de 1950 criou um abundante elenco de competncias parao Tribunal Constitucional (veja-se tambm o art. 12. da Lei do TribunalConstitucional deste Estado Federado, na redaco de 1989) com compe-

    tncias sobre conflitos entre rgos (art. 75..2 da Constituio do EstadoFederado), controlo abstracto e concreto de normas (art. 12..6 e 7 da Leido Tribunal Constitucional da Rennia) e inclusivamente um recurso deamparo municipal (art. 12..8 ibidem). Uma comparao com os restantesEstados Federados [com a excepo da Constituio de Schleswig-Holsteinde 1949 que considera o TCFA tambm como o seu tribunal constitucionalde Estado Federado (art. 44.), o que possvel em virtude do art. 99. da

    12 Entre a literatura: C. STARK; K. STERN (eds.) Landesvefassungsggerichtbarkeit III, 1983; Aspectossingulares sobre os tribunais constitucionais de Estado Federado (certamente sem considerar os Es-tados Federados do Leste) em C. PESTALOZZA, cit., p. 372 ss. Sobre a delimitao de competnciasentre o TCFA e os Tribunais homnimos dos Estados Federados, E. FRIESENHAHN, em C. STARK (ed.)

    Bundervefassungsgericht..., cit., p. 748 ss.

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    Constituio (GC)] tem como resultado, apesar de todas as variantes docontrolo jurisdicional da Constituio dos Estados Federados (Lnder), que

    existe um nvel alemo comum de competncias. Tal no impede que, porexemplo, em questes de direitos fundamentais ou de autonomia municipal,haja uma frutfera concorrncia no sentido de conseguir a melhor jurispru-dncia. O federalismo vivo apenas pode servir para tal.

    c) O controlo jurisdicional da Constituio nos cinco novosEstados Federados (Lnder)

    Nos cinco novos Estados Federados (Lnder) da Alemanha de Leste,depois da mudana de 1989, e, portanto, nas suas desejadas novas Consti-

    tuies, atingiu-se a construo de um forte controlo jurisdicional da Cons-tituio partindo de duas bases. Em primeiro lugar, este esquema aparececomo irrenuncivel garantia do Estado de direito e da democracia, aps asexperincias negativas com o sistema totalitrio do marxismo-leninismo.Em segundo lugar, o TCFA e os tribunais constitucionais de Estados Fede-rados oriundos da Alemanha Ocidental constituram um modelo digno deser imitado. Nas suas Constituies, os novos Estados Federados de Bran-denburgo (1992), Saxnia (1992), Saxnia Anhalt (1992), Thringen (1993) eMecklenburg-Vorpommern (1993), assumiram parcialmente o estatuto alemoocidental do controlo jurisdicional da Constituio, mas tambm criaram, emparte, frutuosas inovaes com as quais prestaram uma contribuio para oulterior desenvolvimento do Direito Constitucional do controlo jurisdicionalda Constituio.

    Vejamos alguns exemplos:Brandenburgo,que tambm foi especial-mente feliz na inovao das partes da sua Constituio delicadas aos direi-

    tos fundamentais e s questes da democracia e do Direito parlamentar, as-sumiu os modelos de conflito entre rgos, do controlo abstracto e concretodas normas, bem como o recurso de amparo (art. 113. da Constituio deBrandenburg). Deve referir-se que ousaram apresentar uma regulamentaoextremamente moderna em matria da eleio dos juzes do Tribunal Cons-

    titucional. Em virtude do art. 112..4.2 da Constituio do Estado Federado,na eleio dos juzes pelo Parlamento do Estado Federado, deve-se ir nosentido de que as foras polticas do Estado Federado estejam represen-

    tadas com adequadas propostas de candidatos. E o art. 112..4.4 solicita,antes da eleio dos juzes, uma audincia dos candidatos numa comissodeterminada pelo Parlamento do Estado Federado. Enquanto que no planofederal,a escolha dos juzes constitucionais (freqentemente criticada) seproduz essencialmente no segredo dos acordos entre partidos polticos,sem que at ao momento se tenha reformado este aspecto, a regulamenta-o de Brandenburgo uma tentativa, digna de meno, de se relacionar

    com oshearingsque se levam a efeito no Senado dos EUA para os candi-datos ao Supremo Tribunal. Ainda ser necessrio esperar para verificarse, na prtica de Brandenburgo, respeitada esta regulamentao.

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    A Constituio da Saxnia-Anhalt menciona no seu elenco de com-petncias (art. 75. da Constituio do Estado Federado) entre outras: a

    competncia do Tribunal Constitucional do Estado Federado para resolveras disputas sobre a tramitao de iniciativas populares, peties popu-lares e decises populares a pedido do requerente, de uma quarta partedos membros do Parlamento do Estado Federado ou do Governo do EstadoFederado e o conflito sobre a constitucionalidade do mandato para inves-

    tigar, dirigido a uma comisso de investigao a pedido de uni tribunal. Oart. 80. da Constituio de Thringen,num amplo elenco de competnciaspara o seu tribunal constitucional, permite constatar um progresso objectivodo Direito do recurso de amparo, formulado (art. 80.. 1ibidem) no espritoda legislao sobre o recurso de amparo federal e da legislao pan-alem

    o recurso de amparo pode ser interposto por qualquer pessoa que consi-dere que o poder pblico lesou os seus direitos fundamentais, os direitosequiparveis aos fundamentais ou os seus direitos cvicos.

    d) O trabalho conjunto de todos os TribunaisConstitucionais no mesmo Estado Federal: as suasfunes tpicas

    Esta panormica superficial permitiu mostrar, j num terrenoespec-fico, apluralidade de regulamentaes jurdicas no Estado Federal alemo.

    Deste modo, o federalismo alemo pode ser destacado pela sua capacidadede abrir uma pluralidade jurdico-cultural. Se a pluralidade cultural constituio smbolo do federalismo alemo, tambm a pluralidade de culturas jurdicas a fora da Alemanha. Aliberdade alem a liberdade federal,todos os ci-dados ganham com ela na Constituio do pluralismo. O marco federal eas suas exigncias de homogeneidade [veja-se o art. 28.. 1 da Constituio(GG)] equilibram-se com a possvel pluralidade dos Estados Federados (Ln-der), inclusivamente no campo do Direito Constitucional ou simplesmente nocampo legal. A cultura alem dofederalismotem a sua expresso no nvel

    jurdico-cultural. Observada em conjunto, produz uma frutuosa concorrncia

    entre os diversos Estados Federados. A Repblica Federal alem aparececomo uma grande oficina em matria de poltica jurdica. Assemelha-se(tal como a Sua, que ainda mais federativa) a um cenrio experimentalcom a possibilidade de que ocorra ensaio e erro (K. POPPER). O controlo

    jurisdicional da Constituio faz parte do mbito, no qual se podem dar essaspossibilidades.

    Talvez se possa extrair uma prudente analogia relativamente comunidade que, no nico mundo do nosso planeta azul Terra, formahoje, como membro, a famlia dos Estados constitucionais. No campo do

    controlo jurisdicional da Constituio, os Estados constitucionais individu-almente considerados no poderiam intercambiar-se de forma suficiente-mente intensiva. Tal vlido tambm para o seu estatuto, organizao e

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    procedimentos, seu Direito Processual e o contedo da sua jurisprudncia.No entanto, o intercmbio e competncia dos diferentes modos de controlo

    jurisdicional da Constituio, dentro de uma federao, poderiam pelo menosconstituir um modelo para todas as culturas constitucionais que esto liga-dasregionalmente. Concretamente: tal como no art. 11..3 da Constituioespanhola (1978) emerge uma ligao cultural especfica com os pases daAmrica Latina (veja-se tambm o art. 15..3 da Constituio portuguesade 1976), entre os pases da Amrica Latina existe uma ligao jurdico-cul-

    tural que abre a possibilidade de dilogos intensivos em matria de controlojurisdicional de uma federao ou dos seus Estados-membros.

    II CONTROLO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS

    1 Referncias histricas e regulao normativa

    O actual controlo jurisdicional da Constituio na Alemanha temcertamente razes histricas desde os tribunais imperiais do Sacro ImprioRomano-Germnico (Tribunal di Cmara Imperial e Conselho do imprio).13

    No sculo XIX,na federao alem e em alguns Estados Federados, existiramprocedimentos especiais (procedimentos de resoluo de controvrsias eTribunal de deciso federal, e Tribunais de Estado em alguns Estados Fe-derados) para solucionar conflitos derivados do Direito Constitucional.14 No

    entanto, este controlo jurisdicional do Estado, na prtica, nem sempre teveeficcia: a soberania dos prncipes continuava a ser demasiado poderosa e,por seu lado, os parlamentos recm-constitudos pretendiam assegurar umaparte dos direitos do povo. A prpria Constituio de Bismarck, de 1871, nopreviu qualquer tribunal estatal, e o tribunal imperial criado em Leipzig, em1879, no estabeleceu qualquer jurisdio constitucional.

    A Constituio Imperial de 1849 (da Igreja de So Paulo de Frankfurt),que nunca entrou em vigor (mas que, como projecto, teve grande influnciaem pocas posteriores), tinha planejado, de forma extremamente previdente,um controlo jurisdicional da Constituio a cargo do tribunal imperial. Este

    texto estabeleceu procedimentos que se anteciparam aos futuros recursos deamparo, conflitos entre rgos constitucionais ou conflitos federais (SecoV, pargrafos 125 a 129 do texto de Frankfurt). A Constituio Imperial deWeimar, de 1919, criou um Tribunal do Estado para o Imprio alemo (art.108.) cuja jurisprudncia, a partir de 1929, est documentada em 6 tomos.Entre as suas competncias, encontravam-se, antes de mais, a resoluodos conflitos entre os rgos de umEstado Federado e dos conflitos federaisentre o Imprio e os Estados Federados. No entanto, a Constituio de Weimar

    13 Sobre isto, M. STOLLEIS, Geschichte dos ffentlichen RechtsinDeutschland, t. I (1988), p. 134 ss.14 Sobre a histria: U. SCHEUNER, Die berlieferung der deutschen Staatsgerichtsbarkeit im 19. Und 20.

    Jahrhundert, in: C. STARK (ed.),Bundesverfassungsgericht..., cit., p. 1 ss.

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    no conheceu um controlo propriamente jurdico-constitucional das leisimperiais e dos conflitos entre rgos constitucionais do Imprio. Apesar

    de tudo, o tribunal imperial, incidentalmente, submeteu reviso judicialas leis federais desde a sua sentena de abril de 1921 (RGZ 102, 161) e defevereiro de 1925 (RGZ 1 1 1, 320).

    A amplitude da contribuio da comunidade cientfica de um pas paraa preparao e acompanhamento do controlo jurisdicional da Constituio demonstrada no papel desempenhado nesta rea pelos professores de DireitoConstitucional da poca de Weimar.15 Os constitucionalistas desenvolveramdiferentes posies conforme a teoria do Estado e da Constituio e segundocada ponto de partida na disputa sobre o mtodo da poca de Weimar: anova orientao antipositivista considerou com cepticismo a capacidade

    da justia para regular conflitos polticos centrais (H. TRIEPEL, R. SMEND)ou recusou-a, depositando a sua confiana no poder da ditadura do Presi-dente do Imprio (C. SCHMITT). De um modo geral, julgaram positivamenteo controlo de normas exercido acidentalmente. HANS KELSEN assumiuuma posio especial (apesar ou por causa do seu positivismo?). Comodemocrata convicto, tomou posio a favor de um controlo jurisdicional daconstitucionalidade totalmente efectivo: tanto por motivos lgico-jurdicos(para assegurar a proeminncia da Constituio) como poltico-jurdicos(proteco das minorias na democracia).16

    A (auto)destruio da Repblica de Weimar no foi impedida peloterceiro poder. O nacional-socialismo recusou o controlo jurisdicional daactividade do Estado como expresso da democracia liberal e como re-quisito da Constituio parlamentar, bem como a reviso judicial das leis,esta ltima com o argumento de que a leiFhreremtodas as suas formas necessariamente vinculativa para os juzes.

    Tambm deste modo se preparou o terreno para o controlo jurisdi-cional da constitucionalidade introduzido na Lei Fundamental de 1949. Asexperincias negativas com um regime totalitrio e a construo de umademocracia pluralista vinculada proteco das minorias, a f na proemi-

    nncia da Constituio e alguns conceitos jusnaturalistas, incentivarama gnese e o desenvolvimento do controlo jurisdicional da Constituio naFederao e na Lei Fundamental (e, j antes, nos Estados Federados daAlemanha Ocidental). As regulamentaes normativas desta matria e o seudesenvolvimento pela jurisprudncia e pela doutrina falam por si s.

    15 Sobre isto A RINKEN, observao preliminar ao art. 93., n margem 35 ss., emAlternativ..., cit. textosclssicos acerca do controloda constitucionalidade foram jimpressos por P. HBERLE (ed.), Verfas-

    sungsgerichtbarkeit, 1976, emespecial H. TRIEPEL (1929), H. KELSEN (1929), C. SCHIMITT (1929), E.KAUFMANN (1952), J. M. WINTRICH (1956) e R. SMEND (1963) ibid, p. 463-475 tambm uma selecode bibliografia at1976.

    16 Veja-se H. TRIEPEL; H. KELSEN wesen und Entwiclungder Staatsgerichitsbarkeit VVDStRL 5 (1929),p. 1 ss. y, 30 ss.; C. SCHIMITT, Das Reichsgericht als Hter der Verfassung (1929), em: ID., Verfassun-gsrechtliche Aufstze, 1973 (2 ed.), p. 63 ss.

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    2 Tipos de controlo

    O controlo da constitucionalidade dos actos estatais encontra-seconfigurado distintamente, perante o Tribunal Constitucional, segundo osdiversos procedimentos que foram j mencionados.17

    a) Controlo de decises judiciais

    Este controlo possvel atravs do procedimento de recurso de amparo(art. 93..1.4.a da Constituio). A pedido de um cidado ou tambm de umgrupo de pessoas (por exemplo, uma associao ou um sindicato, segundo oart. 19..3 da Constituio), o TCFA examina se um Tribunal, no procedimen-

    to seguido perante ele, ou na interpretao e aplicao do Direito, lesou ou

    descurou de forma antijurdica direitos fundamentais ou direitos equiparveisaos direitos fundamentais: so as chamadassentenas dos recursos de am-paro. Desta forma, so revistas as sentenas das cinco ordens jurisdicionais(cvel-penal, contencioso, laboral, financeira e social). O TCFA no constituium tribunal de instncia superior adicional a estas ordens (no uma ins-

    tncia de super-reviso). Examina as decises dos tribunais que esgotama via judicial em ltima instncia mas apenas segundo o critrio especialda Constituio. O Tribunal, cuja deciso tenha sido anulada, dever voltara julgar (veja-se o art. 95..2 da LTCFA).

    b) Controlo do ExecutivoO Tribunal, a pedido de um cidado ou de outro titular de direitos

    fundamentais, averigua se o Executivo (Governo ou Administrao) lesouou descurou antijuridicamente direitos fundamentais com a sua actuao(ou tambm com a sua omisso). A regra consiste no facto de ser necessrioutilizar a via assinalada no art. 19..4 da Constituio (GG), antes de usaro recurso de amparo, ou seja, necessrio esgotar a via judicial ordinria.Contra a sentena ditada em ltima instncia, possvel uma sentena dorecurso de amparo. Apenas excepcionalmente aberto o recurso de amparo

    de forma imediata (sem ter esgotado a via judicial) contra uma deciso doExecutivo.

    c) Controlo dos actos legislativos

    O controlo jurisdicional da legislao (K. SCHLAICH) especialmen-te importante naConstituio (GG). Esta assegura a primazia da Constitui-o tambm face ao legislador formal (Parlamento) e material. O controlo dasnormas perante o TCFA pode ser efectuado:

    17 Veja-se para o seguinte, cit., SCHLAICH, cit. 4 ss. Sobre os tipos de procedimentos do TCFA: W. LWER,Zustndigkeiten und Verfahrensarten des BVerfG, em:Handbuch des Staatsrechts..., cit., t. II, 1987,p. 737/744 ss.); A. RINKEN, Comentrio ao art. 93, em cit., p. 1028 ss.

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    atravs do recurso de amparo interposto por um titular de direitosfundamentais (ou imediatamente contra uma lei ou mediatamente

    atravs da sentena do recurso de amparo); por proposta de um tribunal, que tenha de aplicar a norma num caso

    concreto, se esta for inconstitucional (art. 100. da Constituio(GG); questo de inconstitucionalidade);

    a pedido de umGoverno da Federao, de um Estado Federado oude umtero dos deputados do Parlamento (Bundestag)[atravsda via do controlo abstracto de normas previsto no art. 93.. 1.2.da Constituio (GG) ou indirectamente atravs do conflito entrergos previsto no art. 93...1.3 da Constituio (GG)];

    pela via dos conflitos federais, segundo o art. 93...2.3. da Consti-tuio (GG) e o novo art. 93...1.2.a da Constituio.

    d) Resoluo de conflitos entre rgos constitucionais

    A actuao do Estado tambm pode ser julgada sob o critrio da Cons-tituio (GG) pelo TCFA tambm no procedimento do conflito entre rgos(art. 93...1.1 da Constituio e, para os conflitos federais, art. 93...1.3 daConstituio). Atravs da vinculao dos rgos constitucionais Consti-

    tuio consegue-se que estes possam ser controlados jurisdicionalmente deforma directa. As partes no conflito podem ser oBundestag, oBundesrat, umdeputado ou um partido poltico. Deste modo, o TCFA resolve, por exemplo,a questo sobre a constitucionalidade da dissoluo antecipada do Parla-mento pelo Presidente da Repblica (veja-se E 62.1). A isto, acrescentam-seos conflitos federais entre a Federao e os Estados Federados.18 O TCFA,na sua prtica de 45 anos, aproximou entre si os diferentes procedimentos.Por isso, hoje em dia, o controlo jurisdicional da constitucionalidade podedefinir-se como a jurisdio independente sobre questes constitucionais(E. FRIESENHALM) ou como jurisprudncia imediata em matrias consti-

    tucionais.

    3 A distribuio do controlo da constitucionalidade: o TCFA e oschamados tribunais especializados

    O controlo da constitucionalidade est repartido na Constituio (GC):tambm os tribunais especializados19 esto vinculados Constituio (arts.1...3 e 20...3 da Constituio) e sua aplicao. Em virtude do art. 100...1 daConstituio (GG), se os tribunais chegarem convico de que leis formais(do Parlamento) ps-constitucionais contradizem a Constituio, devem

    18 Sobre os restantes procedimentos como acusao do Presidente da federao, proibio de partidos,escrutnio, supra II.2.B.

    19 Sobre isto W. R. SCHENKE, Verfasstongsgerichtsbarkeit Fachgerichtsbarkeit, 1987.

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    colocar ao TCFA a questo de inconstitucionalidade (controlo concreto denormas em relao com o monoplio de anulao do TCFA). Relativamen-

    te s restantes normas, so os prprios tribunais que decidem de formapontual, seja sobre a constitucionalidade dos regulamentos e dos actosadministrativos, seja sobre tudo o que se relaciona com as chamadas leisparlamentares pr-constitucionais publicadas antesda entrada em vigor daConstituio (veja-se E 2, 124 [128 e ss.]:70, 126[129]).20

    Apenas o TCFA est capacitado para efectuar o controlo abstracto denormas (art. 93...1.2 da Constituio). O Tribunal examina ora a compatibili-dade formal e material com a Constituio (GG) do Direito Federal (incluindoos regulamentos e actos administrativos) ou do Direito de um Estado Fede-rado, ora a compatibilidade do Direito de um Estado Federado com o Direito

    especial da Federao a pedido do Governo Federal, do Governo de um Es-tado Federado ou de um tero dos membros do Parlamento (Bundestag).Ainterpretao das leis em conformidade com a Constituio (veja-se E 266[282]: 48, 40 [45 e seguinte])21 abre a todos os tribunais um campo adicionalde responsabilidade nas suas tarefas de interpretao.

    4 Legitimao processual

    a) Generalidades

    Aqui devem distinguir-se os diversos tipos de procedimentos. Apenasno recurso de amparo (ver a terceira parte), o acesso ao TCFA um direitode todos; nos restantes processos, h determinados interessados, ou seja,privilegiados, que podem recorrer ao TCFA. A Lei Fundamental e a LTCFAfixam com grande pormenor quem est legitimado processualmente emcada caso. Novamente, aqui se mostra em que medida o Direito ProcessualConstitucional um direito de participao. A possibilidade de iniciar oude tomar parte num processo perante o TCFA abre a via para influenciar ainterpretao da Constituio feita pelo tribunal. Por outro lado, a decisoda Constituio (GG) e do legislador da LTCFA, em matria de legitimao

    e participao processual, fundamenta-se na tese de que determinados r-gos constitucionais, grupos e indivduos so importantes para o processoconstitucional em sentido estrito (formal) e em sentido lato (a Constituiocomo processo pblico).

    Dado que, em virtude do princpio do inquisitrio estabelecido no art.26...1.1 da LTCFA, o tribunal produz a prova necessria para a averigua-o da verdade, possvel que, para alm das partes expressamentemencionadas durante o processo, sejam recolhidas opinies e informaes,

    20 Os tribunais constitucionais de Estado Federado tem o seu prprio mbito de competncias que, no

    caso de dissenso sobre a Constituio (GG), por evidentemente tambm acarretar o BverFG: art.100...3, da Constituio GG.

    21 Entre a literatura K. HESSE, Grundzge..., cit., nota margem 79 e ss.

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    por exemplo, de outros tribunais, associaes ou rgos constitucionais, paraconseguir um melhor conhecimento da causa. Existem numerosos exem-

    plos em que o TCFA contou com a participao de muitos rgos, foras ougrupos. Nos procedimentos do controlo concreto de normas (art. 100.. daConstituio), o prprio Direito Processual Constitucional positivo ampliaespecialmente o crculo dos legitimados para serem ouvidos (art. 82.. daLTCFA; na prtica, ultimamente, E 91, 1 e ss., que efectua um inquritoem doze clnicas,ibidem pgina 22 e ss.).

    b) Exemplos seleccionados

    a) Controlo abstracto de normas. Nestes procedimentos, apenas oGoverno Federal, o Governo de um Estado Federado ou um tero

    dos membros do Parlamento (Bundestag) esto legitimados parainiciar a aco (art. 93...3.2 da Constituio (GG); arts.13...6 e 76..da LTCFA). Este privilgio de determinados rgos constitucionaissentido. O controlo abstracto de normas, pela sua finalidade (sobre-

    tudo em face do Direito da Federao ou de um Estado Federado),implica uma competncia muito ampla de controlo do TCFA. Pelosseus efeitos, pode ter importantes conseqncias (declarao denulidade da norma controlada segundo o art. 78.. da LTCFA). Daque, conseqentemente, se conceda o direito a serem ouvidos aosrgos da Federao ou do Estado Federado afectado (art. 77.. daLTCFA).

    b) Conflito entre rgos constitucionais. Este procedimento apenaspode ser posto em marcha por um exclusivo e limitado nmero desujeitos. Em virtude do art. 93...1.1 da Constituio (GG) e dosarts. 13...5 e 63.. da LTCFA, so os seguintes: o Bundestag, oSenado (Bundesrat), o Governo Federal e as fraces ou partes doBundestagou do Senado (Bundesrat) que, em virtude da Consti-tuio (GG) ou dos regulamentos parlamentares dessas cmaras,estejam munidos de direitos prprios. O pedido apenas ad-

    missvel quando o requerente fizer valer que ele ou o rgo deque faz parte foi lesado ou colocado em perigo de forma imediatanos direitos e deveres que lhe confere a Constituio (GG) porcausa de uma medida ou de uma omisso do requerente (art.64...1 da LTCFA). Outros sujeitos legitimados segundo o art. 63..da LTCFA podem ser includos no procedimento, em virtude doart. 65.. da LTCFA, quando a deciso tiver repercusses tambmpara a delimitao das suas competncias. Atravs do conflitoentre rgos, o TCFA conseguiu uma competncia de grandeenvergadura: muitas relaes entre rgos constitucionais so

    corrigidas. O TCFA est fortemente relacionado com o processopoltico ao qual proporciona equilbrio. Na prtica seguida at omomento, tal foi assegurado no conflito entre rgos.

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    c) Conflitos entre a Federao e os Estados Federados. Nestes proces-sos (arts. 93...1.3 e 84...4.2 da Constituio (GG); arts. 13...7 e

    68.. da LTCFA), apenas podem ser requerentes e requeridos: porparte da Federao, o Governo Federal; e por parte de um EstadoFederado, o respectivo Governo. O TCFA relaciona-se aqui direc-

    tamente com o desenvolvimento do federalismo como uma peada separao vertical e horizontal de poderes.

    III O RECURSO CONSTITUCIONAL PARA O TCFA (ART.93..1.4.A DA CONSTITUIO)

    1 Antecedentes e histriaA rainha das vias de acesso ao TCFA o recurso de amparo individual

    est fortemente relacionada com o desenvolvimento da idia de Estado deDireito na Alemanha. Um degrau textual neste caminho encontra-se no art.126...g) eh) do projecto de Constituio da Igreja de So Paulo de Frankfurt(1849), bem como na Constituio de Baviera, de 1919. Os pais e as mes daConstituio (GG) de 1949 tinham discutido sobre um recurso de amparo, masno conseguiram fixar esta idia na sua obra. Foi, pela primeira vez, em 1951,quando se introduziu na LTCFA, e em 1969, quando j se tinha convertidonum instituto de sucesso, que se enraizou na Constituio (GG) como o novo

    art. 93...1.4.a) eb), como compensao pelos preceitos relativos ao estadode excepo introduzidos na altura. No entanto, o legislador foi, ao mesmo

    tempo, habilitado para prever o esgotamento da via judicial ordinria comopressuposto do recurso de amparo, bem como para estabelecer um procedi-mento especial de admisso do mesmo. Neste tempo, o recurso de amparoprevisto na Constituio (GG) converteu-se num modelo, discutido em Itliae em Frana, que tem o seu irmo nos procedimentos derecurso de amparoda Amrica Latina e que acolhido sem excepo nas novas Constituiesdos Estados Federados da Alemanha Oriental depois da mudana de 1989(por exemplo, art. 80...1.1 da Constituio de Thringen, de 1993). O art.

    93...1.4.a) da Constituio (GG) refere:O TCFA decide... sobre os recursos de amparo que podem ser inter-

    postos por qualquer pessoa que considere que o poder pblico lesou umdos seus direitos fundamentais ou um dos direitos contidos nos arts. 20...4,33.., 38.., 101.., 103.. e 104.. (da Constituio).

    Graas s exigncias simples de acesso a este procedimento sointerpostos cerca de 3 a 4 mil recursos de amparo todos os anos, dos quaisapenas tm xito cerca de 1,2%. Esta reduzida quota de xito no alteraa histria exemplar do sucesso do recurso de amparo como instituto. Pelo

    contrrio, transforma o Estado constitucional da Constituio (GG) numEstado dos direitos fundamentais e a sua sociedade numa sociedade dosdireitos fundamentais na medida em que questes fundamentais tm sido

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    freqentemente decididas em grandes sentenas ditadas pela via do art.93...1.4.a da Constituio (GG) e em que o recurso de amparo se tem fixado

    na conscincia dos cidados.

    2 O papel e a funo actuais do recurso de amparo: o TribunalConstitucional como tribunal cvico

    O recurso de amparo pode ser interposto por qualquer pessoa semnecessidade de assistncia de um advogado, o que transforma o alto sig-nificado simblico dos direitos fundamentais (comeando pela protecoda dignidade humana no art. 1...1) da Constituio em algo efectivo. Destemodo, o significado elementar dos direitos fundamentais, tantas vezes

    citado, vive-se e torna-se efectivo na prtica. A histria constitucional daConstituio (GG) , em grande parte, a histria dos direitos fundamentais,e o TCFA descobriu sempre novos mbitos para os direitos fundamentais epara depurar a idia destes direitos. Muitas iniciativas da cincia (teoriasdos direitos fundamentais) foram introduzidas como peas de um mosaicona prtica dos direitos fundamentais elaborada pelo TCFA. Tambm no sen-

    tido contrrio, esta prtica motivou novos desenvolvimentos tericos. Sem aspossibilidades que abre o recurso de amparo dificilmente se teria chegado aofecundo dilogo (reconhecido inclusivamente noutros pases europeus) entrea cincia dos direitos fundamentais e a prtica destes direitos pelo TCFA. 22

    As experincias com o sistema totalitrio do Estado nacional-socia-lista permitiram que o TCFA, apoiado pela opinio pblica da comunidadecientfica e da sociedade em geral, tenha assegurado os direitos fundamen-

    tais da forma mais eficaz e ampla possvel e tenha afirmado seriamente aprimazia da Constituio e dos direitos fundamentais (veja-se os arts. 1...3e 20...3 da Constituio). Os direitos fundamentais so apresentados como seu duplo carcter: como direitos subjectivos e como elementos de umordenamento objectivo. Assim se consideram, por exemplo, as liberdadesde opinio e de imprensa (art. 5...1 da Constituio) como constitutivas deuma democracia livre, relativamente qual constituem uma base funcional

    (veja-se sobre este assunto E 7, 198). Tambm desta forma, o matrimnio ea famlia (art. 6.. da Constituio (GG); ver E 6, 55), a propriedade e a he-rana (art. 14.. da Constituio) formam os fundamentos do ordenamento

    jurdico-privado. De igual modo, os direitos fundamentais para a criaoartstica e cientfica (art. 5...3 da Constituio, ver E 77, 240 e E 35, 79), afamlia (art. 6...1 da Constituio) e a formao de grupos sociais (art. 9...1da Constituio; ver E 84, 372 [378]) so aspectos parciais da vida socialimportante para toda a comunidade. Finalmente, o TCFA aprofunda

    22 A literatura inabarcvel, veja-se K. HESSE, Grundzge..., cit. K. STERN,Das Staatsreht..., cit., t. III-2Allgemeine Lehren der Grundrechte; J. ISENSEE; P. KIRCHHOF (eds.),Handbuch, cit., t. V Allge-meine Grundrechtslehren; P. HBERLE,Die Wesnsgehalt, cit.; ID.: Grundrechte im Leistungstaat,VVDStRL 30(1972), p. 43 ss.

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    constantemente a ligao de todos os direitos fundamentais com a garantia da

    dignidade humana (art. 1...1 da Constituio; ver E 7, 198 [205]). Deste modo,

    na Constituio (GG) resolve-se a tenso indivduo-comunidade, no sentidode uma ligao e vinculao da pessoa comunidade (E 65, 1 [44]).

    No pode ser aqui enunciada a complexa arquitectura elaborada pelo

    TCFA relativamente aos direitos de liberdade, tanto geral (art. 2...1 da Cons-

    tituio (GG); ver E 6, 32), como especial (por exemplo, art. 8.. da Constitui-

    o (GG) liberdade de reunio; ver E 69, 315), relativamente aos direitos de

    igualdade geral (E 1, 144 [52]; 76, 256 [329]) ou especial (arts. 3...1 e 6...5

    da Constituio: igualdade dos filhos matrimoniais e extramatrimoniais),

    relativamente garantia de habeas corpus (art. 104.. da Constituio) ou

    as diferenciaes na sistematizao dos limites dos direitos e na proteco

    absoluta dos direitos fundamentais (art. 19...2 da Constituio (GG): protec-

    o do contedo essencial). Basta assinalar que o recurso de amparo abre

    a porta para uma proteco formal e material dos direitos fundamentais,

    algo que poucos princpios constitucionais conseguiram. O recurso de amparo

    desenvolveu uma importante funo integradora dos cidados (e tambm de

    proteco das minorias), estimulou a aceitao da Constituio (GG) pelo povo

    e, enquanto direito de todos, amadureceu um efeito educativo geral (K. ZWEI-

    GERT) relativamente aos rgos do Estado devido ao seu efeito vinculativo

    (art. 31.. da LTCFA). Estes rgos so educados na lealdade Constituio

    e exercitam diariamente a actuao em conformidade com a Constituio e

    com os direitos fundamentais (ver art. 1...3 da Constituio).

    Daqui se depreende que a funo da Constituio na proteco dosdireitos fundamentais individuais (subjectivos) apenas uma faceta dorecurso de amparo. Este tem uma duplafuno, subjectiva e objectiva, con-sistindo esta ltima em assegurar o Direito Constitucional objectivo (E 33,247 [258 e seguinte], ver tambm E 85, 109 [113]). Por esta razo, o recursode amparo pode ser considerado como extraordinrio, como o ltimo esubsidirio auxlio jurdico dos cidados, graas ao qual podem defender-se dos ataques do poder pblico aos seus direitos fundamentais (E 18, 315

    [325]). Depois do esgotamento de todas as possibilidades, resta ao cidadoo caminho para o TCFA como ltimo asilo (W. BHMER). Da que se tenhafeito um uso considervel deste por parte dos requerentes. Deste modo, oTCFA funciona como um tribunal cvico.

    3 Ex cursus: Estruturas (dimenses, funes) dos direitosfundamentais segundo o critrio jurisprudencial do TCFA: umapanormica

    O esprito do TCFA nos problemas relativos aos direitos funda-

    mentais, resolvido na maior parte das vezes com o aplauso da doutrina, podeexpressar-se atravs de alguns exemplos. Apenas sobre esta base materialse podem entender os problemas concretos que coloca o Direito Processual

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    Constitucional e, em especial, o recurso de amparo. Deste modo, a dignidadehumana, no sentido do art. 1...1 da Constituio (GG), o valor supremo

    da Constituio (E 32, 98 [108]). Tambm aqui se inclui o regresso ao passadorelativamente elevao metafsica do Estado, seja na filosofia de HEGEL, ounas formas totalitrias. A pessoa nunca deve ser utilizada como um instru-mento (I. KANT), no deve ser convertida num simples objecto do Estado(E 45, 187 [228]). Deste modo, garantido pessoa um mbito inviolvel deconfigurao da sua vida privada, do qual est excluda a intromisso dopoder pblico (E 27, 1 [6]; ultimamente, E 90, 145 [171]). Segundo uma juris-prudncia constante do TCFA, os preceitos sobre direitos fundamentais nos contm direitos de defesa subjectivos do indivduo face ao poder pblico,como representam, ao mesmo tempo, decises valorativas jurdico-objecti-

    vas (49, 89 [141 e seguinte]). A partir da, o TCFA examina se foi observada(por exemplo, pelo legislador ou pelo juiz) a eficciamediatainter privatosdos direitos fundamentais em todos os mbitos do Direito (ver E 73, 261[268]). A eficciainter privatosmediata significa que os direitos fundamentaisvinculam tambm os sujeitos privados acima dos preceitos gerais do DireitoCivil (E 7, 198). Deste modo, por exemplo, a liberdade de imprensa do art.5.. da Constituio (GG) manifesta uma eficciainter privatosmediata nocaso do boicote a um jornal por parte de uma grande editora (E 25, 56 [263e ss.]). At a data, aliberdade de radiodifuso e televiso foi especialmentefortalecida e encarada em termos de pluralismo por 8 sentenas (desde a

    E 12, 205 at recentemente as E 90, 60; 91, 125). O mesmo se pode dizer daliberdade de informao (por exemplo, 90, 27 [31 e ss.]). Neste contexto, tam-bm se pode incluir o genrico direito fundamental ao processo derivadoda pretenso deprocesso transparente (por exemplo, E 38, 105 [111]; 78, 123[126]), bem como o 11 mandato de jogo limpo com respeito pelo Estado dedireito (E 91, 176 [183]). Finalmente, necessrio referir a teoria dos deveresfundamentaisdo Estado, especialmente em relao vida e integridadecorporal (E 39, 1 [42 e ss.]).

    Este trabalho de atribuio de eficcia ao contedo dos direitos fun-damentais tambm se pode apreciar na delimitao dos limites permitidos.Estes apenas podem ser circunscritos pela Constituio. Os direitos funda-mentais e os bens jurdicos limitadores destes (por exemplo, a protecoda juventude contra a liberdade de imprensa, tem a ver com a protecoda personalidade) devem ordenar-se mutuamente de modo proporcionalno sentido de uma concordncia prtica (K. HESSE). O princpio de pro-porcionalidade aqui relevante (E 19, 342 [348 e ss.]; 65, 1 [44]). Assim,nas relaes de sujeio especial (por exemplo, os presidirios), os direitosfundamentais apenas so limitveis quando tal seja indispensvel para aconsecuo de um fim geral ao abrigo da ordem de valores da Constituio(GG) (E 33, 1 [9 e ss.]).

    Para ilustrar o trabalho prtico efectuado pelo TCFA para dotar emparticular os direitos fundamentaisde eficcia, pode citar-se como exemplo

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    o art. 6.. da Constituio (matrimnio famlia). A deciso pioneira, E 6,55 (do ano 1957), refere o seguinte: o art. 6...1 da Constituio (GG) no

    apenas um direito fundamental clssico para a proteco das esferasprivadas especficas do matrimnio e da famlia bem como uma garantiainstitucional, mas constitui tambm uma norma fundamental, ou seja, umadeciso valorativa vinculativa para todo o Direito Pblico e Privado que afecteo mbito do matrimnio e da famlia (ver tambm E 80, 81 [92 e seguinte]).Neste aspecto, o TCFA desenvolveu pelo menos trsdimenses num direitofundamental. igualmente rica a fora efectiva do art. 3.. da Constituio(princpio de igualdade). O princpio de igualdade geral torna-se vulnervelquando, para estabelecer uma diferenciao, no se encontra um funda-mento racional derivado da natureza das coisas ou que seja objectivamente

    evidente, mas, pelo contrrio, a regulao deve ser qualificada de arbitrriapara uma considerao orientada idealmente para a justia (jurisprudnciaconstante desde E 1, 14 [52]; 76, 256 [329]).

    O TCFA, na sua tarefa de tipificao e generalizao, para alm desta