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Paulo Raimundo Stering Malta Miqueias de Melo Lobo Uma prova do Teorema Fundamental da ´ Algebra CAMPINAS 2014 1

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  • Paulo Raimundo Stering MaltaMiqueias de Melo Lobo

    Uma prova do Teorema Fundamental da Algebra

    CAMPINAS

    2014

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  • Sumario

    Introducao 1

    1 Preliminares 2

    1.1 Estrutura de grupos finitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

    1.2 Extensoes de corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

    2 O Teorema Fundamental da Algebra 6

    2.1 Uma prova de que C e algebricamente fechado . . . . . . . . . . . . . . . . 6

    Referencias 9

  • Introducao

    Durante o seculo XIX, um dos problemas que mais intrigavam os matematicos

    era a busca de um metodo para obtencao de raizes de um polinomio. Ja eram descobertos

    metodos para encontrar solucoes para polinomios ate grau 4, mas de grau maior ainda

    nao se sabia uma resposta. Durante uma vida curta e conturbada, Evariste Galois deu

    uma prova de que nao era possvel obter uma solucao por radical para polinomios de grau

    maior ou igual que 5, e suas ideias correspondem hoje pelo que conhecemos como Teoria

    de Galois. Porem este resultado utilizava tecnicas tao inovadoras que foi incompreendido

    pelos matematicos da epoca.

    Posteriormente, Gauss prova em sua tese de doutorado o Teorema Fundamental

    da Algebra, que garante que qualquer polinomio complexo possui uma raiz complexa.

    Apesar de seu nome levar a palavrafundamental, este resultado nada tem de impac-

    tante para as teorias atuais da Algebra, o ttulo se deve ao fato de que na epoca se

    buscava compreender como era possvel obter raizes de polinomios. Atualmente, varias

    provas diferentes sao conhecidas para este teorema, porem nenhuma delas utiliza somente

    resultados algebricos, de alguma maneira essas provas valem-se de resultados analticos.

    Isto se deve ao fato de ser um problema que envolve obtencao de raizes para um corpo

    completo, isto e, que em sua construcao sao utilizados conceitos analticos. Neste texto

    apresentaremos uma prova do Teorema Fundamental da Algebra que utiliza o maximo de

    argumentos algebricos, no caso resultados da Teoria de Galois.

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  • Captulo 1

    Preliminares

    Neste captulo vamos enunciar os resultados necessarios para a demonstracao

    do resultado principal, o Teorema Fundamental da Algebra. Neste caminho tambem

    definiremos os conceitos algebricos necessarios para se utilizar na prova.

    1.1 Estrutura de grupos finitos

    Dentre as estruturas algebricas uma das mais bem conhecidas sao os grupos

    finitos. Devido a isto surge a ideia de Galois, onde atraves do problema de conhecer a

    estrura de corpos, qual e mais complicada, ele estabelece condicoes para que se possa

    fazer correspondencia com grupos, quais tem estrutura mais simples. Na proxima secao

    enunciaremos este resultado, conhecido como a correspondencia de Galois.

    Definicao 1.1. Um conjunto nao vazio G e dito um grupo se em G esta definida uma

    operacao binaria . que satisfaz as seguintes propriedades:

    1) Para todo a, b G o elemento a.b G; (operacao fechada)

    2) Para todo a, b, c G vale (a.b).c = a.(b.c); (associatividade)

    3) Existe um elemento e G tal que a.e = e.a = a, para todo a G; (elemento neutro)

    4) Para todo a G, existe um elemento a1 G tal que a.a1 = a1.a = e (elementoneutro)

    Caso um grupo G possua a propriedade:

    Para todo a, b G vale a.b = b.a (comutatividade)

    Entao G e dito um grupo abeliano.

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  • Preliminares 3

    Um conjunto H G e dito um subgrupo caso este conjunto ainda mantenha umaestrutura de grupo.

    Quando dado um subgrupo H de um grupo G fixamos um elemento g G,podemos considerar o subconjunto gH = {gh; h H}. Este subconjunto tambem seraum subgrupo de G, mas nem sempre valera gH = Hg = {hg; h H}. Quando estacondicao ocorre, este subgrupo e dito um subgrupo normal.

    Definicao 1.2. Seja G um grupo e p um numero primo. Um subgrupo H de G e dito um

    p-subgrupo de Sylow se H possui ordem pn, para algum inteiro nao-negativo n, e n e a

    maior potencia de p tal que pn divide a ordem de G. (Em outras palavras, n e o expoente

    do primo p na fatoracao de |G|).Para grupos finitos, atraves dos teoremas a seguir conseguimos garantir existencia

    de subgrupos conhecendo-se sua ordem. O resultado principal e devido a Sylow.

    Teorema 1.3 (Sylow). Seja G um grupo finito e p um numero primo que divide a ordem

    de G. Entao G possui um p-subgrupo de Sylow.

    Lema 1.4. Seja G um grupo finito tal que |G| = pn, em que p e um numero primo. Entaoexiste uma cadeia de subgrupos:

    G = H0 > H1 > ... > Hn = {id}

    tal que Hi+1 e subgrupo normal de Hi e [Hi : Hi+1] = p, onde a ultima notacao denota o

    ndice de Hi+1 sobre Hi, isto e, o numero de elementos gHi+1 distintos, com g Hi.

    1.2 Extensoes de corpos

    Uma estrutura de bastante importancia na teoria de Galois sao os corpos, cuja

    definicao daremos nesta secao junto com os resultados necessarios para a prova principal

    que concernem a esta teoria.

    Definicao 1.5. Um conjunto F e dito um corpo se podemos associar a este conjunto duas

    operacoes binarias + e . de modo que:

    (F,+) e grupo abeliano, onde denotamos 0 o elemento neutro deste subgrupo.

    (F \ {0}, . ) e um grupo abeliano, onde denotamos por 1 o elemento neutro destegrupo.

    A operacao . e distributiva em relacao a +, isto e, para todo a, b, c F valem asseguintes relacoes:

    a.(b+ c) = a.b+ a.c, (a+ b).c = a.c+ b.c

  • Preliminares 4

    Se K F e K tambem e um corpo, entao dizemos que K e uma extensao de F ,onde denotamos por K : F .

    Se K : F e uma extensao, entao temos que KF e um espaco vetorial sobre o

    corpo F . Logo podemos indagar sobre a dimensao deste espaco. Se dimFK < , entaodizemos que esta extensao e finita. Caso esta dimensao seja n, denotamos por [K : F ] = n

    o grau desta extensao. Se o grau da extensao nao e finito, entao dizemos que a extensao

    e infinita. Alem disso, se F K L sao corpos, podemos concluir com argumentos deAlgebra Linear que [L : F ] = [L : K][K : F ].

    Definicao 1.6. Seja K : F uma extensao e : K K um automorfismo. Se |F =id, entao este e dito um F -automorfismo. O conjunto de todos os F -automorfismos e

    denotado por Gal(K|F ), o qual e um grupo, dito grupo de Galois da extensao K : F .

    Observe que se f F [x] e um polinomio, K e tal que f() = 0 e e umF -automorfismo, entao f(()) = 0.

    Seja H um subgrupo de Gal(K|F ), podemos associar a este subgrupo um corpoF(H) = {b K;(b) = b, H}. De fato, este conjunto e um corpo, o qual chamamosde corpo fixo por H.

    Reciprocamente, se F L K e L e um corpo intermediario, tambem podemosassociar um grupo Gal(K|L) e neste caso este e um subgrupo de Gal(K|F ).

    Se H e um subgrupo de Gal(K|F ), nem sempre H = Gal(K|F(H)). Do mesmomodo, se F L K, entao nem sempre L = F(Gal(K|L)). Na verdade e possvelmostrar que vale H Gal(K|F(H)) e L F(Gal(K|L)). Alem disso, se tomarmos oreticulado dos subgrupos de Gal(K|F ) e dos subcorpos intermediarios a K : F , entao estacorrespondencia reverte ordem. A seguir iremos definir as hipoteses que permitem tornar

    esta correspondencia injetiva, o qual e o enunciado da correspondencia de Galois.

    Proposicao 1.7. Seja F um corpo e f F [x] irredutvel. Entao existe uma extensao Kde F de modo que existe K tal que f() = 0. Alem disso [K : F ] = f , o qual aultima notacao denota o grau de f .

    Temos que se f F [x] e um polinomio de grau n, entao f tem no maximo n razes.Alem disso, existe uma extensao L de F de modo que todas as raizes deste polinomio

    estao em L. O menor corpo que satisfaz esta propriedade e dito corpo de decomposicao

    de f , e esta extensao possui grau no maximo n!, neste caso dizemos que f se decompoe

    em L.

    Definicao 1.8. Uma extensao finita K : F e dita normal se para todo polinomio irre-

    dutvel f F [x], f se decompoe em K.

  • Preliminares 5

    Se f F [x] e um polinomio irredutvel, nem sempre as raizes deste polinomio saodistintas em seu corpo de decomposicao. Caso elas sejam distintas, entao este polinomio

    e dito separavel.

    Dado uma extensao K : F e K, entao existe um polinomio de menor grau,monico e irredutvel m,F F [x] tal que m,F () = 0. Neste caso dizemos que m,F e opolinomio minimal de .

    Definicao 1.9. Seja K : F uma extensao e K. O elemento e dito separavel se opolinomio minimal m,F e separavel. Caso esta condicao se cumpra para todo elemento

    de K, entao esta extensao e dita separavel.

    Munidos destas definicoes estamos em condicoes de enunciar o resultado principal

    da secao.

    Teorema 1.10 (Correspondencia de Galois). Seja K : F uma extensao finita, normal e

    separavel. Entao existe uma correspondencia injetiva que inverte ordem entre os corpos

    intermediarios desta extensao e os subgrupos de Gal(K|F ), dada por L 7 Gal(K|L) eH 7 F(H). Alem disso, se L H, entao [K : L] = |H| e [L : F ] = [G : H]. Maisainda, H e um subgrupo normal de Gal(K|F ) se, e somente se, a extensao L e normal.Quando isto ocorre, entao Gal(L|F ) = G/H.

  • Captulo 2

    O Teorema Fundamental da Algebra

    Neste captulo, com o auxlio dos resultados citados no captulo anterior, daremos

    uma demonstracao do Teorema Fundamental da Algebra. Existem diversas demonstracoes

    diferentes, mas nenhuma delas abstem-se do uso de resultados de Analise. Isto se deve

    ao fato de a construcao dos reais ser analtica. A prova dada aqui sera a mais algebrica

    conhecida.

    2.1 Uma prova de que C e algebricamente fechado

    Um corpo K e dito algebricamente fechado se para f K[x] e tal que f() = 0,entao K. Temos que R nao e algebricamente fechado, uma vez que o polinomiof(x) = x2 + 1 nao possui raizes reais. Definimos o fecho normal de uma extensao K : F

    como o corpo N no qual o conjunto dos polinomios mnimos {m,F ; K} se decompoe,observe que se N = K, entao K e algebricamente fechado. No final do captulo enun-

    ciaremos o Teorema Fundamental da Algebra, que garante que C cumpre a condicao deser algebricamente fechado. Neste caminho precisamos de alguns resultados analticos, a

    seguir enunciaremos o Teorema do Valor Intermediario, que nos permitira obter condicoes

    para um polinomio real possuir raiz real.

    Teorema 2.1 (Valor Intermediario). Seja f : R R uma funcao contnua e a, b R talque f(a) < 0 e f(b) > 0. Entao existe c (a, b) tal que f(c) = 0.

    Dado f R[x], podemos encarar f como uma funcao real, e neste caso naoe difcil mostrar que ela e uma funcao contnua. Desta maneira podemos nos valer do

    Teorema do Valor Intermediario para impor condicoes para que um polinomio real possua

    raiz real, conforme mostraremos no resultado a seguir.

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  • Preliminares 7

    Lema 2.2. Seja f R[x].

    i) Se f(x) = x2 a, para algum a > 0, entao f possui raiz em R. Logo todo numeroreal nao negativo possui uma raiz quadrada real.

    ii) Se f e mpar, entao f possui raiz real. Logo, a unica extensao de R de grau mpare o proprio R.

    Demonstracao. Seja f(x) = x2 a, com a > 0. Uma vez que:

    limx+

    f(x) = +

    podemos obter b R tal que f(b) > 0. Como f(0) = a < 0, temos que f satisfaz ashipoteses do Teorema do Valor Intermediario, logo existe c (0, b) tal que f(c) = 0. Logoa = c R.

    Para a segunda parte, do Calculo sabemos que se f(x) = anxn + ...+ a1x+ a0

    R[x], entao:lim

    xf(x) = lim

    xanx

    n

    Logo, se an > 0, entao:

    limx+

    f(x) = +; limx

    f(x) =

    Se an < 0, entao os sinais serao opostos tambem, logo em quaisquer dos casos podemos

    garantir que existem a, b R tais que f(a) < 0 e f(b) > 0. Desta maneira, pelo Teoremado Valor Intermediario existe c R tal que f(c) = 0. Portanto f possui uma raiz real.Por outro lado se L : R e uma extensao de grau mpar, tomando a L \ R teremos queR(a) : R tambem tem grau mpar, logo o grau do polinomio minimal ma,R e mpar. Mascomo acabamos de mostrar, nesta condicoes este polinomio tera uma raiz real, uma vez

    que este polinomio e irredutvel teremos que ele e linear, logo a R. Assim L = R.

    Lema 2.3. Todo numero complexo possui uma raiz quadrada complexa. Portanto, nao

    existe uma extensao N de C tal que [N : C] = 2.

    Demonstracao. Para esta prova, faremos uso da representacao polar dos numeros com-

    plexos. Seja a C, entao tome a = rei, com r 0. Entao pelo lema anterior r R,logo b =

    rei/2 C. Assim temos b2 = r(ei/2)2 = rei = a. Se N e uma extensao de

    C com [N : C] = 2, entao existe a C tal que N = C(a). Mas como mostramos quea C, concluimos que N = C. Portanto nao podem haver extensoes quadraticas de C.

    Em posse de todos os resultados enunciados anteriormente estamos em condicoes

    de demonstrar o Teorema Fundamental da Algebra.

  • Preliminares 8

    Teorema 2.4. O corpo C e algebricamente fechado, isto e, se f C[x], entao existe C tal que f() = 0.

    Demonstracao. Seja L uma extensao finita de C. Uma vez que a caracterstica de Re 0, o corpo L e separavel sobre R, logo L tambem e uma extensao finita de R. Seja No fecho normal de L : R. Vamos mostrar que N = C. Ora, temos que N : R satisfaz ashipoteses do teorema 1.10, logo:

    |Gal(N |R)| = [N : R] = [N : C][C : R] = 2[N : C]

    Assim a ordem deste grupo e par. Pelo teorema de Sylow 1.3 Gal(N |R) possui um 2-subgrupo de Sylow, digamos H. Seja E = F(H). Entao pelo teorema 1.10 [G : H] =[E : R], uma vez que H e 2-subgrupo de Sylow temos que o grau desta extensao e mpar.Logo, pelo lema 2.2 ii) teremos E = R, assim G = H, isto e, um 2-grupo. Portanto,Gal(N |C) tambem e um 2-grupo. Conforme o lema 1.4, existe um subgrupo maximal Pde modo que [Gal(N |C) : P ] = 2. Se T = F(P ), pelo teorema 1.10 teremos [T : C] = 2.Mas isto nao pode ocorrer em virtude do lema 2.3. Esta contradicao nos leva a concluir

    que |Gal(N |C)| = 1, o que implica que [N : C] = 1 e portanto N = C.

  • Referencias

    [1] Herstein, I. N. Topics in Algebra University of Chicago (1964).

    [2] Morandi, P., Field and Galois Theory. Graduate texts in Mathematics (1991),

    Springer.

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