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P epe, está pronto? Pegue o caldeirão de sopa. Vamos, agora, grita Ana Maria da cozinha. Ana Maria teve pólio, aos dois anos de idade, e desde então, vive em cadeira de rodas. Embora seja incapaci- tada física, ela vem traba- lhando no auxílio às crianças de rua há quase trinta anos. Pepe, um ex-viciado em dro- gas, é o braço direito de Ana Maria e seu incansável assis- tente. A sopa de mãe Anita – Pare o carro!, grita Ana Maria. Dois meninos, cada qual com um frasco de cola nas mãos, caminham pela rua. Ana Maria põe a cabeça para fora do carro. – Oi! Tudo bem? Vamos distribuir comida. Venham! Os rostos dos meninos se iluminam e eles começam a correr. Em instantes, o caos está formado. De todas as direções, chega gente com vasilhas e panelas enferruja- das. Todos querem abraçar Ana Maria. – Mamãe Anita, que sau- dades! 34 NOMEADA Ana Maria Marañon de Bohorquez abraça Fernando. Ele nasceu nas ruas, filho de viciados em drogas, e começou a cheirar cola aos dois anos. Ana Maria passou a cuidar de Fernando quando ele tinha quatro anos e, desde então, o menino vive em seu abrigo para crianças de rua - El Arca de Resgate de los Niños (A Arca de Resgate das Crianças). Por que Ana Maria está sendo nomeada? Ana Maria Marañon de Bohorquez é nomeada ao WCPRC 2005, por seu longo trabalho altruísta com crianças de rua em Cochabamba, na Bolívia. Muitas crianças bolivianas são filhas de moradores de rua. A vida das crianças de rua é marcada por violência e drogas. A maioria cheira cola, como uma forma de atenuar a falta de amor recebida pelos pais. Ana Maria, porém, tem muito amor a oferecer. Apesar de sua incapacidade física, ela luta para que essas crianças tenham a oportunidade de uma vida melhor. Ela tem um abrigo para meninos, o El Arca, e um para meninas, o Rosa de Sarón. Lá, eles encontram adultos que lhes dão carinho e segurança, podem voltar à vida escolar e recebem ajuda para se profis- sionalizarem. Cochabamba. Fernando e Ana Maria gostam-se muito. Ana María LA PAZ COCHABAMBA Bolivia Oceano Pacifico brasil peru paraguai argentina chile Lago Titicaca Port 34-49_QX6 04-12-08 14.03 Sida 34

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A sopa de mãe Anita – Pare o carro!, grita Ana Maria. Dois meninos, cada qual com um frasco de cola nas mãos, caminham pela rua. Ana Maria põe a cabeça para fora do carro. – Oi! Tudo bem? Vamos distribuir comida. Venham! Os rostos dos meninos se iluminam e eles começam a correr. Em instantes, o caos está formado. De todas as direções, chega gente com vasilhas e panelas enferruja- das. Todos querem abraçar Ana Maria. – Mamãe Anita, que sau- dades! Lago Titicaca COCHABAMBA 34

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Pepe, está pronto? Pegueo caldeirão de sopa.Vamos, agora, grita

Ana Maria da cozinha. Ana Maria teve pólio, aos

dois anos de idade, e desdeentão, vive em cadeira derodas. Embora seja incapaci-tada física, ela vem traba-lhando no auxílio às criançasde rua há quase trinta anos.Pepe, um ex-viciado em dro-gas, é o braço direito de AnaMaria e seu incansável assis-tente.

A sopa de mãe Anita – Pare o carro!, grita AnaMaria.

Dois meninos, cada qualcom um frasco de cola nasmãos, caminham pela rua.Ana Maria põe a cabeçapara fora do carro.

– Oi! Tudo bem? Vamosdistribuir comida. Venham!

Os rostos dos meninos seiluminam e eles começam acorrer. Em instantes, o caosestá formado. De todas asdireções, chega gente comvasilhas e panelas enferruja-das. Todos querem abraçarAna Maria.

– Mamãe Anita, que sau-dades!

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NOMEADA

Ana Maria Marañon de Bohorquez abraça Fernando. Ele nasceu nasruas, filho de viciados em drogas, e começou a cheirar cola aos doisanos. Ana Maria passou a cuidar de Fernando quando ele tinha quatroanos e, desde então, o menino vive em seu abrigo para crianças de rua -El Arca de Resgate de los Niños (A Arca de Resgate das Crianças).

Por que Ana Maria está sendo nomeada? Ana Maria Marañon de Bohorquez é nomeada aoWCPRC 2005, por seu longo trabalho altruísta comcrianças de rua em Cochabamba, na Bolívia. Muitascrianças bolivianas são filhas de moradores de rua. A vida das crianças de rua é marcada por violência e drogas. A maioria cheira cola, como uma forma deatenuar a falta de amor recebida pelos pais. AnaMaria, porém, tem muito amor a oferecer. Apesar desua incapacidade física, ela luta para que essascrianças tenham a oportunidade de uma vida melhor.Ela tem um abrigo para meninos, o El Arca, e umpara meninas, o Rosa de Sarón. Lá, eles encontramadultos que lhes dão carinho e segurança, podemvoltar à vida escolar e recebem ajuda para se profis-sionalizarem.

Cochabamba. Fernando e Ana Maria gostam-se muito.

AnaMaría

LA PAZ

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Uma moça se pendura nopescoço de Ana Maria.Drogada, ela chora e ri aomesmo tempo.

– Mariela querida, comovai você?, pergunta-lhe AnaMaria.

– Todas as crianças me cha-mam de mamãe Anita, elaexplica. Anita significa‘pequena Ana’ e é uma formamais carinhosa do que ‘Ana’.

– Venho até aqui váriasvezes por semana. Distribuircomida é uma ótima formade estabelecer contato comas crianças. Venho tentar

convencê-las a se mudarempara um dos nossos abrigos.

Em La Coronilla, situadanuma encosta da metrópoleCochabamba, vive gente daqual a sociedade prefere seesquecer. Muitos deles sedestruíram totalmente novício em cola e bebidas alco-ólicas. E sobrevivem atravésde roubos, esmolas e prosti-tuição.

Quase queimado vivo Há quatro anos, RaulMartinez Corani, 14 anos,mora nas ruas.

– Fugi de casa, ele conta.Raul aprendeu rapidamen-

te a cheirar cola e a roubar.– A vida nas ruas é horrí-

vel. Há muita violência etodo mundo nos trata mal.

Há pouco tempo, ocorreualgo com Raul, que o deixouseriamente traumatizado.

– Fui pego roubando nafeira. Amarraram minhasmãos e meus pés e ameaça-ram botar fogo em mim. Jáestavam prestes a derramargasolina em mim e acender ofogo, quando a polícia che-gou.

– Nunca chorei tanto domedo que senti. Desde então,parei de roubar as pessoas.Atualmente, Raul trabalhacomo engraxate e ganha 20bolivianos (US$2,65) por dia.

– Mas agora, já me decidi.Na segunda-feira, pretendovoltar para a casa dos meuspais.

Ana Maria conta que, naBolívia, as crianças de ruasão tratadas pior do que osanimais. A polícia está entreos que mais maltratam: elesbatem nelas e forçam-nas a

lhes entregar o que rouba-ram. Ela conta a história deum menino que foi pego emflagrante quando arrombavaum carro.

– Os moradores do povoa-do cortaram as mãos do meni-no com um machado e pendu-raram-no em uma árvore.

Três gerações de meninosde ruaA sopa já chegou ao fim eAna Maria resolve distribuiras roupas.

– Calma, gente! Um decada vez. Primeiro, para as

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Ana Maria faz compras no mercado para a sopa das crianças.

Muitas crianças de ruacorrem para abraçar AnaMaria.

Raul vive nas ruas há quatroanos, mas já sente queagora basta.

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crianças pequenas, ela diz.Uma jovem, Marcela, está

sentada no meio fio com osdois filhos: Carolina, de umano, e Eric, de três. Elesusam as mãos para tomar asopa de uma tigela. Carolinae Eric são a terceira geração

de meninos de rua. A mãesegura um frasco de cola echeira enquanto come.

– Que futuro têm estascrianças? Muitas criançasque nascem nas ruas morremvítimas de doenças, desnu-trição e maus tratos, contaAna Maria.

A Bolívia é o país mais pobreda América do Sul. E a pobre-za é a causa do aumento donúmero de crianças de rua.

– Não há empregos. Amiséria desespera as pessoase os pais acabam por aneste-siar a angústia com drogas,negligenciando, assim, ospróprios filhos, diz AnaMaria. As crianças, por suavez, agem da mesma formaquando têm seus própriosfilhos.

Não quer ajudaO chão está coberto de lixo ehá um forte cheiro de urinano ar. Cães vira-latas correm

por todos os lados. Em LaCoronilla, adultos e

crianças moram embarracos feitos desacos plásticos, semágua corrente ou ele-

tricidade. Alguns, não têmnem cobertores.

– Dormimos com nossoscachorros, conta José MiguelGuzman, 12 anos.

Os animais ajudam ascrianças a se manteremquentes. José, que exala umforte cheiro de cola, abraçaseu cão.

– Fugi de casa porque meupadrasto me batia.

José, que mora há doisanos nas ruas, é um dosmeninos a quem Ana Mariatenta convencer a ir para oabrigo El Arca, mas o meni-no se recusa.

– Não tenho vontade, eleexplica.

Ana Maria suspira.

Muitos meninos de rua são filhos de crianças de rua e têm seu próprios filhos nas ruas.

José abraça seu cão. Ele tem o cheiro da cola queaspira. Ele mora nas ruas há dois anos e não querajuda para mudar sua situação.

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Muitos meninos de rua nãoquerem receber ajuda, prefe-rem a liberdade nas ruas e adependência da cola.

– Somente aqueles querealmente estão motivados amudar de comportamento,podem ir para nossos abri-gos. Senão, tornam-se másinfluências para os outros,diz Ana Maria.

Amor e educação– Mamãe Anita!

A caminho do seu primei-ro emprego, um rapaz apro-veita para dar um abraço emAna Maria. Octavio moroua metade de sua vida no abri-go El Arca e, atualmente,trabalha em um abrigo paracrianças autistas. Octavio éprofessor formado, mas querestudar medicina.

– Nosso objetivo é dar àscrianças uma profissão paraque se sustentem no futuro,diz Jimena, filha de AnaMaria, e diretora do abrigoEl Arca.

Ana Maria fundou El Arcahá dez anos, com seu mari-do, Santi. Hoje, há quarentameninos morando no abrigo,onde recebem amor e edu-cação para, assim, abando-narem de vez a vida nas ruas.

Mães jovens– Mamãe Anita!

Um grupo de meninas correna direção de Ana Maria,quando ela chega ao Rosa deSarón – o abrigo para meni-nas de rua. O abrigo foi fun-dado há dois anos, quandoAna Maria percebeu o quan-to essas meninas necessita-vam de ajuda. Ali, elas rece-bem apoio para superar suasexperiências traumáticas.

– Fugi de um abrigo quan-do tinha dez anos e comeceia me prostituir, contaJhovana.

Ela teve seu primeiro filhoaos onze anos e, o segundo,aos treze. Contudo, somentea filha de dois anos vive comela. Seu filho foi adotado.

– As meninas que têm fil-hos nas ruas não sabemcomo cuidar deles. Afinal,são apenas crianças. Aqui,elas aprendem a ser mães,diz Ana Maria. �

Meninos brincando no ElArca, um abrigo para meni-nos de rua, que Ana Mariafundou há dez anos.

Quando Ana Maria chega aoRosa de Sarón, seu abrigopara meninas de rua, asmeninas correm em suadireção. Todas se jogam noseu colo e lhe dão as boasvindas efusivamente.

Alguns meninos do El Arca.

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– Sai da frente, que aí vou eu!Fernando toma impulso,

dá uma volta no ar e cai nocolchão. Bryan, seu irmãomenor, e os outros meninosobservam-no. Dar cambal-hotas no ar é a especialidadede Fernando, ninguém maistem coragem de repetir seutruque.

A poeira se levanta quan-do um jipe se aproxima dojardim do abrigo El Arca,um casarão, situado nocampo e rodeado de fazen-das e plantações.

– Olá, “abuelito”! Ana Maria saúda Fernando,que corre para abraçá-la.Fernando tem apenas dozeanos, mas todos o chamam

de “abuelito” (vovozinho).– Não sei bem porquê.

Acho que foi o meu paiquem começou a me chamarassim, diz ele. Ele é viciadoem drogas. Eu nasci nas ruase mamãe se sustentava ven-dendo cola. Até que meu paia denunciou para a polícia, eela foi parar na prisão.

Cheirava e roubava– Comecei a cheirar cola aosdois anos. Papai me dava colaem vez de comida. Às vezes,ele ia preso e eu o acompan-hava, pois não tínhamos casa.Dormíamos nas calçadas, comsacos e caixas de papelão.

Com apenas três anos, o paiensinou Fernando a roubar.

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Fernandotemsua ú lFernando nasceu nas ruas. Aos dois anos, seu pai lhedeu cola para cheirar e lhe ensinou a viver como umladrão. Para ele, é difícil abandonar os maus hábitos.Apesar de já ter até roubado do abrigo El Arca,Fernando tem mais uma chance de mudar de vida.

Fernando dá uma cambalhota no ar.

Fernando abraça o irmão Bryn, que também mora no El Arca.

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– Ele me mandava roubarroupas e tênis dentro daprisão onde mamãe estava eficava me esperando do ladode fora. Quando a mamãeficou sabendo que eu estavaroubando, me deu umasurra. Ela não sabia que erao papai quem tinha me man-dado roubar, e eu não tivecoragem de lhe contar.

Enquanto a mãe deFernando lhe dava surrasquando ele roubava, o paifazia o mesmo quando omenino não roubava.

Ana Maria percebeu oquanto Fernando sofria eresolveu ajudá-lo. Aos qua-tro anos, o menino se mudoupara o abrigo El Arca junta-

mente com Elmer, o irmãomais velho. Elmer achou maisfácil se adaptar, pois tinhamorado com um tio. Maspara Fernando, que moravacom o pai nas ruas, abando-nar a criminalidade foi muitodifícil.

– No princípio, tudocorreu bem, mas quandocomecei a ir à escola, passeia roubar na cidade por puravontade de atormentar aspessoas, conta Fernando.

O problema agravou-sequando dois garotos novosmudaram-se para El Arca.

– Nós fumávamos e chei-rávamos cola na escola.Depois, fugíamos para rou-bar. Com o dinheiro, com-právamos facas.

Roubo no abrigo El ArcaAna Maria e o pessoal doabrigo El Arca não sabiamdas atividades de Fernando.

– Eu fingia que me com-portava bem, mas nas ruas,fazia o que queria. Depoisde um tempo, todoscomeçaram a perceber e nosdisseram para parar.

Nessa época, Fernando edois companheiros arquite-taram um plano para roubardinheiro do escritório doabrigo.

– À noite, saímos de man-sinho e abrimos a janela.Um dos meninos entrou no

Fernando Pinto, 12Gosta: De ginástica.Não gosta: Do meu pai. Música favorita: Requeton(hip hop sul americano).Sonho: Ser piloto e morarcom a mamãe e os meusirmãos

Escute a música favorita de Fernando em www.childrensworld.org

ú ltima chanceFernando jogando futebol no El Arca.

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escritório e roubou 470bolivianos (US$61,46) deuma gaveta. Depois, nosescondemos no banheiro eaí combinamos o que faría-mos com o dinheiro.

Na manhã seguinte, elesforam para a escola, comose nada tivesse acontecido.

– Depois, saímos e com-pramos pilhas, fitas cassetese facas.

Porém, quando os meni-nos voltaram para casa, oabrigo estava em alvoroço.Alguém tinha descoberto oroubo e Fernando e seusamigos eram os principais

suspeitos. Os diretoresJimena e Javier convocaramuma reunião com todos osprofessores e meninos.

– Ficamos trancados emum quarto do segundoandar. À noite, os outrosdois amigos desceram pelajanela com a ajuda delençóis amarrados. Eleslevaram consigo as roupas eas facas e me deixaramsozinho.

Última chanceO que seria de Fernando? Osprofessores, que tinham tra-balhado com o menino

durante anos, não o queriammais ali: estavam cansadosde sua maneira de ser. Eleacabou sendo transferidopara outra instituição parameninos de rua. Mas o localfechou e ele foi para umaterceira instituição, que eleodiava porque era maltratado.

Quando a mãe de Fernandosoube o que tinha aconteci-do, ficou fora de si. Furiosacom Fernando por tudo oque ele tinha feito, foi aonovo abrigo do filho parabuscá-lo. A seguir, imploroua Jimena e Javier que acei-tassem o menino de volta ao

abrigo El Arca.– Passamos uma semana

inteira com insônia, contaJimena. ConhecemosFernando desde pequeno egostamos muito dele.Contudo, ele já tivera tantasoutras chances, que os edu-cadores se recusavam a acei-tá-lo de volta.

– Foi horrível, diz Javier.Fernando é um líder e podeser péssima influência paraos outros meninos. Apesarde tudo, decidimos lhe daruma última chance. �

Depois do roubo no El Arca, Fernando tem de provar que merece osmesmos direitos dos outros garotos. Por isso, ele não tem umacama e dorme em um colchão no piso. Ele também perdeu o direitode usar o guarda roupa, e tem que guardar suas roupas numa bolsa.

David ajudaFernando com osdeveres de casa.

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Depois do almoço,Fernando, com umpano úmido, limpa os

restos do almoço do chão dorefeitório. Ele está com osfones de ouvido conectadosao telefone celular, guardadono bolso dos jeans.

– Eu pego emprestado deum amigo, enquanto ele estána escola, diz Fernando.

Desde que voltou ao abri-go El Arca, Fernando perdeutodos os privilégios quetinha conquistado. Como irà escola, por exemplo. Ao

invés disso, ele trabalha como professor David.

”Eu acho justo”– Venha! Vamos limpar essasala aqui também.

David chama Fernando ejuntos limpam a sala de aulado segundo andar. Ninguémem El Arca conheceFernando tão bem quantoDavid.

– Cuidei de Fernando e deseu irmão mais velho desdeque eles chegaram ao ElArca. Por isso, fiquei muitodecepcionado com o furtodo escritório. Tive a sen-

sação de ter fracassado nomeu trabalho, conta David.

Quando o menino voltoupara o abrigo, pediu descul-pas a David e aos outros pro-fessores.

– Disse assim: “Desculpem-me, eu vou mudar.” E, real-mente, mudou. Antes,Fernando nunca fazia o quepedíamos, mas agora, escutao que digo e me ajuda quan-do lhe peço um favor.

Fernando ajuda David afazer a limpeza, trabalhar nacozinha e limpar os ralos.Em troca, David lhe dá aulaspara que possa se recuperar

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Fernando não pode se sentar à mesa, senta-se eu um bancocom um caixote, que serve de mesa. Seu prato é feito de umpote de margarina usado e seu copo, de uma garrafa plásti-ca cortada. Mas Fernando acha que o tratamento é justo.

Eu vou conseguir– Rapazes, estão prontos?

O professor David chama os meninos, que jáestão uniformizados, de sapatos engraxados e dentes escovados. David, então, lhes dá um poucode creme hidratante para as mãos, antes de partirem para a escola.

Fernando, porém, ainda não pode acompanhá-los...

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do atraso na escola.Contudo, o menino nãopoderá ir à escola até provarque é realmente capaz de secomportar.

– Estou proibido, também,de me sentar à mesa duranteas refeições. Tenho que mesentar em um banquinho,com uma caixa que serve demesa, explica Fernando.Meu prato é um pote demargarina velho e meu copo,uma garrafa plástica cortada.

No quarto que compartecom seu grupo, Fernandomostra a pequena bolsa naqual guarda suas roupas epertences.

– Não posso guardar min-has roupas no armário edurmo em um colchão nochão. Quando tiver melhora-do meu comportamento, vou

poder voltar a dormir naminha cama.

– Na verdade, eu achojusto. Estou muito feliz deter voltado para cá. Eumudei minha forma de ser epretendo reaver tudo o quepossuía antes.

Quer ser piloto David acredita que Fernandoconseguirá mudar desta vez.

– Tento escutá-lo e entendê-lo, ao mesmo tempo em queo educo. Não adianta sersevero demais. Ele desapare-ceria de uma vez por todas,comenta David.

– Se Fernando levar a sérioesta oportunidade, terá gran-des chances no futuro. Ele éum desses garotos que aspessoas param para escutar.Pode ter êxito em qualquer

atividade, basta que tenha asferramentas apropriadas.

Ana Maria também torcepara que Fernando aproveitesua última oportunidade.

– Fernando é um exemplodo quanto é difícil rompercom a delinqüência. Afinal,aprender a cheirar cola e aroubar aos dois anos, provo-

ca conseqüências para toda avida. No entanto, nós nãodesistiremos, diz Ana Maria,abraçando o garoto.

– Meu sonho é ser piloto emorar com a mamãe e meusirmãos outra vez, dizFernando. �

Fernando esperando para limpar o chão depois que osoutros terminam de comer. Ele trabalha arduamentepara ter de volta os direitos perdidos.

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Bem compor-tado para ir à escola?

Mil denominações da batata

O irmão menor de Fernando vaia uma escola perto do El Arca. Aprincípio, os meninos de rua nãoeram bem-vindos ali, pois tinhammá reputação. O diretor receavaque eles criassem problemas.Por isso, antes de irem à escola,os meninos são preparadospelo abrigo El Arca. Ao chega-rem das ruas, eles recebem pri-meiramente aulas dos professo-res do El Arca. Só depois deseis meses, se já sabem secomportar com educação, elescomeçam a ir à escola.

As crianças do abrigo El Arca eos meninos de rua que tomam asopa oferecida por Ana Maria,adoram batatas. Sabe-se queos povos andinos já cultivavam abatata há oito mil anos. O cultivodesta raiz era um dos poucosque resistiam ao clima árido dasmontanhas.

Os índios aimarás desenvol-veram mais de duzentas espé-cies de batata no planalto doTiticaca, a mais de 3000 metros

acima do nível do mar. Entre1476 e 1534, no auge do impé-rio inca, a raiz tinha seu pesoavaliado em ouro, e havia até umculto ao ‘Deus da Batata’. Osquéchuas, descendentes dosincas, afirmam ter mais de mildenominações para a batata,que só chegou à Europa noséculo XVII, com os conquista-dores que retornavam daAmérica do Sul.

No mercado, vêem-se sacos com algo parecido a pedraspequenas. São os ‘chuños’, batatas desidratadas. Há oitomil anos, era muito difícil conservar os alimentos. Por isso,os incas desenvolveram um método, ainda hoje utilizado,para desidratar a batata. Espalham-se as batatas no solodurante as noites de geada. Durante o dia, elas são cober-tas de feno, como proteção contra os raios solares.Depois de alguns dias, as mulheres e crianças as piso-teiam para retirar-lhes o líquido e a casca. Em seguida, asbatatas são lavadas em água corrente durante semanas,para que o sabor amargo desapareça. Finalmente, elassão postas para secar durante duas semanas e, depois,podem ser armazenadas por até quatro anos.

Aprenda quéchua

Batatas de pedra

A língua oficial da Bolívia é o espanhol, mas apenasdois terços da sua população fala o idioma. Fora dasgrandes cidades, a maioria fala uma das três línguasindígenas: o quéchua, o aimará ou o guarani. O qué-chua era a língua do povo inca, mas ainda hoje estápresente na periferia de Cochabamba. Muitascrianças de rua, que vêm das aldeias dessa região, falam somente o quéchua.

Olá! Napaykullayki!Oi Raphi!

Como vai? Imaynalla? Bem Sumaj

Como você se chama? Ima sutiiki?

Meu nome é… Sutii…Tchau K’allakama

Sim AriNão Mana

1 u’2 iskai3 quinsa4 tahua5 phiska 6 so’gta7 khanchis8 pusa’g9 iskon

10 chuncha

Na feira de La Cancha, em Cochabamba,onde Ana Maria faz compras para asopa das crianças de rua, há pelomenos trinta espécies de batata. Cadauma delas, com aparência e sabor dife-rentes. A pequena e alaranjada ‘papali-sa’ é usada para sopas e ensopados. A‘Huaico’ é preta e deve ser cozida com acasca. Há também a ‘cuchi chupita’, quesignifica rabo de porco.

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No abrigo El Arcacomemoram-se osaniversários dos

meninos a cada três meses.Nessa ocasião, todos os ani-versariantes do último tri-mestre são homenageadoscom uma grande festa. Ospreparativos levam váriosdias. Jimena compra os pre-sentes, os professores e AnaMaria fazem o bolo e os

doces e as crianças preparamo espetáculo.

– Pepe! Ajude-me!Ana Maria fez, como de cos-tume, um bolo de aniversá-rio enorme e, agora, precisade ajuda para retirá-lo dojipe. É preciso duas pessoaspara carregá-lo. Agora, éhora de decorar o bolo comglacê rosa e azul. Ana Mariatrouxe uma ajudante de cha-

péu de abas largas. É NorahRodrigez, mãe de Bryan,Fernando e Elmer.

Vendia cola– Eu costumo visitá-los umavez por mês e sempre venhonos aniversários e no natal,diz Norah.

– Fico feliz quando amamãe vem nos visitar.Queria morar com ela, masela diz que não é possível,pois mal tem dinheiro para aprópria comida, diz Bryan.

Norah passa glacê no bolocom uma colher de pau.

– Gostaria muito de cuidardos meus filhos, mas fugi daprisão, ela conta.

Norah foi condenada a dezanos de prisão por venda decola de sapateiro. Foi o paide Fernando e Bryan quem adenunciou. Com a metadeda pena cumprida, Norahescapou e, desde então, éprocurada pela polícia.

– Não sou nenhum anjo,mas amo os meus filhos, eladiz.

Aos treze anos, Norahcomeçou a morar nas ruas.Ela cheirava cola, bebia eengravidou ainda muito nova.

– Primeiro, nasceu oElmer. O pai dele me batiamuito, por isso o abandonei.Depois, conheci o pai doFernando e do Bryan, que

É de manhã no abrigo El Arca. Bryan, 10 anos, e alguns amigos penduram balões e bandeirolasno teto. Da cozinha, um aroma de pipoca eamendoim torrado se espalha pela casa. Bryanestá excitadíssimo. O dia da festa de aniversário,finalmente, chegou.

Presente de aniversárioDepois de uma hora de brincadeiras é chegado o clímaxda festa – a entrega dos presentes. Edson, que fez noveanos, fica encabulado ao ganhar seu presente. Ele abre o pacote ansiosamente. É um carro!

– Na minha família nós nunca ganhávamos presentes, ele conta.

Edson fugiu de casa porque era maltratado pelo pai. Ele morava nas ruas até ser resgatado pelo abrigo El Arca.

Enfim, a festa de aniÉ hora do bolo de aniversário gigante de Ana Maria.

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era ainda pior. Ele até meferiu com uma faca, uma vezquando estava bêbado.

Batia nos filhosNorah admite que tambémbatia nos filhos.

– Eu batia neles, sim.Especialmente no Bryan,quando morava comigo naprisão, Norah conta com osolhos cheios de lágrimas.

Ana Maria a consola e diz:– Você se comportou mal

antes, mas agora demonstraque realmente se preocupacom os seus filhos. Você é a única mãe que vem nosvisitar!

Bryan se aproxima e dá

um abraço na mãe, que lhesorri.

– Meu sonho é que meusfilhos tenham uma profissãoe que nós possamos morartodos juntos, algum dia, dizNorah.

Ela se preocupa mais porFernando, desde o roubo doescritório.

– Ah, como eu lutei paraele voltar para cá! Esperoque Fernando realmenteaproveite essa oportunidade,diz Norah. �

Todas as crianças no abrigo El Arca têm uma coisa emcomum: foram abandonadas pelos pais. Norah, a mãe deBryan, Fernando e Elmer, é especial. Nenhuma outra mãevem visitar os filhos.

– O mais difícil é não podermos dar a eles o que maisprecisam: o amor dos pais, diz David, o professor deFernando.

– Contudo, nunca vi nenhum menino chorar pela faltados pais. Eles os odeiam. Em geral, perguntam: Por quenos abandonaram? Eu respondo que não foi por culpadeles, mas por outros motivos, como o desemprego e ovício em drogas.

– Uma vez, um menino quis que eu o acompanhasse atéa casa da mãe. Ele não a via há muito tempo. Porém,quando chegamos lá, ela disse: O que você está fazendoaqui? O que você quer? O menino, então, me olhou edisse, com lágrimas nos olhos: Vamos embora, eu nãoquero ficar mais aqui.

Escute o grupo musical de El Arca em www.childrensworld.org

Abandonados pelos pais

Fernando dá cambal-hotas na parte de trás da

casa. Ele fica feliz quando Norah,sua mãe, vem visitá-lo.– Bem-vindos à festa de aniversário!,

fala Javier ao microfone, em cima do palco. Em seguida, um grupo de garotos encena

uma peça de teatro sobre a vida nas ruas.Bryan e Fernando também participam dosespetáculos e Norah fica orgulhosa.

O último número é encenado pelo grupomusical do El Arca. Eles cantam, tocam

violão, charango (um violão pequeno),tambor e flauta zampoña (feita de

cana-de-açúcar).

niversário

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María fugiu pa

– Mãezinha! Mãezinha!Ana Maria mal passa

pelo portão de entradado abrigo Rosa de Saróne as meninas já corremem sua direção, vindas detodos os lados. Maria seatira ao pescoço de AnaMaria.

– Eu nunca pude sentiro que é ser amada poruma mãe. Desde pequenasempre escutei da minhamãe que seria melhor seeu morresse, diz Maria.

Maria se debruça e sus-surra algo no ouvidode Ana Maria.

– Claro, claro, ela respon-de e abraça Maria, que ficatoda animada.

O teor da confidência, nin-guém jamais saberá. AnaMaria carrega milhares desegredos e não decepcionanunca. Por isso, Maria gostatanto dela.

Maria nasceu na capital, LaPaz. Aos dois anos, seus paisse separaram e a mãe mudou-se com as filhas paraCochabamba. Ela dava surrasem Maria com freqüência e asituação só piorava.

– Mamãe me culpava portudo e me castigava muito.

Perdi a confiança em mimmesma, e tudo o que fazia,dava errado.

– Um dia, papai pediu paravoltar a viver conosco, masmamãe disse que não e meproibiu de ter qualquer con-tato com ele. Chorei muito,pois não conseguia entendero porquê.

– Fugi de casa e comecei aandar com umas meninas daescola, que eram verdadeiras‘más’ companhias. Elas meensinaram a cheirar cola, abeber, a fumar e a gostar defestas. Para ter dinheiro, nósnos prostituíamos. Atéentão, eu não sabia nadasobre sexo, mas acabeiacompanhando-as.

Maria tinha apenas dezanos e tornou-se cada vezmais dependente de cola.

– Às vezes, eu comia, àsvezes, não. Eu não sentiafome, só tinha vontade decheirar.

O socorroMaria foi convidada a morarem um abrigo para meninosde rua. Lá, porém, as criançasfaziam o que queriam. Eladormia no abrigo à noite,mas continuava a sua vidanas ruas.

– Eu tinha um namoradomais velho, que me batia eme fazia ameaças. Comotinha muito medo dele, ten-tei fugir. Mas ele me pegou e

me cortou nas costas comuma navalha.

Por fim, o socorro veio dequem ela menos esperava. Amãe de Maria escutou que afilha estava em maus lençóise resolveu levá-la para oabrigo Rosa de Sarón.

– Descobri que aqui eradiferente. Os professores

As meninas ajudam na Rosa de Sarón.

Os sapatosfavoritos deMaria.

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para as ruaseram gentis e tinham muitapaciência, conta Maria.

Maria estava preta desujeira quando chegou aqui.Mesmo assim, se recusava atomar banho. Assim comotantas outras crianças de rua,ela teve que aprender a cui-dar da própria higiene: tomarbanho, escovar os dentes, irao banheiro, lavar as roupas.É o primeiro passo para quemque chega ao Rosa de Sarón.

– Maria era uma verdadeirarebelde, mas muita coisamudou em um ano. Dentrode pouco tempo ela vai estarmadura o suficiente pararecomeçar a escola, diz AnaMaria.

Muitas brigasMaria pula elástico comalgumas meninas quando aprofessora Betty as chamapara a próxima reunião. Trêsvezes ao dia, as meninas sereúnem para conversar sobrediversos temas, ou sobre oque ocorreu durante o dia.Onze meninas e seis criançaspequenas moram no Rosa deSarón. Quase sempre, umpequeno detalhe pode darlugar a uma interminávelbriga. Hoje é a vez de Júlia eGabriella. Júlia grita:

– Gabriella, eu odeio você!– E eu te amo, Júlia, res-

ponde Gabriella, com umsorriso nos lábios.

As meninas decidem que o

tema da semana será o ódio.Por que as pessoas seodeiam? O que significa oódio? Como fazer para pararde odiar? Durante a conver-sa, as meninas recebemajuda para elaborar os pro-blemas que têm umas com asoutras. Assim como Maria,todas carregam consigoexperiências terríveis daépoca em que não moravamali. Todas foram abandona-das pelos pais e a maioria jáfoi agredida ou abusadasexualmente nas ruas.Agora, precisam de ajudapara lidar com a angústia e araiva que levam dentro de si.

– Não se consegue resolvernenhum conflito com ódio,

diz Ana Maria. Aqui estamostodas na mesma situação.Moramos juntas e temos queaprender a conviver umascom as outras. Vamos mos-trar amor, ao invés de ódio.

As meninas concordamcom a cabeça, algumas fitamo chão. Mais tarde, em seuquarto, Maria diz:

– No princípio, eu eramuito agressiva. Nas ruas,eu aprendi a me defenderbrigando. Achava muito difí-cil seguir as regras daqui ebrigava o tempo todo com asoutras meninas.

– Às vezes, não tinha von-tade de viver. Mas aquiaprendi a acreditar em mimmesma. �

Maria pula elástico.

Maria tinha muita raiva, a princí-pio. Agora se tornou mais calmae adora Ana Maria.

María Marlene LuqueZabaleta, 13Gosta: De cantar e pular corda.Seu maior desejo: Encontrar com o meu pai.Quer ser: Enfermeira.

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– Mamãe! Mamãe!Solveig, de dois anos, está

impaciente. Quer que aempurrem mais alto nobalanço e a mãe não a escu-ta. A mãe, Jhovana, brincade pular elástico com outrasmeninas e não quer, na ver-dade, parar a brincadeira.

Com má vontade, caminhaaté Solveig.

– Pronto, amor. Vamosbalançar?

Jhovana sorri. Mas, narealidade, está cansada de

sempre ter que brincar com afilha. Brincar, trocar fraldas,amamentar, dar comida,consolar. A filha toma todo oseu tempo e ela nunca temum minuto de paz. Jhovanatem 16 anos e Solveig é suasegunda filha.

Começou a cheirar cola– Fiquei órfã aos quatroanos. Meus pais eram alcoó-latras. Eu e meus irmãosfomos para orfanatos dife-rentes. Quando eu tinha dez

anos, comecei a beber e a meprostituir.

Algum tempo depois,Jhovana experimentou cola.

– Eu conheci um rapaz,Miguel, e me apaixonei. Nóscheirávamos cola juntos e,logo, fiquei grávida. Eu tinhaonze anos.

Jhovana teve um menino,mas não sabia como cuidardele.

– Eu ficava nervosa e batianele sempre que chorava.Nós morávamos nas ruas.Meu namorado tambémbatia nele. Então resolvideixá-lo em um orfanato e omenino foi adotado por umafamília. Depois disso, eu eMiguel brigávamos muito.Ele costumava me bater por

eu ter dado o nosso filhopara adoção.

A fugaJhovana abandonou a vidanas ruas e foi morar comumatiaporum

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JhovanaquermudJhovana com a filhaSolveig. Jhovana mora noRosa de Sarón há doisanos, mas ainda sentefalta da vida nas ruas.

Jhovana fez brinquedos artesanais para a filha.

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Jhovana nunca pôde ser criança. Aos quatroanos, ficou órfã. Aos dez, começou a cheirar colae aos onze anos deu à luz seu primeiro filho nasruas. Jhovana quer mudar de vida. Porém, àsvezes, sente que não tem forças.

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tempo. Ela tentou deixar acola, mas a vontade de chei-rar era muito forte.

– Voltei para o Miguel e elequis ter mais um filho. Eunão queria, mas fiquei grávi-da outra vez quando tinhatreze anos.

Jhovana teve uma menina.Dessa vez, porém, AnaMaria e os professores doabrigo Rosa de Saron a aju-daram, ensinando-a a cuidarda filha.

– No começo, tudo correubem, mas quando Solveigtinha seis meses, eu fugipara me encontrar com omeu namorado e cheirar

cola. Eu me prostituía paracomprar fraldas, leite ecomida para Solveig. Depoisde um mês, não agüenteimais e acabei voltando.

Naquela época, Solveigestava doente. Estava desnu-trida e tinha queimaduras desol. Jhovana pediu perdão eprometeu mudar. Contudo, jáfugiu duas vezes desde então.

– É muito difícil. Eu mesinto presa e sinto falta daliberdade das ruas. De fazero que eu tiver vontade – chei-rar cola, roubar, encontrarcom o meu namorado – semregras.

DeterminadaAna Maria conhece Jhovanahá muito tempo e luta paraque a menina deixe o antigoestilo de vida.

– Eu venho ajudando mui-tas meninas em situaçõesiguais à dela. É possívelmudar de vida, mas você

mesma tem que querer, diz aJhovana.

No Rosa, vivem três mãesadolescentes e uma meninagrávida. Lá, elas aprendemcomo ser uma boa mãe.

– As meninas são muitoviolentas com os filhos, dizAna Maria. Elas própriassão apenas crianças quandotêm filhos e a única coisa queconhecem é a violência.

Todas elas apanharam dospais quando eram pequenas.É por isso que temos que lhesensinar a educar os filhoscom palavras.

– Eu quero mesmo mudarde vida, diz Jhovana,enquanto amamenta Solveig.

– Quero lutar por nósduas. Depois, eu gostaria de

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udardevida

Jhovana e Solveig desfrutam da liberdade no parque. Uma vez por mês, asmeninas do Rosa de Sarón fazem uma excursão com os professores.

Jhovana RojasGonzales, 16Filhos: Um menino, 4 anos,uma menina, 2 anos. O filhofoi adotado.O pior das ruas: Os insultose a violência.O mais difícil no Rosa deSarón: As regras e entrar em acordo.Gosta: De escrever e desenhar.Sonha: Em estudar e trabal-har com meninas de rua.

Todas as meninas do Rosade Sarón.

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A oportunidade deser criança

Daniela Loaiza, 9

Gosta: De montar quebra-cabeças e fazer pulseiras.O melhor do Rosa de Sarón:Brincar.O mais difícil: Não dizerpalavrões.Quer ser: Policial.Sonha: Em morar com aminha família novamente.

Daniela na excursão com sua irmãzinha Angela.

Apesar de ainda seremsete horas da manhã,o abrigo Rosa de

Sarón já está em plena ativi-dade. As meninas preparamsuas bagagens e correm paratodos os lados, tentandoencontrar seus pertences.Daniela decide levar shorts ecamiseta, ao invés do maiô.Em breve, parte o ônibus quelevará a turma toda à piscina.

– Estão todas prontas?,pergunta o professorFederico. Então, vamos!

Daniela se senta ao ladoda irmãzinha Angela, dequatro anos. Elas chegaramao abrigo Rosa de Sarón hácinco semanas.

– Meus pais são separadose mamãe não podia tomarconta de todos nós, contaDaniela. Éramos noveirmãos, mas três bebêsmorreram. Meu irmãozinho

querido faleceu há dois anos.Ele bateu a cabeça em umvidro e morreu nos braçosdo meu irmão mais velho.Estávamos sozinhos em casae meu irmão ficou apavora-do. Então, fechei os olhos domeu irmãozinho e lhe dei umbeijo na testa. Eu o amavatanto, ele tinha apenas umaninho. Em seguida, eu olavei e o vesti com roupaslimpas e coloquei seu corpoem um pequeno caixão.

As lágrimas caem pelo rostode Daniela, enquanto contaa história. Agora, ela temque tomar conta de Angela.

– Antigamente, eu batia naAngela porque tinha muitaraiva dentro de mim.

Daniela teve que ama-durecer cedo demais.

– Nós tínhamos que ajudar com tudo, em

casa. Às vezes, a mamãebatia em nós, mas aindaassim eu a amo. Ela semprefez tudo por nós.

No abrigo Rosa de Sarón,Daniela pode voltar a sercriança e a brincar.

– Gosto daqui. Às vezes,brigo com as outras meninas,mas a raiva passa logo. Omais difícil para mim é nãodizer palavrões, eles aindaescapam da minha boca. �

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Nada de piolhos

Edson brinca comseu pião “trompo”.

Deve-se puxar o barbanteenrolado no pião e jogar obrinquedo longe para que

gire. Os meninos maishabituados agarram o

pião no ar, antes quetoque o chão.

Dos eucaliptos, que crescem em volta do El Arca, caem pequenos ‘chapéus’, que os garotosusam como piões. Eles procuram pelo chão os melhores exemplares e é preciso terhabilidade para conseguir girar os “chapeuzinhos”. Primeiro, contam até três. Depois, cada menino gira seu pião. Aquele cujo pião girar por mais tempo, ganha o jogo.

O que é o que é? Seus habi-tantes são grãos de café, suaterra é vermelha e o universoque a rodeia é verde.

A maioria dos meninos do abrigo El Arca usam san-dálias feitas de pneus velhos. Elas são mais baratase muito mais resistentes do que os sapatos comuns.

Ricardo, professor do El Arca, ensinaos meninos a construir e tocar flautazampoña, um dos instrumentos maistradicionais dos Andes. A flauta é feitade hastes de cana-de-açúcar, que são cortadas, lavadas e, depois de secas, lixadas. Em seguida, amarram-se as hastesem duas fileiras, sendo que a fileira de cimaleva uma haste a mais. Por fim, a flauta é afinada com uma ferramenta especial.

Selina, Angela e Daniela têm omesmo corte de cabelo de menino.Elas tiveram que cortar o cabeloquando chegaram ao abrigo Rosade Sarón, porque tinham piolhos.

A charada de Ramiro

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Sandálias de pneu

… meu pião de eucalipto também

Roda pião…

A zampoña dos Andes

Solução: Melancia

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Àporta, está uma mu-lher com uma criançaà espera de uma con-

sulta com o doutor Lucas,pai de Ana Maria e que, aos90 anos, ainda exerce amedicina. Há anos que pes-soas doentes de baixa rendavêm à casa da família, nocentro de Cochabamba, parareceber atendimento.

– Na Bolívia, se você nãotem dinheiro, morre. Se ascrianças de rua ficam doen-tes, não conseguem nemmesmo entrar nos hospitais,revela Ana Maria.

Por isso, ela e a famíliasempre ajudaram os maisnecessitados. Em sua casa,eles podem tomar um pratode sopa, obter cuidados e

curativos para machucadoscausados por brigas de ruaou, simplesmente, ter umombro amigo. No quintal,há limoeiros e papagaios,que palram em suas gaiolas.Ali, moram Ana Maria e o

marido Santi, Christian, ofilho de doze anos, e os pais,Lucas e Adriana. Tambémfazem parte do núcleo fami-liar, a empregada domésticaFlori, uma índia sem família,Pepe, um ex-viciado em dro-gas, que é o braço direito deAna Maria, além de Marco eFernando, ex-meninos derua que, agora, são conside-rados como filhos pela família.

Agredido”Toc! Toc! Toc!”, batem àporta sem cessar. Fernandochega da escola. Ele entra edá um beijo em Ana Maria.

– Oi, mamãe Anita!– Eu chamo a Ana Maria

de mãe. Minha verdadeiramãe se chama Andréia, masagora já não a considero maisminha mãe. Ela me visita devez em quando, mas eu nãosinto nada por ela. Uma mãenão é apenas alguém que põe

um filho no mundo, masalguém que cuida de você,que apóia e ensina o certo e o errado.

Fernando chegou à casa deAna Maria com quatro anos.Naquela época, ele era ummenininho desnutrido, sujo eamedrontado, que só falavaquéchua.

– Venho de Potosí, umacidade longe daqui. Meu paimorreu quando eu tinha doisanos e minha mãe não tinharecursos para cuidar dos novefilhos. Minha irmã maisvelha me levou para umafamília, em Cochabamba.Lá, eles me batiam e não mealimentavam. Por isso, umdia eu fugi. Eu só tinha qua-tro anos e não sabia o quefazer. Minha irmã, porém,descobriu que eu tinha fugi-do e me encontrou. Ela melevou à igreja que Ana Mariafreqüenta e perguntou se elapoderia cuidar de mim.

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Todos são bem-

”Toc! Toc! Toc!”– Atenda a porta,

Pepe!, grita Ana Mariada cozinha, enquantodescasca cebolas.

Na casa de Ana Maria,todos são bem-vindos.Como no dia em queFernando, um meninode rua de quatro anos,entrou ali pela primei-ra vez.

Flori e Ana maria preparam a sopa para os meninos de rua.

Fernando, ex-menino de rua, e o filho de Ana Maria,Christian, são como irmãos.

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Ameaças em troca de brinquedosNa primeira noite, Fernandodormiu na casa de Ana Maria.

– Brinquei com o Christiane ele me emprestou seus brin-quedos. Desde então, somosamigos.

No dia seguinte, ele foipara o abrigo El Arca, mascontinuou a passar os fins desemana e feriados na casa deAna Maria.

– No início, a vida era difí-cil no abrigo. Eu era o menorde todos e não entendia oque os outros diziam, pois sófalava quéchua. Os garotosmais velhos implicavamcomigo e me batiam.

– Eles implicavam tambémporque eu passava os fins desemana na casa de AnaMaria. Chamavam-me de“filho adotivo” e de “gordi-nho”, pois achavam que euganhava mais comida lá.Eles me mandavam trazer os

brinquedos do Christian parao abrigo El Arca. Caso con-trário, bateriam em mim.Então, eu pegava empresta-das as coisas do Christian,mas não tinha coragem decontar nada a Ana Maria,pois eu apanharia ainda mais.

Quer ajudar a Ana Maria Um dia, aos onze anos,quando Fernando estavapronto para regressar aoabrigo depois das férias,Christian perguntou ao paise Fernando não poderiamorar com eles para sempre.

“Não”, disse Santi. “Nãotemos recursos para isso.Teríamos que dar aoFernando as mesmas coisasque damos a você.”

“Mas eu não quero nada,quero que vocês compremcoisas para o Fernando!”,disse Christian aos prantos.

Por fim, Santi concordou.Foi o melhor dia da vida de

Fernando. Ele começou afreqüentar uma nova escolae, de repente, passou a enten-der tudo o que os professoresdiziam. Antes, ele tinha pés-simas notas.

– Era porque eu não estu-dava. Agora, faço os deverestodos os dias e tenho ótimasnotas.

– Eu gostaria de trabalhar

como técnico de rádio e tele-visão, assim poderia ajudar amamãe Anita quando elaenvelhecesse. Quero retribuirtudo o que ela fez por mim.Às vezes, quando vou à escola, vejo alguns garotosnas ruas cantando e pedindoesmolas. Nessas horas, pensoque eu poderia ser um deles,se não estivesse aqui. �

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m-vindos! Os meninos de rua sabem onde Ana maria mora e vão à sua casa quando têm problemas.

Ana Maria com o marido Santi, o filho Christian, os paisLucas e Adriana, os ex-meninos de rua Marco e Fernando, o seu braço direito Pepe e a empregada Flori.

Fernando Chuncho, 14Gosta: De trabalhos manuais,como costura e carpintaria. Não gosta: Que maltratem os mais fracos.Sonha: Em ter um trabalhopara cuidar de Ana Maria,quando ela envelhecer.

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Já é noite quandoEnrique e seus amigosvoltam de ônibus da

escola. A caminho do quar-to, Enrique cumprimentaLucito, o zelador de El Arca.

– Eu o chamo de papaiLucito. Ele e mamãe Anita(Ana Maria) são as duas pessoas que significam maispara mim. Graças a eles, me sinto bem.

Enrique tem 21 anos emorou metade de sua vidaem El Arca. Daqui a doisanos, ele termina o curso demecânica e não vê a hora dese mudar do abrigo.

– Eu achava que queria serarquiteto, mas descobri quegosto de ficar debaixo doscarros fazendo consertos!

Alguns meninos se aproxi-mam para conversar comEnrique. Os rapazes maisvelhos de El Arca são umexemplo para os outros.

– Eu me lembro do respeitoque sentia pelos mais velhos

quando cheguei aqui. Elesfalavam de uma forma dife-rente, diziam “por favor”, eeu gostava disso. Queria sercomo eles, conta Enrique.

Natal mágico– Cheguei aqui aos dez anos.Era noite de natal e tudoparecia mágico. Deram-medois pastéis de natal!Totalmente diferente dosoutros abrigos em que eutinha estado. Mesmo assim,fugi depois de três semanas.Eu sempre fugia dos lugaresonde estava. Mas, quandopercebi os privilégios que osmeninos mais velhos tinham,acabei ficando.

Hoje, Enrique é um daque-

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Enrique ganhou pastéis de natal e um futuroEra noite de natal quando Enrique pisou pelaprimeira vez em El Arca. Até então, ele não pas-sava de um menino de rua de dez anos, que devo-rava faminto os dois pastéis de natal que lheforam dados. Talvez, aquele tenha sido omomento em que ele decidiu lutar por uma vidamelhor. Hoje, Enrique já concluiu a escola eestuda para ser mecânico.

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Enrique estuda para ser mecânico. Ele quer ganhar dinheiro para poder ajudar Ana maria quando ela for mais velha.

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les que ele antes costumavaadmirar. Em El Arca, há qua-tro grupos e a passagem parao grupo seguinte não dependesó da idade, mas também docomportamento e do desen-volvimento.

– Passar para um grupomais avançado é um estímu-lo, pois queremos ter as mes-mas vantagens que os outrosgarotos têm, diz Enrique.

Ele e os amigos têm quar-tos mais bonitos do que osmais novos, e também maiorliberdade.

– Nós podemos sair nosfins de semana, desde quevoltemos na hora determina-da. Também podemos ternamoradas. Namorei umamenina por um ano, mas ter-minei com ela há poucotempo. Quando você se apai-xona, corre um grande riscode que tudo que construiuacabe desabando. Como nocaso, por exemplo, de anamorada engravidar.

Papai me batiaEnrique lutou muito paraalcançar o que conseguiu – irà escola e se profissionalizar.Ele é o primeiro na família queteve uma chance como essa.

– Eu venho de MinaAsientos, uma cidade minei-ra. Meu pai trabalhava nasminas, mas ficou desempre-gado e nos mudamos paraCochabamba. Papai começoua beber cada vez mais. Meuspais brigavam o tempo todoe papai batia na mamãe.Quando eu e meus irmãostentávamos defendê-la, elebatia em nós, conta Enrique.

– Uma vez, quando eutinha oito anos, eles briga-ram tanto que eu fiquei apa-vorado e fugi para a rua. Foia última vez em que estiveem casa. Nunca mais tivecoragem de voltar, commedo de ser castigado.

Enrique viveu dois anos nasruas. Ele andava com outrascrianças de rua e começou aroubar e a cheirar cola.

– Era como estar voando,eu não pensava em comernem dormir. Nada mais tinhaimportância.

Ficar livre do vício dasdrogas foi o mais difícil paraEnrique, nos dez anos em queviveu em El Arca. Aqui as dro-gas são proibidas, mas lá fora,elas estão em toda a parte.

– Na escola há muitos quecheiram cola ou cocaína. Eu

já recaí no vício várias vezes.Mas agora, com a ajuda deDeus, me decidi. Vejo meusamigos das ruas que estãodestruídos, e agradeço pelaajuda que recebi aqui.

Irmão querido– Nosso objetivo é prepararos meninos para a vida forade El Arca. Queremos dar-lhes autoconfiança, bonscostumes e uma educação,para que possam caminharcom seus próprios pés quan-do se mudarem daqui, dizJimena, que dirige El Arcacom o marido Javier.

– O primeiro passo é quefaçam um curso técnico pro-fissionalizante, mas temosum sonho de que, alguns dosnossos meninos, consigam,um dia, ir para a universida-de, diz Javier.

Octavio, um deles, tornou-se professor primário e tra-balha em uma escola. Seu

objetivo é ser médico e ElArca irá ajudá-lo.

– Meu sonho é trabalharno exterior como mecânico eganhar muito dinheiro paraajudar minha família.Depois, quero me casar e terfilhos, mas não antes de tercondições de sustentá-los.Não quero que meus filhospassem pelo mesmo que pas-sei, diz Enrique.

Aos 16 anos, ele tomoucoragem e voltou à casa dafamília para visitá-los, pelaprimeira vez em oito anos.

– Eles não ficaram tão feli-zes quanto eu imaginava.Papai continua bebendo emamãe se mata de trabalhar,vendendo refrigerantes. Jámeu irmão mais velho ficoumuito feliz. Ele sustenta afamília hoje em dia e me disse:“se você não nos esqueceutotalmente, talvez possa nosajudar” Eu amo meu irmão. �

Enrique Sehuenca, 21Exemplos: Ana Maria e papaiLucito (o zelador em El Arca).Eles são carinhosos e são aspessoas mais geniais do mundo.Gosta: De tocar violão. Odeia: Drogas.Quer ser: Mecânico e trabalharna Europa, para ajudar a família. Enrique toca violão na orquestra de El Arca.

Enrique é mestre em fazer pulseiras.

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