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POEMAS ESCOLHIDOS DE GREGÓRIO DE MATOS ORG. JOSÉ MIGUEL WISNIK

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  • POEMAS ESCOLHIDOS DE GREGÓRIO DE MATOS

    ORG. JOSÉ MIGUEL WISNIK

  • VIDA E OBRA

    • 1636 – A data comumente aceita para o nascimento de Gregório de Mattos e Guerra é a de 23 de dezembro de 1636 O poeta nasceu em Salvador, Bahia, e era filho de Gregório de Mattos (natural de Guimarães, Portugal) com Maria da Guerra. Os Mattos da Bahia eram uma família abastada, formada por proprietários rurais, donos de engenhos, empreiteiros e funcionários da administração da colônia.

    • 1642 - Estuda no Colégio dos Jesuítas.

    • 1650 - Viaja para Portugal.

    • 1652/1661 - Estuda Leis (Cânones) na Universidade de Coimbra.

    • 1661 – Formatura em Direito. Nesse mesmo ano, casa-se com D. Michaela de Andrade, proveniente de uma família de magistrados.

  • VIDA E OBRA

    • 1668 - Indicado Representante da Bahia nas Cortes, Lisboa, em 27 de janeiro.

    • 1671/1772 - Torna-se Juiz de Órfãos e Juiz do Cível, em Lisboa.

    • 1674 - Ocupa o cargo de Representante da Bahia nas Cortes, Lisboa, em 20 de janeiro.

    • 1678 - Fica viúvo de Michaela de Andrade, com quem sabe-se que teve um filho do qual não há registros históricos.

    • 1681/82 - Volta ao Brasil. Torna-se religioso e recebe as ordens menores eclesiásticas.

  • VIDA E OBRA

    • 1683 – Após seu retorno ao Brasil, é destituído de seus cargos eclesiásticos pelo Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, por se recusar a usar batina e também por não acatar a imposição das Ordens maiores obrigatórias para o exercício de suas funções. É nessa época que surge o poeta satírico, o cronista dos costumes de toda a sociedade baiana. Ridiculariza impiedosamente autoridades civis e religiosas.

  • VIDA E OBRA

    • 1685 - Sofre denúncia no Tribunal do Santo Ofício de Lisboa (Inquisição).

    • 168(?) – Ainda na década de 1680, casa-se com Maria de Póvoas (ou “dos Povos”). Desta união, nasce um filho chamado Gonçalo.

    • 1694 - É deportado para Luanda, Angola

    • 1695 – Retorna para o Brasil e vai para o Recife, longe de seus desafetos na Bahia. Morre no dia 26 de novembro, antes de completar 59 anos,

  • VIDA E OBRA

    • Obras. Edição de Afrânio Peixoto. 6 volumes: I - Sacra; II - Lírica; III - Graciosa; IV-V - Satírica; VI - Última. -1923-1933

    • "Gregório de Matos" , in Florilégio da poesia brasileira. 3 tomos. Organização de Francisco Adolfo de Varnhagen, tomo I - 1946

    • Obras Completas (Crônica do viver baiano seiscentista) 7 volumes. Organização de James Amado e Maria da Conceição Paranhos - 1968

    • Obra Poética. 2 volumes. Organização de James Amado. Preparação e notas de Emanuel Araújo - 1992

  • O BARROCO

    • Incorporando contrários como espírito e matéria, pecado e virtude, amor e sofrimento

    • utilizando-se de uma linguagem rebuscada com emprego intenso de antíteses e paradoxos, metáforas, hipérboles, hipérbatos, anáforas, elipses, entre outros.

    • A religiosidade, a fugacidade da vida, a inconstância, a efemeridade, sentimento do exílio e da brevidade da vida, desengano do mundo, terror do inferno, ânsias do céu, frustração, sentimento trágico da existência, pecado, perdão e arrependimento.

  • CULTISMO E CONCEPTISMO

    • A exploração de apelos sensoriais denomina-se cultismo, enquanto o desenvolvimento de argumentos que visam ao intelecto denomina-se conceptismo.

  • CULTISMO OU GONGORISMO

    • caracteriza-se por: jogos de imagens; valorização da forma (rebuscamento); apelo aos sentidos; forte apelo visual por meio de metáforas e hipérboles; textos de duplo sentido (um literal e um alegórico).

  • CONCEPTISMO

    • termo derivado do italiano concepto, designa os jogos de ideias, o apelo ao raciocínio; explora-se o discurso lógico-argumentativo visando ao convencimento, à persuasão, por meio de enumerações, comparações, paralelismos, antíteses. Obras representativas desse estilo são os sermões do padre Antônio Vieira, em geral.

  • CONTEXTO HISTÓRICO

    • A maior parte da produção de Gregório de Matos se arquiteta na Bahia, tantas e tantas vezes referida em seus versos, na segunda metade do século XVII. “Bahia”, bom frisar, chega a ser um termo metonímico na obra de Gregório de Matos. É, na maior parte das vezes, a partir da observação dos movimentos sociais urbanos da cidade de Salvador que seus versos produzem um painel intenso do Brasil colonial

  • CONTEXTO HISTÓRICO

    • “Uma vida social um pouco mais intensa só encontramos em algumas cidades litorâneas, que se desenvolveram como centros de exportação do açúcar e outros produtos agrícolas, como o tabaco e o algodão, e como portos de recebimento de importações. Aí se estabeleciam os comerciantes, os funcionários e as autoridades da Coroa portuguesa; muitos grandes proprietários possuíam casas nesses centros, onde passavam temporadas, principalmente quando das festas religiosas; também encontramos na cidade oficiais e homens de mesteres, quer dizer, homens livres não proprietários, na maior parte mestiços, que possuíam algum ofício mecânico como o de alfaiate, marceneiro, ferreiro, ourives, santeiro; soldados e oficiais das tropas; um grande número de serviçais que trabalhavam nas casas dos chamados “homens principais” e os escravos domésticos.”

  • GÊNEROS DA POESIA DE GREGÓRIO DE MATOS

    • 1. POESIA DE CIRCUNSTÂNCIA:

    SATÍRICA E GRACIOSA

    • 2. POESIA AMOROSA:

    LÍRICA E ERÓTICO-IRÔNICA

    • 3. POESIA RELIGIOSA

  • 1. POESIA DE CIRCUNSTÂNCIA:SATÍRICA E GRACIOSA

    • POESIA SATÍRICA: através da qual ele satiriza tudo e todos, debochando das pessoas, denunciando os desmandos dos poderosos e do clero e colocando diante do público as barbaridades sociais, religiosas e administrativas do Brasil Colônia. Por causa deste espírito crítico, irreverente e satírico, Gregório de Matos foi chamado de Boca do Inferno. Gregório de Matos foi uma das primeiras vozes a se elevar contra os desmandos administrativos, a corrupção e a opressão dos governantes para cá enviados pela metrópole.

    • GRACIOSA: refere-se a acontecimentos pitorescos, festas, divertimentos, não envolve propriamente a sátira. A poesia chamada encomiástica (louvação, elogio) também se incluí nessa parte.

  • 2. POESIA AMOROSA: LÍRICA E ERÓTICO-IRÔNICA

    • LÍRICA: forte influência de Petrarca e Camões. Há tons idealizantes no que diz respeito à concepção feminina, ressaltando o seu aspecto angelical. Todavia, o sofrimento amoroso se torna latente no autor, visto uma não concretização amorosa, exacerbando os seus sentimentos em conotações contraditórias, tipicamente barroca, principalmente entre o amor espiritual e o amor carnal, entre o ascetismo e o sensualismo.

    • ERÓTICO-IRÔNICA: o amor ganha uma conotação puramente erótica, deixando se levar pelos impulsos carnais. Todavia, o alvo de Gregório de Matos é bem distinto de sua poesia amorosa apreciada a pouco. Enquanto a primeira é destinada à mulher branca de elevada classe social e apta ao casamento, a poesia fescenina é destinada às mulheres negras ou mulatas.

  • 3. POESIA RELIGIOSA

    • Poesia religiosa e filosófica, em que atende aos apelos de ordem moral e religiosa da Contrarreforma. São textos em que manifesta os conflitos entre espírito e matéria, pecado e virtude, próprios da natureza humana e a consciência da brevidade da vida; são expressões do arrependimento por ter pecado e a busca de perdão.

  • Juízo anatômico dos achaques que

    padecia o corpo da República em

    todos os membros, e inteira definição do que em todos

    os tempos é a Bahia.

    Que falta nesta cidade?... Verdade.Que mais por sua desonra?... Honra.Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

    O demo a viver se exponha,Por mais que a fama a exalta,Numa cidade onde faltaVerdade, honra, vergonha.

    Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.Quem causa tal perdição?... Ambição.E no meio desta loucura?... Usura.

    Notável desaventuraDe um povo néscio e sandeu,Que não sabe que perdeuNegócio, ambição, usura.

  • Juízo anatômico dos achaques que

    padecia o corpo da República em todos

    os membros, e inteira definição do

    que em todos os tempos é a Bahia.

    • Quais são seus doces objetos?... Pretos.Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

    Dou ao Demo os insensatos,Dou ao Demo o povo asnal,Que estima por cabedal,Pretos, mestiços, mulatos.

    • E que justiça a resguarda?... Bastarda.É grátis distribuída?... Vendida.Que tem, que a todos assusta?... Injusta.

    Valha-nos Deus, o que custaO que El-Rei nos dá de graça.Que anda a Justiça na praçaBastarda, vendida, injusta.

  • Juízo anatômico dos achaques que

    padecia o corpo da República em todos

    os membros, e inteira definição do

    que em todos os tempos é a Bahia.

    • Que vai pela clerezia?... Simonia.E pelos membros da Igreja?... Inveja.Cuidei que mais se lhe punha?... Unha

    Sazonada caramunha,Enfim, que na Santa SéO que mais se pratica éSimonia, inveja e unha.

    E nos frades há manqueiras?... Freiras.Em que ocupam os serões?... Sermões.Não se ocupam em disputas?... P...

    Com palavras dissolutasMe concluo na verdade,Que as lidas todas de um fradeSão freiras, sermões e p...

  • Juízo anatômico dos achaques que

    padecia o corpo da República em todos

    os membros, e inteira definição do

    que em todos os tempos é a Bahia.

    • O açúcar já acabou?... Baixou.E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.Logo já convalesceu?... Morreu.

    À Bahia aconteceuO que a um doente acontece:Cai na cama, e o mal cresce,Baixou, subiu, morreu.

    A Câmara não acode?... Não pode.Pois não tem todo o poder?... Não quer.É que o Governo a convence?... Não vence.

    Quem haverá que tal pense,Que uma câmara tão nobre,Por ver-se mísera e pobre,Não pode, não quer, não vence.

  • À CIDADE DA BAHIA

    • Triste Bahia! ó quão dessemelhanteEstás e estou do nosso antigo estado!Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,Rica te vi eu já, tu a mi abundante.

    A ti trocou-te a máquina mercante,Que em tua larga barra tem entrado,A mim foi-me trocando, e tem trocado,Tanto negócio e tanto negociante.

    Deste em dar tanto açúcar excelentePelas drogas inúteis, que abelhudaSimples aceitas do sagaz Brichote.

    Oh se quisera Deus, que de repenteUm dia amanheceras tão sisudaQue fora de algodão o teu capote!

  • Descreve o que era naquele tempo a

    cidade da Bahia

    • A cada canto um grande conselheiro,Que nos quer governar a cabana, e vinha,Não sabem governar sua cozinha,E podem governar o mundo inteiro.

    Em cada porta um frequentado olheiro,Que a vida do vizinho, e da vizinhaPesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,Para a levar à Praça, e ao Terreiro.

    Muitos Mulatos desavergonhados,Trazidos pelos pés os homens nobres,Posta nas palmas toda a picardia.

    Estupendas usuras nos mercados,Todos, os que não furtam, muito pobres,E eis aqui a cidade da Bahia.

  • Contemplando nas cousas do

    mundo desde o seu retiro, lhe

    atira com o seu ápage, como quem a nado

    escapou da tormenta

    • Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:Quem mais limpo se faz, tem mais carepa:Com sua língua ao nobre o vil decepa:O Velhaco maior sempre tem capa.

    Mostra o patife da nobreza o mapa:Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;Quem menos falar pode, mais increpa:Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

    A flor baixa se inculca por Tulipa;Bengala hoje na mão, ontem garlopa:Mais isento se mostra, o que mais chupa.

    Para a tropa do trapo vazo a tripa,E mais não digo, porque a Musa topaEm apa, epa, ipa, opa, upa.

  • À despedida do mau

    governo que fez este

    governador

    Senhor Antão de Sousa de Menezes,Quem sobe a alto lugar, que não merece,Homem sobe, asno vai, burro parece,Que o subir é desgraça muitas vezes.

    A fortunilha, autora de entremezesTranspõe em burro o herói que indigno cresce:Desanda a roda, e logo homem parece,Que é discreta a fortuna em seus reveses.

    Homem sei eu que foi vossenhoria,Quando o pisava da fortuna a roda,Burro foi ao subir tão alto clima.

    Pois vá descendo do alto onde jazia,Verá quanto melhor se lhe acomodaSer homem embaixo do que burro em cima.

  • EMBARCADO JA O POETA PARA O SEU

    DEGREDO, E POSTOS OS OLHOS

    NA SUA INGRATA PATRIA

    LHE CANTA DESDE O MAR AS

    DESPEDIDAS.

    • Adeus praia, adeus Cidade,e agora me deverás,Velhaca, dar eu adeus,a quem devo ao demo dar.

    • Que agora, que me devasdar-te adeus, como quem caisendo que estás tão caída,que nem Deus te quererá.

    • Adeus Povo, adeus Bahia,digo, Canalha infernal,e não falo na nobrezatábula, em que se não dá,

  • EMBARCADO JA O POETA PARA O SEU

    DEGREDO, E POSTOS OS OLHOS

    NA SUA INGRATA PATRIA

    LHE CANTA DESDE O MAR AS

    DESPEDIDAS.

    • Porque o nobre enfim é nobre,quem honra tem, honra dá,pícaros dão picardias,e inda lhes fica, que dar.

    • E tu, Cidade, és tão vil,que o que em ti quiser campar,não tem mais do que meter-sea magano, e campará.

    • Que os Brasileiros são bestas,e estarão a trabalhartoda a vida por mantermaganos de Portugal.

  • Pondera agora com mais atenção a

    formosura de D.Ângela

    • Não vi em minha vida a formosura,Ouvia falar nela cada dia,E ouvida me incitava, e me moviaA querer ver tão bela arquitetura.

    Ontem a vi por minha desventuraNa cara, no bom ar, na galhardiaDe uma Mulher, que em Anjo se mentia,De um Sol, que se trajava em criatura.

    Me matem (disse então vendo abrasar-me)Se esta a cousa não é, que encarecer-me.Sabia o mundo, e tanto exagerar-me.

    Olhos meus (disse então por defender-me)Se a beleza hei de ver para matar-me,Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

  • Rompe o poeta com a primeira

    impaciência querendo

    declarar-se e temendo

    perder por ser ousado

    • Anjo no nome, Angélica na cara,Isso é ser flor, e Anjo juntamente,Ser Angélica flor, e Anjo florente,Em quem, senão em vós se uniformara?

    Quem veria uma flor, que a não cortaraDe verde pé, de rama florescente?E quem um Anjo vira tão luzente,Que por seu Deus, o não idolatrara?

    Se como Anjo sois dos meus altares,Fôreis o meu custódio, e minha guardaLivrara eu de diabólicos azares.

    mas vejo, que tão bela, e tão galharda,Posto que os Anjos nunca dão pesares,Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

  • Aos afetos, e lágrimas,

    derramadas na ausência da

    dama a quem queria bem.

    • Ardor em firme coração nascido;Pranto por belos olhos derramado;Incêndio em mares de água disfarçado;Rio de neve em fogo convertido:

    Tu, que um peito abrasas escondido;Tu, que em um rosto corres desatado;Quando fogo, em cristais aprisionado;Quando cristal, em chamas derretido.

    Se és fogo, como passas brandamente,Se és neve, como queimas com porfia?Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

    Pois para temperar a tirania,Como quis que aqui fosse a neve ardente,Permitiu parecesse a chama fria.

  • Definição do amor

    • Mandai-me, Senhores, hoje,que em breves rasgos descrevado Amor a ilustre prosápia,e de Cupido as proezas.

    Dizem que da clara escuma,dizem que do mar nascera,que pegam debaixo d'águaas armas, que Amor carrega.

    (...)

  • Definição do amor

    • É glória, que martiriza,uma pena, que receia,é um fel com mil doçuras,favo com mil asperezas.

    Um antídoto, que mata,doce veneno, que enleia,uma discrição, sem siso,uma loucura discreta.

    Uma prisão toda livre,uma liberdade presa,desvelo com mil descansos,descanso com mil desvelos.

  • Definição do amor

    • O Amor é finalmenteum embaraço de pernas,uma união de barrigas,um breve tremor de artérias.

    Uma confusão de bocas,uma batalha de veias,um reboliço de ancas,quem diz outra coisa, é besta.

  • A Jesus Cristo nosso senhor

    Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,Da vossa alta clemência me despido;Antes, quanto mais tenho delinquido,Vos tenho a perdoar mais empenhado.

    Se basta a vos irar tanto pecado,A abrandar-vos sobeja um só gemido:Que a mesma culpa, que vos há ofendido,Vos tem para o perdão lisonjeado.

    Se uma ovelha perdida já cobrada,Glória tal e prazer tão repentinoVos deu, como afirmais na Sacra História:

    Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,Perder na vossa ovelha a vossa glória.

  • A Cristo S.N. crucificado estando o poeta na

    última hora de sua vida

    Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,

    Em cuja lei protesto de viver,

    Em cuja santa lei hei de morrer

    Animoso, constante, firme e inteiro:

    Neste lance, por ser o derradeiro,

    Pois vejo a minha vida anoitecer,

    É, meu Jesus, a hora de se ver

    A brandura de um Pai, manso Cordeiro.

    Mui grande é vosso amor e o meu delito;

    Porém pode ter fim todo o pecar,

    E não o vosso amor, que é infinito.

    Esta razão me obriga a confiar,

    Que, por mais que pequei, neste conflito

    Espero em vosso amor de me salvar.

  • A Nosso Senhor Jesus Christo Com

    Actos de Arrependido e

    Suspiros de Amor

    • Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,É verdade, meu Deus, que hei delinqüido,Delinqüido vos tenho, e ofendido,Ofendido vos tem minha maldade.

    Maldade, que encaminha à vaidade,Vaidade, que todo me há vencido;Vencido quero ver-me, e arrependido,Arrependido a tanta enormidade.

    Arrependido estou de coração,De coração vos busco, dai-me os braços,Abraços, que me rendem vossa luz.

    Luz, que claro me mostra a salvação,A salvação pertendo em tais abraços,Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.

  • Buscando a Cristo

    • A vós correndo vou, braços sagrados,Nessa cruz sacrossanta descobertosQue, para receber-me, estais abertos,E, por não castigar-me, estais cravados.

    A vós, divinos olhos, eclipsadosDe tanto sangue e lágrimas abertos,Pois, para perdoar-me, estais despertos,E, por não condenar-me, estais fechados.

    A vós, pregados pés, por não deixar-me,A vós, sangue vertido, para ungir-me,A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me

    A vós, lado patente, quero unir-me,A vós, cravos preciosos, quero atar-me,Para ficar unido, atado e firme.

  • No dia de quarta-feira

    de cinzas

    Que és terra Homem, e em terra hás de tornar-te,Te lembra hoje Deus por sua Igreja,De pó te faz espelho, em que se vejaA vil matéria, de que quis formar-te.

    Lembra-te Deus, que és pó para humilhar-te,E como o teu baixel sempre fraquejaNos mares da vaidade, onde peleja,Te põe à vista a terra, onde salvar-te.

    Alerta, alerta pois, que o vento berra,E se assopra a vaidade, e incha o pano,Na proa a terra tens, amaina, e ferra.

    Todo o lenho mortal, baixel humanoSe busca a salvação, tome hoje terra,Que a terra de hoje é porto soberano.

  • Moraliza o poeta nos

    Ocidentes do Sol a

    inconstância dos bens do

    mundo

    Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,Depois da Luz se segue a noite escura,Em tristes sombras morre a formosura,Em contínuas tristezas a alegria.

    Porém se acaba o Sol, por que nascia?Se formosa a Luz é, por que não dura?Como a beleza assim se transfigura?Como o gosto da pena assim se fia?

    Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,Na formosura não se dê constância,E na alegria sinta-se tristeza.

    Começa o mundo enfim pela ignorância,E tem qualquer dos bens por naturezaA firmeza somente na inconstância.

  • A Maria dos Povos,

    sua futura esposa

    • Discreta, e formosíssima Maria,Enquanto estamos vendo a qualquer horaEm tuas faces a rosada Aurora,Em teus olhos e boca o Sol e o dia:

    Enquanto com gentil descortesia,O ar, que fresco Adônis te namora,Te espalha a rica trança brilhadoraQuando vem passear-te pela fria...

    Goza, goza da flor da mocidade,Que o tempo trata a toda a ligeireza,E imprime em toda a flor sua pisada.

    Ó não guardes, que a madura idade,Te converta essa flor, essa beleza,Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.

  • Desenganos da vida humana

    metaforicamente

    • É a vaidade, Fábio, nesta vida,Rosa, que da manhã lisonjeada,Púrpuras mil, com ambição dourada,Airosa rompe, arrasta presumida.

    É planta, que de abril favorecida,Por mares de soberba desatada,Florida galeota empavesada,Sulca ufana, navega destemida.

    É nau enfim, que em breve ligeireza,Com presunção de Fênix generosa,Galhardias apresta, alentos preza:

    Mas ser planta, ser rosa, nau vistosaDe que importa, se aguarda sem defesaPenha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?