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Edivaldo Ferreira Poemas perdidos numa noite suja (Livreto Digital) Edição do autor São Paulo – Junho/2015

POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

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Page 1: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

Edivaldo Ferreira

Poemas perdidos numa

noite suja (Livreto Digital)

Edição do autor

São Paulo – Junho/2015

Page 2: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira
Page 3: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

Edivaldo Ferreira (1992 - ) © Edição do autor – São Paulo – Junho/2015 Contato: [email protected] Este livreto está disponível apenas em formato digital.

Poemas perdidos numa

noite suja (Livreto Digital)

Page 4: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira
Page 5: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

Nós dançávamos velhos ragtimes na calçada em frente a esse restaurante que já não tem mais aquele

majestoso piano de calda toda sexta-feira tinha esse pianista que tocava ragtimes

e emendava uns blues tristes pra caralho a gente gosta disso

dessa aura melancólica melodias blueseadas deslizando como fumaça no ambiente

e a gente comprava cervejas no mercado e sentava na calçada desse restaurante

não conversávamos só ouvíamos atentamente o som que escapava pela janela

e dávamos risada daquelas caras pálidas sentadas à mesa outro dia você ouviu uma música do Tom Waits e me disse que

a voz de Deus devia ser assim eu retruquei dizendo que aquilo era o resultado de anos

lapidando a voz com whisky e cigarros

e Deus não teria essa manha você deu risada

um trago no whisky e acendeu mais um cigarro

quando começava a tocar um ragtime seus olhos brilhavam eu levantava bebadamente e te tirava pra dançar

você tá bêbada assim como eu e tropeça mas logo começa a dançar leve e suave como nem o vento consegue ser

as deusas devem dançar assim uma hora você se desequilibra e eu te seguro

firme entre meus braços e ficamos lá se equilibrando no meio-fio da vida

a rua é toda silêncios e luzes amarelas um mendigo bêbado vomita num poste alguns metros à nossa frente

olhamos nos olhos um do outro como num filme mudo não precisamos dizer nada

e ficamos até o fim da madrugada personagens desse filme

que sempre termina antes do sol nascer

Page 6: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

No rádio ecoam lamentos de tempos atrás

décadas, lugares e pessoas passadas

e aquela voz sempre torna a uivar

acompanhada de tristes acordes

arrastadas melodias

"Hellhound on my trail

Hellhound on my trail"

também ouço batidas na porta

algum rato gordo corre no telhado

me arrasto pra cozinha

e penso sobre o quão profundo

uma faca pode abrir caminho no peito de um homem

Enquanto minha cerveja

esquenta em cima da mesa

Page 7: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

LIBAÇÃO

Escrevo pra esquecer

bebo pra lembrar

sempre

tentando

fugir de algum lugar

só pra sentir

a sensação de chegar

Page 8: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

ENQUANTO OS OLHOS DERRAMAM JAZZ PELO CHÃO

No outro lado da calçada

ela anda

me encanta

com seus pequenos gestos

friamente calculados

enquanto penso numa trilha sonora

que harmonize com os seus olhos

seu sorriso de canto de boca

as curvas do seu corpo

Ah, as curvas do seu corpo

que jazz na minha cabeça!

minha mente se engana

enquanto ela diabolicamente

ajeita o cabelo pra detrás da orelha

unhas vermelhas pelo sangue de outros homens

Page 9: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

Nesses dias de chuva

sempre parece

que voltamos algumas décadas no tempo

as pessoas empunhando guarda-chuvas

correndo assustadas

pisando em poças d'agua

eu fico olhando pela janela

aquele menino

imperturbável na calçada

contando as gotas

que caem

na ponta de sua língua...

Page 10: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

UM LIVRO DE POESIA NA GAVETA NÃO ADIANTA NADA*

Tem esses papéis na gaveta

que você nunca vai ler

que eu até me esforcei pra fazer uma caligrafia bonita

com arroubos de anarquia e poesia

e aí eu ficaria esperando ansioso pela carta que você me enviaria

em resposta a essas cartas em que despejei todo meu sentimento

e a boa parte da minha alma

O papel todo surrado...

Agora ando por aí

com a parte ruim da minha alma

ela segue roubando uns tragos do meu whisky

arruinando minhas jogadas no bilhar

estourando as cordas do meu violão

riscando meus discos com cacos de vidro

das garrafas esquecidas perto do sofá

e todo o resto lá trancafiado na gaveta

entre as cartas que eu nunca vou te enviar

não sei teu endereço

pra falar a verdade

eu mal te conheço

(*Verso da música “Cada lugar na sua coisa”- Sérgio Sampaio)

Page 11: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

SEM GELO

Me fascina aquela menina

sem medo da vida

lavando com Whisky suas feridas

Page 12: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

CORPOS À DERIVA

Ela gostava de ficar olhando o céu nublado

como se fosse uma tela em branco

como se tivesse pensando quais cores da paleta iria usar

pra pintar o dia como ela bem entendesse

Sempre que o vento mandava uma brisa mais forte

ela gostava de pensar que eram os deuses

sussurrando algum segredo

em seus ouvidos

sobre o que estava por vir

sussurrando o que mais poderia acontecer naquela vida

desgovernada

mas eu sabia que os ventos da fortuna iriam demorar

pra acariciar aquela vela cheia de remendos

do nosso barco desnorteado

perdido...

Ficava tanto tempo olhando pra'quelas nuvens sem forma

tentando formar desenhos no céu

que lhe trouxessem boas recordações

E também tinha aquela música que sempre tocava na cabeça dela

dava pra ouvir ela assoviando alguma melodia

daquelas que não se ouvem mais nas rádios

era uma música triste muito triste

mas ela parecia alcançar algum tipo de paz no meio daquilo tudo

Eu nunca consegui entender

mas aquela música ainda toca na minha cabeça

todas as noites.

Page 13: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

A MÚSICA É SÓ UMA FORMA DE DIVIDIRMOS UM TRAGO

COM OS DEUSES

(ou registro de um show do Hermeto Pascoal)

Tem um misto de sentimentos

entre acordes dissonantes

e ritmos tribais

que deixa um nó suburbano na nossa cabeça

tem a felicidade feita fumaça e a fumaça fuçando

o espaço vazio

aquela linha grave no peito

um assobio

tem o instante na ponta dos dedos

a eternidade

que insiste em durar o tempo exato

de uma nota tocada por acidente

no lado mais grave do piano

E a certeza de que a música é um Deus livre!!

Page 14: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

INEXORÁVEL

As fiandeiras que tecem o meu destino

estão rindo agora

relembrando algo do passado talvez

vislumbrando o futuro

a curva inesperada numa estrada

esburacada por memórias

neste momento alguma delas mudou de ideia

eu esperava fios dourados

brilhantes como seus olhos

que escondem pequenas jabuticabas

E aos pés da árvore da vida

uma delas derrama uma lágrima

Page 15: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

Hoje eu fui numa feira de carros antigos

e em uma barraca no fim da rua

havia diversos objetos espalhados pelo chão

sobre uma capa amassada

dessas coisas que com o tempo tornam-se inúteis ao seu dono

e se arrastam pela terra sem rumo certo

um monte de reticências no meio do espaço-tempo

camafeus, caixinhas de música, toca-fitas, garrafas da coca- cola

em algum lugar daquele amontoado de objetos inúteis

eu posso jurar que vi o nossos amor

Não, na verdade eu vi aquela coisa abstrata

que um dia nós cultivamos

e pensamos que era algo que podíamos chamar de amor

e a coisa tava lá

em estado bruto!

jogada entre aquelas bugigangas

enferrujadas

tentei lembrar do seu rosto

me esforcei

mas nenhuma imagem veio à minha cabeça

eu não lembrava do seu rosto!

Observei por um longo tempo aquela coisa

jogada no chão

e saí andando com a certeza

de que ela estava no lugar a que sempre pertenceu

Page 16: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

IMPOSSIBILIDADES AUTORAIS I

Colocou tanta coisa no poema

que esqueceu-se

da poesia

Page 17: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

Só mais um bando de caras tristes

olhando pro copo e tentando prever

os maus agouros que estão por vir

nas ondas de whisky

através do vidro da garrafa

nas pernas tropeçantes de meia-calça

os mesmos sinais de sempre

O que vier pela frente

com uma garrafa e uma linda garota

que fica brincando com a fumaça do cigarro

como se tivesse saído de um daqueles filmes Noir

a femme fatale que leva um homem a decisões mortíferas

apenas com um sorriso vermelho-malícia

numa estrada sem sinalização

"Não para baby! Não para!"

eu com o pé no acelerador

e olhando pros olhos dela.

Dava pra ver as nuvens se aproximando...

O cara triste no balcão

olhando pro copo e tentando prever

o que está por vir.

Page 18: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

TRIVIALIDADE

Angelina lia seus livros pra mim

éramos jovens e

sentávamos na grama verde do seu quintal

e eu admirava a leitura em voz alta

que ela fazia de seus diversos livros de poesia

ela adorava me explicar

o significado de algumas palavras

ás vezes não entendia a explicação dela

mas tinha vergonha de dizer eu não entendi

eu gostava de ver seus gestos delicados, sua boca

seus olhos acompanhando aquelas linhas

ininteligíveis pra um moleque burro e sem estudos como eu.

Seus olhos tão vivos quanto o sol refletido na grama.

Ficávamos nisso toda a tarde

e quando o sol ia embora nós continuávamos ali

sentados no quintal

esperando as estrelas aparecerem.

Aqui na cidade grande dia ou noite o céu é cinza-poluído

e ninguém mais olha pro céu nem pra falar com Deus

mas lá na nossa cidade natal o ar era puro

e o céu uma coisa linda de se ver

Angelina me dizia que adorava olhar as estrelas

que elas são como palavras numa página de livro

só que melhor

pois não precisamos ir pra escola para aprender a admirá-las.

Hoje pensei em ir visitá-la no cemitério

mas eu nunca iria encontrá-la

ela foi enterrada como indigente

não sei quantos dias atrás

mendigava no centro da cidade

na noite em que foi estuprada e morta

abandonaram seu corpo

próximo à fonte da praça

Page 19: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

os desgraçados me deram boas porradas

fiquei inconsciente

acharam que eu estava morto e

fizeram o serviço sujo nela

no seu túmulo não há flores

nem uma respeitável lápide com palavras bonitas

não existe uma lápide com seu nome

Angelina foi enterrada como indigente.

Deveríamos ter ficado na nossa cidade

levando uma vida humilde

mas vida de gente!

Angelina me ensinou a ler e escrever

o filho-da-puta guarda da biblioteca não me deixa entrar no prédio

diz que eu não posso ficar chorando e berrando lá dentro

ele disse pra eu parar de incomodar as pessoas.

Page 20: POEMAS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA- Edivaldo Ferreira

FEELING BLUES

Seguimos assim

Escrevendo poemas ruins

para as mulheres que nos deixam felizes

e obras de arte

para as que nos deixam

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