26
16 Josefina Condori NOMEADA • Páginas 16 – 41 POR QUE JOSEFINA É NOMEADA? Josefina Condori é nomeada ao WCPRC 2008 por sua longa trajetória de luta pelas meninas que trabalham como domésticas no Peru, muitas vezes em condições semelhantes à escravidão. Muitas das centenas de milha- res de empregadas domésticas são expostas a agressões nos lares onde trabalham. Josefina, que também foi empre- gada doméstica, luta desde a adolescência pelos direitos das meninas trabalhadoras domésticas. Em 1994, ela fun- dou a organização Yanapanakusun, que administra um lar para garotas vulneráveis e um centro para trabalhadores domésticos. Josefina e a Yanapanakusun desenvolvem tra- balhos educativos e preventivos em 30 vilas andinas nos arredores de Cusco. Eles também transmitem cinco progra- mas de rádio, administram um hotel, uma fazenda e uma escola para meninas e meninos trabalhadores. 500 meni- nas já viveram no lar. Dezenas de milhares receberam apoio e auxílio nas atividades abertas do centro. Josefina oferece às meninas alimento, roupas, cuidados à saúde, um lar, possibilidade de ir à escola, segurança e amor. Porém, acima de tudo, ela trabalha para que todas as crianças trabalhadoras conheçam seus direitos e tenham condições de exigir o cumprimento dos mesmos. Dionisia tinha dez anos e estava cansada e solitária quando Josefina Condori a encontrou pela primeira vez, do lado de fora de uma das escolas noturnas da cidade de Cusco. A família para quem Dionisia trabalhava como empregada doméstica, havia mandado-a embora. Ela não tinha para onde ir. Naquele momento, Josefina se decidiu. Ela ofereceria a meninas como Dionisia um lar, cuida- do e conhecimento para lutar por seus direitos. J osefina fundou a organi- zação Yanapanakusun em 1994, para ajudar meninas e mulheres que tra- balham como empregadas domésticas em Cusco, no Peru. Durante o dia, a pró- pria Josefina trabalhava para uma família. À noite, ela percorria as escolas notur- nas da cidade com Vittoria e Ronald, com quem ela ini- ciou a organização. Eles informavam às pessoas que todos os trabalhadores domésticos têm direito a um bom salário, folga todos os domingos, e a serem sempre tratados com respeito. Foi numa dessas noites que Josefina conheceu Dionisia. E já na mesma noite, enquan- to Dionisia dormia em um canto, do único cômodo do apartamento, Josefina disse a Vittoria e Ronald: – Temos que fazer mais para ajudar as meninas. No futuro, quero construir uma casa para onde todas as meninas que precisam de ajuda possam ir. Mas até lá, elas poderão morar aqui conosco. O sonho com Lima A história de Josefina come- ça quando ela tem sete anos e mora com sua família em uma vila no sul do Peru. Ela está sentada em seu lugar Josefina e seus colegas de trabalho conhecem muitas crianças nas vilas andinas. A Yanapanakusun trabalha junto com as escolas das vilas para divulgar informações sobre a situação das meninas na cidade de Cusco. Peru Lima colômbia bolívia Cusco equador brasil Andes Oceano Pacífico Continua na página 18 GLOBEN_0746_PO_s016 16 07-10-12 14.32.06

po_josefina

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Dionisia tinha dez anos e estava cansada e solitária quando Josefina Condori a encontrou pela primeira vez, do lado de fora de uma das escolas noturnas da cidade de Cusco. A família para quem Dionisia trabalhava como empregada doméstica, havia mandado-a embora. Ela não tinha para onde ir. Naquele momento, Josefina se decidiu. Ela ofereceria a meninas como Dionisia um lar, cuida- do e conhecimento para lutar por seus direitos. Oceano Pacífico equador colômbia brasil bolívia 16 Lima

Citation preview

Page 1: po_josefina

16

Josefi na CondoriNOMEADA • Páginas 16 – 41

POR QUE JOSEFINA É NOMEADA?

Josefi na Condori é nomeada ao WCPRC 2008 por sua longa trajetória de luta pelas meninas que trabalham como domés ticas no Peru, muitas vezes em condições semelhantes à escravidão. Muitas das centenas de milha-res de empregadas domésticas são expostas a agressões nos lares onde trabalham. Josefi na, que também foi empre-gada doméstica, luta desde a adolescência pelos direitos das meninas trabalhadoras domésticas. Em 1994, ela fun-dou a organização Yanapanakusun, que administra um lar para garotas vulneráveis e um centro para trabalhadores domésticos. Josefi na e a Yanapanakusun desenvolvem tra-balhos educativos e preventivos em 30 vilas andinas nos arredores de Cusco. Eles também transmitem cinco progra-mas de rádio, administram um hotel, uma fazenda e uma escola para meninas e meninos trabalhadores. 500 meni-nas já viveram no lar. Dezenas de milhares receberam apoio e auxílio nas atividades abertas do centro. Josefi na oferece às meninas alimento, roupas, cuidados à saúde, um lar, possibilidade de ir à escola, segurança e amor. Porém, acima de tudo, ela trabalha para que todas as crianças trabalhadoras conheçam seus direitos e tenham condições de exigir o cumprimento dos mesmos.

Dionisia tinha dez anos e estava cansada e solitária quando Josefi na Condori a encontrou pela primeira vez, do lado de fora de uma das escolas noturnas da cidade de Cusco. A família para quem Dionisia trabalhava como empregada doméstica, havia mandado-a embora. Ela não tinha para onde ir.

Naquele momento, Josefi na se decidiu. Ela ofereceria a meninas como Dionisia um lar, cuida-do e conhecimento para lutar por seus direitos.

Josefi na fundou a organi-zação Yanapanakusun em 1994, para ajudar

meninas e mulheres que tra-balham como empregadas domésticas em Cusco, no Peru. Durante o dia, a pró-pria Josefi na trabalhava para uma família. À noite, ela percorria as escolas notur-nas da cidade com Vittoria e Ronald, com quem ela ini-ciou a organização. Eles informavam às pessoas que todos os trabalhadores domésticos têm direito a um bom salário, folga todos os domingos, e a serem sempre tratados com respeito.

Foi numa dessas noites que Josefi na conheceu Dionisia.

E já na mesma noite, enquan-to Dionisia dormia em um canto, do único cômodo do apartamento, Josefi na disse a Vittoria e Ronald:

– Temos que fazer mais para ajudar as meninas. No futuro, quero construir uma casa para onde todas as meninas que precisam de ajuda possam ir. Mas até lá, elas poderão morar aqui conosco.

O sonho com LimaA história de Josefi na come-ça quando ela tem sete anos e mora com sua família em uma vila no sul do Peru. Ela está sentada em seu lugar

Josefi na e seus colegas de trabalho conhecem muitas crianças nas vilas andinas. A Yanapanakusun trabalha junto com as escolas das vilas para divulgar informações sobre a situação das meninas na cidade de Cusco.

Peru

Lima

colômbia

bolívia

Cusco

equador

brasil

A n d e sO c e a n o P a c í f i c o

Continua na página 18

GLOBEN_0746_PO_s016 16 07-10-12 14.32.06

Page 2: po_josefina

17

T

EX

TO

: JOH

AN

NA

HA

LL

IN F

OT

O: T

OR

A M

ÅR

TE

NS

& JO

HA

NN

A H

AL

LIN

As meninas invisíveisPelo menos cinco por cento de todas as meninas do Peru, 560.000 meninas, trabalham como emprega-das domésticas. Elas limpam a casa, lavam a roupa, cozinham, cuidam de crianças ou realizam outras tarefas domésticas. É bem sabido que a vida para os meninos que moram nas ruas é difícil, porém as meninas sofrem atrás de portas fechadas e poucos têm consciência dos seus problemas.

Bem vindo à cidade incaPor todos os lugares de Cusco tremulam as bandeiras do arco-íris. O arco-íris era um símbolo do reino dos nativos incas, que se estendia por toda a Cordilheira dos Andes, antes dos espanhóis invadirem a região no século XVI. Cusco era a capital do império inca, e a bandeira do arco-íris se tornou o símbolo da cidade.

Oi amigo!Há muitas formas de saudar novos amigos nas vilas nos Andes. Se Edwin, 12 anos, vê alguém de quem gostaria de ser amigo, ele pega uma pedrinha e a atira. Aqui, ele atira a pedrinha para Clorinda, 14 anos. Quando ela nota a pedrinha, que cai perto de seus pés, eles podem começar a conversar entre si.

“Não sejam tão gratas!”“Eu preciso agradecer por poder respirar? Não, exatamente!” diz Josefi na. Ela quer dizer que muitas das crianças trabalhadoras aprenderam que precisam ser gratos por tudo. Eles não esperam ser bem tratados.

“É claro que é importante ser cortês e agradecer, mas tento ensinar às meninas que bom tratamento, respeito, possibilidade de visitar os pais, tempo para brincar e para descansar não são presentes. Esses são Direitos das Crianças!”

bolívia

GLOBEN_0746_PO_s017 17 07-10-12 14.32.27

Page 3: po_josefina

18

preferido, uma pedra em forma de cavalo, chorando. Seu pai morreu.

Sem o pai para cuidar da lavoura na floresta, a família logo fica mais pobre. Em breve, eles não terão dinhei-ro para comprar comida nem roupas.

– E nem adianta ficar me amolando para ir à escola, diz a mãe para Josefina. Você tem que ajudar em casa, escola é coisa para meninos.

Toda a sua vida parece vazia desde a morte do pai. Josefina começa a sonhar em ir para Lima, a capital. Ela sabe que muitas meninas da região vão para lá traba-lhar. ”Lá eu poderia ir à escola e comprar roupas bonitas. E sapatos! E doces”, pensa Josefina.

Portanto, quando a mãe diz que Josefina vai com um parente para Lima, ela fica muito contente.

Espancada e jogada foraLima não é tão bela como Josefina havia imaginado. Ela vai morar em um cômo-do pequeno e sujo junto com seu primo e a família dele. ”Cometi um erro!” pensa Josefina.

Ela mora naquele quarti-nho por cinco anos. Muitas noites ela chora deitada no chão, onde dorme. Durante o dia, ela cuida do filho de seu primo, varre a casa, lava a roupa e a louça.

Josefina não gosta de sair, pois as crianças da vizinhan-ça riem por ela falar quéchua e não espanhol. A esposa do primo grita ordens em espanhol. Quando Josefina não enten-de o que ela diz e faz algo errado, ela é espancada e chutada.

– Chola, grita a mulher. Você é burra e preguiçosa!

Um dia, a criança se machuca.

– Não foi culpa minha.

Todas as noites, Josefina e as meninas comem juntas.

Muitas vezes, Josefina é convidada para falar nos programas de rádio da Yanapanakusun. É uma boa maneira de dissemi-nar informação entre meninas trabalhadoras domésticas que não têm permissão de seus patrões para sair.

Josefina conseguiu roupas de bebê para o filho de Miriam, que tem apenas dois dias de idade. Miriam, 16 anos, mora no lar há três meses. Ela foi expulsa da casa onde trabalhava quando a patroa percebeu que ela estava grávida.

GLOBEN_0746_PO_s018 18 07-10-12 14.32.40

Page 4: po_josefina

19

Josefi na tenta explicar, porém a mulher do primo não acredita nela. Ela pega uma faca e ameaça matar Josefi na.

Aos doze anos, Josefi na toma coragem e pede per-missão ao primo para ir à escola.

– Menina ingrata, quem vai cuidar do nosso fi lho? Fora daqui, diz o primo.

Ele abre a porta e Josefi na de repente está sozinha na rua. Mas ela tem sorte. Através de um vizinho, ela consegue outro emprego na casa de uma família que

mora em outra parte de Lima. Finalmente, ela pode come-çar a freqüentar uma escola noturna. Lá ela aprende a ler, escrever e contar.

Na escola noturna, Josefi na fi nalmente faz ver-dadeiras amigas. Elas tam-bém são meninas que traba-lham. Uma delas leva Josefi na a uma associação de trabalhadores domésti-cos. Eles se reúnem todo domingo para falar sobre suas experiências e tentam, juntos, encontrar soluções para os problemas uns dos outros. E riem muito!

Mamãe!Quando Josefi na tem 17 anos, ela quer reencontrar sua família. Ela encontra o primo em Lima e ele explica como voltar à vila. O primo está contente em vê-la, pois depois que ela foi expulsa e sumiu, a mãe de Josefi na foi à polícia e deu parte de seu desaparecimento.

Josefi na encontra sua mãe. Faz dez anos que elas se viram pela última vez, e há muitas coisas que ela quer contar. Mas ela mal conse-gue! Durante seus anos de trabalho, as famílias que a

Em sua busca pelas origens e certidões de nascimento das meninas, Josefi na já rodou a Cordilheira dos Andes de trás para frente. Muitos já conhe-cem seu trabalho e ajudam a Yanapanakusun na luta pela defesa dos direitos das meninas.

empregaram a proibiram de falar quéchua

– Eu senti tanto a sua falta, diz Josefi na, e elas choram juntas.

De volta a Lima, Josefi na continua a ir à escola toda noite. Quando tem 23 anos, ela faz o exame fi nal. Ela

Quando entra na escola, aos 12 anos, Josefi na (à direita) entra em contato com muitas meninas que também trabalham como domésticas. Ela fi nalmente encon-tra amigas que a entendem.

Josefi na (no meio) com sua mãe perto de sua vila de origem. Ao procurar sua mãe, depois de 10 anos como doméstica, elas mal conseguiam conversar. Josefi na tinha esquecido qua-se totalmente sua lín-gua natal, o quéchua.

GLOBEN_0746_PO_s019 19 07-10-12 14.32.50

Page 5: po_josefina

20

está tão orgulhosa! Sua nova amiga Vittoria a parabeniza. Elas se conheceram na asso-ciação para trabalhadores domésticos, e planejam se mudar para Cusco e iniciar uma associação parecida lá.

Cusco é uma cidade nos Andes. Há centenas de anos, era a capital do reino inca e continua a ser um centro, aonde muitas meninas vão para trabalhar. Josefina, Vittoria e Ronald se mudam para um apartamento de um cômodo. Quando começam seu trabalho nas escolas noturnas, percebem que a situação das empregadas domésticas em Cusco é ain-da pior do que em Lima.

A maioria das empregadas domésticas são garotas jovens, muitas têm apenas cinco ou seis anos de idade e estão sozinhas na cidade. A maior parte delas vem de vilas situadas no alto das montanhas, falam apenas quéchua e não têm nenhum contato com suas famílias.

Nos importamosLogo o trabalho de Josefina está totalmente concentrado na ajuda às meninas traba-lhadoras invisíveis de Cusco.

Primeiro, ela ajuda as meninas a obterem suas cer-tidões de nascimento. Porém, isso é difícil, pois muitas delas esqueceram seus sobrenomes e onde ficam suas vilas de origem. Muitas vezes Josefina tem que fazer longas caminhadas até as vilas nas montanhas. Quando visita as vilas, ela aproveita a oportunidade para falar sobre a situação das meninas trabalhadoras em Cusco.

Quando as meninas conse-guem suas certidões de nas-cimento, podem finalmente começar a freqüentar a esco-la. A maioria se matricula em escolas públicas, mas a organização de Josefina tam-

Brincar e se movimentar é importante para a auto- estima e adiciona prazer na ida à escola. Educação física é uma parte vital do progra-ma educativo da Yanapana-kusun.

bém abriu uma escola para meninas e meninos que tra-balham em Cusco.

Agora, a Yanapanakusun, a organização de Josefina, já construiu a grande casa para as meninas, que era o sonho de Josefina. A organização tem também um pequeno hotel, onde se hospedam pessoas de todo o mundo, e um estúdio de rádio para difundir conhecimento sobre a situação das meninas empregadas domésticas. O trabalho segue em frente, porém Josefina ainda enfrenta oposição por parte da polí-cia, de advogados e de juízes que querem fechar a casa.

– Eles não querem ouvir as meninas, diz Josefina.

– As garotas que ajudamos já foram desapontadas mui-tas vezes, e nunca se senti-ram amadas. É por isso que queremos mostrar que nós realmente nos importamos com elas.

O que fazem JOsefiNa e a YaNapaNakusuN?• Administramumlarondeasjovensempregadas

domésticastêmumlugarparamorar,roupasecuidado.• Procuramasfamíliasdasmeninaseajudamasgarotas

aobterdocumentosdeidentidade.• Administramumcentrodeajudaparameninasempre-

gadasdomésticasemCusco.• Transmitemcincoprogramasderádioparadivulgar

informaçõessobreasituaçãoeosdireitosdasmeni-nastrabalhadorasparaasprópriasmeninas,suasfamílias,empregadoreseorestantedasociedade.

• RealizamtrabalhopreventivoemvilasecomunidadeslocalizadasnasmontanhasnosarredoresdeCusco.

• AdministramaescolanoturnaMariaAngolaparameninasemeninostrabalhadoresdeCusco.

• Administramumaescolaprofissionalizanteparameninastrabalhadoras.

• Administramumafazendanovalesagradodosincas.• Administramumhoteleumaagênciadeviagem.

“Nos ajudamos mutuamente”JosefinafundouaorganizaçãoYanapanakusunjuntocomVittoriaSavioGilardieRonaldZarateHerreraem1994.Yanapanakusunsignifica”nósnosajuda-mosmutuamente”emquéchua.Aorganizaçãoadmi-nistramuitosprojetos.OmaisimportanteéoCaith,queéotrabalhodeJosefinacomasmeninasempre-gadasdomésticas.

GLOBEN_0746_PO_s020 20 07-10-12 14.32.57

Page 6: po_josefina

21

Rosia

Rosia Sencia Peña, 11

é livre na montanha

No alto da montanha Rosia se sente livre. Ela corre com as ovelhas e brinca com seus irmãos. Hoje ela imagina que trabalha na cida-de de Cusco e que tem roupas novas e bonitas. De repente, um grito mórbido de uma das ovelhas a desperta de sua fantasia! Ela corre em direção à ovelha e à raposa cinza, mas é tarde demais…

Rosia não quer se levan-tar essa manhã. Debaixo do cobertor

de lã que o pai teceu ainda está quentinho, mas fora da cama está frio. Pequenos cristais de gelo se espalham sobre toda a casa e a vila, como um véu branco.

As sandálias de Rosia estão rígidas devido à geada da noite e logo os pés come-çam a doer por causa do frio. O vilarejo fi ca 4.300

metros acima do nível do mar, portanto, apesar da proxi-midade com o equador, as noites são sempre frias. Rosia corre até a torneira e depois de volta até a casa, em segui-da corre para o mesmo lugar para aquecer os pés. Pelo menos está seco. No período chuvoso, sempre há neve e lama todas as manhãs.

Quando o café da manhã está pronto, Rosia acorda seus irmãos, José e Jeovana.

Gosta de: Estar na montanha junto com as ovelhas.Prato preferido: Batata cozida.Deseja: Um par de sapatos de pele clara.Ama: Meus irmãos José, 8 anos, e Jeovana, 5 anos. Jogar futebol.Detesta: Discussão e briga e quando as crianças são más umas com as outras.Sonha: Trabalhar em uma casa de família, ganhar dinheiro e comprar roupas bonitas.Orgulhosa de: A saia que meu pai costurou.

A mãe e o pai não estão em casa. Eles se levantam muito antes de amanhecer para caminhar durante três horas montanha abaixo, até a plantação de milho da família.

A mãe pediu para Rosia cuidar dos irmãos. Mas eles trapaceiam na hora do ba nho, e ao invés de se lava-rem, jogam apenas uma água no rosto. A água do poço está congelante.

– Só não digam nada para a mamãe, diz Rosia sorrindo.

Enxerga malRosia leva os irmãos consigo para a escola azul claro. Do lado de dentro das paredes de pedra do pátio, as crianças jogam futebol. Rosia adora futebol. Os meninos jogam contra as meninas, e Rosia

T

EX

TO

: JOH

AN

NA

HA

LL

IN F

OT

O: T

OR

A M

ÅR

TE

NS

GLOBEN_0746_PO_s021 21 07-10-12 14.33.09

Page 7: po_josefina

22

Rosia

Batata amassada – hum!

não tem medo de atracar-se para pegar a bola. Ela dribla e faz gol! As outras meninas

comemoram e pulam, Rosia joga os bra-

ços para o ar. Na sala de

aula, Rosia não se sente tão segura de si. Ela gosta de ir à escola. Mas o sol

forte do alto da montanha

feriu seus olhos e ela tem dificuldade

para enxergar o que o professor escreve no quadro. A mãe quer levá-la ao médico, mas primeiro eles têm que economizar dinheiro para pagar o médico e a viagem de quatro horas até lá. Assim, Rosia continua a forçar os olhos e sente dores de cabe-ça na hora do almoço.

Deseja sapatosA escola termina diaria-mente ao meio dia. Então, Rosia segura a mão de sua irmã e elas sobem em direção ao topo da montanha. Elas

têm que cuidar das ove-lhas.– Na montanha eu me

sinto livre, diz RosiaEla tem um estilingue para

atirar pequenas pedras em direção ao rebanho de ove-lhas, para que elas voltem para casa à noite. Rosia gos-ta do som do estilingue.

Às vezes ela brinca com outras crianças que pasto-reiam ovelhas na montanha. Mas normalmente são só ela e seus irmãos. Ela costuma se sentar na montanha para observar as ovelhas e fanta-siar. O que ela mais sonha é ir para Cusco trabalhar. Rosia já viu muitas meninas da vila entrarem em um caminhão e sumirem em direção a um mundo sedutor na cidade.

– Eu gostaria de trabalhar e ganhar dinheiro para com-prar roupas bonitas. Primeiro eu gostaria de com-prar um casaco amarelo de lã com botões brilhantes. E sapatos! Eu gostaria muito de ter um par de sapatos, diz Rosia.

A mãe de Rosia trabalhou em Cusco quando era jovem. Minha mãe contou sobre os carros e as barracas de fru-tas no peso, onde vendem maçã, laranja e manga.

– Mas eu só quero tra-balhar para alguém que eu conheça, não para uma família estranha. Eu preferia ir para Cusco junto com a minha mãe, diz Rosia.

Todo dia depois da aula, Rosia ajuda seu pai a secar a batata. A batata seca pode ser armazenada pela família durante todo o inverno sem estragar.

1. Escolha batatas bem pequenas. Coloque-as para secar ao sol.

2. Depois de dois dias, é hora de bater e torcer a batata para que a casca se quebre e o líquido saia.

3. Bata as batatas mais algumas vezes. No final, elas irão ficar secas e pretas.

4. Moa a batata seca para fazer farinha de batata, que pode ser usada em molhos, sopas e cozidos.

GLOBEN_0746_PO_s022 22 07-10-12 14.33.25

Page 8: po_josefina

23

A raposa cinza se aproximaDe repente, uma ovelha sol-ta um grito aflito e Rosia acorda de seu sonho. Os irmãos de Rosia também gritam, pois podem ver todos os dentes brilhantes da raposa mordendo a gar-ganta da ovelha. O sangue espirra sobre a lã.

Rosia corre em direção à raposa cinza e à ovelha. Ela joga uma pedra para espan-tar a raposa, mas é tarde demais. Sua ovelha branca está morta.

– O que vamos fazer? A mamãe vai ficar brava e nos bater, diz José, olhando assustado para a ovelha nos braços de Rosia.

É comum os pais baterem em seus filhos, mas Rosia sabe que sua mãe não fará isso. Porém, ela vai gritar e ficar brava.

No caminho para casa, Rosia está triste e calada. Ela carrega a ovelha e sua camisa fica coberta de sangue.

Não existe eletricidade na vila. Então, depois que o sol se pôs e a mãe terminou de gritar, Rosia se senta sozi-nha no escuro do lado de fora da casa.

– Eu vou embora daqui, pensa, e as lágrimas escor-rem. Tudo vai melhorar se eu simplesmente for embora daqui.

Muitas das crianças na vila não tomam o café da manhã. Sem comida no estômago, elas ficam indisciplinadas e agitadas na sala de aula. Por isso, alguns pais da vila dão um copo de mingau pela manhã para todas as crian-ças. Uma vez, a cada duas semanas, a mãe de Rosia traz o lanche.

Rosia com sua família do lado de fora da casa, que fica no meio da vila.

GLOBEN_0746_PO_s023 23 07-10-12 14.33.41

Page 9: po_josefina

24

Por que as meninas querem ir para a cidade?• As famílias das áreas rurais geralmente são muito

pobres. Algumas meninas vão para a cidade para deixar de passar fome e frio.

• As escolas das vilas são pequenas e têm apenas três ou quatro séries. Algumas meninas vão para a cidade porque querem continuar os estudos.

• O alcoolismo e a violência são problemas comuns em vilas pobres. Algumas meninas vão para a cidade para fugir do abuso em casa.

A maioria das meninas que vão para as cidades do Peru sabem muito pouco sobre o que as aguarda. Meninas que trabalham em casas de família têm que trabalhar duro e fi cam isoladas no local onde traba-lham, principalmente antes de aprenderem a falar espanhol. Freqüentemente elas são maltratadas e vítimas de abuso. Por isso, Josefi na e a Yanapana-kusun trabalham junto às escolas das vilas, para informar crianças e pais sobre como é a vida de uma empregada doméstica.

Rosia e a maioria das crianças das vilas situadas no entorno de Cusco

usam sandálias – no verão e no inverno. Elas

se chamam ushuta e, antigamente, eram feitas com a pele de lhama. Agora as sandálias são feitas com pneus usados de carro.

Sandálias de pneu de carro

Rosia e seus colegas de classe adoram jogar futebol. Os muros de pedra do pátio constituem as linhas laterais.

GLOBEN_0746_PO_s024 24 07-10-12 14.33.50

Page 10: po_josefina

25

Lidia Garate Luza, 13

Eu sou boa!

Os alunos da quinta e sexta séries brincam, conversam, escrevem

listas e desenham por toda a manhã. O tema é dignidade. É uma palavra difícil e leva algum tempo para com-preender o que ela realmente significa.

– Dignidade é respeitar a si mesmo e aos outros, diz Regina.

– Exatamente, diz Dimitri. Podemos ser pobres, mas merecemos respeito mesmo assim. Vocês devem se esforçar na escola e serem amigáveis com os adultos, mas os adultos também

devem ser gentis com vocês. Ninguém pode bater em vocês e nem maltratá-las.

Lidia franze a testa. Quando seu pai chega em casa bêbado, geralmente há brigas e discussões. Isso é desrespeitoso, pensa Lidia.

– Fico com raiva quando meu pai se comporta assim, diz ela.

Lidia e as outras alunas já conversaram muito sobre pais e adultos bêbados. Muitos adultos aqui conso-mem bebidas alcoólicas para esquecer o trabalho duro, a fome e a pobreza. Mas as crianças nunca se esquecem.

– Eu sou boa! – Eu sou boa!Os gritos ecoam entre as casas e as montanhas.

Dimitri, da organização Yanapanakusun, de Josefina, veio com sua motocicleta pela estrada de cascalho recém-construída, a primeira estrada que leva até o vilarejo. Esta é uma das 30 vilas que a Yanapanakusun visita regularmente.

T

EX

To

& F

oT

o: Jo

HA

NN

A H

AL

LIN

– Antes, eu sempre sonha-va em me mudar para Cusco ou para Lima, mas agora meu sonho é que uma escola seja construída em nossa vila, diz Lidia.

– Eu quero terminar o ensino médio e depois abrir um negócio. Vou vender pão, noodles, batata e açú-car. Prefiro morar aqui. Porém, eu nunca, nunca vou tomar bebidas alcoólicas e, quando me casar, meu mari-do também não vai beber. Gosta de: Brincar no pátio da

escola.Não gosta: Quando os adultos discutem e brigam.Deseja: Que meu pai respeite a mim e aos meus amigos.Sente falta de: Minha mãe. Ela morreu quando eu era pequena.Admira: Dimitri, que nos ensina sobre os direitos da criança.

O corpo todo participa das aulas da Yanapanakusun.

GLOBEN_0746_PO_s025 25 07-10-12 14.33.59

Page 11: po_josefina

26

Jeni Maribel Piñe Pucyura, 9

Detenham os professores bêbados

Jeni Maribel adora ir à escola e fazer cálculos matemáticos. Porém, hoje é segunda-feira e a turma não vai aprender nada novo.

Jeni-Maribel e as ou tras crianças se sen-tam totalmente imó-veis quando ouvem o

professor se aproximar. Ele cheira a suor e álcool e logo começa a gritar com as crianças.

– Por que ninguém puxou minha cadeira? Vocês não prestam para nada, bando de crianças estúpidas! Por que eu tenho que fi car neste buraco?

O professor é de Cusco, mas trabalha no vilarejo onde Jeni Maribel mora.

Gosta de: Matemática, é lógico e simples.Detesta: Adultos bêbados.Quer ser: Bibliotecária, para poder ler todos os livros.

Muitos adultos da cidade encaram as pessoas do inte-rior com desprezo. Por isso o professor não se importa com seu trabalho. Ele freqüente-mente está bêbado e, neste dia, como na maioria das segundas-feiras, dorme com a cabeça sobre sua mesa.

As crianças se sentam caladas o dia todo. Quando o professor acorda, ele tira o cinto para bater nos dedos de alguém.

Depois que o horário da escola termina, as crianças se reúnem atrás da casa de Jeni Maribel.

– Precisamos fazer alguma coisa, diz ela.

Eles decidem que todos vão contar sobre o professor a seus pais quando chegarem em casa. Jeni Maribel fala sobre os espancamentos e como o professor bêbado grita com as crianças. Nessa noite, os pais se reúnem e vão à polícia.

No outro dia, o professor não aparece. Os alunos fi cam sozinhos na sala de aula todos os dias da sema-na. Na segunda-feira seguin-te, chegam dois novos pro-fessores.

– Ouvimos falar sobre seu problema. Mas prometemos que nunca viremos bêbados para a escola. Vamos tratá-los com respeito, da mesma forma que vocês nos respei-tam como professores, pro-metem eles.

Jeni Maribel fi ca orgulho-sa. Junto com seus colegas de classe, ela conseguiu se livrar do professor bêbado.

– Eles deveriam colocar todos os maus professores atrás das grades! diz ela. Não só os professores, mas todos os adultos que espan-cam crianças ou as maltra-tam.

Jessica Quispe, 11 anos, e Juli Borrientos, 9 anos, usam trajes da região de Tinta, ao sul de Cusco.

Victor Manuel Meza, 10 anos, e Marco Antonio Luna Huisa, 11 anos, usam trajes do festival da colheita, da região de Tinta.

GLOBEN_0746_PO_s026 26 07-10-12 14.34.11

Page 12: po_josefina

Clorinda Cachira Owepe, 15

No site www.childrensworld.org você pode assistir dois fi lmes onde Clorinda e suas colegas de escola dançam.

O guarda-roupa de Cusco

“Eu adoro dançar! Mas preciso ter espaço para dançar como eu quiser”.

Minha vila fi ca próxima da montanha Apu, cujo nome sig-nifi ca deus em quéchua. É a mais alta e mais sagrada mon-tanha perto de Cusco. Todo ano fazemos uma grande festa no inverno e todas as pessoas da vila dançam. Nós, meninas, dançamos mais intensamente. O lugar onde celebramos o festival fi ca na montanha, em um declive. As pessoas mais velhas da vila contam histórias sobre meninas que dançaram com tamanho entusiasmo que acabaram caindo no precipí-cio. Uma vez eu quase caí! Mas meu pai me segurou.”.

Clorinda dança a dança da ladeira

As crianças da região de Cusco adoram dançar e cantar. Há muitos belos trajes para vestir e muitas danças para aprender. Algumas são originárias da época dos incas, outras têm suas raízes na Espanha. Em junho e julho, as festas se sucedem. O festival mais importante em Cusco se chama Inti Raymi e remonta à época em que os índios celebravam o dia mais curto do ano, o solstício do inverno.

Feliz: Quando eu danço.Triste: Quando nossas lhamas e carneiros morrem no frio do inverno.Brava: Quando adultos obrigam meninas a tra-balhar dia e noite, sem nem um dia de descanso.Desejo: Dançar na encosta da montanha novamente.

Gregorio Cansaya Quispe, 10 anos, veste uma fantasia de demô-nio de uma dança tradi-cional da região de Paucartamzo, próxima à fl oresta peruana.

Reyna Caceres Puma, 10 anos, e Carlos Enrique Contreras, 11 anos, usam um traje de Chicchinccha. Eles são chamados de cowboys dos Andes, pois muitos naquela região trabalham com cavalos e gado.

Sabina Yahaira, 5 anos, está vestida com um traje Tincus, típico da região em torno do Lago Titicaca, no sul do Peru.

Rosemery Ugarte, 12 anos, usa um traje que foi trazido ao Peru pelos conquis-tadores espanhóis há muitos séculos.

Jose Nicolas Ccapatinta Lopez, 12 anos, em um traje Canchi, usado para uma das mais antigas danças indígenas. Essa dança é sobre a secagem da batata.

T

EX

TO

: JOH

AN

NA

HA

LL

IN F

OT

O: T

OR

A M

ÅR

TE

NS

16-40 Peru.indd 27 07-10-18 09.41.17

Page 13: po_josefina

28

CuscoÉ tratada como um cão“Eu tenho que me sentar na cozinha e comer os restos, como um cão. Às vezes não sobra nada para eu comer. Uma vez eu estava com tanta fome que procurei por algu-ma coisa para comer nos sacos de lixo, atrás da casa. Naquele momento, eu pen-sei que seria melhor se eu nem existisse”. Reyna, 11 Nunca sai

“Eu nunca saio. Eu me perderia, e para quem poderia perguntar o caminho? Eu não sei falar espanhol. Além disso, minha patroa diz que eu poderia ser rou-bada e apanhar na rua, ou que a polícia poderia me levar. Isso me amedronta”. Laydi, 12

Ter o cabelo puxado“Eu lavo as roupas da família toda. O pior é quando as crianças man-cham suas camisas brancas com suco de frutas. Essas são as man-chas mais difíceis de remover e, se eu não consigo, a dona da casa fi ca brava. Ela grita comigo e puxa meu cabelo”. Carmen Celia, 13

Cansada e solitária em A maioria das meninas que vêm tra-balhar em Cusco é do interior, das regiões montanhosas que cercam a cidade. Elas sonham com a vida na cidade, educação e roupas bonitas. Todavia, a realidade freqüentemen-te se assemelha mais a uma prisão.

Ninguém me vê“A dona da casa cozinha, mas eu tenho que cortar todos os legumes e manter acesa a lenha do fogão. Depois das refeições sou eu que lavo a louça e limpo a cozinha. Muitos acham que ela é uma boa cozinheira. Isso me dá raiva. Ninguém percebe que eu ajudo”. Fany, 12

T

EX

TO

: JO

HA

NN

A H

AL

LIN

FO

TO

: TO

RA

RT

EN

S

GLOBEN_0746_PO_s028 28 07-10-12 14.34.49

Page 14: po_josefina

29

Valeria Llamacehima Churata, 13

Josefi na

Valeria cochila na carteira da escolaValeria cochilou hoje, com a cabeça apoiada no livro-texto e os braços sobre o joelho. O professor da maior escola noturna de Cusco a acordou deli-cadamente. Não é a primeira vez que ele vê uma menina exausta após um dia de trabalho. Mas Valeria se envergonha mesmo assim. Ela quer ir bem na escola, mas é difícil quando os olhos ardem como se estivessem com areia e os braços estão pesados como chumbo.

“Eu me levanto pouco antes das seis da manhã. A essa hora a casa toda está fria, e começo logo com a limpe-za para me esquentar. Se tenho sorte, os dois garotos dormem até as sete e meia. Aí eu tenho tempo de fazer parte das minhas lições de casa antes que eles acordem.

A dona da casa vai para o trabalho quando eu acor-do, então é minha responsabilidade vestir os meninos e levar o mais velho para a creche. O menino mais novo só tem um ano de idade. Eu cuido dele e brinco com ele o dia todo. Eu gosto quando ele ri, e ele tam-bém gosta de mim.

Ao meio-dia, eu dou almoço para os meninos e lhes dou banho. Depois, eu cuido deles e lavo roupa durante o resto da tarde. Na maior parte do tempo, é fácil. Mas, às vezes, meus patrões fi cam bravos. Na semana passada, eu estava brincando na rua com os meninos bem na hora que o dono da casa chegou. Não havia nenhum carro lá fora, mas ele fi cou muito bravo e me chamou de ’idiota’. Senti-me estúpida e triste.

Todos os dias, às seis da tarde, eu vou para a escola noturna. É a melhor parte do dia, mas eu estou sem-pre tão cansada. Tenho dor de cabeça e mal consigo segurar uma caneta. É por isso que não vou tão bem na escola. Não tenho energia para me concentrar naquilo que o professor diz. Eu queria poder ir à esco-la durante o dia, como as outras crianças. Mas preci-so trabalhar, então isso é impossível.

As nove e meia eu volto para a casa. Então tenho que lavar a louça do jantar e tentar comer alguma coisa antes de me deitar”.

Visitar as diferentes escolas noturnas é uma parte impor-tante do trabalho de Josefi na e Yanapanakusun. É onde ela entra em contato com meninas que precisam de ajuda e apoio. As escolas noturnas são, na verdade, para traba-lhadoras domésticas adultas, mas muitas das alunas são crianças. Muitos patrões não permitem que as meninas freqüentem a escola regular, mas as autorizam a irem à escola noturna depois que elas concluem suas obriga-ções diárias. Algumas meninas só têm permissão para ir uma vez por semana. Por isso as escolas noturnas organi-zam aulas extras aos sábados e domingos.

Gosta de: Se ocupar e fazer brincos.Fica triste: Quando penso em minha mãe e como ela costumava rir e me abraçar.Sonho: Ser enfermeira.

Grita palavões“O dono da casa fi ca bravo com muita facilidade. Não importa o que eu faça, ele sempre grita comigo. Palavrões, muito alto. Tenho vontade de arrancar minhas orelhas quando ele faz isso”. Juli, 13

Na escola noturna, as meninas têm a chance de usar computadores. Onde moram, a maioria delas só pode tirar o pó dos computadores.

encontra as garotas na escola noturna

16-40 Peru_korrad.indd 29 07-10-18 10.03.01

Page 15: po_josefina

Luz Garda

30

L uma camiseta fi na. A mu lher a envolve com

uma manta e sorri para ela. – Estamos a caminho de

Cusco, diz a mulher. É uma cidade grande, porém não se preocupe, vou cuidar de você.

Luz Garda fi ca contente. Finalmente um adulto que se importa com ela. Até hoje, ela nunca se sentiu bem vin-da em lugar algum. Quando ela tinha seis anos, seu padastro a mandou morar com uma tia na cidade, para ir à escola. No entanto, vários anos se passaram até que a tia achou que tinha condições de pagar as taxas

escolares. Ao invés de ir para a escola, Luz

Garda tinha que ajudar na limpeza da

casa e trabalhar na pequena loja de

sua tia.

Luz Garda tem 11 anos quando viaja num ônibus que segue para uma cidade, cujo nome ela desconhece. Ela fugiu. Agora está sozinha, faminta e bem longe dos berros dos parentes e das mãos rudes dos homens. Uma mulher de belas roupas se senta ao seu lado.

– Você precisa de ajuda?

encontra o lar

É a primeira vez que Luz Garda e sua melhor amiga visitam a feira anual de Cusco. Antes, as famílias para as quais trabalhavam não lhes davam folga. É a pri-meira vez que elas comem algodão doce e andam de carrossel e roda gigante.

Um dia, as irmãs de Luz Garda a aguardavam do lado de fora da porta. Surpresa, ela as abraçou. Ela sentia falta de suas irmãs mais velhas, desde que estas deixaram a vila, há muitos anos.

– Agora você vai morar conosco, disseram as irmãs. Assim, ela deixou a casa da tia sem se despedir e nem ao menos dizer para onde esta-va indo.

Todavia, a vida na casa das irmãs não foi como Luz Garda esperava. Ela deixou a escola para cuidar do sobrinho. Suas irmãs traba-lhavam em um bar todas as tardes e à noite. Porém, o pior era o namorado de uma das irmãs. Quando ela esta-va trabalhando, ele tentava tirar a roupa de Luz Garda e tocá-la. Quando Luz Garda contou para sua irmã, ela fi cou furiosa.

– Não minta sobre meu namorado, gritou ela, e deu

um tapa na cara de Luz Garda. Suma!

Então, Luz Garda saiu pela porta, foi para a rodovi-ária e comprou uma passa-gem com as únicas moedas que tinha.

Foi assim que ela foi parar sentada ao lado da bela mu- lher no ônibus para Cusco.

O sonho se torna pesadeloA primeira semana é como um sonho. Luz Garda dorme bem e, durante o dia, ajuda a mulher a varrer o chão da casa.

Porém, depois, a mulher quer que Luz Garda faça muito mais. Cozinhar, lavar

uz Garda veste apenas

GLOBEN_0746_PO_s030 30 07-10-12 14.35.20

Page 16: po_josefina

31

Luz Garda Callapiña Chani, 16

a louça, tirar o pó, lavar as verduras, fazer compras, polir as janelas. As tarefas são cada vez mais numero-sas, e a mulher fi ca cada vez mais insatisfeita.

Como Luz Garda vem de uma vila sem eletricidade, ela nunca usou um ferro de passar roupa. Um dia, ela queima uma das blusas da mulher, que fi ca furada. Quando a mulher percebe, ela fi ca furiosa.

– Você é ingrata e pregui-çosa. Eu devia te mandar para a polícia, sibila ela.

Luz Garda trabalha todos os dias da semana, das sete da manhã até a hora de dor-mir, às nove e meia da noite. Ela tenta cumprir todas as tarefas direito, mas a mulher sempre encontra algo para reclamar.

Gosta de: Dançar, ouvir música, ler livros, fazer compras.Livro preferido: Harry Potter.Música preferida: Reggae.Sonho: Ser artista ou guia turística.Admira: Josefi na. Ela é como uma mãe para mim.

T

EX

TO

: JOH

AN

NA

HA

LL

IN F

OT

O: T

OR

A M

ÅR

TE

NS

Os direitos das empregadas domésticasUm dia, na feira, Luz Garda conhece uma menina em frente à banca de pão.

– Oi, você também é empregada doméstica? per-gunta a garota.

Luz Garda assente, curio-sa. A menina diz que até mesmo as pessoas que traba-

Luz Garda compra bilhetes de carrossel com o dinheiro que ganhou da família para quem trabalha agora. Eles são bons e justos.

GLOBEN_0746_PO_s031 31 07-10-12 14.35.28

Page 17: po_josefina

32

lham como empregadas domésticas têm direito de ir à escola, têm direito a folga todo domingo e têm direito a um salário. Luz Garda não tem nada disso, mas como ousar dizer algo à mulher?

Luz Garda nunca mais encontra a menina. Às vezes ela acha que foi um anjo que ela encontrou em frente à banca de pão. Ela agradece todos os dias pelo que a menina disse. Porém, toda vez que ela tenta tocar no assunto sobre seus direitos, a mulher apenas ri.

Uma noite Luz Garda foge novamente. Ela corre até quando acha que os pulmões vão explodir e que não há ninguém a seguindo. Essa noite ela dorme na praça em Cusco. Quando os policiais a acordam, ela está assusta-da e com frio.

A polícia mantém Luz Garda presa por muitos dias. No fi nal, acaba man-dando-a para Josefi na e a Yanapanakusun. Cerca de 15 meninas de diferentes idades dividem um quarto de dormir. Todas vêm de pequenas vilas nos arredores de Cusco e trabalharam para famílias que as maltra-taram.

Josefi na faz muitas per-guntas, porém Luz Garda não responde. Ela apenas a fi ta silenciosamente. Ela não pode confi ar em mais nin-guém.

Confi a em Josefi naDurante um bom tempo, Luz Garda faz tudo que pode para irritar Josefi na. Ela é desagradável, se recusa a ajudar e não quer ser amiga A certidão de nascimento de Luz Garda foi necessária

para que ela pudesse voltar para a escola.

O guarda-roupa de Luz Garda

Roupas de trabalho– Não são tão bonitas, então não tem proble-ma se eu sujá-las.

Duas bolsas servem de guarda-roupa para as belas roupas de Luz Garda.

Sapatos de trabalho

Traje de dança– Eu adoro dançar reggae. Já fi z vários cursos de dança para aprender a dançar melhor. É importante usar um sapa-to de salto para dançar.

Sapatos de dança

GLOBEN_0746_PO_s032 32 07-10-12 14.35.41

Page 18: po_josefina

33

de nenhuma das outras meninas.

Mas Josefi na é paciente. Ela entende que esse é o modo de Luz Garda mostrar que está triste e com raiva. Quando ela já está na casa há um ano, Josefi na diz:

– Acho que devemos pro-curar sua família.

Primeiro, Luz Garda fi ca com medo. Ela não quer encontrar os parentes de quem fugiu. Mas ela acaba concordando em ir. Durante a longa viagem de ônibus, ela conversa com Josefi na. Parece que é a primeira vez que elas conversam de ver-dade.

Na casa de sua tia, Luz Garda consegue uma cópia de sua certidão de nascimen-to. Isso signifi ca que ela pode voltar a freqüentar a escola. Então Luz Garda toma coragem.

– Desculpe-me por ter

fugido, diz ela.– Desculpe pelas vezes em

que não te tratamos tão bem como deveríamos, diz a tia.

No caminho de volta para Cusco, tudo mudou. Luz Garda fi nalmente decidiu confi ar em Josefi na.

Minha nova famíliaAgora Luz Garda tem 16 anos. Durante o dia, ela tra-balha na casa de uma famí-lia que paga bem, e de noite ela vai à escola. Depois ela volta para a casa de Josefi na e para o quarto que divide com Fortune e Adaluse.

– O melhor de tudo é que ganhei uma família na Yanapanakusun. Minhas colegas de quarto são como minhas irmãs, diz Luz Garda.

– Agora posso me sentir contente e feliz. E quando estou triste, posso chorar sem medo.

Roupas esportivas– Uso minhas roupas novas para brincar e praticar espor-tes. Minha brincadeira prefe-rida é uma corda dupla para pular. Como é muito frio aqui em Cusco, eu geralmente pratico esportes para me esquentar.

Sapatos para esporte

Luz Garda e sua melhor amiga, Adaluse, estão ambas no último ano da escola Maria Angola da Yanapanakusun.

O doce preferido de Luz Garda.

GLOBEN_0746_PO_s033 33 07-10-12 14.35.59

Page 19: po_josefina

34

Roupas de verão– Essas são minhas roupas de praia. Já fui para Lima uma vez e vi o oceano Pacífi co!

Óculos de sol

Chapéu de sol– Eu uso esse chapéu de sol quando caminho pela mon-tanha. É preciso proteger a cabeça contra a forte luz solar, senão você pode até desmaiar.

Roupas de inverno

A bolsa de pato vem do lago Titicaca, no sul do Peru.

Oi Allillanchu kashankiEu estou bem, irmão (para um rapaz) Allillanchu kashankiEu estou bem, irmã (para uma garota) Allillanmi panayComo você se chama? Ima’n sutiki?Sim AriNão MananObrigado DiospagarasunkiTchau/Até outro dia Tupananchis cama Eu te amo Noka munakuyki

Gregorio ensina a contar até dez em quéchua no site www.childrensworld.org!

Experimente o quéchuaO espanhol e o quéchua são os idiomas ofi ciais do Peru. No entanto, o espanhol é tido como mais elegante, pois a maio-ria das pessoas que têm dinheiro e poder nas cidades falam apenas o espanhol. Muitas pessoas pobres nas montanhas falam somente o quéchua.

Geralmente, quando uma menina vem para a cidade para trabalhar, ela não consegue conversar com ninguém. A famí-lia para quem ela trabalha se recusa a falar quéchua e ela nunca aprendeu espanhol. Após alguns anos, depois de aprender o espanhol, não é raro ela esquecer o quéchua. Isso signifi ca que não poderá conversar com sua família, caso tenha a chance de reencontrá-la.

– Por isso, é importante que as meninas aprendam o espanhol e tenham a possibilidade de manter sua língua nativa, diz Josefi na. Não é só a questão do idioma, mas também uma forma de garantir sua auto-estima e manter sua história.

Direito a dois idiomas

A bolsa e o material escolar de Luz Garda.

Os livros de Harry Potter são os favoritos de Luz Garda. ”Gosto da lealdade entre os três amigos. Além disso, Harry tem talentos mágicos, que ele desenvolve conforme aprende mais e mais. Eu também quero desenvolver meus talentos.”

GLOBEN_0746_PO_s034 34 07-10-12 14.36.20

Page 20: po_josefina

35

YanapanakusunUma escola para meninas e meninosA organização de Josefi na admi-nistra a escola noturna Maria Angola. Ela é aberta para crian-ças que trabalham, tanto meni-nas quanto meninos.

As meninas geralmente traba-lham como domésticas ou com algum parente. Os meninos geralmente moram sozinhos, às vezes alugam uma cama e às vezes moram na rua. Eles traba-lham lavando pratos em restau-rantes, ou como vendedores de rua, ajudantes em uma padaria ou ofi cina. No entanto, tanto meninas quanto meninos geral-mente são muito solitários e se sentem desvalorizados. A maio-ria trabalha duro e está freqüen-temente cansada. Muitos acham difícil trabalhar em grupo, pois nunca aprenderam a cooperar com outras crianças através de brincadeiras ou estudo.

Os alunos da Maria Angola aprendem muitas coisas diferen-tes, mas a coisa mais importante que aprendem é:• que todas as crianças têm

direitos.• que meninas e meninos têm o

mesmo valor.• que todos os seres humanos

merecem respeito, liberdade e conhecimento.

• a colaborar.• a poder exigir seus direitos.

Um dia em 07:15 Hora de acordarDurante o inverno, Josefi na acorda as meninas às sete e quinze. É o tempo exato para elas fazerem a cama, se arrumarem e tomarem o café da manhã antes de irem para a escola.

– Dentro de casa é frio, assim elas podem fi car na cama o máximo de tempo possível, diz Josefi na.

No verão, quando o sol começa a esquentar mais cedo, elas se levantam às seis e meia.

07:45 A caminho da escolaClorinda, 15 anos, desce a rua apressada em direção à escola. Ela e metade das meninas da casa freqüentam uma escola diurna. As demais freqüentam a escola noturna.

09:00 Alimentar a gansaFortunata e Youana alimentam a gansa e lhe dão água.

– Ela come grama, casca de laranja e restos de alimentos. Temos sete gansas e cada uma delas bota um ovo todos os dias, diz Fortuna.

T

EX

TO

: JO

HA

NN

A H

AL

LIN

FO

TO

: TO

RA

RT

EN

S

16-40 Peru_korrad.indd 35 07-10-18 10.28.11

Page 21: po_josefina

36

09:30 Limpeza da gaiola do porquinho-da-índia As meninas têm 14 porqui-nhos-da-índia que moram em uma gaiola no quintal. Eles não são animais domésticos com os quais se pode brincar. No Peru, o porquinho-da-índia é uma iguaria que as pessoas comem.

– Mas não comemos nossos porquinhos-da-índia. Eles são tão fofi nhos que temos pena deles, diz Vittoria, 11 anos.

10:00 Aguar as plantasSonia, 12 anos, e Elisabeth, 11, plantaram sementes em pequenos vasos. Agora as plantas estão crescendo e fi cam maiores todos os dias.

10:15 Dar banho em TrapoO cachorro se chama Trapo, que signifi ca pano velho ou farrapo. Ele ganhou esse nome quando era fi lhote e Josefi na tentou jogá-lo fora, pensando que ele fosse um pedaço de pano no chão.

Adaluse e Sonia dão banho em Trapo toda sema-na. O cachorro mora no quintal e late quando algum estranho tenta entrar.

10:30 Coelho sorridenteUm coelho mora no jardim, e Fortuna, 17 anos, o batizou como Meggi. O coelho vem correndo quando ela o chama.

– Nós cuidamos dos ani-mais e eles cuidam de nós. Muitas das meninas vêm do interior e cresceram com animais, diz Josefi na. É importante que tenham a chance de manter esse con-tato. Além disso, os animais domésticos são bons para as meninas que foram mal-tratadas por adultos, pois na relação com os animais elas podem recomeçar a lidar com seus sentimentos. Elas podem aprender sobre cui-dado, confi ança e amor.

11:00 Prática em grupo com psicólogoDuas vezes por semana, Elisabeth, 11 anos, e as outras meninas se encontram com o psicólogo de Yanapanakusun. Aqui elas falam sobre experiên-cias difíceis pelas quais passaram, e sobre como se sentem no momento e em relação ao futuro..

– Aprendemos a respirar com calma, a conver-sar com os colegas, a ouvir e a falar. Muitos no Peru acham que é uma vergonha conversar com um psicólogo, mas eu acho que é bom, diz Elisabeth.

Rosalbina, 14 anos, adora jogar llajes. No site www.childrensworld.org você pode aprender como se joga.

12:30 Tricô e brincadeiraQuando as tarefas da manhã terminam, Vittoria, 11 anos, relaxa. Todo domingo as meninas que trabalham vêm à casa para se encontrarem e fazerem coisas divertidas. Algumas semanas atrás elas aprenderam a tricotar. Vittoria já está fazendo seu terceiro cachecol. Ela o enrola em volta do pescoço e continua a tricotá-lo.

16-40 Peru_korrad.indd 36 07-10-18 10.29.53

Page 22: po_josefina

37

12:30 Tricô e brincadeiraQuando as tarefas da manhã terminam, Vittoria, 11 anos, relaxa. Todo domingo as meninas que trabalham vêm à casa para se encontrarem e fazerem coisas divertidas. Algumas semanas atrás elas aprenderam a tricotar. Vittoria já está fazendo seu terceiro cachecol. Ela o enrola em volta do pescoço e continua a tricotá-lo.

13:00 Almoço em breveMariam, 16 anos, e Sonia preparam o almoço. Todas as meninas comem juntas, geralmente cozido com batata, milho e outros legu-mes.

16:30 Hora de lazer com DVDs Nos fi nais de semana, depois que todos os deveres de casa estão feitos, as garotas podem assistir TV. O que elas mais gostam de assistir são vídeos musicais. Clorinda tem vários DVDs da cantora peruana Fresialinda.

– Ela está sempre feliz e canta bem. Eu gosto de huayno, a música tradicional dos índios, diz ela.

17:30Parque de diversãoQuando algum dos adultos tem tempo de ir junto, as meninas vão ao parque. Tem escorregador e campo de futebol, mas o mais legal são os balanços.

16:00 Hora do dever de casaGracelia, 12 anos, e Jeni-Maribel, 9 anos, fazem o dever de casa na biblio-teca. Ambas freqüentam a escola de manhã, assim, quando as outras garotas vão para a escola noturna, elas fazem o dever de casa juntas.

18:00 Simulação de terremotoMuitos edifícios no Peru têm círculos de terremoto marca-dos com um S. As marcas indicam o lugar mais seguro do terreno. É para lá que as garotas devem ir se houver um terremoto.

20:30 JantarQuando as últimas meni-nas voltam da escola noturna é hora do jantar. Depois da comida, elas ganham uma colher de mel. Durante o inverno é muito frio à noite, e mui-tas se resfriam. O mel dá uma sensação agradável e suave na garganta.

22:00 Boa noiteElisabeth e Vittoria escovam os dentes e brincam um pouco mais até Josefi na entrar. É hora de ir para a cama.

– Sueña con los angelitos. Sonhem com os anjos, diz ela.

Na biblioteca, há quebra-cabeças e revistas em qua-drinhos que falam sobre meninas que fazem traba-lhos domésticos.

Ouça e veja a artista preferida

de Clorinda – Fresialinda – no site

www.childrens world.org!

16-40 Peru_korrad.indd 37 07-10-18 10.33.02

Page 23: po_josefina

38

A rádio das meninas

– Bem vindas. Hoje vamos falar sobre nosso direito de sermos tratadas com justiça e decência, diz Inés Kcorahua Cruz.

Quando Inés era pequena,

ela trabalhava como empre-gada doméstica e foi salva por Josefi na. Agora ela apre-senta o programa de rádio para informar outras crian-ças que se encontram na mesma situação pela qual ela passou.

Hoje está no estúdio Amanda, 14 anos, emprega-da doméstica e ouvinte fi el.

É uma quinta-feira de manhã e o ponteiro dos segundos se aproxima das oito e meia. As lâm-padas se acendem. É hora do programa de rádio das empregadas domésticas!

– Eu sei que existem mui-tas meninas que ainda estão aprendendo o trabalho doméstico, diz Inés, mas leva tempo para aprender. Mesmo se você comete um erro, merece ser tratada de maneira justa e decente. Quando a dona da casa fi ca brava, grita e bate, você acha que esse é o jeito mais fácil de aprender? Eu não acho!

– Eu também não acho, diz Amanda no microfone e para além das ondas do rádio. Todos podem cometer

erros, e com o tempo a pes-soa aprende. Mas não com gritos e tapas.

A rádio das empregadas domésticas vai ao ar cinco horas por semana, tanto em espanhol quanto em qué-chua. A maioria das meni-nas que trabalha em casas de família não tem permissão dos patrões para ouvir rádio. É por isso que o pro-grama é transmitido de manhã, assim as meninas podem ouvir escondidas.

– Sabemos que há muitas meninas que não recebem o respeito que merecem, só porque são humildes, solitá-rias e não podem se defen-der, diz Inés.

– Mas lembre-se que, se você precisar de ajuda, a Yanapanakusun está aqui para você. Anote nosso endereço e número de telefo-ne, para nos telefonar ou nos visitar!

No site www.childrensworld.org você pode ouvir o progra-ma de rádio.

Direitos no rádio“Eu sempre ouço o programa de rádio das meninas. Tenho um radinho prateado que funciona a pilha. O que eu mais gosto é quando elas falam dos direitos das meninas.

Eu trabalho todos os dias vendendo doces, biscoitos e sorvete na rua. Agora eu sei que tenho direito de ser bem tratada. Direito de ir à escola noturna. Agora que conheço meus direitos, eu me sinto mais forte, mais inteligente e mais segura. Antes eu nunca sabia o que dizer quando alguém me maltratava. Mas agora eu sei! Há leis que prote-gem crianças e trabalhadores.

Eu costumo ouvir o programa junto com meus pais, assim eles também podem aprender sobre os direitos da criança”.Zaida Ines Canahuri Quispe, 12

T

EX

TO

: JO

HA

NN

A H

AL

LIN

FO

TO

: TO

RA

RT

EN

S

GLOBEN_0746_PO_s038 38 07-10-12 14.37.35

Page 24: po_josefina

Rebeca Aguilar Condori, 12

39

O aniversário é um dia importante no Peru. A

maioria das crianças e adul-tos comemoram com uma grande festa, bolo, balões, palhaço, presentes, piñata e muita comida gostosa. Porém, as garotas que tra-balham não têm ninguém para organizar uma festa de aniversário para elas. Então, ao invés de divertido, o ani-versário se torna um dia ain-da mais solitário e triste.

Várias meninas que moram com Josefi na tam-bém não sabem quando fazem aniversário. Elas per-deram contato com suas famílias e parentes e não se lembram mais onde e quan-do nasceram. Por isso, Josefi na oferece uma grande festa para todas elas come-morarem ao mesmo tempo.

Rebeca acabou de desco-brir que seu aniversário é dia 13 de maio. É uma sensação estranha. Ela sabe que já comemorou seu aniversário antes, mas não consegue se recordar como foi. Isso ocorreu antes de sua mãe

fi car doente e morrer.– Eu tinha seis anos e,

depois disso, meu pai fi cava bêbado todos os dias, diz Rebeca. Eu sempre saía de manhã e só voltava para casa depois que anoitecia. A casa era só gritaria e briga.

Rebeca caminhava pela montanha com as ovelhas e lhamas da família. Ali ela podia chorar e pensar em sua mãe. Em casa ela estava sempre calada e tomando cuidado para não irritar o pai.

Quando ela tinha dez anos, sua prima veio visitar.

– Você precisa deixar a menina ir à escola, como as outras crianças, disse a pri-ma ao pai de Rebeca.

– Não, ela tem que fi car em casa comigo, vociferou o pai.

Mas a prima percebeu que Rebeca estava assustada e infeliz. Na manhã seguinte, bem cedo, antes que o pai acordasse, elas caminharam por todo o longo caminho até a cidade mais próxima e tomaram o ônibus para Cusco.

Parabéns! Hoje é um dia muito especial em Yana pana -kusun. Hoje todo mundo comemora aniversário!

• Livros de aventura, principalmente sobre dragões.• Um carro vermelho, para poder dirigir até minha vila natal e fazer uma visita. Aí eles fi ca-riam surpresos! • Um quarto próprio com uma janelinha, uma cama azul, um CD-player e um microfone para cantar.

Sonho: Um quarto próprio e silencioso.Quer ser: Cantora e compositora.Admira: Gabatshwane, membro do Júri do Prêmio das Crianças do Mundo.

Lista de desejos de Rebeca

Conte sobre seu dia especial!Você comemora seu aniversário ou tem alguma outra data especial? Visite o site www.childrensworld.org e conte o que faz para celebrar.

GLOBEN_0746_PO_s039 39 07-10-12 14.37.57

Page 25: po_josefina

40

visitam o vale sagrado

Quase um milhão de turistas de todo o mundo visitam Cusco

todos os anos. Eles vêm para ver as escavações arqueoló-gicas, percorrer as trilhas incas e admirar os remanes-centes da cultura inca.

Josefi na, Luz Garda e as outras garotas andam por caminhos estreitos e escada-rias. Ao chegar na cidade inca de Pisaq, elas se sentam em frente ao templo circular do sol.

– Sei que muitas de vocês se envergonham por virem da zona rural, diz Josefi na. Mas olhem em volta! Seus antepassados construíram no alto das montanhas, eles eram reis. Esse background não é algo do qual se enver-gonhar. Vocês são princesas!

Luz Garda e Sonia se entreolham, rindo. É difícil se sentir uma princesa depois de lavar as roupas íntimas de seu empregador.

– Eu sei, diz Josefi na, rin-do com elas. Às vezes nos sentimos como se não tivés-semos nenhum valor, espe-cialmente quando o patrão é repugnante e o trabalho é pesado. Nessas situações é ainda mais importante nos lembrarmos de nossas origens.

Pisaq fi ca no vale sagrado dos incas. O rio Urubamba corre pelo vale, e aqui cres-

– Uau! diz Luz Garda e estica os braços como um condor, a ave sagrada dos incas. Embora ela e as outras meninas que moram com Josefi na tenham crescido na zona rural dos arredores de Cusco, esta é a primeira vez que visitam uma ruína inca.

T

EX

TO

: JO

HA

NN

A H

AL

LIN

FO

TO

: TO

RA

RT

EN

S

cem pelo menos quinze tipos diferentes de milho.

– Por que os incas mora-vam tão alto nas monta-nhas? pergunta Luz Garda.

– Porque a montanha era sagrada, e os incas ricos que-riam morar perto do deus do sol, Inti, conta Josefi na. Além disso, era mais fácil defender a cidade em caso de guerra.

– Havia deuses quando os incas viviam aqui? pergunta Elisabeth.

– Sim, acredito que sim, diz Josefi na. Nós somos católicas e cremos em Deus. No entanto, os incas viam deuses no sol, na terra, na montanha, nas estrelas e na

água. Alguns fundamentos da sua religião ainda exis-tem. Por exemplo, para nós que vivemos nos Andes, é muito importante tratarmos bem a natureza.

– Cusco já existia na épo-ca dos incas? Luz Garda deseja saber.

– Sim, os incas acredita-vam que Cusco fosse o cen-tro do universo, pois essa era a capital do seu reino.

As meninas riem nova-mente.

– Que ótima excursão! exclama Luz Garda. Estou feliz por conhecer coisas das quais posso me orgulhar.

Princesas

Uma pequena escada montanha acima leva as meninas à cidade inca de Pisaq.

A Inca Kola é o refrigerante mais popular no Peru.

GLOBEN_0746_PO_s040 40 07-10-12 14.38.03

Page 26: po_josefina

41

Os incas construíam terraços para poder plantar milho, batata e grãos nas encostas íngremes das montanhas.

Se eu fosse um rei inca eu... O povo dos reis• A grandeza dos incas

durou apenas 100 anos, porém, durante esse período, eles gover-naram uma área que se estendia do sul da Colômbia até a região central do Chile.

• Inca signifi ca rei. • Os incas não tinham linguagem

escrita e não usavam a roda, mas eram especialistas em construir casas com rochas pesadas e no transporte de água dos longos vales até os topos das montanhas.

• A mais famosa ruína inca, Machu Picchu, que também fi ca no vale sagrado, era o local de veraneio dos reis incas. A bela cidade de pedra foi esquecida quando os espanhóis invadiram Cusco, mas as ruínas foram redescobertas por um arqueólogo no início do século XIX.

• Durante um longo período, a trilha inca era o único caminho para se chegar a Machu Picchu. Hoje, milhares de turistas chegam de trem ou ônibus para visitar o local todos os dias.

• Machu Picchu foi nomeada pela Unesco como atrimônio Histórico da Humanidade.

“... construiria uma escola só para meninas, que seria a melhor escola de todo o mun-do. Ela teria os melhores e mais gentis professores e todos comeriam uma deliciosa refei-ção no almoço todos os dias”.Graciela Games, 12

“... cuidaria para que nenhu-ma criança precisasse traba-lhar ou fazer coisas chatas. Todas as crianças poderiam brincar durante o dia. À noi-te, cada criança fi caria com sua mãe e seu pai”.Sonia Poña Hoyta, 12

“... daria um monte de brinquedos para as crian-ças solitárias brincarem. Elas teriam folga da escola toda quarta-feira, para terem tempo de brincar com suas coisas novas”.Rosalbina Nina Condori, 15

“... construiria um parque só para crianças! Lá, haveria escorrega-dores, gangorras e balanços grandes, e todas as crianças poderiam comer quantos doces quisessem. Aos domingos, as crianças descansariam e os outros dias da semana seriam só para brincadeiras. O parque abri-ria para ricos e pobres, mas os adultos não teriam permissão para entrar”.Vittoria Carreño, 11 år

“... distribuiria todo o meu ouro, para que nin-guém mais fosse pobre. Assim, nenhuma criança precisaria trabalhar”!Zulma Panique Escolante, 14

GLOBEN_0746_PO_s041 41 07-10-12 14.38.20