Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Polifonia,

    intertextualidade eproduo de sentido

    Hrcules Toldo Corra

    Semana de Letras do Uni-BH -maio de 2009

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    Texto 1

    Assero:Essa parede no branca.

    Temos a impresso de que dois pontos de vista (incompatveis)coabitam o enunciado:

    1. Essa parede branca.

    2. [Essa parede branca] um enunciado injustificvel

    S se afirma que a parede no branca porque se pressupe quealgum afirma que a parede branca.

    Percebe-se aqui uma pressuposio, um dos fenmenoscaracterizadores da polifonia. (Exemplo clssico apresentado por

    Ducrot)

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Anlise da polifonia no

    Texto 2

    Tirinha de Chico Bacon,publicada na Folh a de S.Paulo , 10 out. 2005

    Para a prouo de sentido, preciso conhecer a canoguas de maro, de Tom Jobim. Observar, tambm, asilustraes, que mostram as situaes expressas nosversos. H uma destituio da poeticidade da letra dacano para a gerao do humor no gnero tirinha. Numaaula, interessante apresentar pelo menos um trecho da

    cano, uma das mais importantes no panorama musicalbrasileiro.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Texto 3

    Britnicos ligam felicidade boa sade

    Matria publicada na Folh a de S.Paulo , 25 de abril 2005

    Britnicos ligam felicidade boa sade

    Salvador Nogueira

    J dizia o poeta Vincius de Moraes: melhor ser alegre que sertriste.E a comprovao mdica dessa obviedade psicolgica acabade vir de trs pesquisadores do University College, em Londres. Elesdemonstraram que a felicidade est diretamente ligada ao bomfuncionamento do sistema endcrino e cardiovascular.

    Claro, o dilema de uma famosa marca de biscoitos a primeira coisaque chama a ateno nos resultados dessa pesquisa. O sujeito estfeliz porque est saudvel ou est saudvel porque est feliz? Essa uma boa pergunta. To boa, na verdade, que os cientistas, com todosos dados atuais, no tm condio de responder.No primeiro exemplo, em vermelho, a polifonia apresentada deforma explcita, com autoria citada, com argumento de autoridade. Nosegundo exemplo, tambm em vermelho, no se faz referncia clara marca de biscoitos, a Tostines. preciso se lembrar do slogan para

    uma gerao de sentidos mais completa.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Texto 4

    Um beijo em outra dimenso

    Marcelo Coelho

    Prepare-se para uma notcia de alto impacto. Mnica deu um beijoem Cebolinha.

    O fato ocorreu na edio nmero 4 da revista "Turma da Mnica

    Jovem", publicao em formato de mang venda nas bancas dejornal.

    Cebolinha no mais o mesmo. Mnica, tampouco. So, agora,adolescentes s voltas com monstros e inimigos sobrenaturais, edotados de uma beleza fsica que os antigos quadrinhos de Mauricio

    de Sousa no faziam pressupor.Era de se imaginar, por exemplo, que Magali se transformasse

    numa obesa triste e descomunal. Ei-la, com formas perfeitas, ao ladode um atltico Casco. Este continua avesso ao banho, mas no deixade ser atraente apesar disso. Quanto a Franjinha, abandonou os

    culos e transformou-se num gal.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Est enganado quem pensa que a nova revista se dirigeapenas ao pblico jovem. Meu filho de seis anos est muito maisfixado no mang do que nas habituais e tediosas estripulias

    infantis de Mnica e Cebolinha.Nada mais natural: Mnica e Cebolinha, quando crianas, nosaam de suas obsesses costumeiras. Um chamava a outra dedentua, a outra reagia com seu coelhinho de pelcia.

    Agora, nas revistas da "Turma da Mnica Jovem", os personagens deMauricio enfrentam seres transformticos, monstros de outra galxia,

    bruxas siderais. bem o mundo dos videogames e dos PowerRangers, que, como se sabe, tm sucesso garantido com as crianas.

    Unidos contra o inimigo comum, um Cebolinha esbelto e umaMnica de umbigo de fora encontram-se eletrizados um pelo outro e sebeijam. Ou melhor: Mnica quem beija Cebolinha. O dilogo merece

    ser mencionado.Depois de uma vitria qualquer contra um monstro superpoderoso,

    Mnica pergunta a Cebolinha se ele ainda a considera uma gordinhadentua. Cebolinha se embaraa. Sabe que Mnica no nenhumagordinha, longe disso.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Mas... dentua? Ser? Mnica toma a iniciativa. Ainda se for

    dentua, pode projetar os lbios para a frente, assim... E a lindamenina dos mangs, na doura de seus clios longos, aproxima-se dorosto de Cebolinha, impondo-lhe o primeiro beijo.

    O rapaz se apavora, e o mang termina mostrando uma verdadeeterna. A saber: passam-se os anos, mudam os corpos, e Cebolinhacontinua fugindo dos ataques da Mnica. (...)

    (Folha de S. Paulo, 17 de dezembro de 2008. Caderno Ilustrada)

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    Ilustraopara o

    texto 4 A

    Turma da

    Mnica

    Jovem

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Ilustrao para o texto 4, a Turma da Mnica

    adolescente e ao fundo, em segundo plano,

    personagens crianas da mesma turma.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Legenda para anlise da polifonia no Texto 4

    L = Leitor (tambm poderamos chamar de alocutrio)

    Loc = Locutor - aquele que enuncia como autor emprico

    E1 = Enunciador 1aquele que enuncia como narrador

    E2 = Enunciado 2 a apropriao de uma imagem vendida

    socialmenteideologia contemporneaEspao Ficional 1 = Esp. Fic. 1a revista Turma da Mnica Jovem

    Espao Ficional 0 = Esp. Fic. 0a revista Turma da Mnica

    Disc. Ind. = Discurso Indireto voz da personagem citada pelonarrador - uma das formas de polifonia

    Disc. Ind. Livre = Discurso Indireto Livre voz ambgua, no sesabe se da personagem ou do narrador - outra forma de polifonia

    Conhecimento de observao assistemtica outra forma depolifonia

    Saber Popularmais uma forma de polifonia

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    As diversas vozes (polifonia) no Texto 4

    Um beijo em outra dimenso

    Marcelo Coelho

    Prepare-se para uma notcia de alto impacto. [E1 se dirige a L]Mnica deu um beijo em Cebolinha. [E1 cita um fato ocorrido em Esp.Fic. 1]

    O fato ocorreu na edio nmero 4 da revista "Turma da MnicaJovem", publicao em formato de mang venda nas bancas dejornal. [Esp. Fic. 1]

    Cebolinha no mais o mesmo. [POLIFONIA - E1 nega o quepressupe pensar L] Mnica, tampouco. [POLIFONIA - E1 nega o quepressupe pensar L] So, agora, adolescentes s voltas commonstros e inimigos sobrenaturais, e dotados de uma beleza fsicaque os antigos quadrinhos de Mauricio de Sousa [Esp. Fic. 0] no

    faziam pressupor.Era de se imaginar , por exemplo, que Magali se transformasse

    numa obesa triste e descomunal. [POLIFONIA E2 se apropria daimagem de beleza com felicidade.]Ei-la, com formas perfeitas, aolado de um atltico Casco. Este continua avesso ao banho, mas no

    deixa de ser atraente apesar disso. Quanto a Franjinha, abandonouos culos e transformou-se num al.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Est enganado quem pensa que a nova revista se dirigeapenas ao pblico jovem. Meu filho de seis anos est muito maisfixado no mang do que nas habituais e tediosas estripuliasinfantis de Mnica e Cebolinha. [POLIFONIA - E1 = Loc]

    Nada mais natural: Mnica e Cebolinha, quando crianas, nosaam de suas obsesses costumeiras. Um chamava a outra dedentua, a outra reagia com seu coelhinho de pelcia.

    Agora, nas revistas da "Turma da Mnica Jovem", os personagens deMauricio enfrentam seres transformticos, monstros de outra galxia,

    bruxas siderais. bem o mundo dos videogames e dos PowerRangers, que, como se sabe, tm sucesso garantido com as crianas.

    Unidos contra o [POLIFONIA - Conhecimento de observaoassistemtica]inimigo comum, um Cebolinha esbelto e uma Mnica deumbigo de fora encontram-se eletrizados um pelo outro e se beijam.

    Ou melhor: Mnica quem beija Cebolinha. O dilogo merece sermencionado.

    Depois de uma vitria qualquer contra um monstro superpoderoso,Mnica pergunta a Cebolinha se ele ainda a considera uma gordinhadentua.[POLIFONIA - Disc. Ind.voz pers.] Cebolinha se embaraa.

    Sabe que Mnica no nenhuma gordinha, longe disso.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Mas... dentua? Ser? [POLIFONIA - Disc. Ind. Livre] Mnica toma

    a iniciativa. Ainda se for dentua, pode projetar os lbios para a frente,assim... E a linda menina dos mangs, na doura de seus clioslongos, aproxima-se do rosto de Cebolinha, impondo-lhe o primeiro

    beijo.O rapaz se apavora, e o mang termina mostrando uma verdadeeterna. A saber: passam-se os anos, mudam os corpos [POLIFONIA -Saber popular],e Cebolinha continua fugindo dos ataques da Mnica.(...)

    (Folha de S.Paulo, 17 de dezembro de 2008. Caderno Ilustrada)

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    A polifonia e a produo de sentidos

    Perceber as diferentes vozes no texto uma forma de construir ospossveis sentidos do texto.

    A gerao do sentido vai do mais simples para o mais complexo,do plano de expresso para o de contedo, do manifesto (superficial)para o imanente (profundo). Por exemplo, identificamos mais

    rapidamente as formas explcitas de polifonia (discurso direto, discursoindireto), passando por formas mais sutis (discurso indireto livre, porexemplo) at chegarmos em casos bem mais sofisticados, quedependem de processos inferenciais mais complexos (as infernciasconstituem processos mentais que permitem identificar subentendidosdo texto) como identificar referncias no explcitas e/ou eruditas.

    preciso lembrar que os sentidos no esto no texto, os leitores(ou alocutrios) que lhe atribuem sentidos (como tambmcoerncia).

    Os leitores mais proficientes so aqueles que conseguem fazermais inferncias, mais associaes e estabelecer mais relaes.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Conceitos de polifonia e intertextualidade

    O termo polifonia designa o fenmeno pelo qual, num mesmo texto, sefazem ouvir vozes que falam de perspectivas ou pontos de vistadiferentes com as quais o locutor se identifica ou no. Existemdeterminadas formas lingsticas que funcionam como ndices, notexto, da presena de outra voz. Entre estas, podem-se citar:

    Marcadores de pressuposioDiscurso indireto

    Discruso indireto livre

    Ironias, argumentos de autoridade, modalidades, conectores

    Na polifonia, incorporam-se ao texto vozes de enunciadores reais ouvirtuais, que representam perspectivas, pontos de vista diversos, oupem em jogo topoi (interesses sociais) diferentes, com os quais olocutor se identifica ou no. Dessa forma, o conceito de polifoniarecobre o de intertextualidade, isto , todo caso de intertextualidade um caso de polifonia, no sendo , porm, verdadeira a recproca.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Conceitos de polifonia e dialogismo

    Todo texto perpassado por vozes de diferentes enunciadores, oraconcordantes, ora dissonantes, o que faz com que se caracterize ofenmeno da linguagem humana, como bem mostrou Bakhtin (1929),como essencialmente dialgico e, portanto, polifnico.

    Segundo Bakhtin (1929), a lngua, em sua totalidade concreta, viva,tem uma propriedade intrseca, o dialogismo. Isso quer dizer que aspalavras de um falante esto sempre e inevitavelmente perpassadaspelas palavras do outros; que, para constituir um discurso, umenunciador necessariamente leva em conta o discurso do outro,

    elabora seu discurso a partir de outros discursos, ou seja, h umadialogizao interna no discurso, Bakhtin no estava falandosimplesmente de troca de palavras entre interlocutores, que odilogo.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Mikhail Bakhtin - 1895- 1975 Pequena biografia intelectual

    Nasceu em Orel, ao sul de Moscovo, de famlia aristocrticaem decadncia, cresceu entre Vnius e Odessa, cidadesfronteirias com grande variedade e lnguas e culturas. Estudou

    Filosofia e Letras na Universidade de So Petersburgo.Sua obra mais clebre Marxismo e filosofia da Linguagem (1929),

    assinada com o nome de seu amigo e discpulo Volochnov. S a partirdos anos 70 teve difuso e reconhecimento importantes.

    Os seus trabalhos s foram conhecidos no Ocidenteprogressivamente a partir da dcada de 80, atingindo grande prestgioe referencialidade pstuma nos anos 90.

    Seu trabalho considerado influente na rea de lingstica, anlisedo discurso, teoria literriae semitica.

    Bakhtin na verdade um filsofo da linguageme sua lingstica considerada uma "trans-lingstica (hoje, chamada pragmtica),porque ultrapassa a viso de lngua como sistema. Para Bakhtin, nose pode entender a lngua isoladamente, mas qualquer anliselingstica deve incluir fatores extra-lingisticos como contexto de fala,a relao do falante com o ouvinte, momento histrico, etc. Para

    Bakhtin, o discurso sobretudo uma ponte lanada entre duas ou

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_liter%C3%A1riahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_liter%C3%A1riahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Semi%C3%B3ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Linguagemhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Linguagemhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Semi%C3%B3ticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_liter%C3%A1riahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_liter%C3%A1ria
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    Para matar a curiosidade:

    Que cara tinha esse cara?

    Mikhail Bakhtin em dois momentos de sua vida

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

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    Bibliografia:

    BARROS, Diana Luz Pessoa e FIORIN, Jos Luiz. (Orgs.)Dialogismo, polifonia, intertextualidade. So Paulo: Edusp, 1999.

    BAKHTIN, Mikhail. Problemas da potica de Dostoievski. Rio deJaneiro: Forense, 1981.

    BAKHTIN, Mikhail. Esttica da criao verbal. So Paulo: MartinsFontes,2000.

    CHARAUDEAU, Patrick e MAINGUENEAU, Dominique. Dicionriode anlise do discurso. So Paulo: Contexto, 2006. p. 384-388.

    DUCROT, Oswald. O dizer e o dito.Campinas: Pontes, 1987.

    KOCH, Ingedore Villaa. A inter-ao pela linguagem. So Paulo:Contexto, 1992.

    KOCH, Ingedore Villaa. O texto e a construo dos sentidos. SoPaulo: Contexto, 1997.

    KOCH, Ingedore Villaa e ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender.

    Os sentidos do texto. So Paulo: Contexto, 2006.

  • 7/21/2019 Polifonia Intertextualidade e Producao de Sentido

    20/20

    Obrigado pela

    ateno.

    Hrcules Corra