26
POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES ANÁLISE DOS CONCURSOS PÚBLICOS EM SÃO PAULO NOS ANOS 80 Luiz Roberto Gomes Mestrado em Educação – UNITRI / MG E-mail: [email protected] Dentre as ações políticas implementadas pela Secretaria da Educação do estado de São Paulo, temos os concursos para docentes, como uma expressão das políticas de recrutamento e seleção do magistério paulista. Com a perspectiva de avançar o nosso entendimento acerca dos impactos dessas políticas para a educação, decidimos por estudar os concursos para professor I da rede estadual paulista na década de 80 1 . A delimitação do objeto de investigação ocorreu fundamentalmente em função da importância atribuída às primeiras séries do ensino fundamental no estado de São Paulo, e em razão da fecundidade em termos políticos e sociais da década de 80. A transição política e social, pela qual passava o Brasil, e a pressão dos movimentos sociais da época por melhores salários, organização da carreira do magistério e aumento da oferta de vagas na escola pública influenciaram uma nova postura política por parte das gestões de governo em nosso país, e em particular no estado de São Paulo. Acreditamos que a compreensão das políticas de recrutamento e seleção, face às necessidades de pessoal e do projeto político dos governos da década de 80, no estado de São Paulo, orientará uma reflexão acerca do perfil de professor que foi exigido para atender a demanda escolar das primeiras séries iniciais. Esta reflexão é fundamental, pois a partir dela, teremos condições de avaliar a qualidade e as deficiências da escola pública, para além da formação inicial e continuada dos professores. Em outras palavras, refletir sobre os concursos é avaliar, no âmbito da implementação de uma política, a própria concepção de educação de uma determinada gestão. Em termos de exposição esse artigo destaca três aspectos principais: 1) o recrutamento e seleção de professores no serviço público, que situa o leitor em relação ao recrutamento e seleção nas instituições públicas, focalizando os concursos como a Doutor em Educação pela UNICAMP, na área de Filosofia, História e Educação. Prof. Permanente do Programa de Mestrado em Educação Superior da UNITRI – MG. 1 A nomenclatura PI, PII e PIII representa, no período estudado, a habilitação do professor que atua na rede oficial de ensino: PI - professor com habilitação específica de 2º grau (Magistério) e que atua na pré-escola e /ou nas 4 primeiras séries do 1º grau; PII - professor com habilitação específica de grau superior, de curta licenciatura (2 anos e meio ou 3 anos de duração) e que atua no 1º grau da 1ª até a 8ª série; PIII - professor com habilitação específica de grau superior, com licenciatura plena (4 anos de duração) que atua no ensino de 1º e 2º graus e em Educação Especial. (CIE, Setembro/97).

POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES ANÁLISE DOS CONCURSOS PÚBLICOS EM SÃO PAULO NOS ANOS 80

Luiz Roberto Gomes∗ Mestrado em Educação – UNITRI / MG E-mail: [email protected]

Dentre as ações políticas implementadas pela Secretaria da Educação do estado

de São Paulo, temos os concursos para docentes, como uma expressão das políticas de

recrutamento e seleção do magistério paulista. Com a perspectiva de avançar o nosso

entendimento acerca dos impactos dessas políticas para a educação, decidimos por

estudar os concursos para professor I da rede estadual paulista na década de 801.

A delimitação do objeto de investigação ocorreu fundamentalmente em função

da importância atribuída às primeiras séries do ensino fundamental no estado de São

Paulo, e em razão da fecundidade em termos políticos e sociais da década de 80. A

transição política e social, pela qual passava o Brasil, e a pressão dos movimentos

sociais da época por melhores salários, organização da carreira do magistério e aumento

da oferta de vagas na escola pública influenciaram uma nova postura política por parte

das gestões de governo em nosso país, e em particular no estado de São Paulo.

Acreditamos que a compreensão das políticas de recrutamento e seleção, face às

necessidades de pessoal e do projeto político dos governos da década de 80, no estado

de São Paulo, orientará uma reflexão acerca do perfil de professor que foi exigido para

atender a demanda escolar das primeiras séries iniciais. Esta reflexão é fundamental,

pois a partir dela, teremos condições de avaliar a qualidade e as deficiências da escola

pública, para além da formação inicial e continuada dos professores. Em outras

palavras, refletir sobre os concursos é avaliar, no âmbito da implementação de uma

política, a própria concepção de educação de uma determinada gestão.

Em termos de exposição esse artigo destaca três aspectos principais: 1) o

recrutamento e seleção de professores no serviço público, que situa o leitor em relação

ao recrutamento e seleção nas instituições públicas, focalizando os concursos como a

∗ Doutor em Educação pela UNICAMP, na área de Filosofia, História e Educação. Prof. Permanente do Programa de Mestrado em Educação Superior da UNITRI – MG. 1 A nomenclatura PI, PII e PIII representa, no período estudado, a habilitação do professor que atua na rede oficial de ensino: PI - professor com habilitação específica de 2º grau (Magistério) e que atua na pré-escola e /ou nas 4 primeiras séries do 1º grau; PII - professor com habilitação específica de grau superior, de curta licenciatura (2 anos e meio ou 3 anos de duração) e que atua no 1º grau da 1ª até a 8ª série; PIII - professor com habilitação específica de grau superior, com licenciatura plena (4 anos de duração) que atua no ensino de 1º e 2º graus e em Educação Especial. (CIE, Setembro/97).

Page 2: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

2

principal exigência para a efetivação do servidor público; 2) o cenário político

educacional do estado de São Paulo nos anos 80, que analisa os projetos políticos das

gestões de governo do estado de São Paulo nos anos 80; e 3) os concursos públicos

para professor I na rede estadual paulista da década de 80, que descreve e analisa os

concursos com o intuito de avaliar e discutir os critérios de elaboração e avaliação do

modelo de seleção implementado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo

nos anos 80.

1. O recrutamento e seleção de professores no serviço público

No serviço público ou privado existe a necessidade de que pessoas ocupem os

cargos representativos das funções ali exercidas. Tal necessidade, aliada à seleção e ao

preenchimento das vagas, faz emergir um problema, cuja solução compete ao

recrutamento, que pode ser entendido como um “conjunto de atividades destinadas a

atrair o maior número possível de pessoas qualificadas para ocuparem as vagas

existentes em determinada organização” (PEREIRA, 1950, p. 7). A seleção de pessoal,

portanto, passará a depender da política de recrutamento adotada no âmbito de uma

determinada organização.

Em 1955, Ribeiro, Pereira e Brejon, ao analisarem o perfil dos candidatos do

concurso de 1949 para provimento de vagas no magistério oficial de grau médio do

estado de São Paulo (ginásios, colégios e escolas normais), já alertavam para a

importância do estudo dos concursos, principalmente pelo fato destes serem a forma

preferida do recrutamento e seleção de professores adotada pelos administradores do

ensino (RIBEIRO, PEREIRA e BREJON, 1955, p.7).

No serviço público, a questão do recrutamento é complexa, principalmente, pela

necessidade de democratização do acesso, garantida pela Constituição Brasileira.

Joaquim Neves Pereira, ao refletir sobre a natureza do serviço público, assim se

expressa:

É preciso pois, que o Serviço Público disponha de indivíduos de grande inteligência, cultura e capacidade, a fim de que possa desempenhar, com economia e eficiência, as funções cada vez mais numerosas e complexas que lhe são confiadas. E a obtenção de tais indivíduos só se tornará possível mediante o estabelecimento de uma adequada política de recrutamento (PEREIRA, 1950, p. 4).

Anos após a afirmação de Pereira, essa questão é retomada por Adilson Abreu

Dallari (1985). Este, ao analisar o tema do recrutamento e seleção de pessoal no serviço

público, o coloca em face do estado e da organização diretiva da sociedade. Segundo

Page 3: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

3

ele: “O problema da seleção de recursos humanos só existe para o estado democrático,

aquele estado no qual os dirigentes estão submissos à lei, estão postos debaixo da lei,

cumprem a lei, executam a lei, dão execução à lei” (DALLARI, 1985, p. 59). Em outras

palavras é a “democracia” que por meio da lei, assegura os critérios objetivos de seleção

de pessoal, em detrimento dos subjetivos. Para o autor existe, portanto, duas

determinações que justificam o concurso como condição de ingresso no serviço público:

uma de ordem jurídica e outra de ordem técnica.

A primeira determinação, com relação à seleção de pessoal, está na Constituição

Brasileira. Lá existe o princípio da isonomia: “todos somos iguais perante a lei”, sendo

este, o primeiro fundamento da exigência de concurso público. Em outras palavras é

pelo princípio da isonomia, contido na lei, que o direito de ingresso no serviço público a

todas as pessoas deve ser assegurado.

Analisando as constituições brasileiras, especificamente nos capítulos referentes

ao funcionalismo público, encontra-se, pela primeira vez, o termo concurso na

Constituição de 1934 no capítulo: funcionalismo público. Ali se enfatiza a estabilidade

do funcionário público2. Anos mais tarde, as constituições de 1937, 1946, 1967, 1969 e

1988 continuam tratando o tema dos concursos, embora com ênfase e enfoques

diferentes. Apenas para citar as mais recentes a Constituição de 1967 no capítulo sobre

o funcionalismo público (artigo 95) previa “a exigência de concurso público de provas

ou de provas e títulos para efeito de nomeação”, já a Constituição de 1988, no capítulo

da administração pública (artigo 37) mantém a mesma exigência, porém dando outro

enfoque para a nomeação:

A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarada em lei de livre nomeação e exoneração. (Brasil, 1988: Art. 37).

Para além do primeiro aspecto em destaque, onde são evidenciadas as exigências

constitucionais do concurso para aqueles que desejam ingressar no serviço público,

temos um segundo determinante de ordem técnica (selecionar os melhores), ou seja,

além do critério da igualdade de oportunidades, a seleção deve incluir, neste momento,

2 O artigo 169 da constituição de 1934 diz: “Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa” (Brasil, 1986, p. 179).

Page 4: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

4

o critério da qualidade e excelência. Talvez, seja esse critério que fundamente a

existência de concursos nas instituições privadas.

No caso do ensino público, a seleção de pessoal mediante concurso está

especificada na legislação do ensino, por sua vez, sustentada pelas cláusulas da

Constituição Federal e consubstanciada pelas Leis de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional.

Na Lei 4.024/61, que fixou a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - LDB, já estava previsto que “O provimento em cargo de professor nos

estabelecimentos oficiais de ensino será feito por meio de concurso de títulos e provas”

(art. 60). Com a Lei 5692/71, que reestrutura a Lei 4024/61 e especifica, entre outras,

providências para o ensino de 1º e 2º graus, a admissão e ingresso dos professores e

especialistas, foi enunciado o seguinte: “A admissão de professores e especialistas no

ensino oficial de 1º e 2º graus far-se-á por concurso público de provas e títulos,

obedecidas as exigências de formação constantes desta Lei” (art. 34). Aparece aqui pela

primeira vez, as exigências de habilitação específica em um concurso, evidenciando que

antes da promulgação desta Lei, estas exigências não estavam postas. Finalmente, a Lei

9.394/96 mantém as exigências anteriores para o ingresso no ensino oficial, ou seja,

“ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos” (art. 67). Estes são

dados importantes que ajudarão a responder, com base na legislação, porque a

administração pública realizou e vem realizando concursos: é uma exigência da

Constituição e da Legislação Federal do Ensino, para responder às exigências jurídicas

e técnicas.

Embora existam diretrizes comuns que regulamentam o recrutamento dos

funcionários públicos, cada instância do poder público tem autonomia para organizar e

elaborar os seus próprios critérios de seleção, não perdendo de vista as bases legais que

estabelecem as exigências de formação para a categoria que fará o concurso. É

exatamente esta “autonomia” que imprime uma política de recrutamento e seleção. A

análise dos editais, da bibliografia e das provas de um determinado concurso, permitirá

identificar, sob o ângulo do recrutamento e da seleção, elementos da ação política

implementada por uma determinada gestão de governo. É neste sentido que os

concursos podem ser entendidos como expressão de ações políticas concretas.

Page 5: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

5

2. O cenário político educacional do estado de São Paulo nos anos 80

No contexto educacional, a década de 80 constitui um momento importante da

trajetória política, econômica e social, sugerindo uma atenção especial às principais

ações implementadas no país em termos educacionais. Refletir sobre as políticas

educacionais a partir das conseqüências da lei federal 5.692/71 e das propostas de

superação ou continuidade na lei 9.394/96 no que se refere ao recrutamento, seleção e

formação dos professores das primeiras séries iniciais, já é um bom ponto de partida

para o entendimento de como estas questões estão postas no âmbito da educação.

Com o objetivo de fornecer ao leitor um panorama do cenário político

educacional paulista na década de 80, elaboramos o quadro 1, que apresenta os períodos

de cada gestão, os nomes dos governadores do Estado, os Secretários da Educação e

seus respectivos partidos políticos.

Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo na década de 80, com indicação do período de governo, governador, Secretário da Educação e partidos políticos

Período Governador Secretário da Educação Partido Político

1979-83

Paulo Salim Maluf Luis Ferreira Martins (1979-82)

Jessen Vidal (1982-83)

ARENA

1983-87

Franco Montoro

Paulo de Tarso Santos (1983-84) Paulo Renato Costa Souza (1984-86) Luiz Carlos Bresser Pereira (1986) José Aristodemo Pinotti (1986-87)

PMDB

1987-91 Orestes Quércia Carlos Estevão Martins PMDB Fonte: DRHU e Rus Perez, 1994.

Segundo a análise de Rus Pérez (1997) na gestão de Paulo Maluf (1979-83)

estava previsto para a educação o atendimento ao ensino de 1º grau (principalmente nas

áreas periféricas, urbanas e rurais), a ampliação da oferta da pré-profissionalização, o

aperfeiçoamento das modalidades de atendimento no ensino profissionalizante de 2º

grau, a diminuição da repetência e evasão escolar, a ampliação dos programas

assistenciais, além da definição e implantação da política de pessoal. Dentre tais ações

destaca-se: o Programa de Educação Compensatória (1979), o Projeto de Capacitação

de Recursos Humanos (1981) e os Cursos Face-a-Face (1981), ambos articulados em

convênios com as universidades estaduais no período de férias.

Na gestão Franco Montoro (1983-87) destaca-se a ampliação da vida

democrática, atenção especial às questões sociais e reorganização institucional-

administrativa. No campo educacional temos a descentralização das funções, a

formulação de programas com o objetivo de iniciar o processo de

Page 6: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

6

regionalização/municipalização do ensino pré-escolar e de 1ºgrau, a participação da

comunidade (criação dos Conselhos Municipais de Educação), a reestruturação da

Companhia de Construções Escolares – CONESP, a descentralização da merenda

escolar, a regionalização dos concursos para o magistério, a revalorização do professor e

recuperação salarial do magistério. Um dos primeiros programas a ser lançado nesta

gestão foi o Ciclo Básico (Decreto nº 21.883 de 8/12/83), com a finalidade de diminuir

os índices de repetência e evasão da rede no primeiro grau. Esse Programa propunha a

eliminação da reprovação da 1ª para a 2ª série, proporcionando um tempo maior para a

alfabetização. Tal Programa incentivou a formação continuada dos professores por meio

de cursos de aperfeiçoamento e reuniões pedagógicas de 2 horas, ampliou o

atendimento individualizado aos alunos com dificuldades, além de incentivar o

professorado através de pontos, válidos para o concurso de ingresso. O Projeto Ipê

(1984) veio dar um suporte aos professores, a fim de sanar as dificuldades de

implantação do Ciclo Básico, detectadas na Avaliação do Primeiro Ano de sua

implantação realizada pela ATPCE/SE. Em relação aos programas de capacitação dos

professores, a monitoria coordenada pela CENP, perde o caráter de divulgação e passa a

ter como objetivo central a “reestruturação da escola de 1º grau” com uma atenção

voltada para o Ciclo Básico.

Por fim, na gestão Orestes Quércia (1987-91) as principais diretrizes eram

recuperar a qualidade do ensino público, possibilitando o acesso das camadas de baixa e

média renda a um padrão de ensino mais elevado. Para tanto, o governo implementou

quatro ações fundamentais: ampliação do acesso e efetivação da permanência do aluno

na escola, formação e atualização do magistério, democratização e modernização do

sistema educacional, com características de continuidade do governo anterior. Os dois

programas, Ciclo Básico e PROFIC, implantados anteriormente, foram mantidos com

algumas alterações, principalmente no Ciclo Básico que ganhou força com a

implantação da Jornada Única para o Docente e Discente nas escolas da rede (Decreto

nº 28.170/88). Nesta nova configuração, o aluno tinha uma jornada de 6 horas-aula

diárias, totalizando 30 horas-aula semanais. Para o professor I, a jornada de trabalho era

de 40 horas-aula semanais (vinte e seis horas-aula com aluno, oito horas de atividade

livre e seis horas de trabalho pedagógico – HTP - na escola). Além disso, foi criada a

figura do professor-coordenador, eleito pelos professores da escola, e que poderia

utilizar até 16 horas-aula de sua jornada para o trabalho de coordenação pedagógica.

Contudo, 66% das escolas que implantaram o Projeto, não tinham o professor-

Page 7: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

7

coordenador, o que ocasionou problemas, além da ausência de professores de Educação

Artística e Educação Física. Em 1987 foi criada a Fundação para o Desenvolvimento da

Educação – FDE (Decreto nº 27.102/87). Nesta Fundação foram incorporadas as

funções da Fundação para o Livro Escolar – FLE, da Companhia de Construções

Escolares do Estado de São Paulo – CONESP e do Centro Nacional de

Aperfeiçoamento de Pessoal Para Formação Profissional – CENAFOR. Ainda nesta

gestão foi criado o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério –

CEFAM (Decreto nº 28.089/88), cuja finalidade era melhorar a qualidade dos cursos de

2º grau com Habilitação para o Magistério, formando e habilitando professores da pré-

escola até a 4ª série do 1º grau. Em relação à capacitação dos professores, a partir de

1987 a Secretaria implantou o projeto Oficina Pedagógica. Estas oficinas eram

instaladas e vinculadas às Delegacias de Ensino que se propunham a funcionar como

pólos mediadores das ações pedagógicas. Os Cursos Face-a-Face também foram

mantidos para suprir as lacunas das Oficinas Pedagógicas, centradas principalmente na

falta de monitores especializados e de espaço institucional em cada delegacia de ensino.

Especificamente, no caso do recrutamento e seleção dos professores, a distância

entre o perfil do professor selecionado (seja por concurso ou em caráter temporário) e as

reais necessidades das escolas monitoradas pelos projetos da Secretaria da Educação,

mereceram uma avaliação minuciosa, para que tivéssemos rigorosamente condições de

apontar os efeitos do modelo de recrutamento e seleção de professores adotado nas

escolas, já que o discurso que alicerçou as políticas educacionais do estado de São

Paulo, esteve voltado para uma melhor qualidade do ensino e com perspectivas de

expansão quantitativa da rede. Tal argumento pode ser demonstrado pelos dados

quantitativos da situação funcional dos professores da rede estadual de ensino paulista

em 1990 (tabela 1).

Tabela 1 - Situação funcional do Quadro do Magistério de funcionários ativos da Secretaria da Educação do estado de São Paulo em 1990

Situação Funcional Quadro do Magistério Efetivo % Servidor % Total

Professor I 44 56 97.351 Professor II 01 99 18.093 Professor III 42 58 91.392 Especialista 59 41 11.481 Estagiário 0 100 6.490

Total 29 71 224.807 Fonte: Quanto Somos nº 1/90, DRHU.

Page 8: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

8

Os dados disponíveis na tabela 1 não deixam dúvidas de que dos 224.807

professores ativos do Quadro do Magistério, 29% era composto de efetivos e 71%

servidores. Este é um dado importante, pois, evidencia a recorrente prática de

recrutamento da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e aponta um problema

histórico, ou seja, grande parte dos professores que trabalharam ou trabalham na rede

não eram concursados. Os dados fornecidos pelo Centro de Informações Educacionais –

CIE (Setembro/97), confirmam tal hipótese: dos 244.711 docentes e especialistas ativos

do Quadro do Magistério, 32% eram efetivos e 68% servidores.

Esses dados gerais dos concursos apontam, apenas, alguns aspectos quantitativos

das políticas de recrutamento e seleção de professores do magistério público paulista. É

necessário, entretanto, que façamos uma análise mais detalhada dos elementos internos

que compõem a natureza e formato do processo seletivo implementado por uma

determinada gestão política. É esse tipo de abordagem que pretendemos demonstrar a

seguir.

3. Os concursos para professor I na rede estadual paulista da década de 80

As principais informações dos concursos que estaremos analisando, foram

extraídas das publicações do Diário Oficial do Estado de São Paulo (15/08/78, 26/08/78,

19/09/81, 24/10/81, 4/11/81, 17/11/81, 18/11/81, 5/10/89, e 20/10/89), de informações

obtidas com funcionários da Fundação Carlos Chagas e VUNESP e de registros do

Departamento de Recursos Humanos - Centro de Seleção e Movimentação de Pessoal

da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (DRHU). Com o objetivo de mapear

os concursos em análise, o quadro 2 indicará, a seguir, o ano de realização, o ano de

homologação e as gestões de governo dos respectivos concursos.

Quadro 2 - concursos para professor I (1980-90), na rede pública estadual paulista, com indicação de período de tramitação, ano de realização, homologação e gestão de governo

Ano Gestão de governo Tramitação Realização Homolog. Governador Sec. da Educação Partido 1978 – 80 1978 1980 Maluf Luiz Ferreira Martins ARENA 1981 – 82 1982 1982 Maluf Jessen Vidal ARENA 1989 – 90 1990 1990 Quércia Carlos Estevão Martins PMDB

Fonte: DRHU e Diário Oficial do Estado de São Paulo.

Alguns aspectos do quadro 2 merecem destaque. Primeiro, pela demora de

aproximadamente dois anos entre a realização e a homologação do concurso de 80.

Segundo, em relação às gestões de governo, com a realização de dois concursos na

Page 9: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

9

gestão Paulo Maluf e um na gestão Orestes Quércia, além do salto de oito anos entre o

concurso de 82 e o de 90.

Os concursos promovidos pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo,

com responsabilidades atribuídas ao DRHU, na década de 80, obedeceram a uma

estrutura de organização semelhante. Verificando os itens contidos nos cronogramas dos

concursos, é possível certificar a forma como o DRHU os organizou.

Como exemplo dessa estrutura de organização temos o concurso para PI de 90,

que apresenta os seguintes itens: autorização governamental, instruções especiais,

bibliografia, inscrição, relação das inscrições deferidas e indeferidas, locais das provas,

gabarito oficial, relação de aprovados e reprovados, juntada de títulos, 1ª classificação,

recursos, classificação final, homologação, escolha de vagas - número de nomeações

(DRHU, 1989).

No Decreto Nº 17.329 de 14 de julho de 1981, que define a estrutura, as

atribuições de órgãos e as competências das autoridades da Secretaria do Estado da

Educação, é possível em relação ao Sistema de Administração de pessoal e das

providências correlatas, esclarecer alguns pontos.

O Departamento de Recursos Humanos – DRHU, que sofre modificações pelo

artigo 7º do referido decreto, passa a ter entre outros elementos de sua estrutura, um

Centro de Seleção e Movimentação de Pessoal, (em nível de Divisão Técnica) com

várias atribuições, em que fica claro que o DRHU é o responsável pelo programa de

seleção. Ele pode até delegar as funções a outras entidades. Contudo, isto não exime sua

responsabilidade, como por exemplo, a elaboração e correção das provas, o que não

impede que outras pessoas ou entidades o façam por ele.

Em relação à correção das provas, segundo a Fundação Carlos Chagas esse

trabalho era feito até 1982 pela PRODESP (órgão responsável pelo processamento dos

dados estatísticos do estado de São Paulo), que processava os resultados das avaliações

mediante a leitura dos gabaritos, encaminhando-os posteriormente ao DRHU, que de

posse desses dados, elaborava os relatórios finais. Só a partir de 1983, é que a Fundação

assumiu formalmente essa responsabilidade.

Após a apresentação das informações gerais dos concursos, destacaremos a

seguir alguns aspectos da análise dos seus elementos estruturais tais como as instruções

especiais, bibliografias e provas.

Page 10: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

10

3.1 As instruções especiais dos concursos

Os itens das Instruções Especiais dos concursos para PI do estado de São Paulo,

na década de 80, não obedeceram sempre a mesma estrutura. Por isso, cabe aqui

destacar, para efeito de comparação, os itens dos concursos indicados a cada ano.

No edital do concurso de 80, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo

no dia 15/8/78, destacam-se os seguintes itens: I. Dos requisitos, II. Das inscrições, III.

Das provas, IV. Dos títulos, V. Da classificação, VI. Da escolha de vagas, VII. Dos

recursos e prazos e VIII. Das disposições gerais.

No concurso de 82, as Instruções Especiais, publicadas no Diário Oficial do

Estado de São Paulo, no dia 17/09/81, e alteradas conforme Diário Oficial de 27/10/81,

apresentam os seguintes itens: I. Dos requisitos mínimos de titulação e experiência, II.

Das condições para inscrição, III. Das inscrições, IV. Das provas, V. Do julgamento e

avaliação das provas, VI. Dos títulos e sua avaliação, VII. Da classificação, VIII. Das

vagas e sua escolha, IX. Da jornada de trabalho, X. Da banca examinadora, XI. Das

disposições gerais. Além da Instrução Complementar DRHU I. Declaração de situação e

experiência funcional (Modelo 1) publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo

em 4/11/81.

No concurso de 90, as Instruções Especiais publicadas no Diário Oficial do

Estado de São Paulo em 5/10/89, mencionam os seguintes itens: I. Dos vencimentos, II.

Dos requisitos mínimos de titulação e experiência, III. Das condições para inscrição, IV.

Das inscrições, V. Da prova e dos títulos, VI. Do julgamento e da avaliação da prova,

VII. Da prestação da prova, VIII. Dos títulos e sua avaliação, IX. Da classificação, X.

Das vagas e sua escolha, XI. Para efeito de análise, destacaremos apenas alguns itens

no sentido de evidenciar traços das políticas de seleção de professores.

Com relação aos requisitos mínimos de titulação e experiência, os três concursos

exigem, ressalvadas as suas particularidades, no mínimo habilitação específica de 2º

grau para o magistério das quatro primeiras séries do Ensino de 1º grau, obtido em curso

de duração de quatro anos e 2.900 horas ou em três anos3 para quem concluiu o curso

até 1974.

As provas, tiveram orientações diferentes nos três concursos. Em 80, optou-se

por elaborar uma prova que versava sobre o conjunto de matérias da parte de Educação

Geral, sem nenhum esclarecimento adicional para o candidato. Em 82, houve uma

Page 11: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

11

preocupação maior com a instrução do candidato que iria fazer a prova. Esta constava

de 80 questões objetivas, divididas em duas partes, sendo uma prova de conhecimentos

gerais (40 questões) relativos aos componentes curriculares da parte de educação geral,

em nível de 2º grau e uma prova de conhecimentos específicos (40 questões) relativos à

formação pedagógica do professor I. Em 90 havia uma estrutura semelhante de prova,

em relação ao concurso anterior, porém, ampliou e atribuiu um número diferente de

questões nas duas provas: a prova de conhecimentos gerais contou com 60 questões e a

de conhecimentos específicos com 40 questões.

Com relação aos títulos, eles foram atribuídos até 50 pontos nos concursos de 80

e 82 e até 15 pontos no concurso de 90. Os critérios para pontuação se assemelharam

bastante entre os concursos de 80 e 82, embora se distinguissem em alguns aspectos na

atribuição de pontos a cursos de especialização. Destaca-se aqui o grande peso (máximo

de 40 pontos, e 80% do total) para tempo de serviço no Magistério Oficial do Estado de

São Paulo. Tal critério indica que os professores possuidores de um tempo maior de

exercício na rede pública oficial do Estado de São Paulo, teriam um melhor perfil - pela

prática de ensino - para atuar na própria rede. Essa questão da pontuação decorre

essencialmente das conquistas dos professores no Novo Estatuto do Magistério (Lei

Complementar 444/85), sancionado na gestão Montoro após um longo processo de

discussão e negociação entre entidades do magistério paulista, que teve seu início no

ano de 1983. No concurso de 90, foram adotados outros critérios para a atribuição de

pontuação de títulos. Estes foram quantificados de 0 a 15 pontos, sendo que 6 (40% do

total) poderiam ser atribuídos ao tempo de serviço prestado no Magistério oficial de 1º

grau do Estado de São Paulo. A mesma proporção (6 pontos) seria equivalente a: 3

pontos para os cursos de Mestrado e Doutorado e 3 para os cursos oferecidos pela S.E.

do Estado de São Paulo e outros cursos de especialização e aperfeiçoamento.

Completava a pontuação a aprovação em concurso público de provas e títulos,

realizados pela S. E. do Estado de São Paulo (3 pontos).

Com relação ao julgamento das provas os três concursos adotaram critérios

diferentes de avaliação, assemelhando-se na questão do caráter eliminatório e no

consenso de que em qualquer hipótese não haveria vista e nem revisão da nota atribuída

na prova. É importante ressaltar aqui que o recurso só poderia ser feito em relação às

inscrições e aos títulos, ficando de fora o conteúdo das respostas das provas, já que estas

3 A redução do curso de magistério de 4 para 3 anos, foi uma das medidas da Lei 5.692/71 que reestruturou o ensino de 1º e 2º graus, substituindo o Curso Normal pela Habilitação em Magistério.

Page 12: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

12

eram corrigidas mediante processamento eletrônico. No concurso de 80 a prova foi

avaliada na escala de 0 a 100 pontos, sendo considerado aprovado o candidato que

obtivesse nota igual ou superior a 50. Em 82, a prova foi dividida em pontos, podendo o

candidato atingir no máximo 50 pontos. Para obter aprovação ele deveria alcançar um

total de pontos igual ou superior a 25. Além disso o desempenho do grupo também foi

considerado4. No concurso de 90, a prova foi avaliada na escala de 0 a 100 pontos,

sendo considerado aprovado o candidato que obtivesse nota igual ou superior a 50. O

desempenho do grupo também foi incluído nos critérios de avaliação, mas com uma

diferença em relação ao concurso de 82: os valores para o cálculo das médias finais.

Por fim, o item classificação, mostra que nos concursos de 80 e 82 foram

adotados critérios semelhantes, embora o concurso de 90 possa ser distinguido dos

anteriores pela classificação em nível de Delegacia de Ensino e nos critérios de

desempate.5 No concurso de 80, os candidatos foram classificados em ordem

decrescente das notas finais obtidas, sendo a nota final obtida pela soma da prova (peso

3) e dos títulos (peso 1). Em 82, os candidatos também foram classificados pelas notas

finais em ordem decrescente, com o acréscimo dos critérios de desempate: 1º maior

tempo de exercício no magistério oficial do estado de São Paulo, 2º maior tempo no

serviço público e 3º maior idade. Já em 90, os candidatos foram classificados por

Delegacia de Ensino, em ordem decrescente a partir das notas finais obtidas, acrescidas

de critérios de desempate diferentes daqueles adotados em 82: 1º maior nota obtida na

prova, 2º maior tempo no magistério oficial do Estado (PI), 3º maior tempo como

professor de 1º e 2º graus, 4º maior tempo no serviço público e 5º maior idade. A

ênfase, ora no tempo de serviço, ora no resultado obtido pelo professor, (como critério

de seleção) parece ser um bom indicador para a compreensão do perfil dos concursos.

3.2 A bibliografia dos concursos

Invariavelmente, antes da realização das provas (dois meses antes em 80, três em

82 e seis em 90), o DRHU publicou as bibliografias que supostamente deveriam orientar

a preparação dos candidatos para esta etapa fundamental da seleção.

É curioso notar que no concurso de 80, este item foi publicado como programa e

sugestões bibliográficas para o concurso de PI (cf. Diário Oficial do dia 6/8/78). Em

4 Aqui fica evidente, pela referência na aplicação de provas em vários concursos no Brasil, a grande influência da Fundação Carlos Chagas na especificação dos critérios de avaliação. 5 Aqui fica evidente a política de descentralização da gestão Quércia.

Page 13: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

13

geral, as indicações bibliográficas das provas incidiram sobre duas áreas do

conhecimento, a saber: conhecimentos gerais (relativos aos componentes curriculares da

parte de educação geral) e conhecimentos específicos (relativos à formação pedagógica

do professor I). Das Instruções Especiais, já descritas, lê-se: “O concurso constará de

uma prova versando sobre o conjunto de matérias da parte de Educação Geral” (Diário

Oficial, 15/8/78). Comparando os conhecimentos exigidos na prova e as sugestões

bibliográficas em relação ao tipo de conhecimento e bibliografia nos concursos de 82 e

90, fica claro que: o concurso de 80, mesmo não especificando, também exigiu

conhecimentos gerais e específicos. Na tabela 2, temos uma visualização da composição

da bibliografia.

Tabela 2 - Distribuição da bibliografia de conhecimentos gerais e específicos por tipo de publicação, nos concursos para professor I da rede estadual paulista na década de 80

Concursos Tipo de publicação 80 82 90 Freqüência % Freqüência % Freqüência % Livros * 17 71 14 82 35 78 Periódicos 00 0 01 6 02 4 Documentos de Secretaria 05 21 02 12 08 18 Legislação 02 8 00 0 00 0 Total 24 100 % 17 100 % 45 100 %

Fonte: Elaborado a partir dos editais dos concursos (cf. Diário Oficial do Estado de São Paulo: 26/8/78, 18/11/81 e 20/10/89).

A tabela 2 evidencia a grande predominância dos livros (sempre superior a 70

%) em relação aos demais tipos de publicação indicados na bibliografia dos concursos.

Destaca-se aí o concurso de 82 que indicou 82% da bibliografia em livros. Entretanto é

importante salientar que grande parte desses livros eram didáticos, o que já sugere uma

tendência na definição dos objetivos educacionais das provas.

Em contrapartida, há ao longo dos três concursos apenas 3 indicações de artigos

de periódicos: uma no concurso de 82 e dois no concurso de 90. Destes artigos dois

foram editados na Revista Cadernos de Pesquisa e um na revista Educação e Sociedade.

Em relação aos Documentos de Secretaria, estes sempre estiveram presentes na

bibliografia, sendo em média, o segundo tipo mais indicado. Tais documentos referem-

se às publicações da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (14 indicações) e

da Secretaria da Educação do Estado de Pernambuco (1 indicação em 1990).

Quanto à legislação foram feitas duas indicações no concurso de 80, sendo que

as mesmas referem-se à Lei Federal 5.692/71 e à Indicação 1/72 do Conselho Estadual

de Educação de São Paulo. Ainda em relação à legislação, fazendo uma consulta no

Page 14: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

14

programa de conhecimentos específicos, é possível constatar no item referente à

Estrutura e Funcionamento do 1º grau, a inclusão de tópicos relacionados à

organização e funcionamento do ensino. Isto que dizer que na verdade houve um

aumento significativo das indicações de legislação presentes nos Documentos de

Secretaria (Guias Curriculares e propostas Curriculares) e no livro de Brejon, Estrutura

e Funcionamento do Ensino de 1º e 2ºgraus.

É importante salientar as diferenças do número de indicações bibliográficas nos

três concursos. Em 1980 foram apresentadas 24 referências distintas, em 1982 esse

número foi reduzido para 17 e em 1990 aumentou para 45, indicando um acréscimo de

87,5% em relação ao concurso de 1980 e 165% em relação ao de 1982.

Os conhecimentos específicos foram introduzidos a partir do concurso de 82.

Mesmo assim, em 1980, algumas publicações faziam parte destes conhecimentos, pois,

as mesmas não se referiam a nenhuma área dos conhecimentos gerais acima

mencionados.

O concurso de 90, no item conhecimentos gerais, nomeou as áreas do

conhecimento de uma outra forma (Português, Estudos Sociais, Ciências físicas e

biológicas e Matemática) as quais foram classificadas nos itens referidos (Comunicação

e Expressão, Estudos Sociais, Ciências e Matemática) pelo fato dos concursos de 80 e

82 já trazerem tal nomenclatura.

Ainda no concurso de 90, na área de conhecimentos específicos há uma

indicação dos conteúdos exigidos (Filosofia da Educação, História da Educação

Brasileira, Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Estrutura e Funcionamento

do Ensino de 1º grau, Didática e Metodologia e Prática de Ensino) que coincide com o

currículo da habilitação específica do magistério - HM. Este procedimento não foi

adotado nos concursos anteriores.

Comparando os três concursos, destaca-se primeiramente a quantidade irregular

de distribuição da bibliografia por área do conhecimento. O concurso de 80, por

exemplo, indicou apenas Documentos de Secretaria para a área de Comunicação e

Expressão. Em relação aos conhecimentos específicos, nota-se um crescimento

considerável das indicações bibliográficas nos concursos em pauta. Em 80, mesmo não

havendo a especificação da prova de conhecimentos específicos, o concurso indicou

aproximadamente 20% da bibliografia para esta área. Em 82 este número cresce para

aproximadamente 47%. Em 90, o percentual de indicações para a área de

conhecimentos específicos chega aos 73%.

Page 15: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

15

Os dados da bibliografia, como critério importante do processo seletivo, já

apontam algumas tendências teóricas do perfil de professor que deveria ser selecionado

para compor o quadro docente do magistério público em São Paulo. Nos últimos anos,

por exemplo, há uma maior concentração na área de conhecimentos específicos em

detrimento dos conhecimentos gerais, significando que o professor precisaria estar mais

bem preparado na área de conhecimentos pedagógicos.

3.3 As provas dos concursos

No caso das provas, um pressuposto importante adotado para a fundamentação

da análise foi admiti-las como um tipo de teste educacional. Neste sentido retomamos,

pela sua ressonância e influência nos meios escolares e acadêmicos nos anos 70 e 80, o

trabalho Testes em Educação de Heraldo Marelim Vianna, que reproduz de forma

sistemática a principal concepção e procedimentos de avaliação adotados na época.

Segundo Vianna , a mensuração educacional exige o exame de três elementos básicos:

1) um conjunto de situações relativas à aprendizagem ocorrida através do ensino; 2) as

respostas dos indivíduos às situações apresentadas e 3) a classificação dos mesmos

indivíduos segundo suas respostas (VIANNA, 1978, p.18).

Interpretando e traduzindo os elementos da mensuração educacional apontados

acima, temos: as situações (conhecimentos e/ ou comportamentos a serem medidos) que

podem variar quanto à forma (questões dissertativas ou de múltipla escolha), à

apresentação (material impresso, filmes, dramatização, entrevista etc.) e ao

comportamento exigido (verbal, não-verbal, cognitivo, afetivo, manipulativo etc.). As

respostas dos examinandos às situações, ou seja, o resultado bruto de seu desempenho.

Por último, a classificação dos indivíduos, ou seja, o confronto entre o resultado do

desempenho do indivíduo e do grupo. (VIANNA, 1978: p.18-19).

Após um primeiro contato com as provas foi possível perceber que estas

obedeciam a mesma estrutura dos testes objetivos mencionados na análise de Vianna.

Basicamente, um teste objetivo envolve as seguintes fases: o planejamento, geralmente

apresentado em tabelas de especificação, que define a área a ser examinada, distribuindo

de forma proporcional às questões pelas áreas de conhecimento e pelos objetivos

educacionais pré-estabelecidos pelo examinador; a elaboração dos itens (questões) que

deve obedecer a critérios de organização e pré-testagem; a aplicação dos testes aos

examinandos, acompanhados de orientação e instruções e a correção dos testes,

avaliando os escores do candidato e do grupo.

Page 16: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

16

Além dos elementos mencionados acima, existem dois aspectos essenciais que

determinam a consistência de um teste. São eles: a fidedignidade e a validade. A

fidedignidade refere-se ao grau de confiabilidade dos instrumentos utilizados a partir da

estabilidade de seus resultados; já a validade é representada por um critério de

eficiência em relação à finalidade do que se pretende medir6.

Com relação a análise do tipo de prova adotado pela Secretaria da Educação do

Estado de São Paulo nos concursos para PI da década de 80, foram adotados os

seguintes procedimentos: 1) retomada dos itens II provas, IV julgamento das provas e

V classificação das Instruções Especiais; 2) descrição, distribuição e organização das

questões das provas por áreas do conhecimento e 3) à luz das categorias da Taxionomia

de objetivos educacionais de Benjamin S. Bloom (1972), verificamos o que foi exigido

do professor em termos de conhecimentos, capacidades e habilidades intelectuais. Pelas

Instruções Especiais foi possível perceber alguns dos principais determinantes do tipo

de prova dos concursos em análise.

No concurso de 80 as Instruções Especiais salientavam apenas que a prova

versaria sobre o conjunto de matérias da parte de Educação Geral. Não havia nenhuma

informação sobre o número e o tipo de questões, além de não esclarecer o que vinha a

ser Educação Geral. Em relação ao julgamento das provas (de caráter eliminatório), o

critério adotado para a aprovação (nota de corte) seria de um total de 50% de acerto das

questões propostas (escore bruto). Em outros termos, numa escala de 0 a 100 pontos

seria considerado aprovado o candidato que obtivesse nota igual ou superior a 50. Nota-

se aqui, que a avaliação não considerou a nota do candidato (escore bruto) em relação

ao desempenho do grupo, inviabilizando assim, a possibilidade de uma avaliação mais

criteriosa do desempenho do candidato.

Em 1982 houve um cuidado maior na especificação do tipo de prova adotado.

Esta foi organizada em 40 questões de conhecimentos gerais (relativos aos componentes

curriculares da parte de educação geral) e 40 questões de conhecimentos específicos

(relativas à formação pedagógica do professor I). Para o julgamento da prova foram

adotados os seguintes critérios: avaliação estatística de acordo com o desempenho do

grupo a ela submetido a partir de escores padronizados, ou seja, escores brutos

transformados em unidades padronizadas, em que são considerados o desempenho do

6 Nesse trabalho nos limitaremos a apresentar apenas os aspectos referentes ao tipo de prova e objetividade dos itens que compunham os testes. A análise da validade e fidedignidade dos testes não será possível demonstrar aqui, devido aos limites de espaço desse artigo.

Page 17: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

17

grupo por meio da tendência central (média) e variabilidade do grupo (desvio-padrão).

Para a análise estatística foi utilizado um escore padronizado (pré-determinado) com a

média igual a 7, 8125 e desvio-padrão de 1, 5625. O total de pontos do candidato nas

provas foi atribuído da seguinte forma: soma das notas obtidas em cada prova,

multiplicada pelos pesos (3, conhecimentos específicos) e (1, conhecimentos gerais).

Em termos de aprovação (nota de corte), seria considerado habilitado o candidato cujo

total de pontos fosse igual ou superior a 25, sendo que o mesmo poderia obter no

máximo 50 pontos (considerando aqui o desempenho do grupo). Em outras palavras, de

100% dos itens o candidato deveria ter no mínimo 50% de acertos. Para a classificação

final tanto a nota da prova quanto os títulos tiveram o mesmo peso, tendo sido

considerados os critérios já mencionados no item V- Classificação em caso de empate.

No concurso de 90 foram adotados critérios semelhantes ao concurso de 82 no

julgamento da prova, ou seja, avaliação estatística de acordo com o desempenho do

grupo a ela submetido, a partir da transformação dos escores brutos em unidades

padrões. A diferença é que a média e o desvio-padrão do grupo não foram pré-

determinados. Para a aprovação a nota do candidato (num total de 100 pontos) deveria

ser igual ou superior a 50. Para classificação final seguiu-se praticamente os mesmos

critérios, ou seja, maior nota na prova, com diferenças nos critérios de desempate. No

concurso de 82 o tempo de serviço no magistério Oficial do Estado de São Paulo tinha

maior peso, e no de 90 maior nota obtida na prova, além da classificação ser feita em

nível de delegacia. Um aspecto importante de ser retomado nesse momento diz respeito

aos diferentes pesos atribuídos aos títulos para a classificação final dos candidatos, nos

três concursos analisados. Talvez seja esse o recurso utilizado na gestão Maluf para a

efetivação dos professores que já estavam na rede em 1982. Se a nota dos títulos tinha o

mesmo peso que a nota da prova, então é possível concluir que o professor que tinha um

tempo significativo na rede teria grandes chances de ser efetivado.

Saindo do âmbito mais genérico e entrando na estrutura interna das questões de

provas, foi possível entender de fato, como estas questões estavam postas. Recuperando

os programas e as bibliografias das provas dos concursos para Professor I nos anos 80

na rede estadual paulista, os quais sugerem as áreas de conhecimento que deveriam

constar nos itens das provas, torna-se possível entender o que orientou tais itens, sendo

possível ainda evidenciar os conhecimentos privilegiados em cada concurso.

Em 80 o Programa e as sugestões bibliográficas indicavam as seguintes áreas

dos Conhecimentos Gerais: Comunicação e Expressão (Língua Portuguesa , Educação

Page 18: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

18

Artística, Educação Física e Pedagogia), Estudos Sociais, Ciências e Matemática. Em

82 há uma distinção entre Conhecimentos Gerais: Comunicação e Expressão (Língua

Portuguesa e Estudos Sociais), Ciências, Matemática e Conhecimentos Específicos:

Metodologia do Ensino, Didática e Psicologia da Educação. Em 90, o Programa

mantém a mesma estrutura anterior (Conhecimentos Gerais e Específicos) especificando

melhor as diversas áreas envolvidas, ou seja, Conhecimentos Gerais: Português,

Matemática, Estudos Sociais, Ciências Físicas e Biológicas. Conhecimentos

Específicos: Filosofia da Educação, História da Educação, Psicologia da Educação,

Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau e Metodologia e Prática de

Ensino.

Visando a sistematização dos conhecimentos contemplados nas provas, a tabela

3 apresenta as áreas do conhecimento, o número de questões e o percentual de questões

por área das provas dos concursos. Para tanto, a organização das áreas do conhecimento

obedeceu basicamente a mesma estrutura anterior com pequenas modificações. Por

exemplo: Didática, Metodologia e Prática de Ensino eram áreas distintas no concurso de

90. Nesta nova organização, Didática e Prática de Ensino sofreram uma unificação, haja

vista a possibilidade de inclusão (pelos itens da prova) de outros concursos nesta nova

configuração.

Tabela 3- Distribuição das questões por áreas do conhecimento, das provas dos concursos para professor I da rede estadual paulista na década de 80

Concursos Áreas do conhecimento 80 82 90 Nº questões % Nº questões % Nº questões % 1. Conhecimentos Gerais Língua Portuguesa 11 14 10 12,5 15 15 Educação Física 07 09 00 00 00 00 Educação Artística 08 10 00 00 00 00 Estudos Sociais 15 19 10 12,5 16 16 Ciências 09 11 10 12,5 14 14 Matemática 21 26 10 12,5 15 15 Total 1 71 89 40 50 60 60 2. Conhecimentos específicos Filosofia da Educação 00 00 00 00 05 05 História da Educação 00 00 00 00 04 04 Psicologia da Educação 09 11 14 17,5 07 07 Didática/ Prática de Ensino 00 00 26 32,5 12 12 Estrutura e Funcionamento 00 00 00 00 12 12 Total 2 09 11 40 50 40 40 Total Geral 80 100 80 100 100 100

Fonte: Elaborado a partir das provas dos concursos para professor I da rede estadual paulista nos anos 80

Page 19: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

19

Um primeiro aspecto geral da tabela 3, que merece destaque, refere-se às áreas

do conhecimento privilegiadas nos concursos, bem como ao número de questões

dedicadas a estas. Com exceção do concurso de 90, houve uma distribuição eqüitativa

do total de questões da prova em conhecimentos gerais e específicos. Aparentemente,

isto denota um certo equilíbrio dos conhecimentos que deveriam ser dominados pelos

candidatos; por outro lado, fazendo uma descrição da prova este equilíbrio não se

confirma. O concurso de 80 denota vários aspectos: primeiro pelo percentual de 11% do

total das questões em conhecimentos específicos. Independentemente da menção ou não

da área de conhecimentos específicos, dedicar um número irrisório de questões não

garante que a prova explore em extensão e profundidade uma área complexa como a

pedagogia. Além disso, não foram explorados questões que envolvessem a Filosofia da

Educação, História da Educação, Didática, Prática de Ensino e Estrutura e

Funcionamento do primeiro grau. Em outras palavras: habilitar um candidato apenas

pelos seus conhecimentos de Psicologia da Educação é muito pouco para o desafio de

uma sala de aula que sem sombra de dúvida envolve outros aspectos. Além destas

considerações feitas sobre a parte de conhecimentos específicos, em conhecimentos

gerais o concurso de 80 dá uma grande ênfase aos conhecimentos de Matemática e

Estudos Sociais. Seria interessante se tivéssemos aqui os critérios adotados para tal

distribuição: infelizmente, por falta de acesso a esses dados, ficamos sem condições de

uma análise mais precisa.

Em 82, na parte de conhecimentos gerais, fica evidente que o critério adotado

para a distribuição das questões foi dividir o total das mesmas pelas disciplinas

envolvidas. Um destaque a ser feito é a não inclusão das disciplinas de Educação

Artística e Educação Física. Nos conhecimentos específicos foram contempladas em

percentuais diferentes as disciplinas de Psicologia da Educação, Didática e Prática de

Ensino. Filosofia da Educação, História da Educação e Estrutura e Funcionamento não

foram incluídas na referida prova.

Em 90 é possível perceber um equilíbrio na distribuição das questões referentes

à parte de conhecimentos gerais. Aqui também não foram contempladas as disciplinas

de Educação Física e Artística, ficando esta questão em aberto pela dificuldade de

acesso aos dados já mencionados anteriormente. Nos conhecimentos específicos,

embora o número de questões para cada disciplina não coincida, o concurso de 90

mostra uma preocupação com a inclusão de todas as disciplinas mencionadas,

proporcionando portanto, uma maior reflexão sobre os conhecimentos pedagógicos.

Page 20: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

20

Outro aspecto importante para a análise dos itens refere-se aos objetivos

educacionais. Retomando as considerações de Vianna, fica evidente que a teoria que

respaldou esse trabalho em relação aos objetivos foi a Taxionomia de objetivos

educacionais (domínio cognitivo) de Benjamin S. Bloom e Associados:

A Taxionomia, do ponto de vista da avaliação educacional, possibilita a análise comparativa entre diversos cursos, currículos e testes. Especificamente, com relação aos testes, permite o estudo da relevância dos instrumentos de medida, através da análise dos itens em função da ênfase atribuída às diferentes categorias de objetivos (VIANNA, 1978, p. 33)

Este sistema classificatório dos diferentes tipos de comportamento

desenvolvidos durante a educação escolar envolve dois grupos: I – CONHECIMENTO

e II – CAPACIDADES E HABILIDADES INTELECTUAIS, sistematizados em 06

categorias principais: Conhecimento, Compreensão, Aplicação, Análise, Síntese e

Avaliação.

Além da possibilidade de especificação dos objetivos educacionais presentes nos

itens das provas que permite explicitar o perfil de profissional valorizado para a rede

pública do Estado de São Paulo nos anos 80, esse aspecto da análise teve o objetivo de

julgar a consistência das provas, ou seja, se o instrumento adotado (testes objetivos) era

de fato objetivo.

Para a análise da consistência resolveu-se adotar o seguinte procedimento

metodológico: composição de uma banca de juizes para avaliar e julgar a consistência

das questões, à luz das definições das Categorias da Taxionomia de objetivos

educacionais de Bloom, indicando posteriormente, pelo índice de concordância obtido a

partir das respostas dos juizes, o grau de confiabilidade e consistência dos itens das

provas.

Primeiramente, a partir das respostas da banca de juizes que examinou todos os

itens da prova relativas as suas respectivas áreas de especialidade, foi elaborada a tabela

4 com a intenção de organizar e apresentar o número de vezes em que apareceram

respostas da banca de juizes, relacionadas a: Conhecimento, Compreensão, Aplicação,

Análise, Síntese e Avaliação (categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de

Bloom). Logo temos os seguintes dados.

Page 21: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

21

Tabela 4. Categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom presentes nos itens das provas de Conhecimentos Gerais e Específicos dos concursos para professor I da

rede estadual paulista na década de 80 a partir do julgamento de 3 juizes

Categorias dos Conhecimentos gerais e específicos das provas dos Concursos Objetivos

educacionais 80 82 90

De Bloom Frequência % Frequência % Frequência % Conhecimento 108 45 96 40 121 40 Compreensão 17 7 30 12,5 41 14 Aplicação 50 21 55 23 74 24,5 Análise 42 17,5 35 14,5 41 14 Síntese 7 3 7 3 8 3 Avaliação 16 6,5 17 7 15 5 Total 240 100% 240 100% 300 100%

Fonte: Elaborado a partir das provas dos concursos para P I da rede estadual paulista na década de 80

O primeiro cruzamento entre os conhecimentos gerais e específicos das provas e

as Categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom expressos na tabela 5,

indica a predominante exigência de conhecimento acima dos 40%, aplicação com

indicações superiores a 20% e análise que aparece em terceiro lugar sempre igual ou

superior a 14% nas três provas. Este perfil dos objetivos educacionais obtidos em

primeira análise (dados brutos) a partir do julgamento dos juizes, é minimamente

intrigante em relação a essa distribuição de exigências descritas acima.

Dando seqüência à análise, é importante verificar se esses índices são mantidos

após a especificação dos índices de concordância, calculados a partir da análise de três

juizes (professores especialistas dos componentes curriculares contidos nas provas) que

classificaram os itens das provas a partir das definições das categorias da Taxionomia

de objetivos educacionais de Bloom. O resultado pode ser observado na tabela 5

Tabela 5- Índice de concordância em relação às categorias da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom, por conhecimentos gerais e específicos das provas dos concursos

para P I da rede estadual paulista na década de 80

Índice de Concursos Concordancia 80 82 90

Frequência % Frequência % Frequência % Baixo 19 24 23 29 20 20 Médio 42 52 53 66 64 64 Alto 19 24 4 5 16 16

Total 80 100 80 100 100 100 Fonte: Elaborado a partir das provas dos concursos para P I da rede estadual paulista, na década de 80 Nota: Os índices de concordância eqüivalem a: Baixo = 0%, médio = 67% e alto = 100%.

Estes índices de concordância (brutos) apresentados pela tabela 6 indicam alguns

aspectos importantes para a análise. Primeiro, em relação ao baixo percentual de alta

concordância, ou seja, 24% em 80, 5% em 82 e 16% em 90. Segundo, em relação aos

Page 22: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

22

expressivos índices de baixa concordância, sempre iguais ou superiores a 20% nos três

concursos. Por último, os índices de média concordância superiores a 50% nos três

concursos. Por esta tabela e com base nos aspectos destacados e descritos acima, é

possível discutir a consistência das categorias da Taxionomia de objetivos educacionais

de Bloom presentes nas provas que, pelos dados apresentados, indica uma

inconsistência devido aos baixos índices de concordância da prova.

Observando a prova do concurso de 80 separadamente por componente

curricular e tipo de conhecimento, é possível confirmar a predominância de

conhecimento em quase todas as disciplinas, com exceção de Português, que exigiu

mais habilidade de aplicação dos candidatos. Dois destaques importantes devem ainda

ser feitos: a disciplina de Estudos Sociais, que embora nesta prova tenha exigido mais

conhecimento, dedica 40% dos seus itens para a categoria análise; a disciplina de

Psicologia da Educação (em conhecimentos específicos) teve 100% de seus itens

incluídos em conhecimento. No geral, como pode ser corroborado também na tabela 10,

os dados apresentados acima se confirmam: com 45% da prova destinado a

conhecimento, 21% para aplicação, 17,5% para análise, além da inexpressiva exigência

para compreensão, tendo 1,5% para síntese e 5% para avaliação.

Na prova do concurso de 82 os índices se alteram, novamente, a categoria

conhecimento é predominante tendo o índice mais elevado em todas as disciplinas, com

exceção de Didática que apresenta um maior percentual de exigência para aplicação. As

categorias de aplicação, análise e compreensão merecem um destaque em relação a

algumas disciplinas. Ciências com exigência de 20% em compreensão e análise,

matemática com 30% em aplicação e 20% em análise, Português com 40% em análise e

20% em aplicação e Psicologia da Educação com 29% em aplicação. Embora exista

uma melhor distribuição dos objetivos educacionais em algumas disciplinas, no geral há

uma predominância de 40% da exigência de conhecimento na prova.

No concurso de 90 houve uma variação dos índices nas disciplinas em análise. A

superioridade dos índices em relação a conhecimento só pode ser vista em Ciências,

Estudos Sociais, História da Educação e Didática. A categoria de aplicação se sobressai

em Português e Matemática, além do empate de 40% em Filosofia da Educação nas

categorias compreensão e conhecimento. Fica evidente ainda no concurso de 90, um

aumento significativo em relação à exigência de compreensão em grande parte das

disciplinas e a presença marcante da categoria análise com índices significativos em

várias delas. No geral, os índices apontados acima se ofuscam quando novamente

Page 23: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

23

aparece a superioridade da exigência por conhecimento na casa dos 48% e com uma

distribuição pouco equilibrada das várias categorias.

A análise dos itens das provas, segundo a avaliação de professores especialistas

de cada componente curricular, indicou os seguintes aspectos: a) um forte peso

atribuído prioritariamente a conhecimento; em segundo lugar à aplicação e análise, no

concurso de 80; b) praticamente a mesma orientação do concurso anterior que se repete

em 82, quando foi privilegiado conhecimento, aplicação, análise e compreensão; c)

confirmação de que a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo teve

essencialmente a mesma orientação na elaboração das provas dos três concursos,

quando novamente privilegia em 90 com pesos decrescentes conhecimento, aplicação,

análise e compreensão.

Estes três aspectos sobre a tendência das provas sugerem um perfil de professor

selecionado para atender a um determinado tipo de escola e com práticas pedagógicas

definidas. Privilegiar nos objetivos educacionais da prova7 conhecimento, aplicação e

análise, é exigir e selecionar pelas definições dessas categorias professores com

capacidade de “recordar um conteúdo anteriormente aprendido”, de “usá-lo em

situações concretas” e de “identificar os elementos incluídos numa comunicação”

(Bloom, 1977: p. 171 -76).

Essas indicações expressam um perfil de formação de professores voltado para o

tecnicismo, ou seja, um professor que é eficiente pela sua competência técnica. Se

retomarmos a análise, ficará evidente a coerência existente entre o que foi exigido em

termos de objetivos educacionais e os assuntos tratados na bibliografia como suporte

teórico para tais objetivos. Em relação à orientação adotada pela Secretaria da Educação

do Estado de São Paulo no que se refere aos objetivos educacionais, os índices

concordância dos itens da prova nos fornecem elementos para discutirmos a

consistência das categorias utilizadas na elaboração das provas. Se elas de fato fossem

consistentes, deveriam ter altos índices de concordância quando submetidas à aplicação

e análise dos itens da prova.

Esses resultados sugerem a importância de se colocar em discussão os testes

objetivos, visto que atualmente essas questões parecem ser intocáveis e indiscutíveis, se

considerarmos a confiança excessiva e absoluta dos elaboradores nesse tipo de teste, o

que não tem justificativa se ponderadas as questões acima descritas.

7 É importante lembrar o grande peso atribuído às provas no processo de seleção.

Page 24: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

24

4. Considerações finais

A análise que desenvolvemos até aqui sugere uma reflexão acerca das políticas

de recrutamento e seleção de professores, tanto no serviço público quanto no privado.

Dentre as variadas formas de recrutamento e seleção do professor, constatou-se que o

concurso ocupa um lugar importante, principalmente por ser a única forma de ingresso

em caráter efetivo no serviço público.

O estudo realizado nos permite afirmar ainda que a orientação dos concursos

para professor I da rede estadual paulista na década de 80, teve suas bases influenciadas

pelo paradigma da pedagogia por objetivos. Primeiro pela grande ênfase atribuída às

provas, organizadas em testes objetivos sobre conhecimentos gerais e específicos e,

pelos objetivos estruturados a partir da Taxionomia de objetivos educacionais de Bloom.

Segundo, pela exigência de domínio de conhecimento e aplicação aos professores que

fizeram a prova, sugerindo uma tendência tecnicista na seleção e formação dos

professores. E por fim, pela importância atribuída aos títulos (principalmente para os

cursos realizados pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo) e ao tempo de

serviço no magistério público estadual paulista, indicando a preferência por um perfil de

professor condizente com a orientação pedagógica do ensino público paulista.

Tudo indica, portanto, que o modelo de seleção de professores implementado

pelas políticas educacionais do estado de São Paulo foi pautado pelo paradigma da

pedagogia por objetivos, pois, privilegiou como principal instrumento de avaliação para

a seleção de professores provas de testes objetivos elaboradas à luz da Taxionomia de

objetivos educacionais de Bloom, exigindo dos candidatos um bom desempenho de

conhecimento (gerais e específicos) e habilidades de aplicação e análise na resolução

das questões propostas.

Talvez uma explicação plausível para a forte predominância desse tipo de

formação e seleção de professores implementados no Brasil, de modo especial no estado

de São Paulo, se fundamente nos determinantes sociais, políticos e econômicos, ou

seja, a educação como reprodutora desses valores e condicionantes estabelecidos em

nosso país. Contudo não é uma boa justificativa se pensarmos no próprio conceito de

educação como propõe Adorno (1995). A educação que não forma para a autonomia e

cidadania é legitima? Sem dúvida que esse tema mereceria uma discussão mais

aprofundada, passando pelo entendimento histórico do conceito de educação. Aqui

apresentamos a proposição apenas com o intuito provocativo.

Page 25: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

25

Se a tendência da seleção esteve pautada no tecnicismo à luz da pedagogia por

objetivos, o perfil de formação de professores e de educação não poderia ser outro senão

a formação conteudista e instrumental do professor, que por conseqüência, dificilmente

superará essa tendência, já que os cursos de formação continuada não primam por uma

formação reflexiva, ou seja, as mesmas bases teóricas e metodológicas, continuarão a

reforçar tal concepção de educação.

Obviamente, que estas reflexões apenas introduzem o tema da seleção e

formação de professores, que como já mencionamos, mereceriam outros estudos no

sentido de compreender melhor como estas questões estão postas. Os caminhos

apontados pela Teoria Crítica, que têm como um de seus expoentes o pensamento de

Adorno, poderão auxiliar a concretização de novas pesquisas que investiguem essa

relação entre formação e seleção de professores .

5. Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Tradução: Wolfgang Leo Maar. São Paulo: Paz e Terra, 1995;

BLOOM, S Benjamin et al. Taxionomia de Objetivos Educacionais. Tradução: Flávia Maria Sant’anna. Porto Alegre: Globo, 1977;

BRASIL, Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 4.024/61. Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 1961;

BRASIL, Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 5.692/71. Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 1971;

BRASIL, Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9.394, Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 1996;

__________. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 1988;

__________. Constituições do Brasil de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e suas alterações. Brasília: Imprensa Oficial do Estado, 1986;

__________. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. São Paulo: IMESP, 1982;

DALLARI, Adilson Abreu. A problemática da Seleção de Recursos Humanos para a Administração Pública. Educação e Seleção, São Paulo, nº 11, pp. 59 - 67;

IMESP. Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo: IMESP, 15/08/78, 26/08/78, 17/09/81, 18/11/81, 05/10/89, 20/10/89;

PEREIRA, Joaquim Neves. O problema do Recrutamento: tese apresentada ao concurso para a carreira de técnico de administração. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1950;

RIBEIRO, José Querino. PEREIRA, José Severo de Camargo. BREJON, Moysés. Concurso de ingresso no magistério secundário e normal: resultados de uma pesquisa. São Paulo: USP, 1955;

Page 26: POLÍTICAS DE SELEÇÃO DE PROFESSORES … · ... 1950, p. 7). A seleção de ... seus respectivos partidos políticos. Quadro 1 – Gestão de governo do estado de São Paulo

26

RUS PEREZ, José Roberto. A política educacional do Estado de São Paulo: 1967-1990. Campinas: FE, UNICAMP, 1994. (Tese de doutorado);

SÃO PAULO, Conselho Estadual de Educação. Indicação: 1/72. São Paulo: CE, 1972;

__________. Decreto Estadual Nº 28.170/88. São Paulo: 1988;

__________. Resolução Nº 229/85. São Paulo: 1985;

__________. Decreto Estadual Nº 17.329/81. São Paulo: 14 de julho de 1981;

SÃO PAULO, Secretaria de Estado da Educação/ DRHU. Prova do concurso para provimento de cargos de professor I. São Paulo: SE/DRHU, 1978;

__________. Prova do concurso para provimento de cargos de professor I. São Paulo: SE/DRHU, 1982;

__________. Prova do concurso para provimento de cargos de professor I. São Paulo: SE/DRHU, 1990;

__________. Quanto Somos. Nº 1/90. São Paulo: 1990;

__________. Sistema de Informações Educacionais: Sistema de Acompanhamento de Pessoal. São Paulo: CIE, 1997;

SARASATE, Paulo. A Constituição do Brasil ao alcance de todos. São Paulo: Freitas Bastos, 1967;

VIANNA, Heraldo Marelim. Testes em Educação. São Paulo: IBRASA, 3ª edição, 1978.