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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO JOSÉ RODRIGUES VIEIRA POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE LENÇÓIS Salvador 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

JOSÉ RODRIGUES VIEIRA

POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO LOCAL: O CASO DE LENÇÓIS

Salvador 2005

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JOSÉ RODRIGUES VIEIRA POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO LOCAL: O

CASO DE LENÇÓIS

Dissertação apresentada à Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EAUFBA) como requisitos parcial para obtenção do grau de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Dr. Reginaldo Souza Santos

Salvador 2005

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DEDICATÓRIA

Ao Verbo

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pela confiança em todos os momentos, pelos silêncios eloqüentes

quando há muito ruído à minha volta e pelas surdas exclamações nas horas em

que o silêncio se abate sobre mim.

A Armenia, pela doçura e interminável paciência com as muitas ausências, com um

casamento por muito tempo adiado e com a fugacidade dos encontros cotidianos

com um marido sempre atrasado e cansado.

Aos meus irmãos, João e Luis, pelo desafio do aprendizado em comum ao longo de

uma vida compartilhada em suas dúvidas e certezas.

Ao Professor Reginaldo Souza, pelas portas sempre abertas, permanente atenção

e delicadeza com um orientando fugaz.

Ao Núcleo de Pós Graduação em Administração da UFBa, por ter recebido, contra

todos os prognósticos, pela terceira vez um ex-aluno em busca de iluminação e

novos caminhos.

Ao sempre amigo Victor Mendes, pela insistência com que recitou o seu mantra

predileto: “Zé, você tem de fazer o Mestrado”, pela inabalável confiança e pelo

investimento realizado e crédito concedido ao professor neófito na primeira

oportunidade que teve.

Aos amigos da Urbe Projetos, em especial, a André Pinho e Pablo Maurutto pelo

apoio na pesquisa documental e bibliográfica, cessão de fotografias de seu acervo,

auxílio na confecção dos mapas e pelas muitas discussões ao longo de

intermináveis madrugadas e viagens de trabalho conjunto.

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EPÍGRAFE

O que ocorreria no distrito diamantino do Paraguaçu, na serra do Sincorá, estava fadado a exceder todas as expectativas em termos de esplendor e de opulência. Era, sem dúvida, (...) uma revolução que se operava em toda a Província da Bahia.

Walfrido Moraes, 1984

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo verificar as mudanças sofridas pelo município de Lençóis, ao longo do período constituído pelos anos de 1991 e 2002, após a criação do Prodetur-BA e sua eleição para tornar-se “Portão de Entrada” da Zona Turística Chapada Diamantina. Há um interesse em se compreender como uma Política Pública de caráter exógeno- o Prodetur-BA- tem afetado o processo de desenvolvimento de um município cuja gênese e esplendor político econômico ao longo da segunda metade do século XIXI fundou-se na atividade de extração mineral e cuja decadência é a marca do século XX. Por meio da consulta a fontes secundárias documentais e bibliográficas, buscou-se montar um quadro que ajude na compreensão das mudanças vividas por esta sociedade ao longo do período em análise por meio de um olhar que busca compreende-las a partir da atividade turística. Palavras-chave: política pública, desenvolvimento, desenvolvimento local.

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ABSTRACT This job seeks to comprehend the changes that happened in Lençóis, during the period among the years 1991 and 2002, after the creation of Prodetur-BA and the election of the city by this Public Policy to become the “Arriving Gate” of the Chapada Diamantina’s Touristic Zone. There is a declared interest in comprehend how an external Public Policy affects the local developing process of this city, that was created and lived its golden age under its Diamond’s Exploration Era, along the 19th century. After its end, the city lost economic and political importance during the 20th century. This research was built through secondary sources of information. It has tried to build a scene that allows the observer to understand the changes experienced by that society from the touristic activities point of view. Keywords: public policy, development, local development.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Bahia: Principais eixos logísticos 70

FIGURA 2 - Lençóis: Vista aérea da região 94

FIGURA 3 - Rio Lençóis 101

FIGURA 4 - Centro histórico de Lençóis 102

FIGURA 5 - Lençóis: Ocupação Sub Normal 115

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Síntese das abordagens clássicas em Políticas Públicas 34

QUADRO 2 - Formas históricas de Estado e Sociedade no Brasil 40

QUADRO 3 - Bahia: Composição setorial do PIB 71

QUADRO 4 - Prodetur-NE I: Ações Concluídas (abril/2002) 84

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Prodetur-BA: Investimentos na Zona Turística Chapada Diamantina 105

TABELA 2 - Lençóis x Salvador: evolução do fluxo turístico 108

TABELA 3 - Aeroporto de Lençóis: fluxo de passageiros 111

TABELA 4 - Lençóis: Participação do aeroporto sobre o fluxo turístico total 112

TABELA 5 - Lençóis: Crescimento Populacional e Urbanização (1980-2000) 113

TABELA 6 - Lençóis x Bahia: Crescimento Populacional e Taxa de Urbanização 114

TABELA 7 - Lençóis: Evolução da Pirâmide Etária 116

TABELA 8 - Lençóis: Evolução nos Índices de Alfabetização 118

TABELA 9 - Lençóis: Número de Estabelecimentos de Ensino Pré -Escolar 119

TABELA 10 - Lençóis: Número de Matrículas Iniciais no Ensino Pré Escolar 119

TABELA 11 - Lençóis: Número de Estabelecimentos de Ensino Fundamental 120

TABELA 12 - Lençóis: Número de Matrículas Iniciais no Ensino Fundamental 120

TABELA 13 - Lençóis: Número de Estabelecimentos de Ensino Médio 121

TABELA 14 - Lençóis: Número de Matrículas Iniciais no Ensino Médio 121

TABELA 15 - Lençóis x Bahia: Evolução do Coeficiente de Mortalidade Infantil 122

TABELA 16 - Lençóis:Índices de Cobertura de Serviços de Água e Coleta de Lixo 123

TABELA 17 - Lençóis: Produto Municipal e Participação no PIB da Bahia 125

TABELA 18 - Lençóis x Bahia: Evolução do IDH 127

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNB Banco do Nordeste do Brasil

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento

CEF Caixa Econômica Federal

GMDI Gasto Médio Diário Individual

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

NPM New Public Management

PDITS Plano de Desenvolvimento do Turismo Sustentável

PIB Produto Interno Bruto

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

Prodetur-BA Plano de Desenvolvimento Turístico da Bahia

Prodetur-NE Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste

SCT Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia

SEI Superintendência de Estudo Econômicos e Sociais da Bahia

SUDETUR Superintendência de Desenvolvimento do Turismo

SUINVEST Superintendência de Investimento em Pólos Turísticos

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 14

1 POLÍTICA PÚBLICA X ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 28

1.1 CONCEITO 29

1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA VISÃO GERAL 33

1.3 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 36

1.4 ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA 40

2 DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA QUESTÃO CONTEMPORÂNEA 46

2.1 TENSÕES DO DESENVOLVIMENTO 47

2.2 DESENVOLVIMENTO: UMA VISÃO CLÁSSICA 49

2.3 A CONSTRUÇÃO NEOCLÁSSICA 54

2.4 A ABORDAGEM KEYNESIANA 57

2.5 ALÉM DO CRESCIMENTO ECONÔMICO 60

2.6 CONTEXTO LOCAL 63

3 BAHIA: TURISMO E DESENVOLVIMENTO NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

70

3.1 UM MAPA ESPACIAL DA ECONOMIA BAIANA 70

3.2 1950-2000: MEIO SÉCULO DE HISTÓRIA 73

3.3 ANÁLISE DE UMA POLÍTICA PÚBLICA: O PRODETUR/BA 81

3.4 PRODETUR: FONTES E CRITÉRIOS DE FINANCIAMENTO E

RACIONALIDADE DA POLÍTICA PÚBLICA 86

3.4.1 Demandas geradas pelo Prodetur-NE 89

4 LENÇÓIS: PORTÃO DE ENTRADA DA ZONA TURÍSTICA CHAPADA DIAMANTINA

95

4.1 A GÊNESE DE UM MUNICÍPIO NO CORAÇÃO DAS LAVRAS

DIAMANTINAS 95

4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS 97

4.3 ESTRUTURAS DE PODER OLIGÁRQUICO 99

4.4 LENÇÓIS ATUAL: PORTÃO DO TURISMO REGIONAL 101

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4.5 A ZONA TURÍSTICA CHAPADA DIAMANTINA 102

4.6 INVESTIMENTOS PÚBLICOS 104

4.7 INVESTIMENTOS PRIVADOS 108

4.8 LENÇÓIS E O TURISMO: FLUXO E PERFIL DO TURISTA 110

4.9 LENÇÓIS E O PRODETUR-BA: 10 ANOS PASSADOS (1991-2002) 113

4.9.1 Investimentos e o Fluxo Turístico 113

4.9.2 Estrutura Populacional 115

4.9.3 Educação 121

4.9.4 Saúde e Saneamento Urbano 125

4.9.5 Economia 127

4.9.6 Índice de Desenvolvimento Humano 129

CONSIDERAÇÕES FINAIS 130

REFERÊNCIAS 137

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APRESENTAÇÃO

As questões envolvendo desenvolvimento das sociedades ganham profunda

importância num momento em que as comunidades humanas alcançam um

elevadíssimo grau de maturidade de sua capacidade produtiva e tecnológica. Estas

comunidades atingiram tamanho desenvolvimento que tornaram possível gerar um

volume de produção de bens suficiente para que todos os habitantes do planeta

tenham direito ao mínimo necessário para sobreviver em condições dignas.

Entretanto, a despeito da possibilidade técnica, tal não ocorre. O globo encontra-se

claramente dividido entre regiões e países ricos, onde as condições de

sobrevivência e conforto material atingem um grau bastante elevado e outras em

que estas condições simplesmente inexistem, estando seus habitantes entregues à

própria sorte.

Como se isto não bastasse, a complexidade e fragmentação das sociedades

contemporâneas atingiram tal ponto, que, mesmo dentro destas regiões

tradicionalmente classificadas como ricas ou pobres, desenvolvidas ou em

desenvolvimento, podem-se verificar enormes diferenças nos níveis de conforto e

bem-estar de seus habitantes. A estratificação sócio-econômica verifica-se mesmo

no interior da urbe. Os recentes distúrbios verificados no “novembro de fogo” francês

é apenas um sintoma desta ordem.

Assim, questões como a do desenvolvimento e, especificamente, a do

desenvolvimento local, tornam-se fundamentais para que os governos possam

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promover os ajustes necessários nas estruturas de suas as sociedades, sejam elas

mais ou menos desenvolvidas, de modo a promover o bem-estar de seus cidadãos.

Nesta luta, as Políticas Públicas constituem-se no instrumento fundamental à

disposição dos governos na promoção das adequações necessárias para alcançar

seus objetivos.

É necessário frisar que a questão do desenvolvimento é bastante delicada. Há uma

multiplicidade de fatores que influenciam o processo de desenvolvimento de uma

dada sociedade. Alguns possuem natureza absolutamente intrínsecas a uma dada

localidade, sendo, portanto, endógenos, constituindo-se em aptidões, competências

e problemas inerentes às mesmas. Outros, entretanto, podem afetar a muitas, senão

todas as localidades ao mesmo tempo, sendo exógenos e, portanto, não

controláveis por estas. Como harmonizar estes vetores, muitas vezes conflitantes ou

mesmo incompatíveis é um desafio que se apresenta cada vez mais intenso.

Nesta dissertação a questão das relações entre políticas públicas e seu impacto

sobre o processo de desenvolvimento local é discutida a partir do desenvolvimento

de um estudo de caso. Este busca apreender as dinâmicas geradas pela introdução

de um novo modelo de desenvolvimento para a região da Chapada Diamantina

lastreado na atividade turística, por meio de uma política pública estadual- o

Prodetur-BA.

Lençóis, município alvo deste estudo, integra a região da Bahia originalmente

conhecida como “Lavras Diamantinas”, atualmente ampliada e conhecida por

Chapada Diamantina. Esta região, cujos limites originais abrangiam a área hoje

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ocupada pelos municípios de Lençóis, Mucugê, Piatã, Boninal, Palmeiras, Seabra e

Andaraí, tem sua gênese e desenvolvimento calcados sobre a extração mineral, sob

a sombra dos coronéis, ao longo do século XIX e início do século XX. Neste período,

atingiu o ápice de sua importância econômica e política, chegando a abrigar o

consulado francês, além de representações do governo estadual.

Entretanto, após o ocaso desta atividade econômica, em função da concorrência

internacional das jazidas sul-africanas e pelo esgotamento dos veios superficiais do

carbonato e do diamante, a região enfrentou décadas de decadência e perda de

importância política e econômica.

Desde então, ao longo do século XX, o município enfrentou uma contínua perda de

importância econômica, política e de dinamicidade social, tendo como um de seus

reflexos uma significativa perda populacional. É nesta situação que a adoção de

uma nova estratégia de desenvolvimento para o estado pelo governo estadual, como

um vetor exógeno, oferece aos municípios da região, e a Lençóis em especial, uma

oportunidade de adequarem suas estruturas e embarcarem no processo. Neste novo

modelo, a indústria do Turismo, especificamente o eco-turismo, passa a ocupar o

centro da economia regional.

A criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina, por meio do Decreto Federal

nº 91.655, de 17/09/1985, associada à adoção do segmento turístico como um dos

eixos prioritários de uma nova estratégia de desenvolvimento e política de inversões

pelo governo do estado, a partir de 1991, são os 2 marcos a partir dos quais se inicia

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um processo de reestruturação regional. Em específico, nos interessa o segundo

marco e sua política de inversões: o Prodetur-BA.

Este trabalho pretende compreender como este processo afetou a economia, a

sociedade, o modo como influenciou o desenvolvimento do município. Sua missão é

ampliar a capacidade de compreensão acerca dos efeitos da política pública sobre a

sociedade local.

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DEFINIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

O Problema

Denominada “Políticas Públicas e Desenvolvimento Local: O Caso de Lençóis”, esta

dissertação tem como objeto de estudo os efeitos causados sobre o município de

Lençóis-BA pela implantação do Prodetur-BA, analisando as mudanças ocorridas no

mesmo ao longo do período que se inicia no ano de 1991, com a posse do então

governador Antônio Carlos Magalhães, e finda em 2002, com o término da gestão do

governador Otto Alencar, vice-governador eleito na chapa do Partido da Frente

Liberal (PFL), encabeçada por César Borges, afastado do cargo para se candidatar

a vaga de Senador da República naquele pleito.

A proposta deste estudo é responder à questão que se segue: “Quais os efeitos da

implantação do Prodetur-BA pelo Governo do Estado da Bahia e a conseqüente

transformação de Lençóis em principal destino turístico da então constituída Zona

Turística Chapada Diamantina, sobre o município ao longo do período 1991-2002?”.

Para tanto, deve identificar quais são as mudanças introduzidas na sociedade de

Lençóis pela nova política proposta pelo governo estadual e os impactos causados

sobre a estrutura sócio-econômica anterior à sua implantação. Desta análise

comparativa emergirá uma visão capaz de auxiliar a fixação de parâmetros que

auxiliem futuros projetos a estabelecer conexões de causalidade entre a dinâmica

econômico-social atualmente em vigor e aquela original.

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Pressupostos

O pressuposto que orienta a confecção deste estudo está arrolado a seguir. As

respostas obtidas aos questionamentos originados pela questão de partida

permitirão confirmar, ou não, a sua validade:

1. Ao realizar investimentos diretos e viabilizar a concretização de novos

investimentos por agentes econômicos privados, o Prodetur-BA instalou uma

nova dinâmica que permitiu ao município de Lençóis realizar uma série de

avanços no que tange as condições de vida de sua população, em especial

nas dimensões econômica, educacional e de saúde/saneamento, ao longo do

período em análise.

Para verificar tal pressuposto são empregados uma série de indicadores, que

permitem, por meio da observação de suas variações entre o início e o fim do

período, observar as mudanças ocorridas em cada uma destas dimensões. Assim,

empregam-se, em especial, os seguintes índices:

(a) na dimensão econômica o indicador base empregado é o Produto Interno

Bruto Municipal;

(b) na dimensão educacional: taxa de alfabetização, número de matrículas

iniciais nos diversos níveis de ensino e número de estabelecimentos

dedicados a tais níveis;

(c) na dimensão de saúde e saneamento: coeficiente de mortalidade infantil,

cobertura de água, esgoto e coleta de lixo.

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Além destes, observam-se, ainda, outros índices que ajudam a compor o quadro

geral e, portanto, a compreender melhor as mudanças experimentadas pelo

município, ao longo do período em análise. Assim, também são empregados neste

estudo dados referentes à estrutura etária populacional, grau de urbanização e, por

sua capacidade de integrar as dimensões em análise, o Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH).

Tendo como pano de fundo a questão do desenvolvimento local, este estudo

procura, portanto, compreender os efeitos de uma política pública exógena, o

Prodetur-BA, sobre uma comunidade, que pouca ou nenhuma influência teve sobre

a sua formulação. O grau de sucesso desta política no incremento dos níveis de

bem-estar desta população, que é apenas uma das beneficiárias sob a ótica dos

seus formuladores (Governo do Estado da Bahia), é função da capacidade de

adaptação e articulação desta comunidade com as ações desenvolvidas pelos

promotores da política pública.

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JUSTIFICATIVA

Este projeto se justifica pela necessidade de se avaliar um processo que completou

uma década, avaliando seus sucessos e insucessos, de modo que se possa

contribuir para seu correto encaminhamento.

Antes de qualquer argumentação, deve-se recordar a importância que o local

assumiu, a partir da crise dos 1970, quando o esgotamento do modelo keynesiano

de desenvolvimento obrigou os governantes a buscarem alternativas de

desenvolvimento, recaindo, a partir de então, uma responsabilidade cada vez maior

sobre a esfera local. Uma vez que esta esfera assume tais responsabilidades, a

formatação de sua dinâmica ganha relevo social inegável, uma vez que suas

populações ganham maior autonomia na busca de seu desenvolvimento e melhoria

nas condições de vida.

Esta observação fundamenta o investimento na busca do entendimento das

dinâmicas locais, em função de sua importância nas dinâmicas econômicas

vigentes. Assim, o caso de Lençóis é mais um a partir dos qual se pode tomar novas

lições sobre o funcionamento do local e de como se estabelecem suas conexões

com outras regiões, especialmente no que se refere ao contexto baiano.

Uma vez que, em seu processo de desenvolvimento, as dinâmicas locais são

determinadas pela resultante da interação entre vetores das dinâmicas endógenas e

exógenas e as políticas públicas estaduais são um dos fatores exógenos mais

importantes atuando sobre as comunidades locais, o estudo acerca de seus efeitos

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sobre tais dinâmicas é uma etapa capital para a compreensão da ação pública e

seus resultados.

Este fato ganha relevo, na medida em que se assume que a finalidade da ação

governamental é o bem-estar de suas populações, sendo, portanto, o alcance deste

a meta de suas políticas.

Deste modo, a política pública estadual, concretizada por meio das ações do

Prodetur-BA, no município de Lençóis, para ser considerada bem sucedida deve, ao

longo do tempo, incrementar os níveis de bem-estar de sua população.

Como se trata de um projeto de política pública que tem como objetivo o

desenvolvimento da região pode servir de parâmetro para a discussão acerca de

seus erros e acertos, fornecendo um parâmetro qualitativo para a discussão de

dinâmicas de desenvolvimento regional.

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METODOLOGIA

Para atingir os seus objetivos, este trabalho busca compreender a conexão entre um

referencial teórico acerca dos conceitos básicos em análise, a saber, política pública

e desenvolvimento local. Emprega para tanto a metodologia do estudo de caso,

tomando como referência os impactos do Prodetur-BA sobre o município de Lençóis.

Deve-se destacar que este fator exógeno transforma, em poucos anos, um município

cuja economia, por seu processo formativo e sua história pregressa, sempre girou

em torno do setor primário (extração mineral e agricultura), na principal cidade de

uma das sete Zonas Turísticas do estado.

A opção pelo município de Lençóis se deu por duas razões básicas:

a) pela peculiaridade já destacada da gênese e história pregressa do município;

b) pela maior abundância de informações disponíveis sobre a atividade turística

no município, em função deste constituir-se numa espécie de “portão de

entrada” de uma das sete zonas turísticas criadas pelo Prodetur-BA.

Para sua realização, esta pesquisa fundou-se em dados de fonte exclusivamente

secundária, apresentado resultados de análise puramente qualitativa destes.

Apoiando-se numa pesquisa exploratória conceitual, em que se busca determinar

marcos inteligíveis para a compreensão dos conceitos de Política Pública e

Desenvolvimento Local, este trabalho fundou-se, ainda, numa pesquisa bibliográfica

e documental, com base em uma série de textos, periódicos e publicações contendo

dados, análises e avaliações acerca do objeto deste estudo.

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.

Por fim, as principais fontes de informação utilizadas ao longo da confecção deste

estudo foram o Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura e

Turismo do Estado da Bahia (SCT), da Superintendência de Investimentos em Pólos

Turísticos (SUINVEST), da Empresa Baiana de Turismo (Bahiatursa), além do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Superintendência de

Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI).

OBJETIVOS

Objetivo Geral

O objetivo geral deste estudo é verificar quais as mudanças experimentadas pela

sociedade lençoense, ao longo do período decorrido entre os anos de 1991 e 2002,

ocasião de implantação do Prodetur-Ba.

Objetivos Específicos

Como objetivos específicos, este estuda busca:

1. Evidenciar as características principais do Prodetur-Ba, enquanto Política

Pública;

2. Identificar as alterações ocorridas na estrutura e dinâmica da população do

município de Lençóis, ao longo do período em análise;

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3. Identificar as mudanças nas condições de vida da população do município,

por meio da análise dos principais indicadores de renda, educação e saúde

do município, ao longo do período analisado.

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ESTRUTURA GERAL

Para atingir as suas aspirações, este trabalho encontra-se dividido em 4

diferentes capítulos. Após esta apresentação, em que se colocam as questões

em tela, bem como hipóteses/pressupostos, metodologia e objetivos, inicia-se

uma etapa de construção do marco conceitual do projeto, que consome os dois

capítulos seguintes.

O primeiro capítulo, portanto, discute os conceitos e a relação que existe entre

Política e Administração Pública. Busca evidenciar como a política pública e a

Administração Pública são reflexas, ao mesmo tempo em que busca promover

uma breve leitura acerca da evolução do estado brasileiro e da forma assumida

por sua Administração Pública ao longo do século XX.

O segundo capítulo busca efetuar uma discussão acerca do conceito de

Desenvolvimento Local, partindo das abordagens clássica, neoclássica e

Keynesiana para crescimento econômico, num primeiro instante. Na sua segunda

metade, concentra-se efetivamente na idéia de Desenvolvimento Local,

discutindo a idéia de local, suas múltiplas interfaces e a complexidade associada

à sua gestão.

A partir do capítulo três, construídos seus parâmetros teóricos de análise, o texto

começa a concentrar-se em seu objeto de estudo. Neste capítulo, em específico,

realiza-se uma sucinta revisão da estratégia baiana de desenvolvimento

econômico, ao longo da segunda metade do século XX, discutindo rapidamente

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os seus ganhos, as razões de seu esgotamento, a partir de meados da década

de 1980, lançando, então, um olhar sobre a nova estratégia proposta a partir do

século XXI. Na sua segunda metade, concentra-se no Prodetur-BA, enquanto

uma política de desenvolvimento turístico proposta pelo governo estadual,

buscando caracterizá-la, a partir de suas premissas, limitações e contexto

histórico.

O capítulo quatro tem por objetivos:

a) expor brevemente ao leitor as nuances da gênese do município de Lençóis

e de sua região, evidenciando o caráter exploratório de sua ocupação e as

características que marcam a sociedade dela derivada;

b) demonstrar quais foram as ações do Prodetur-BA na Zona Turística

Chapada Diamantina, em especifico no município de Lençóis, destacando

os montantes investidos pelo poder público e pelo setor privado, ao longo

da década de 1990, bem como a características destes investimentos;

c) por fim, montar um quadro que avalie as mudanças ocorridas nas

características da população do município, seu grau de urbanização, nível

de educação, estrutura de saúde e saneamento e criação de riqueza

(renda municipal).

Findo este último capítulo, as considerações finais buscam realizar um balanço

daquilo que se verificou a partir da observação e análise dos dados levantados,

procurando traçar diretrizes que auxiliem a realização de um estudo mais

rigoroso, a fim de verificar as relações de causalidade entre as ações do

Prodetur-Ba e as mudanças verificadas no município de Lençóis.

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CAPÍTULO I POLÍTICA PÚBLICA x ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Esta seção tem como objetivo discutir as diversas dimensões envolvidas quando

se busca empreender a análise de uma Política Pública qualquer. Os

fundamentos que subsidiam tal discussão estão calcados nas diferentes

abordagens existentes para entender tal fenômeno social.

Assim, para auxiliar esta análise, num primeiro momento este capítulo busca

definir Estado, Sociedade e Política Pública. A partir desta conceituação, há uma

tentativa de entender como as políticas públicas são afetadas pela relação

dinâmica Estado-Sociedade, ao mesmo tempo que apresenta um quadro

resumo com as diversas abordagens existentes sobre políticas públicas.

Um elemento que não escapa ao olhar aqui proposto é aquele do papel

desempenha pela Administração Pública sobre a definição e aplicação das

políticas públicas. Partindo da clássica conceituação Weberiana, sem, contudo,

ignorar as propostas da New Public Management especula-se sobre o tema.

Por fim, uma vez definidas tal visão e suas singularidades, seu último objetivo é

aquele de realizar uma breve exposição acerca da evolução da dinâmica

Estado-Sociedade no Brasil e das formas assumidas, em função destas

mudanças, pela Administração Pública no país, ao longo do século XX.

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1.1 CONCEITO

As questões envolvendo a relação entre Estado, entendido como aquele a quem

cabe o monopólio da força e da coerção legítimas (DUPAS, 2003, p. 27)1, e

Sociedade, moldam a configuração do mundo. A mediação destas relações,

desde a criação do Estado Democrático de Direito, vem sendo realizada pelo

governo, fundado nos princípio de:

a) soberania popular exercida por representantes eleitos;

b) divisão de poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário);

c) direitos individuais declarados e assegurados;

d) prerrogativas dos governantes limitadas explicitamente pela

Constituição.

Esta configuração atende, em linhas gerais, à classificação Weberiana de

Estado Legal, pois nele claramente se afigura a construção de uma estrutura

formal, a partir da qual o estado funciona. Esta estrutura é gerida por

funcionários especializados, aos quais cabe decidir, a partir de critérios gerais

(técnicos, legais), o que deve ser feito para atingir os fins desejados. Nele os

cidadãos só estão obrigados a submeter-se à lei, sendo justas as decisões que

aplicam a regra geral aos casos particulares.

1 Esta afirmativa encontra guarida na definição Weberiana, segundo a qual o Estado se define como a estrutura ou o agrupamento político que reivindica com êxito o monopólio do constrangimento físico legítimo (Freund, 1980, p.159).

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A Sociedade, por sua vez, encontra-se dividida, em duas esferas: a pública e a

privada. O espaço público, a Ágora, consiste no espaço reservado ao debate

político, habitado pelo cidadão. Nele se dá “a intermediação, envolvendo

instituições e práticas sociais” (DUPAS, 2003, p. 30). O espaço privado é

demarcado pelos interesses particulares dos indivíduos. Caracteriza-se, assim,

pela “afirmação da individualidade e da diferença, do desejo e dos gostos

específicos” (DUPAS, 2003, p. 30).

Por sua vez, ambas as esferas encontram-se submetidas ao governo, que,

sendo constituído por representantes eleitos, tem nas mãos a condução do

Estado no sentido de cumprir a sua finalidade: o bem-estar público. Santos

(2001, p. 65) afirma que é através do Estado “que se dá a manifestação política

da sociedade em busca da finalidade: o bem-estar pleno da humanidade”.

Refletindo este fracionamento social, os bens à disposição da sociedade

apresentam características de bens públicos ou privados. Segundo Giambiagi e

Além (1999, p. 20), “bens públicos são aqueles cujo consumo é indivisível ou

‘não-rival’. (...) Outra característica importante é o princípio da ‘não exclusão’”.

Santos (2001, p. 83) adiciona outra característica: a produção de grandes

economias/ deseconomias externas.

Os bens privados, por sua vez, são gravados por apresentarem consumo

divisível ou “rival” e excludente. Por último, existe uma categoria de bens que

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apresentam características dos bens privados, mas que, em função do nível de

consenso das sociedades modernas, foi integrada à agenda pública: os bens

semi-públicos. São exemplos clássicos destes: educação e saúde (GIAMBIAGI

E ALÉM, 1999).

Assim, é sobre esta construção original que ocorrem os embates a partir dos

quais se constroem as modernas sociedades. Estes embates, que ocorrem em

seu seio, têm como objeto a definição do que fazer com os bens públicos, e esta

destinação é determinada a partir do controle da gestão estatal.

Azambuja (1990, p. 9), comentando a obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel,

define o fundamento da Política como “a arte de governar os Estados, ou mais

exatamente, como arte de atingir, exercer e conservar o poder”. O ilustre jurista

Hans Kelsen (apud AZAMBUJA, 1990, p. 9), por sua vez, afirma: “a política

descreve o Estado como deve ser e porque deve ser”.

Estas assertivas conduzem ao entendimento de que é através da política que se

molda o Estado e se alcança e mantém tal poder. A primeira uma visão positiva,

a segunda uma abordagem normativa. Penteado Filho (2003) define Política

como o “conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações

de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto aos bens

públicos”. Esta concepção evidencia um entendimento processual, subentendida

apenas nas anteriores, reforça a dimensão de poder envolvida na questão

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política e introduz a dimensão da estabilidade jurídica, ao valer-se da expressão

“resolução pacífica de conflitos”. Como tal, seu ambiente natural é o espaço

público.

Logo adiante, o mesmo autor concebe Política Pública como “outputs,

resultantes da atividade política (“politics”): compreendem o conjunto de

decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores”. Vê-se, aqui, que,

sob esta ótica, a política pública, nada mais é senão a materialização das

discussões originadas no espaço público. No entanto, como resultam em ações

governamentais, sua validade transcende a este espaço, atingindo também o

espaço privado.

Desta discussão, pode-se perceber que as Políticas Públicas originam-se no

espaço do debate (espaço público), mas reverberam por toda a sociedade, uma

vez que, sendo atos estatais de governo, obrigam toda a sociedade, dado o

caráter universal e coativo de suas normas. Destarte, podemos afirmar que a

Política Pública é o instrumento por meio do qual o governo, após a discussão

no espaço público (Política), busca alcançar a sua finalidade: promover o bem-

estar geral.

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1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS: UMA VISÃO GERAL

Sendo as políticas públicas os instrumentos através dos quais os governos

determinam a sua ação, cresce a importância do seu estudo e investigação. Isto

se dá, pois, de um ponto de vista pragmático, o orçamento público representa

parcela significativa das inversões totais efetivadas nas economias dos estados

nacionais2.O orçamento público, por sua vez, é regido pelas políticas públicas

adotadas.

Assim, a utilização do conhecimento obtido para resolver da melhor maneira os

problemas do cotidiano, parece plenamente justificado. Penteado Filho (2003)

adiciona, ainda, uma outra razão: a de “informar a discussão política,

desenvolver o grau de consciência política e melhorar a qualidade da política

pública (seja através da reforma ou da revolução)”.

No entanto, o campo de estudos das políticas públicas encontra-se longe de ser

pacífico. Diferentes abordagens são utilizadas, expressando uma pluralidade de

ângulos de observação, o que reflete o grande número de interessados nesta

complexa temática. Faria (2003, p. 22) reforça este ponto vista ao afirmar que:

(...) há hoje uma Babel de abordagens, teorizações incipientes e vertentes analíticas, que buscam dar inteligibilidade à diversificação dos processos e gestão das políticas públicas em um mundo cada vez mais caracterizado pela interdependência assimétrica, pela incerteza e pela complexidade das questões que demandam regulação.

2Giambiagi (1999, p.25) afirma que a relação Gasto Público/PIB internacional foi de cerca de 46% em 1996.

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Ao longo da história da ciência política, uma série de abordagens, hoje

clássicas, foi construída com o intuito de interpretar os mecanismos envolvidos

no processo de formulação política. No quadro 1, que se segue, há uma

apresentação esquemática que busca sintetizar estas abordagens clássicas do

campo das políticas públicas:

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Quadro 1 – Síntese das abordagens clássicas em Políticas Públicas Abordagem Conceito de PP Pressupostos Implicações

Institucionalismo Resultado do arranjo institucional dos pode- res políticos

1.Instituições governa- mentais legitimam PP; 2. PP são universais; 3. Governo detém mo- nopólio da violência

1. Estrutura institucio- nal pode beneficiar al- guns grupos específi- cos; 2.Acesso ao poder se dá de forma assimétrica

Pluralismo Resulta da interação entre os grupos de in- teresse, refletindo o e- quilíbrio entre estes

1. Interesse dos grupos reflete o interesse da Sociedade. 2. Sistema Político ge- rencia conflito:a) esta- belecendo regras; b)balanceando interes ses; c)criando as PP, a partir deste balancea-mento; d) respeitando compromissos

1. Formuladores das políticas respondem à pressão dos grupos que competem entre si. 2. Aquele que possui maior poder de pres - são exerce maior in – fluência

Teoria das Elites Reflete preferências e valores da Elite domi-nante

1. As massas são manipuláveis; 2. Mudanças nas PP são incrementais; 3. Elites têm alto grau de homogeneidade.

1. A responsabilidade pelo bem estar social cabe às elites; 2. O jogo democrático tem importância apenas simbólica

Racionalismo Reflete a tomada de decisão ótima, ou seja, aquela que maximiza o valor para a sociedade

1. Os agentes econômicos são racionais; 2. A distribuição de informações é prefeita e mensurável;

1. Os benefícios devem exceder os custos das PP adotadas; 2. A análise das PP devem se ater ao bem- estar econômico.

Incrementalismo

Se concretizam por meio de aproximações sucessivas, fortemen - te determinadas pelo curso histórico.

1. Há assimetria na distribuição de infor- mações; 2. A distribuição dos recursos constitui-se num fator restritivo à plena racionalidade

1. Restrições de or - dem prática impedem a tomada de decisões “ótimas”. 2. Cada nova PP é um novo degrau construí- do sobre a História.

Teoria dos Jogos Resultam do somató - rio de todas as esco- lhas feitas por todos os indivíduos

1. Os agentes são ra-cionais; 2. Suas decisões são uma função daquela adotada pelos demais.

1. As decisões toma - das pelos agentes são interdependentes.

Teoria dos Sistemas Resulta do “processa- mento”, pelo governo, de “entradas” deman- dadas pela Sociedade

1. As demandas da so- ciedade são inputs do sist. político. Afetam o próprio sist. político; 2. O sist. político trans- forma os inputs em PP

1. Os outputs do sistema político afetam a sociedade, gerando novas demandas, num loop interminável.

Marxista Resultam do viés de classe da Burguesia, hegemônica no contex- to do capitalismo

1. Luta de Classes; 2. Estado como “Co- mitê da Burguesia”; 3. Hegemonia ideo- lógica burguesa

1. PP como instrumento para assegurar poder e valores burgueses.

Fonte: elaborado pelo autor.

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1.3 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Um dos mais importantes elementos que determinam as políticas públicas é o

modelo de gestão assumido pela Administração Pública. Weber, originalmente,

associa tais modelos a dimensões legítimas de domínio, que afirma serem três,

a saber: o domínio legal; o domínio tradicional; e o domínio carismático. Cada

um destes domínios pode materializar-se de diferentes formas. São focos desta

análise o Patrimonialismo (forma típica do domínio tradicional) e a Burocracia

(forma típica do domínio legal).

O Patrimonialismo, típico das sociedades tradicionais, possui como

características próprias, dentre outras:

a) Indistinção entre esfera oficial e privada (interesse do cargo e do

administrador);

b) a norma que fundamenta o sistema (Direito) lastreia-se no costume;

c) Autoridade fundada na pessoa.

Freund (1980, p. 174) ilustra estas características no trecho que se segue:

A autoridade (...) é fundamentalmente pessoal, independentemente de qualquer fim objetivamente racional. O soberano é senhor, e não magistrado; o poder lhe pertence em virtude de atributos pessoais; não lhe é conferido com base em critérios exteriores e formais que definam a função por ele ocupada.

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Este modelo de dominação revelou-se típico das sociedades pré-capitalistas.

Nestas, o patrimônio público e o patrimônio do rei ou imperador se confundiam,

a regulação tinha como eixo central as tradições (usos e costumes), e as

funções públicas eram exercidas por desígnios do mandatário supremo, a

despeito de qualquer outra consideração. Bresser Pereira (2001) caracteriza o

Estado brasileiro como Patrimonialista, até o ano de 1930.

Por sua vez, a Burocracia Moderna, segundo Freund (1980, p. 170), funda-se

nos seguintes princípios:

a) Competências claramente definidas pelas normas;

b) Existência de um corpo de funcionários dedicados ao exercício das

funções públicas;

c) Estrutura hierárquica do sistema administrativo, tendendo à

centralização;

d) Recrutamento do funcionário por concurso (via impessoal);

e) Remuneração regular do funcionário;

f) Subordinação dos funcionários à norma (Direito);

g) Promoção de funcionários com base em critérios objetivos;

h) Separação completa entre oficial e privado (interesse do cargo e do

administrador).

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O Domínio Burocrático é característico das sociedades ocidentais democráticas

modernas. Nestas há uma evidente separação entre o patrimônio público e o

privado, a regulação é exercida com base numa legislação genérica, impessoal,

e as funções públicas são exercidas por mandatários eleitos para tal fim, ou por

outros critérios igualmente impessoais (concurso público). Ao longo do período

que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, este modelo atingiu o seu ápice e

consolidou-se concomitantemente ao Estado de Bem-Estar Social (Welfare

State).

Uma das especificidades da Burocracia é o fato desta ser internamente

orientada. O importante é que as normas se cumpram; o processo deve ser

corretamente feito; a norma deve ser estritamente cumprida. Isto acarreta perda

de flexibilidade e distanciamento entre as atividades executadas (e, por

conseqüência, daqueles que as executam) das suas finalidades (daqueles que

demandam o produto final: em última instância os cidadãos).

Além destas formas, a Administração Pública pode ainda assumir,

hodiernamente, ao menos um outro formato: a Administração Gerencial. Esta,

conhecida na literatura internacional como New Public Management (NPM),

surge como um fruto da crise dos anos 1970, portanto do momento em que o

ideário neoliberal volta a ganhar terreno nas discussões político-econômicas.

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Na década de 1990, em que começa a ser adotada no país, a principal

contribuição advém da obra de Osborne e Gaebler, publicada no Brasil sob o

título “Reinventando o Governo”. No Brasil, assume a denominação de

Administração Pública Gerencial.

Carneiro (2002, p. 96) atribui as seguintes características a este modelo:

• descentralização do ponto de vista político, transferindo-se

recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e

locais;

• descentralização administrativa, através da delegação e

autoridade para os administradores públicos transformados

em gerentes crescentemente autônomos;

• organizações com poucos níveis hierárquicos, ao invés de

piramidal;

• controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle

rígido passo a passo, dos processos administrativos;

• administração voltada para o atendimento do cidadão, ao

invés de auto-referida.

Como se pode ver, o foco deste modelo está nos resultados, na eficácia da

gestão. Apresenta-se, portanto, como uma alternativa à administração

burocrática que tem como singularidade a preocupação com o processo, a

despeito dos resultados atingidos.

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40

1.4 ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA BRASILEIRA

Para que se possa efetivamente empreender uma análise consistente acerca de

qualquer política pública, é preciso, antes de qualquer passo, procurar

compreender a evolução da gestão pública, espelhando o binômio Estado-

Sociedade.

Só a partir do entendimento acerca da dinâmica com a qual o governo interage é

que se pode, de fato, construir uma análise mais consistente. Assim, vê-se que a

compreensão das políticas públicas é uma derivada de três eixos, a saber: a) da

realidade objetiva, marcada pela forma de gestão existente no locus em foco; b)

do modo como esta evolução se deu historicamente; e c) da opção teórica do

pesquisador.

Assim, para que se possa efetivamente empreender uma análise de qualquer

política pública brasileira, deve-se compreender a evolução de sua dinâmica

Estado-Sociedade.

Bresser Pereira (2001, p. 224 afirma):

O Estado brasileiro, no início do século XX, era um Estado oligárquico e patrimonial, no seio de uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída do escravismo. Cem anos depois, é hoje um Estado democrático, entre burocrático e gerencial, presidindo uma economia capitalista globalizada e uma sociedade que não é mais essencialmente de classes, mas de estratos: uma sociedade pós-industrial.

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Soma-se a esta afirmação, o quadro a seguir (BRESSER PEREIRA, 2001, p.

226).

Quadro 2 – Formas Históricas de Estado e Sociedade no Brasil 1821-1930 1930-... Início?

Sociedade Mercantil Senhorial Capitalista-Industrial Pós-Industrial (?)

Estado (Política) Oligárquico Autoritário-Capitalista Democrático (1985)

Estado (Administração) Patrimonial Burocrático Gerencial (1995)

Este quadro auxilia a percepção de que para cada nova relação Estado-

Sociedade corresponde um modelo específico de gestão pública. Assim, no que

tange à primeira fase, o depoimento de Garcia e Palmeira (2001, p.47) ao

comentar a visão de Holanda, em sua obra Raízes do Brasil, é elucidativo:

Sérgio Buarque [...] interessa-se [pela] projeção [do brasileiro] na vida pública, no comportamento político, e analisa como constitui um empecilho à construção de um Estado moderno e democrático. O ’homem cordial’, escravo de suas paixões, não aceita normas que transcendam seus desejos; nenhum espaço público moderno pode se assentar sobre tais bases. (grifo nosso)

A constituição histórica da sociedade brasileira a levou a se organizar como uma

oligarquia patrimonial, mesmo nas primeiras décadas após a proclamação da

república. O Império brasileiro era claramente Patrimonialista. A própria relação

entre o Imperador e a Administração Pública, evidenciava tal confusão entre as

esferas pública e privada. A nascente burocracia era integrada por membros de

uma elite econômica aristocrática.

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O fim do Império não representou alteração no modo de dominação exercido.

Fundamentalmente, a Sociedade e o Estado permaneceram com suas

estruturas originárias inabaladas. O continuísmo político representado pela

política do “café com leite” evidenciava que, a despeito da modernidade da

república democrática, em essencial os “donos do poder” continuavam os

mesmos. Barbosa (1992, p. 86) afirma:

Quando os movimentos políticos e sociais do final do século XIX nos levaram de encontro aos novos valores da modernidade, não trocamos nossos valores antigos pelos novos, apenas superpusemos às nossas velhas calças um paletó novo e, assim, criamos um sistema social onde todos os códigos, modernos e tradicionais, se entrecortam, permitindo uma multiplicidade de opções igualmente válidas a todos que aqui vivem.

Foi apenas como um fruto dos movimentos internos ocorridos ao longo da

década de 1920 e, fundamentalmente, do advento da primeira crise financeira

global, em função do crash da Bolsa de Valores, ocorrida em 1929, que o

sistema entrou em colapso.

O golpe de 1930 deu início a uma profunda reestruturação da Sociedade e do

Estado nacional. A centralização do poder de modo autoritário conduziu este

movimento. A realocação de capitais agrários, aliada a vultosas inversões

estatais, deu origem à industrialização e consolidou o fenômeno da urbanização

do país.

Estes novos centros urbanos florescentes abrigaram novas classes operárias,

empregadas das fábricas modernas e uma nova burocracia não aristocrática.

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43

Estas foram semente para as reformas trabalhistas e administrativas promovidas

pelo governo Vargas. Esta última, ao introduzir mecanismos como a instituição

dos concursos públicos como meio de ingresso para o funcionalismo,

racionalizar os métodos empregados pela administração pública e instituir

critérios gerais para classificar os cargos, dentre outras, (BRESSER PEREIRA,

2001, p. 235) evidencia a criação de um novo modelo de gestão, que reflete o

novo binômio Estado-Sociedade: a Burocracia Moderna.

Em linhas gerais, este modelo de gestão é aquele que vai perdurar ao longo dos

50 anos seguintes. A despeito da introdução de novos elementos, eventuais

avanços e retrocessos, a burocracia moderna será o sistema de gestão pública

que suportará o modelo econômico de substituição de importações, do mesmo

modo que o modelo patrimonialista forneceu as bases para o modelo agrário-

exportador.

Este modelo vai perdurar até meados da década de 1990, quando o

esgotamento do modelo econômico, associado a novas demandas internas

(renovação democrática, Carta de 1988, hiperinflação) e externas (ascensão do

ideal neoliberal, acirramento da globalização, fim do regime comunista,

“Consenso de Washington”) levará a uma nova configuração para a gestão

pública.

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Bressan (2002, p.370) classifica o modelo de gestão pública anterior a 1995

como “altamente burocrático” e aponta disfunções como caráter rígido, atividade

fragmentada, normalização excessiva, estrutura excessivamente hierarquizada.

Estes signos geravam desmotivação entre funcionários, impediam a percepção

do resultado do trabalho que prestavam, “processos longos, onerosos e

ineficazes”, dentre outras mazelas. Por fim, afirma:

É neste contexto que se desenvolve o projeto de reforma administrativa do governo Fernando Henrique. Seu objetivo central seria reformar um governo burocrático e insatisfatório diante das novas exigências, o que provocava uma combinação perversa entre serviços de baixa qualidade e alto custo. Era necessária, portanto, uma reforma gerencial (grifo nosso) que trouxesse à Administração Pública maior flexibilidade, agilidade, eficácia e eficiência. (BRESSAN, 2002, p. 371)

Deste modo, a reforma gerencial foi a resposta encontrada pelos responsáveis

pela Administração Pública para fazer face às demandas da sociedade. Sua

implantação tinha como objetivos:

• redirecionar o papel do Estado, de executor ou prestador direto de serviços para promotor do desenvolvimento social e econômico, aumentando sua capacidade de formulação, controle e avaliação de políticas públicas;

• recuperar a autonomia de gestão e o dinamismo necessários à prestação dos serviços estatais através de novos modelos institucionais;

• desenvolver uma política de recursos humanos capaz de atender o novo papel assumido pelo Estado; de caráter regulatório, articulador dos agentes econômicos, sociais e políticos (BRESSAN, 2002, p. 375).

Este novo modelo encontra-se ainda em processo de construção, não estando

ainda completamente implantado. Esta montagem deverá consumir ainda anos

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de medidas e discussão com a sociedade, uma vez que tal modelo sofre

severas críticas de seus opositores.

Deve-se, desde já, deixar claro que esta proposta tem um cunho flagrantemente

neoliberal. Ao afirmar que um de seus objetivos é aquele do Estado assumir um

papel de agente regulador este caráter fica evidente. Esta proposta estava,

portanto, alinhada a uma filosofia política mais ampla, implantada ao longo do

governo Fernando Henrique, cujo lastro fundamental pautava-se no conjunto de

valores neoliberais conhecido como “Consenso de Washington”3. Esta espécie

de cartilha para políticas públicas gozou de grande prestígio internacional ao

longo da primeira metade dos anos 1990, até ter sua credibilidade seriamente

abalada pelas sucessivas crises econômicas que sacudiram o final desta década

(crises do México, Argentina, Ásia, Rússia, Brasil, Turquia e Argentina

novamente).

3 O “Consenso” propunha, dentre outras medidas, rígida disciplina fiscal, reforma tributária, abertura comercial, privatizações, desregulação da economia, fortalecimento dos direitos de propriedade, taxas de juros reais e positivas, taxa de câmbio competitiva,incentivo ao investimento direto estrangeiro

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CAPÍTULO II DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA QUESTÃO CONTEMPORÂNEA

Esta segunda seção tem por objetivo discutir a problemática associada à idéia

de Desenvolvimento Local, partindo de uma revisão da discussão acerca da

evolução do conceito de desenvolvimento no campo da Economia.

Num primeiro instante, destaca-se a relevância do tema, acentuada nas

sociedades contemporâneas pelo grau de desenvolvimento tecnológico do

sistema de produção, não acompanhado de políticas distributivistas adequadas.

Partindo da abordagem dos economistas clássicos, faz um retrospecto das

abordagens dos neoclássicos e keynesianos, que fornecem o lastro sobre o qual

se constroem as discussões contemporâneas. Nestas, a dimensão puramente

econômica do desenvolvimento encontra-se em xeque e as fronteiras entre local

e global tornam-se difusas.

No último instante, procura fazer uma leitura do conceito de desenvolvimento

local. Destaca-se a complexidade da gestão deste processo, marcada (a) pela

necessidade de reconhecer a existência de um espaço histórico e um de espaço

de produção que mantém lógicas próprias, e (b) por uma multiplicidade de

fatores e dimensões que se combinam continuamente redefinindo o local e o

global num fluxo interminável.

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2.1 TENSÕES DO DESENVOLVIMENTO

As questões envolvendo desenvolvimento das sociedades ganham profunda

importância a partir do momento em que as comunidades humanas alcançam

um grau de maturidade de sua capacidade tecnológica e produtiva, que lhes

permite gerar tamanha produção de bens que possibilita que todos os habitantes

do planeta tenham direito ao mínimo necessário para sobreviver em condições

dignas.

Entretanto, o globo encontra-se claramente dividido entre regiões e países ricos,

onde as condições de sobrevivência e conforto material atingem um grau

elevadíssimo, e outras em que estas condições simplesmente inexistem,

estando seus habitantes simplesmente entregues à própria sorte.

A complexidade e fragmentação desta sociedade atingiram tal ponto, que,

mesmo dentro destas regiões tradicionalmente classificadas como ricas ou

pobres, desenvolvidas ou em desenvolvimento, pode-se verificar enormes

diferenças nos níveis de conforto de seus habitantes. A estratificação sócio-

econômica verifica-se mesmo na urbe.

Refletindo sobre o tema, Dupas (2003, p. 45, 47, 91) afirma:

(...) a utopia da globalização e dos mercados livres torna-se a grande referência. (...) A mobilidade do capital e a emergência de um mercado global, por sua vez, favoreceram a criação de uma nova elite

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que controla os fluxos do capital financeiro e das informações. (...) o antigo ‘conflito social’ entre burguesia e proletariado foi substituído por uma tensão mais profunda entre os incluídos na sociedade global e a crescente maioria dos excluídos aos benefícios do progresso tecnológico e do acúmulo de riqueza gerado pela lógica dos mercados livres.

A nova estrutura da sociedade fundada na criação de riqueza, por meio da

exploração cada vez mais intensiva de capital intelectual e tecnologia da

informação, cria uma nova tensão em que os fluxos financeiros controlados por

uma, muitas vezes distante, elite global determina a sorte da maioria da

população. O local e o global se confundem.

Assim, questões como a do desenvolvimento, e especificamente a do

desenvolvimento local, tornam-se fundamentais para que as sociedades (sejam

elas mais ou menos desenvolvidas) possam promover os ajustes necessários

em suas estruturas, de modo a promover o bem-estar de seus cidadãos.

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2.2 DESENVOLVIMENTO: UMA VISÃO CLÁSSICA

Ao longo dos últimos duzentos anos, a visão da economia clássica orientou as

discussões acerca do tema desenvolvimento nas sociedades ocidentais, bem

como as ações dos governos destes países. A influência do pensamento de

Smith e seus desdobramentos moldaram a estrutura destas sociedades, sendo,

deste modo, fundamental entender os pressupostos básicos de suas idéias para

se entender a configuração atual das economias ocidentais.

É importante observar que esta escola discute apenas a questão do crescimento

econômico. A idéia é que o crescimento econômico por si eleva os padrões de

bem-estar da sociedade como um todo, culminando no princípio utilitarista de

que a cada parcela de riqueza corresponde a sua parcela de felicidade. Assim,

para esta discussão crescimento e desenvolvimento não são mais que

sinônimos.

Um outro aspecto que deve ficar claro é que, para os clássicos, a racionalidade

dos agentes econômicos é ilimitada1. Ou seja, os agentes econômicos têm plena

ciência de todas dimensões que cercam as questões e sempre tomam decisões

com o intuito de maximizar a eficiência da utilização dos fatores de produção.

Daí a construção do Homo Economicus como figura representativa desta

concepção.

1 Em verdade, esta concepção será melhor elaborada pelos economistas neoclássicos, como adiante se verá, pois, para que esta visão atinja sua maturidade, será necessária a introdução de refinados modelos matemáticos, a partir dos quais tem origem a Microeconomia.

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Segundo Santos (2001), a escola clássica pode ser dividida em duas vertentes

básicas: aquela afiliada ao pensamento original de Smith e aquela fundada na

visão de Malthus, que se contrapunha a este. Afirma, o autor:

Sendo esta a posição da teoria das finanças públicas no contexto da teoria clássica, deriva daí a constatação de que os macro-fundamentos dessa teoria não apresentam a homogeneidade suposta. Nesse ponto, ela apresenta pelo menos duas abordagens diametralmente opostas. De uma lado, tem-se as abordagens convergentes de Smith, Ricardo, Say e John S. Mill. De outro, tem-se o pensamento contraposto de Malthus.

Esta divisão dentro da concepção clássica tem seu ponto central na discussão

acerca da importância do impacto causado pela demanda efetiva sobre a

economia como um todo. Esta diferença gera visões absolutamente distintas

quanto à natureza e importância da intervenção governamental através de seus

gastos e da tributação.

O ponto que nos parece importante destacar nesta discussão refere-se,

justamente, à natureza do consumo e gastos governamentais. A ótica

hegemônica encontra seu pilar essencial sobre o pensamento de Say e sua

famosa assertiva de que toda oferta gera sua própria demanda. Conforme Mill

(apud KEYNES, 1982, p. 34)

O que constitui os meios de pagamento das mercadorias são as próprias mercadorias. Os meios de que cada indivíduo dispõe para pagar a produção alheia são os produtos que ele mesmo possui. Todos os vendedores são, no próprio sentido da palavra, compradores. Se pudéssemos duplicar repentinamente as forças produtoras de um país, poderíamos duplicar a oferta de mercadorias

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em todos os mercados, mas ao mesmo tempo duplicaríamos o poder aquisitivo. Todo o mundo duplicaria simultaneamente a procura e a oferta; todos poderiam comprar o dobro, pois teriam duas vezes mais para oferecer em troca.

Deve estar claro que, no modelo clássico, a economia é concebida como em

equilíbrio, isto significa dizer que oferta e demanda são iguais. No bojo desta

visão, uma afirmação como a de Say orienta todo o esforço das sociedades para

o impulsionamento da oferta. Para que a economia cresça (desenvolva-se), a

sociedade deve estimular o incremento de sua capacidade produtiva, pois,

assim procedendo, estará, concomitantemente, impulsionando a demanda, o

que gera um incremento da atividade econômica como um todo.

Para esta corrente, os gastos da sociedade dividem-se em produtivos e

improdutivos. Os gastos privados podem assumir qualquer das duas

características, devendo os gastos produtivos ser estimulados. Já os gastos

governamentais necessariamente possuem o caráter improdutivo. Deste modo,

devem ser reduzidos ao mínimo necessário, vez que cada novo gasto

governamental (improdutivo) implica numa redução do mesmo montante nos

gastos privados, o que, por sua vez, implica numa redução dos gastos

produtivos, que resulta, por fim, numa redução do crescimento econômico, pois

o crescimento se dá como função direta do investimento de caráter produtivo, só

realizável pelos agentes privados.

Levando esta ótica às últimas conseqüências, chega-se à conclusão de que a

tributação, fonte de recursos governamentais, é inexoravelmente um mal, pois

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retira recursos da esfera privada, única capaz de invertê-los produtivamente,

reduzindo a capacidade de crescimento da economia.

De outro lado, há a corrente Malthusiana que atribui à demanda efetiva um papel

importante no que se refere ao crescimento econômico. Malthus, além de ir de

encontro ao princípio de que a oferta gera sua própria demanda, rediscute o

caráter dos gastos governamentais.

Ilustrando a convicção de Malthus quanto a insuficiência do crescimento

alavancado sem o estímulo à demanda efetiva, Santos (2001, p.23) afirma:

Mas, na defesa dos elementos estimuladores da demanda efetiva – convencido que estava da importância desse princípio no processo de expansão capitalista -, Malthus propõe ainda um papel mais ousado por parte do Estado. Isto implicava a expansão da produção, mediante a construção de obras públicas, como: abertura e manutenção de estradas, construção de canais e portos etc. Esta passagem é particularmente importante porque Malthus estava consciente de que estas novas ações do Estado não implicavam apenas demanda efetiva, mas eram a garantia para a ampliação do emprego e do nível de renda.

Como se pode perceber desta passagem, fica evidente a oposição da visão

Malthusiana, daquela dos afiliados a Smith. Enquanto para estes o crescimento

econômico dava-se apenas através do incremento à capacidade produtiva, que

só poderia ser feita por inversões dos agentes privados, assumindo os gastos

governamentais um caráter pernicioso, para Malthus estes gastos poderiam ser

o coração do crescimento econômico ao estimularem o nível agregado da

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demanda efetiva da sociedade. Os impostos assumem, desta forma, um caráter

distributivista da renda nacional.

O fato das idéias de Malthus terem sido relegadas a um segundo plano auxilia o

entendimento acerca da construção das concepções sobre Estado mínimo terem

obtido tamanho êxito entre os países ocidentais. Isto também dá pista quanto ao

papel que se espera que seja desempenhado pelos agentes econômicos

privados na tarefa de gerar o crescimento (desenvolvimento) econômico, bem

como aos mercados.

Repousa, assim, sobre os ombros dos agentes privados e dos mercados a

tarefa da promoção do crescimento econômico. Ao Estado cabe o papel de

facilitar e estimular as atividades desempenhadas por estes atores em sua

labuta em busca de seus objetivos. Do seu sucesso depende todo

desenvolvimento da sociedade. Não há, sob esta ótica, qualquer outro papel que

deva ou possa ser desempenhado pela esfera pública.

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2.3 A CONSTRUÇÃO NEOCLÁSSICA

O século XIX assistiu a consolidação do capitalismo e a sua entrada num novo

estágio, qual seja, o capitalismo industrial. Restringindo a análise apenas à

esfera econômica, este século assiste a Segunda Revolução Industrial – a

revolução dos transportes (ferrovias, indústria naval), das novas fontes de

energia (eletricidade, petróleo) e da indústria química.

Assistiu, portanto, o surgimento da grande indústria, marcada pela

movimentação e inversão de vultosos recursos da sociedade nestes

empreendimentos, pelo longo prazo de maturação destes investimentos e pela

necessidade de instauração de uma burocracia técnico-gerencial especializada

para geri-la, dada sua complexidade. São reflexos diretos desta nova realidade o

surgimento de duas novas áreas do conhecimento, a saber: a microeconomia e

a “ciência” da Administração.

O pensamento neoclássico é marcado pelo emprego de uma racionalidade

instrumental levada ao extremo em função da introdução e consolidação de um

novo recurso na Economia: a Matemática. Este instrumento lógico-quantitativo

viabiliza a busca do que, a partir de então, vai marcar o discurso econômico

hegemônico: o funcionamento ótimo do sistema econômico.

Em nota quanto a este tema, Santos (2001, p. 61) afirma:

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Na concepção de Pigou, no estudo da economia do bem-estar, três premissas são importantes. Primeira, que nessa linha de abordagem a economia deve ser considerada como ‘uma ciência positiva do que é e tende a ser, não uma ciência normativa do que deve ser’. Segunda, que o bem-estar econômico é apenas uma fração do bem-estar total- e como este não é facilmente quantificável-, assim o que importa é saber de ‘que forma esta magnitude estará afetada por causas que os governantes e os indivíduos privados podem criar’. Terceira, considerando-se que o dinheiro é o único instrumento aproveitável na vida social, o alcance da análise deve-se restringir ‘`aquela parte do bem-estar social que pode pôr-se em relação, direta ou indiretamente, com o padrão monetário de medida’- que é denominado de bem-estar econômico.

Este trecho elucida claramente a ruptura neoclássica. Como primeira premissa,

estabelece o professor Pigou que a Economia deve deixar de lado o caráter

“normativo” adotado pelos clássicos. Em lugar disto, deve ater-se àquilo que

existe, do modo que exista. Isto implica, em abrir mão de objetivos políticos

maiores e na aceitação do que existe como “perfeito”. Não se deve gastar

energia em discussões tolas quanto às desigualdades sociais, pois a distribuição

é sempre a ideal, posto que resultante da interação livre das forças econômicas,

para uma dada sociedade.

A segunda e terceira premissas, em conjunto, estabelecem um novo conceito

que deve assumir a condição de meta fundamental da política pública: em lugar

da busca do incremento do bem-estar geral, como anteriormente propunham os

clássicos, o alvo deve ser o incremento do bem-estar econômico.De fato, o rigor

matemático não permite a busca de uma quimera que não pode ser

quantificada.

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Em lugar de lutar contra gigantes imaginários na busca do bem-estar geral, o

poder público deve, reconhecendo que, em verdade, estes são apenas moinhos

de vento, orientar-se em prol da promoção de sua fração exeqüível, posto que

mensurável – o bem-estar econômico. Esta opção pelo pragmatismo,

absolutamente em linha com a primeira premissa, deve conduzir toda ação do

Administrador Público.

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2.4 A ABORDAGEM KEYNESIANA

A obra de Malthus ganharia uma importante revisão a partir de sua releitura e

aperfeiçoamento por aquele que seria considerado o mais influente economista

do século XX – John Maynard Keynes. Caberia a Keynes colocar em dúvida a

concepção equilibrista dos clássicos e dar novo impulso à discussão acerca da

importância da demanda efetiva e, por extensão, ao papel desempenhado pelos

gastos governamentais na promoção do crescimento (desenvolvimento), a

despeito de sua abordagem teórica não possuir “um corpo teórico estruturado

consagrado às finanças públicas” (Santos, 2001, p. 85).

Em breves linhas, assim expõe Keynes (1982, p. 39) a espinha dorsal de sua

concepção:

As grandes linhas da nossa teoria podem expressar-se da maneira que se segue. Quando o emprego aumenta, aumenta também, a renda real agregada. A psicologia da comunidade é tal que, quando a renda real agregada aumenta, o consumo de agregado também aumenta, porém não tanto quanto a renda. Em conseqüência, os empresários sofreriam uma perda se o aumento total do emprego se destinasse a satisfazer uma maior demanda para consumo imediato. Dessa maneira, para justificar qualquer volume de emprego, deve existir um volume de investimento suficiente para absorver o excesso da produção total sobre o que a comunidade deseja consumir quando o emprego se acha a determinado nível. A não ser que haja este volume de investimento, as receitas dos empresários serão menores que as necessárias para induzi-los a oferecer tal volume de emprego. Daqui se segue, portanto, que dado o que chamaremos de propensão a consumir da comunidade, o nível de equilíbrio do emprego, isto é, o nível em que nada incita os empresários em conjunto a aumentar ou reduzir o emprego, dependerá do montante de investimento corrente. O montante de investimento corrente dependerá, por sua vez, do que chamaremos de incentivo para investir, o qual, como se verificará, depende da relação entre a escala da eficiência marginal do capital e o complexo das taxas de juros que incidem sobre os empréstimos de prazos e riscos diversos.

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A demanda efetiva, segundo Keynes, é justamente resultado do somatório entre

o montante que se espera seja gasto pela comunidade em consumo e o

montante que se espera seja aplicado em novos investimentos. Como se pode

ver do trecho acima, esta variável, ao contrário da concepção hegemônica

clássica, ocupa lugar central em seu modelo econômico. Alban (1999, p. 32)

assim se expressa a este respeito:

Rejeitando a visão ortodoxa para as altas taxas de desemprego, Keynes desenvolverá sua teoria contrapondo a lei de Say com o princípio da demanda efetiva. Para ele, a idéia de que toda oferta gera sua própria demanda não era válida nas modernas sociedades industriais.

Um outro elemento que ganha destaque, sob esta abordagem, é a expectativa

dos empresários por meio da análise da eficiência marginal do capital2 que

assume o papel de determinar o nível de investimentos que estes estariam

dispostos a fazer, ampliando ou reduzindo o nível geral de emprego. Esta

expectativa, pode-se notar, é uma função direta da propensão a consumir da

comunidade, que, assim, em última instância, determina a dinâmica do ciclo.

A despeito de não introduzir uma nova concepção sobre a idéia de

desenvolvimento, é importante frisar que o modelo Keynesiano provoca uma

grande alteração na atribuição de responsabilidades ao poder público, no que

tange ao crescimento econômico.

2 Segundo Alban (1999, p. 34) esta é a “taxa de desconto que iguala o fluxo de rendimentos esperados ao custo de efetivação do investimento”.

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A partir de Keynes, principalmente da implantação da política de “New Deal”

pelo governo Roosevelt, os governos assumem uma postura ativa na condução

de políticas de crescimento (desenvolvimento). A força, coerência e repercussão

de suas idéias vão lastrear as ações da Social Democracia e servir de lastro

sobre o qual se erguerá o Welfare State europeu, que irá estabelecer novos

parâmetros de bem-estar para as sociedades ocidentais no século XX.

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2.5 ALÉM DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

Como colocado anteriormente, na visão dos economistas clássicos,

neoclássicos e keynesianos crescimento econômico e desenvolvimento eram

sinônimos. A despeito de suas diversas disputas ideológicas e concepções

muitas vezes antagônicas, neste ponto não havia controvérsia: a meta a ser

atingida era o crescimento econômico.

Entretanto, as limitações de tal concepção começaram a ser expostas através

do trabalho de uma série de filósofos, economistas, sociólogos ao longo do

século XX, especialmente a partir de sua segunda metade.

Atacando a raiz da racionalidade econômica, Karl Polanyi coloca em xeque a

figura do Homo Economicus ao afirmar:

A descoberta mais importante nas recentes pesquisas históricas e antropológicas é que a economia do homem, como regra, está submersa em suas relações sociais. Ele não age desta forma para salvaguardar seu interesse individual na posse de bens materiais; ele age assim para salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais, seu patrimônio social. Ele valoriza os bens materiais na medida em que eles servem a seus propósitos. Nem o processo de produção, nem o de distribuição está ligado a interesses econômicos específicos relativos à posse de bens. Cada passo desse processo está atrelado a um certo número de interesses sociais, e são estes que asseguram a necessidade daquele passo. (1988, p. 61)

Como se pode perceber, Polanyi não apenas introduz uma dimensão social na

racionalidade humana, como também subordina a dimensão econômica àquela,

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o que vai de encontro à concepção clássica, onde só os aspectos puramente

econômicos devem ser considerados no processo de tomada de decisão.

Neste aspecto Bresser-Pereira (2003, p.32) propõe um conceito de

desenvolvimento que abarca três dimensões indissociáveis: a econômica; a

social; e a política. Assim, afirma:

O desenvolvimento é um processo de transformação econômica, política e social através do qual o crescimento do padrão de vida da população tende a tornar-se automático e autônomo. Trata-se de um processo social global, em que asa estruturas econômicas, políticas e sociais de um país sofrem contínuas e profundas transformações. Não tem sentido falar-se em desenvolvimento apenas econômico, ou apenas político, ou apenas social. Não existe desenvolvimento dessa natureza, parcelado, setorializado, a não ser para fins de exposição didática. Se o desenvolvimento econômico não trouxer consigo modificações de caráter social e político; se o desenvolvimento social e político não for a um tempo o resultado e a causa de transformações econômicas, será por que, de fato, não tivemos desenvolvimento. As modificações verificadas em um desses setores terão sidas tão superficiais, tão epidérmicas que não deixarão traços. [...] O desenvolvimento, portanto, é um processo de transformação global.

Este trecho evidencia uma concepção sob a qual para que um fenômeno seja

entendido como desenvolvimento toda a estrutura sobre a qual se fundam as

sociedades devem ser concomitantemente afetadas. As transformações

econômicas devem, necessariamente, implicar em mudanças na estrutura social

e na estrutura política de uma determinada localidade e vice versa.

Esta abordagem torna mais complexa a apreensão de tal fenômeno, uma vez

que novas variáveis são introduzidas na discussão. No que tange à dimensão

política, certamente os modelos de dominação vigentes, o grau de participação

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das pessoas e organizações na tomada de decisão, a utilização e

institucionalização espaço público são dimensões que ganham espaço no

debate. Por sua, em relação à dimensão social, a forma da organização da

sociedade, os organismos e instituições existentes, as normas de convivência /

práticas sociais vigentes também se inserem no contexto da discussão.

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2.6 CONTEXTO LOCAL

Uma vez que se chegue a um conceito de desenvolvimento torna-se importante

debater, afinal, as questões que afetam o processo de desenvolvimento local.

Muito mais do que um esforço conceitual-teórico, esta é uma construção

fundamental para a moderna sociedade.

A crise dos 70 trouxe consigo um incremento nas responsabilidades sob a tutela

da esfera local. O fim do modelo de desenvolvimento Keynesiano que vigorara

hegemonicamente nas sociedades ocidentais desde o fim da II Guerra Mundial,

marcado pelo intervencionismo governamental na economia e a concentração

da gestão dos esforços na esfera central esgotou-se. Nas palavras de Castells

(2001, p.36):

O modelo Keynesiano de crescimento capitalista, que levou

prosperidade econômica sem precedentes e estabilidade social à

maior parte das economias de mercado durante quase três décadas

após a segunda guerra mundial, atingiu as próprias limitações no

início da década de 70, e sua crise manifestou-se sob a forma de

inflação desenfreada.

Do processo de reestruturação econômica que teve origem então, emergiu uma

nova concepção onde caberia à esfera local uma participação mais ativa. Até

então, aos espaços locais coube, no mais das vezes, ajustar-se passivamente a

tais decisões originárias de outras esferas de poder.

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Entretanto, a complexidade da crise, colocando em xeque simultaneamente o

poder econômico (fim do padrão ouro-dólar estabelecido na Conferência de

Bretton Woods) e o poder político (crise do Estado de Bem Estar Social), criou

um ponto de inflexão na história das economias ocidentais. As discussões locais

surgem justamente como uma reação aos impactos negativos, e os efeitos

sociais mesquinhos que a crise macroeconômica gerava no espaço local. Como

afirmam Juncal e Corteggiano Jr (1998):

De esta manera, la discusión y el énfasis en las iniciativas localistas se constituyen en partes fundamenrales de un amplio proceso de tomada de consciencia, a nivel local, de la necesidad de reverter los efectos sociales negativos del funcionamiento no regulado del sistema económico. Así, la mobilizacíon en favor de respuestas locales tenía como objetivo central generar mecanismos propios de reacción frente a las macro-transformaciones por que pasava el capitalismo.

Uma questão deve ser claramente exposta para que se possa avançar. O

conceito de “local” aqui utilizado lastreia-se na definição de Czamanski (apud

CODES LIMA 1999, p. 21):

Área dentro da economia nacional que possua uma estrutura suficientemente completa para que possa operar com certa independência e sobre a qual se exerça, por parte do agente decisório, um determinado controle político administrativo que permita a aplicação de um conjunto de medidas ou programas sobre essa área.

Esta definição preliminar, relativamente simples, não deixa de levar em conta a

corajosa observação de Duncan e Savage (apud Vainer 2002, p. 16-17):

Talvez a mais irritante característica da ‘pesquisa local’ seja a variedade de significados e usos atribuídos a ‘lugar’. Esta, como é

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unanimemente reconhecido, foi uma das principais falhas da tradição anterior de pesquisa de comunidade que também tentou especificar como o espaço faz a diferença de processos sociais.

A dimensão do desenvolvimento, discutida anteriormente, envolve uma série de

outras dimensões que refinam o entendimento da questão. Para que se possa

melhor espelhar a concepção de “evolução” alcançada por uma dada sociedade,

deve-se “designar um processo de superação de problemas sociais, em cujo

âmbito uma sociedade se torna, para seus membros, mais justa e legítima”

(SOUZA, 2000, p.18).

Esta assertiva de Souza faz menção à Ética de uma sociedade. Uma sociedade

em seu processo de desenvolvimento deve, superando seus problemas sociais,

tornar-se mais justa e, à medida que isto ocorre, tornar-se mais legítima. Uma

certa configuração social é tão legitima quanto o grau de justiça social que

consegue promover. Além da dimensão puramente econômica, a dimensão

social passa a ocupar um eixo nuclear da discussão acerca do desenvolvimento.

Esta visão encontra-se em consonância com aquela exposta por Wolfe, quando

afirma:

A questão com que, cada vez mais, iremos nos defrontar não é se o desenvolvimento é possível, mas que tipo de desenvolvimento será e, para responder a esta pergunta, o social deverá se tornar parte de nosso foco, tanto quanto o econômico e o político (apud LOYOLA e MOURA,1995, p. 10)

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Um aspecto que deve, igualmente, ser considerado, é aquele que se refere às

limitações existentes ao poder de decisão das instâncias locais. Estas,

efetivamente participam de uma rede de interesses onde existem atores com os

mais diversos tamanhos e objetivos. Assim, a sua atuação é sempre limitada

pela atuação dos demais, devendo considerar os possíveis feedbacks que

advirão antes mesmo de decidir como agir.

Sob esta ótica, Benko afirma:

Cada região, cada cidade torna-se extremamente específica porque

se definem por na divisão espacial do trabalho. Mas ao mesmo tempo

elas são esvaziadas de poder e de se sentido na lógica geral da

produção. Os lugares são transformados em fluxos. A

transformação do modelo de produção significa dependência das

unidades territoriais (produtivas) em relação aos fluxos internacionais.

(apud ECHAVARRÍA 2002, p. 11, grifo nosso).

Assim, o poder e a importância dos atores são definidos pelo seu papel no fluxo

de produção, pelo seu maior ou menor engajamento na rede global. O raio de

atuação da esfera local é limitada, antes de mais nada, pela sua necessidade de

engajar-se num fluxo mais amplo que os seus próprios limites territoriais. Ela

não pode, isoladamente, controlar todos os fatores que determinam o seu

desenvolvimento.

Para que o espaço local consiga desenvolver-se, precisa encontrar uma

conexão com outros espaços, locais ou não. Não existe a possibilidade de

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desenvolvimento exclusivamente endógeno. Há fatores exógenos, fora da esfera

de controle do poder local, que desempenham papéis fundamentais para o

desenvolvimento dos espaços locais. Numa tentativa de ilustrar alguns destes

fatores Almeida (2000, p.41) afirma:

Assim, conclui-se que são muitos os fatores exógenos que afetam as

dinâmicas locais. A criação do FUNDEF, a Lei de Responsabilidade

Fiscal, o PRODUR, o SAC, a política cambial, todos são exemplos

destes fatores no âmbito nacional e estadual, que somadas às

transformações estruturais externas, formam o ambiente em que os

ambientes estão inseridos.

Com o mesmo raciocínio, observa-se que no plano interno, novos

pontos diretamente vinculados à realidade local contribuem para a

conformação da dinâmica. A existência de um poder municipal

autoritário e soberano, que muitas vezes infringe os limites da

legalidade, convivendo com uma sociedade sem capacidade de

reação, haja vista que grande parcela é refém desta estrutura e a

outra é corrompida por ela, também são exemplos de fatores

endógenos que auxiliam na conformação da dinâmica local.

Em busca de melhor entender esta questão, Vieira & Vieira (2003) classificam os

lugares em função do papel que desempenham: lugares-locais e lugares-

globais. Assim, afirmam:

O lugar-local é o espaço da herança histórica. Dele se projeta a percepção de realidades construídas no passado, modernizadas de acordo com os ritmos econômicos e renovadas com o avanço cultural. O lugar local é base de sustentação do território organizado. Os processos demográficos, econômicos e culturais têm caráter histórico e fazem parte do contexto da formação econômica e social da região de inserção. (Vieira & Vieira 2003, p. 19-20)

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O lugar-local é, portanto, o espaço do homem e de sua comunidade. É neste

local que os eventos históricos se processam e a partir do qual as sociedades

humanas se constroem e compreendem. Não há como o indivíduo dele

desvencilhar-se, pois é apenas nele que têm lugar todas as suas aspirações,

desejos, atitudes. Em suma, é no lugar-local que se consumam todas as ações

humanas- individuais e/ou coletivas. Por sua vez,

O lugar global é a definição do espaço em função do processo de globalização da economia. (...) Assim, o lugar-global é a sede da ação, onde se operacionalizam as práticas produtivas e circulatórias; o centro da ação, contudo, pode estar muito distante fisicamente, porém virtualmente próximo nas operações de comando.(...) O lugar-global é, portanto, o espaço para as estratégias mundiais das grandes corporações multinacionais, estabelecendo redefinições territoriais e mudanças nos procedimentos de gestão. (Vieira & Vieira 2003, p. 19-20)

A questão que se coloca, então, é como orquestrar a ação de uma multiplicidade

de fatores endógenos e exógenos, a superposição adequada do lugar-local e do

lugar- global, de modo que o gestor do espaço local otimize a atuação destes

mesmos fatores em benefício próprio.

Uma outra questão que se coloca neste debate, a partir destas observações, é

aquela da influência exercida pela forma de percepção dos espaços locais pelos

diversos agentes econômicos. Uma vez que o desenvolvimento do espaço local

é determinado por fatores exógenos e endógenos, é preciso que os diversos

agentes sintam-se motivados a realizar inversões neste espaço, e que estes

investimentos estejam em consonância com a estratégia adotada pelo poder

local.

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Como afirma Harvey, “as possibilidades político-econômicas da reconstrução de

lugares estão coloridas pela maneira evaluativa da representação dos lugares”

(apud SANCHÉZ 2001, p. 3). Vê-se, então, que a questão do desenvolvimento

local é marcada por um emaranhado de variáveis, que complexificam

sobremaneira a gestão de seu processo, demandando uma capacidade de

adaptação cada vez maior das localidades. Como afirmam, ainda, Vieira & Vieira

(2003, p. 20): “A gestão do território, na nova dimensão dos lugares, depende

das forças que sobre ele atuam”.

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CAPÍTULO III Bahia: Turismo e Desenvolvimento no Início do Século XXI

3.1 UM MAPA ESPACIAL DA ECONOMIA BAIANA

No início da última década do século XX, a economia da Bahia apresentava uma

elevada concentração de investimentos, somada a altas densidades econômica

e demográfica ao longo de sua faixa litorânea, herança do processo de

colonização nacional. A Macrorregião de sua capital concentrava, então, 62,34%

dos fluxos sócio econômicos do estado, enquanto os municípios localizados no

litoral do estado eram responsáveis por 70,85% destes fluxos (PORTO, 2002).

Esta tendência é ainda mais reforçada pelo eixo logístico formado pela BR 101,

que corta o litoral do estado, responsável pela ligação das regiões Sudeste e Sul

do país à capital baiana e aos demais estados do nordeste brasileiro.

Além desta região litorânea, alcançavam algum destaque e significado

econômico, municípios situados nas fronteiras do estado. Na região Oeste,

Barreiras alcança uma posição de destaque, ao mesmo tempo em que, ao

Norte, Juazeiro também atinge status singular. Não por acaso, ambos os

municípios são pontos de inflexão de vias de grande fluxo, respectivamente as

BR 242 e BR 407, que cruzam o estado conectando sua capital às regiões

Centro-Oeste e Nordeste do país.

O fato interessante a se notar é que, ao final do século XX, a Bahia apresentava

uma grande concentração da sua riqueza em seus extremos. Seja no litoral

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(Leste), ao Norte, ou a Oeste esta característica se podia observar. Além destes

municípios, situados nos extremos geográficos do estado, outros três, situados

ao longo da BR 116, que liga Salvador à Minas Gerais e ao Sudeste, também se

destacam, a saber: Vitória da Conquista, Jequié e Feira de Santana. Assumem

uma importância regional ao se tornarem importantes pólos locais de comércio.

(PORTO, 2002)

No restante do estado predomina um enorme vazio econômico e demográfico.

Nesta região interior, 317 municípios respondem por apenas cerca de 12% dos

fluxos de riqueza estadual. Um sem número deles possui participação inferior a

0,1% nos fluxos econômicos, o que evidencia sua pobreza e irrelevância

econômica. É neste meio que se encontra a região da Chapada Diamantina e,

em especial, o município de Lençóis- objeto deste estudo. Para estas

municipalidades, a criação de novas alternativas de desenvolvimento são um

imperativo, sem o qual estão fadadas a remanescer em estágio econômico

vegetativo.

Vê-se, portanto, que há uma indubitável concentração de riquezas no estado. Na

verdade, no ano de 1990 apenas os 29 maiores municípios baianos

concentravam 74,86% dos fluxos econômicos estaduais (PORTO,2002). É a

partir deste quadro de concentração da riqueza que o Governo Estadual,

premido por uma série de circunstâncias fora de seu controle, e por um

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ambiente econômico nacional hostil, implanta uma nova estratégia de

desenvolvimento.

Figura 1 - Bahia: Principais Eixos Logísticos.

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3.2 1950 – 2000: MEIO SÉCULO DE HISTÓRIA

Deve-se observar que o momento contemporâneo de transição vivenciado pela

economia baiana é fruto do esgotamento do modelo de substituição de

importações, responsável pelo bem sucedido processo de criação do parque

industrial nacional.

Este eixo original começa a ser implantado com a criação da Refinaria Landulfo

Alves, aprofunda-se com a implantação do Centro Industrial de Aratu (CIA) e,

finalmente, consolida-se com a concepção do Pólo Petroquímico de Camaçari,

na década de 1970, quando o setor secundário finalmente supera o primário. O

quadro que segue evidencia a dramaticidade das alterações na estrutura

econômica baiana, por meio da composição setorial do seu PIB, ao longo do

período compreendido entre a década de 1960 e o ano 2000. Assim:

Quadro 3 - Bahia: Composição setorial do PIB (%)

ANO

SETOR PRIMÁRIO

SETOR SECUNDÁRIO

SETOR TERCIÁRIO

1960 40,0 12,0 48,0

1970 21,2 13,4 65,4

1975 30,7 27,5 41,8

1980 20,2 40,0 39,8

1985 18,7 42,3 39,0

1990 10,4 38,0 51,5

1995 13,6 35,2 51,3

2000 10,0 41,2 48,7

Fonte: CPE/SEI/IBGE

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A análise dos dados acima deixa claro o monumental impacto causado pela

criação do Pólo Petroquímico de Camaçari na estrutura econômica baiana. O

Pólo, fruto do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), consolidou a

entrada da Bahia na era industrial, ao tornar este setor o vetor dinâmico de

desenvolvimento da economia estadual.

Em uma década, a participação da indústria salta de modestos 13,4% para

40,0% do total da economia, transformando-se em seu maior segmento. Ao

mesmo tempo, o setor primário inicia um processo de redução inexorável de seu

significado econômico. No ano 2000, este setor respondeu por apenas 10% do

produto baiano.

Observando o fenômeno da transformação da economia baiana ao longo da

década de 1970, Vieira e Souza (2002, p. 104) comentam:

As modificações quantitativas e qualitativas na estrutura industrial

baiana, na década de 70, promoveram profundas transformações na

base produtiva do estado. O dinamismo apresentado foi confirmado

pelas taxas de crescimento acumulado e médio anual do PIB, no

período de 1976 a 1985 (77,9% e 5,9%, respectivamente), resultando

numa elevação significativa na renda per capita, que passou de uma

taxa de 5,5%, em 1976, para 7,2 %, em 1985. Esse é o período áureo

na economia baiana, pela expansão do setor industrial.

No entanto, após este período áureo, o estado foi colhido pela crise enfrentada,

desde o início dos anos 1980, pela nação brasileira. O conhecido esgotamento

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da capacidade de financiamento do processo de desenvolvimento pelo Estado

levou a uma crise nacional que poria fim ao modelo de desenvolvimento de

substituição de importações, sobre o qual repousava o sucesso da economia

baiana.

Apesar de retardatária, no que tange a sentir os efeitos desta crise, os dez anos

que se seguiram (1986-1996) cobraram do estado um penoso tributo. A crise

enfrentada pela Bahia superaria aquela enfrentada pelo país. Dados da SEI

relatam que neste período a taxa média geométrica de crescimento da economia

nacional foi de três por cento anuais, enquanto a média baiana foi de apenas um

inteiro e setenta e nove centésimos por cento – pouco mais que a metade.

Em busca de uma alternativa, sob a inspiração do, assim chamado, “Consenso

de Washington”, cartilha econômica hegemônica ao longo dos anos 1990, uma

nova estratégia liberal de desenvolvimento, fundada nos princípios de abertura

econômica e privatização de empresas estatais como alavancas da ampliação

da competitividade dos agentes econômicos nacionais, teve lugar. A

implantação da nova estratégia pelo governo Collor, e sua confirmação pelos

governos Itamar e FHC, atinge em cheio o estado e o obriga definitivamente a

repensar a sua estratégia de desenvolvimento.

Num diagnóstico bastante agudo, Porto (2002, p.277-278) atinge o âmago da

questão, ao afirmar:

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(...) a mundialização dos fluxos econômicos (...) elevou sobremaneira a competitividade entre as unidades de produção forçando-as a repensar suas estratégias, inclusive locacionais, e exigiu uma revisão do papel do Estado no fomento direto aos processos econômicos (...) Agora há regiões especializadas em atividades que devem encontrar competitividade numa escala mundial (...) É a submissão do desenho espacial da Bahia, agora sob os auspícios de movimentos que fogem do controle das políticas locais, embora elas possam vir a servir como elementos indutores do desenvolvimento, mas nunca como antes.

Assim, ao longo destes últimos 15 anos, o eixo de desenvolvimento fundado na

indústria de bens intermediários, especialmente a petroquímica, criado na

década de 1950 começa a ser substituído por outra dinâmica. As limitações de

um modelo fundado numa única base tornam-se evidentes e novas alternativas

começam a ser estudadas.

Comentando este diagnóstico e as respostas encontradas pelo governo baiano,

Alban (2002, p. 143) observa:

Ao contrário, [...] os limites e as fragilidades de um crescimento muito baseado nos bens intermediários já são questões bem conhecidas e que se tenta superar através de três novos vetores de crescimento. O primeiro deles é constituído pelos complexos agroindustriais de grãos, fruticultura irrigada e madeira/celulose, que, desde o começo dos anos 1980, se desenvolvem em várias regiões do estado. O segundo é o setor de turismo, uma vocação natural e esquecida da Bahia, que, a partir dos anos 1990, voltou a merecer uma certa atenção.[...] O terceiro vetor de crescimento [...] é a verticalização dos bens intermediários em direção à produção de bens finais.

Estas atividades, como se pode inferir desta assertiva, vêm ganhando

importância e transformando o cenário econômico baiano, ao longo das últimas

décadas. Em conformidade com esta visão liberal, este período, por sua vez,

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especialmente os anos 1990, caracterizou-se pela adoção por parte do governo

estadual de um papel de agente catalisador e indutor do desenvolvimento.

Há, portanto, consonância entre a nova estratégia de desenvolvimento, as

diretrizes assumidas pelo governo federal e as premissas do “Consenso de

Washington”. Ao deixar aos agentes privados o protagonismo na produção,

ampliando o nível de competição por meio da abertura da economia, a

Administração Pública assume um comportamento gerencial, conforme a

nomenclatura anteriormente citada de Bresser Pereira (2001), afinada com a

nova visão liberal do papel do estado.

As novas diretrizes da estratégia de desenvolvimento do estado têm sido

importantes para sua reestruturação e a recuperação do vigor perdido de sua

economia. A consolidação e o incremento desta estratégia afeta os três setores

da economia baiana, conferindo-lhe maior equilíbrio:

• no setor primário, o novo agribusiness empresarial fundado no uso de

novas tecnologias de cultivo e irrigação intensiva, empregado nas regiões

produtoras de frutas (Juazeiro) e grãos (Oeste do estado), vem assumindo uma

posição de destaque, deslocando as culturas tradicionais (cana-de-açúcar, fumo,

cacau) de seu lugar;

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• no setor secundário, a indústria de bens de consumo finais, como a

automotiva e de papel e celulose, substituem a indústria de bens intermediários,

dando novo fôlego e perfil ao parque industrial estadual;

• no setor terciário, a indústria do turismo, recebe atenção prioritária das

instituições governamentais e, a partir do desenvolvimento de novas políticas

públicas e do desenvolvimento de parcerias entre estas e instituições de

fomento ao desenvolvimento como o BID (Banco Interamericano de

Desenvolvimento) e o BNB (Banco do Nordeste do Brasil), realiza uma série de

investimentos por meio do PRODETUR/BA (Plano de Desenvolvimento Turístico

da Bahia) também tem alcançado extremo sucesso ao longo da última década.

O agronegócio competitivo moderno, a agroindústria, tem crescido

significativamente no estado. O desenvolvimento do Oeste Baiano, como

importante celeiro de grãos (soja, em especial), a dinamização do município de

Juazeiro, ao norte, como grande centro fruticultor, colocam a Bahia de vez no

cenário agrícola nacional. Estas novas culturas, que trazem consigo inversões

locais no desdobramento de sua cadeia de valor, ganhando importância

econômica e tomando o espaço outrora ocupado por culturas tradicionais como

a cana de açúcar, o fumo e o cacau.

No que tange à indústria de bens finais, é visível o esforço do governo estadual

no estímulo ao seu desenvolvimento com o objetivo de dinamizar a economia. A

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atração de grandes investimentos, bem exemplificado pelas inversões realizadas

pela implantação do Complexo Amazon pela Ford e seus sistemistas na RMS, e

pela Schincariol, no município de Alagoinhas, é apenas a parte mais visível das

políticas de apoio a esta. Outros estímulos são evidentes na consolidação de

pólos como o calçadista, de tecnologia, moveleiro, dentre outros.

Por fim, a atividade turística tem ganhado cada vez mais a atenção e

comprometimento por parte dos governos estadual e municipais além dos

agentes privados que percebem nesta um imenso potencial. Potencial que vem

se confirmando e materializando ao longo da última década. No decênio

compreendido entre os anos de 1991 e 2000, segundo dados do Monitor Group

(2001) o estado apresentou um crescimento médio anual de 8,5% do número de

visitantes, que foi acompanhado de um incremento médio anual de 7,9% da

receita advinda desta. Assim, ao longo deste período a receita turística do

estado cresceu 770,3 milhões de reais para atingir 1 532,7 milhões de reais

anuais.

Assim, a década de 1990 assistiu a adoção de uma nova estratégia de

desenvolvimento proposta pelo governo do estado. Esta tem se revelado bem

sucedida, na medida em que a economia recuperou a sua dinamicidade,

voltando a crescer num ritmo superior àquele do país. No período compreendido

entre os anos 1997 e 2003, em que a estratégia começa a render os primeiros

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frutos, a taxa média geométrica de crescimento da economia baiana foi de 3,2%

anuais, enquanto a média nacional não superou a 1,6% ao ano.

No entanto, no que tange à concentração econômica, os estudos de Porto

(2002) indicam que a situação do estado permaneceu a mesma ao longo do

período 1991-2000, com os 30 maiores municípios do estado concentrando

73,65% de seus fluxos econômicos totais. Isto, por sua vez, não impediu que a

nova dinâmica gerasse seus impactos próprios: ao longo deste mesmo período,

as regiões Oeste e Extremo Sul do estado experimentaram um grande

acréscimo em seus fluxos de 245,60% e 70,95%, respectivamente, enquanto

que a Macrorregião de Salvador experimentou um decréscimo em sua

participação relativa.

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3.3. ANÁLISE DE UMA POLÍTICA PÚBLICA: O PRODETUR-BA

Para os fins deste trabalho, dentre os três vetores da nova estratégia de

desenvolvimento baiana, interessa em específico aquele voltado para o Turismo.

Esta seção tem, portanto, o objetivo de elucidar a lógica assumida pela política

pública desenhada para este segmento pelo governo do estado.

Segundo Gaudenzi (2001), o Plano de Desenvolvimento Turístico da Bahia

(Prodetur-BA) é a terceira estratégia de desenvolvimento turístico adotada pelo

governo baiano. Esta tem início no terceiro governo de Antônio Carlos

Magalhães, em 1991, período em que se iniciava o esforço de reestruturação da

estratégia de desenvolvimento fundada na produção de bens intermediários,

então em crise.

Tratando especificamente deste tema Mendonça Jr, Garrido e Vasconcelos

(2002, p.120) afirmam:

O Prodetur-BA pode ser descrito como um programa multissetorial do

Governo do Estado, que busca integrar ações de implantação de infra-

estrutura pública, promoção e educação para o turismo, em zonas

turísticas prioritárias. A Superintendência de Desenvolvimento do

Turismo (SUDETUR), na condição de gestora do PRODETUR,

responsabiliza-se pela articulação entre as entidades executoras de

infra-estrutura do Governo do Estado, sendo parceiros do programa a

BAHIATURSA, a EMBASA, o DERBA, a CONDER, o IPAC, o CRA e o

DDF.

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O processo de articulação tem-se aperfeiçoado dentro do programa e,

ao longo desses anos, tem incorporado a participação das

comunidades locais e das organizações não governamentais (ONGs).

Constituem objetivos do Prodetur-BA, segundo o site da Secretaria da Cultura e

Turismo (SCT), aqueles abaixo arrolados:

• Desenvolver Centros Turísticos Integrados, capazes de competir

em nível internacional;

• Promover o desenvolvimento sustentado, através da adequação da

legislação do uso do solo e ambiental, visando manter a qualidade

dos recursos naturais;

• Obter a participação do setor privado, a quem cabe a implantação

dos projetos turísticos (hotéis, parques temáticos, marinas,

restaurantes etc.);

• Enfatizar o aproveitamento turístico dos atrativos naturais em

condições de se garantir a proteção do meio ambiente, via

especificação de uma capacidade de carga (carrying capacity)

conservadora;

• Analisar as experiências de outros projetos similares, podendo

aproveitar as iniciativas bem sucedidas e coincidentes com as

premissas estabelecidas no modelo baiano.

Estes objetivos somados devem ser capazes de originar, ao concretizar-se, a

finalidade de toda política pública: promover o bem-estar geral. Isto implica no

reconhecimento que a atividade turística não proporciona apenas

benefícios/ganhos para as regiões receptoras. Há, também, custos que devem

ser avaliados e medidos pelas instâncias reguladoras, com o fito de mantê-los

sob controle e, então, após o balanço acurado de ganhos e perdas, assegurar

que o resultado final proporcionado pela atividade seja positivo.

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Vê-se, deste modo, que há um evidente interesse na descentralização desta

atividade, daí o interesse em constituir-se Centros Turísticos Integrados

internacionalmente competitivos. Além disto, há, ainda, uma segmentação entre

os papéis do setor público (responsável pelas inversões em infra-estrutura) e do

setor privado, responsável pela “implantação dos projetos turísticos (hotéis,

parques temáticos, marinas, restaurantes etc.)”.

Para possibilitar a eficiente consecução dos seus objetivos, o estado foi dividido

em sete áreas de investimento, a saber: Costa dos Coqueiros, Baía de Todos os

Santos, Costa do Dendê, Costa do Cacau, Costa do Descobrimento, Costa das

Baleias e Chapada (GAUDENZI, 2001). A divisão do estado em áreas de

investimento, tem por objetivo propiciar uma maior eficiência na gestão dos

recursos, reconhecendo as diferentes necessidades das diversas regiões.

Concomitantemente, favorece a desconcentração do desenvolvimento da

atividade em território baiano, ampliando a difusão dos ganhos por ela

proporcionados.

A denominação de cada uma das diversas zonas turísticas origina-se de suas

singularidades mais marcantes: acidentes geográficos (Chapada Diamantina,

Baía de Todos os Santos), histórico-culturais (Costa do Descobrimento, Costa

do Cacau) e atrativos naturais (Costa dos Coqueiros, Costa das Baleias, Costa

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do Dendê). Ao mesmo tempo, todas elas têm um destino principal, que funciona

como uma espécie de portão de entrada. Assim, tem-se:

• Baía de Todos os Santos – Salvador;

• Chapada Diamantina – Lençóis, Rio de Contas e Morro do Chapéu;

• Costa das Baleias – Caravelas;

• Costa do Cacau – Ilhéus, Itabuna e Itacaré;

• Costa dos Coqueiros – Camaçari e Mata de São João;

• Costa do Dendê – Valença;

• Costa do Descobrimento – Porto Seguro.

Estes municípios se tornam, naturalmente, grandes beneficiários da estratégia

adotada pelo estado. São alvo de grandes inversões levadas a cabo pelo

governo estadual, que beneficiam sobremaneira sua infra-estrutura e, por

conseguinte, o bem-estar imediato de suas populações.

Quando se pensa em estratégia turística, a existência de “portões de entrada”

faz sentido, uma vez que a atividade precisa de um locus para se materializar.

Para que as zonas turísticas tenham significado efetivo é preciso que se

consolidem como um destino específico. É preciso que exista infra-estrutura

logística que permita o acesso (estradas, portos, aeroportos), equipamentos

para recepção (hotéis, pousadas, campings) e, fundamentalmente, serviços os

mais variados (alimentação, lazer, transporte, cultura).

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A função fundamental dos “portões de entrada” é consolidar a zona turística, ao

tornar-se o eixo em torno do qual a atividade organiza-se. Para que tal ocorra,

neles concentra-se o grosso do equipamento receptivo, infra-estrutura logística e

de serviços. Os demais destinos de uma dada zona têm sua demanda como

uma função direta daquela do “portão de entrada” de sua zona, assumindo uma

posição de dependência do sucesso do primeiro.

Apenas a partir do ano de 1995, o Prodetur-BA passa a contar com recursos

advindos do Prodetur-NE. Desde a sua constituição, 1992, até então, o

Prodetur-BA havia sido exclusivamente financiado por iniciativas de captação e

inversão de recursos do governo do estado da Bahia (Mendonça, 2002).

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3.4 PRODETUR-BA: FONTES, CRITÉRIOS DE FINANCIAMENTO E

RACIONALIDADE DA POLÍTICA PÚBLICA

O Prodetur-BA é uma política cujo lastro econômica está em grande parte

fundado em recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste

(Prodetur-NE), que possui como principal financiador o Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). Cabe ao Banco do Nordeste do Brasil (BNB), por sua

vez, a gestão operacional dos recursos do programa: assim, este é o

responsável pela a análise dos projetos, aprovação, liberação e

acompanhamento da aplicação dos recursos.

Cabe, entretanto, ressaltar que esta política, a despeito de estar umbilicalmente

associada ao Prodetur-NE, é uma política autóctone, sendo o Prodetur-BA,

inclusive, anterior ao Prodetur-NE, que herdou o seu nome (Mendonça, 2002).

Assim, em última instância, cabe ao governo do estado a seleção e gestão dos

investimentos que devem ser realizados.

Entretanto, dadas às limitações orçamentárias vividas pelo poder público

estadual, existe uma necessidade de alternativas de funding, que não apenas o

orçamento estadual, para financiar o Prodetur-BA. Este acaba, portanto, usando,

em larga medida, os recursos disponibilizados pelo BID, via Prodetur-NE, além

de outras fontes, tais como o BNDES e Caixa Econômica Federal (CEF), dentre

outras, para poder viabilizar a sua estratégia de desenvolvimento.

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A demanda de necessidades para o desenvolvimento do turismo na Bahia tem impulsionado o Governo do Estado à captação de outras fontes de recursos, não se limitando apenas ao financiamento do Prodetur/NE. São recursos provenientes do próprio Governo do Estado, BNDES, Governo Federal, Caixa Econômica Federal, Banco Mundial, entre outros (Bahia, 2005)

Deve-se destacar que os recursos advindos do Prodetur-NE, dado o seu

volume, têm sido fundamentais para o financiamento do Prodetur-BA. O quadro

4, abaixo, evidencia o montante de investimentos concluídos pelo Prodetur/BA,

com recursos advindos do Prodetur-NE I, até abril do ano de 2002.

Analisando o emprego de parcela expressiva dos recursos do PRODETUR-NE I

em saneamento básico, e sua classificação como investimento em infra-

estrutura, Mendes (2001, p. 56) afirma:

(...) o investimento em saneamento básico surge como investimento

expressivo de estratégia econômica. Se, por um lado, é socialmente

inadequado que investimentos em melhoria da qualidade de vida da

população sejam justificados por fins econômicos, por outro lado,

percebe-se que o negócio do turismo só é plenamente viável se o for

socialmente.

Esta observação elucida a relação entre as dimensões econômica e social das

atividades turísticas, evidenciando a lógica existente na gestão dos recursos

pelo poder público. Porém, não se pode desprezar a sua dimensão política. Ao

incrementar diretamente os níveis de bem-estar da população local, por meio de

investimentos em saneamento básico e infra-estrutura em geral, o programa

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Quadro 4 – Prodetur-NE I : Ações Concluídas (abril/2002)

Fonte: SUINVEST

PROJETOS VALOR DA OBRA (US$ MIL)

DATA DE CONCLUSÃO

BAÍA DE TODOS OS SANTOS 8.242

Recuperação da Igreja do Bonfim

Quarteirão Cultural / Praça das Artes

Centro Histórico de Salvador – 6a. etapa – Fase 1 (Cont.)

Centro Histórico de Salvador - 6a. etapa – P. da Sé (Cont.)

1.181

5.323

277

1.461

12/98

07/99

08/99

03/99

COSTA DOS COQUEIROS 1.054

Sistema de esgotamento sanitário da Praia do Forte 1.054 07/01

COSTA DO DENDÊ 3.137

Acesso Aeroporto Valença/ Atracadouro B. Jardim (Cont.)

APAS Pratigi e Maraú

3.046

91

06/00

07/00

COSTA DO CACAU 18.058

Rodovia Ilhéus – Itacaré 18.058 05/98

COSTA DO DESCOBRIMENTO 81.798

Sistema de abastecimento de água de Belmonte (Cont.)

Sistema de abastecimento de água Arraial d’Ajuda (Cont.)

Sistema de abastecimento de água de Trancoso (Cont.)

Aeroporto de Porto Seguro

Atracadouro Cabrália / Tombador

Rodovia Cabrália / Belmonte

Sistema de abast. água Porto Seguro – Orla e Frei Calixto

Sistema de esgotamento sanitário de Belmonte

Atracadouro Porto Seguro / Apaga Fogo (Cont.)

Sistema abast. água e esgot. sanitário P. Seguro- setor A

Sistema de abastecimento de água de St. Cruz Cabrália

Sistema de abastecimento de água de Coroa Vermelha

Drenagem P. Seguro/ Acesso Apaga Fogo/Arraial d’Ajuda

Rodovia p. Seguro / Trancoso

Recuperação de Matas Ciliares de P. Seguro (Cont.)

Recuperação Patrimônio Histórico de P. Seguro/Trancoso

Sistema de esgotamento sanitário Coroa Vermelha

Sistema de esgotamento sanitário St. Cruz Cabrália

Sistema de esgot. sanitário P. Seguro/ Orla Frei Calixto

Sistema de esgotamento sanitário de Arraial d’Ájuda

982

682

328

5.480

256

8.310

5.361

2.994

383

11.885

744

276

5.729

21.442

316

2.015

1.055

2.893

7.916

2.751

06/96

08/96

08/96

12/96

12/96

05/97

11/00

08/01

12/97

08/98

07/99

12/99

12/99

01/00

02/00

04/00

05/00

01/01

10/00

12/00

CHAPADA DIAMANTINA 7.469

Aeroporto de Lençóis 7.469 05/98

CUSTOS FINANCEIROS DO PROGRAMA 18.866

ENGENHARIA / ADMINISTRAÇÃO 3.801

TOTAL 142.425

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contribui para a manutenção, ao menos imediata, da estrutura de poder político

ancorada no governo estadual, gestor do programa.

3.4.1 Demandas geradas pelo Prodetur-NE

Dados a importância e o significado dos recursos vindos do Prodetur-NE, a

Secretaria de Cultura e Turismo (SCT) criou, num primeiro instante, a

Superintendência de Desenvolvimento do Turismo (SUDETUR) e, mais tarde, a

Superintendência de Investimento em Pólos Turísticos (SUINVEST) para gerir

os projetos voltados para o desenvolvimento turístico no Estado e aqueles

diretamente ligados ao Prodetur-NE.

Os critérios para seleção dos projetos de investimento financiáveis seguem as

normas firmadas pelo Regulamento Operacional do programa estabelecido por

convênio entre os governos beneficiários, o BNB e o BID. Estas fontes são

responsáveis por 60% dos investimentos do programa, advindo os 40%

remanescentes de contrapartidas do governo dos estados e do BNDES.

Para obtenção dos recursos que financiam as inversões do Prodetur-BA, instala-

se um processo de crédito. Ao governo do estado cabe a fixação da política de

desenvolvimento do turismo. No entanto, dado o volume de recursos

demandados, o que pode ser visto na tabela anterior, e a escassez de recursos

vivida pelos estados, a efetiva implantação dos grandes projetos depende de

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uma aprovação exógena. Sabedor disto, o Governo criou a SUINVEST, cujo

objetivo fundamental está no acompanhamento do processo de aprovação dos

projetos de investimento considerados cruciais pela SCT.

Esta política, entretanto, apesar de exógena, apresenta conexão com a

realidade local ao exigir que os projetos propostos sejam parte de uma política

estruturada de longo prazo. Esta demanda evidencia-se pela expressa

determinação de que os projetos constem (1) do Plano Diretor Municipal,

instrumento de planejamento municipal previsto pela Constituição Federal e

tornado obrigatório pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal no. 10 257, de 10 de

julho de 2001) para todos os municípios com mais de 20 000 habitantes e (2) do

Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS),

instrumento de planejamento regional elaborado em conjunto pelas

municipalidades e pelo Governo Estadual.

Deve-se destacar que as políticas implantadas/ financiadas por recursos do BID,

são avaliadas segundo uma lógica neoclássica. Assim, os parâmetros de

avaliação passam por uma análise que busca quantificar os benefícios e custos

advindos de sua implantação, sendo aprovadas apenas aquelas cujos benefícios

excederem os custos. Estes elementos ficam evidenciados no trecho abaixo:

Para que seja elegível para financiamento, o projeto proposto deverá

fazer parte do PDITS, do Plano Diretor Municipal e constituir-se na

alternativa técnica de mínimo custo econômico (ou de maior benefício

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econômico líquido, quando os alcances esperados forem diferentes) e

ser viável economicamente.

A análise da viabilidade econômica dos projetos deverá:

• Verificar seu adequado dimensionamento;

• Verificar se a alternativa selecionada é a de mínimo custo

econômico; e

• Calcular a rentabilidade econômica dos projetos através de

uma análise tipo custo-benefício. (BID/BNB, p.7)

Uma outra preocupação inerente às políticas financiadas pelo BID é aquela

voltada para a sustentabilidade financeira do projeto financiado. Sob a ótica

desta instituição, apenas projetos que comprovem ser auto-sustentáveis

financeiramente devem ser levados a cabo. A análise desta capacidade deve

levar em conta as possíveis tarifas cobradas dos usuários dos beneficiamentos

promovidos, além de eventuais retornos proporcionados por meio da elevação

da arrecadação tributária diretamente decorrente das intervenções realizadas

pelo projeto. O trecho abaixo evidencia esta demanda:

5.4 Estudo de Sustentabilidade Financeira do Projeto

Este estudo é composto de duas análises. A primeira corresponde a sustentabilidade financeira do projeto, enquanto a segunda refere-se a recuperação de investimentos pela entidade investidora e de OAM pela entidade gestora .

5.4.1 Análise de Sustentabilidade do Projeto

No caso de o projeto vir a contemplar intervenções passíveis de cobrança de taxas/ingressos, caberá um estudo para estimar as receitas financeiras esperadas e em seguida compará-las com os custos de OAM, em valores mensais. Caso as receitas sejam insuficientes para cobrir as despesas, especificar a instituição gestora responsável pela complementação;

5.4.2 Demonstrativo de Recuperação dos Custos do Projeto

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Comprovar que os custos de investimento, de operação, de manutenção e de administração do projeto serão recuperados mediante incremento tributário, taxação direta do usuário (cobrança por usuário) ou pela tributação direta sobre imóveis. Esta última, poderá ser através da contribuição de melhoria, sempre que a implantação do projeto proporcionar uma valorização imobiliária, considerando-se o princípio da capacidade contributiva do beneficiário. Apresentar a capacidade institucional do município para recuperar o investimento através de instituição de cobrança. Caso o município não tenha capacidade para tal, apresentar os mecanismos necessários para fortalecer a capacidade financeira do mesmo para implementar o sistema de cobrança e estimativa de receita. (BID/BNB, p.10)

Vê-se, portanto, que há uma clara preocupação não apenas com a capacidade

de o projeto gerar retornos diretos (receita gerada pela operação do projeto) e

indiretos (receita tributária incremental), como também de apresentar uma

relação superavitária, no que tange ao seu fluxo de caixa. Deste modo, o projeto

além de economicamente viável (benefícios sociais maiores que os custos

sociais), deve ser financeiramente sustentável (receitas maiores que custos e

investimentos financeiros), caso contrário não deve ser implantado.

Está evidenciada, destarte, a lógica neoclássica que norteia o critério de decisão

de financiamento e, portanto, que molda a elaboração da política pública em

última instância. A despeito de tratar-se de uma política pública (Prodetur-BA) e

um programa de desenvolvimento regional (Prodetur-NE) geridos por instituições

distintas, com escopos próprios, sendo o primeiro anterior ao segundo, não há

como dissociar ambos em última instância. Mendonça (2002, p.174) não deixa

dúvidas quanto a esta indissociabilidade ao afirmar:

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Embora uma das diretrizes do Prodetur-BA fosse a desconcentração da atividade turística no Estado (com a definição de seis zonas turísticas prioritárias fora da capital), a necessidade de comprovar, para os agentes financiadores do Prodetur-NE, a viabilidade econômica e financeira dos investimentos e infra-estrutura pública, aliada a um volume de recursos limitados, em face do amplo programa estabelecido pela Bahia, acabaram por limitar bastante este objetivo.

Esta restrição à liberdade de execução da estratégia estadual não se limitou

apenas a reduzir os investimentos realizados. Um outro efeito decorrente da

necessidade de se submeter as inversões estaduais ao crivo dos agentes

financiadores do Prodetur-NE foi a concentração dos investimentos efetivamente

realizados, conforme se pode ver no Quadro 4.1, nas zonas turísticas Bahia de

Todos os Santos e Costa do Descobrimento (Mendonça, 2002). Este fato

concreto vai de encontro ao propalado objetivo de desconcentração do Prodetur-

BA. Verifica-se, assim, uma efetiva sujeição da política de desenvolvimento

turística estadual aos interesses e objetivos de agentes exógenos.

Pode-se, então, afirmar que o Prodetur-BA é uma política pública que assume,

de fato, um caráter racionalista conferido pelos seus formatadores, em última

instância (BID). Há aqui, então, a conformação final da lógica adotada pelo

estado na sua nova estratégia de desenvolvimento: inspirada numa visão liberal,

hegemônica no início dos anos 1990, calcada numa nova configuração da

Administração Pública Gerencialista, na qual o estado perde o protagonismo das

ações econômicas e assume uma postura de gestor preocupado

fundamentalmente com os resultados das políticas de desenvolvimento, não há

espaço para adoção de políticas públicas que não contenham, portanto, um

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explícito viés racionalista. Caracterizando estas políticas, Vasconcelos (2002, p.

126) assevera:

O método neoclássico- o “individualismo metodológico”- baseia-se na idéia de que todos os fenômenos sociais devem ser compreendidos como um produto da ação dos indivíduos e que esse comportamento individual é “totalmente racional”, ou seja, é movido por uma busca por maximização de benefícios

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CAPÍTULO IV LENÇÓIS: PORTÃO DE ENTRADA DA ZONA TURÍSTICA CHAPADA

DIAMANTINA1.

4.1 A GÊNESE DE UM MUNICÍPIO NO CORAÇÃO DAS LAVRAS

DIAMANTINAS.

Como era de prever, as boas-novas do aparecimento dessas jazidas

[de diamante] correriam, em pouco tempo, até os gerais. E não

tardaria, como efetivamente não tardou, que gente de todas as

procedências, sobretudo dos antigos distritos diamantinos de Minas, se

abalasse pelo São Francisco adentro ou pela Serra do Espinhaço

afora, buscando caminhos que reduzissem, por vezes, distâncias de

além de 300 quilômetros, na ansiedade de chegar depressa, o mais

depressa possível, ao novo, ao formidável centro de enriquecimento

fácil.

Em meio dessa avalancha terrível de trabalhadores e de aventureiros

que entulhava o caminho do diamante – com bateias, frincheiros,

carumbés, enxadas, cavadores, ralos, etc – vinha de tudo. A única

seleção que a aventura se dignava era a de atribuir aos que

conseguissem chegar primeiro os melhores meios de alcançar a coisa

sonhada. Quem tivesse forças para chegar, trabalhar e vencer,

venceria! (MORAES 1984, p.31)

A força deste relato, extraído do já clássico “Jagunços e Heróis”, de Walfrido

Moraes, não deixa dúvidas quanto à natureza da ocupação e colonização das

terras das lavras diamantinas. Também é bastante elucidativo quanto às 1 Ao final do Prodetur-NE I, o governo da Bahia substituiu o conceito de Zonas Turísticas pelo de Pólos Turísticos. Estes novos Pólos são frutos da junção de duas ou mais Zonas Turísticas. No caso específico da Zona Turística Chapada Diamantina, sua sucessão pelo Pólo Turístico Chapada Diamantina a partir do ano de 2002, implicou não na sua fusão com outra Zona Turística, mas, sim, na sua ampliação, com a entrada de novos municípios, e posterior divisão em três circuitos que o compõe, a saber: o Circuito do Ouro, o Circuito do Diamante e o Circuito Chapada Norte. Lençóis, em específico, integra atualmente o Circuito do Diamante, constituindo-se em seu portão de entrada e principal destino turístico. Alguns dados, dadas algumas dificuldades para obtê-los, foram extraídos a partir de informações referentes ao Pólo Turístico Chapada Diamantina. No entanto, estão claramente indicados no texto.

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características da sociedade que lá se ergueria e do modo de organização que

esta assumiria. Uma sociedade violenta, organizada em torno da exploração do

diamante, distante dos centros de poder nacionais e das suas normas e

convenções sociais, marcada pela lei do mais forte, pela sombra dos coronéis.

Figura 2 - Lençóis: Vista Aérea da Região. Fotos: Maurutto (2003) Lençóis, como Mucugê, Campestre (atual Seabra), Andaraí, dentre outras,

nasceu desta corrida desenfreada e organizou-se a partir da riqueza e da lógica

intrínsecas à exploração mineral. Tornou-se próspera e rica, violenta e injusta,

palco de lutas e centro de interesses. Enfim, enquanto de suas terras, ao longo

do século XIX, brotou o minério tão sofregamente ambicionado, as suas ruas

foram cheias de vida e energia.

No entanto, uma vez findo este ciclo de riqueza fácil e de proporções

inimagináveis, pouco sobrou dos áureos tempos. O testemunho dos imponentes

sobrados, que se espraiam por toda a cidade, erguidos pelos coronéis do

diamante, além de uma miríade de histórias e lendas, que se escutam pelas

ruas e bares, envolvendo aqueles, seus homens de confiança e seus desafetos

são tudo o que resta daqueles dias de fartura.

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4.2 ASPECTOS HISTÓRICOS

A história de Lençóis se confunde, em larga medida, com a da região das Lavras

Diamantinas. Como desta, ao longo de séculos, toda sua organização sócio-

econômica girou em torno do extrativismo mineral, em específico da exploração

dos veios de diamante e carbonato abundantes em suas ricas terras.

Ao final da primeira metade do século XIX, teve início o ciclo do diamante em

terras baianas. A descoberta dos primeiros veios diamantíferos se deu na região

de Mucugê, ao longo do ano de 1844, por um negociante local, José Pereira do

Prado, que, em vão, tentou manter em segredo a sua descoberta. Uma vez

descoberto seu segredo, a notícia se espalhou e logo um turbilhão humano

tomou o rumo do coração baiano, dando origem a uma multiplicidade de novos

povoamentos.

Mucugê, Andaraí e Lençóis surgiram de provisórios acampamentos de

garimpeiros que tomaram feições urbanas, com a fluência persistente

dos diamantes, consolidando-se como pontos de trocas, centros de

abastecimento e sedes das instituições sociais, políticas e jurídicas.

(BAHIA 1997, p.121)

Em pouco tempo, graças à abundância e à qualidade dos diamantes originários

dos leitos dos rios Lençóis e São José e de sua centralidade geográfica, o

povoado de Lençóis tornou-se a capital das Lavras Diamantinas, centro em

torno do qual se organizava toda a região. O comércio rapidamente floresce. As

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feiras tornam-se imensas, os mascates afluem de todas as regiões.

Estrangeiros, pesquisadores, gente de toda sorte chega aos montes. Na

segunda metade do século XIX, o município alcançaria uma população de mais

de 30.000 habitantes.

Dois eventos são capazes de ilustrar a importância econômica atingida pelo

povoado. Em 1856, o então presidente da Província da Bahia, Dr. Cansansão

Sinimbu, consegue da Assembléia Legislativa a aprovação de uma concessão

para construção e exploração de uma ferrovia (Companhia Tram-Road

Paraguaçu, depois Ferrovia Central da Bahia) ligando São Félix a Santa Isabel,

com ramais para Andaraí e Lençóis. Em seguida, “o governo francês providencia

junto ao governo brasileiro – tamanho é o interesse comercial reinante – a

instalação nos Lençóis, a Capital das Lavras, de um vice consulado” (MORAES

1984, p.38).

Estas duas demandas não surgiram natimortas, presas ao papel. De modo

contrário, ganharam vida e definiram uma rota de escoamento utilizada, até

meados do século XX, pela gente da região, bem como efetivamente

contribuíram para colocar o município no tabuleiro dos interesses políticos

baianos.

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4.3 ESTRUTURAS DE PODER OLIGÁRQUICO

Esta ascendência histórica deu origem, bem como em toda a região das lavras

diamantinas, a uma sociedade marcada pela lei do mais forte. A distância dos

grandes centros civilizados, fez com que a organização social se desse em torno

daqueles senhores que, detendo grande fortuna, possuíam poder de polícia e

capacidade de estabelecer e fazer cumprir normas de conduta gerais.

A articulação do estrato senhorial forjou as milícias coloniais não

profissionalizadas e auto-sustentadas, base do poder local, emanado

da propriedade territorial que, monopolizando o controle social,

privatizava o poder público. Essa cultura de poder entranhou-se na

organização sócio-econômica e político-administrativa coloniais,

consolidando-se no processo de formação do Estado Nacional

Brasileiro. (BAHIA 1997, p.123)

Uma sociedade patrimonial, marcada pela personificação do estado na figura

dos coronéis locais, perdurou até o fim da República Velha. No entanto, com o

esgotamento dos veios superficiais de diamante e carbonato, no início do século

XX, o município e toda a região iniciaram um longo período de declínio e

ostracismo.

No início do século XX, começou a exaustão dos diamantes e

carbonados. Grande parte da população das Lavras Diamantinas

emigrou, por falta de trabalho nos garimpos e pelas freqüentes secas.

(...) No curso da primeira metade deste século, verificou-se enorme

diáspora populacional, resultando no esvaziamento econômico, que

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100

nem as ocorrências de ouro nas serras do Assuruá, Tromba e Sincorá

foram capazes de modificar o perfil regional. (BAHIA 1997, 122).

Soma-se a este fator um segundo: o assassinato, neste mesmo período, do

último grande coronel local – o Coronel Horácio de Mattos. Este senhor

alcançou, à sua época, destaque que ultrapassou as fronteiras da região. No

plano estadual, influía diretamente nos embates ao governo estadual entre Ruy

Barbosa e J. J. Seabra, e no plano nacional, além de manter intensa

correspondência com o presidente Arthur Bernardes, exercer um mandato de

senador da república, liderou a resistência local à coluna Prestes, e organizar

uma parte da força que a perseguiu até o seu exílio (MORAES, 1984).

Assim, esfacelados seus pilares econômicos e políticos, o município e a região

como um todo entram em decadência. A população remanescente voltou-se

para atividades primárias, em especial a agricultura e a criação animal,

assistindo, ao longo do século XX, a uma progressiva perda de seu significado

para o estado.

Um reflexo da sua profunda agonia foi a forte perda populacional experimentada

por Lençóis. No início da década de 1990, o município que no século XIX

alcançara uma população de cerca de 30 000 habitantes estava reduzido a

pouco mais que um quarto disto: apenas 7 584 pessoas o habitavam.

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101

4.4 LENÇÓIS ATUAL: PORTÃO DO TURISMO REGIONAL

O município de Lençóis não só é a capital do turismo regional – o

portão de entrada- como também a cidade-sede mais cosmopolita da

Chapada Diamantina, em razão da sua vinculação com o trade turístico

nacional e internacional (BAHIA 1997, p. 70) Dentre os municípios que integram a Zona Turística Chapada Diamantina

destaca-se o de Lençóis. Com uma área total de 1240,36 km2, limita-se com os

municípios de Iraquara, Palmeiras, Andaraí, Wagner, Lajedinho e Bonito. Está

ligado à capital do estado por meio da BR 242, distando 410 km desta. É o

grande centro turístico da região, tendo sido eleito pelos órgãos responsáveis

pela gestão do Prodetur-BA como um dos “portões de entrada” da zona turística

(BAHIATURSA, 1992).

Detentor de uma infra-estrutura adequada de suporte para a atividade turística,

possui, não apenas aeroporto e rodoviária, o que por si só já o configura como

efetivo hub logístico, mas também boa parte dos equipamentos de hospedagem

da região. Em suas terras localizam-se, ainda, um significativo número de

players locais conectados ao trade turístico nacional e internacional, que

acabam por organizar, a partir de lá, o fluxo turístico da região.

Como “portão de entrada” o município acaba recebendo a maior parte do fluxo

turístico direcionado para a região. Ao mesmo tempo, em função disto, recebe

uma parcela significativa de recursos voltados para investimentos na atividade

turística, tanto aqueles de origem pública quanto os de origem privada.

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102

4.5 A ZONA TURÍSTICA CHAPADA DIAMANTINA

A Zona Turística Chapada Diamantina, ao longo da vigência do Prodetur-NE I2,

originalmente era composta pelos municípios de Lençóis, Andaraí, Mucugê,

Palmeiras, Iraquara, Itaetê, Seabra, Rio de Contas, Érico Cardoso, Piatã e

Abaíra.

Esta é uma região marcada pela existência de uma profusa série de atrativos

naturais, tais como rios, canions, montanhas, cachoeiras. Ao mesmo tempo é

herdeira de uma rica história de uma sociedade construída em torno da extração

de diamantes e carbonato. Municípios históricos como Lençóis, Andaraí e

Mucugê guardam um rico patrimônio arquitetônico/cultural.

Figura 3 - Rio Lençóis. Foto: Maurutto (2002) 2 Período que coincide com aquele em análise neste estudo do Prodetur-BA, findando no ano de 2002.

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A figura abaixo dá uma pequena mostra deste patrimônio arquitetônico. Nela

pode-se ver o centro histórico de Lençóis, com uma vista aérea (1) da Praça

Horácio de Mattos, onde se localiza o antigo Centro Comercial Francês, antiga

plataforma de exportação dos diamantes; (2)da Praça dos Nagôs, em que se

encontra o Antigo Mercado Municipal; e (3)a Praça Octaviano Alves ou Praça

do Coreto, conectadas pela Avenida 7 de setembro.

Centro Histórico de Lençóis Antigo Mercado Municipal

Antigo Centro Comercial Francês Secretaria de Turismo Municipal

Figura 4 - Centro Histórico de Lençóis. Foto: Maurutto (2002)

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104

4.6 INVESTIMENTOS PÚBLICOS

A Zona Turística Chapada Diamantina recebeu apenas uma pequena parte do

montante total de recursos originariamente previstos pelo Prodetur/NE I. Como

já anteriormente citado, a necessidade de se comprovar a viabilidade econômica

das inversões públicas, bem como sua sustentabilidade financeira aos gestores

do programa foram restrições que reduziram significativamente o montante de

recursos efetivamente empregados.

Em relação aos investimentos específicos do PRODETUR/NE I na área objeto de estudo, é necessário salientar que grande parte das intervenções propostas, quando de sua elaboração, não foram de fato implementadas. Neste sentido, haviam sido previstos investimentos na ordem de US$ 53.5 milhões, entretanto, apenas US$ 7,538,635.88 foram efetivamente investidos. Entre os projetos propostos para o setor de transportes, foi realizado 100% da construção do Aeroporto Horácio de Mattos, em Lençóis, que foi inaugurado no 2º semestre de 1998, com um investimento total de US$ 7,469,000.00. Em relação aos projetos na área de meio ambiente, foram realizados os Planos de Manejo da Área de Proteção Ambiental [APA] de Marimbus/Iraquara e da Área de Proteção Ambiental da Serra do Barbado, com investimento total de US$ 69,635.88. (BAHIA, 2003, p.2)

Como se pode ver, do total de recursos programados, apenas 14,1% foram

efetivamente levados a cabo. Deste total, 99,1% foram investidos no município

de Lençóis, numa única obra. A diminuta concretização das inversões e seu alto

grau de concentração deixam dúvidas quanto aos benefícios potenciais

advindos destas inversões.

No entanto, dentro da estratégia de desenvolvimento do turismo, uma parcela

complementar de recursos, cuja fonte exclusiva é o orçamento estadual, foi

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implantada de modo concomitante. Prevista pelo Plano Estratégico do Estado

1991-2005, mais da metade das inversões concretizou-se – evidenciando o

comprometimento do governo do estado com o Prodetur-BA.

Apesar de poucas intervenções terem sido de fato implementadas no Pólo Turístico Chapada Diamantina no âmbito do PRODETUR/NE I, outros investimentos públicos do Governo do Estado da Bahia foram realizados na área objeto de estudo a partir do ano de 1991. Do total de investimentos previstos para o período entre os anos de 1991 e 2005 (US$ 170.619.000,00), 55,2% correspondem a obras já concluídas, 43,7% a obras em fase de elaboração de projetos e 1,2% encontram-se atualmente em execução. Desta forma, foram alocados recursos públicos, desde o ano de 1991, em projetos no setor de transportes, obras de energia elétrica, saneamento, entre outras áreas. Todavia, destaca-se que os projetos nas áreas de preservação ambiental, recuperação urbanística e do patrimônio histórico receberam um percentual reduzido de recursos (cerca de 1,1% dos projetos concluídos), o que reforça a importância de novos investimentos nestas áreas. (BAHIA, 2003, p.2)

Em resumo, do total de recursos efetivamente empregados na Zona Turística

Chapada Diamantina, ao longo do período 1991-2002, apenas 7,93% foi

financiado com recursos advindos do Prodetur-NE I. Todo o restante foi

financiado com recursos do Governo da Bahia. A tabela abaixo evidencia a

distribuição das inversões programadas e concluídas para o período, por setor

de investimento:

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Tabela 1 - Prodetur-BA: Investimentos na Zona Turística Chapada Diamantina (1991-2005) (US$)

SITUAÇÃO SETOR

Em Projeto Em Execução Concluído TOTAL %

Transportes 49 475,00 - 39 047,00 88 522,00 51,9

Saneamento 14 849,00 1 343,00 30 057,00 46 249,00 27,1

Energia Elétrica 958,00 - 15 697,00 16 655,00 9,8

Sist. Aeroportuários - - 7 469,00 7 469,00 4,4

Recup. Urbanística 3 300,00 620,00 94,00 4 014,00 2,4

Rec. Patrimônio Histórico 2 350,00 - 914,00 3 264,00 1,9

Preservação Ambiental 2 417,00 - - 2 417,00 1,4

Outros 1 160,00 - 869,00 2 029,00 1,2

TOTAL 74 509,00 1 963,00 94 147,00 170 619,00 100

FONTE: Bahia, 2003a.

Como se pode ver da tabela, há uma grande concentração dos investimentos

públicos programados e concluídos no setor de infra-estrutura. Isto está em

conformidade com os objetivos e a lógica concebida da política pública. Como já

comentado, sob a ótica do Prodetur-BA, o papel do setor público é justamente

aquele de preparar a infra-estrutura a partir da qual a atividade turística deve

desenvolver-se.

Entretanto, cabe à iniciativa privada a realização dos investimentos necessários

à montagem dos equipamentos para a operacionalização da atividade. Assim,

as inversões em equipamentos de hospedagem, alimentação, entretenimento e

a montagem do trade turístico local cabem a estes agentes. Para ser bem

sucedido, deve haver, portanto, uma complementaridade entre as ações

públicas e privadas. As primeiras funcionam como uma espécie de catalisador

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das segundas, que, uma vez iniciadas, devem consolidar o destino e se

retroalimentar de modo contínuo, conduzindo-o ao seu estágio de maturidade.

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4.7 INVESTIMENTOS PRIVADOS

O Circuito do Diamante é, com grande vantagem, o que mais exerce atração sobre os empresários, por possuir um fluxo turístico maior e consolidado há mais tempo, e por ser o portal de entrada da Chapada Diamantina, graças à existência de um aeroporto. (BAHIA 2003a, p.26)

Ao longo da década de 1990, somou-se aos gastos governamentais, uma série

de inversões realizadas pelos agentes econômicos privados. Ao longo do

período entre os anos de 1992 e 1998, um montante total de US$8,551,060.00

foi investido por estes apenas no município de Lençóis, principalmente em

equipamentos de hospedagem.

Este dado evidencia o significado do município de Lençóis dentro da zona

turística. Isto, pois, o montante investido pela iniciativa privada no município

representa 64,41% das inversões totais (que alcançaram a US$ 13,275,500.00)

realizadas por estes no Circuito do Diamante ao longo do período. Representa,

ainda, 49,54% do montante total investido em toda a Zona Turística Chapada

Diamantina que alcançou a US$17,261,000.00.

Estes dados evidenciam a competitividade do destino Lençóis e a sua

consolidação como efetivo “portão de entrada” da Zona Turística Chapada

Diamantina, ao longo da década de 1990. Outro elemento que se pode verificar

é a confirmação da complementaridade esperada entre os investimentos

público-privados na atividade.

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Entretanto, até este momento não se pode deixar de destacar a predominância,

ao menos nesta zona turística, de investimentos públicos face às contrapartidas

do setor privado. Uma rápida análise permite perceber que o montante total dos

investimentos privados, no período em análise, equivale a apenas 18,33% do

investimento público realizado.

Um fato que ajuda a explicar este desnível, ao menos neste primeiro instante, é

o elevado custo intrínseco aos investimentos em infra-estrutura, quando

comparados aos necessários à montagem de equipamentos de hospedagem,

alimentação e na montagem inicial do trade local. Ao longo do tempo, se espera

que o amadurecimento do destino eleve a participação dos agentes privados a

uma parcela compatível do investimento total (Bahia, 2003a).

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4.8 LENÇÓIS E O TURISMO: FLUXO E PERFIL DO TURISTA

O município de Lençóis e o Pólo Turístico Chapada Diamantina vêm se

consolidando como destino turístico. A observação dos dados de fluxo turístico

do município respalda esta assertiva.

Tabela 2 – Lençóis x Salvador: Evolução do Fluxo Turístico ANO Variação

1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 93/01

Lençóis (em 1000)

49,12 53,86 53,72 65,14 67,96 75,06 80,74 83,00 79,41 30,29

Cresc (%) - 9,6 (0,3) 21,3 4,3 10,04 7,6 2,8 (4,3) 61,7

Salvador (em 1000)

1 071 1 185 1178,36 1474,16 1579,24 1533,57 1623,07 1688,02 1625,64 553,99

Cresc (%) - 9,65 (0,26) 21,3 5,6 (2,0) 7,5 3,8 (4,3) 51,7

Fonte: Bahia, 2003

Como se pode ver na tabela, o município de Lençóis experimentou um vigoroso

crescimento do fluxo turístico, ao longo do período 1993-2001. Este fluxo

apresentou-se 19,3% superior aquele experimentado pela capital baiana no

mesmo período.

Este dado se torna mais importante ainda quando se leva em conta que a

Chapada Diamantina é um destino turístico que se diferencia dos demais

destinos baianos, sendo o único destino voltado prioritariamente para o eco-

turismo.

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111

A série apresenta significativa redução do fluxo turístico para ambos os destinos

no ano de 2001, ano dramático para a indústria turística global, em função do

atentado ao World Trade Center nos EUA, que afetou não apenas esta mas a

economia mundial como um todo.

Este dado encontra eco no perfil do turista que visita o município de Lençóis.

Pesquisa realizada com estes, ao longo do ano de 2000, aponta que 17,8% dos

turistas tinham origem estrangeira, um percentual superior aquele dos turistas

que visitaram o município de Salvador, que atingiu, no mesmo ano, 10,5%

(Bahia, 2003a).

Uma análise dos dados do perfil do turista que visita Lençóis para o ano 2000

apresenta as seguintes características (Bahia, 2003a):

• 75,6% dos turistas que visitam o município hospedam-se em

estabelecimentos hoteleiros classificados (36,5%) ou não classificados

(39,1%);

• 22,8% das viagens realizadas ao destino turístico Lençóis, ao longo do

ano de 2000, foram promovidas por agências de viagem;

• A idade média dos turistas que visitaram o município, no ano de 2000, foi

de 34 anos. Sua renda média alcançou a US$ 1,544.00 mensais;

• 76,6% dos turistas visitam o município por motivo de passeio;

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• Ao longo do ano 2000, a estadia média no município dos turistas de

origem nacional foi de 6,77 dias, enquanto aquela dos turistas

estrangeiros foi de 7,17 dias;

• Quanto ao Gasto Médio Individual Diário (GMDI), aquele dos turistas

nacionais alcançou a US$ 28.20, enquanto aquele dos turistas de origem

estrangeira alcançou a US$16.31.

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113

4.9 LENÇÓIS E O PRODETUR-BA: 10 ANOS PASSADOS (1991- 2002)

4.9.1 Investimentos e o Fluxo Turístico

Conforme já explicitado, dos investimentos previstos para Zona Turística

Chapada Diamantina, um dos mais importantes foi o Aeroporto Horácio de

Mattos. Este foi criado e instalado no município de Lençóis. Totalizando um

montante de US$ 7,469,000.00 o aeroporto rapidamente transformou-se num

elemento de consolidação do status de Lençóis como “capital” da Chapada

Diamantina.

Tabela 3- Aeroporto de Lençóis - Fluxo de Passageiros 1998 1999 2000 2001 Sazonalidade

Mês Absoluto (%) Absoluto (%) Absoluto (%) Absoluto (%) 98/01

Jan 0 0 435 11 1.147 15 1.164 13 12,8%

Fev 0 0 173 4 629 8 564 6 6,4%

Mar 0 0 108 3 539 7 712 8 6,3%

Abr 0 0 126 3 575 8 613 7 6,1%

Mai 0 0 250 6 352 5 455 5 4,9%

Jun 0 0 172 4 564 8 809 9 7,2%

Jul 3 0 549 14 983 13 1 082 12 12,2%

Ago 31 3 443 12 471 6 490 5 6,7%

Set 123 12 294 8 540 7 866 10 8,5%

Out 625 59 530 14 573 8 964 11 12,6%

Nov 171 16 280 7 443 6 641 7 7,2%

Dez 100 9 490 13 643 9 692 8 9,0%

TOTAL 1 053 100 3 850 100 7 459 100 7 970 100 20 332

Cresc. (%a.a.)

- - 2 797 265,6 3 609 93,7% 511 6,8% 96,34%

Fonte: Bahia, 2003a.

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A entrada em funcionamento do Aeroporto Horácio de Mattos tem importância,

pois torna efetivamente o município de Lençóis no Portão de Entrada da

Chapada Diamantina, ao transformá-lo num hub logístico, a partir do qual o fluxo

turístico para região se organiza. Este fato é corroborado pela sua centralidade

geográfica e pela concentração neste da oferta de prestação de serviços

turísticos da região.

Tabela 4 - Lençóis: Participação do Aeroporto sobre o Fluxo Turístico Total FLUXO

TURÍSTICO 1998 1999 2000 2001

Aeroporto (em 1000)

1,05 3,85 7,46 7,97

Lençóis (em 1000)

75,06 80,74 83,00 79,41

Participação(%) 1,4% 4,8% 9,0% 10,0%

Fonte: Bahia, 2003a. Elaborado pelo autor

Pode-se perceber que as elevadas taxas de crescimento do fluxo de

passageiros do aeroporto rapidamente transformaram-no num importante portal

de acesso ao município. Em apenas 4 anos de operação, seu fluxo de

passageiros atingiu o equivalente a 10,0% do fluxo total de turistas que visitam o

município de Lençóis. Isto foi possível graças ao rápido crescimento do fluxo de

passageiros do aeroporto que apresentou uma taxa média geométrica no

período de 96,34% anuais.

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4.9.2 Estrutura Populacional

Uma análise sobre os dados de evolução populacional do município de Lençóis

permite observar que o município, ao longo das duas últimas décadas,

apresenta um crescimento populacional. Não há indicação de saldos migratórios

positivos ou negativos.

Tabela 5 - Lençóis: Crescimento Populacional e Urbanização (1980-2000) TAXA DE CRESCIMENTO (%)

POPULAÇÃO 1980 1991 2000 80/91 91/00 81/00

Total 5 640 7 584 8 910 2,73 1,81 2,31

Urbana 2 604 3 481 6 395 2,67 6,99 4,59

Rural 3 036 4 103 2 515 2,78 (5,29) (0,94)

Tx de Urbanização (%) 46,17 45,90 71,77 (0,05) 5,09 2,23

Fontes: IBGE, SEI

Entretanto, observando-se com atenção a distribuição de sua população,

verifica-se que, ao longo da década de 1990, há uma redução absoluta em sua

população rural, que parece indicar uma redução no significado das atividades

rurais dentro do município. Concomitante, a população urbana apresenta um

crescimento mais que proporcional aquele da população total.

Evidentemente, este é um processo natural nas sociedades contemporâneas.

Desde o advento da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, o

deslocamento do eixo de geração de riqueza, primeiro do setor primário para o

secundário da economia, depois deste para o setor terciário, criou uma dinâmica

que dá origem ao fenômeno da urbanização das sociedades. Entretanto, o que

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116

chama atenção, no caso específico do município de Lençóis, é a velocidade que

este fenômeno atinge ao longo dos anos 1990.

A tabela que se segue evidencia um significativo crescimento da taxa de

urbanização do município, que se eleva de um patamar que permaneceu

estagnado em torno de 46%, ao longo da década de 1980, para 71,77%, ao final

da década de 1990, alcançando uma taxa média geométrica de urbanização

anual de 5,09%. Estes dados sugerem uma alteração na estrutura de

organização da sociedade local, em que se verifica um intenso processo

migratório do campo para a urbe.

Tabela 6 - Lençóis x Bahia: Crescimento Populacional e Taxa de Urbanização Taxa Crescimento População (%) Taxa de Urbanização (%)

80/91 91/00 80/00 1980 1991 2000

Lençóis 2,73 1,81 2,31 46,17 45,90 71,77

Bahia 2,09 1,08 1,63 49,29 59,12 67,12

Fontes : IBGE, SEI

Quando colocados em perspectiva os dados do município com aqueles do

estado como um todo, verifica-se que este apresentou taxas de crescimento

populacionais sempre superiores ao estado, ao longo de todo o período.

Entretanto, o aprofundamento do processo de urbanização, ao longo da última

década, se revela bastante significativo. O município, em uma década, consegue

superar o índice médio de urbanização do estado, que, no início dos anos 1990,

era cerca de 30% superior ao seu.

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Esta ampliação significativa do ritmo de urbanização refletiu-se espacialmente. A

urbe apresentou um inchamento que se refletiu no surgimento de algumas

ocupações sub-normais, como evidencia a figura que se segue.

Ocupação Sub Normal

Figura 5 - Lençóis: Ocupação Sub Normal. Foto: Maurutto (2002).

Uma observação atenta da evolução da pirâmide etária de sua população pode

auxiliar na identificação de algumas mudanças experimentadas pelo município

neste período. Esta encontra-se abaixo exposta, sob a forma de tabela.

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Tabela 7 - Lençóis: Evolução da Pirâmide Etária 1991 2000 FAIXA

ETÁRIA Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

00 a 04 anos 1147 592 555 1160 563 597 05 a 09 anos 1195 588 607 1062 541 521 10 a 14 anos 1041 501 540 1125 558 567 15 a 19 anos 786 424 362 1069 522 547 20 a 24 anos 594 293 301 821 411 410 25 a 29 anos 530 252 278 686 362 324 30 a 34 anos 426 217 209 567 297 270 35 a 39 anos 313 156 157 538 269 269 40 a 44 anos 306 160 146 422 201 221 45 a 49 anos 226 106 120 289 152 137 50 a 54 anos 210 99 111 252 133 119 55 a 59 anos 158 73 85 228 102 126 60 a 64 anos 149 60 89 187 84 103 65 a 69 anos 170 86 84 141 59 82 70 anos ou + 333 156 177 363 163 200

TOTAL 7584 3763 3821 8910 4417 4493

Fonte: IBGE

Pode-se verificar algumas alterações na disposição da população pelas faixas

etárias, ao longo do período 1991-2000. Dentre estas, destacam-se:

1. Apesar de ainda representar o grupo populacional mais significativo,

constituindo 37,56% da população total, as crianças (indivíduos entre 00 e

14 anos) são o segmento populacional que apresenta a mais significativa

redução ao longo do período. Verifica-se uma redução absoluta desta

população, que tem o seu contingente reduzido em 36 indivíduos. Isto se

reflete numa redução em sua participação relativa de 7,04%.

2. O segundo grupo que apresenta redução em sua participação relativa é o

de idosos (indivíduos com idade superior a 59 anos). Ao contrário do

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grupo de crianças, estes apresentaram um crescimento absoluto (39

indivíduos). No entanto, este crescimento foi menor que aquele

apresentado pela população como um todo, fazendo com que sua

participação relativa se reduzisse de 8,60%, em 1991, para 7,76%, em

2000, do total – uma redução de 0,84%.

3. O grupo de jovens adultos (indivíduos com idades entre 15 e 29 anos,

inclusive) apresentou crescimento absoluto (666 indivíduos) e relativo

(34,86%), alcançando uma participação de 28,91% na população como

um todo.

4. Por sua vez, o grupo de adultos (indivíduos com idades entre 30 e 59

anos inclusive) apresentou o maior incremento em sua participação

relativa (40,08%), alcançando a 25,77% do total.

Estes dados sugerem uma desaceleração do crescimento vegetativo da

população, dada a redução do contingente de crianças, acompanhada de uma

aceleração do processo de envelhecimento da população.

Além disto, há uma pressão por uma expansão na oferta de empregos pela

economia local, dada a expansão da população em idade ativa (PIA) – composta

pelos grupos de jovens adultos e adultos, que foram os responsáveis por

praticamente toda a elevação do contingente populacional. Em conjunto foram

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responsáveis apresentaram um crescimento de 1 323 indivíduos, ou 99,77% do

crescimento líquido da população no período (1 326 indivíduos).

A análise destes dados se revela importante para a discussão das mudanças

experimentadas pelo município, ao longo da década de 1990, período de

implantação do Prodetur-BA. Sua observação acurada revela que:

1. o município experimentou uma elevação significativa do seu processo de

urbanização, num ritmo tal que levou o município, em dez anos, a superar

a taxa média estadual, que, no início da década de 1990, apresentava-se

30% superior à sua. Deve-se ressaltar que, ao longo dos anos 1980, a

taxa de urbanização do município permaneceu estagnada, apresentando,

mesmo, leve involução;

2. este fenômeno tem conduzido a um inchamento da urbe, o que implica

numa demanda pela expansão acelerada da oferta de serviços públicos à

população urbana, sob pena de haver uma crescimento das ocupações

sob-normais e, conseqüentemente, uma redução nos níveis de bem-estar

da população;

3. a significativa elevação dos grupos de jovens (34,86%) e de adultos

(40,6%), ao longo dos anos 1990, cria uma demanda elevada por

políticas de geração de emprego e renda. Cabe ao poder público

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municipal, destarte, a responsabilidade pela elaboração de políticas

públicas de estímulo ao primeiro emprego e introdução de jovens no

mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que, também, há forte

demanda por políticas de (re)qualificação do trabalhador adulto, para que

este possa manter-se empregado. Estas políticas ganham ainda maior

importância na medida em que parcela significativa destes trabalhadores

é originária da zona rural.

4.9.3 Educação

Tomando a Educação como novo eixo de análise, algumas observações podem

ser feitas. Em primeiro lugar, pode-se verificar como evoluiu, ao longo do

período, a taxa de alfabetização da população do município, com base nos

dados dos censos 1991 e 2000. A tabela, a seguir, expõe estes dados

Tabela 8 - Lençóis: Evolução nos Índices de Alfabetização LENÇÓIS BAHIA

ÍNDICE 1991 2000 Cresc % 1991 2000 Cresc %

População Alfabetizada

53,6 68,09 27,04 51,41 66,67 29,70

Fonte: Bahia, 1997b, 2003b. Elaboração própria pelo autor

Vê-se, então, que, no que tange a alfabetização, o município de Lençóis

praticamente acompanhou o ritmo de crescimento das taxas estaduais. Em

verdade, há uma leve piora relativa nos indicadores locais, uma vez o ritmo de

crescimento da taxa de alfabetização do município se, ao longo dos anos 1990,

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foi inferior aquele da Bahia como um todo. Mesmo assim, o município continua

apresentando índices de alfabetização acima da média estadual.

Observando de modo mais atento os dados sobre educação no município, pode-

se notar que há uma melhora no quadro geral da educação municipal, conforme

expõem as tabelas que se seguem.

Tabela 9 - Lençóis: Número de Estabelecimentos de Ensino Pré -Escolar URBANA RURAL ANO

Federal Estadual Municipal Particular Federal Estadual Municipal Particular 1996 - 4 - 1 - 2 - - 2002 - - 3 2 - - 3 -

EVOLUÇÃO (%) - EVOLUÇÃO (%) 50%

Fonte: Bahia, 1997b, 2003b. Elaboração própria pelo autor

Tabela 10 - Lençóis: Número de Matrículas Iniciais no Ensino Pré Escolar URBANA RURAL ANO

Federal Estadual Municipal Particular Federal Estadual Municipal Particular 1996 - 254 - 20 - 36 - - 2002 - - 218 63 - - 196 -

EVOLUÇÃO (%) 2,6 EVOLUÇÃO (%) 444,4

Fonte: Bahia, 1997b, 2003b. Elaboração própria pelo autor

Como se pode observar, em função das novas diretrizes educacionais, ao longo

do período, o município assumiu a função de oferta de ensino pré–escolar, em

substituição ao Estado. Na zona urbana, houve uma redução no número de

matrículas nas escolas públicas, compensadas por uma expansão na oferta de

vagas privadas. Na zona rural, com a ampliação no número de estabelecimentos

públicos houve forte incremento no número de matrículas (444,4%), ao longo do

período.

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No que tange ao ensino fundamental, verificou-se, também, uma substituição,

ainda que parcial, do estado pelo município na oferta de estabelecimentos de

ensino. Esta realidade fica clara quando se observam os dados referentes aos

estabelecimentos da zona rural, onde o poder municipal concentrou seus

esforços. Nesta o número de estabelecimentos de ensino experimentou uma

forte elevação da oferta de 850%.

Tabela 11 – Lençóis: Número de Estabelecimentos de Ensino Fundamental URBANA RURAL ANO

Federal Estadual Municipal Particular Federal Estadual Municipal Particular 1996 - 4 2 - - 2 - - 2002 - 3 2 2 - - 19 -

EVOLUÇÃO (%) 16,7% EVOLUÇÃO (%) 850,0

Fonte: Bahia, 1997b, 2003b. Elaboração própria pelo autor

Ao mesmo tempo, na zona urbana a ampliação do número de estabelecimentos

de ensino fundamental se deu em razão da entrada em cena de

estabelecimentos particulares de ensino.

Tabela 12 - Lençóis: Número de Matrículas Iniciais no Ensino Fundamental URBANA RURAL ANO

Federal Estadual Municipal Particular Federal Estadual Municipal Particular 1996 - 781 605 - - 471 - - 2002 - 1138 211 113 - - 1800 -

EVOLUÇÃO (%) 5,48 EVOLUÇÃO (%) 282,2

Fonte: Bahia, 1997b, 2003b. Elaboração própria pelo autor

Estas mudanças levaram a uma ampliação do número de matrículas no ensino

fundamental, principalmente na zona rural, onde este incremento alcançou

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282,2%. É importante frisar que, dada a redução absoluta que experimentou a

população rural, uma parte destas vagas provavelmente está sendo preenchida

por adultos.

Por fim, no que se refere ao ensino médio, cuja responsabilidade se transferiu,

ao longo do período, da esfera municípal para a estadual, não houve qualquer

expansão no número de estabelecimentos de ensino. Persiste, ainda, a absoluta

falta de alternativa para a população rural. O número de matrículas, entretanto,

experimentou uma elevação significativa saltando 242,9%, ao longo do período,

como se pode ver das tabelas que se seguem.

Tabela 13 - Lençóis: Número de Estabelecimentos de Ensino Médio URBANA RURAL ANO

Federal Estadual Municipal Particular Federal Estadual Municipal Particular 1996 - - 1 - - - - - 2002 - 1 - - - - - -

EVOLUÇÃO (%) - EVOLUÇÃO (%) -

Fonte: Bahia, 1997b, 2003b. Elaboração própria pelo autor

Tabela 14 - Lençóis: Número de Matrículas Iniciais no Ensino Médio URBANA RURAL ANO

Federal Estadual Municipal Particular Federal Estadual Municipal Particular 1996 - - 147 - - - - - 2002 - 504 - - - - - -

EVOLUÇÃO (%) 242,9 EVOLUÇÃO (%) -

Fonte: Bahia, 1997b, 2003b. Elaboração própria pelo autor

A análise destes dados evidencia que, de modo geral, houve uma melhoria no

quadro geral da educação no município de Lençóis, ao longo do período

analisado. Esta melhora se deve, fundamentalmente, a uma ampliação da oferta

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de estabelecimentos de ensino municipais na zona rural. Além disto, na zona

urbana, percebe-se uma ampliação da oferta de vagas em estabelecimentos de

ensino privado, nos níveis pré-escolar e fundamental, que têm complementado a

ação estatal.

4.9.4 Saúde e Saneamento Urbano

Os dados acerca de mortalidade infantil no município de Lençóis, apontam para

uma redução desta, ao longo da década de 1990. No entanto, como se pode ver

da tabela abaixo, esta redução tem se dado numa velocidade inferior àquela

verificada no estado como um todo.

Tabela 15 - Evolução do Coeficiente de Mortalidade Infantil 1990 1998 Variação

LENÇÓIS 69,96 60,35 (13,74)

BAHIA 62,67 50,4 (19,58)

Fonte: Bahia, 2003a. Elaboração própria pelo autor

Este dado encontra eco no Índice do Nível de Saúde, indicador que integra o

Índice de Desenvolvimento Social, calculado pela Superintendência de Estudos

Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). Para o período 1998-2000, o município

apresenta um situação de relativa imobilidade, passando de 5 014,97 pontos

para 5 008,51. Isto implicou numa queda em seu posicionamento no ranking

baiano da 142ª posição para a 172ª (Bahia, 2002).

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No que se refere aos serviços de saneamento básico, o município apresenta

uma melhora bastante representativa. O sistema de abastecimento de água se

elevou 47%, ao longo dos anos 1990, atingindo 70% da população do município,

uma média superior à da Zona Turística Chapada Diamantina (62,73%).

Tabela 16 – Lençóis: Índices de Cobertura de Serviços de Água e Coleta de Lixo

1991 2000 Crescimento

1991/2000

Água 47,50% 70,0% 47%

Coleta de Lixo 28% 53% 89%

Fonte: Bahia, 2003a. Elaboração própria pelo autor

Ao mesmo tempo, o serviço de coleta de lixo também apresenta uma elevação

de 89%, atingindo 53% dos domicílios. Na Zona Turística Chapada Diamantina

este percentual é de somente 38,73%.

Deve-se frisar que, no ano de 2000, 55,3% da população de Lençóis era

atendida pelo serviço de esgotamento sanitário, um índice mais de duas vezes

superior ao da Zona Turística Chapada Diamantina, que alcançava apenas

25,0% da população. Neste mesmo ano, o índice de atendimento do estado da

Bahia era de 58,6%. (Bahia, 2003a)

A despeito de aproximar-se da média do estado, esta oferta não se dava de

modo equilibrado no município. Enquanto na área urbana o atendimento

chegava a 90,5%, na área rural este caia para apenas 8,1% (Bahia, 2003a)

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127

4.9.5 Economia

Entre os anos de 1996 e 2000, o município de Lençóis experimentou uma

significativa elevação de seu PIB. Este conheceu um crescimento global de

585,72%, apresentando uma taxa média anual de crescimento 61,8%. Esta taxa

quase sete vezes superior à taxa média de crescimento da Bahia.

Verifica-se, portanto, uma tendência de crescimento do produto municipal de

Lençóis bastante superior àquele do estado como um todo.

Tabela 17 – Lençóis: Produto Municipal e Participação no PIB da Bahia 1996 1998 2000

PIB (R$) % BA PIB (R$) % BA PIB (R$) % BA

CRESC ANUAL

1996/2000

Lençóis 3 417 0,01 15 733 0,04 23 431 0,05 61,8

Bahia 31 616 054 100,00 38 738 618 100 44 391 386 100 8,9

Fonte: Bahia, 2003a

Para se ter uma idéia do significado desta elevação, basta mencionar o fato de

que, apenas o crescimento do período 1998-2000 fez com que o município

desse um salto de 65 posições no ranking dos municípios baianos. Isto fez com

o mesmo deixasse a 306 a posição e se tornasse a 241a economia municipal do

estado (Bahia, 2003b).

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A análise de dados, referentes ao Produto Interno Bruto Municipal, do IPEA3

para o período 1985-1996, aponta uma taxa de média de crescimento negativa

de 2,19% anuais para o município de Lençóis. No mesmo período, segundo esta

fonte, o estado da Bahia apresenta uma taxa média positiva de crescimento de

8,29% (Bahia, 2003a).

Pode-se perceber, então, que o período 1996-2000 representou um momento de

reversão de uma tendência de decrescimento da economia do município de

Lençóis. Esta se deu de modo bastante rápido e intenso, denotando enorme

pujança econômica.

Um outra dimensão que merece destaque é a que se refere à importância da

atividade turística na composição do produto municipal. Para o ano de 2001,

estima-se que o impacto econômico dos gastos turísticos na economia de

Lençóis tenha alcançado o montante de US$ 11,692, 000.00 (Bahia, 2003 a).

Neste mesmo ano, a receita gerada pelas atividades agrícolas alcançaram

apenas US$1,500,546.45, ou seja, cerca de 14% da primeira (Bahia, 2003 a).

Este dado indica o peso da atividade turística para a Lençóis contemporânea,

sugerindo que o cotidiano desta começa a orbitar em torno do Turismo.

3 A metodologia de cálculo empregada pelo IPEA difere daquela empregada para obtenção dos dados anteriores pela SEI. A despeito da impossibilidade da comparação dos valores, tal não elimina a possibilidade de se verificar tendência de crescimento/ redução dos produtos municipais nos dois períodos.

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4.9.6 Índice de Desenvolvimento Humano

A melhoria das condições do município de Lençóis nas diversas dimensões

analisadas se refletiu, como era de se esperar, em seu Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH). Como se pode ver na tabela abaixo, o IDH do

município de Lençóis, ao longo do período em análise, apresentou um índice de

crescimento acima daquele apresentado pelo Estado como um todo.

Tabela 18 – Lençóis x Bahia: Evolução do IDH 1991 2000 CRESCIMENTO (%)

LENÇÓIS 0,510 0,614 20,47

BAHIA 0,601 0,693 15,33

Fonte: Bahia, 2003 a

Esta variação positiva do IDH indica que as condições de vida da população do

município têm melhorado num ritmo acima daquele da população do estado

como um todo. Deve-se destacar que a região da Chapada Diamantina

historicamente tem apresentado indicadores de desenvolvimento bastante

inferiores ao do restante do estado. Esta melhora, na última década, é um sinal

positivo para o município, que começa a recuperar terreno, em termos de bem

estar, com relação ao nível médio experimentado pela população do estado.

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130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Transformado no centro vital de uma revolução econômica, pela abundância de pedras preciosas, os Lençóis passam a ser, dos meados do século XIX em diante, a capital das Lavras Diamantinas. (Moraes, 1984, p.41)

Este trabalho não tem a ambição de chegar a conclusões definitivas quanto aos

impactos de uma política pública (Prodetur-BA) sobre o processo de

desenvolvimento de uma localidade em específico (o município de Lençóis). Por

sua própria natureza, de pesquisa exploratória fundada em dados documentais e

bibliográficos, portanto limitada aquilo já observado em maior ou menor grau por

outros, não pode argüir-se tal papel.

No entanto, pode aventar hipóteses que auxiliem futuros projetos que busquem

empreender uma avaliação mais aprofundada do tema, por meio de uma

pesquisa descritiva causal. Não há aqui, destarte, um arremate categórico

quanto ao fenômeno que se verifica em Lençóis. Apontam-se alguns eventos

que parecem merecer destaque e explicitam a necessidade de se conhecer

melhor o que o Prodetur-BA efetivamente significa para o município.

Este trabalho permite concluir que, após mais de uma década da criação do

Prodetur-BA, o município de Lençóis, sem dúvida, encontra-se numa situação

distinta daquela que vivia no final dos anos 1980. A criação da Zona Turística

Chapada Diamantina e o carreamento de investimentos públicos em infra-

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131

estrutura ampliaram significativamente a oferta de bens e serviços públicos à

população do município, bem como fomentaram o crescimento de negócios

privados que giram em torno da atividade turística.

O volume de recursos de origem privada destinado a inversões geradoras de

emprego e renda no município, principalmente, em atividades relacionadas à

hospedagem e lazer, é um dos sintomas deste fenômeno. Além disto, as

estimativas quanto a elevada participação das atividades turísticas na

composição do produto municipal, permitem especular-se quanto ao grau de

importância assumido por esta atividade para o município nos dias que correm.

Voltando para os objetivos deste estudo, pode-se aqui, por fim, analisá-los um a

um.

Em primeiro lugar, no que tange às características do Prodetur-BA, este estudo

chegou à conclusão que dada sua elevada associação ao Prodetur-NE,

programa do BID, para obter recursos e financiar suas inversões, esta política

pública acaba assumindo as características de uma política de cunho

racionalista (que marca definitivamente os programas do BID), evidenciando

uma sujeição da política de desenvolvimento estadual a interesses e objetivos

de terceiros.

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Já quanto ao segundo objetivo específico (aquele de verificar as mudanças

ocorridas na estrutura da população do município), chama atenção, não apenas

o elevado grau de urbanização alcançado por Lençóis, que supera a média

baiana, mas, principalmente, a velocidade que tal fenômeno alcançou nos anos

1990.

Há como que uma corrida para a urbe – onde se concentram a oferta de

serviços públicos municipais e a oferta de serviços turísticos diversos

(hospedagem, pousadas, bares, restaurantes, agências de viagem, excursão,

lojas de artesanato, equipamento para eco-turismo...), capazes de gerar

emprego e renda para uma vasta camada da população urbana e para aqueles

que lá chegam.

Esta corrida, sem dúvida, gera uma pressão sobre a estrutura de oferta infra-

estrutura e serviços públicos na zona urbana, que precisam ser expandidos

numa velocidade tão grande quanto o crescimento populacional. Há, portanto,

uma pressão sobre os gestores públicos municipais, que devem ser capazes de

traçar políticas públicas e realizar investimentos adequados para fazer face a

este “inchamento”da urbe.

Um outro elemento que conduz a especulações, ainda neste tópico, é a

alteração verificada na pirâmide etária do município. A redução, não apenas

relativa, mas absoluta, do grupo de crianças sugere uma queda nas taxas de

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133

natalidade do município. A despeito disto, a população do município cresceu a

uma taxa considerada normal ao longo da década, graças à forte expansão dos

grupos de jovens adultos e de adultos. Esta constatação, por sua vez, sugere

que o município pode ter sido receptor de fluxos migratórios de populações em

busca de oportunidade de emprego e renda, motivadas pelas inversões de que

este foi alvo e pela notoriedade alcançada no período.

Esta constatação, como já anteriormente ressaltado, coloca nas mãos do poder

público uma responsabilidade na criação de políticas públicas adequadas de

qualificação e inclusão desta mão de obra no mercado de trabalho.

No que tange ao coração deste estudo- as dimensões econômica, de educação

e de saúde e saneamento- algumas observações podem ser feitas, a saber:

a) o PIB Municipal apresentou excepcional crescimento no período em

análise. Com uma elevação superior a 500% do Produto Municipal

Absoluto num período de apenas cinco anos há um inegável boom na

geração de riqueza local, apenas comparável ao período de corrida ao

diamante. Este fato não dá margem a dúvidas quanto aos efeitos da

atividade turística sobre a economia municipal;

b) quanto à educação, verifica-se relativa estabilidade no quadro geral.

Enquanto os níveis de alfabetização permanecem levemente acima dos

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níveis estaduais, houve forte incremento no número total de matrículas

nos estabelecimentos rurais voltados para o ensino fundamental,

financiadas pela expansão da oferta de vagas pelo poder público

municipal. Além disso, verifica-se o surgimento de estabelecimentos de

ensino particulares voltados para o ensino pré-escolar e fundamental na

zona urbana. Estes foram os responsáveis pela ampliação no número de

matrículas nestes dois níveis na zona urbana, uma vez que a oferta

pública na zona urbana estagnou-se no período;

c) no que se refere à dimensão de saúde e saneamento há dados

controversos. Ao mesmo tempo em que o município apresenta melhoria

nos índices de cobertura de serviços de água, esgoto e coleta de lixo,

além de uma redução no coeficiente de mortalidade infantil, verificam-se

dados conflitantes: (1)no que tange ao serviço de esgotamento sanitário,

enquanto na urbe este atinge um patamar de 90,5%, na zona rural este é

inferior a 10%; (2) a despeito da melhora no índice de mortalidade infantil,

esta é 30% inferior ao experimentado pelo estado como um todo. Além

disto, o Índice do Nível de Saúde da SEI aponta uma piora relativa do

município, que despenca da 142ª. posição para a 172ª. dentre os

municípios do estado. Este é um dado inconcebível, pois revela que a

despeito de todo crescimento econômico experimentado, não há um

correlato crescimento da infra-estrutura de saúde local.

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Um das dimensões que não foram avaliadas por este trabalho, mas que não

pode ser esquecida em qualquer projeto que busque avaliar o grau de

desenvolvimento de uma sociedade, é a dimensão Política. Em geral, a criação

de atividades envolvendo o eco-turismo dá origem à criação de organizações

não governamentais (ONGs) e instituições do terceiro setor, voltadas para a

proteção do meio ambiente, cuja atividade política no cotidiano da população se

revela intensa.

A criação destes organismos pode ter um papel importante para criação de uma

nova estrutura de poder local. Um primeiro sintoma de que algo ocorre nas ruas

de Lençóis é o fato da perda do mandato político na eleição de 2002 pelo sr.

Horácio de Matos, neto do coronel Horácio de Mattos, cuja família manteve o

poder político sobre a região ao longo de todo o século XX. Se este é apenas

um fato isolado não há como se verificar, senão por meio de uma pesquisa

judiciosa, mas não deixa de ser uma constatação sugestiva o momento em que

ocorre.

Todas estas mudanças, sem dúvida, são fruto da criação do Prodetur-BA e da

transformação do município em portão de entrada da Zona Turística Chapada

Diamantina, portanto, principal beneficiário de uma série de suas inversões. No

entanto, o quanto se deve exclusivamente a este fator é uma importante questão

remanescente. Para resolvê-la faz–se necessário desenvolver uma nova

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pesquisa que busque isolar o impacto deste fator exógeno sobre a dinâmica

endógena própria vigente no município quando da implantação do Prodetur-BA.

O fato que se apresenta como inegável é que, como no trecho de Moraes citado

acima, os Lençóis passam ao final do século XX, início do século XXI, por mais

uma “revolução econômica”. Esta, em larga medida, estimulada por agentes

exógenos à comunidade tem causado mudanças em sua sociedade que se

adapta e promove ajustes em sua própria dinâmica para aproveitar os benefícios

dela advindos. Se o resultado final será sustentável, ou assumirá a característica

de apenas mais um ciclo como o do diamante, em que após a extração da

riqueza que abunda à flor da pele há uma grande derrocada, o tempo dirá.

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