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8/19/2019 Ponha Seu Capacete - Uma Viagem à Tropicália Pós-moderna http://slidepdf.com/reader/full/ponha-seu-capacete-uma-viagem-a-tropicalia-pos-moderna 1/5 1 Ponha seu capacete: uma viagem à tropicália pós-moderna Liv Sovik * I. O pós-moderno parece com um ambiente virtual. Precisa colocar um capacete especial, pesado e cheio de fios, para enxergá-lo. Mesmo assim, só dá para ver o que está diante dos olhos, pois é como se a parte fora do alcance do visor não existisse. Quando se pensa na arquitetura pós-moderna, por exemplo, é difícil vinculá-la à questão da crescente velocidade de circulação da informação, pelo menos igualmente importante para a conceituação do pós-moderno. Pior: como num ambiente virtual, enquanto olhamos a crítica pós-moderna sabemos que ela só existe como construção, como ficção. Nisso, talvez não seja diferente de outras teorias. Mas a dificuldade se exacerba com escritores associados ao pós-moderno, como Jean Baudrillard, que escrevem textos que são mais crônicas do que teses; o próprio estilo questiona o status das afirmações que contêm. Ou como Fredric Jameson, que têm um texto elefantino em seu peso, que adjetiva todos os substantivos e qualifica as cláusulas, antes de pousar, provisoriamente, como afirmação. Ou outros ainda, como Jacques Derrida, cujo propósito explícito é de desestabilizar a própria construção das certezas. Até com essas dificuldades, o debate em torno do pós-moderno foi o fulcro da reformulação da crítica da cultura durante os anos 80 e início dos 90. Nos seus termos se discutia, entre outros temas, o impacto das novas tecnologias de comunicação sobre a cultura, a despolitização do discurso público pós-1968, a desauratização do fazer artístico e do artista e aspectos da indústria cultural que, hoje, se discutem mais sob a rubrica da globalização. O propósito geral era de entender a nova sensibilidade que se conformava, alguns dizem a partir dos anos 60 e outros desde o início dos 70. Grande parte da discussão girava em torno da definição do próprio termo “pós-moderno”, como se, desde o interior da realidade virtual, se pudesse pensar, “e agora, o que é isso?” Para os efeitos desta breve reflexão, tomar-se-á como definidoras do pós-moderno as idéias do fim da história e do progresso (leia-se, também, da fé nas vanguardas e nas utopias). Escreve Gianni Vattimo, O pós-moderno se caracteriza não só como novidade em relação ao moderno, mas também como dissolução da categoria do novo, como experiência do ‘fim da história’, mais do que se apresenta como um estádio diverso, mais avançado ou mais atrasado, não importa, da própria história. (1987:10) Ele vincula o pós-moderno à “sociedade de consumo [e à] renovação contínua (dos hábitos, utensílios e construções)” (1987:12). O termo chave para entender “o fim da modernidade”, como ele resume a tendência, é de Heidegger: Verwindung é a superação que não suprime certezas passadas, diferente da superação crítica, * Professora adjunto, Faculdade de Comunicação/U FBA. Autora de tese de doutorado defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em 1994, intitulada, Vaca Profana: teoria pós-moderna e tropicália , sobre a qual se baseia esse artigo.

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Ponha seu capacete:uma viagem à tropicália pós-moderna

Liv Sovik* I.O pós-moderno parece com um ambiente virtual. Precisa colocar um capaceteespecial, pesado e cheio de fios, para enxergá-lo. Mesmo assim, só dá para ver o queestá diante dos olhos, pois é como se a parte fora do alcance do visor não existisse.Quando se pensa na arquitetura pós-moderna, por exemplo, é difícil vinculá-la àquestão da crescente velocidade de circulação da informação, pelo menos igualmenteimportante para a conceituação do pós-moderno. Pior: como num ambiente virtual,enquanto olhamos a crítica pós-moderna sabemos que ela só existe como construção,como ficção. Nisso, talvez não seja diferente de outras teorias. Mas a dificuldade seexacerba com escritores associados ao pós-moderno, como Jean Baudrillard, que

escrevem textos que são mais crônicas do que teses; o próprio estilo questiona o statusdas afirmações que contêm. Ou como Fredric Jameson, que têm um texto elefantinoem seu peso, que adjetiva todos os substantivos e qualifica as cláusulas, antes depousar, provisoriamente, como afirmação. Ou outros ainda, como Jacques Derrida,cujo propósito explícito é de desestabilizar a própria construção das certezas.

Até com essas dificuldades, o debate em torno do pós-moderno foi o fulcro dareformulação da crítica da cultura durante os anos 80 e início dos 90. Nos seustermos se discutia, entre outros temas, o impacto das novas tecnologias decomunicação sobre a cultura, a despolitização do discurso público pós-1968, adesauratização do fazer artístico e do artista e aspectos da indústria cultural que, hoje,

se discutem mais sob a rubrica da globalização. O propósito geral era de entender anova sensibilidade que se conformava, alguns dizem a partir dos anos 60 e outrosdesde o início dos 70. Grande parte da discussão girava em torno da definição dopróprio termo “pós-moderno”, como se, desde o interior da realidade virtual, sepudesse pensar, “e agora, o que é isso?”

Para os efeitos desta breve reflexão, tomar-se-á como definidoras do pós-moderno asidéias do fim da história e do progresso (leia-se, também, da fé nas vanguardas e nasutopias). Escreve Gianni Vattimo,

O pós-moderno se caracteriza não só como novidade em relação aomoderno, mas também como dissolução da categoria do novo, comoexperiência do ‘fim da história’, mais do que se apresenta como umestádio diverso, mais avançado ou mais atrasado, não importa, daprópria história. (1987:10)

Ele vincula o pós-moderno à “sociedade de consumo [e à] renovação contínua (doshábitos, utensílios e construções)” (1987:12). O termo chave para entender “o fim damodernidade”, como ele resume a tendência, é de Heidegger:Verwindung é asuperação que não suprime certezas passadas, diferente da superação crítica,

* Professora adjunto, Faculdade de Comunicação/UFBA. Autora de tesede doutorado defendida na Escola de Comunicações e Artes daUniversidade de São Paulo em 1994, intitulada, Vaca Profana: teoria

pós-moderna e tropicália , sobre a qual se baseia esse artigo.

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vanguardista e moderna que conduz ao novo. Com o fim da história e do progresso, asmetanarrativas explicativas como o marxismo ou o desenvolvimentismo se revelaminadequadas, pois não há possibilidade de uma nova síntese, seja pela revolução, sejapelo progresso acumulado. Quanto à experiência de verdade, ela é “horizonte e panode fundo no qual discretamente nos movemos” (p.17).

A situação é atribuída a diversos fatores: à velocidade da inovação tecnológica, pelaqual o novo logo se torna usual e não há mudança de fundo; à compressão espaço-temporal gerada pela aceleração dos fluxos de informação; à superabundância deimagens, colocando em posição de minoria os elementos da vida cotidiana que nãosão representações; e à sociedade de consumo, com a obsolescência quase imediatados novos produtos. Uma preocupação constante, embora pouco explícita, é com osignificado político do pós-moderno. É a face cultural do neoliberalismo? ou umasaudável crítica à hierarquia imposta pela razão instrumental? Alguns, em tom quasesério, não chamam o quadro pós-moderno, mas pós-comunista: a origem seencontraria na queda do Muro de Berlin.

Quase todos, quando procuram entender onde desemboca o fim das utopias, voltam oolhar sobre questões de identidade cultural e da alteridade que é seu contraponto.Parece que formam um par a percepção do bloqueio das possibilidades iluministas e ada importância do processo de agregação por identificação. São mencionadas, emgeral, dois extremos do último: a identificação nacionalista e xenófoba, em evidêncianos Balcãs, e a nova dinâmica política que emerge nos anos 50 e sobretudo 60 com apresença crescente de movimentos de negros e outros grupos étnicos discriminados,mulheres, homossexuais, ambientalistas.

As explicações das precondições do pós-moderno refletem circunstâncias acintosasnos países do hemisfério norte. Mas não dão conta da percepção, no período do augeda discussão pós-moderna no Brasil, de que a qualidade pós-moderna -avant-la-lettre , radical ou postiça - da cultura brasileira merecia estudo e explicação. Desde aperspectiva do debate teórico, a importância do tropicalismo ser pós-moderno derivada possibilidade de entender, a partir de circunstâncias diferentes do contexto dereferência usual, o quadro político-cultural no qual surgem a nova sensibilidade eestética. Quanto ao tropicalismo, a importância de ser identificada como pós-moderna reside nas novas compreensões da cultura brasileira que venha a permitir.

II.Para entender se o tropicalismo foi pós-moderno, é preciso verificar sua relação comas idéias do progresso e da História. Isso só é possível se lembrarmos do seu contextohistórico e musical, definido pelo golpe militar de 1964, de um lado, e, do outro, pelapresença do iê-iê-iê, com seus significados potenciais de dependência cultural, e damúsica de protesto, de resistência reivindicatória.

Segundo Roberto Schwarz (1992), a politicização do consumo cultural dos estudantese profissionais liberais aconteceu a partir da interrupção do seu contato político comas classes populares. Essaintelligentzia teria dedicado aos produtos culturais a ânsiarepresada pela ação política; a frustração das expectativas geradas durante o governoKubitschek seria responsável pela violência das reações nos festivais de músicapopular organizados por canais de televisão.

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Quando a tropicália surgiu como manifesto artístico alternativo, a música de protestodominava a cena. Alguns elementos chaves que formam seu discurso encontraram umnovo tipo de resposta no tropicalismo. Ambas as vertentes musicais se preocupam (1)com a questão dos gostos populares e da identidade nacional, isto é, com a relação dacultura com a política, e (2) com a necessidade de tomar posição frente à indústriacultural e seus produtos mais americanizados. Colocando a questão de forma muitoesquemática, a inclusão do cafona aponta para a impossibilidade de instrumentalizar amúsica para os interesses populares, pois o próprio povo tem “mau gosto”, senteprazeres incompreensíveis pela razão imperante. Assim, a tropicália descarta a utopiaprocurada a partir da cultura popular e da resistência de um povo crescentementeconsciente e revolucionária. Em segundo lugar, ao incorporar elementos do rock, atropicália acaba declarando que a música não serve para denunciar o imperialismocultural norte-americano. Mais tarde, Caetano Veloso explicou como interpreta ofeito. Afirma que a cultura musical brasileira é forte o suficiente para reelaborarelementos da cultura norte-americana, que resiste pela qualidade do que é produzidoaqui.

A tropicália deixa de lado as utopias da racionalização da ação do povo, incorporandonão só a bossa nova, mas o rock e a influência estrangeira, e supera as correntesmúsicais existentes sem perder as certezas passadas, num processo deVerwindung .Em suma, pela definição do pós-moderno esboçada a partir do fim das utopias e davivência da superação não vanguardista, a tropicália pode, sim, ser chamada de pós-moderna.

III.Vejamos o que ela tem a dizer sobre identidade e alteridade. O discurso da identidade

brasileira tem duas faces. Primeiro, o Brasil tem seu Outro no Ocidente (ou, nostermos atuais, no Norte). Um trecho muito citado deCinema: Trajetória noSubdesenvolvimento, de Paulo Emílio Sales Gomes, é das colocações mais sucintasdas relações culturais externas e as dificuldades de elaborar uma identidade brasileirade afirmações categóricas: “Não somos europeus nem americanos do norte, masdestituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosaconstrução de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o seroutro” (1996: 90). Esse vai-e-vem entre o estrangeiro e o brasileiro tem momentosem que se procura isolar um do outro. Na época da tropicália o discurso identitáriopredominante era parecido com o da música de protesto. Deixa entender que - pelomenos isso! - fosse possível saber o que não é brasileiro. Bossa nova é, por exemplo,por um triz; jazz e rock não são.

No discurso de identidade brasileira, o Outro externo é privilegiado, sobretudo comoreferência para a produção cultural, mas existe também um Outro interno: a maioriapobre, discriminado. Os conflitos que sua marginalização causam são neutralizadosna história oficial das relações entre classes (“o povo é pacífico e hospitaleiro”) esobretudo raças (com a “democracia racial”). No discurso oficial sobre a identidadenacional, o Eu dominante é entendido como o Outro do Ocidente, enquanto o Outrointerno é esquecido.

A música de protesto relembra a existência do Outro interno, a população pobre,rural, urbana, sertaneja ou negra. A tropicália também o reconhece (veja a capa dodiscoTropicália ). Mas com a incorporação explícita de maus gostos populares e com

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a mistura de estilos e referências culturais, da macumba à industrialização, dos “TrêsCaravelas” do descobrimento à vida solitária na grande cidade, a tropicália chama àreexaminação do que é o popular. Além disso, o povo é entendido como públicoconsumidor, em lugar de fonte última de cultura e público-alvo de uma arte didática.

A tropicália não se refere só ao repertório de representações do Outro (o pobre, orural, etc.) que comparte com a música de protesto. Em cena, Caetano Veloso jogavacom múltiplas identidades de gênero: o masculino, o feminino, o feminino-no-masculino. É um jogo de significados que nega a possibilidade de uma verdadesimples, objetiva, racionalista. Esse novo jogo corresponde a uma dinâmica culturalda qual se tinha pouca consciência na época.

A sociedade de consumo se instala a partir da época do desenvolvimentismo. O álibida sociedade de consumo no hemisfério norte, a igualdade de todos diante do produto,era insustentável no Brasil desde o início, mas através da crescente indústria cultural,o consumismo consegue atingir a população urbana de classe média, o mesmo públicoda música popular em questão. Desestabiliza valores familiares, religiosas e detrabalho, enquanto idealiza o bem-estar físico-psicosocial. Baseada na penúriaestrutural e o excesso - e não a abundância, a sociedade de consumo tem o efeito daviolência, segundo Jurandir Freire Costa, em “Sobre a Geração AI-5: Violência eNarcisismo” (1984), pois coloca o consumidor frente a desejos irrealizáveis. Areação à implantação do consumismo, em diversas partes do mundo, tem sido a buscade uma identidade mais polivalente, mais flexível. A importância da androginia emmúsicos populares, objetos dos desejos e de identificação do público, é de encenarfantasias de liberdade que são possibilitadas pelo enfraquecimento das amarras defamília, trabalho e religião, enquanto a experiência dessa liberdade é frustrada pela

estrutura da sociedade de consumo.IV.Na discussão do pós-moderno são vários os pontos que a tropicália ajuda a definir ou,pelo menos, a debater a partir de novas evidências.

1. As pré-condições do pós-moderno não se encontram, necessariamente, noavançotecnológico enquanto tal , na penetração da informática ou na inundação do espaçosocial pelas imagens dos meios de comunicação. A consciência do Brasil ser modernoe arcaico ao mesmo tempo e que essa condição é duradoura, que a modernização nãoavança rumo ao seu triunfo, parece equivaler à percepção do progresso tecnológicoser rotineiro mas ineficaz em mudar os fundamentos da existência social, na descriçãode Vattimo. Ambos são igualmente sinais do fim de um utopismo baseado noprogresso tecno-científico.

2. Dentro dessa convivência do moderno com o arcaico e num quadro de frustração deutopismos políticos, a tropicália reagiu claramente contra os autoritarismos do regimemilitar e da esquerda, que instrumentalizava a cultura para fins políticos. Como panode fundo, havia a implantação da sociedade de consumo, que tem seus própriosmecanismos autoritários. Assim, o pós-moderno brasileiro enfatiza a importância doautoritarismo como condição em que se formula uma estética pós-moderna.

3. A importância doOutro foi resgatada por vários críticos pós-modernos comogrande ganho da pós-modernidade, na medida em que leva à inclusão, pelo menos

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teoricamente, dos excluídos. A tropicália reafirma que, por natureza, o Outro não estádisponível para ser instrumentalizado, acionado pela razão política. Pela forma emque a tropicália valorizou o Outro como simultaneamente familiar e inefável, elaquestionou a legitimidade de um narrativa histórica racional, ocidental, onisciente e,de quebra, seu poder “civilizatório”. Que o narrador seja um regime militar, aesquerda da resistência cultural dogmática, ou o conjunto de discursos sobre bonscostumes: ele se legitima pela razão.

Em suma, a tropicália vista a partir da crítica pós-moderna faz ressaltar que umaestética pós-moderna surge quando a vitória do capitalismo é certa. No meio de umconsenso daintelligentzia contra o autoritarismo de direita, anuncia outro contra o deesquerda. No pêndulo que balança entre a instrumentalização da cultura e seudesfrutar, a tropicália dos anos 60 lembra que o Outro excluído do sistema não podeser colocado a serviço de idéias sobre seu próprio bem-estar, apresentando umasuperação não-vanguardista, umVerwindung de percepção do fim de esperançasutópicas. Na medida em que é anti-autoritária, é alegre e dá lugar a um rico jogo desentidos.

E hoje? O regime militar e a censura não existem mais e a esquerda autoritária teminfluência minúscula. A globalização acabou com a discussão de um Outro brasileiroque fosse de uma vez sujeito histórico e culturalmente autêntico. Mesmo assim, atropicália continua em pauta, não só porque se festeja seu trigésimo aniversário, maspor haver conseguido formular uma resposta a pressões que são entendidas comoprecursores das que existem hoje. É a definição do que mudou, entre 1968 e 1998,que preocupa atualmente.

Encontra-se aqui mais uma afinidade da tropicália com o pós-moderno. Ambos sãoformas para o debate, veículos para discussões de questões recorrentes. Cito algunsdos temas elencados no início deste texto: a despolitização do discurso público pós-1968, a desauratização do fazer artístico e do artista (ou sua re-auratização comopensador na mídia, no caso de Caetano Veloso?) e a globalização. Na definição doreal sentido da tropicália parece residir a compreensão do que se passa hoje, nasrelações político-culturais internas à sociedade brasileira. Mas o problema é que, como acúmulo de interpretações, a tropicália está parecendo com um ambiente virtual...

REFERÊNCIASCosta, Jurandir Freire. “Sobre a ‘Geração AI-5’: violência e narcisismo”.Violência e Psicanálise .

Rio de Janeiro, Graal, 1984.Gomes, Paulo Emílio Sales. Cinema: Trajetória do Subdesenvolvimento. (Coleção Leitura). São

Paulo, Paz e Terra, 1996.Schwarz, Roberto. “Cultura e Política, 1964-1969”. O Pai de Família e Outros Estudos (2a.ed.). São

Paulo, Paz e Terra, 1992.Vattimo, Gianni.O Fim da Modernidade . Lisboa, Ed. Presença, 1987.