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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL INDIRA LAZARINE CATOTO MONTEIRO MODOS DE VIDA E DE TRABALHO DAS MULHERES QUE ZUNGAM EM LUANDA MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE C S PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS … · 2017-02-22 · Às professoras doutoras Maria Lúcia Martinelli e Maria Carmelita Yazbek, que participaram da minha qualificação,

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL

INDIRA LAZARINE CATOTO MONTEIRO

MODOS DE VIDA E DE TRABALHO DAS MULHERES QUE ZUNGAM EM

LUANDA

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL

INDIRA LAZARINE CATOTO MONTEIRO

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre

em Serviço Social, sob a orientação da

Profª. Drª. Raquel Raichelis Degenszajn.

SÃO PAULO

2012

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MONTEIRO, Indira Lazarine Catoto. Modos de vida e de trabalho das mulheres que zungam em Luanda/Indira Monteiro - São Paulo: PUC, 2012. 181 f. Dissertação de Mestrado – Serviço Social – Faculdade de Ciências Sociais – PUC/SP.

1. Pobreza. 2. Trabalho informal – Comércio

ambulante. 3. Guerra Civil. 4. Cotidiano da mulher –

trajetória de vida.

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BANCA EXAMINADORA

___________________________________

___________________________________

___________________________________

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho às zungueiras,

mulheres lutadoras, que trabalham

diariamente vendendo produtos,

deambulando pelas ruas e mercados

de Luanda.

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Mulher zungando pelas ruas da cidade de Luanda. Foto: Novais, 2012

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AGRADECIMENTOS

A Deus pelo dom da vida.

Aos meus pais, Isabel e Idalécio e meus irmãos Claudine, Rafael, Winnie,

Francisco, Neusa, Sandra, Sidney, Gilda e Marcos, bênçãos na minha vida, suporte,

refúgio, confiança, amor e compreensão ao longo da minha trajetória.

À professora doutora Raquel Raichelis Degenszajn, que soube conduzir

nosso percurso de maneira sábia e afetuosa, pelos ensinamentos, estímulo,

companheirismo, paciência e disponibilidade na orientação deste trabalho, cujo

esforço visou fazer com que revelasse a voz dos sujeitos da pesquisa.

Às professoras doutoras Maria Lúcia Martinelli e Maria Carmelita Yazbek, que

participaram da minha qualificação, com valiosa e indispensável contribuição para a

construção desta dissertação.

Aos professores doutores José Paulo Netto, Mariangela Belfiore Wanderley,

Carola Arregui Carbajal, Maria Lúcia Carvalho da Silva, Marta Silva Campos, Cibele

Saliba Rizek e Aldaíza Sposati que muito contribuíram para as minhas reflexões e

com quem pude compartilhar momentos importantes de minha trajetória.

Agradeço especialmente às mulheres zungueiras pela disponibilidade,

atenção e contribuição, por traduzirem a pesquisa em momentos de convívio e troca

de conhecimento, fundamentais para a elaboração deste trabalho.

Ao Ministério da Família e Promoção da Mulher, sua Direção Provincial, ao

Governo da Província de Luanda, ao setor de Fiscalização da Administração

Municipal de Viana, à direção provincial do MAPESS, ao INSS, que de forma direta ou

indireta contribuíram para este estudo.

Aos colegas e amigos que partilharam comigo esta caminhada,

especialmente ao Helder Felu, José Felix Novais, Simão Samba, Américo Fernando,

Manuel, João Futa Tiago, Fontes Paulo e Cleisa Rosa, pela colaboração essencial

para a efetivação desta caminhada.

Finalmente, agradeço ao Instituto Superior João Paulo II da Universidade

Católica de Angola pelo apoio concedido e ao CNPQ pela concessão de bolsa, sem

os quais este projeto estaria inviabilizado. Espero ter correspondido à confiança

depositada e que esta dissertação seja uma contribuição para a melhoria das

condições de vida das mulheres que trabalham duro pelas ruas de Luanda.

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VERDADE

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava

passar meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,

porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil

de meia verdade. E sua segunda metade voltava

igualmente com meio perfil. E os meios perfis não

coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade

esplendia seus fogos. Era dividida em metades

diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia

optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua

ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO

Esta dissertação analisa os modos de vida e de trabalho da zungueira ou vendedora ambulante em Luanda, capital de Angola. Desde o período anterior à Independência (1975), o país vive em situação de extrema pobreza e precariedade socioeconômica, que se manifestam por meio de atividades de trabalho informal e comércio ambulante muito precarizado, situado nos limites da violação de direitos. Angola vivenciou um longo conflito armado (1975-2002), com aglomeração de populações deslocadas de guerra nas cidades, agudizando a questão social e o reassentamento de parcela desta população interessada em regressar (2002) às suas áreas de origem. Essa situação agravou ainda mais a condição social da população em situação de pobreza, aprofundando a desigualdade socioeconômica, a insuficiência das políticas públicas, o precário acesso aos serviços sociais básicos como água, saúde, habitação, educação e à participação cidadã. Esses processos desencadearam o desenvolvimento de estratégias de sobrevivência e o aumento do número de pessoas, que exerciam trabalho informal, com a presença expressiva da mulher que zunga. Este estudo pretende conhecer e analisar a realidade desta mulher e conferir visibilidade da situação de extrema precariedade, como subsídio para a elaboração de políticas públicas voltadas à melhoria de suas condições de vida. Por meio das entrevistas realizadas com zungueiras residentes em bairros suburbanos de Luanda, a pesquisa qualitativa analisou as práticas cotidianas dessas mulheres em seu vínculo com a zunga, enquanto estratégia de sobrevivência necessária à criação de condições de vida e o significado do comércio ambulante em suas vidas.

Palavras-chave: Guerra Civil – Pobreza – Zunga - Trabalho informal – Comércio ambulante - Cotidiano da mulher – Trajetórias de vida.

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ABSTRACT

This dissertation analysis the modes of living and of working of the zungueira woman or street vendor in Luanda, capital of Angola. Since period before the independence (1975), the country lives situations of extreme poverty and socioeconomic precariousness, that manifests by informal work activities and so much precarious street trading situated in the limits of the violation of rights. Angola has passed by a long armed conflict (1975-2002), with agglomeration of populations displaced by the war in the cities, making greater the social question and the resettlement of part of this population that is interested in return (2002) to your origin areas. This situation has worsened still more the social condition of the population in situation of poverty, making bigger the socioeconomic inequality, the insufficiency in the public policies, the precarious access to the basic social services as water, health, habitation, education and citizen participation. This process has triggered the development of survival strategies and made greater the number of people that have done the informal work, with expressive presence of the zungueira woman. This study wants to know and analyze the reality of this woman and provide visibility of the situation of extreme precariousness, like subsidy for the elaboration of public policies directed to the improvement of your conditions of life. By the realized interviews with zungueira women that resides in suburban neighborhoods of Luanda, the qualitative research analyzed the daily practices of those women in your link with the zunga, while the necessary survival strategy to the creation of life conditions and the significance of the street trading in your lives.

Keywords: Civil War – Poverty – Zunga – Informal Work – Street Trading – Daily of the Woman – Trajectory of Life.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE HOMENS E MULHERES NA PROCURA

DE TRABALHO, OFERTAS E COLOCAÇÕES EFETUADAS, NO 1º SEMESTRE DE

2011, SEGUNDO OS MUNICÍPIOS ....................................................................

QUADRO 2 – CARACTERÍSTICAS DAS PARTICIPANTES DA PESQUISA .................

73

108

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – REPARTIÇÃO DO PIB EM 2002 ..................................................

GRÁFICO 2 – REPARTIÇÃO DO PIB EM 2009 .................................................

GRÁFICO 3 – TAXA DE INFLAÇÃO DE ACORDO COM O PREÇO AO CONSUMIDOR ..

47

47

66

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEIC – Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade de Angola CGE – Conta Geral do Estado ECP – Estratégia de Combate à Pobreza CNIC – Centro Nacional de Investigação Científica DNIC – Direcção Nacional de Investigação Criminal DNCI – Direcção Nacional do Comércio Interno EUA – Estados Unidos da América FAA – Forças Armadas Angolanas FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola GURN – Governo de Unidade e Reconciliação Nacional IBEP – Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IEA – Inquérito ao Emprego em Angola INE – Instituto Nacional de Estatística INEFOP – Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional INSS – Instituto Nacional de Segurança Social MAPESS – Ministério de Administração Pública, Emprego e Segurança Social MED – Ministério da Educação MGD-NEPAD – Nova Parceria para o Desenvolvimento da África MINFIN – Ministério das Finanças MINSA – Ministério da Saúde MINARS – Ministério da Assistência e Reinserção Social MINFAMU – Ministério da Família e Promoção da Mulher MININT – Ministério da Administração do Território MONUA – Missão de Observação das Nações Unidas em Angola MPLA – Movimento Popular para a Libertação de Angola OGE – Orçamento Geral do Estado OMA – Organização da Mulher Angolana ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PAM – Programa Alimentar Mundial PEA – População Economicamente Ativa PIB – Produto Interno Bruto PMB – Produto Mundial Bruto PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RSA – Relatório Social de Angola SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral SEPMD – Secretaria do Estado para Promoção e Desenvolvimento da Mulher UMA – Universidade Metodista de Angola UNAVEM – Missão de Verificação das Nações Unidas em Angola (United Nations Angola Verification Mission) UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola UNMA – Missão das Nações Unidas em Angola (United Nations Angola Verification Mission) UNOA – Escritório das Nações Unidas em Angola VIH – Vírus da Imunodeficiência Humana

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .........................................................................................................

CAPÍTULO I – O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DE ANGOLA

1. Situando o território e sua demografia ...........................................

2. O contexto sociopolítico .................................................................

2.1. Período anterior à Independência ...........................................

2.2. O período pós-Independência .................................................

3. O momento da paz em Angola.......................................................

3.1. A mulher nas políticas públicas angolanas..............................

3.2. Um olhar sociocultural sobre Luanda.......................................

CAPÍTULO II – O SIGNIFICADO DO TRABALHO AMBULANTE EM ANGOLA E SUAS

EXPRESSÕES EM LUANDA

1. Um retrato da pobreza ...................................................................

2. O trabalho informal – Um conceito e várias realidades .................

3. O cotidiano como categoria analítica da mulher que zunga ..........

4. Significados da zunga na voz das mulheres ..................................

5. Estratégias de marketing ou luta pela sobrevivência? ...................

6. Trajetórias de vida de mulheres que zungam pelas ruas – Um

aprendizado de gerações ....................................................................................

7. “Se eu não zungasse... não sei o que seria de mim” .....................

8. Entre a família e a casa – O cotidiano da mulher que zunga ........

9. O trato com a fiscalização ..............................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................

BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................

ANEXOS ................................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Nos últimos vinte anos em Angola, a discussão sobre o trabalho da mulher

que zunga ocupa posição de destaque na pauta contemporânea da sociedade,

particularmente na capital Luanda, na qual o comércio ambulante surge fortemente

como expressão da pobreza e da desigualdade socioeconômica resultantes de altas

taxas de desemprego e de precarização do trabalho. Por consequência, resta à

população não absorvida pelo mercado formal realizar atividades ligadas ao

comércio ambulante como estratégia de sobrevivência.

Como tal, constitui-se, também, uma questão política fundamental que

interfere nas condições de realização da justiça redistributiva do país e nas

condições de trabalho agravadas por políticas públicas excludentes.

Esta sociedade não reconhece no outro um cidadão ativo com necessidades

básicas, como é o caso de mulheres que percorrem diariamente as ruas da cidade

com seu trabalho de entrega personalizada a domicílio, vendas a crédito de produtos

variados, inclusive ligados à alimentação. Com esta atividade realizada em um

sistema e ritmo diversificado e estressante de trabalho, a zungueira garante a

sobrevivência de sua família. Este trabalho expressa tanto seu modo de vida como a

dinâmica social e histórica da cidade de Luanda. Seu cotidiano não constitui mera

rotina de trabalho, mas expressão de sua identidade e de luta no enfrentamento de

sua condição de pobreza.

Nessa conjuntura socioeconômica e política, portanto, a mulher se

responsabiliza diretamente pela subsistência de sua família, realizando atividades

informais como única fonte de renda. Essa exigência é colocada pela divisão social

e sexual do trabalho1, que estabelece diferenças entre o trabalho da mulher e o do

homem, em que prevalecem os preconceitos sobre o trabalho feminino. É

fundamental reconhecer a extraordinária participação da mulher que zunga para a

garantia da vida da família e para que seus filhos tenham acesso a serviços que ela

1 Divisão social do trabalho, expressão utilizada por Marx para falar da divisão dos ramos de atividades para reprodução da vida e divisão sexual do trabalho, utilizada mais recentemente para dizer dos diferentes papéis atribuídos aos homens e às mulheres na sociedade. Historicamente, tem cabido à mulher o cuidado dos filhos e, ao homem o trabalho remunerado e com mais prestígio; além das diferenças no papel reprodutivo entre os sexos.

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não teve como, Educação, Saúde e Segurança. Apesar disso, a participação da

mulher nas despesas não significa que o marido não contribua ou contribua menos.

O comércio ambulante, como demanda socialmente posta, tem sido alvo

cotidiano da ação dos fiscais, preocupação inclusive do próprio governo, que

mobiliza esforços em parceria com a sociedade civil para organizar essa atividade,

uma vez que há conflitos de interesses no uso dos espaços públicos. A gravidade da

situação dos trabalhadores zungueiros que sofrem esse tipo de violência exige a

presença do Estado na regulamentação e na efetivação de leis que orientem esta

atividade.

Nesta pesquisa, o estudo e o aprofundamento das expressões da “questão

social” estão teoricamente referenciados nas concepções desenvolvidas por Luiz

Eduardo Wanderley (2008, p.62), para quem a questão social está fundada em

processos extremos de desigualdades e injustiças. Estas são derivadas do modo de

produção e reprodução social, da desigualdade nas relações sociais, da pobreza

generalizada fruto da concentração de riqueza e do poder de classe.

Estas questões de uma sociedade capitalista periférica e tardia vinculadas

aos binômios riqueza/pobreza, igualdade/desigualdade, emprego/desemprego,

coesão/conflito e inclusão/exclusão constituem-se desafios para o Serviço Social no

contexto histórico angolano. Uma expressão da questão social é o caso desta

pesquisa sobre o trabalho de mulheres que zungam em Luanda.

A materialização deste estudo teve como base algumas obras e documentos

de autores2 que se debruçaram sobre questões que permitiram compreender melhor

este tema de estudo. Assim, entre outros, estão Anstee (1997); Braverman (1987);

Beinstein (2001); Cardoso (1995); Ducados (2004); Heller (1972); Ivo (2008 e 2004);

Kowarick (2000); Lefebvre (1991); Lima (2003); Lopes (2007); Marques Gomes

(2006), Marx & Engels (1983), Oliveira Marques (2001); Pereira (2004); Pestana

(2011); Queiroz (1999); Queiroz (1991); Ribas (2009); Santos (2010); Samba (2012);

Tavares (2004); Telles (2006); Vieira (2007); Wanderley (2008) e Yazbek (2009).

Este estudo faz distinção entre o método de exposição e aquele usado na

pesquisa bibliográfica, documental e de campo, conforme Marx afirma no posfácio

da segunda edição de O Capital:

2 Não foram utilizados autores que depreciam o trabalho realizado pela sua informalidade e ilegalidade, soando como preconceito, exceto na ausência de outras fontes para a discussão e análise da realidade, levando sempre em consideração a impossibilidade de se comparar realidades diferentes.

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{...} é, sem dúvida, necessário distinguir o método de exposição formalmente do método de pesquisa. A pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. (MARX, 1996, p.140)

Martinelli (1999) dá uma contribuição indispensável ao indicar a importância

do contato direto com os sujeitos da pesquisa no conhecimento das trajetórias. Ao

levar em conta o modo de vida e de trabalho na sua singularidade, as zungueiras

estão fundamentalmente reconhecidas como sujeitos sociais.

Para a realização desta dissertação não foi priorizado o número de mulheres

participantes, mas os significados que elas atribuem à zunga como modo de vida e

de trabalho, ponto central de análise desta pesquisa.

Neste estudo, os termos zunga, zungueira, zunguei, zungando são sinônimos

de comércio ambulante, para identificar o trabalho desenvolvido por mulheres nas

ruas para a comercialização de produtos.

A motivação e interesse por este tema surgiram a partir da experiência

profissional da pesquisadora ligada ao trabalho com mulheres em situação de

prostituição na cidade de Luanda por ocasião do trabalho de conclusão de curso;

algumas delas recorriam ao comércio ambulante para sobreviver.

A natureza e os objetivos pretendidos nesta dissertação, no sentido de captar

o movimento da realidade na qual se movem os sujeitos pesquisados exigiram

abordagem qualitativa. Nesse sentido, partiu-se do pressuposto de que ″há uma

relação dinâmica entre o mundo real, o sujeito e o objeto de estudo, um vínculo

inseparável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito”, conforme Chizzotti

(2000).

As pesquisas documental e bibliográfica desenvolvidas sobre o tema

ofereceram subsídios para a escolha da metodologia e abriram caminhos para a

elaboração das indagações e questões conceituais que nortearam este trabalho.

Como instrumento de coleta de dados, optou-se pelo uso da entrevista que

constitui uma forma de interação social por meio da qual:

{...} colhe (-se) informações sobre o que as pessoas sabem de sua realidade envolvente, sobre o que elas crêem, esperam ou desejam, o que pretendem fazer, fazem, ou fizeram, bem como as suas explicações acerca dos problemas precedentes (GIL, 1999, p.117).

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Nesta acepção, é fundamental conhecer as experiências das mulheres que

zungam, especialmente, na dimensão da influência da vida cotidiana na

transformação do seu modo de trabalho.

Foi adotada a entrevista semiestruturada, contendo perguntas fechadas e

abertas, respondidas por mulheres zungueiras, de acordo com os critérios definidos

para o estudo, cujos depoimentos serão aqui utilizados para evidenciar os resultados

da pesquisa e enriquecer a análise.

A pesquisa de campo foi realizada em um período de dois meses (julho e

agosto) de 2011, com o objetivo de conhecer e analisar o cotidiano de trabalho da

mulher que zunga na cidade de Luanda, como subsídio à elaboração de políticas

públicas voltadas à melhoria de suas condições de vida.

Este estudo busca revelar a realidade dessa trabalhadora ambulante, tal qual

ela a entende e a vivencia e trazer informações para compreender quem é essa

mulher e de onde ela vem. Além disso, busca conhecer as características e os

significados que a zunga tem na sua vida; seu cotidiano; as condições de trabalho e

as razões que a levam ao exercício do comércio ambulante.

Para o levantamento desses dados, foram realizadas visitas de observação

em dois dias por semana, durante dois meses, nos seguintes locais:

• Arredores do mercado do bairro Congolenses;

• Zona comercial da gajajeira do bairro de São Paulo

• Algumas ruas do bairro da Maianga.

Nesses lugares, trabalham muitos vendedores ambulantes e observa-se a

presença de policiais, fiscais do governo provincial, viaturas, crianças e jovens,

vendedores e transeuntes circulando em ruas esburacadas, com lixo e cheias de

lama.

Por meio de dados da sondagem preliminar realizada, em 2010, para a

elaboração do projeto de pesquisa, foram construídos os instrumentos de coleta de

dados. A pesquisadora utilizou, na maior parte das entrevistas, o gravador que foi

substituído algumas vezes pelo diário de campo e pela memorização da fala da

entrevistada. Em algumas circunstâncias, tanto o gravador como o diário de campo

geravam constrangimento, medo, receio e acanhamento nos sujeitos da pesquisa.

Todas estas formas de registro foram usadas com a devida autorização das

entrevistadas, para as quais a pesquisadora lia o termo de consentimento (Anexo I),

que era aprovado verbalmente por elas, por não saberem assinar seus nomes. O

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uso do gravador exigiu a transcrição fiel dos dados pela pesquisadora, conservando,

conforme sugere Queiroz (1991) com maior precisão a linguagem do narrador, suas

pausas simbolicamente transformadas em reticências, seus lamentos e sorrisos

devidamente presentes.

Outro termo de consentimento (Anexo II) contém autorização da participante

para o uso científico, sem restrições de sua imagem (fotografia) tirada numa

determinada data. No entanto, ao longo da pesquisa algumas mulheres cederam

esse direito e são estas fotografias que constam do trabalho. Foram feitas, também,

cartas de apresentação da pesquisadora dirigidas a organismos públicos (Anexos III

e IV).

Os primeiros contatos com as mulheres tiveram o objetivo de motivá-las para

participar da pesquisa e de verificar se elas respondiam aos critérios estabelecidos,

a saber:

• Ter idade superior aos 20 anos;

• Possuir mais de um ano de experiência de trabalho na zunga;

• Exercer a venda ambulante e se identificar como zungueira;

• Residir em Luanda;

• Ter na zunga seu principal meio de subsistência;

• Mostrar-se disponível para participar e contribuir para o conhecimento da

realidade que as envolve.

Do total de entrevistas, duas foram realizadas em plena rua, com a

pesquisadora e a participante sentadas no chão e, outras mulheres zungando ao

redor, no bairro da Estalagem, no município de Viana; outra foi realizada no quintal

de uma empresa que tem armazéns, no bairro Congolenses, onde a participante

tinha ido fazer compras para depois revender; e a última foi realizada no bairro da

Maianga, no quintal do clube desportivo da banca3, espaço com vários

estabelecimentos comerciais.

De forma preliminar, foram realizadas entrevistas informais que, de acordo

com Gil (1999), ensejaram uma primeira aproximação e uma visão geral do

problema pesquisado, quase uma conversa para constatar a realidade, a

experiência e ouvir a opinião. No diálogo e convivência com elas em seu espaço de

3 Local onde as zungueiras vendem, cobram e deixam produtos a crédito (kilapi) a clientes e a funcionários desses estabelecimentos.

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trabalho, a pesquisadora, como cliente, comprava algum produto e introduzia o tema

do estudo procurando interessá-las a participar da pesquisa. Cada entrevista teve a

duração aproximada de 40 a 90 minutos e as visitas de observação foram feitas nos

três turnos (manhã, tarde e no início da noite).

Depois da entrevista, uma das zungueiras, Teresa, convidou a pesquisadora

e ambas se dirigiram a uma barraca para almoçar. Nesse mesmo local, estavam

outras mulheres, que depois de apresentadas participaram de uma conversa em

grupo sobre assuntos de sua vida cotidiana na zunga, momento muito rico de

partilha de ideias e de experiências.

A máxima de Sócrates ‘‘só sei que nada sei’’ busca na verdade despertar a

curiosidade do pesquisador pelo conhecimento do real, da essência das pessoas e

das coisas, reinventadas a cada dia pela própria dinâmica da vida social. Assim, as

zungueiras participaram ativamente da construção deste trabalho ao se tornarem

sujeitos ativos da pesquisa.

Foi com esta concepção que o presente estudo buscou identificar a realidade

cotidiana de algumas mulheres vendedoras ambulantes, no sentido de ouvi-las,

observá-las e compreendê-las em suas trajetórias, conhecer o significado que a

zunga tem em suas vidas, bem como as dificuldades e os desafios que enfrentam

em seu cotidiano de trabalho.

A pesquisa tinha um ponto central de investigação, que foi o de verificar até

que ponto acontecimentos históricos, econômicos e sociais determinam

transformações na vida da mulher que zunga.

Nesse sentido, a presente dissertação está constituída de dois capítulos

centrais e considerações gerais. No primeiro, um panorama social e histórico de

Angola, tendo em vista algumas demandas sociais vigentes em contexto anterior à

Independência do país e pós-Independência, evidenciando alguns aspectos da

guerra civil e o novo contexto com o alcance da paz em 2002. Este capítulo analisa,

também, como as mulheres estão contempladas nas políticas públicas angolanas,

trazendo à tona aspectos da situação social e cultural da província de Luanda.

O segundo capítulo traz o desvelamento do significado do comércio

ambulante em Angola e suas expressões em Luanda, incorporando a análise dos

autores de referência sobre a questão da pobreza, do trabalho informal e sobre o

cotidiano enquanto categorias analíticas. Revelam, ainda, os resultados práticos da

pesquisa na voz das mulheres participantes, comparando-os a outros trabalhos já

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realizados sobre o assunto para compreender o significado da zunga para as

participantes. Este capítulo aponta, também, as estratégias de marketing e a luta

pela sobrevivência, discorrendo sobre as trajetórias de vida das mulheres que

zungam, o trato com os fiscais do governo provincial, seus sonhos e perspectivas de

vida, o valor da família e da habitação para essas mulheres. Para finalizar, as

considerações finais que reafirmam a validade da hipótese inicial, enriquecida pelo

percurso investigativo desenvolvido.

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CAPÍTULO I – O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DE ANGOLA

1. Situando o território e sua demografia Angola é um país do sudoeste da África, cujo nome deriva da palavra

kimbundo N'gola4, com uma superfície de 1.246.700 km2. Foi inicialmente habitada

por povos bosquímanos5, caçadores e coletores e, atualmente, por povos Bantu.

Para fins políticos e administrativos, Angola está territorialmente organizada

em províncias, constituídas por municípios, que por sua vez estão estruturados em

comunas (ANGOLA. Constituição, 2010, art. 5º, nº 3, p. 6). A República de Angola faz

fronteira ao Norte com a República Democrática do Congo, ao Sul com a República

da Namíbia, a Leste com a República da Zâmbia e a Oeste com o Oceano Atlântico.

Fonte: www.skyscrapercity.com/mapas de Angola

4 O português é a língua oficial de Angola, mas o país conta com mais de sete línguas africanas reconhecidas como línguas nacionais, dentre as quais – o côkwe (pronuncia-se tchocué), o kikongo, o kimbundo e o umbundo – e mais outras línguas africanas e inúmeros dialetos. O nome N'gola é homenagem ao rei com o mesmo nome, líder de uma etnia que, historicamente, habitava o reino do Ndongo. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_de_Angola. Acesso em: 9/02/2012. 5 Os bosquímanos, ou homens dos bosques, viviam ao sul da África pelo menos 100 mil anos atrás pelas pinturas feitas nas rochas. Primeiros habitantes da região e elo mais antigo dos homens das cavernas, eles caçavam e colhiam frutos na savana e nos bosques quando os negros bantos vieram do norte e tomaram suas terras para plantar e criar animais há cerca de 2.500 anos. Exames de DNA provaram que eles estão entre os povos mais antigos do mundo. Fonte: Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/olhar-sobre-o-mundo/bosquimanos-os-primeiros-habitantes/ Acesso em: 30/04/2012.

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Conforme mapa, Angola é constituída por dezoito províncias: Bengo;

Benguela; Bié; Cabinda; Cunene; Huambo; Huíla; Cuando Cubango; Kuanza Norte;

Kuanza Sul; Lunda Norte; Lunda Sul; Malanje; Moxico; Namibe; Uíge; Zaire e

Luanda, a capital do país; por 173 municípios e 618 comunas.

O último censo demográfico realizado em Angola no período colonial (1970)

indicou uma população de 5.646.166 habitantes, que, de acordo, com Oliveira

Marques (2001, p.309) significava um expressivo crescimento considerando que, em

1930, a estimativa era a de que a colônia tinha uma população de 2.547.294

habitantes. Em 1991, informações davam conta de uma população de 10.310

milhões de habitantes.

Já as estimativas populacionais de 2008/2009, baseadas em dados do

recenseamento, que constituíram a amostra do Inquérito Integrado sobre o Bem-

Estar da População (IBEP) apontaram 16.367.879 pessoas, das quais 7.878.968

eram homens (48%) e 8.468.911 mulheres (52%). O aumento deve-se não apenas

ao crescimento natural da população (cerca de 3% por ano), mas também ao

constante regresso de angolanos refugiados em países vizinhos.

O referido relatório apontou um desequilíbrio de gênero com um índice geral

de masculinidade de 0,93, ou seja, o país tem 93 homens para 100 mulheres. A

população encontrava-se concentrada majoritariamente nas áreas urbanas (54,8%),

sendo que apenas 45,2% da população viviam nas áreas rurais.

Quanto à distribuição etária, a mesma fonte revelou que a população

angolana era jovem: 48% de pessoas com idade inferior a 15 anos, sendo assim,

menos de 50% da população era economicamente ativa, as mulheres em idade

reprodutiva (15-49 anos) constituíam 44% e uma em três pessoas está em idade

escolar (6-17 anos).

Luanda, antes denominada Loanda e, outrora, São Paulo de Assunção de

Luanda, é a capital e a província mais populosa do país, com 4.749 milhões de

habitantes, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2010. Está

localizado na costa do Oceano Atlântico, onde se encontra o principal porto e centro

econômico administrativo, político e social de Angola.

Luanda, segundo aqueles que a conheceram nos seus primórdios, era a cidade mais bonita de África. Até mesmo o observador mais severo da imundice que encontrei em 1992 não poderia deixar de distinguir os abatidos traços de elegância. Concebida pelos seus arquitectos originais para engrandecer a graciosidade de uma ampla

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e arqueada baia, a cidade fez-me lembrar de imediato o Rio de Janeiro, com a diferença de que aqui não havia montanhas escarpadas, nem nenhum corcovado a dominá-la (ANSTEE, 1997, p.223).

Como a cidade foi projetada para abrigar, no máximo, 600 mil habitantes, hoje

tem uma superpopulação considerável. Apesar de ser uma cidade densamente

habitada, fundada, em 1576, e com uma superfície de 2.417, 48 km2, Luanda não

está entre as maiores cidades do país, pois representa apenas 0,19% do território

angolano.

Até 2011, a província de Luanda era constituída por nove municípios:

Sambizanga, Ingombota, Cacuaco, Kilamba Kiaxi, Rangel, Viana, Maianga, Samba e

Cazenga. No entanto, atualmente, de acordo com dados do Ministério da

Administração do Território (MININT), ela está constituída por sete municipalidades:

Belas, Cacuaco, Cazenga, Icolo-Bengo, Kissama, Luanda e Viana.

É importante destacar essa mudança porque com a nova configuração

territorial que Luanda assumiu, a partir de julho de 2011, os sujeitos da pesquisa

foram encontrados trabalhando nos municípios de Luanda, Viana e Cazenga; na

configuração administrativa anterior um sujeito da pesquisa era do município de

Ingombota.

2. O contexto sociopolítico

Entende-se que a compreensão da questão em estudo passa por um

panorama social e político capaz de atribuir significação ao movimento produzido no

âmbito das relações sociais. Destaca-se a articulação de muitos dados da realidade

angolana à realidade de Luanda, pela condição, já mencionada, de centro

econômico, político e social que esta ocupa no país.

Apesar de a pesquisa ter estabelecido como ponto de partida a data de 1975,

ano da Independência de Angola, há elementos fundamentais anteriores que

explicam as articulações do foco da pesquisa com os fatores históricos, políticos e

sociais que antecederam a década de 1970. As conjunturas econômicas e sociais

anteriores apontaram aspectos da relevância do tema, objeto deste estudo.

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2.1. Período anterior à Independência

Antes de 1975, Angola constituía-se como colônia, uma província sob o

domínio português. Neste âmbito, de acordo com Oliveira Marques (2001, p. 309-

310), a partir de 1900, apesar do alto índice de natalidade, havia uma redução

paulatina da população da colônia de Angola. De um lado, essa diminuição pode ser

resultado das guerras de ocupação, da expropriação fundiária e de gado e da

emigração para os territórios vizinhos. De outro lado, os péssimos resultados

agrícolas, especialmente revelados pelas secas cíclicas que atingiram as

populações em períodos de um a três anos e pelas pragas de gafanhotos (em

1898), além dos ciclos de fome constante (de 1911 a 1916), provocaram mortes,

êxodo, baixa na produção agrícola e surtos epidêmicos. Este cenário começa a

mudar, a partir de 1925, com a expansão da cultura do milho e da mandioca e com o

fim das guerras de ocupação.

Ao analisar dados relativos à Luanda, Oliveira Marques (2001, p. 323) aponta

que, em 1898, o núcleo citadino da alta e da baixa6 era habitado por indivíduos

abastados, negros, brancos e mestiços, enquanto nos musseques7 e na ilha a

concentração de africanos era muito mais elevada.

Paralelamente, evidencia-se o crescimento da percentagem de europeus

entre a população da cidade. Nesse contexto, a segregação tornou-se mais visível

quando ocorreu a expansão da cidade “branca” para os bairros dos Coqueiros e

Ingombotas e a consequente deslocação gradual da população africana para a

periferia em 1920.

Oliveira Marques (2001, p.313) observa que embora Luanda tenha sido objeto

de maior atenção por parte da administração colonial, os valores relativos à sua

população são controversos. Em 1900, o distrito de Luanda representava cerca de

um quarto da população total da colônia e 26 anos depois, sua população

considerada indígena era de, aproximadamente, 57.065 mil habitantes, ou seja, 25%

do total de habitantes de Angola. O seu peso demográfico se viu reduzido pela

6 Na área urbana de Luanda habitavam as famílias mais abastadas, com nome e poder econômico diferenciado, situação que prevalece até hoje. Atualmente, na cidade alta vive o Presidente da República e na zona baixa residem, majoritariamente, famílias tradicionais; quanto maior a capacidade econômica da família, maior é a possibilidade de ela morar nas zonas alta e baixa da cidade. 7Musseques são bairros periféricos de Luanda, muito semelhantes às favelas do Brasil pela precariedade das construções.

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ampliação geográfica com o deslocamento da população para as zonas periféricas,

lugares onde os recenseadores não alcançavam, pelo agravamento da saúde

pública e o consequente aumento das taxas de mortalidade.

Do mesmo modo, dada a sua importância econômica, “Luanda e Benguela já

eram consideradas as duas maiores e mais antigas cidades da colónia, com

particular função administrativa e militar, embora a segunda numa posição de

subalternidade política que afectou seu crescimento” (OLIVEIRA MARQUES, 2001, p.

321).

A população do, então, distrito de Luanda vivia fundamentalmente da

agricultura, da pesca artesanal e do comércio. Assim, para esse autor, “{...} o tráfico,

o comércio e a navegação foram durante séculos os factores mais decisivos para o

crescimento dos portos atlânticos do Ambriz, Luanda {…}” dentre outros (OLIVEIRA

MARQUES, 2001, p.321).

{...} possuindo uma ascendência etnolinguística de raiz bantu, a população de Angola era composta por oito etnias numericamente mais significativas - Bacongos, Ambundos, Umbundos, Lunda-Quiocos, Ganguelas, Nhaneca-Humbes, Ambós e Hereros (OLIVEIRA MARQUES, 2001, p.308).

Na busca de identificar os espaços abrangidos por culturas semelhantes, de

acordo com Cajibanga (ALTUNA, 1985, p.20, apud CAJIBANGA, 2000, pg.6), em

Angola existem quatro grandes espaços socioculturais com características

transnacionais:

• Espaço sociocultural Khoisan ou Hotontote-Bochimane, onde se encontram

os povos Kedes, Nkung, Bochimanes e Kazamas;

• Espaço sociocultural Vâtua ou pré-Bantu, do qual fazem parte os povos

Cuissis e Cuepes;

• Espaço sociocultural Banto, constituindo o maior espaço, incluídos os povos

Ovimbundo (que falam a língua Umbundo); Ambundo (Kimbundo); Bacongo

(Kikongo), Lunda-Tucôkwe (Côkwe); Nganguela; Ovambo; Nyaneka; Humbi;

Helelo; Axindonga e Luba;

• E o espaço sociocultural resultante do contato com a cultura portuguesa.

Culturalmente, a sociedade dispunha de ritos de iniciação feminina, que

primavam pela legitimação e conservação da boa reputação, pela moralidade social,

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pela origem familiar da mulher, contribuindo na preparação das mesmas para suas

responsabilidades naturais.

A virgindade era um meio para:

{...} conservar o respeito social, um selo de garantia de honra e pureza feminina {...} Esses valores tidos como naturais eram muito valorizados, favorecendo o controle social sobre a mulher e privilegiando uma relação de hegemonia dos homens nas relações com as mulheres (PRIORI, 1997, p.614).

Estes ritos são cada vez menos praticados nos grandes centros urbanos.

Pode-se considerar que diante desse contexto conservador e de pressão,

mas também de transformações ligadas à sobrevivência, a mulher não tinha

autonomia e liberdade para dizer não aos pais, nem ao marido, ou seja, não devia

dizer não ao homem.

À semelhança do contexto brasileiro descrito por Gikovate (1982), em Angola

também se sucedia um processo de luta, mas também de discriminação e

preconceito, que buscava inferiorizar a condição da mulher como mãe, dona de

casa, cuidadora do lar e da família, cujo trabalho doméstico era apenas prolongado

para o cultivo da terra e, em alguns casos, para a venda de produtos resultantes da

produção familiar.

Para Espírito Santo, a situação social e econômica era, até então, degradante

para as populações, tal como se referiu Ernesto Lara (Filho) em carta aberta àquele

governador por ocasião de sua posse.

{...} o que escrevo e lhe quero dizer com toda a sinceridade e interpretando o sentir da população inteira é que do mesmo modo que o esperam esses contrafortes, essa fachada das nossas belezas naturais, também o aguardam as estradas esburacadas, as pontes caídas, as populações com precária assistência médica e educativa, as sanzalas do mato, as casas de adobe, o subdesenvolvimento, o problema da nutrição, o problema do ensino (LARA apud ESPÍRITO SANTO, 2010, p.2).

Portugal entregou o ensino das populações das províncias às missões,

principalmente às católicas tendo assinado com o Vaticano, a Concordata (1940) e o

Acordo Missionário (1941) que regulavam as relações entre os dois Estados.

Até à década de 1950, a população vivia imensas dificuldades, especialmente

os indígenas que residiam na periferia de Luanda e tinham dificuldades no acesso à

escola. Nesse período, cresce a preocupação pelo ensino primário generalizado e

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começaram a ser construídas escolas nas cidades principais, especialmente em

Luanda, e postos escolares nos meios rurais. Nesse sentido, foram criados liceus;

colégios particulares; escolas do Magistério primário; escolas do Ensino Técnico

Profissional; escolas comerciais e industriais para atender ao objetivo político de

desenvolvimento econômico de Angola.

Segundo Robson e Roque, no contexto sócio-histórico angolano:

{...} as áreas peri-urbanas tiveram um investimento público quase insignificante. O Estado colonial dirigia grande parte de seus investimentos para a oferta e manutenção de serviços nos centros urbanos, o que prevaleceu nas prioridades do Estado após a independência, apesar de que no crepúsculo da era colonial e no limiar do pós-independência ter havido algumas tentativas de canalização de investimentos sociais para as zonas peri-urbanas (ROBSON; ROQUE, 2001, p.82).

Os estudantes com maiores recursos eram obrigados a frequentar

universidades em Portugal (Lisboa, Porto e Coimbra), exigência que impedia muitos

angolanos de prosseguirem seus estudos pela falta de condições econômicas. Em

1962, foram criados os estudos de nível superior Estudos Gerais Universitários8,

pelo Decreto-Lei nº 44.530, publicado no B.O. de 8 de setembro, mas implantados

em 6 de outubro de 1963 (ESPÍRITO SANTO, 2010).

Quanto ao trabalho, cerca de 90% da população ativa ocupava o setor

primário com atividades agrícolas e de pecuária. Assim, entre os trabalhadores,

denominados serviçais, era notória a paridade entre homens e mulheres, sendo que,

independentemente de sua etnia, o trabalho produzido por mulheres e crianças tinha

uma importância econômica especial, principalmente nas tarefas agrícolas.

Na sociedade urbana colonial a mulher serviçal cumpria por norma os trabalhos domésticos ou exercia a profissão de lavadeira, costureira, peixeira ou quitandeira, enquanto nas circunscrições rurais era engajada para serviços mais duros, quer públicos, como privados, para a construção e reparação de estradas, lavra e capina, colheita de café e algodão (OLIVEIRA MARQUES, 2001, p.326).

Esses dados revelam que, desde a década de 1900, havia a prática de

trabalhos informais, no âmbito da divisão social e sexual do trabalho, que embora

implicitamente, mostra que a atividade das mulheres lavadeiras, costureiras,

peixeiras ou quitandeiras, já era base para a sobrevivência de muitas famílias.

8 Posteriormente, Universidade de Angola e, atualmente, Universidade Agostinho Neto, em homenagem ao 1º Presidente de Angola independente.

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A maioria desses trabalhadores, considerados mais aptos e produtivos,

tinham idades compreendidas entre os 14 e 30 anos e realizavam serviços mais

pesados, selecionados de acordo com resistência às enfermidades. Apesar disso,

“as categorias dos trabalhadores rurais e dos carregadores, ocupados em atividades

de carácter sazonal, representavam os maiores contingentes de mão-de-obra”

(OLIVEIRA MARQUES, 2001, p. 326).

Assim, em 1950, em obra publicada por Óscar Ribas intitulada Uanga (feitiço),

o autor descreve um contexto em que:

{...} pelos atalhos, quitandeiras desciam para o mercado, em busca de água seguiam domésticas. {…} Mulheres ao serviço do município (agora província de Luanda) varriam pachorentamente a rua, e em pregões, quitandeiras vendiam peixe, fruta, mel, feijão, farinha de mandioca, azeite de amendoim e outros produtos (RIBAS1, 2009, p.214-215, grifo nosso).

Observa-se que o tipo de produto referenciado é mais de âmbito alimentar, o

que nos remete a pensar que, já nesse tempo, as mulheres quitandeiras

trabalhavam pela sobrevivência e autonomia. Mas além do significado destes

produtos, as mulheres, em seu trabalho, produziam relações sociais indispensáveis

para a vida em sociedade.

{...} (Enquanto trabalham) mulheres cumprimentam-se com afeto. Mulheres sentadas em banquinhos vendem peixe, servindo-se de um caixote como mesa, de outro como depósito. À frente de barracas de luandos, todas em fila, expunham suas mercadorias – cana sacarina, cachos de dendê, côcos, caniços e panelas. Compradores e vendedores, cada qual gritando para seu lado, agitavam o ambiente9 (RIBAS1, 2009, p. 216).

A obra de Ribas tem grande importância para se compreender a trajetória

histórica e social que acompanha o fenômeno do comércio ambulante, que veio se

transformando, mas continua presente na sociedade. Nela, Ribas traz o retrato de

uma mulher que amparando nos braços uma criança desnutrida para angariar

alimentos cantava e dançava pela rua, ao toque de um chocalho para que ao vê-las,

as pessoas as socorressem com alimentos ou dinheiro. É nesse contexto sócio-

histórico que Óscar Ribas, em 1950, descreve a zunga como o ato de perambular

pelas ruas vendendo produtos.

9 Luando é uma esteira enrolável feita artesanalmente e usada frequentemente pelas mulheres como assento ou para descansar ou dormir. Em certos lares de Luanda, é usado como colchão e até como cobertura de habitações (RIBAS

1,2009, p. 298).

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Missosso10, missosso para homens! Quem quer comprar missosso para evitar complicações em casa? – anunciava um vendedor. (…) o produto servia para atalhar o mal que se trazia do contato com outra mulher, (…) assim não havia discórdias no lar, mulher e filhos não se arriscavam a adoecer por culpa do homem (RIBAS1, 2009, p.217).

Em 1962, foi criada a Organização da Mulher Angolana (OMA), considerada a

primeira estrutura específica do país para tratar de assuntos pertinentes à mulher,

em pleno período de luta armada anticolonial. Seus objetivos estavam relacionados

à ampliação do papel da mulher com participação em órgãos decisórios e no suporte

à campanha nacionalista. Realizavam-se também ações de formação para as

angolanas que faziam parte do partido Movimento Popular para a Libertação de

Angola (MPLA), protegendo-a nas questões familiares, de saúde e de justiça.

Nesse contexto colonial – período caracterizado como a fase da ‘‘coisificação’’

do outro – esse processo formativo pode ser analisado, como mecanismo para

“civilizar o indígena, libertá-lo da ignorância, atribuindo-lhe uma identidade pronta de

submissão e uma história em que o sujeito passa a representar o objeto”. No

entanto, configurava-se como um dos principais instrumentos de repressão.

Não vigorava o princípio da igualdade e universalidade no sistema sócio-

educativo vigente, pela existência de forte separação entre alunos indígenas ou

nativos e os cidadãos, em que o acesso à escola era privilégio de poucos. O direito

à Educação era legado àqueles que se conformavam com as regras impostas pelo

regime colonizador, os considerados “assimilados”11.

O indivíduo “não assimilado” era discriminado e obrigado a viver à margem da

vida social, sendo que o ‘”assimilado”, detentor de alguns direitos, era igualmente

discriminado em várias situações, porque para chegar a isso era necessário reunir

as seguintes condições:

10 Missosso é um feixe de pauzinhos untados com óleo de dendém e serradura de tacula – árvore com madeira vermelha ou esbranquiçada – ligados às extremidades com uma corda rematada com nove nós, servindo como efeito destrutivo do mal. 11 O Estatuto Português dos Indígenas das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique foi aprovado pelo Decreto-lei de 20 de maio de 1954, que visava a "assimilação," pelos indígenas, da cultura colonial, estabeleceu três grupos populacionais: os indígenas, os assimilados e os brancos. Para a passagem de indígena a assimilado era necessário demonstrar um conjunto de requisitos: saber ler e escrever, vestir e professar a mesma religião que os portugueses e manter padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus. Fonte: Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Estatuto_do_ind%C3%ADgena. Acesso: 11/05/2012.

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{...} Saber ler, escrever e falar corretamente; ter meios suficientes para sustentar a família; ter bom comportamento; ter necessária educação e hábitos individuais e sociais de modo a poder viver sob a Lei pública e privada portuguesa; fazer um requerimento à autoridade administrativa da área, que o levará ao governador do distrito para ser aprovado (MONDLANE 1969, p.42. apud VIEIRA, 2007, p.39).

Esse contexto pode ser expressão de uma forte violação dos direitos de

cidadania, numa realidade em que não se ouvia falar de direitos. Ele retrata um

cenário de grande desigualdade social, de discriminação não apenas racial e de

exclusão visto pelas relações sociais vulneráveis estabelecidas entre as diferentes

classes.

Com base nessa realidade, vê-se o angolano como “um instrumento de

trabalho”, sem vontade própria e obrigado a cumprir o estatuto dos indígenas, criado

a serviço da potência colonizadora, portanto, sem acesso aos direitos e aos serviços

sociais básicos e, ainda mais, sem liberdade.

Os relatos sobre o contexto dos “civilizados” e “não civilizados” demonstravam

que a frequência escolar para a maioria dos jovens era cada vez mais difícil.

{...} O filho do camponês ou do operário podia teoricamente matricular-se no Liceu. No entanto isso raramente sucedia, pois não podia permitir-se ao luxo de estar sete anos estudando generalidades, sem a garantia de uma profissão ao fim de sete anos. E o fato [sic] da implantação dos Liceus unicamente nas cidades afastava irremediavelmente deles a massa camponesa (RELATÓRIO DO MED, 1981, p.6. apud VIEIRA, 2007, p.40).

A preferência para os jovens angolanos, tidos como indígenas, eram as

Escolas Técnicas, apesar de estas constituírem-se em espaços de discriminação e

exclusão para os alunos. A Educação não era um instrumento criado para os

angolanos, mas sim para as famílias portuguesas/colonizadoras.

Todavia, Cardoso (1995, p. 30) faz referência à Marx ao reafirmar a

necessidade de compreender a sociedade burguesa em sua totalidade, entendendo

o homem na sua dimensão prática e social, como um ser ativo, autor e não vítima de

sua própria história.

Nessa sociedade, são evidentes inúmeras expressões da questão social que

só podem ser observadas ao aprofundar sua história, como sugere Wanderley:

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{...} a questão social implica questões de integração e inserção, reformas sociais ou revolução e as mais diversas correntes de idéias, buscando diagnosticar, explicar, solucionar ou eliminar as suas manifestações, pondo-se, no espaço e no tempo, na instituição da nacionalidade, na esfera estatal, na cidadania e na implantação do capitalismo tardio (WANDERLEY, 2008, p.64-65).

Assim, suas expressões perpassam as extremas desigualdades sociais

postas na estrutura social desde o início da exploração portuguesa, as lutas pela

Independência, implicando na gestão estatal no âmbito das políticas sociais, na

exclusão de segmentos populacionais do processo produtivo, a situação da

pobreza, bem como a situação do gênero, com destaque à questão da mulher

analisada neste estudo.

Diante dessa realidade, os angolanos uniram-se por meio de movimentos

que lutavam pela Independência como solução para os problemas acima expostos.

Mas como resolvê-los se os próprios sujeitos desse processo viviam sérias

dificuldades e “lutavam por objetivos e interesses divergentes”? Segundo Vieira

“{…} a par dos conflitos latentes, existia também um clima de ódio exacerbado que

se fazia sentir entre os nacionalistas” (VIEIRA, 2007, p. 56).

Esses movimentos que combateram de diversas formas pela Independência

do país, pondo em pauta as lutas de libertação, a identidade de um povo e o

autogoverno do país, chamaram atenção para:

{...} as desigualdades e injustiças reinantes na estrutura social, que vão se avolumar, por consequência das relações assimétricas de dominação e subordinação na produção, no poder político, na estrutura de classes, na estratificação e na elaboração do pensamento e da cultura (WANDERLEY, 2008, p.58).

No contexto exposto, particularmente sobre o processo de exploração social e

econômica, dominação política, ocupação territorial indevida, há evidências

explícitas de que não se respeitou a diversidade cultural angolana, nem as fronteiras

étnicas e muito menos as questões de gênero inerentes à sociedade. Foi uma

exigência o recurso às armas para o alcance da Independência e libertação de um

regime opressor, do qual resultaram várias demandas, conforme se evidenciará a

seguir.

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2.2 O período pós-Independência

A Independência de Angola, em 11 de novembro de 1975, constituiu um

marco histórico e social, relembrado continuamente, que impulsionou o país para os

novos desafios impostos pelo desenvolvimento. A ambição pelo poder e o

desentendimento entre as partes envolvidas nas lutas de libertação sob a influência

da comunidade internacional, marcaram o início de uma guerra civil entre angolanos,

que ocorreu em três períodos de grandes combates (1975-1991; 1992-1994 e 1998-

2002) e momentos de trégua, com impacto diferenciado em cada província e na vida

das pessoas.

Em 1975, a realização do “Acordo de Alvor” – entre os três movimentos

nacionalistas angolanos: o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA),

a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), a Frente Nacional

de Libertação de Angola (FNLA) e o governo de Portugal –, estabeleceu os

parâmetros para a partilha do poder em Angola.

Todavia com o desentendimento sobre a divisão do poder feita entre esses

três movimentos político-partidários que participaram na luta pela Independência de

Angola, deu-se início à guerra civil. Na realidade foi o começo de uma nova guerra

entre angolanos para o controle do país, indicando que com a Independência não

seria o fim da guerra em Angola. O apelo popular pela ampliação da participação e

solidariedade entre os diferentes movimentos não surtiu efeito, pois ainda se

pensava de maneira oportunista em relação ao poder político.

A herança deixada pelo sistema colonial no campo da Educação não era

animadora, especialmente, pelo elevado índice de analfabetismo do conjunto da

população. Com as orientações do MPLA, partido no poder, a alfabetização passou

a constituir tarefa prioritária (1976-1980), que levou à criação da Comissão Nacional

de Alfabetização em 1976.

Os fundamentos da visão marxista estavam em vigor com o novo governo. No

período pós-Independência, o governo adotou o socialismo como sistema político,

caracterizado pela apropriação dos meios de produção pela coletividade e realizou

ações significativas ligadas à Educação (Vieira, 2007).

O sistema de Educação baseou-se em princípios de universalidade, livre

acesso e igualdade de oportunidades;

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• Os primeiros quatro anos de ensino básico foram obrigatórios para todas as

crianças;

• E as campanhas de alfabetização de adultos buscaram reverter os níveis de

analfabetismo do período colonial, que era cerca de 90% no início da década

de 1970.

A tentativa de inovar surgiu, portanto, com a construção de um projeto de

Estado angolano por meio da implementação de um novo sistema de Educação e de

Ensino, que excluísse os princípios do sistema educativo colonial, conforme Vieira,

{…} “é neste quadro que foi promulgada a Lei nº 4/75 de 09 de dezembro, um mês a

seguir à Independência, que consagrava a nacionalização do ensino” (HENDERSON,

1990, p.397 apud VIEIRA, 2007, p.65).

É muito arriscado avançar, sem levar em conta os lugares por onde se

passou. O hoje é repleto de historicidade e complexidade, geralmente, expressão do

ontem e base para o amanhã, processos que devem estar sempre em conexão. No

entanto, a primeira medida da política educativa foi apagar tudo aquilo que marcou a

colonização, deixando claro de que não havia falta de consciência sobre as reais

necessidades socialmente postas pelo novo momento histórico. Isso pode ser

entendido talvez pela disputa desenfreada e “aparentemente cega” pelo poder entre

os movimentos de libertação, que lutavam isolados por um fim supostamente comum

que era a Independência de Angola.

É importante a contribuição de Monteiro:

{...} tal como a herança colonial, a atividade educativa dirigida às populações mais carentes, socialmente, ficava a cargo de instituições religiosas como as Missões. O Estado angolano surge com a política da Escola para todos, visando monopolizar todo o ensino vigente na então República Popular de Angola, de modo que a escola seja uma base revolucionária forte onde se forje o Homem Novo. As crianças eram orientadas com lemas revolucionários até nas escolas, segundo os quais a caneta é a arma do pioneiro e estudar é produzir (MONTEIRO, 2010, p.24).

Ao lado disso, os princípios da igualdade de oportunidades no acesso à

escola gratuita eram defendidos como forma de promover rápidas mudanças no

quadro social do país. Deste modo, a escola nova tinha a função de uniformizar as

diferenças étnicas e culturais com a promoção do “discurso da igualdade”, baseado

em enunciado político com o slogan “um só povo, uma só nação”. Essa realidade

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buscava a recuperação da identidade do angolano e estava sob a responsabilidade

do Ministério da Educação que deveria seguir as orientações do MPLA.

Por isso, podemos afirmar que entre 1975 e 1991, a mulher angolana viveu

um processo de adaptação à vida não colonial, de enfrentamento das lutas sociais e

ideológicas, um processo de mudanças econômicas, sociais, culturais, políticas e

religiosas, no plano nacional e mundial. A Independência conquistada na luta contra

o regime colonial português facilitou sua participação no mercado de trabalho,

especialmente no comércio, ou em serviços públicos.

À semelhança do contexto brasileiro, são esclarecedoras as reflexões de

Priori:

{...} surgiram outras oportunidades de emprego em profissões tidas como femininas: enfermeira, professora, funcionária pública, assistente social, educadora, vendedora, dentre outras que exigiam das mulheres certa qualificação e, em contrapartida, tornavam-nas profissionais remuneradas, o que exigiu maior escolarização das mulheres, gerando mudanças substantivas em seu status social (PRIORI, 1997, p.24).

A falta de infraestrutura educativa, de materiais e a evasão escolar eram

outros problemas que preocupavam o governo. Não há relatos sobre a existência de

parcerias entre os diferentes setores da vida social com a Educação.

De acordo com Vieira (2007) para dar resposta a esses problemas foram

recrutados indivíduos, que depois de passarem por uma formação “relâmpago” e

emergencial, foram inseridos como professores. Não são referenciados os dados

sobre a limitação que várias famílias impunham no acesso das mulheres à escola,

alegando que o lugar destas é em casa para cuidar dos afazeres domésticos, dos

maridos e dos filhos.

As mulheres foram especialmente afetadas pelas deficiências do sistema

educacional angolano. Durante a guerra, muitas crianças tiveram dificuldades em

estudar e as jovens eram preteridas em relação aos rapazes, pois como a família

não tinha condições de enviar para a escola todos os filhos, as jovens eram

direcionadas para as atividades domésticas.

Os argumentos para os preconceitos que emergiam em relação às mudanças,

tidas como base para um possível descuido da mulher de seus afazeres domésticos

e cuidados com o marido, contrariavam toda a sua educação sexista, de uma

sociedade patriarcal, considerados como uma ameaça à organização do lar e à

estabilidade do matrimônio.

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Lugar de mulher é o lar {…} a tentativa da mulher moderna de viver como um homem durante o dia, e como uma mulher durante a noite, é a causa de muitos lares infelizes e destroçados {…} felizmente, porém, a ambição da maioria das mulheres ainda continua a ser o casamento e a família. Muitas, no entanto, almejam ter uma vida dupla: no trabalho e em casa, como esposa, a fim de demonstrar aos homens que podem competir com eles no seu terreno, o que frequentemente as leva a um eventual repúdio de seu papel feminino. Procurar ser à noite esposa e mãe perfeitas e funcionária exemplar durante o dia requer um esforço excessivo {…}. O resultado é geralmente a confusão e a tensão reinantes no lar, em prejuízo dos filhos e da família (PRIORE, 1997, p.624).

É nesse contexto sócio-histórico conservador que a mulher foi se afirmando,

lutando e se desafiando a ultrapassar os determinismos ″naturais″ a ela atribuídos.

Nesse cenário, é urgente reconhecer no trabalho da mulher um meio de ela se

realizar e uma fonte de opções para o estabelecimento de igualdade na diferença,

perspectiva assumida pela abordagem deste estudo.

O trabalho doméstico é de responsabilidade de todos os membros da família,

apesar do papel atribuído à mulher como dona de casa e cuidadora. É preciso

admitir que o trabalho que ela realiza é digno e indispensável para a organização

social e familiar e que isso não a diminui como ser humano.

Nessa conjuntura sócio-histórica e política, verifica-se a intervenção de Cuba

e da União Soviética no cenário angolano. Vivendo sob o regime socialista, os

angolanos do MPLA que comandavam o Estado precisavam aprender a governar, a

gerir o país. O início foi de muitas dificuldades. Verificou-se a intensificação da

pobreza no seio das populações e a degradação dos serviços públicos, antes

direcionados à população colonizadora, em razão da insuficiência de profissionais

angolanos preparados para ocupar tais postos.

Comprovou-se a prática do trabalho informal, com maior realce pela

população, antes limitada no acesso à escola e ao trabalho remunerado, tendo em

vista pressupostos culturais e coloniais. Esta atividade passa a ser realizada pela

mulher angolana como contribuição à subsistência familiar e, também, na busca de

certa autonomia financeira em relação ao marido. Entre outras atividades, era feita a

venda de artigos artesanais como cestos, e de alimentos e bebidas, como milho,

feijão, mandioca e bebida caseira (aguardente, localmente denominada caxi,

capuca, kimbombo e maruvo). Entre as mulheres que exerciam trabalhos informais,

havia a peixeira, a quitandeira, a camponesa e as empregadas domésticas.

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O governo no poder procurava apoiar-se numa política revolucionária, mas

que não visava à constituição de sujeitos políticos; assim parecia revelar um caráter

opressor adquirido, talvez, do regime colonial. Isso levou a se questionar as razões

pelas quais o novo governo do pós-Independência estava reproduzindo a cultura do

medo e da opressão contra a qual tanto lutou.

Conforme evidencia Ducados (2000), o conflito permanecia entre os três

maiores partidos políticos: a FNLA, o MPLA e a UNITA. Houve muitas mortes nessa

luta entre angolanos e cresceu o fluxo de populações em busca de um lugar seguro

para se refugiar. Muitas mulheres cuidavam da família, enquanto os maridos se

escondiam para não serem mortos ou irem para a guerra; outras se adaptavam a

uma nova condição de mulheres chefes de família e viúvas, precisando trabalhar

para sustentar os filhos.

Ducados analisou relatórios sobre as atividades da Organização da Mulher

Angolana (OMA) e destacou:

{...} como ala feminina do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) teve uma influência crucial no apoio às forças guerrilheiras dentro e fora de Angola {...} seus membros contribuíam para a produção de alimentos para o exército guerrilheiro, organizavam campanhas de alfabetização e de cuidados básicos de saúde e transportavam armamento e alimentos a grandes distâncias {...} (embora) não existam estimativas do número de mulheres que participavam do exército guerrilheiro {...} os testemunhos orais indicam uma quantidade substancial (DUCADOS, 2004, p.2-3).

Para atender aos problemas socialmente postos em tempo de conflito havia,

por um lado o órgão do Estado denominado Assuntos Sociais, responsável pelo

apoio social, redistribuição de alimentos, vestuário, cobertores e outros bens de

primeira necessidade às populações que viviam em situações mais precárias. Por

outro lado, a resolução 626 do Conselho de Segurança estabeleceu a Missão de

Verificação das Nações Unidas em Angola (UNAVEM – United Nations Angola

Verification Mission), que teve um papel importante no processo de construção e

manutenção da paz em Angola. Esta Missão interveio de 1989 a 1981 na vida

política do país por meio da mediação no processo de paz, por exemplo, e à medida

que sua intervenção foi ficando comprometida, “ficou limitada a operações de ajuda

humanitária e à promoção dos direitos humanos” (ANSTEE, 1997, p.36).

A sociedade estava preocupada em aumentar a produção para voltar aos

índices de desenvolvimento econômico, alcançados em 1973 pelo governo colonial,

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os maiores da história de Angola naquele momento. Outra preocupação estava em

se revestir de novas ideias para fazer face à fome e à pobreza extrema. As

estimativas indicavam que 80% da população residiam em zonas rurais,

responsáveis pela produção agrícola. Havia necessidade de se investir mais na

formação de quadros profissionais e proporcionar condições de sobrevivência.

Ao mesmo tempo, com a intervenção do Estado, a sociedade pretendia

investir na recuperação da produção suína, bovina, avícola e caprina, com maior

incidência em algumas províncias como Luanda, Huíla, Kuanza Sul, Huambo e

Cunene, onde o ambiente era mais favorável.

De acordo com Vieira (2007), o sistema de Educação se desenvolveu dentro

de um quadro de guerra, de desigualdade e de crise econômica e social que se

verificou no país durante as décadas de 1980/1990. Trata-se de um sistema de

ensino voltado ao atendimento de questões emergenciais como a demanda da

maioria da população em idade escolar, ávida para aprender a ler e a escrever. No

entanto, sem infraestrutura suficiente para tal, em que crianças aprendiam debaixo

de árvores, escolas com salas abarrotadas de gente, situação que foi se

transformando com os passos de desenvolvimento que o país foi dando nos anos

seguintes.

A construção de relações sociais mais transparentes e democráticas

precisava iluminar este contexto que parecia nublado para muitos angolanos, pois o

trabalho social parecia olhar mais para os interesses do Estado – diante da gestão

do conflito –, do que para a sociedade que aspirava a livre circulação, a vida e a paz.

No início da década de 1990, o país defronta-se com a transição do regime

socialista para o capitalista, que deu origem à propriedade privada, a uma maior

valorização do capital e à livre concorrência no mercado. Uma nova demanda

passou a orientar a economia e a sociedade gerando uma serie de dificuldades no

seio da população, com o surgimento de formas autônomas de busca por melhores

condições de vida, o “{...} agravamento de um sistema de desigualdades sociais

projetadas por conflitos e lutas sociais {...} (e) a possibilidade do encolhimento da

emancipação dos direitos e garantias sociais” (TELLES, 2006, p.23).

Conforme Robson e Roque (2001, p. 83), desde 1990, o investimento público

do Estado decaiu até nas grandes cidades, porém, tais deficiências gerais do Estado

foram reduzidas pelo impacto do investimento privado na construção de tanques de

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água, motobombas, escolas e clínicas privadas, telefones móveis e viaturas

privadas, assim como pelos investimentos individuais.

Em 1991, foi assinado o Acordo de Bicesse, promovido por Portugal, entre

representantes da UNITA e do MPLA, no qual as partes estabeleceram um cessar-

fogo e programaram a realização das primeiras eleições livres e democráticas em

Angola, supervisionadas pelas Nações Unidas. Ressalte-se que os militares de cada

movimento seriam integrados nas Forças Armadas Angolanas (FAA). Seguiu-se um

momento efêmero de tranquilidade para os angolanos. Esse acordo foi também

possibilitado pelo fim da guerra fria, pelo desejo da União Soviética e Cuba em

reduzir os encargos financeiros com Angola – que vivia o regime socialista –,

facilitando a cooperação desses com os Estados Unidos da América (EUA).

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU)

estabeleceu a segunda missão para Angola, a UNAVEM II (1991 a 1995), com a

responsabilidade de observar e verificar o processo de desarmamento, apoiar a

criação de um novo exército nacional único, supervisionar a desminagem12 prover

auxílio humanitário e facilitar a extensão da autoridade do Estado por todo o território

angolano.

O corpo de funcionários da UNAVEM II era formado por 350 observadores militares não armados, 90 observadores de polícia não armados (mais tarde aumentado para 126) e 100 observadores eleitorais (aumentando para 400 durante as eleições). O orçamento inicial era de 132,3 milhões de dólares americanos, posteriormente aumentado para 18,8 milhões de dólares em reconhecimento das tarefas ligadas às eleições (ANSTEE, 1997, p.55).

A intervenção da ONU mostrou que sua missão, definida como de verificação

e de monitoramento, não era nem de construção de paz, nem de mediação, nem de

manutenção de paz, nem de imposição de paz.

Como representante especial da ONU, Margaret Anstee13 argumentava que

os países mais intimamente ligados a Angola queriam que a paz fosse restaurada,

12 É o processo pelo qual são retiradas ou desativadas minas colocadas ao longo da guerra em campos cultivados, aldeias e zonas afins frequentadas pela população, com o intuito de matar pessoas e destruir espaços. 13 Margaret Joan Anstee, formada em línguas modernas e medievais, serviu a ONU de 1952 a 1993, exceto no período de 1967-68. Foi pioneira em muitas áreas não abertas à participação das mulheres. Em 1987, passou à categoria de Subsecretária-Geral e, em 1992, foi nomeada Representante Especial do Secretário-Geral em Angola e a chefe da missão de manutenção da paz da ONU, da qual saiu em julho de 1993. Margaret Anstee é autora de várias obras acerca da ONU e sobre questões de desenvolvimento entre as quais se destaca: Bolívia: Gate of the Sun (P.S.

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mas desejavam uma “solução rápida”, particularmente as duas superpotências, as

principais protagonistas da Guerra Fria. O resultado foi um acordo defeituoso desde

o início, e um papel marginal para a ONU, fadado a ser ineficaz. Quando a

Resolução 747 do Conselho de Segurança prolongou o mandato da UNAVEN II e

autorizou o orçamento eleitoral de 18,8 milhões de dólares, Anstee descreveu seu

mandato em Angola com a famosa frase, é como pilotar um 747 com combustível

suficiente apenas para um DC-3 (ANSTEE, 1997, p.61-63).

Em 1992, pela primeira vez na sua história, Angola realizou eleições e o povo

angolano exerceu um direito democrático, votando com a pretensão de eleger seus

representantes ao governo. A ambição pelo poder e a necessidade de transparência

nesse exercício facilitou o reacender de uma guerra civil, uma luta entre os partidos

políticos com melhor desempenho nas eleições: de um lado Jonas Savimbi,

representante da UNITA e, de outro, José Eduardo dos Santos, do MPLA e

presidente de Angola desde 1978. Esta é uma nova fase, a mais intensa da

continuidade do conflito armado entre as partes.

A missão da ONU declarou as eleições realizadas em setembro de 1992

como ‘‘livres e justas’’, uma afirmação apoiada pelos Estados Unidos, Comunidade

Europeia, África do Sul e por outros observadores internacionais. Todavia, com a

contestação dos resultados pela UNITA, a guerra voltou à Angola algumas semanas

depois das eleições. O fracasso das tentativas de negociação de Anstee visando

obter um cessar-fogo levou o Conselho de Segurança a responder com a redução

de seu pessoal e “intervenção” e, posteriormente, com a retirada completa de todo o

pessoal militar da UNAVEM. Muitos angolanos sentiram-se desencantados pelo

fracasso desse período de transição, acreditando que uma intervenção decisiva

seria possível no quadro dos poderes da UNAVEM.

De acordo com (VINES apud ANSTEE, 1997, p.125-129), tanto o governo como

a UNITA responsabilizaram a ONU por não ter cumprido os Acordos de Bicesse. No

entanto, segundo o investigador britânico Alex Vines em setembro de 1992, o

governo angolano (MPLA) transferiu forças especiais para Malanje com ordens para

lançar palavras de ordem contra a ONU durante o dia e disparar armas à noite. A

Eriksson, 1971) e Orfão da guerra fria: Radiografia do Colapso do Processo de Paz Angolano 1992/93 (Campo das Letras, 1997).

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maioria dos tiros eram trocados entre partidários da UNITA e do MPLA, mas alguns

eram dirigidos às instalações da ONU.

No início dessa fase, as populações das demais províncias afetadas, afluíram

à cidade de Luanda em busca de tranquilidade e segurança. Algumas levaram seus

bens e procuraram sobreviver por meios próprios, outras se refugiaram em casa de

parentes, invertendo o processo migratório, o que fez com que a maioria da

população saísse do campo para a cidade em busca de segurança e melhores

condições de vida.

É um período de transição para o multipartidarismo, em que, do ponto de vista

táctico, segundo Pereira (2004, p. 9), a Organização da Mulher Angolana (OMA)

abandona seu estatuto de organização relacionada com o governo para o de

organização político-partidária do MPLA. Em 1991, foi criada a Secretaria do Estado

para a Promoção e Desenvolvimento da Mulher (SEPMD) que passa a assumir

funções, semelhantes as da Organização da Mulher Angolana, junto ao governo.

Essa guerra civil caracterizou-se por um conflito parcial para gerações mais

jovens, porém geral para o conjunto da sociedade que vivenciou todo esse período

de guerra, envolvendo a população civil de forma direta e ativa, dividindo-a em

“bandos” que lutavam armados, dando força ao conflito. Nesse processo, inseriram-

se pessoas, por vezes com pouca ou nenhuma preparação para a guerra, como

mulheres e crianças.

Com a ausência de dados oficiais seguros sobre o número de vítimas da

guerra, as notícias eram repassadas por pessoas ou jornalistas que registravam e

gravavam informações ou escreviam sobre as experiências de guerra. Por meio

desses dados divulgados nos meios radiofônicos foi possível conhecer alguns

acontecimentos e consequências dramáticas da guerra: "Mais de 180.000 angolanos

conseguiram refugiar-se na Zâmbia, alguns chegaram mutilados pelas minas, outros

cegos; entre estas muitas mulheres e anciãos que já não estavam em condições de

atender-se a si mesmas" (MARQUE, 2001 apud DUCADOS, 2004, não paginado).

O conflito apontado como uma das bases impulsionadoras da situação de

pobreza de Angola promoveu impactos diferenciados nas condições de vida da

população. Particularmente, gerou insegurança no cotidiano de mulheres, crianças e

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idosos, que constituíam os grupos mais vulneráveis; cerca de 80% da população

encontrava-se internamente “deslocada14”.

As mulheres sofreram as consequências diretas da guerra de maneiras

diversas. Além do grande número de mulheres que morreram em consequência de

combates, também se reconhece que muitas eram responsáveis pela coleta de

alimentos, outras ficaram viúvas, perderam seus filhos com a guerra, aumentando

assim o número de mulheres encabeçando lares (DUCADOS, 2004).

Os dados recolhidos em 1993, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em

Luanda, estimam que 30% das mulheres economicamente ativas eram analfabetas

contra 7% dos homens. O referido relatório forneceu ainda a percentagem de 79%

de desemprego para as mulheres, contra 53% para os homens (ANGOLA. PNUD,

1997). Por outro lado, no trabalho formal as mulheres empregadas representavam

17% do total contra 82% de homens; no trabalho informal elas já representavam

55% contra 44% de homens (DUCADOS; FERREIRA, 1998, não paginado).

Esses dados são o reflexo das condições socioeconômicas e políticas aliadas

ao fato de que muitas empresas faliram ou foram obrigadas a fechar pelo conflito.

Outras foram roubadas pela população durante a guerra, colocando à disposição um

número considerável de desempregados, cujas famílias precisaram aprender a

sobreviver por outros meios diferentes do trabalho formal antes realizado por alguns

de seus membros.

A violência e a criminalidade contrastavam com os comportamentos dos angolanos com quem entrávamos em contacto. Eles eram invariavelmente amigáveis e muito educados, e pareciam, individualmente, muito pacíficos. Além disso, mostravam-se quase sempre sorridentes, embora tivessem poucas razões para sorrir. As mulheres em particular eram magníficas. Elas são a verdadeira força de trabalho em Angola, como, aliás, em quase toda a África. São elas que labutam arduamente e carregam os fardos mais pesados – carregam, aliás, quase tudo, normalmente à cabeça. Foram elas que suportaram o peso destes longos anos de guerra, tentando alimentar e cuidar das suas famílias em circunstâncias de inacreditável aperto, enquanto os seus homens estavam na frente de batalha, perdendo maridos, filhos e irmãos em batalhas sem sentido, ou recebendo-os de volta, normalmente mutilados para toda a vida. Angola possui um dos mais elevados índices de mutilações de todos os países do mundo. Nunca tinha visto tantos jovens só com uma perna, ou sem um braço, ou totalmente incapacitados (ANSTEE, 1997, p.226).

14 Considera-se “deslocada”, a parcela populacional que migrou internamente ou externamente em função da guerra civil, seja para fugir da zona de conflito, para localizar parentes, buscar emprego, estudo e melhoria das condições de vida.

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As primeiras iniciativas de trabalho foram identificadas pelas mulheres que

buscaram fazer algum negócio por meio da venda de produtos em casa, no

mercado, ou na zunga; em outros casos se prostituíram.

Para a maioria da população que tinha empregadas domésticas, tornou-se

impossível arcar com o salário destas e muitas mulheres perderam seus trabalhos.

Por outro lado, parte da população residente no meio rural se refugiou nos centros

urbanos, outra vivia fugindo de um lado para o outro, mas ambas em busca de

segurança, quer em termos físicos, sociais, como em relação à sua sobrevivência.

Nesse movimento migratório, muitas mulheres acionaram minas, morreram ou

ficaram mutiladas, o que agravava ainda mais a situação.

Algumas destas pessoas, que fugiram da guerra e se alojaram nas cidades,

trouxeram consigo a família, ou fugiram em circunstâncias que não permitiram trazer

sua família ou enviaram apenas sua prole. Esses fluxos migratórios contribuíram

para o surgimento de algumas organizações não governamentais (ONGs) nacionais

e estrangeiras, que se instalaram em Luanda atendendo às demandas sociais dessa

população e abrindo seu trabalho a outras províncias. Situavam suas ações como de

emergência, em programas “humanitários” para atender pessoas desnutridas e

carentes de quase tudo.

A guerra e seu impacto aumentaram o fardo de trabalho das mulheres, já que elas assumiram uma responsabilidade maior pelas atividades geralmente desenvolvidas pelos homens, como a provisão do lar, disciplinar os filhos, construção e reparação de casas, contacto com os líderes comunitários e funcionários governamentais, e cumprimento das obrigações sociais e religiosas. Muitas continuam a desempenhar essas tarefas mesmo em tempo de paz, mormente porque os maridos morreram ou abandonaram o lar. Os rendimentos das mulheres no setor informal da economia começaram a causar um sério conflito cultural pondo em causa a capacidade dos homens de ganhar rendimentos e o papel tradicional dos dois sexos na família. Essas mudanças implicam parcialmente a evidência crescente de uma explosão de violência doméstica contra mulheres e crianças desde o início dos anos 90 (DUCADOS, 2004, não paginado).

Isso mostra que enquanto os homens foram para a guerra, muitas mulheres

assumiram o lar de forma particular e para tal, passaram a ter uma vida mais social

ao frequentarem a igreja, ao zelarem pela educação dos filhos, uma possibilidade

para muitas acessarem ao mundo do trabalho mesmo que informal tendo em vista a

sobrevivência dos filhos.

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A maioria da população que afluiu aos centros urbanos, especialmente à

Luanda, não conhecia outro modo de vida a não ser pelo cultivo da terra ou pela

ajuda humanitária15 Mesmo impossibilitadas de cultivar ou criar animais na cidade,

registraram-se casos de famílias que acolheram parentes em prédios, que criavam

galinhas, patos e usavam o pilão para pisar o milho, ou o bombó16 para o consumo.

Algumas pessoas acolhidas por familiares sentiram o peso de sua

permanência e recomeçaram suas vidas buscando outras formas de trabalho.

Certas famílias receberam o apoio do governo, outras ao se sentirem desamparadas

ocuparam os chamados “núcleos marginais”: espaços da cidade, ou edifícios

ocupados, utilizados como residência, pela população pobre ou “deslocada” de

guerra, onde a presença feminina era predominante.

De 1993 a 1994, com o acalmar da guerra em algumas zonas urbanas, foi

possível uma maior comunicação, mas não havia livre circulação de pessoas e bens.

As minas estavam em quase toda a parte, muitas com o formato de brinquedo para

crianças.

Conforme Pereira (2004), no crepúsculo de 1990 e no limiar de 2000, os

setores petrolífero e diamantífero controlados pelo Estado tornaram-se principais

fontes de captação de receitas, quer para fazer frente à guerra quer para a

realização e implementação de algumas políticas sociais. Isso para referenciar que,

ao mesmo tempo, que esses setores captaram receitas, eles também empregaram

mão de obra considerável, evitando acentuados desequilíbrios sociais.

As mulheres tiveram um papel determinante na sobrevivência das famílias,

além do seu tradicional legado de mãe e cuidadora, era ela que geralmente

transportava na cabeça água para o consumo, pedia esmola ou fazia alguma

atividade informal para gerar renda.

Em 1997, a Secretaria do Estado para a Promoção e Desenvolvimento da

Mulher (SEPMD) foi transformada em Ministério da Família e Promoção da Mulher

(MINFAMU), porém, tratava-se de instância e política pública não prioritária para o

governo angolano, pois em seu primeiro ano de funcionamento contava com 300

funcionários em todo país. Dentre estes, apenas 22 tinham formação superior, 15 Com o início da guerra, a maioria das empresas foi alvo de pilhagem (roubo) feita também pela população, o que paralisou o mercado de trabalho em muitas províncias do país; as pessoas perderam sua fonte de renda e passaram a sobreviver exclusivamente de ajuda humanitária fornecida pelo Programa Alimentar Mundial (PAM) ou pela Caritas. 16.Bombó são pedaços de mandioca descascada e demolhada, que depois de fermentado ou seco é moído ou pisado, resultando na farinha de mandioca.

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sendo ainda o ministério com menor dotação orçamentária, de 0,02% no Orçamento

Geral do Estado.

Para Pereira (2004, p.9), essa restrição orçamentária ao MINFAMU fica mais

evidente quando comparada à verba de outros ministérios igualmente de baixa

dotação orçamentária como, por exemplo, o Ministério da Administração Pública,

Emprego e Segurança Social (MAPESS) com 0,33%; o Ministério da Assistência e

Reinserção Social (MINARS) com 0,49%; o Ministério da Juventude e Desportos com

0,35%. A diferença orçamentária fica ainda mais acentuada, principalmente, se

comparada com a dos ministérios com maior dotação como é o caso do Ministério

do Interior com 6,83% e o do Ministério da Defesa com 14,30%.

A conjuntura política de 1998-2002, período final da guerra civil17 expôs a

sociedade angolana a um cenário de medo; insegurança; desconfiança; inibição;

corrupção; egoísmo; desespero; revolta e de descrença que se refletiam nas

expressões da questão social em Angola e, principalmente, em Luanda.

Marcas dessa realidade puderam ser vistas na vulnerabilidade de segmentos

sociais de crianças, mulheres e idosos, as maiores vítimas de uma violência

silenciosa e contraditória em um contexto como o angolano, em que se prezava a

solidariedade, o respeito pela mulher e o idoso, além do cuidado com a criança.

Essa vulnerabilidade se expressa pela presença de crianças e idosos nas

ruas sem abrigo; os abandonados; os desamparados pela perda da família na

guerra; os que fugiram de casa, não por questões afetivas com a família, mas pela

situação de carência que ela enfrentava. Muitas famílias viram-se impossibilitadas

de amparar seus órfãos e garantir acesso das crianças à escola, à saúde, à

segurança de um lar, ao alimento de cada dia, enfim, ao básico para viver

dignamente. Por seu lado, o Estado também teve dificuldade de responder às

necessidades da população, especialmente nos quesitos: Paz, Saúde, Educação,

Emprego, Habitação e Segurança.

Prevalecia a emergência no atendimento das demandas sociais: a segurança

alimentar era central, mas limitada pela presença de minas nas zonas de cultivo. O

trabalho de retirada dessas minas realizava-se em algumas áreas, porém era muito

caro e lento, já que a guerra prosseguia (DUCADOS, 2004).

17 A guerra civil em Angola foi travada em três períodos de grandes combates e por períodos de paz: 1975-1991, 1992-1994 e 1998-2002.

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A população das províncias continuava fugindo para Luanda em busca de

refúgio, mas a cidade não oferecia condições habitacionais adequadas para

acomodar tanta gente. Além disso, chamavam atenção: o agravamento do

saneamento da cidade com rede de esgoto praticamente disfuncional; a degradação

da infraestrutura social; as escolas insuficientes para atender à demanda de

pessoas em idade escolar; o aumento do número de pedintes pelas ruas; a

violência; as famílias mostravam-se incapazes de satisfazer as necessidades de

seus membros; o crescimento da prostituição feminina e do número de crianças na

rua e de órfãos; além da presença de pessoas com deficiência física e mental nas

ruas.

Em 2002, durante a guerra, com a morte de Jonas Savimbi, presidente da

UNITA, as partes envolvidas UNITA e MPLA assinaram o Acordo do Lwena, que firmou

o fim da guerra civil em Angola. Esse acontecimento cumpriu as obrigações firmadas

pelo Acordo de Lusaka, tratado de paz assinado, em 1994, e criou as condições de

sua efetivação: a UNITA deixou de ser um movimento armado e passou a ser uma

força política.

Nesse sentido, no âmbito das Nações Unidas em Angola que realizou

sucessivas ações de paz, foi criada a Missão de Observação das Nações Unidas em

Angola (MONUA 1997-1999), que visava ajudar os partidos políticos na construção da

paz e da reconciliação nacional. Instalou-se um clima de confiança propício ao

desenvolvimento democrático e à reconstrução do país. Posteriormente, foi aberto o

Escritório da ONU (UNOA 1999-2002) em Angola, encarregado de mediar relações

entre as autoridades civis e políticas, explorando medidas para a estabilização da

paz. Na sequência surge a Missão das Nações Unidas em Angola (UNMA 2000-

2003 – United Nations Mission in Angola) com ações direcionadas à reestruturação

das instituições governamentais tendo em vista à promoção de direitos humanos e

de assistência humanitária às populações em conjuntura posterior ao conflito

armado.

Em todas essas missões, foi significativa a participação de agentes do

exército brasileiro, quer na modalidade de “capacetes azuis18”, quer como

mediadores mais diretos do processo de paz em Angola.

18 Capacetes Azuis são os soldados das Nações Unidas, vindos de muitos países, encarregados da manutenção da paz.

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3. O momento da paz em Angola

A chegada da paz constituiu para o povo angolano, mais do que o calar das

armas, uma vida nova, com desafios, em um momento em que a esperança já não

se fazia presente no interior de muitas famílias. Era visível no rosto das mulheres e

homens angolanos a apreensão que tinham quanto às condições de sobreviverem

em tempo de paz, tão acostumados estavam ao tempo de guerra. Ainda assim, os

angolanos, com o Acordo de Lwena em 2002, reiteraram que a paz, seu maior bem,

era determinante do crescimento econômico e do desenvolvimento do país.

O sustento de muitas famílias estava ligado às organizações internacionais de

ajuda humanitária como o Programa Alimentar Mundial (PAM) e a Caritas, além do

trabalho de ONGs. Voltar a trabalhar era uma alternativa, mas depois de tantos anos

sem um emprego, muitas pessoas sentiram-se como se tivessem que reaprender

seu ofício para serem inseridas no mundo do trabalho. O recomeço foi difícil para as

famílias e, em particular, para angolanas e angolanos que tiveram que decidir entre

o regresso à localidade de origem e a retomada da vida em local que outrora servira

apenas de refúgio.

A pobreza e a fome continuaram sendo, na maior parte do país, flagelos

sociais, expressões da questão social, geradoras de fortes obstáculos ao progresso,

constituindo um entrave ao desenvolvimento. Neste contexto, existiam problemas

como o analfabetismo, saúde precária, baixa produtividade econômica, acesso

inadequado a bens essenciais, além de outros fatores, formando um conjunto de

limitações sociais, históricas, econômicas e culturais. Este impôs às populações,

condições precárias de vida, privando-as das oportunidades colocadas pelo

Relatório Angolano dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ANGOLA.

MGD/NEPAD, 2010, grifo nosso).

As mudanças estruturais e conjunturais ocorridas na economia angolana

desde 2002, incluindo o período de crise, podem ter contribuído para atenuar os

efeitos da instabilidade econômica sobre a pobreza. Para ilustrar essa realidade

sobre a repartição do Produto Interno Bruto (PIB) angolano em 2002, vê-se o gráfico

com dados oficiais.

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GRÁFICO 1 – REPARTIÇÃO DO PIB EM 2002

Fonte: MGD/NEPAD, 2010.

Todavia, os dados do MGD/NEPAD, de 2010, revelam que, em 2002, o setor

não petrolífero passou a apresentar maior dinamismo do que o petrolífero e as

atividades típicas do setor não petrolífero, em consequência, passaram a ter maior

importância na composição do PIB angolano, conforme ilustra o gráfico a seguir.

GRÁFICO 2 – REPARTIÇÃO DO PIB EM 2009

Fonte: MGD/NEPAD, 2010.

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Com uma mudança radical, pode-se observar que, de 2002 para 2009, a

participação da agricultura no PIB nacional cresceu de oito para 11%, os serviços de

14 para 22% e a construção de três para 8%. Isso revela uma melhoria significativa

pela redução do percentual de participação do PIB petrolífero e de outros, em favor

dos setores de agricultura, serviços, construção e indústria transformadora. Todavia,

o PIB petrolífero prevalece superior em relação à produtividade dos demais setores

da sociedade.

Os protocolos de paz assinados no Acordo do Lwena, em 2002, foram

fundamentais no apaziguamento das relações sociais, pois uma parte da população

ainda vivia ressentida, culpabilizando os angolanos pertencentes à UNITA pelas

perdas familiares e materiais e pela desestruturação de suas vidas. Isso gerou um

ambiente de tensão que exigiu para muitas ONGs um reposicionamento de ações

em torno da cidadania, poder local, paz, reconciliação nacional e resolução de

conflitos. Foi prioritária a:

{...} reinserção social de cerca de quatro milhões de Angolanos deslocados ou refugiados pela guerra incluindo 300 mil militares desmobilizados e suas famílias, numa realidade em que se admite que a pobreza atinja mais as mulheres residentes nas áreas urbanas do que nos subúrbios, onde normalmente se alojam as mulheres do sector informal (ANGOLA. MGD/NEPAD 2003, p.13).

Assim, em 2004, foi firmado o Protocolo de Lusaka, no qual, MPLA e a UNITA

decidiram formar um Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) que

vigorou até 2008.

Entre as principais ações reinantes na sociedade até 2009, ainda persiste a

grande preocupação sobre a meta de redução da pobreza em Angola, sendo que os

dados revelam certo progresso, conforme os resultados do IBEP de 2010. Estes

apontaram que a proporção de pessoas com rendimento inferior a um dólar por dia,

de 68%, em 2001, passou para 36,6%, em 2009, representando quase 93% do valor

desejado para 2015 – máximo de 34% de pobres.

No entanto, ainda há grandes disparidades territoriais com relação à pobreza.

De acordo com o IBEP (2010), em 2009, a proporção de pobres na zona urbana era

de 18,7%, quase metade do índice nacional, enquanto a zona rural pobre

representava 58,3% do total da população do interior do país. Em cada 100

habitantes do meio rural, 58 são pobres, enquanto nas áreas urbanas essa relação é

de 19 para 100, portanto, havia maior incidência da pobreza na zona rural.

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No que se refere à condição feminina na sociedade angolana, a recorrência a

Montesquieu (2005) em sua obra sobre o Espírito das Leis ao se referir à condição

das mulheres nos diferentes governos faz alusão que “{...} nas repúblicas, as

mulheres são livres pelas leis e cativas pelos costumes {…}” (MONTESQUIEU, 2005,

p.113).

Esta alusão descreve a realidade de muitas mulheres em Angola e reforça o

caráter histórico da submissão da mulher ao marido, à família, à sociedade e ao

Estado, situação que exige uma luta conjunta, um olhar e posicionamento sobre a

mulher no sentido de não torná-la vítima, mas que ela possa se “autonomizar pelo

trabalho criativo, pela arte, pela ciência e pela moral”, conforme sugere Heller (1972,

p. 24-25).

À luz dos objetivos da Declaração do Milênio produzida pelas Nações Unidas,

o 3º propõe-se promover a igualdade de gênero. Dentro dessa perspectiva, o

relatório regional do desenvolvimento humano da Comunidade para o

Desenvolvimento da África Austral (SADC) aponta que a região fez “alguns

progressos nos últimos 30 anos, tendo conseguido uma mais equitativa distribuição

entre homens e mulheres dos benefícios do desenvolvimento, além de continuarem

a aumentar vertiginosamente os níveis de educação respeitantes a mulheres”

(ANGOLA. PNUD/SADC, 1998, p. 55-56)

Apesar desses dados animadores, o relatório indica diferenças entre os

sexos, mostrando que, até a década de 1950, as mulheres eram mais pobres que os

homens na região da SADC pela ausência de emprego em razão de políticas

coloniais e de pressupostos culturais. No caso das mulheres, a:

{…} permissão para trabalhar como empregadas domésticas para os colonos brancos, uma forma de emprego que, na realidade era um prolongamento do seu papel reprodutivo, a maior parte delas permaneciam prisioneiras da pobreza nas terras da tribo ou na terra natal, onde o seu papel económico era fundamentalmente traduzido na produção de subsistência para a sobrevivência de suas famílias, uma situação que prevalece ainda hoje (ANGOLA. PNUD/SADC, 1998, p.56).

O processo em direção à consolidação da paz em Angola orientou o país para

a (re) construção humana e da infraestrutura para a prestação de serviços à

população. Apesar de 2003 a 2010 ter sido um período de mudanças políticas,

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econômicas e sociais no plano material e de valores Angola era reconhecida

sobretudo como canteiro de obras, especialmente Luanda como capital do país.

O crescimento econômico e a mudança na composição do PIB do país foram

direcionados em favor de atividades mais empregadoras como a construção civil, os

serviços e a agropecuária, que levaram certamente a uma expansão do emprego no

período de 2000 a 2008.

Em 2009, registrou-se um aumento considerável no poder de compra da

população, apesar do salário-mínimo ser de 150 dólares, valor auferido pela maioria

da mão de obra angolana, tida como “indiferenciada”, patamar muito baixo para a

garantia de condições de vida mínimas, conforme aponta Pestana (2011, p.73).

De acordo com dados do Ministério do Planejamento (ANGOLA. MGD/NEPAD,

2010, p. 23), a correlação entre emprego e crescimento é comprovada

empiricamente nos estudos econômicos, embora a dinâmica do emprego a

mudanças da taxa de crescimento dependa do tipo de atividade econômica em

expansão, razão das diferenças de tecnologia e produtividade da mão de obra.

Desta forma, são visíveis os movimentos da economia formal na economia

angolana, com o crescimento paralelo das atividades do setor informal,

compreendendo desde trabalhadores autônomos a microempresas informais do

comércio, pequenos serviços e vestuário.

Ainda assim, embora não esteja disponível a estatística oficial sobre a taxa de

desemprego medida pelo Inquérito ao Emprego em Angola (IEA), dados do IBEP

(ANGOLA. INE/IBEP, 2008-2009) indicaram que, em 2009, os desempregados

correspondiam a 20% da população na faixa etária de 15 a 64 anos. Esse dado não

é revelador da real situação do desemprego que o país vive, informação reforçada

pelo Relatório Social de Angola, que ao colocar os dados oficiais no modelo da taxa

de desemprego do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade

Católica de Angola (CEIC) aponta uma taxa geral de desemprego de 21,8%, valor

superior ao apresentado oficialmente.

Como se sabe não existem – praticamente desde a independência nacional – informações sobre o emprego/desemprego no país. Como, de resto, as não havia no tempo da Administração colonial. Parece tratar-se mais de uma variável política do que económica, tantos são os receios que se levantam à divulgação de dados reais e efectivos (PESTANA, 2011, p.74).

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Mesmo diante desse quadro, pode-se observar, com o reassentamento da

população que se encontrava fora de sua área de origem, o aumento e melhoria em

termos de investimento privado, o trabalho do MAPESS com algumas medidas de

incentivo ao emprego e alguma atenção dada aos jovens em busca do primeiro

emprego. Destaca-se, também, o aumento significativo do investimento público na

área de construção, reconstrução, reabilitação e modernização de infraestrutura

física no país, investimento que, em 2005, foi de 1,5 milhões de dólares, em 2006,

de 5,4, em 2007, de 7,1 e, em 2008, de 11,9 milhões de dólares, como indica

Pestana (2011, p.74).

Esse mesmo autor mostra que, de acordo com o MAPESS, em 2009, foram

criados mais de 385 mil novos postos de trabalho e, em 2008, já haviam sido criados

310 mil, incluídos os da Administração Pública, que possuía, aproximadamente, 296

empregados. Ainda em 2009, ano em que decorre uma crise econômica mundial,

com repercussão na realidade angolana por causa do aumento das taxas de

desemprego e redução das exportações verifica-se a presença e a importância do

trabalho informal.

Registra-se o aumento do número de pessoas exercendo a venda ambulante

como: as mulheres, jovens e crianças e antigos combatentes. Por outro lado, pode-

se observar, também, a presença de crianças, idosos e pessoas com deficiência

física e mental pedindo esmolas pelas ruas das cidades. O índice de violência

infantojuvenil na capital do país disparou, consideravelmente, e entraram em cena

grupos marginais “organizados”, as chamadas gangues, que assaltavam, agrediam

e matavam indivíduos pelas ruas.

Inúmeras vezes, os vendedores ambulantes foram confundidos como

delinquentes nas ações de repressão do Estado. Aliada a essa visão, alguns

representantes do governo concebiam o trabalho informal com preconceito e com a

violência que aumentava nas ruas de Luanda, entendia-se que a sociedade

precisava se proteger e lutar contra essa situação, mesmo na “impossibilidade de

eliminar seus sujeitos”, conforme depoimento abaixo:

O setor informal é como o mosquito do plasmodium, quando pica, ele apenas procura sobreviver, mas como consequência, transmite doença ao corpo humano (economia). Deve-se portanto lutar para eliminar o plasmodium, considerando que é impossível eliminar o mosquito (NETO apud CARDOSO, entre 2003 e 2007, p.48).

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Por outro lado, verifica-se o aumento da dívida que o Estado angolano tem

com a China. O valor está em torno de quatro milhões de dólares (cerca de três

milhões de euros) de crédito concedidos pelo governo chinês a Angola, em 2004,

para ser investido na construção de empreendimentos públicos, uma dívida que

promete levar gerações para ser quitada. Estes superam sempre o tempo previsto

para serem edificados, muitas vezes ficando sem funcionar por falta de quadros

especializados, ou de equipamentos e demais meios de trabalho. Neste caso,

depois de dois anos de funcionamento, muitos edifícios apresentaram rachaduras,

infiltração e problemas semelhantes.

Em 2008, foram realizadas apenas as segundas eleições legislativas (menos

as presidenciais), que garantiram a permanência do anterior governo, o que

possibilitou a aprovação da nova Constituição do país em 2010, na qual entre outros

aspectos, Angola adota o regime presidencialista.

O MPLA prometeu por ocasião das eleições, em 2008, investir seis milhões

de dólares (4.500 milhões de euros) na construção de infraestrutura social ligada à

Educação, à Saúde, a Telecomunicações, à reabilitação e à construção de mais

estradas19. Com essas medidas, poderão aumentar o nível de desenvolvimento de

setores como a agricultura, serviços e construção civil, bem como da participação

desses setores no PIB angolano, prevendo-se melhorias em relação aos dados de

2009 presentes no Gráfico 2, reafirmando Angola como um canteiro de obras,

sempre em (re) construção.

Os dados do Instituto Nacional de Estatística (ANGOLA. INE/IBEP, 2010, p.7)

disponíveis, que constituíram a amostra do IBEP 2008/09, estimam que Angola

possua uma cifra aproximada de 16.367.879 milhões de pessoas, destas 7.878.968

são homens, constituindo 48% da população do país; e 8.468.911 são mulheres,

representando 52% do total de habitantes.

Dentre estes, a proporção de agregados familiares nas áreas urbanas vivendo

em condições não apropriadas, no que diz respeito à habitabilidade é medida,

segundo o INE (ANGOLA. INE/IBEP, 2010, p.44), pela qualidade da construção,

regime de ocupação, lotação, abastecimento de água e condições de saneamento

da habitação. Nessa perspectiva, cerca de 90% dos agregados que residem em

cidades vivem em condições não apropriadas, possuindo provavelmente baixa

19 Propostas do Programa de Governo do MPLA para 2008-2012, que prevê, também, a construção de um milhão de casas até 2012.

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qualidade de vida. A contribuição das diferentes variáveis para essa elevada

percentagem apresenta diferenças significativas, sendo a qualidade da construção

da habitação a que mais contribui, com 78%.

Em Angola, 61% dos agregados utilizam-se, sobretudo, da lenha e do carvão

como fonte de energia para cozinhar, aqui considerados em conjunto pela sua

origem na biomassa. O gás aparece como segunda fonte de energia para cozinhar,

com 33%, sendo que apenas 4% usam petróleo (ANGOLA. INE/IBEP, 2010).

A educação considerada como central no desenvolvimento do país tem

desenvolvido programas administrados pelo Ministério da Educação (MED), visando

primordialmente, garantir que as crianças completem o ensino básico com

qualidade, podendo posteriormente continuar seus estudos de forma a fazerem face

às demandas e à procura, sobretudo, do mercado formal de trabalho.

O sistema educativo angolano é constituído por seis subsistemas: educação

pré-escolar, ensino geral, educação de adultos, formação de professores, ensino

técnico-profissional e ensino superior, sendo que a educação escolar se desdobra

em três níveis: primário, secundário e superior.

A estimativa é de 20% para o percentual da população com idade superior a

seis anos, que nunca frequentaram a escola, dado significativo para o contexto

angolano, onde a guerra e a falta de escolas são razões mais apontadas pela

população. Uma em cada cinco pessoas entre 18 e 19 anos viu-se privada de

estudar devido à guerra e 17% não tiveram oportunidade por falta de escolas perto

da área de residência. Contudo, a guerra deixou de ser o principal fator de impe-

dimento nos últimos oito anos. Assim, as razões de as crianças dos 6-9 anos não se

encontrarem na escola estão ligadas a fatores relacionados mais diretamente à

percepção dos pais sobre a idade certa de início da vida escolar e aos custos

associados (ANGOLA. INE/IBEP, 2010, p.49).

Os serviços de educação formal apresentam-se cada vez mais caros e

dispendiosos para a família, mas apesar disso, continua crescendo o número de

estabelecimentos de ensino privado pelo país, principalmente do ensino secundário

e universitário com maior incidência na província de Luanda.

O Instituto Nacional de Estatística (ANGOLA. INE/IBEP, 2010) aponta a

influência do nível de escolaridade da mãe na taxa de frequência dos adolescentes

de ambos os sexos, sendo que a taxa é de 90%, quando a mãe tem um nível de

escolaridade secundário e 62% quando ela tem escolaridade mínima; nessa

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situação prevalece uma ligeira diferença na frequência entre os sexos, sendo 77%

para os rapazes e 75% para as meninas. Por outro lado, a gravidez contribui com

7,5% para o abandono ou não ingresso na escola, mas há diferenças entre as faixas

etárias: 3% de casos de gravidez muito precoce aos 12-14 anos e 7% de 15-17

anos, sendo a necessidade de trabalhar um fator que afeta em 6% a escolarização

dos jovens dos 15 aos 17 anos, distribuída de forma igual entre o ensino primário e

secundário.

Os dados do Relatório Social de Angola (PESTANA, 2011, p.91) revelam que,

em 2003, Angola teve uma taxa de mortalidade infantil de 260/1000 para 195/1000

em 2009, favorecendo que o país saísse da lista dos países com as piores taxas de

mortalidade infantil do mundo. Isso foi possível com a melhoria dos cuidados

associados à saúde materna e reprodutiva, acompanhamento da gravidez em

consulta pré-natal, melhor nutrição, cuidados preventivos e maior cobertura vacinal.

Outros aspectos foram notados, além da melhoria nos cuidados primários de saúde:

aumento de áreas sem “minas” e com livre acesso de pessoas e bens, maior acesso

à água potável e aumento do grau de escolaridade da população.

Apesar da tendência decrescente, os dados sobre a mortalidade infantil em

Angola ainda são preocupantes, pois a taxa é de 116 por 1.000 nascidos vivos,

sendo maior para menores de cinco anos com 194 por 1000 (ANGOLA. INE/IBEP,

2010).

É notável que a taxa de mortalidade materna (1.400 mortes em 100.000

crianças nascidas) e a infantil constituem indicadores importantes da saúde,

reveladores do nível de desenvolvimento do país, que colocam Angola numa das

piores posições do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Isso pode ser reflexo

da qualidade da infraestrutura de Saúde e Saneamento Básico, bem como do difícil

acesso aos demais bens e serviços sociais básicos como a água potável, a energia

elétrica, informação, emprego, habitação, entre outros.

Esta tendência é fortemente limitada pela carência de quadros qualificados,

de infraestrutura adequada e suficiente para atender ás demandas e de maior

formação e informação. 62,7% dos partos com filhos nascidos vivos em unidades de

saúde contrapõem-se a uma percentagem significativa de 32,2% dos partos com

filhos nascidos vivos no domicílio, sem a presença de água canalizada, nem potável;

parte da população recorre diariamente à compra de água em cisternas ou em

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vasilhas a preços exorbitantes. O sistema de abastecimento de água canalizada é

mais abrangente, mas com certas limitações na área urbana das cidades.

A alfabetização que consiste no “aprendizado e uso da leitura, escrita e

competências com números, logo se traduz no desenvolvimento da cidadania,

melhorias na saúde e nos meios de subsistência dos indivíduos, bem como maior

igualdade de gênero” (ANGOLA. CGE, 2005, p. 13). Nas estatísticas sociais, o analfa-

betismo é considerado um indicador importante de subdesenvolvimento e, ao lado

de outros relativos às más condições de vida. É avaliado com base na população de

15 ou mais anos de idade, isto é, acima da faixa etária em que a escolaridade é

obrigatória por lei (ANGOLA. INE/IBEP, 2010).

Em Angola, a população analfabeta representa 34%, sendo 70% desta na

área rural onde existem menos serviços de alfabetização. As províncias do Cuando

Cubango, Bié, Lundas Norte e Sul e Moxico são as mais afetadas, pois nelas a

proporção de pessoas que sabem ler e escrever não atinge 50% da população. Ao

contrário, Luanda tem 87% de sua população alfabetizada, provavelmente por

abrigar maior concentração de serviços e oportunidades atrativas, especialmente

para a população jovem.

É de salientar que esses dados estatísticos “são imagens de síntese, que

representam não as situações individuais, mas a média dessas situações”, trazendo

à tona elementos que participam da construção social da realidade (BESSON, 1995,

p. 32).

Todavia, está em cena um Estado em construção, com uma Constituição de

concepção eurocêntrica, com suas instituições e burocracia que são testemunhos da

deterioração de padrões sociais que põem em risco as regularidades da vida social.

Incluem-se a violência no trato da situação da mulher zungueira e o comportamento

predatório dos fiscais que vêm se generalizando nas decisões de afastar essas

trabalhadoras da cidade. Ações sob o pretexto da modernidade, colocando-as em

mercados como o do Panguila, onde o acesso é difícil até mesmo para seus

clientes. Trata-se de um tipo de modernização “predatória e excludente”, no âmbito

das relações sociais, característica da história de Angola.

É nessa expectativa entre as promessas do Estado e os programas do

governo que a maioria da população angolana se orienta, buscando um rumo melhor

para sua vida. Diante deste cenário sócio-histórico, foi promulgada a nova

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Constituição angolana, em 2010, que procurava se adequar ao atual contexto do

país e às demandas colocadas.

Assim, todo esse contexto revela que, no século XX, Angola manteve-se em

guerra constante. Primeiro, em virtude da luta contra o domínio colonial português,

depois como consequência do desentendimento e luta pelo poder entre os principais

partidos políticos de Angola, os anteriores movimentos de libertação. O poder

político manteve-se na posse do MPLA, desde 1975, embora o partido da

oposição UNITA tenha dominado uma parte do território até ao fim da última guerra

civil em 2002. Todo esse contexto é determinante na elaboração e implementação

de programas, projetos, ou políticas públicas para fazer face à demanda da mulher,

conforme análise a seguir.

3.1. A mulher nas políticas públicas angolanas

O Plano Nacional de 2010/2011 e o Orçamento Geral do Estado (OGE) de

2010 foram aprovados pelo parlamento angolano com 175 votos a favor, 13 contra e

sete abstenções. É importante ressalvar que desse total, cerca de 80% dos

representantes do parlamento pertencem ao partido no poder. O OGE para 2010

teve um cômputo geral de receitas e de despesas estimado em 3.092 trilhões de

kuanzas (24.2 milhões de euros), sendo 30% dessa despesa teoricamente destinada

a beneficiar à área social.

O Plano Nacional 2010/2011 apresenta como áreas prioritárias, a promoção

da estabilidade macroeconômica, do emprego, da estabilidade de preços, o

equilíbrio das transações externas da economia e a melhoria da repartição da renda.

No processo de construção desse orçamento, passa-se pela projeção,

provisão, previsão e a alocação de recursos financeiros, materiais e humanos. Neste

domínio, a gestão social é um processo amplo de “formulação da agenda” onde

participam os políticos, os profissionais da área em questão, os acadêmicos e os

formadores de opinião. Essa é uma fase de conflito e de disputa em qualquer

agenda, além da busca de consensos que visam à constituição dos pactos políticos

(programa ou estratégia). Daí resulta uma decisão que vai pôr fim ao processo de

debate e discussão, dando origem a um documento que será enviado à

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administração pública a fim de ser implementado pelos ministérios respectivamente

competentes.

Na sequência do processo, a política é implementada seguindo a lógica do

sistema centralizado (top-down) pelo legado histórico e político de Angola no qual as

políticas são discutidas na cúpula, isto é, comitês de especialidades do partido no

poder, o MPLA, limitando o nível de participação pública do cidadão, que geralmente

não se incorpora no processo produtivo, nem mesmo nas decisões políticas.

Dado o presidencialismo vigente, predomina no contexto angolano um

paralelismo institucional, observável entre as diferentes instituições públicas do país,

que resulta na falta de coordenação e articulação entre elas. Esse paralelismo

consiste na duplicação de instituições que exercem as mesmas funções, porém com

responsabilidade de prestação de contas diferenciada. Aos órgãos ministeriais

responsáveis pela planificação, implementação da política pública são exigidas

prestações de contas ao Executivo, à Assembleia Nacional e ao Tribunal de Contas.

Por outro lado, existem instituições paralelas de apoio ao Presidente da

República, que implementam as mesmas políticas, retirando poder das instituições

constitucionalmente indicadas para esse fim. Apesar de contexto diverso, Dahl

(1958) afirma não ter encontrado evidências da existência de uma elite que seria

beneficiada por decisões e orientações das políticas públicas. Mills (1956) afirmara,

antes dele, que uma elite de poder composta de militares, corporações e agências

de Estado governava os EUA. Antes mesmo, Hunter (1953), examinando a

distribuição do poder em Atlanta, relatara ter observado que o poder nesta cidade se

concentrava sob o controle de certo número de indivíduos-chave.

Esta última constatação pode ser considerada como semelhante à realidade

de Angola, de modo geral, e de Luanda, na medida em que existe uma elite

composta de pessoas ligadas, fundamentalmente, ao governo e às forças armadas,

que detêm o poder político, econômico, social em suas diferentes nuances.

Entre as responsabilidades do Estado, a Constituição (ANGOLA. 2010, p. 11,

art. 21, alíneas b-h, j, k e l) prevê assegurar direitos, liberdades e garantias

fundamentais; criar progressivamente condições necessárias para tornar efetivos os

direitos econômicos, sociais e culturais dos cidadãos; promover o bem-estar, a

solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano,

especialmente, dos grupos populacionais mais desfavorecidos; promover a

erradicação da pobreza; promover políticas que permitam tornar universais e

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gratuitos os cuidados primários de saúde e o acesso ao ensino obrigatório;

assegurar a paz e segurança nacional; promover a igualdade de direitos e de

oportunidades, sem preconceitos e discriminação; promover a igualdade entre

homens e mulheres, defendendo a democracia e assegurando o incentivo à

participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos

problemas nacionais.

No âmbito da política de redistribuição da riqueza, “o social surge como um

conjunto de mediações de ordem econômica, política e doméstica” (LAUTIER, 1999

apud IVO, 2004). Em sentido amplo, levando em conta direitos e contribuições

sociais, a transferência e distribuição de bens e serviços gratuitos se efetivam por

meio de “mediações jurídicas, monetárias e de serviços (públicos) que recobrem

todo o sistema de direitos e obrigações entre cidadãos e o Estado” (IVO, 2004, p.64).

Nessa direção, é importante destacar a reflexão trazida por Kameyama:

Hoje as contradições aprofundam-se cada vez mais, de um lado as demandas sociais de proteção social ganham nova configuração: a pobreza, o desemprego, a exclusão e as desigualdades impõem políticas sociais eficazes para a promoção da equidade e de outro, a preservação de um patamar mínimo de gasto social limita o Estado a definir diretrizes do sistema de organização e construção das políticas sociais. Podemos identificar quatro (4) tendências que na prática se complementam: a descentralização, a privatização, renda mínima e a conjugação dos esforços públicos e privados. A descentralização não é um processo simples e requer para avançar com solidez a observação de algumas condições básicas: uma política explícita, coordenada e contínua dotada de boa capacidade de coordenação: a adequada simetria entre descentralização de competências e encargos; a construção de capacidades administrativas nos níveis descentralizados em que passam a operar os programas; a introdução de sistemas ágeis de monitoramento, avaliação e circulação da informação (KAMEYAMA, 2002, p.1).

Longe dessa realidade apresentada por Kameyama, o Estado e as políticas

públicas angolanas estão em construção, sem descartar as lutas pelo processo de

descentralização administrativa e desconcentração do poder, procurando fazer

funcionar as autarquias locais, dando mais poder às municipalidades, lutando em

prol da entrada de “formas de desregulamentação que permitem a entrada de firmas

privadas em serviços antes monopolizados pelo governo” (DRAIBE, 1993, p.97-98,

apud KAMEYAMA, 2002).

Isso significa que todos esses processos articulados em torno da

descentralização, renda mínima, privatização e conjugação de esforços públicos e

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privados estão em construção e que levam em conta as necessidades do

desenvolvimento. No entanto, fazem parte de um sistema administrativo, burocrático

e de tomada de decisões que apresenta entraves práticos à democratização das

políticas públicas.

Todavia, o Estado não fica à margem do enfrentamento das demandas

socialmente postas, com a exigência de formulação de políticas públicas, que

mesmo tendendo aos interesses da elite dominante, ainda se supõe serem dirigidas

à satisfação das necessidades do povo.

Assim, no âmbito do orçamento geral do Estado para 2012, o governo

angolano prevê para as políticas sociais, um conjunto de medidas, a saber:

a) No domínio da Educação:

• Estímulo a crescentes taxas de escolaridade em todos os níveis de ensino,

com redução de diferenciações de gênero, em particular no ensino básico;

• Continuidade do desenvolvimento do ensino técnico-profissional,

assegurado articulação com o ensino médio e o superior;

• Reforço institucional do setor com a utilização de novas tecnologias de

informação;

• Descentralização da gestão administrativa e financeira das instituições de

ensino.

b) No domínio da Saúde:

• Continuidade da reestruturação do Sistema Nacional de Saúde, com

prioridade do acesso de toda a população aos cuidados primários de saúde;

• Continuidade da capacitação dos indivíduos, das famílias e das

comunidades para a promoção e proteção da saúde;

• Promoção e preservação de um contexto geral e ambiente propício à saúde.

c) No domínio da Juventude e do Desporto:

• Promoção da participação dos jovens nos processos de transformação

política, social, econômica e cultural do país;

• Garantia da articulação e convergência das ações desenvolvidas pelo

Estado e pelas organizações da sociedade civil, em particular as

representativas da juventude, no que se refere aos jovens;

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• Potencialização das múltiplas interações que o desporto estabelece

intrinsecamente com os domínios sociais e culturais, promovendo o reforço

dos laços que tornam a estrutura do desenvolvimento de Angola coesa e

sustentada;

• Promoção do acesso dos estudantes a facilidades financeiras e a vantagens

e benefícios na aquisição de bens e serviços;

• Reforço da capacidade das associações e organizações juvenis, por meio de

ações de formação visando melhorar a gestão técnico-associativa;

• Dotação de equipamentos desportivos e de lazer, em particular, de estádios

e pavilhões multiusos em todas as províncias, que tenham as condições

exigidas pela organização das competições desportivas e que permitam a

generalização da prática desportiva.

d) No domínio da Assistência e Reinserção Social:

• Promoção de um conjunto de ações articuladas, integradas e direcionadas

para a “prevenção, mitigação e gestão do risco social”;

• Promoção da integração social das pessoas mais carentes e em situação de

risco, combatendo a pobreza, proporcionando novos patamares de bem-

estar e assistindo os socialmente mais vulneráveis;

• Dotação dos grupos mais vulneráveis com competências técnicas que

possibilitem o desenvolvimento de atividades produtivas geradoras de

rendimento para a sua autossustentação;

• Prevenção e combate de todas as formas de violência contra a criança;

• Desenvolvimento de atividades de caráter educativo, formativo e legislativo,

estabelecendo mecanismos de integração multissetorial para mobilização da

sociedade, visando à promoção dos direitos do cidadão, em particular da

criança.

O Ministério da Assistência e Reinserção Social, conforme o artigo 1º do seu

Estatuto Orgânico (ANGOLA. MINARS, 2001), é um órgão do governo encarregado de

dirigir e coordenar a execução da política social relativa aos grupos mais vulneráveis

da população, garantindo os seus direitos e a promoção do seu desenvolvimento.

Isso se faz por meio de medidas que reportam à implementação de políticas sociais

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básicas de reinserção e assistência social, mas exclui de seu âmbito demandas da

mulher zungueira.

e) No domínio dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria:

• Continuidade da implementação, em regime especial, do recenseamento, da

assistência social, do apoio à reabilitação física, da superação cultural, da

formação profissional e da reinserção socioeconômica dos Antigos

Combatentes, Deficientes de Guerra e de familiares tombados ou perecidos;

• Garantia de condições organizacionais adequadas que visam garantir o

normal funcionamento dos diversos serviços a nível central e local.

f) No domínio da Cultura:

• Continuidade das ações de salvaguarda, preservação, proteção e

valorização do Patrimônio Histórico, natural e cultural;

• Continuidade do fomento das indústrias culturais;

• Criação de uma rede de arquivos;

• Criação de legislação que sustente a formação artística;

• Atualização do qualificador das profissões da cultura;

• Implementação do Sistema Nacional de Casas de Cultura.

Esta previsão consta do relatório de fundamentação do OGE para 2012

(ANGOLA. OGE, 2011) e evidencia a distribuição das despesas pelas várias funções

do Estado, desde a administração, defesa, segurança e ordem pública, setor social e

econômico e encargos financeiros. Nesse sentido, verifica-se a diminuição do peso

das despesas com os encargos financeiros e com os setores econômicos, a favor da

administração e dos setores sociais, continuando este a se “beneficiar” da maior

destinação dos recursos totais do OGE.

Essas medidas refletem os oito objetivos previstos pela ONU na Declaração

do Milênio e que visam acabar com a fome e a extrema pobreza, promover a

igualdade de gênero, erradicar doenças frequentes e fomentar bases para o

desenvolvimento sustentável das populações até 2015.

Na realidade angolana, ganham espaço no acesso aos bens e serviços

públicos as pessoas com padrinho na cozinha, como Campos faz referência à

questão do ‘‘localismo, significando várias vezes clã parental e suas variantes:

genrismo, afilhadismo, compadrio {…}, quem indica (QI), concurso facilitado”

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(CAMPOS, 1998, p. 14), assim como se faz presente a famosa gasosa (propina no

Brasil).

Padrinho na cozinha expressa um conjunto de termos usados para

materializar a corrupção, e destruir qualquer processo transparente do âmbito das

relações sociais, violando os padrões democráticos de convivência social, fechando

as possibilidades de romper com a situação de pobreza na qual se encontram

pessoas com menor poder econômico e que habitam espaços socialmente

diferenciados.

Ao mesmo tempo, a fecundidade, a mortalidade e a migração apresentam-se

como determinantes do tamanho e da estrutura populacional do país. Dessa forma,

constata-se que conforme dados do IBEP de 2010 sobre a população angolana,

44% são mulheres em idade reprodutiva entre os 15 e 49 anos de idade.

A migração interna teve influência sobre várias questões relacionadas com o

desenvolvimento nacional e local, determinando em grande medida o planejamento

do crescimento urbano e a política de prestação de serviços básicos, como Saúde,

Educação, água e saneamento. Na medida em que a taxa atual de migração interna

é causada em grande parte pela longa história de deslocações forçadas, o período

pós-guerra impôs desafios no sentido de estudar novos padrões de migração e

como estes podem afetar os planos de desenvolvimento do país no futuro (ANGOLA.

INE/IBEP, 2010, p.48).

Os programas do governo que contribuíram para o reassentamento

populacional e para o reencontro familiar constituíram forte apoio à população como

incentivo à permanência de muitas famílias. Nesse caso, beneficiaram-se aquelas

que decidiram voltar à província de origem na esperança de retomar sua vida e as

que não quiseram sair de Luanda por não saberem como recomeçar a vida, mas

tiveram seus bens perdidos na guerra; além de outras famílias que foram à Luanda

em busca dos filhos e parentes e uma vez não encontrados ficaram sem meios para

retornar à província de origem.

Segundo o INE (ANGOLA. INE/IBEP, 2010), o reencontro familiar é a principal

razão de migração para 51% dos migrantes rurais e 47% dos urbanos, sendo que a

guerra também associada ao reencontro familiar é o segundo principal fator que

influencia as decisões de migração, com uma diferença clara entre os migrantes

rurais e urbanos, além da migração realizada pela procura de trabalho ou para

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estudar. Esses fatores de natureza econômica, política e social são tão importantes

como o reencontro familiar, considerado como principal motivo da migração.

As razões para a migração também variam de acordo com o período de

referência. Cerca de 40% dos movimentos migratórios, no período compreendido

entre a Independência, em 1975, e as primeiras eleições gerais, em 1992, foram

motivados pela guerra, mas um número igual de migrantes movimentou-se por

motivos de reencontro familiar durante o mesmo período. No entanto, a proporção

de migrantes que desejavam reencontrar a família atingiu o pico de 59% na

sequência do acordo de paz, de 2002, período em que também se registrou a maior

proporção de crianças em idade escolar (5-14 anos de idade) que migraram à

procura de oportunidades de Educação.

Ainda assim, de acordo com Pereira (2004, p.14), as ações de formação

técnica e profissional públicas também são deficientes e limitadas e estão

centralizadas no Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFOP). A

capacidade de atuação desse instituto é limitada em virtude, principalmente, da

insuficiência de recursos. Os gastos com o Ensino Técnico e Profissional, em 2004,

foram 0,36% das despesas orçamentais do setor de educação. Apesar de o governo

angolano ser signatário das Plataformas de Ação de Dakar e Beijing20, nenhum dos

programas do INEFOP em qualquer tipo de orientação específica foi destinado às

mulheres; o Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU), não interage

com o Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social (MAPESS)

para alterar esta situação.

São evidentes alguns motivos da grande presença feminina no comércio

ambulante nas mais diferentes roupagens da economia informal. Muitas mulheres

procuram nessa inserção uma alternativa prática de sobrevivência de suas famílias,

cujo modo de vida e de trabalho revelam a ineficácia das políticas públicas. Estas

por não serem universais, não expressam, nem respondem às necessidades reais

deste segmento populacional e tratam da questão do comércio ambulante, das

zungueiras e dos zungueiros como, fundamentalmente, de segurança e urbanismo,

20 Estas plataformas visam a incorporação de assuntos e perspectiva sobre gênero nos programas e políticas nacionais e regionais, que respeitem as decisões da Conferência Mundial sobre a Mulher como a realizada em Beijing, China em 1995. Mais informações podem ser obtidas no Relatório de avaliação das plataformas de Dakar e Beijin. As mulheres no ano 2000: igualdade entre os sexos, desenvolvimento e paz, rumo ao século XXI. (ANGOLA. MINFAMU, Luanda, [s.n.], 2000).

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já que diariamente esses trabalhadores são alvo de violência legitimada por um

sistema de gestão social.

Esse sistema as expulsa da cidade sob a alegação de defesa da segurança e

da ordem públicas, enquanto promove a insegurança, ofusca e viola direitos e

garantias sociais desses indivíduos. Isso está também expresso nas informações

fornecidas pelo MINFAMU, em 2011, de que não existem programas direcionados

para este segmento populacional, na medida em que as ações de microcrédito

dirigem-se a pessoas que sabem ler e escrever e que tenham documento de

identidade.

Neste ponto, evidencia-se nossa inquietação, entendendo que a real situação

da mulher, especialmente a zungueira, tem sido negligenciada pelo governo

angolano, muito embora ela constitua um dos segmentos da sociedade mais

afetados pelo rápido processo de transição para a economia de mercado.

É intenção trazer à tona alguns trabalhos e instituições de apoio à mulher que

muito embora não divulgados apontem a importância de sua participação na esfera

pública, no orçamento familiar, na luta por direitos e liberdade, buscando um estatuto

de cidadania que a torne partícipe das relações sociais e políticas.

O Estado angolano não se mostrou capaz de garantir a segurança da população camponesa e todo o cenário de violência – o medo dos massacres, da queima das habitações, das pilhagens, dos raptos e das violações – fez com que parte significativa da população do país migrasse para os centros urbanos mais próximos em busca de trabalho e segurança (PEREIRA, 2004, p.3).

Todo esse contexto sócio-histórico do país serviu de atração das populações

rurais e não somente para as cidades mais seguras do ponto de vista militar, mas

pelas oportunidades ali concentradas de modo diferenciado. Luanda é a cidade mais

visada do ponto de vista de segurança e, em alguns momentos, pela ajuda

humanitária fornecida pelas organizações internacionais. A visão de Pereira (2004)

reafirma que o trabalho surge nessa trama como questão central na vida dessas

pessoas.

No setor informal, as mulheres não têm nenhum tipo de direitos ou garantias legais, nem contam com o apoio do Estado, sendo que sua atividade de comercialização dos mais diversos tipos de produtos conta com jornadas diárias de trabalho que chegam a 14 horas. Tanto as mulheres que vendem a grosso (atacado), como as que vendem a retalho (varejo), estão sujeitas a todo o tipo de violência:

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são perseguidas por ladrões e por vezes pela polícia, são discriminadas socialmente pelo tipo de atividade que exercem, pela reduzida escolaridade e baixo poder aquisitivo (PEREIRA, 2004, p.5, grifo nosso).

Não foi possível o acesso aos dados do Ministério do Comércio, responsável

pelo ordenamento e gestão das atividades de comércio informal. No entanto, em

Luanda, há evidências de que, se de um lado, existem agentes do Estado que

combatem o trabalho das zungueiras e zungueiros, por outro, os programas

desenvolvidos por ONGs ou por organismos governamentais promovem a

concessão de microcrédito aos jovens para que possam fazer um negócio e

incentivam tais atividades.

Em concordância com Pereira (2004), as eleições de 1992 marcaram o início

da Segunda República, caracterizada por um período de transição de um sistema de

economia planificada para um sistema de economia de mercado e multipartidarismo.

Este processo visava reduzir a intervenção direta do Estado na economia, o

equilíbrio da balança de pagamentos e o controle da inflação. Essas eleições foram

conduzidas sem que o Estado desenvolvesse políticas públicas capazes de proteger

os recursos humanos envolvidos nessa transição. Isso resultou no surgimento de um

segmento significativo de pessoas sem proteção levadas ao subemprego, ao

desemprego e outras à perda de esperança de vir a ter um trabalho formal em suas

vidas.

Assim, nesse processo, as mulheres foram as mais penalizadas e, em 1993,

representavam 67.6% dos desempregados no país, sendo que, em Luanda, a

população desempregada passou a representar 24% da População

Economicamente Ativa (PEA).

O reinício da guerra frustrou uma tentativa do governo de reequilibrar as

contas públicas, fazendo prevalecer certos problemas sócio-históricos de âmbito

estrutural e conjuntural como:

a) Fortes pressões e investimentos na importação de armamento bélico;

b) Grande pressão para a importação de mercadorias e serviços;

c) Maior concentração das exportações no setor de petróleo.

É importante destacar que de acordo com o Relatório Econômico de Angola

produzido pelo Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica

de Angola (CEIC), entre 1995 e 1999, o número de empregos gerados pela atividade

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petrolífera é extremamente limitado a uma ordem de 10.000 angolanos. O país tinha

uma exportação petrolífera correspondente a uma média de 70 a 89% das receitas e

a 85 a 92% das exportações.

Indaga-se sobre essa realidade, pois se para os trabalhadores que estavam

no mercado formal foi difícil, quanto mais para aqueles que se encontravam no

mercado informal, que foram os que mais sofreram com os efeitos da inflação

continuada nos últimos anos.

O Gráfico 3 expressa um pico máximo da taxa de inflação, em 2000, com uma

queda repentina, em 2001, que prevaleceu até o ano seguinte, quando talvez com o

final da guerra civil a mesma começou a registrar uma redução paulatina, até 2006,

quando foi se tornando estável até 2010. A estabilidade inflacionária pode expressar

os grandes investimentos que o país tem feito na economia, o surgimento de mais

agências bancárias e casas de câmbio, o que outrora não era muito comum. Pode

ser a presença de um mercado angolano cada vez mais próspero para

investimentos.

GRÁFICO 3 – TAXA DE INFLAÇÃO DE ACORDO COM O PREÇO AO CONSUMIDOR (%)

Fonte: http://www.indexmundi.com/g/g.aspx?v=71&c=ao&l=pt

Ao lado disso e de acordo com o Relatório de Fundamentação do Orçamento

Geral do Estado para 2011 (ANGOLA. OGE, 2010, p. 49) elaborado pelo Conselho de

Ministros e publicado pelo Ministério das Finanças, está a Política Nacional de

Combate à Pobreza em Angola com duas formas diferenciadas de abordagem nos

domínios da oferta e da demanda em suas intervenções concernentes à formulação

de diagnósticos (demanda) e projetos (oferta) integrados. Esta Política visa

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promover a segurança alimentar e nutricional e combater a pobreza por meio de seis

eixos estratégicos, a saber:

• Saúde básica e preventiva;

• Acesso aos serviços públicos essenciais;

• Solidariedade e mobilização social;

• Alfabetização, ensino primário e profissional;

• Acesso à alimentação e oportunidades no meio rural;

• Empreendedores e crédito rural.

Apesar desse cenário, as ações desenvolvidas pelo governo, especialmente,

no período de transição não foram observadas melhorias em relação aos efeitos

dessa demanda na realidade da mulher e de suas famílias em particular, conforme

Pereira (2004). Essa situação traz à tona um cotidiano de luta pela sobrevivência,

uma vida em condições de precariedade, de incertezas e de trabalho instável.

Pereira (2004) comenta, também, que realidade do conflito armado que

Angola viveu não está separada das condições de depauperamento das populações,

de desigualdades locais e regionais e de acentuadas diferenças entre os sexos.

Nesse sentido, a mulher é mais afetada pela precarização ocorrida nos setores da

Saúde, Educação e saneamento básico, por exemplo, porque ela é responsabilizada

pela condição de vida da família circunscrita ao espaço do lar.

A instabilidade política e militar introduziu elementos que alteraram a

condução da política econômica, gerando uma precária preparação da transição

para a economia de mercado. Esta convergência de fatores explica que as políticas

econômicas e sociais globais e setoriais foram inadequadas e instáveis, dando lugar

a uma série de desequilíbrios econômicos e sociais que precisam ser revertidos.

Todo esse contexto contribuiu para chamar a atenção do governo com relação ao

desenho de políticas, programas e projetos voltados à mulher.

A pobreza é a condição atribuída socialmente às pessoas com carência de

bens e serviços essenciais, quer no âmbito material, social, ou ainda pela falta de

recursos econômicos para acessar ao trabalho, aos direitos como à Saúde,

Habitação, vestuário, salário/rendimento e informação. Abarca sua condição social

de pessoas excluídas, tidas como dependentes e incapazes de participar na

sociedade, pois são improdutivas, como se não fizessem parte dos grupos sociais

consumidores que participam da geração de riqueza social.

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Angola é exemplo de país pobre, que desenvolveu a Estratégia de Combate à

Pobreza (ECP), que busca reduzir as desigualdades sociais por meio de programas

de microcrédito e de incentivo de criação de pequenas empresas. Na realidade, o

que é oferecido estimula práticas de trabalho informal, como é o caso da entrega de

equipamentos feita a jovens lavadores de carro em Luanda. É importante destacar,

também, o MINARS promove cursos profissionalizantes de pedicure e manicure, cujos

formandos estão nas ruas exercendo essa atividade informal.

De outro lado, fiscais, no dever de “controlar e manter a ordem nos espaços

públicos” expulsam e reprimem a atividade ambulante, evidenciando ações

autoritárias e contraditórias nesse segmento de trabalhadores. Além disso, o

governo mantém impostos iguais para todos, independentemente da renda do

cidadão, que resulta na exploração dos mais pobres por esta política pública.

Além disso, as ideias centrais dessa estratégia abarcam a reinserção social, a

reabilitação, a reconstrução e a estabilização econômica, no entanto, representam

aspectos limitadores da participação democrática e da autonomia dos beneficiados

da ECP, porque fundamentalmente não respeitam os direitos constitucionalmente

estabelecidos.

São alvo da Estratégia angolana de Combate a Pobreza os deslocados, internos e refugiados no estrangeiro, os militares e paramilitares, desmobilizados, as crianças, adolescentes em situação de exclusão e os jovens; os portadores de deficiências físicas ou psíquicas, os idosos e a mulher (ANGOLA. ECP, 2003, p.18).

Os mecanismos de superação da pobreza como é o caso da ECP não

constituem alternativa de ajuda aos pobres como tem sido postulado, mas sim o

cumprimento de um direito que deve ser respeitado sempre.

Pelo exposto, pode-se dizer que em contexto angolano não existe uma

política pública concreta para as questões da mulher, mas apenas programas e

projetos administrados pelo Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU),

executados pelas direções provinciais cujo impacto ainda não é significativo na vida

da população.

Assim, há uma política de gênero, que apesar de não ter uma consistência de

política pública, é um programa voltado às questões específicas mais centradas na

violência doméstica, sendo que as atividades provinciais estão muito focadas no

trabalho de centros de aconselhamento familiar, sobre os quais não é feita

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divulgação dos serviços (PEREIRA, 2004). É de elogiar o trabalho que tem sido feito

sobre o problema da violência doméstica, que resultou na aprovação da Lei nº

25/2011 de 14 de julho, contra a violência doméstica, que tem um caráter preventivo,

educativo e punitivo.

O MINFAMU busca melhorar a condição econômica, política e social da mulher

com programas de microcrédito implementados nas províncias e, em Luanda, no

município de Cacuaco e outros com a criação de agência bancária denominada

Banco Sol. Esse programa nacional de microcrédito ou microfinanças tem ajudado

muitas famílias na conquista de novos espaços de trabalho, especialmente no

mercado informal. O trabalho desta instituição procura parcerias com as direções

provinciais, ONGs, igrejas e o Ministério da Educação (MED), mas na prática essa

parceria é inexistente, porque as mulheres têm dificuldade de acesso aos serviços

disponíveis e ao crédito; talvez isso ocorra pelo baixo nível de instrução e pela falta

de informação e conhecimento.

Em Angola, as taxas de prevalência do HIV-SIDA São maiores na faixa etária

dos 15 a 49 anos de idade, cujos dados do Relatório Social de Angola (PESTANA,

2011, p. 85), estimaram a existência de 210.775 pessoas vivendo com o VIH e entre

estas 127.617 são mulheres, isto é, 60%, constituindo-se o grupo mais afetado pela

epidemia.

Existe igualmente um projeto voltado à questão da mulher com HIV-SIDA, que

buscava passar mais informação sobre a doença e ensinar sobre os mecanismos de

prevenção e controle. O Hospital Esperança em parceria com o Ministério da Saúde

(MINSA) é o único no país que atende os pacientes. Vale informar, que continuam

altos os índices de HIV-SIDA entre pessoas do sexo feminino.

Todavia, o governo tem feito avanços na formulação de políticas, estratégias

e programas setoriais para incluir a questão da mulher no setor da Educação, Saúde

materno-infantil, Economia, Política e em outros setores da vida, por exemplo:

• O parlamento já atingiu 30% por cento de representação feminina;

• A mulher constitui centralidade em programas nacionais de revitalização de

serviços municipais e de programas de combate à fome e pobreza, o que na

realidade constitui uma forma de implementação da Estratégia de Combate

à Pobreza (ECP) apesar da limitação que estes apresentam;

• E nas políticas de crédito rural.

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Isso é expressão de certos avanços do ponto de vista da formulação das

políticas públicas, que ganham um tom de maior criatividade e exigência. Apesar

disso, não têm visibilidade, por vários fatores: falta de profissionais preparados; falta

de meios financeiros e materiais; carência de habilidades para documentar as boas

práticas; a existência de um sistema burocrático deficiente; desperdício de recursos

e falta de eficiência e controle burocrático. Assim, pode-se considerar que são

marcas do conservadorismo presentes na história de Angola e que se expressam no

cotidiano dos trabalhadores, particularmente da mulher.

Em Angola, o indicador de esperança de vida é bastante nebuloso. Os dados

de 2010 mostraram que se espera que um angolano sobreviva até aos 48 anos, fase

áurea da vida pessoal e produtiva. No país, a formação é em média de quatro anos

de escolaridade o que não permitiria um rendimento nacional per capita superior a

4.941, valor que situa Angola num patamar elevado de desequilíbrio

socioeconômico, contrariando o que o MPLA prevê em seus planos de governo.

Para esclarecer a utilização de indicadores como instrumentos de

mensuração de aspectos da realidade e das práticas, envolvendo múltiplos planos

das diversas práticas sociais, políticas, econômicas e um conjunto variado de

agentes públicos e privados como Valarelli destacou:

Indicadores são instrumentos que, a par de poderem ser bastante simples, resultam de um conjunto de mediações complexas ao mesmo tempo em que são também mediadores de várias práticas e relações político-comunicativas. É apenas no interior destas relações, no contexto da práxis na qual estão imersos, que adquirem sentido. Indicadores, assim, como qualquer dado ou palavra escrita ou falada, tanto revelam como ocultam, e se prestam a diferentes significados e interpretações. Não é possível exigir dos indicadores aquilo que nenhum outro meio de comunicação ou informação pode oferecer: a capacidade de expressar todas as relações acerca de um determinado fenômeno e todas as relações também subjacentes a ele mesmo (VALARELLI, 2008, p.24).

A contribuição dos indicadores se dá no interior das disputas políticas em

torno dos sentidos do desenvolvimento, como ferramentas de gestão: nos processos

de avaliação de práticas e projetos sociais; na concepção dos marcos lógicos, como

instrumentos de aprendizagem e desenvolvimento institucional, acompanhado do

respectivo monitoramento participativo.

Diante dessa realidade, os indicadores tanto podem revelar, ocultar, como se

prestar a diferentes significações e interpretações da realidade, sendo que não se

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pode querer que os indicadores mostrados, neste estudo, sejam capazes de

expressar de forma plena todas as significações sobre o assunto.

Os indicadores por si só não dizem nada, eles precisam ser confrontados às

práticas que estão na base de sua criação e, conforme se viu a contribuição da ONU

no contexto histórico angolano foi importante para revelar a necessidade de

sustentação política.

Para Kayano e Caldas (2002, p. 10), a formulação e a leitura dos indicadores

são, a priori, permeadas de aspecto fortemente normativo, que é próprio das

relações socialmente estabelecidas, isto é, da vida em sociedade e não

“absolutamente natural”, conforme apontaram alguns autores neste trabalho. É

importante ressaltar que a disponibilidade de informações confiáveis constitui um

dever do poder público e um direito de cidadania.

Diante do que foi exposto, as políticas setoriais que servem de base à

intervenção social se equivocam ao situar o indivíduo como a somatória de aspectos

que não se conectam. São indicadores que não dão conta da complexidade,

totalidade e historicidade e, mais ainda, comprometem a apreensão crítica de suas

contradições ao limitar sua participação.

Para melhor entendimento dessa realidade em Luanda, o item a seguir

apresenta um panorama sobre a situação social na dinâmica de vida luandense,

buscando maior aproximação ao objeto de estudo desta dissertação.

3.2. Um olhar sociocultural sobre Luanda

Não se pode esquecer que Luanda, à semelhança do contexto angolano

conserva traços indeléveis da longa história do país, desde a colonização, as lutas

pela Independência, os modos de produção, as formas de dependência, os planos

de desenvolvimento, o tipo de Estado, as políticas sociais, conforme Wanderley

(2008, p. 55).

Poder-se-ia dizer que para conhecer a realidade social de Luanda, bastaria

levantar os indicadores básicos como o PIB per capita; a distribuição do rendimento;

as condições de vida; o poder de compra; o desemprego; os serviços de Saúde e de

Educação.

No entanto, esses indicadores são insuficientes levando-se em conta o

contexto e os sujeitos deste estudo se confrontados à limitada e desigual cobertura e

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acesso aos serviços destinados ao conjunto da população, particularmente a parcela

populacional não contada nos direitos de cidadania. Ao contrário, esses indicadores

reforçam a desigualdade, a pobreza e a exclusão social, já patente em nossa

realidade.

O IBEP (2010) revela uma taxa de pobreza de 36.6% para Angola. Seus

reflexos são visíveis no cotidiano de Luanda quando se observa situações evidentes

de pobreza, que de acordo com PESTANA (2011, p.53) superam as estimativas de

37% do IBEP. No meio urbano, as receitas médias mensais são estimadas em

79,1% para o país, portanto, esse percentual vai aumentando generosamente à

medida que se aproxima da zona rural.

No que se refere à cobertura escolar, foram utilizados dados do RSA

(PESTANA, 2011, p.118 e 122) para dizer que a província de Luanda apresenta os

maiores índices de cobertura com 87,7%, taxa que não muda tanto para homens

como para mulheres que frequentaram o ensino primário de 2008/2009; seu índice

de frequência apresenta uma taxa líquida total de 82, a maior no país.

Trata-se de tendência positiva diante do 1º e 2º objetivos do milênio a serem

alcançados até 2015, tais como: acabar com a fome e a miséria; destinar educação

básica de qualidade para todos; promover igualdade entre os sexos e valorização da

mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materno-infantil; combater o

HIV-SIDA, a malária e outras doenças; melhorar a qualidade de vida, respeitando o

meio ambiente e deste modo trabalhar pelo desenvolvimento.

O mercado de trabalho formal encontra-se fortemente preenchido por

homens, de acordo com dados do IBEP (2010), reconhecendo a mulher como maior

geradora de rendimentos informais. Assim, é notável que “quanto maior o nível de

escolaridade, menor é o recurso às fontes não formais de rendimento, sendo que o

inverso ocorre com chefes de família sem nenhum nível de escolaridade” (PESTANA,

2011, p. 57).

Na sociedade luandense, os rendimentos resultantes do trabalho produtivo,

conforme identifica Marx, estão cada vez mais indexados à apresentação de um

certificado válido de escolaridade, dado apontado no Relatório Social de Angola

(PESTANA, 2011).

Informações do relatório da Direção Provincial do MAPESS (2011) revelam que

apesar de grande parte da população ser do sexo feminino, um número inferior de

mulheres tem procurado empregos em setores formais por intermédio dessa

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instituição. As ofertas disponíveis, para a maioria das colocações, têm beneficiado a

colocação de indivíduos do sexo masculino.

No primeiro semestre de 2011, esse cenário prevaleceu e pode ser

evidenciado no quadro que segue:

QUADRO 1 – DISTRIBUIÇÃO DO NÚMERO DE HOMENS E MULHERES 21 NA PROCURA DE TRABALHO , OFERTAS E COLOCAÇÕES EFETUADAS , NO 1º SEMESTRE DE 2011, SEGUNDO OS MUNICÍPIOS

Fonte: Relatório das atividades da Direção Provincial do MAPESS para o 1º semestre de 2011

As localidades de Viana e Samba na província de Luanda são as que

apresentaram maior procura por emprego, no Centro de Emprego, cuja oferta não

atendeu nem a ¼ da demanda. Vale destacar que houve apenas oferta de trabalho

em empresas do setor privado, pois o referido relatório do MAPESS não tem nenhum

registro da inserção de trabalhadores na função pública. Esta situação está também

associada ao reduzido grau de escolaridade apresentado por grande parte das

pessoas que procuram pelos centros de emprego, que não corresponde ao exigido

pelas empresas.

Só para ter uma ideia mais concreta, o relatório mostrou, ainda, que entre as

5.419 pessoas que procuraram os centros, ao longo do 1º semestre de 2011, 735

21 H = Homens; M = Mulheres; Total = Homens e Mulheres.

INDICADORES/

MUNICÍPIOS

PROCURA OFERTAS COLOCAÇÕES

TOTAL H M TOTAL H M

INGOMBOTA 449 334 115 220 158 113 45

SAMBA 1090 752 338 361 266 228 38

K. KIAXI 237 192 45 52 52 49 03

CAZENGA 478 443 35 31 15 14 01

SAMBIZANGA 448 375 73 284 283 228 55

VIANA 2161 1752 409 251 251 216 35

CACUACO 260 228 32 152 152 148 04

ZANGO 159 129 30 17 17 14 03

SAPU 137 130 07 - - - -

TOTAL 5.419 4.335 1.084 1368 1.294 1.110 184

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tinham entre um a quatro anos de escolaridade; 1.583 entre cinco e seis anos de

escolaridade e 2.954 entre sete e nove anos de escolaridade, sendo um número

ínfimo de 128 pessoas com o ensino médio e 19 com o ensino superior. Estes dados

são assustadores porque a maioria da população não acessa aos serviços dos

centros, provavelmente, pela falta de informação, divulgação, morosidade dos

processos ou, ainda, com receio de não se enquadrar nos requisitos exigidos pelas

empresas e precisar de solução urgente para sustentar sua família.

Culturalmente, a população de Luanda é considerada como pertencente ao

grupo etnolinguístico Ambundu, que tem como língua o Kimbundo, constituindo uma

das línguas mais faladas no país. Nessa cultura, quando se refere à mulher-mãe,

trata-se sempre de uma questão plural, pois a maternidade se apresenta como um

aspecto central na vida social, num contexto onde a mulher é mãe de filhos e não de

um único filho.

No léxico da cultura Kimbundo, raramente se usa as expressões «minha mãe

ou minha mulher», mas é usual o termo «mam'êtu», que significa nossa mãe. Esta

constatação pode ajudar a compreender a elevada taxa de fecundidade das

mulheres desse grupo, que tende a variar entre sete e oito partos. Essa tendência é

acompanhada pela presença de elevadas taxas de mortalidade infantil, que faz com

que, embora nasçam muitas crianças, o crescimento populacional é relativamente

reduzido, também, pela baixa esperança de vida.

Nessa cultura, a mulher também é tida, social e economicamente, como

dependente do marido, conforme evidencia o seguinte provérbio da sabedoria do

povo Ambundu: Muhâtu wandia mu ngwami, que significa: “Que a mulher sempre

comeu do não quero”.

Com isso, Ribas5 (2009, p. 293) afirma que ″a mulher aceita negando″, porém

pode ser expressão do significado de que a mulher na sociedade sempre foi privada

de opções, de vontade própria, de autonomia, e vista frequentemente como alguém

sem vez e sem voz, a cuidadora do lar e da família.

Todavia, outro provérbio da sabedoria deste povo ″kuvala kwadile o kanjila

mu ngôngo″, segundo Ribas5 (2009, p.286) quer dizer que a procriação arrebatou do

mundo o passarinho, expressando que pelos filhos, os pais expõem-se a todos os

sacrifícios. Em Luanda, os mais velhos dizem sempre que “adivinhar é proibido”,

porque é imprescindível conhecer a realidade para entender porque a mulher é tida

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como especial protetora dos filhos e do lar. Uma pista nesse caminho são os dados

sobre o acesso aos exames de pré-natal na província de Luanda, em que se registra

maior cobertura de serviços do que nas restantes províncias: quase 90% das

mulheres têm acesso à consulta de pré-natal (ANGOLA. INE/IBEP, 2010).

Assim, apesar de ser habitada predominantemente de população Ambundu, a

província de Luanda acolhe uma diversidade de pessoas, de diferentes grupos

etnolinguísticos, desde Bacongos, Ovimbundos, como outros, incluindo uma

população de estrangeiros, especialmente, composta de cidadãos portugueses e

chineses. Estes últimos têm entrado no país em maior número e conquistaram

grande espaço no setor da construção civil, trabalhando em pontes, estradas e

grandes edifícios modernos, porém, com qualidade questionada por ser considerada

pela população como descartável.

Alguns aspectos da cultura de Angola são fundamentais para conhecer o que

ocorre entre duas famílias e as relações que se estabelecem com a instituição do

casamento, um ritual considerado muito importante não apenas entre os noivos. O

casamento tradicional é um passo importante para a aceitação recíproca da mulher

e do homem pelas famílias. Para tal deve-se passar pela apresentação e pelo

alambamento22, considerado o casamento tradicional; o casamento legal e o

religioso são considerados culturalmente dispensáveis.

Assim, de acordo com Radcliffe Brown (1982, p. 66), “um casamento engloba

o pagamento de uma prestação do noivo e sua família aos pais ou representantes

da noiva”, procedimento fundamental para legitimar e legalizar o casamento. No

entanto, é muitas vezes percebido como uma forma que a sociedade tem de

valorizar a mulher, pois se acredita que o homem dá casamento à mulher por

respeito e honra. Historicamente preza-se o nascimento dos filhos depois de

realizado este rito, caso contrário o homem paga multa da qual se beneficia a família

da mulher, acreditando que o homem invadiu sua família saltando a janela23, sem

prévia autorização dos mais velhos (grifo nosso).

22 Em Angola, o alambamento ou pedido (da mão da noiva) é ainda uma tradição cultural bastante forte e segundo consta, mais importante do que o casamento civil e religioso civil ou religioso. O alambamento consiste numa série de rituais como, por exemplo, a entrega de uma carta com o pedido da mão da noiva, ofertas em bens e por vezes até mesmo dinheiro. Disponível em: http://pt.globalvoicesonline.org/2010/08/29/angola-o-alambamento-e-os-rituais-do-casamento/ Acesso em: 5/05/2012. 23 Expressão usada para dizer que o homem envolveu-se ou engravidou a filha de outra família sem o cumprimento dos pressupostos culturais como a apresentação e o alambamento.

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A situação de uma mulher que vai ser mãe sem ter passado por esses rituais

constitui não uma alegria para a família, mas uma vergonha. Isso geralmente leva

muitos pais ou os mais velhos a expulsarem de casa, obrigando-a viver com o

homem que a engravidou.

Como têm sido muito frequentes casos de negação de paternidade e outros

em que o homem não assume sua responsabilidade nem de pai, nem de provedor,

existem muitas mães solteiras, que lutam sozinhas para cuidar dos filhos.

Há situações em que mesmo vivendo com o companheiro, ela se sente mal

na presença de membros da família dele e da sua, porque o homem não cumpriu

com os pressupostos do casamento tradicional. Esta realidade foi vivida por um dos

sujeitos da pesquisa que será apresentada no Capítulo II deste trabalho.

Ao sul da cidade de Luanda, encontra-se o mercado do artesanato, o maior

mercado de artes do país, onde as pessoas afluem, especialmente, estrangeiros,

para comprar obras esculpidas em madeira, em telas e outros artigos característicos

da cultura angolana.

Na cidade de Luanda, a mulher está inserida em diversas realidades do

trabalho informal: existe a quinguila (mulher que faz o câmbio/troca dinheiro na rua);

a empregada doméstica (entre estas existem aquelas que lavam, engomam,

cozinham, arrumam; as babás e aquelas que fazem tudo); a peixeira; a quitandeira

(que vende no mercado: local estabelecido pelo Estado para a venda de produtos);

as que preparam refeições para vender e as que zungam (fazem venda ambulante).

Até 2002, a cidade de Luanda encontrava-se abarrotada de gente, o que

exigiu a aglomeração de um número elevado de pessoas em cada núcleo familiar,

em razão da recepção de membros deslocados de guerra. Esta realidade facilitou a

degradação da infraestrutura social, e as condições sanitárias das moradias, que se

tornaram insuficientes para atender a demanda. Isso exigiu a organização e

intervenção do Estado para realizar o reassentamento da população “deslocada” de

guerra para as suas zonas de origem, atendendo-a nas suas necessidades básicas.

Esse processo deparou-se com grandes dificuldades, sendo que uma parte

significativa desta população “deslocada” não quis regressar, desafiando-se a

construir sua vida em Luanda.

Dentre as possibilidades acessíveis de trabalho, a venda ambulante foi o

recurso para o ganha-pão, numa realidade em que a agricultura já não se constituía

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na principal fonte para a sobrevivência. A sociedade, portanto, foi chamada a

repensar o papel da mulher nesse processo.

As péssimas condições de moradia de grande parte da população de Luanda

e o superpovoamento impulsionam grande parte dos angolanos a buscarem

melhores condições de vida no centro da cidade. Nessa área estão concentrados os

mais ricos, os diversos serviços públicos e as melhores oportunidades de trabalho.

Essa atração da cidade faz com que muitas pessoas recorram a ela todas as

manhãs e encontram oportunidades de trabalho ocasional, ou a venda ambulante

para as camadas da população que aí trabalha e reside. Essa busca pela

sobrevivência cria na maioria dos moradores de Luanda a necessidade de morar o

mais próximo possível do centro da cidade, mesmo que em condições precárias.

Nos últimos anos, Luanda apresenta crescentes desigualdades sociais

reforçadas por uma gestão pública que tende a pôr em prática uma política que ao

invés de inserção social da população, busca tirar os pobres e a pobreza da cidade.

A estes estão destinadas as zonas mais periféricas como os bairros do Zango no

município de Viana e do Panguila no Cacuaco. Essa conjuntura social é agravada

pela instabilidade gerada na troca constante de representantes do Estado, como

ministros e governadores.

As áreas de moradia situadas na periferia de Luanda carecem de quase tudo:

desde um sistema organizado de abastecimento de energia e água à população,

mais hospitais públicos, escolas, rede de esgotos, iluminação pública e mais

transportes públicos, com acessibilidade para a maioria dos habitantes.

Os sinais exteriores de riqueza são mostrados através da aquisição de apartamentos e moradias de 2 a 10 milhões de dólares, da circulação de carros de topo de gama, de acesso a restaurantes de luxo de preços inacessíveis e rendimentos médios mensais de mais de 25000 dólares. Os sinais exteriores de pobreza são a proliferação dos muceques (sic), os vendedores ambulantes, o desemprego, o emprego precário, a falta de água, electricidade e saneamento, o difícil acesso aos cuidados básicos de saúde, etc. Quando se estima que cerca de 60% dos 6 milhões de habitantes de Luanda vivam com menos de dois dólares por dia (PESTANA, 2010, p.214).

Essas são evidências de uma realidade repleta de contrastes: condomínios

luxuosos, cidade antiga e a parte suburbana (musseques) onde reside a população

com menos recursos e que menos usufrui dos investimentos do Orçamento Geral da

União.

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Ao passar pelas ruas de Luanda, observa-se a venda de diversos tipos de

produtos misturados com mercadorias high tech; alimentação; vestuário; calçados;

acessórios de vários tipos; produtos de beleza. de limpeza, desinfetantes; objetos

para decoração de espaços, dentre vários outros. Uma miscelânea de produtos

expostos, várias vezes em locais precários, sendo que muitos destes produtos

piratas são vendidos a céu aberto para quem quiser ver, ou comprar, ou ficam

expostos no meio da rua, em pleno trânsito de veículos. Entre a zungueira e o

condutor, parece que o segundo precisa parar, ou desviar do primeiro para evitar

acidente.

Estes são indícios de um mundo globalizado onde a tecnologia, a pobreza, a

informalidade e a ilegalidade se intercruzam num cenário de cidade que condensa

uma variada trama de relações sociais.

Ao aprofundar essa realidade desafiadora é possível dizer que sua melhoria

passa pela elaboração de políticas públicas e sociais eficazes, universais e capazes

de ultrapassar o atendimento emergencial e esporádico, com ampla capacidade

protetora e que fortaleça vínculos entre os sujeitos. É fundamental a presença do

Estado, acompanhada de estudos que permitam conhecer e compreender a real

situação dos segmentos populacionais mais desfavorecidos indicando respostas

condizentes com as necessidades e anseios dos sujeitos.

O próximo capítulo consistirá em breve análise teórica sobre a pobreza; o

trabalho informal e o cotidiano enquanto categorias analíticas centrais; o significado

do trabalho ambulante na vida das mulheres que o realizam, seus sonhos, suas

estratégias de marketing e o confronto com os fiscais, além de ilustração do

cotidiano dos sujeitos.

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Mulheres que zungam em Luanda. Foto: Pedro Boaventura, 2010

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CAPÍTULO II – O SIGNIFICADO DO TRABALHO AMBULANTE EM ANGOLA E SUAS EXPRESSÕES EM LUANDA

Somente quando o homem real individual absorver o cidadão abstrato, quando como homem individual, em sua vida empírica, em seu trabalho individual, em suas relações individuais, se torne ser genérico, {...} somente então a emancipação humana estará concluída.

Karl Marx

1. Um retrato da pobreza

Em Angola, existe uma verdadeira contradição entre o regime político

conquistado a partir de lutas, que pretende incluir politicamente e ampliar a

cidadania, e uma estrutura dinâmica de um Estado que, historicamente, vêm

produzindo altas taxas de pobreza e desigualdades socioeconômicas. Esse

processo tem levado à existência de grandes contingentes populacionais pobres,

com a cidadania negada pela destituição dos direitos sociais num quadro recessivo

e de desemprego crescente.

A pobreza é um fenômeno antigo, uma categoria permeada por

complexidades, expressando diferentes formas de construção social e histórica da

realidade pelos indivíduos, legitimando um modo de vida e de trabalho. Ela é

também determinada pela maneira como os indivíduos se situam nas políticas

públicas disponíveis.

Tratar desta categoria é analisar uma construção conceitual com

interpretações e significados diferentes que se distinguem pela posição política de

quem fala, do lugar em que se encontra e como se situa na estrutura social do país.

No caso da mulher zungueira que se encontra em terreno incerto, onde a

precariedade, a informalidade e a irregularidade se projetam em seu cotidiano, é

necessária uma análise capaz de evidenciar essas manifestações em sua vida.

Uma forma que a pobreza assume na realidade dos sujeitos da pesquisa é a falta de

recursos básicos para viver como, a escolarização, o emprego formal, a

profissionalização, o acesso à habitação e à saúde; sem falar do alimento diário que

por vezes falta para dar de comer aos filhos.

A pobreza se corporifica, também, na falta de carteira de identidade, que

limita o exercício da cidadania, o acesso aos serviços públicos e restringe seus

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direitos, tornando seu espaço de trabalho e de vida muito limitado, irregular e

precário, quanto à sua condição não cidadã, de invisibilidade nas políticas públicas.

A clivagem entre inclusão e exclusão, em face dos direitos sociais constitucionalmente reconhecidos, possibilita analisar o campo de atuação e o grau de segurança ou incerteza das políticas sociais, que podem ser agrupadas em três núcleos que configuram tipos de direitos distintos: Aquelas que respondem pelos direitos sociais básicos estruturados no aparelho do Estado; Alguns programas que respondem pela garantia dos direitos sociais previstos na Constituição, mas que dependem da opção dos governos por meio de programas estruturais – são vinculados constitucionalmente mas não estão protegidos de cortes; E aqueles programas emergenciais voltados para o enfrentamento de carências e situações de vulnerabilidade social de segmentos específicos. Apresentam caráter transitório e sua continuidade depende, essencialmente, das opções de governo, atendendo a uma demanda difusa e não estruturada no aparelho do Estado (IVO, 2004, p. 4).

Esta proposta de Ivo (2004), quando inserida em contexto angolano aponta

certa inadequação do ponto de vista da profunda desigualdade social e do não

cumprimento da legislação vigente. Na Constituição do país, há o princípio da

universalidade, segundo o qual ‘‘todos gozam dos direitos, liberdades e garantias

constitucionalmente consagrados e estão sujeitos aos deveres por esta

estabelecidos e na lei’’ (ANGOLA. CONSTITUIÇÃO, 2010, p.12, artigo 22º, nº1).

Ademais, o princípio da igualdade, não menos contraditório, é expressão das

relações sociais presentes na sociedade, pois estabelece que ‘‘todos são iguais

perante a Constituição e a lei” (ANGOLA. CONSTITUIÇÃO, 2010, p.12, artigo 23º, nº1).

A realidade social angolana é um indicador dessa desigualdade. Embora o

direito ao trabalho seja reconhecido na Constituição24, ele jamais foi garantido a

todos os cidadãos, bem como o acesso aos bens e serviços básicos, observável

‘‘nos níveis salariais extremamente baixos, instituídos aquém dos patamares de

subsistência” (LAVINAS, entre 2000 e 2008, p. 24).

24 A Constituição angolana (2010) estabelece, em seu artigo 40º (p. 18), que todos têm o direito à liberdade de expressão, isto é, de exprimir, divulgar e compartilhar livremente seus pensamentos; no 38º consta que a iniciativa econômica privada é livre, {...} disciplinada e protegida pela lei (p. 17); no 52º garante o direito à participação na vida pública (p.22); no 76º determina o trabalho como direito e dever de todos, cabendo ao Estado promover e implementar políticas de emprego, igualdade de oportunidades e formação acadêmica (p. 29); no artigo 77º institui o direito à saúde e proteção social, promovido e garantido pelo Estado (p. 29). Todavia, estipula no artigo 85º que todo o cidadão tem direito à habitação e à qualidade de vida (p.32).

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Nesse sentido, as políticas sociais não respondem nem garantem direitos

constitucionalmente previstos, mas apenas intervêm com programas emergenciais

de caráter transitório, destinados a segmentos populacionais específicos, cuja

continuidade depende de opções governamentais.

Como uma das expressões da questão social em Angola, a pobreza constitui

o pano de fundo de políticas sociais mais centradas em ″visões parciais da pobreza,

que pretendem abstrair a noção de pobreza a partir do indivíduo e suas

características em contraposição àquelas que localizam a pobreza como decorrente

das condições estruturais″ (GRISOTTI; GELINSKI, 2010, p. 211).

A pobreza é uma questão complexa, que de acordo com Rocha pode ser

definida genericamente, como {…} “a situação na qual as necessidades não são

atendidas de forma adequada” (ROCHA, 2003, p. 9). Para essa autora, sua

compreensão passa pelo conhecimento da realidade concreta e acrescenta que

conceituar o que é pobreza impõe uma análise sensata e cuidadosa dessa realidade

social. Isso se faz com a identificação de traços fundamentais em dada sociedade,

buscando saber se é uma pobreza generalizada, que afeta a maioria da população,

ou se é geograficamente localizada. Isso é importante para o conhecimento das

demandas socialmente postas, de modo a permitir soluções compativeis com a

realidade.

Ainda de acordo com a autora (ROCHA, 2003, p. 10), definir pobreza

pressupõe, igualmente, saber quais são seus determinantes. Trata-se de uma

situação crônica ou está associada a mudanças econômicas e tecnológicas? Quais

são os sinais e as manifestações? No caso dos sujeitos da pesquisa, esses

aspectos estão na baixa escolaridade, no desemprego, na falta de acesso aos

serviços básicos, na cidadania inexistente e no modo precário de sobrevivência, com

políticas sociais excludentes.

Não há um perfil acabado das pessoas que vivem em situação de pobreza,

embora se reconheça, de acordo com a pesquisa realizada, a existência de pessoas

nessa condição que não se consideram pobres. Mas nem por isso, essas mulheres

deixam de ser pobres, pois a pobreza é uma questão fundamentalmente de

objetivação. Isso porque seu trabalho ambulante é uma forma de objetivação

ontológico-social primária, pela qual se configura a essência da sociabilidade

humana.

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De acordo com Netto (1994, p.36), ‘‘a objetivação, a sociabilidade, a

universalidade, a consciência e a liberdade são atributos’’ produzidos historicamente

dentro da dinâmica de possibilidades da sociedade.

O Inquérito Angolano de Bem-Estar da População (IBEP, 2010, p.28)

identifica a pobreza como uma situação de privação evidente em uma ou mais

dimensões de bem-estar de um indivíduo. Este aspecto pode ser observado no

acesso limitado a serviços de saúde, “baixo capital humano”, na habitação inade-

quada, na má nutrição, na falta de determinados bens e serviços, na pouca

capacidade de expressão de pontos de vista políticos e religiosos.

Nota-se que a pobreza é definida também como a insuficiência de recursos

para assegurar as condições básicas de subsistência e de bem-estar, de acordo

com a realidade de cada sociedade, uma visão pautada nos ditames do Banco

Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). É de se perguntar se esta visão

importada se adequa à realidade angolana.

Com base nas observações da pesquisa em Luanda, pode-se afirmar que

para as mulheres participantes, a pobreza é consequência, também, do desrespeito

da Constituição, isto é, do não cumprimento ou a violação dos deveres do Estado

nela expressos.

Olhando para este cenário, a pobreza pode ser estudada a partir da inserção

dos indivíduos na estrutura produtiva, ou como manifestação de carências

individuais. A visão multifacetada do IBEP tem uma tendência mais voltada para a

segunda opção, muito focada no indivíduo e em suas características, perdendo de

vista a possibilidade de compreender a questão na sua amplitude.

Ao mesmo tempo, esse conceito proposto pelo IBEP apresenta uma serie de

visões parciais, apontadas por Grisotti e Gelinski (2010, p. 212) tais como:

• A teoria do capital humano;

• A pobreza a partir dos níveis de renda auferidos;

• A teoria das capacidades de Amartya Sen (baseada na teoria do capital

humano);

• A noção norte-americana de underclass.

Theodore Schultz, criador da teoria do Capital Humano, considera a qualificação pessoal uma forma de investimento que poderá trazer retornos no futuro, mesmo reconhecendo a dificuldade de medir este tipo de capital, Schultz (1961) considera que há elementos que promovem o capital humano, como por exemplo, os serviços de

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saúde (que contribuem para que as pessoas tenham mais vigor e melhor expectativa de vida), o treinamento no emprego e a educação formal, com destaque para a educação de adultos, gerando uma concepção tecnicista da educação, bem como da pobreza (SAUL, 2004 apud GRISOTTI; GELINSKI, 2010, p.212).

No entanto, não é intenção abordar cada uma dessas visões parciais sobre a

pobreza, mas tê-las como referências na perspectiva de análise mais totalizante ou

mesmo para apontar desvantagens de uso isolado e parcial de um dos conceitos.

Conforme já foi apontado no capítulo I, a amostra do IBEP (2010)

evidencia que a população analfabeta em Angola corresponde a 34% das

pessoas no plano nacional, com desvantagem para as mulheres, sendo que

50% da população feminina é analfabeta. Nas áreas rurais, a situação é mais

preocupante, pois 70% da população é analfabeta, o dobro do que se registra

nas cidades.

O analfabetismo concentra-se maioritariamente na população pobre. Menos de metade da população nas zonas urbanas tem o nível primário de escolaridade concluído. Contudo, mais de um terço dos indivíduos que concluiu o nível primário não transitou para níveis superiores de ensino. A nível nacional, apenas 4% das pessoas concluiram um nível de ensino superior ao primário (ANGOLA. INE/IBEP, 2010, p.13).

De acordo com o IBEP, quanto ao acesso à água potável, os dados oficiais

indicam que somente 42% da população usam uma fonte apropriada de água para

beber, sendo que 66% da mesma não tratam a água para beber, 26% desinfetam

com lixívia (cândida no Brasil) e 7% fervem. Quanto à instalação sanitária, 53% dos

agregados familiares têm uma instalação sanitária em casa, com 39% ligados ao

sistema de esgotos e 37% seguido de fossa séptica. Esse dado torna-se mais

favorável para áreas urbanas e menos para as rurais. No acesso aos serviços a

população mais rica é a maior beneficiária, pois os dados evidenciam que 87% da

população mais rica têm acesso a sanitários apropriados comparativamente a 33,5%

entre os mais pobres. (ANGOLA. INE/IBEP, 2010, p.14),

Grisotti e Gelinski (2010, p. 212) reconhecem que “teorias como a do capital

humano tendem a privilegiar características dos indivíduos, como escassa

qualificação, responsabilizando o indivíduo por não ter alcançado os patamares que

a sociedade lhe exige para estar incluído”.

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{...} a renda pode se configurar como elemento essencial para a identificação da pobreza, para o acesso a bens, recursos e serviços sociais ao lado de outros meios complementares de sobrevivência que precisam ser considerados para definir situações de pobreza. É importante considerar que pobreza é uma categoria multidimensional, e, portanto, não se expressa apenas pela carência de bens materiais, mas é categoria política que se traduz pela carência de direitos, de oportunidades, de informações, de possibilidades e de esperanças {...} (YAZBEK, 2010, p.153).

O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano em Angola (PNUD,1997)

identifica a pobreza como resultado de uma combinação de fatores históricos,

sociais, políticos, bélicos, ecológicos, demográficos, administrativos e econômicos, e

de violação à democracia.

Conforme Souza, viver em situação de pobreza pressupõe o “afastamento da

riqueza socialmente produzida, estar em situação de vulnerabilidade social e

sofrendo restrições de acesso aos direitos sociais adquiridos, entre outras questões”

(SOUZA, 2009, p.31-32). Esta concepção está aliada à visão da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) que considera a exclusão, preponderantemente,

como processos e trajetórias de empobrecimento susceptíveis de levar à ruptura de

redes de sociabilidade e de proteção social.

Desde 1980, o Banco Mundial vem atuando como formulador de

recomendações políticas para os países em desenvolvimento, fonte disseminadora,

ao lado do FMI, das políticas de cunho neoliberal, cujos efeitos já se fazem sentir

também em contexto angolano. A visão dessas agências internacionais é

fundamentalmente restrita, baseada nos níveis de renda com uma perspectiva

quantitativa, e reforça a ideia segundo a qual o Estado deve retrair a sua atuação, de

modo a tornar-se um elemento catalisador, facilitador e parceiro dos mercados.

O Banco Mundial considera que “os Estados devem complementar os

mercados e não substituí- los” (BANCO MUNDIAL, 1997, p. 18, apud UGÁ, 2004, p. 57)

e devem voltar suas ações para a implantação e adaptação de instituições que

estimulem um melhor desempenho dos mercados. Essa tendência define patamares

pré-determinados nos quais os pobres são enquadrados: os indivíduos considerados

pobres vivem com two-dollars a day; e aqueles que vivem em situação de pobreza

extrema com one-dollar-a-day.

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Para Pestana (2009), a pobreza não está mais associada à suposta

“preguiça” de uns imposta pelo contexto de guerra, à incapacidade de outros ou à

identidade de alguns (conforme se postulava), mas à desigual distribuição da

riqueza produzida. Isso se evidencia na elevação da curva de progressão da riqueza

e, contraditoriamente, na curva de progressão da pobreza. O autor considera a

pobreza uma vergonha nacional, na medida em que o país registrou uma média de

crescimento econômico de 20% até 2009.

Em Angola, a maioria da população é pobre, vivendo com, aproximadamente,

1,7 dólares americanos por dia, sem acesso ou com acesso limitado aos serviços

básicos e diante de precário funcionamento do sistema de direitos. Trata-se de um

problema que precisa ser considerado no âmbito do contexto histórico do país, com

uma diversidade de situações concretas carregadas de complexidade. A pobreza

aparece nos discursos dos políticos legitimada pelo pensamento dominante, que não

expressam a real situação do país.

Na pesquisa realizada, verificou-se que, nenhuma zungueira participante se

considerava subjetivamente pobre. Isso pode ser explicado pelo reconhecimento de

que é uma questão que precisa ser objetivamente tratada pelo sistema, que

contraditoriamente insiste em rotular as pessoas como pobres, como culpadas pelos

males que as aflige. Aqui entende-se, por exemplo, que ao expulsar as mulheres

zungueiras das ruas, usando a violência, o governo angolano se apresentasse a

favor da culpabilização das pessoas por viverem em situação de pobreza, como se o

Estado garantisse as condições necessárias para viver sem que fosse necessário

recorrer ao comércio ambulante.

Submersos numa ordem social que os desqualifica, marcados por clichês: inadaptados, “marginais”, “problematizados”, portadores de altos riscos e vulnerabilidades, os pobres representam a herança histórica da estruturação econômica, política e social da sociedade. Fazem parte dessa história, a cultura oligárquica e autoritária de uma sociedade desigual e assimétrica, caracterizada por insuficientes recursos e serviços voltados para atender às necessidades dos segmentos das classes subalternas (YAZBEK, 2010, p. 154).

De acordo com Telles, esta realidade impõe uma firme interlocução pública e

negociação entre atores sociais, entre sociedade e Estado.

{...} na ótica da cidadania, pobre e pobreza não existem. O que existe, isso sim, são indivíduos e grupos sociais em situações

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particulares de denegação de direitos {…} ao invés do ‘pobre’ atado pelo destino ao mundo das privações, o cidadão que reivindica por seus direitos (TELLES, 2006, p.129).

Nesse sentido, o indivíduo aparece com identidade, vontade e ação, no

âmbito das circunstâncias que determinam suas possibilidades e seus limites. Telles

vai mais longe ao afirmar que “é nessa homogeinização carregada de

consequências, inscrita na figura do pobre, que a prática da cidadania (se) dissolve”

(TELLES, 2006, p. 129).

A pobreza se constitui como expressão das relações sociais desiguais, um

produto da insuficiência ou inexistência de políticas sociais universais, incapazes de

garantir pelo trabalho os benefícios para a manutenção da vida dos trabalhadores.

Semelhante ao contexto apresentado por Telles (2006, p. 92), em Angola o

caráter universal da lei garante a todos a proteção social e tende a anular, na

prática, os efeitos redistributivos e compensatórios que supostamente seriam os

objetivos das políticas sociais.

Em conformidade com Telles:

{...} o que chama a atenção é a constituição de um lugar em que a igualdade prometida pela lei reproduz e legitima desigualdades, um lugar que constrói os signos do pertencimento cívico, mas que contém dentro dele próprio o princípio que exclui as maiorias, um lugar que proclama a realização da justiça social, mas bloqueia os efeitos igualitários dos direitos na trama das relações sociais (TELLES, 2006, p. 91).

Está em cena, um contexto de contradições entre a formulação e a

formalização dos direitos na realidade angolana, pondo em convergência os

paradoxos dessa sociedade.

À semelhança do contexto da América Latina, Lavinas considera que, em

Angola, o combate à pobreza constitui foco de bons discursos políticos, mas não se

apresenta como foco de atenção prioritária no âmbito das políticas sociais; muito

menos apresenta justificativa para a adoção de mecanismos redistributivos de

proteção aos grupos populacionais vivendo em situação de pobreza (LAVINAS, entre

2000 e 2008, p. 24).

Para enfrentar a pobreza compete ao Estado angolano estabelecer

coordenadas e prioridades nacionais, susceptíveis de serem fortalecidas e

consolidadas pelas gestões locais. De acordo com Lavinas, deve-se levar em conta

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a “atuação preventiva capaz de evitar a quebra de laços de pertencimento,

ampliando a cobertura dos serviços, a segurança e considerar a necessidade de

transformações estruturais na dinâmica do mercado de trabalho” (LAVINAS, 2000-

2008, p. 62). Isso pode fortalecer a efetivação dos direitos, constitucionalmente

postos, dentro dos princípios de universalidade e igualdade, que também devem

reger as políticas públicas.

Assim, conforme Yazbek (2010, p. 154), quanto mais os assistentes sociais

forem capazes de explicar e compreender as lógicas que produzem a pobreza e a

desigualdade, constitutivas do capitalismo, mais condições terão para intervir, para

elaborar respostas profissionais qualificadas do ponto de vista teórico, político, ético

e técnico. Nessa perspectiva, a análise da realidade social à luz de conceitos

teóricos explicativos torna-se ferramenta primordial do trabalho do assistente social.

2. O trabalho informal – Um conceito e várias reali dades

O presente estudo considera a mulher enquanto ser humano genérico,

indivíduo social que se quer cidadã, livre e consciente, capaz de construir seu

próprio conceito de vida, de sociedade, potencial responsável pela direção, controle

e mudança de sua realidade social.

O trabalho da mulher zungueira está dentro dessa dinâmica do ser mulher

como fundante deste ser que assume seu projeto de comércio ambulante como

resposta a dada situação cuja natureza desse trabalho incorpora determinações do

patamar de desenvolvimento alcançado pelo país em determinado momento

histórico. Como ser social ela tem uma vida rica e dinâmica (expressão da totalidade

histórica e social), que na afirmação de Marx sobre o caráter ontológico do trabalho

é por meio dele que os sujeitos se transformam e modificam a realidade que os

envolve.

Antes de tudo, o trabalho que realiza é um processo entre o Homem e a Natureza, um processo em que o Homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele

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desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. [...] Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao Homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonharia mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera (MARX, 1996, p. 297-298).

De acordo com Marx (1996), o processo de trabalho tem um fim que se

apresenta como resultado, algo que já no início existiu na imaginação do trabalhador

de forma idealizada. Ele não apenas transforma, mas também realiza seu objetivo

na matéria natural, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de

sua atividade, ao qual tem que subordinar sua vontade. E essa subordinação não é

um ato isolado.

O nexo desta referência a Marx no contexto do trabalho ambulante realizado

como resposta às demandas cotidianas, torna-se relevante para pôr em destaque os

processos sociais por meio dos quais eles se constroem enquanto individualidades

e, simultaneamente, enquanto totalidade social. A orientação do trabalho pela

vontade do indivíduo e, principalmente, pela consciência e necessidade de realizar

um fim específico reitera os princípios do trabalho humano.

O trabalho fundante do ser social nos remete à vida e todo o simbolismo

inerente ao viver. Viver significa correr como força, uma palavra originária do latim

vis = força, pois não se trata apenas de força individual, mas de várias forças em

movimento, portanto, coletivas e sociais. Viver de fato significa ter uma participação

ativa com autonomia e liberdade no mundo em que se está inserido. Nesse sentido,

a vida se revela em movimento, em sonhos, em desafios que se expressam num

cotidiano repleto de complexidades, onde a saída pode se apresentar na relação do

indivíduo com outrem, por meio do trabalho.

Para Marx e Engels (1983, p. 187), a existência de indivíduos vivos constitui o

primeiro pressuposto de toda a história humana, sua organização corporal e relação

com a natureza, de onde emana a transformação pela ação do homem no curso da

história. Assim, os homens não se distinguem apenas pela consciência, pela

religião, mas principalmente pela produção de seus meios de vida, a sua vida

material. Os indivíduos são assim, como manifestam a sua vida, que coincide com o

quê e como produzem. Essa produção sucede com o aumento da população, o

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intercâmbio dos indivíduos entre si, processo este que é condicionado pela produção

de seus meios de vida.

Nessa perspectiva, o homem é um ser em transformação, um ser que se

desenvolve pela capacidade de objetivação e, em sua complexidade, as

objetivações humanas constituem-se em práxis, gerando realização. Assim:

{…} a práxis abrange todas as práticas ou processos sócio-históricos que os homens desenvolvem na construção da sociedade e de si mesmos, não se reduzindo, portanto, ao trabalho, entendido como o modelo mais acabado da práxis, no qual estão contidas as maiores determinações desta, através do qual o ser social se constitui, criando e recriando relações sociais (CARDOSO, 1995, p. 34-35).

O Homem, na perspectiva ontológica, é um ser eminentemente social dada

sua condição de homo sapiens, volens, loquens, faber, culturalis, ludens e religiosus

isto é, um ser inteligente, capaz de conhecer intelectiva e sensitivamente. Ele é

dotado de vontade e liberdade, o que o possibilita “escolher entre alternativas

concretas”. É provido de linguagem articulada, um sistema de signos artificiais e

convencionais que lhe permite se expressar e se comunicar com os demais, sendo

que cada expressão se reveste de identidade e significado próprio sobre a vida e o

contexto presente, passado e futuro de quem a emite.

Como um ser social e histórico, o Homem tem a capacidade de trabalhar e

desenvolver a produtividade do trabalho, o que o diferencia dos outros animais e

possibilita o progresso de sua vida e o desenvolvimento de suas potencialidades.

Dotado de razão, como ser pensante, o ser humano é consciente de suas

possibilidades, projetando suas ações, programando, organizando-se em

sociedades e grupos.

Para Marx, o gênero humano resulta de um salto na dinâmica da natureza (orgânica e inorgânica), que sofreu uma inflexão substantivo-estrutural quando se instaurou o ser social: este foi colocado pelo processo do trabalho. [...] Com o trabalho, que é uma atividade desconhecida no nível da natureza, posto que especificado pela teleologia (quando o que a natureza conhece é a causalidade), um determinado gênero de ser vivo destacou-se da legalidade natural e desenvolveu-se segundo legalidades peculiares. É o pôr teleológico do trabalho que instaura o ser social, cuja existência e desenvolvimento supõem a natureza e o incessante intercâmbio com ela – mas cuja estrutura é diversa dela e dela tende a afastar-se progressivamente, mercê de uma crescente e cada vez mais autônoma complexidade. Portador do ser social, mediante a apropriação da herança cultural pela via da sociabilização, cada

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indivíduo do gênero humano é tanto singularidade quanto universalidade e só existe como ser social enquanto é ser objetivo – isto é, que se objetiva. E sua objetivação ontológico-primária é precisamente o trabalho, atividade necessariamente coletiva – donde a determinação marxiana do homem como ser prático e social. (MARX apud NETTO, 1993, p.35)

Para viver, o trabalho constitui elemento central, por meio do qual o Homem

desprende energia física e mental. Assim, Marx (2011, p.212) identifica os seguintes

elementos de qualquer processo de trabalho:

• A atividade adequada a um fim, o próprio trabalho;

• A matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho;

• Os meios de trabalho, o instrumental de trabalho.

Assim, o trabalho dos sujeitos deste estudo está direcionado a um fim

determinado, que se situa no âmbito da circulação e do consumo para a satisfação

das necessidades básicas como alimentação, saúde, habitação e educação e não

da produção (no campo dos serviços). Para este fim ser alcançado exige o recurso

da venda e respectivos meios de trabalho que se adequem ao objeto – venda

ambulante – para a produção do valor socialmente necessário à reprodução social.

Isto permitirá ao trabalhador (a mulher zungueira) satisfazer suas necessidades;

fazer do mundo uma moradia mais habitável, hospitaleira e confortável; lugar onde

ele nasce, cresce, estabelece relações, (re) produz, faz história e morre; onde

constrói e atribui significado às suas relações. Assim, de acordo com Netto (1994, p.

36), “o trabalho, pondo o ato teleológico, põe a possibilidade da liberdade: escolha

entre alternativas concretas”.

É nessa dimensão ontológica do trabalho que se apreende melhor a riqueza

desse estudo, cuja realidade concreta revela um ritmo de vida instável e um trabalho

transitório, dentro de um cotidiano turbulento com precariedades.

Uma alternativa interessante surge ao eleger como objeto de análise o

trabalho informal, com ênfase no cotidiano da zungueira. De um lado, está a

perspectiva das políticas públicas tendo em vista a inserção social da mulher

conforme foi apresentado no capítulo I e, de outro, o modo como a venda

ambulante, se configura como sinônimo de zunga em Luanda, um trabalho instável,

precário e que foge às normas estabelecidas para seu exercício.

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Como foi dito aqui, o trabalho é referenciado na sua dimensão ontológica,

mas, fundamentalmente, nas formas concretas de sua realização na sociedade

angolana, na qual o comércio ambulante se apresenta como atividade, geralmente

situada nas fronteiras incertas do informal, ilegal e ilícito, conforme apresenta Telles

(2010, p. 151-198); apesar da análise ser feita em realidade brasileira diferenciada,

ela se assemelha a de Luanda.

Ao mesmo tempo, essa realidade nebulosa do comércio ambulante surge em

um cenário de atividade ocasional para uns e regular para muitos trabalhadores No

caso das participantes da pesquisa, elas retratam experiências de trabalho informal

desde a infância, depois adulta, como mãe na educação dos filhos e na venda de

produtos em sua residência. É comum, na velhice a mulher continuar realizando

esse tipo de atividade, que pode ser um sinal de que durante sua vida a sociedade

não garantiu alternativas para a melhoria de sua condição de trabalhadora informal.

De acordo com Beinstein entre os países desenvolvidos e em

desenvolvimento há distâncias significativas a percorrer, ‘‘marcas seculares que

modelaram comportamentos económicos, processos de produção e relações

sociais’’ (BEINSTEIN, 2001, p.69).

Os países em desenvolvimento, dentre eles, Angola, reúnem Estados

ineficazes com indicadores de corrupção, sistemas educacionais desordenados,

altos índices de analfabetismo total ou funcional e um enorme contingente

populacional vivendo em condições de extrema pobreza, violência e caos urbano,

concentração de renda muito elevada e crescente.

Esta análise evidencia o quanto é ilusória a ideia de que a livre concorrência

global pode conduzir a uma generalização planetária do bem-estar. Na realidade,

até 1999, a maioria da população mundial era, e continua a ser assim, a que menos

participava da produção do Produto Mundial Bruto (PMB); em contexto angolano a

situação da produção do Produto Interno Bruto (PIB) é semelhante.

As transformações produtivas, em nível mundial, exigem cada vez mais

preparação do trabalhador, mas contraditoriamente, estão na base do surgimento do

chamado exército industrial de reserva junto ao qual seguiram grupos populacionais

que por falta de preparação para o mercado (ou mais precisamente, por um

mercado que os exclui). Eles passam a sobreviver à custa de sua criatividade, de

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seu esforço pessoal por meio do comércio informal, que vai tomando tonalidades

diferentes, inclusive a recorrência ao comércio ambulante25.

Os mercados laborais informais em diversas regiões do Mundo em Desenvolvimento estão fortemente fragmentados e diferenciados em função do género numa variedade de formas, na medida em que aparecem compostos de vários tipos distintos de oportunidades. Por exemplo, as atividades [sic] das mulheres encontram-se frequentemente em sub-sectores específicos tais como a preparação da alimentação, pequena produção, comercio de rua ou trabalho subcontratado (MOSER, 1978, apud DUCADOS, 2000, p. 2).

Isso é indicador de que mesmo quando a mulher ingressa no mercado de

trabalho, que é o mundo público, o faz em áreas que a mantêm em atividades que

reiteram sua subalternidade, semelhantes àquelas que assumem no âmbito

doméstico e familiar; isso significa o cuidado com a família, alimentação, vestuário,

pequena produção, por meio de com atividades subvalorizadas e depreciadas.

O capital pode ser entendido como trabalho que foi realizado no passado,

conforme evidencia Braverman (1977, p.328), pois a classe trabalhadora se

apresenta como aquela que vende sua força de trabalho ao capital em troca de sua

subsistência. É evidente, porém, que os sujeitos da pesquisa não podem ser

identificados nesse grupo, mas sim como parte da população excedente relativa, a

estagnária, aquela “cujo emprego é irregular, eventual, marginal e parte dos que

habitam o mundo do pauperismo” (BRAVERMAN, 1977, p.328). Esses, que trabalham

de forma ocasional, irregular e “marginal” são facilmente confundidos como

criminosos e tratados como tal. Vale a pena aqui reiterar a contribuição do estudo de

Telles (2010) quando se refere às fronteiras muito tênues e incertas entre o informal,

o ilegal e o ilícito.

Com essas determinações sociais, econômicas, políticas e culturais no

mundo atual, verifica-se que as transformações têm acelerado o desemprego

estrutural no seio da população. Se, de um lado, reduzem a classe operária

tradicional, de outro, são impulsionadas pelas múltiplas formas de trabalho informal,

precário e subproletariado, manifestações da questão social em Angola.

25 Exercito industrial de reserva é um conceito desenvolvido por Karl Marx e se refere ao desemprego estrutural, uma força de trabalho que excede às necessidades da produção. Para garantir o processo de acumulação capitalista é necessário que parte da população ativa esteja, permanentemente, desempregada. Marx distinguia três formas de exército industrial de reserva: a flutuante, a latente e a estagnária.

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Por isso, é importante retomar a questão apresentada na primeira parte deste

estudo, especialmente no que se refere ao contexto sócio-histórico do país. O

caráter conservador faz prevalecer uma divisão social e sexual do trabalho, que

tende a situar a mulher numa posição de subalternidade, dependência e

inferioridade. Assim, na década de 1950, havia os ofícios de lavadeira, engomadeira,

peixeira ou quitandeira que não exigem muita escolaridade, os quais são marcados

fortemente pela presença feminina, tendência que prevalece até aos nossos dias.

Trata-se de atividades precárias, muitas vezes sazonais e irregulares, nas quais,

não são reservados direitos legais. Para Cardoso (1995, p.65), esta subalternidade

“só pode ser percebida no âmbito da totalidade em que estas mulheres se inserem”.

Como foi observado na primeira parte deste estudo, o entendimento da

zunga, como venda ambulante data do período colonial, mostrando um fenômeno

que não é novo e, de certa forma, já estudado anteriormente por Oliveira Marques

(1890-1930); Óscar Ribas (1950); Carlos Lopes (2004 e 2007); Aline Pereira (2004);

Orlando Santos (2010) e Simão Samba (2012), apesar de seu ressurgimento ter sido

alavancado com as desigualdades sociais agravadas pela guerra civil, terminada em

2002.

Entre os comerciantes informais referenciados por Ribas1 (2009), no contexto

de 1950, encontrava-se o vendedor de missoso (medicamento à base de folhas e

raízes), a quitandeira (que vende fruta e verduras) e a peixeira. Além destes, o autor

faz menção aos vendedores de cestos, quindas (balaio para trasportar produtos na

cabeça) e outros artigos artesanais. Ao mesmo tempo, este autor foi pioneiro, na

literatura angolana, ao trazer em sua discussão o termo zunga e o contexto em que

ele era usado.

Entre os tipos mais comuns de ambulantes verificados, ao longo das

observações na cidade de Luanda, em 2011, estão os zungueiros e zungueiras que

vendem produtos alimentares e não alimentares; catadores de garrafas; peixeiras;

mamãs do jolamiongo26 que comercializam medicamentos naturais à base de raízes,

pós, folhas e outros; e quínguilas, que trocam moeda local por dólar. Este cenário é

26 Segundo informação da vendedora, jolamiongo ou tangawisi é um medicamento em pó, proveniente de raízes, comercializado na zunga para tratar reumatismos, tosse, hemorróidas, cárie, dores lombares, sendo mais usado como afrodisíaco. Pela embalagem do produto, vê-se que é preparado fora de Angola, na República Democrática do Congo. A posologia para o consumidor indica o uso de 10 saquinhos em 10 dias, perfazendo um gasto de 5 mil kuanzas, o equivalente a 50 dólares americanos.

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diferente em relação ao trabalho da peixeira e quitandeira antes da Independência

do país.

A realidade de Luanda se apresenta para muitos ambulantes como a cidade

objeto de consumo, lugar onde muitos desejam estabilizar sua vida, realizar seus

sonhos, conforme evidencia David Chaney (1996). Este autor afirma que os estilos

de vida podem ser definidos como padrões de ação que ajudam a diferenciar as

pessoas, a darem sentido às suas ações e a se compreenderem reciprocamente.

Desta forma estabelecem laços identitários no seio de uma sociedade cada vez mais

comandada pelo consumismo e respectiva negociação de valores.

Este entendimento passa pela compreensão do espaço da cidade de Luanda,

enquanto polo de atração para o comércio ambulante dada a capacidade de compra

de seus moradores. Para muitas jovens, que migram de suas zonas de origem,

Luanda é um local de consumo e de fixação de novo espaço residencial; nas ruas

elas (re) definem usos e modos de trabalho. Com isso, as mulheres que trabalham

zungando, usam esse espaço de trabalho vendendo produtos, conversando com as

colegas e, até, como espaço para urinar e comer, em longas jornadas de trabalho,

geralmente, das sete às sete.

Comércio informal é a prática de atos de comércio de caráter espontâneo, realizado em locais impróprios, nomeadamente na rua, de rua, de esquina, de frente aos estabelecimentos comerciais e nos mercados paralelos sem obediência a regras e normas técnico-jurídicas, higio-sanitárias, obrigações fiscais para com o Estado, estabelecidas pela Legislação Comercial Vigente. Contudo, na conjuntura atual económica, financeira e social que o país atravessa, o comércio informal não deixa de ser um ‘‘mal necessário’’ {…} caraterizado pela importação ilegal de mercadorias realizada por pessoas singulares e coletivas, não licenciadas para o exercício da atividade {…} (ANGOLA. DNCI, 2006, p.3).

Ao mesmo tempo, em Luanda, as participantes da pesquisa, que realizam o

comércio ambulante27, compram os produtos de forma contrabandeada, por meio de

terceiros que extraviam de empresas, ou comprados em armazéns “legalmente”

estabelecidos.

27 Atividade comercial a retalho (varejo) exercida de forma não sedentária, por indivíduos que transportam as mercadorias e as vendem nos locais de seu trânsito, fora dos mercados municipais e em locais fixados pelas Administrações Municipais (Angola. 2007, Artigo 2°, p.13).

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A revenda nas ruas aos clientes é o momento em que se evidenciam

processos que discriminam raças e origens e, particularmente, as trabalhadoras

zungueiras, principal alvo da violência gerada pela ação dos fiscais em nome de

uma política de urbanização higienista que exclui os pobres e a pobreza da cidade,

especialmente das suas áreas centrais. De modo geral, este segmento de

ambulantes não produz os bens para sua atividade, eles adquirem de outras fontes

ou recebem de vendedores do mercado para despachar nas ruas; servem-se de

intermediários já explorados pelo proprietário da mercadoria, que paga um valor

inferior a 40% da mercadoria vendida. Esta situação não é comum entre as

participantes deste estudo, já que apenas uma fez referência que, em algum

momento da sua vida quando começou a zungar recorreu a essa modalidade de

venda para terceiros.

Por outro lado, é visível ‘‘a fragmentação e diversidade de atividades e

situações que o trabalho ambulante apresenta hoje e que complexificam as análises

já realizadas sobre esse segmento de trabalhadores’’ (MARQUES GOMES, 2006, p.

222).

Ao mesmo tempo, observa-se no espaço de trabalho das zungueiras: carros

utilizados em serviço de táxi, a maioria com superlotação; crianças, jovens, idosos,

pedintes perambulando pelas ruas; pessoas em determinadas circunstâncias

roubam e agridem transeuntes; fiscais do governo provincial que correm expulsando

e batendo nos zungueiros e zungueiras, um ambiente agitado e tenso.

A venda ambulante acolhe um número significativo de mulheres, porém seu

caráter informal propicia: fuga ao fisco; condições inadequadas de conservação;

armazenamento e transporte dos produtos até chegarem ao consumidor; não

cumprimento das recomendações de higiene, proteção, saúde e segurança. Isso

conduz, muitas vezes, à venda de produtos contrabandeados e impróprios para o

consumo, num regime de concorrência visto como “desleal” frente aos demais

agentes econômicos, conforme já foi dito anteriormente.

Como consequência do comércio ambulante, verifica-se o confronto

entendido como correlação de forças, como luta pela mudança, que ocorre

diariamente quando se observam policiais batendo nas mulheres zungueiras,

inclusive em grávidas e com crianças às costas. Algumas mulheres tiveram seus

filhos como alvo desta escolta. As mulheres correm fugindo da ação violenta dos

agentes da ordem pública, mas isso não as impede de continuarem lutando pela sua

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sobrevivência e ajudando o marido na renda familiar, e muito menos, fogem do

sonho de ver seu filho na escola.

A imprensa angolana tem testemunhado tais ocorrências. Um exemplo pode

ser conferido em jornais:

Bebé de zungueira morto por oficial da polícia: um bebé de poucos meses morreu na quarta-feira, 24, no bairro de São Paulo, município do Sambizanga, após ter sido atingido com um porrete, arremessado por um inspetor [sic], de três estrelas, da Policia Nacional, conhecido por mau. Segundo testemunhas a criança, que estava às costas da progenitora, teve morte imediata, ao ser acertada pelo bastão quando mau tentava bater na mãe, cujo nome não foi possível apurar. Após a tragédia, as zungueiras foram apossadas de um sentimento de revolta e proferiram palavras hostis e de repúdio contra os agentes da corporação. O cenário de todos os dias na zona de São Paulo é de efetivos da polícia e da fiscalização a perseguirem os vendedores ambulantes, apreendendo-os e os respectivos artigos (ANGOLA. Semanário Angolense, 2010)28.

Lopes (2007, p. 31) retrata esta situação como ‘‘fase de reação repressiva por

parte das autoridades estatais’’, acompanhada da destruição de praças e o confisco

de produtos e aprisionamento de vendedores. A escolha desses percursos para a

zunga está relacionada ao local de residência dessas trabalhadoras, à origem dos

abastecimentos e à existência de clientes potenciais e fixos.

A vulnerabilidade social a que são submetidas estas mulheres está associada

à exposição aos riscos que fogem do controle e ameaçam sua integridade física. O

contexto de Luanda, como grande cidade, está associado à precariedade urbana:

riscos sociais como a desproteção, o fraco ou inexistente saneamento do local onde

trabalham e a violência. A dimensão de tais riscos ultrapassa o terreno da

informalidade, pois são riscos de regulação e desproteção social, tratando-se de

trabalhadoras sem licença para o exercício do comércio na rua, vulneráveis também

ao oportunismo econômico (corrupção), político (clientelismo) e à violência do

Estado (repressão).

Para Sousa (1998, p.22), o recurso de muitas mulheres ao comércio

ambulante está associado ao fato de que “a população economicamente ativa

apresenta um nível de analfabetismo elevado, situando-se no nível médio de

escolaridade em seis anos”. A taxa de participação das mulheres é idêntica a dos

28Disponível em: patriciaguinevere.blogspot.com/.../luanda-bebe-de-zungueira -morto-por.html. Acesso em: 27/05/2012. Outras informações: “Zungueiras espancam fiscal no São Paulo”, jornal O Independente, 13/02/2006. Disponível em: www.angonoticias.com.

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homens e isto pode ser reflexo de estratégias de sobrevivência da família que

impulsionam cada vez mais as mulheres para o mercado de trabalho.

Nesse sentido, o desemprego surge nesta discussão como “a parte contada

oficialmente do excedente da população trabalhadora necessária para a acumulação

do capital e que por sua vez é produzida por ele” (BRAVERMAN, 1977, p.326) para

explicar que se trata de um segmento de trabalhadores com pouca ou nenhuma

escolarização. Como tal, são despreparados para as exigências do mercado – na

lógica do capital – da qual os sujeitos deste estudo estão excluídos, mas incluídos

outros que realizam comércio ambulante em Angola.

Ducados em seu trabalho cita Chant para apontar a diferença de rendimentos

entre os homens e as mulheres no setor informal, aspectos também evidenciados

neste estudo. Isto é “devido ao fato que as mulheres têm uma falta de dinheiro para

começar o negócio, pouca formação adquirida e pouca experiência de trabalho

profissional” (CHANT, 1999, p.516, apud DUCADOS, 2000, p. 3).

Essa diferença de rendimentos entre os homens e mulheres não pode ser

generalizada na medida em que não corresponde à realidade de todo o país e nem

de todas as mulheres e homens em Luanda. Ainda assim, as desigualdades se

apresentam de forma latente, influenciadas por todo um legado histórico da

escravatura, colonização e guerra civil deixado ao país ao longo de muitos anos.

Por certos valores conservadores da cultura angolana, a mulher não teve

prioridade na formação. Acreditava-se que o homem precisava estudar, e como

marido deveria dar seu status à sua mulher mesmo que não escolarizada. A

responsabilidade de estudar e de garantir uma “vida boa” era do homem, que

deveria dar o nome; quando casada com um doutor, a mulher mesmo analfabeta era

considerada e tratada como doutora ou como a mulher do chefe.

É nesta luta entre Angola real e Angola legal, atravessadas pelo

conservadorismo eivado de preconceitos, que a mulher zungueira tem sido tema de

reflexão e preocupação da sociedade luandense. A partir de 2003, a zunga tornou-

se também assunto de música para alguns cantores angolanos, que procurando

retratar o cotidiano de trabalho dessas mulheres, descrevem em forma de canto, a

arte da zunga, tal qual ela lhes parece.

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{...} tá qui manga é dez kuanzas é zungueira, é zungueira, é zungueira como lhe chamam na banda; é peixe, é peixe senhora, é larangé, tem boa roupa para agora e sapato para o seu pé…veio fugida do mato, percorrendo a cidade com fé, no seu canto de pranto alto, procura ganhar o seu pitéu…já teve tanta riqueza {…} com a guerra veio a pobreza que ela apenas quer esquecer. {…} quis entrar na faculdade, não assimilou a academia, pediu um voto à cidade para amanhã poder ser rainha {...} (Trecho da música da Banda Maravilha no Álbum: É Zungueira)29.

Esta canção reflete a zunga como mecanismo de sobrevivência, susceptível

de criar uma correlação de forças com o trabalho da mulher zungueira pela

sobrevivência. Se essas mulheres consideram sua atividade, um trabalho, ao

mesmo tempo, fazem parte da classe trabalhadora considerada desempregada. Na

zunga, muitas mulheres buscam melhorar a situação em que se encontram, lutam

para serem sujeitos de direito, na busca por oportunidades para ruptura, ou para o

confronto.

Segundo Lopes (2007), o superpovoamento de Luanda impulsionado pela

guerra agravou a oferta e aumentou a procura de bens e serviços, dado o elevado

índice de população consumidora. Este revela-se como um dos fatores do aumento

de mulheres e de crianças a vender todo o tipo de produtos pelas ruas da cidade,

aliado às políticas de liberalização econômica.

Esta visão do trabalho informal aqui apresentada não foge totalmente do

entendimento de Tavares (2004)30, que classifica o ‘‘setor informal’’ como atividades

desenvolvidas às margens da produção capitalista.

Na realidade angolana, as mulheres vendedoras ambulantes constituem um

segmento da população ‘‘não considerado’’ na formulação das políticas públicas de

trabalho, que embora em construção, poderiam ter um direcionamento universal.

Essas mulheres, na prática, nem podem ser consideradas cidadãs: grande parte não

tem documento de identidade pessoal; não sabe ler, nem escrever; não tem acesso

ou não conhece os mecanismos de acesso aos serviços públicos e recorre à

medicina tradicional nos cuidados com a saúde. Nessa condição, a possibilidade de

ela participar de forma ativa na sociedade é mínima, senão nula.

Para Tavares (2004, p. 11), a economia informal não é uma disfuncionalidade

da economia, que pode ser corrigida mediante uma boa política de inclusão social,

29 Disponível em: http://www.angola-shop.com/Banda-Maravilha-Zungueira/pt 30 Tavares baseia-se no Relatório do Quênia, elaborado por pesquisadores da OIT que teve como finalidade diagnosticar e propor políticas para combater o desemprego e a miséria nesse país.

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como defenderam os pesquisadores da OIT. Esta produção é resultado do

movimento de acumulação do capital, uma vez que esse mesmo movimento é capaz

de criar, destruir e recriar os espaços econômicos nos quais atuam formas de

produção não eminentemente capitalistas. A informalidade pode ser vista a partir do

trabalho produtivo e improdutivo; neste último estão os comerciantes informais e as

vendedoras ambulantes.

No capitalismo, ‘‘o trabalho de uma vendedora, se esta trabalha para um

estabelecimento, ela é uma trabalhadora assalariada como outra qualquer’’

(TAVARES, 2004, p.13). Conforme esta autora, se a mulher trabalha por conta própria,

indo de porta em porta, de rua em rua, vender seus produtos, é uma ‘‘trabalhadora

improdutiva, cuja sobrevivência depende da capacidade de compra de seus

clientes’’ que, por sua vez, irá depender da fonte de onde retiram seus rendimentos.

Assim, esta trabalhadora vive da apropriação de parte dos rendimentos auferidos

por outros indivíduos. Se essa vendedora trabalha por conta própria, sua sorte

dependerá de sua capacidade de criar sua própria clientela e da capacidade de

compra desta mesma clientela. Esta poderá crescer ou diminuir, conforme o ritmo de

crescimento da economia, visto que sua capacidade de gastos é função direta de

seus rendimentos (TAVARES, 2004).

No entanto, o trabalho informal vai além das atividades produtivas executadas

à margem da lei, especialmente, da legislação trabalhista vigente conforme os

países. Aqui se situam os vendedores ambulantes (como a mulher zungueira) que

não contribuem à previdência. Este ponto de vista compreende o trabalho informal a

partir da precariedade de sua realização, mas também por um conjunto de

processos “de desregulamentação, desassalariamento, combinados com as

características dos sujeitos (idade, educação e experiência ocupacional), que afeta

de forma diferenciada a locação desigual dos indivíduos no trabalho”’ (RIVERO, 2009,

p. 15).

O conceito de trabalho informal norteador desta reflexão baseia-se na visão da

ONU (1996) e de Queiroz (1999):

{...} tratando-se de todo um vasto leque de comportamentos socialmente admissíveis, realizados fundamentalmente com finalidade de sobrevivência e que escapam total ou, parcialmente ao controlo dos órgãos de poder público local/regional/nacional em matéria fiscal, laboral, comercial, sanitária ou de registo estatístico (QUEIROZ, 1999 apud LOPES, 2000, p. 102).

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Esse aspecto inquietante leva a questionar por que só se expulsa as

zungueiras e zungueiros, quando a peixeira e os demais ambulantes partilham um

espaço comum? A resposta a essa questão remete ao âmbito administrativo, que

define regras universais, como as presentes na Lei-quadro das Transgressões

Administrativas (Lei 10/87, de Junho de 2008, p. 45). O seu artigo 6º afirma que

“ninguém, nem ao próprio vendedor ambulante é permitido tocar com as mãos nos

produtos alimentares à venda, devendo trazer consigo uma pinça ou instrumento

especial para adequado manuseamento da mercadoria”.

Essa é a realidade do comércio ambulante em geral, em que nem a zungueira

propriamente dita, nem a peixeira, respeitam rigorosamente tal prescrição, mais

precisamente, ambas não têm conhecimento da existência desta lei e muito menos

dos procedimentos para tornar seu trabalho legal, conforme ilustram os artigos 1º e

3º da lei ora referenciada:

Quem pretender dedicar-se à venda de objetos em locais públicos ou ao fabrico caseiro de produtos alimentares com fim lucrativo, deverá previamente solicitar licença ao governo da província, mediante pagamento da respectiva taxa sob pena do pagamento de Kz. 300,00 de multa. Não poderá ser concedida a licença para começo de laboração, sem prévia informação favorável da Direção Provincial da Saúde (ANGOLA. Lei 10/87, de Junho de 2008, p. 45).

Todo esse cenário legal, na prática, é moroso e, como desconhecido pelos

sujeitos de nossa pesquisa, não constitui a via usual para o exercício da atividade,

deixando margem para abusos de toda a ordem por parte dos fiscais e dos agentes

públicos. Isso não anula o fato de, em seu cotidiano de trabalho, alguns ambulantes

respeitarem os princípios de higiene ai prescritos. Conforme será abordado no item

que se segue, são elementos que evidenciam riquezas e precariedades nesse

cotidiano.

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3. O cotidiano como categoria analítica da mulher q ue zunga

Entende-se a importância do cotidiano como categoria de análise na medida

em que ela surge imbricada na formação sócio-histórica angolana e tem

repercussões diversificadas no dia a dia de trabalho da mulher zungueira, porque o

passado constitui fonte de significado para o presente e vice-versa.

O contexto histórico e social angolano é marcado por uma cultura de divisão

social e sexual do trabalho, de subalternidade, em que a mulher tem o destino

natural de ser mãe, esposa e dona de casa, aquela que ajuda o marido nos

trabalhos do campo, a cuidadora da família (inclusive dos enfermos). Ela precisa,

várias vezes, reprimir seus sentimentos e sua vontade para cumprir com os

pressupostos sociais e culturais da sociedade, ou do grupo em que está inserida.

Para Priori e Bassaneze (1997, p. 609) “na ideologia dos anos dourados31, a

maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte da essência feminina, sem

história e sem possibilidade de contestação”.

A cultura se institui como um complexo que abarca o modo de ser, de estar,

de pensar, de agir, de sentir e de se expressar de um povo, um grupo, uma

comunidade, uma família, ou da mulher enquanto ser humano. Esse conjunto ganha

sentido no cotidiano pelas relações entre as pessoas, numa dinâmica de dar e

receber valores.

Para Kosík (1976), a cultura não é uma determinação exterior ao homem,

mas inerente a ele, a sua práxis, a seu cotidiano e a sua atividade.

É construída pelo homem como mecanismo de luta pela vida, como

objetivação. O homem arrisca a própria vida por meio do trabalho na sua dimensão

material e como tal, parte da práxis, onde é possível a compreensão das coisas e

seu ser e do mundo dos fenômenos cotidianos particulares em sua totalidade.

Do ponto de vista de Kosík (1976, p.22), “a praxis é revelação do ser

autocriativo presente no homem”, aquele que cria a realidade de forma ativa, cuja 31 Mudanças ocorridas nas décadas de 1960-1970 quando se deu um baby boom, que levou a juventude a se libertar de velhos dogmas e da rigidez da educação, com transformações nos costumes geradas pelo advento da pílula. Nesse período, as mulheres ficaram mais extrovertidas; as saias diminuiram no comprimento; elas começaram a usar calça comprida; mais pessoas começaram a exercer profissões públicas como cantores e jornalistas. Além disso, a forte participação social desencadeou conflito de gerações e aumentou o envolvimento das pessoas em causas que favoreciam o exercício da liberdade. Na verdade foi uma época em que o uso da maconha, da cocaína, o lança-perfume foi incentivado e com um rápido desenvolvimento, inclusive, internacional.

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atividade se produz historicamente e seu trabalho se constitui em objetivação, mas

também base da formação da subjetividade dos sujeitos. Assim ela pode se revelar

ontologicamente como objetivação dos sujeitos, mas também como realização de

sua liberdade.

A mulher, entendida na sua cotidianidade é um ser atuante, ativo e receptivo

e é capaz de viver por si mesma e de assimilar as relações sociais. Isso mostra que:

{...} a vida cotidiana é em grande medida heterogênea, hierárquica, única, irrepetível, consciente, feita de possibilidades e escolhas. Está inserida na organização do trabalho e da vida privada, nos lazeres e descanso, na atividade social sistematizada, no intercâmbio e na busca de purificação (HELLER, 1972, p.18).

. O cotidiano se apresenta como uma categoria indispensável, entendido como

a repetição de dias, como uma rotina, mas também como um processo histórico,

político, econômico e estético, de ação, reflexão e transmissão de ideias,

conhecimentos, crenças e costumes, que influenciam os sujeitos e passam de

geração em geração pela cultura. Não se trata de uma prática, meramente,

mecânica e automatizada, mas espontânea, fundamentalmente, da consciência.

Para Heller, ‘‘a vida cotidiana é a vida do homem inteiro’’, (HELLER apud

CARVALHO; NETTO, 2011, p.26) com sua materialidade e espiritualidade, com seu

caráter e comportamento, ou seja, na sua dimensão sócio-histórica. Nela colocam-

se em funcionamento todos os seus sentidos, capacidades, habilidades,

sentimentos, ideias, paixões e ideologias, quer para o bem, como para o mal; porém

estes sentidos nem sempre funcionam plenamente e com a intensidade desejada.

Essa vida cotidiana retrata um conjunto de atividades que caracterizam a (re)

produção do Homem singular, possibilitando a reprodução social. No entanto, a vida

do Homem não é só sobrevivência, singularidade, mas também e,

fundamentalmente, trabalho criador, arte, ciência e moral.

O cotidiano é heterogêneo e dinâmico em sua imediaticidade e

superficialidade extensiva, podendo variar em função dos valores, da época histórica

e dos interesses de cada sujeito. Trata-se de uma realidade insuprimível e

ineliminável, o alfa e o ômega da existência de todo e cada indivíduo (CARVALHO;

NETTO, 2011).

Segundo Lefebvre, a compreensão do cotidiano a partir de suas bases

filosóficas permite acessar suas misérias e riquezas, ‘‘no quadro social do

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capitalismo de livre concorrência, à vida real dos trabalhadores’’, quer no âmbito de

‘‘sua atividade, como das ilusões a superar’’. A vida cotidiana, porém, se apresenta

como não filosófica, isto é, nesta perspectiva, é filosoficamente impossível colocar o

homem da filosofia ao lado do homem do cotidiano, pois o primeiro quer pensar tudo

e ao segundo ‘‘a filosofia cria uma consciência e um testemunho decisivos,

porquanto ela é a crítica ao mesmo tempo vã e radical do cotidiano’’ (LEFEBVRE,

1991, p. 17).

O entendimento desse autor conduz à compreensão de que há na filosofia um

ponto de partida para a transformação do cotidiano como realidade não filosófica, na

medida em que este ‘‘se revela trivialidade, banalidade prática e prática banal’’

(LEFEBVRE, 1991, p.18).

O cotidiano é feito de repetições, de (re) encontros, é o espaço em que pela

arte e ciência os homens revelam sua essência, onde tudo conta e tudo é contado,

desde o dinheiro, os minutos, as vidas, os sonhos, as mortes, as alegrias, as

tristezas, as presenças, as ausências, as coisas, os seres pensantes e os não

pensantes.

Para Lefebvre (1991, p.27), é no cotidiano que as pessoas nascem, vivem e

morrem. Vivem bem ou mal, ganham ou deixam de ganhar sua vida, vivendo

simplesmente, ou vivendo plenamente, tendo prazer ou sofrendo. É importante

referir que a arte e a ciência constituem meios pelos quais o indivíduo pode vivenciar

momentos de suspensão do seu cotidiano. Isso não ocorre com as zungueiras,

participantes da pesquisa. Todavia, para este autor, o cotidiano se mostra como um

conjunto de atividades aparentemente modestas, um conjunto de signos pelos quais

as pessoas se expressam na realidade, com suas articulações no âmbito das

relações sociais, realçando momentos espontâneos de ação, sem rigor cronológico.

Nessa perspectiva, são necessárias práticas sociais cidadãs para se passar

do “estado natural” ao cultural, tirando as pessoas ‘‘do indiferenciado e inominado’’,

ajudando-as a construir suas identidades, seus espaços de pertencimento, de modo

a integrarem-se por inteiro, inteiramente ‘‘nesse espaço cotidiano em que a

experiência do mundo se faz como história’’ (TELLES, 2006, p.30). Isso só é possível

pela construção de uma cidadania coletiva, participativa e real por meio da qual a

mulher zungueira possa ter acesso a direitos, bens e serviços socialmente postos e,

também, possa dispor de informação e conhecimento.

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A consciência da realidade cotidiana da mulher zungueira é um passo

importante da sociedade para sua contribuição do processo em que a mulher busca

a sobrevivência familiar, mas também sua autonomia e realização. É fundamental

que ela conquiste bens, serviços, informação e conhecimento. Isso pode contribuir

para a luta cotidiana das mulheres pelo “direito a ter direitos”, de tal modo que não

sejam ‘‘privadas de um lugar no mundo’’. Sem uma cultura de defesa e efetivação de

direitos as pessoas tornam-se ‘‘privadas não do direito à liberdade, mas do direito à

ação; não do direito a pensar o que querem, mas do direito à opinião’’ (TELLES, 2006,

p. 60).

Para Lima (2003, p. 291), esta atividade informal é reveladora de ‘‘formas

predominantes no universo de trabalho dessa mulher e é por ela interpretada como

estratégias de sobrevivência, uma maneira de `quebrar o galho´ e oferecer um

suporte ao marido, se o salário dele atrasa ou, mesmo, como complemento à renda

familiar’’.

Nessas interpretações, como estratégias de sobrevivência, é que o trabalho

da mulher, quer dentro como fora de casa, é tido como complementar, retirando-lhe

sua completude, seu significado enquanto trabalho efetivo.

Conforme Kowarick:

{...} (esses) fatores se condensam também num modelo de famílias em crise, valorizado por uma divisão etária e sexual do trabalho, pleno de significações tradicionais, material e culturalmente em crise’’, pois prover para todos constitui para esta trabalhadora pobre, algo realizável não apenas em casos excepcionais, `o que faz do chamado trabalho complementar uma atividade importante e permanente (KOWARICK, 2009, p.85).

.

Não se trata de prover para todos apenas em casos excepcionais como se

refere o autor, mas em toda e qualquer circunstância a luta dessa mulher pela

provisão é orientada para o todo familiar, conforme revelam os depoimentos

analisados no item que segue.

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4. Significados da zunga na voz das mulheres

Hoje já me sinto curada do corpo, só as feridas do coração ainda me doem (Óscar Ribas).

Esta parte do estudo não pretende trazer apenas um conjunto de perdas que

atravessaram falas e depoimentos, mas principalmente, desvendar o que as

mulheres entendem por zunga e suas esperanças. Não apenas o que pensam as

mulheres zungueiras, mas aquelas que se identificaram como tal e que participaram

da construção deste trabalho e de outros depoimentos de pesquisas recentes,

realizadas no contexto de Luanda, com trabalhadores do comércio informal.

As pesquisas já realizadas sobre o assunto têm grande valor e, nesta parte do

presente estudo é referência Orlando Santos (2010), que em seu artigo recorre ao

zungar, zunguei, zungueira para apontar a trajetória de mulheres zungueiras,

quínguilas e quitandeiras, no comércio de rua em Luanda. Outra referência é a tese

de doutorado de Samba, (2012) na qual o autor explora os significados do trabalho

informal em Luanda, atentando para a luta, coragem e persistência na voz de jovens

migrantes zungueiros de ambos os sexos.

Ao trazer a fala de uma quitandeira, cujo percurso de trabalho informal já

passou pela zunga no contexto colonial, Orlando (2010, p. 65) revela que ″não se

trata de uma prática totalmente nova, embora reconheça″ nela muitos aspectos

contemporâneos, como é o caso da popularidade que o termo ganhou desde a

década de 1990.

–– Eu, por exemplo, o negócio que iniciei com ele é de passar com os ovos na zunga,

ainda no tempo do colono vendia banana na zunga nas senhoras brancas, zunguei,

zunguei com as bananas, depois quando começaram a abrir estas praças é que eu

comecei a vender fuba. Depois quando vi as outras estavam a vender fuba, também

comecei a vender fuba. Naquele tempo já havia zunga só que ainda não lhes

chamavam zungueiras, lavadeiras. Só que naquele tempo do colono, as pessoas na

zunga vendiam só banana, pêra, abacaxi, estes negócios de fruta (Quitandeira

sexagenária – Mercado do Asa Branca apud SANTOS, 2010, p.65).

Observa-se neste depoimento, que não se pode atribuir à década de 1990, o

marco do trabalho informal em Luanda e, muito menos, da zunga, conforme

apresenta Samba (2012, p.139). Em Ribas1 (2009) é patente o trabalho de zunga,

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cujo significado não se alterou na história do país, mas apenas se enriqueceu com o

recurso à tecnologia e às dinâmicas de um mercado competitivo.

Outrossim, no primeiro capítulo deste estudo, foi apontado por Oliveira

Marques (2001, p. 326) que, entre 1890 e 1930, estavam já presentes, no cenário

arquitetônico e histórico de Luanda, as mulheres que trabalhavam como peixeiras e

quitandeiras. Analogicamente, pode-se dizer que o trabalho é bastante similar ao da

mulher zungueira, mudando apenas o tipo de produto vendido e a fonte de

aquisição.

–– Às vezes nas ruas anda mais. Todos os dias na praça, o negócio não está andar.

Todos os dias decair. Agora você a zungar, o negócio acaba rápido não é preciso ir

com ele na praça, dois, três ou quatro dias o negócio acaba. Você está a vender o

negócio, hoje tirou lá jantar, água, não decai? Por isso, é que muitas preferem

zungar. Aquela moça que tem força para zungar estão mesmo a zungar. Comprou

negócio zungou, acabou. Não vai mesmo já colar na zunga. Isso veio assim. As

senhoras punham os negócios nas bancadas, ninguém está a comprar, vai fazer

como? Só tenho que zungar. Por isso, a pessoa vai a zunga, porque na bancada no

negócio não está andar. Zunga em quimbundo é girar, rodiar. Girar toda cidade de

Luanda. Outras zungam só na baixa, porque no mercado não tem lugar. Mesmo

estão a dizer por que a zunga tem que acabar, não vai acabar porque o que está a

fazer isso é fome. Você não trabalha, não tem empresa que você trabalha, ficar em

casa também não dá, vai mesmo a zunga. Não vai zungar para trazer comida para

as crianças em casa, não tem emprego para ela trabalhar vai fazer como? Vai à

zunga (Quitandeira sexagenária – Mercado Asa Branca, apud SANTOS, 2010, p. 63).

Há modos diferenciados de pensar a zunga. Manuel Rui Monteiro, em sua

obra “Um anel na areia” (2002, p.95) refere-se a zunga como um negócio de rua

feito por refugiados de guerra em Luanda. Essa afirmação não contempla

informações trazidas pela pesquisa na medida em que todas as mulheres

zungueiras participantes são oriundas de outras províncias do país como Malanje,

Kuanza Sul e Benguela.

As raízes da zunga remontam ao período anterior à Independência do país,

ao trabalho realizado pelas mulheres quitandeiras e peixeiras, especialmente

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aquelas bessanganas32 que compravam o peixe na ilha de Luanda e, em outras

praias, e circulavam vendendo-o pela cidade. A luta dessas mulheres era para

vender todo o produto antes que se estragasse, ou então levar para salgar o peixe

que não conseguiam vender, a fim que não estragasse. Assim, o depoimento

anterior enseja o conhecimento de características das mulheres zungueiras que

participaram da pesquisa no quadro que segue.

QUADRO 2 – CARATERÍSTICAS DAS PARTICIPANTES DA PESQUISA

NOME (FICTÍCIO) IDADE NATURALIDADE Nº DE

FILHOS

ESCOLARIDADE33 ANOS DE ZUNGA

Teresa 36 Malanje 10-6 3ª classe 20

Jú 27 Malanje 4 4ª classe 14

Isabel 22 Kuanza Sul 1 1ª classe 2

Shirley 26 Benguela 2 4ª classe 6

O quadro acima mostra que a pesquisa mais do que delimitar a idade, lugar e

tempo de trabalho ambulante das zungueiras indica alguns dados significativos de

suas trajetórias acrescidas de depoimentos das entrevistas.

Com relação à origem, ela é diversa e nenhuma participante é natural de

Luanda. Esse dado não é novo e revela a real situação da maioria das mulheres e

homens que zungam em Luanda, conforme evidenciam pesquisas realizadas por

Santos (2010) e Samba (2012).

Teresa é uma mulher de 36 anos de idade, dos quais mais de 20 foram

dedicados à venda ambulante/zunga, vinda de Malanje aos 11 anos, reside no bairro

do Golfo II. Diariamente, sai de sua casa, caminhando ou de taxi, zungando das 7

até às 17 horas, passando pelos bairros da Maianga, São Paulo e Kinaxixi e por

Luanda. Apresenta-se como uma mulher alegre, com semblante cansado, com cesto

32 As bessanganas são "mulheres que se vestem com panos", distinguem-se pelo seu modo tradicional de vestir. Elas vêm da Ilha de Luanda e são senhoras da velha sociedade de Luanda. Os seus trajes típicos são formados por um total de quatro camadas de panos essencialmente estampados e coloridos: mulele ua jiponda (peça interior), o mulele ua xaxi (pano trespassado cobrindo a parte superior), depois o mulele ua tandu (tecidos trespassados na parte inferior) e finalmente um pano conhecido como bofeta. Um pequeno pano enrolado na cabeça também faz parte da indumentária. Luanda está repleta de mulheres que dividem a rua entre trajes tradicionais e a indumentária mais moderna e globalizada. 33 Corresponde aos primeiros quatro anos de escolaridade ou o ensino primário incompleto.

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plástico azul sobre a cabeça, no qual traz diversas roupas íntimas para vender e

vestida de forma simples: saia, blusa, lenço na cabeça e chinelo. Com uma fala

aberta, Teresa apresentou dificuldade de falar de si mesma e alegava não ter

compreendido as perguntas. Em seu depoimento, ela revela sua escolaridade ao

dizer: Estudei, mas não sei ler, nem escrever {...}. Com 16 anos ainda estudava, só

que a cabeça é que foi muito dura mesmo, também deixei de estudar por causa do

pagamento da escola.

–– O que me levou para começar a zungar é porque na casa por onde eu vivia me

davam de comer, mas de vestuário e calçado não, tinham que me dar coisas que

eles já usaram. Naquela leva das minhas amigas, tava a andar com uma amiga…(a

roupa) dela é nova, você ta pôr coisa usada … depois ela veste melhor do que você

… então me senti mesmo que não adianta porque não estava a viver com a minha

mãe. Vivia com a minha tia da parte do meu pai. Naquilo mesmo de me mandar ir na

praça, fazer comida para as crianças, nas minhas mizades também, ya … (tirava no

troco) ajuntei … porque procurava comprar coisas baratas para restar dinheiro.

Como tinha já minhas amigas na praça, já tinha uma senhora que me dava negócio

para mi vender para lhe dar dinheiro dela e eu tiro lá qualquer coisa que se aumenta

la. Minhas amigas me davam dinheiro quando ir na escola o dinheiro do lanche para

comprar bolacha, você não come … aquele dinheiro guarda e consegui ajuntar

qualquer coisa (Teresa, 36 anos, 2011).

Jú apresenta-se como uma mulher de 27 anos de idade, vinda de Malanje

com seus três irmãos. Dada a instabilidade político-militar do país, como irmã mais

velha viu-se obrigada a zungar aos 12 anos para ajudar no sustento dos irmãos.

Com o tempo juntou-se ao marido, com o qual já tinha os dois filhos, um dos quais

com menos de um ano e se encontrava nas costas da mãe enquanto esta zungava.

Jú ficou em silêncio quando a pesquisadora pediu que falasse de si mesma.

Ela tinha uma aparência triste e quase caiu ao tirar o filho das costas, pois o peso da

criança parecia incompatível com sua estrutura física; estava vestida de calça, blusa

e um pano enrolado na cabeça para lhe proteger da poeira. Durante sua fala, a

mesma parecia muito receosa e chegou a revelar que tinha medo que sua fala se

revertesse em alguma represália policial. Em determinado momento pediu para

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desligar o gravador e desabafou sobre os conflitos familiares e com seu marido.

Chorou ao término da entrevista com fisionomia aliviada por ter partilhado sua vida34.

–– Meu trabalho é zungar, eu zungo. Zungar é um trabalho para a pessoa conseguir

alguns valores para se aguentar, pagar a escola das crianças e comprar daquilo que

você precisas… para mim… Zungar é só pegares um valor e ires numa loja ou

armazém comprar alguma coisa e começares a andar de praça em praça…às vezes

só vendo fora da praça…na rua assim, por exemplo esta é uma rua? Eu passo nas

ruas até quando vou chegar na praça. Quando eu vejo que estou cansada vou ao

almoço, almoço, depois compro uma água bebo ou uma gasosazita e depois de

beber sento a repousar uns 10 a 15 minutos. Quando eu vejo que já acabei de

repousar pego já nas minhas coisas, vou de novo a começar a zungar, mesmo na

praça (Jú, 27 anos, 2011).

Mulher zungando pão em Luanda. Foto: Novais, 2011

É impossível não reparar no tamanho da bacia que está sobre a cabeça da

mulher que zunga, no cenário de uma área não urbanizada do bairro Sambizanga,

onde as casas que aparecem são feitas de madeira, blocos, ou até construídas com

chapas de zinco. A mulher está vestida de pano, blusa, calçada de chinelo, uma

apresentação que nos leva a interpretar além do social.

Uma paisagem com contradições implícitas na qual a rede elétrica indica

desorganização de um sistema de distribuição e prestação de serviços. Tudo isso

34 O conteúdo referente a essa parte da entrevista relatada como forma de desabafo não foi considerada no âmbito deste trabalho por respeito às circunstâncias emocionais em que ela se encontrava.

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não ofusca a vida aí presente, especialmente das duas mulheres que zungam com

bacias na cabeça e do azul do céu que surge colorindo a vida.

Isabel, em pleno horário de trabalho, vinha pela rua do Cometa, no bairro da

Estalagem, gritando - ta ki mantega… ta ki mantega…é só cinquenta a mantega – e

quando interpelada pela pesquisadora, se dispôs a partilhar sua experiência de vida

na zunga. Tem 22 anos de idade, natural da província do Kuanza Sul, sendo que

vende na zunga há dois anos. A mesma fez questão de salientar que é natural do

Libolo e fala a língua Ngoia. Seus pais morreram quando ainda era criança, não se

lembra ao certo como, nem quando isso aconteceu. Foi criada (cuidada) por uma

irmã mais velha, mas seu cunhado não aceitava que ela estudasse devido aos

custos. Saiu da casa da irmã aos 19 anos, quando ficou grávida, passando a viver

em Viana com o seu marido, que segundo ela, foi só por obrigação da família, pois

este não cumpriu com os pressupostos culturais que legalizam tradicionalmente uma

relação: não fez o pedido, apresentação, nem nada, conforme seu relato:

–– Vivia com a minha irmã, quando eu engravidei o meu tio me dava corrida com as

minhas coisas, é pá, vai, vai, vai já para a casa do teu marido. Ficamos a viver, mas

o tio me maltratava muito, mais tarde eu sai já. Passei a viver em casa da mãe do

meu marido, lá era muito complicado, se metiam muito comigo, toda a hora havia

discussão…só me metiam a cabeça quente. A família dele lhe aconselhava para me

deixar e ele me falava que não queria. Tudo o que eu faço, para mim é normal…ya…

Já me ensinaram assim, que tinha que ser assim. Você quando crescer, cuidar da

roupa do marido, cuidar da roupa das criança, cuidar da própria criança…ya, sempre

já assim…é páh…até nas casas das outras tinha que ser assim! Por isso é que

agora faço tudo isso, já é normal, cuido também dos meus. Zungo mesmo com a

criança nas costas. Agora tenho vinte anos, não estudei, estava a começar a estudar

numa pequena classe…na primeira…enfim, como não tem ninguém que me apoia,

por ai, por ai, ya…desisti. Nem sei assinar meu nome, só sei escrever um pouco. Se

eu não fosse zungueira, como não sei ler, não sei escrever, não sei o que seria de

mim, não sei se ia ser o quê! Eu não estudei porque não tinha ninguém que me apoia

(Isabel, 22 anos, 2011).

Para Isabel “zungar é andar muito, não para num sítio, ya tas por aí... passa

nesta rua… passa nessa rua… ya por aí… esta é que é a nossa zunga”. Sua mãe

veio para Luanda, em 2008, e vive no bairro São Pedro da Barra (Sambizanga). Ela

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também foi zungueira e fazia viagens para a Lunda a fim de vender produtos. No

momento, sua mãe vende bombó, banana assada e ginguba em frente a uma escola

no bairro em que vive.

É visível certo descontentamento de Isabel em relação ao marido por não ter

cumprido com o ritual de pedido e casamento tradicional, bem como não apoiar a

vida familiar como ela deseja.

Shirley é uma mulher de 26 anos de idade, que zunga há seis anos. É natural

de Benguela e residente no bairro Polivalente em Luanda. No momento da

entrevista estava a zungar garoto (uma guloseima ou a conhecida bala de chocolate

no Brasil). Ela foi interpelada em Viana quando zungava, – com um microfone

gritando: ta ki garoto, ta ki garoto a passaré quatro é cinquenta, amiga pergunta – e

foi convidada, tendo se disponibilizado a participar no estudo.

A informação colhida durante a entrevista, vai além daquilo que a mulher

zungueira verbalizou. “O corpo fala” é um importante livro de Weil (2011), que

comenta que está enganado quem supõe que comunicação se restringe ao universo

da palavra. A linguagem não verbal é muito importante e permitiu observar que

todas as entrevistadas, exceto Teresa, revelaram, por gestos, durante a entrevista a

vontade de sair para continuar fazendo seu trabalho, ou seja, estavam com pressa e

queriam ir embora em dez minutos.

–– Estudei, mas só estudei até … bem dizer: parei na terceira…na terceira

classe…quando eu já…pá…o sofrimento, né… começou… eu daí parei de estudar

na quarta classe…daí me engravidei, começou os meus trabalhos de zungar

(Shirley, 26 anos, 2011).

Entende-se que o trabalho da mulher zungueira está em toda a parte: em

casa de muitas famílias que compram seus produtos; na comida preparada para só

depois ser consumida; na limpeza das casas; nas roupas compradas ou lavadas

com produtos da zunga; e na organização e gerência do lar. Observa-se, então, a

necessidade de escolha de um conceito de trabalho que abarque as inúmeras

atividades desenvolvidas pela mulher zungueira.

Trata-se do trabalho informal, desvinculado de qualquer empresa, ou seja, é o

trabalho sem vínculo empregatício por meio de documentação legalizada. Para

Cardoso (entre 2003 e 2007, p.15), esse tipo de trabalho surge entre 1985 a 1995,

com o fenômeno do “comércio informal”, traduzido na prática espontânea da venda

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em locais impróprios, sem obediência a normas sociais e técnico-jurídicas, higio-

sanitárias e a fuga ao fisco. Isso mostra que, no caso do trabalho informal tido como

ilegal, a mulher zungueira se vê em situação de total exclusão dos benefícios,

seguridade social e proteção estatal.

Conforme reforçam outros estudos nessa área, as mulheres apresentam um

nível de escolaridade baixo, sendo que em seus depoimentos fazem questão de

acrescentar que apesar de terem frequentado a escola em algum momento de suas

vidas, não sabem ler e escrever. Isso pode ser resultado das debilidades que

acompanham o sistema de ensino, especialmente, na fase em que elas estudavam.

A pesquisa de Araújo (2009, p.243) com oito mulheres migrantes no Brasil,

retrata a pobreza e realça um aspecto encontrado também entre os sujeitos desta

pesquisa. Os relatos atestam que assegurar a sobrevivência, ainda que em padrões

minimamente aceitáveis, tornou-se uma prerrogativa essencial em relação a

quaisquer outras expectativas consideradas necessárias na busca de melhores

condições de vida.

Assim como Araújo (2009), as participantes da pesquisa possuem baixo nível

de instrução, confirmando que desde sua infância os imperativos de sobrevivência

sempre foram superiores em detrimento dos estudos.

Conforme Lima:

{…} isto reflete um conjunto de determinantes que contribuem na reprodução da pobreza, dentre os quais o autor ressalta a baixa escolaridade, que por sua vez impõe o subemprego e as subocupações como alternativas de trabalho ou ainda o desemprego (LIMA, 2000, apud ARAÚJO, 2009, p.243).

Esses fatores determinantes da pobreza estão expressos na voz nas

mulheres, pois:

–– Zungar é para procurar pão para as crianças, não temos bancada…lugar não

temos. Na zunga é melhor, pois quem vende na bancada reclama que vale a pena

ficar na zunga. O cliente nos chama e nós vamos, aquelas que vendem na bancada

não, o cliente tem que ir até elas, mas se encontra o que quer numa zungueira

compra já. Na zunga tas a passar, tão a te chamar…as vezes na bancada é mais

caro, as zungueiras há vezes que despachamos barato para ir comprar mais (Shirley,

26 anos, 2011).

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Os termos zunga e zungueira evocam alteridade, traços de uma cultura

secular incrustados no núcleo da moderna economia informal urbana de Luanda.

Assim, a expressão zungueira identifica a mulher que zunga, enquanto o termo

zunga é usado para adjetivar o ato de zungar, termo da língua nacional kimbundo

(okuzunga), que de acordo com Ribas1 (2009, p. 340) significa rodar, girar, ou

deambular, expressão identificada como sinônimo de venda ambulante’’, sendo que

zungar equivale a vender pelas ruas. A mulher zungueira surge neste trabalho como

aquela que exerce a venda ambulante, uma atividade informal, como mecanismo de

sobrevivência e busca de autonomia.

Mais de metade das mulheres (55%) tiveram o primeiro filho entre os 15 e os 19 anos. Pode-se depreender que a vida reprodutiva em Angola começa cedo, na medida em que 6% das mulheres nas áreas urbanas e 9% nas áreas rurais tiveram o seu primeiro filho entre os 12 e 14 anos de idade. Apesar de 18 anos ser a idade média no nascimento do primeiro filho, 7% das mulheres têm o primeiro filho antes dos 15 anos. […] as mulheres com nível de escolaridade mais elevado iniciam a vida reprodutiva ligeiramente mais tarde do que as mulheres sem escolaridade (ANGOLA. INE/IBEP, 2010, p. 51).

No exercício da zunga, as mulheres caminham de rua em rua, pelos

mercados ou praças, em frente aos estabelecimentos comerciais, às empresas e até

fazem vendas específicas a domicílio. Elas percorrem as artérias da cidade de

Luanda para levar o produto à casa dos clientes (fixos), ou perambulam na

esperança que alguém compre algo. Assim como Isabel, outras mulheres também

zungam com os filhos às costas ou ao colo, o que pode representar riscos até para a

vida da criança, além dos esforços adicionais que a mãe tem que fazer para levá-la

durante o dia ao colo e correr com a criança quando ocorre a escolta dos fiscais.

Os depoimentos dos sujeitos da pesquisa apontam que a cidade de Luanda é

um centro de atração de maiores alternativas de trabalho, não obstante a

precariedade das condições de vida e de trabalho. Esta afirmação vai ao encontro

dos estudos realizados no Brasil por Araújo (2009, p.244).

A diversidade das atividades dos ambulantes e a mobilidade do trabalho

colocam dificuldades na organização desses trabalhadores, que habitam geralmente

nas zonas mais pobres da cidade e se deslocam em espaços considerados mais

privilegiados do ponto de vista econômico, em busca de clientes potenciais

(MARQUES GOMES, 2006, p. 224). Isso é reforçado pela fala das mulheres quando

afirmam que na cidade compram mais.

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Produtos medicinais vendidos na zunga. Fotos: Indira Monteiro, 2011

Esta foto mostra vários produtos de comércio ambulante, vistos várias vezes

no decorrer das visitas pela cidade de Luanda. Uma das vendedoras se identificou

como a “tia do nzolamiongo” por vender produtos medicinais. Segundo ela, o njanja

é uma raíz que serve para curar a dor de barriga, infecções e dor no estômago. O

creme moamba proveniente da medicina ocidental serve para melhorar o

desempenho na atividade sexual, assim como o perfume de dominação, que

segundo a mulher serve para gerar maior atração entre os parceiros sexuais. O

nsolamiongo ou tangawisi apresenta-se como um preparado caseiro, líquido, em

frasco e serve para tratar a tosse e a dor na coluna. Outro produto é o mato-moto

em formato de pequenas bolinhas escuras, bem como o pau de cabinda, que

mastigado ou colocado na cerveja aumenta a força sexual masculina.

De modo geral, são produtos relativamente caros, mas de acordo com as

observações feitas, têm grande saída comercial, especialmente entre homens e

mulheres que pretendem com eles satisfazer alguma necessidade pessoal.

Geralmente, o cliente chama a vendedora para local discreto, onde faz a compra e

segue as instruções de uso. Trata-se de produtos cuja venda é ilegal, que são

expostos ao sol, produzidos sem controle legal e vendidos sem autorização dos

órgãos competentes.

Na visão das participantes, seu trabalho ambulante não é algo que a mulher

tem como transitório, mas que pretende que dure, “que não caia na falência”, pois é

fonte de alimentação da família, do aluguel da casa, garantia da escolarização dos

filhos, condição de superação de uma situação de pobreza que transita por

gerações.

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{...} a despeito de que as condições sociais para a efetivação de mudanças substanciais no padrão de vida dos pobres sejam estabelecidas socialmente, as entrevistas concebem as saídas para a melhoria de vida, inscritas no plano individual ou familiar mediante o estudo associado à qualificação e ao esforço (DURHAN, 1988, apud ARAÚJO, 2009, p.246)

A maioria dos sujeitos da pesquisa considera a baixa escolaridade e a falta de

qualificação profissional determinantes para conseguir um emprego, ou optar por um

trabalho melhor. Assim, o trabalho ambulante surge como a alternativa possível,

sendo que o importante para a ambulante é que a atividade dê dinheiro e seja

honesta.

Em depoimento, Jú evidencia que a zunga ajuda muito na satisfação de suas

necessidades, contribui para evitar comportamentos inadequados como roubar e

prostituir-se, e destaca ainda o que a levou a zungar:

–– {...} quando vejo alguma coisa bonita, eu não tenho, às vezes… é pa… para num

praticar coisas mal…eu disse vale a pena eu estar a vender, tem um bocado, vou

conseguir, vou comprar aquela coisa que eu gostei…não só depois de ir já na casa

do meu marido, eu tinha mesmo que me meter em trabalho de zunga. Para não fazer

coisas mal, por exemplo, essas que têm feito assim namorar com o marido das

outras…vai com aquele, vai com esse, só para lhe comprar qualquer coisa, para

comprar uma calça que ela gostou, uma blusa… Depois de ter meus filhos vi que

precisava continuar a zungar, naquilo de esperar, as vezes o esposo…esperar o fim

do mês de trabalho…é pa…eu tinha mesmo que eu zungá…até que eu esperar ele,

com o meu bocado…vamos juntar já…é o que me fez que eu também não posso

ficar parada, tenho que zungar mesmo. No momento que eu necessito de uma coisa

vou zungar, vou conseguir aquele dinheiro que eu quero e vou comprar também

aquela coisa que eu quero…por isso é que a zunga me ajuda muito. Eu se tiver em

casa, não tiver a vender, não tiver a zungar, eu posso ir numa pessoa: olha, eu

gostei dessa coisa, pega, você me dá com ela… ela não vai aceitar, mas se eu

estiver a zungar e for, olha fulana, eu preciso de um x, vê se me emprestas, na

próxima semana vou te dar…ela pode tirar e me entregar (Jú, 27 anos, 2011).

Nessa perspectiva, os depoimentos ajudam a compor a ideia de que para a

mulher que zunga, seu trabalho é árduo, tem como centralidade a luta pela

sobrevivência familiar, mas também constitui uma maneira estratégica de agir para

vender mais.

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–– Vendo para não me faltar nada, uma calça…ta ver, não posso estar a depender

do marido…ya, quero 10 kuanzas, é no marido, não, não posso. O marido pode

sustentar, mas estou na falta de um dez…fulano dê-me só 10! Não, não posso.

Tenho criança, a criança precisa toda a hora dez kuanzas, quer bolacha, quer

comprar sambapito, só tem que esperar no bolso do pai, não dá (Isabel, 22 anos,

2011).

Numa sociedade em que a mulher é historicamente dependente do marido,

um sujeito sem vontade própria, que precisa realizar suas tarefas predeterminadas

como cuidar da casa e da família, são escassos os registros que destacam o

cuidado consigo mesma como parte do dever da mulher, evidenciando um reforço à

invisibilidade feminina, à liberdade e à dignidade. Os subalternizados são estes

sujeitos:

Marcados por um conjunto de carências, muitas vezes desqualificados pelas condições em que vivem e trabalham, enfrentando cotidianamente o confisco de seus direitos mais elementares, buscam {...} alternativas para sobreviver. Sujeitos que pouco conhecemos e que devemos descobrir {...} (YAZBEK, 2009, p. 95).

Em depoimento anterior, Isabel destacou a necessidade de independência

econômica para arcar com as despesas do lar e para a satisfação de suas

necessidades pessoais, apesar de reconhecer que ser zungueira é muito chato, a

pessoa dorme muito cansada, ta ver…mas é próprio, já estou acostumada, ya,

porque já é mesmo assim, já estou mesmo habituada como sempre, já estou mesmo

há mais de dois anos na zunga!

Em Luanda, a atividade tem tanta presença, que algumas mulheres

reconhecem que se trata de trabalho, de uma forma de emprego para amenizar sua

situação socioeconômica e de sua família, tendo entre outros fatores:

• As elevadas taxas de migração, em busca de melhores condições de vida;

• Falta de emprego formal;

• Ausência de preparação para o acesso ao emprego;

• Existência de vazios no sistema educativo e de formação profissional, que

não são universais, nem acessíveis para toda a população.

• O impacto econômico e social da história de Angola e da guerra civil sobre

as famílias angolanas, etc.

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Ao falar da atividade que exercem, utilizam os termos “vender, fazer negócio”, “desenrascar”. Relatam as carências e dificuldades que encontram e, sobretudo, o longo percurso que realizam desde as primeiras horas do dia até ao cair da noite. Falam, sobretudo, da poeira, da criminalidade, dos abusos das autoridades, do atormentador cansaço com o qual se debatem ao chegarem a casa, a falta de um local para efetuarem as vendas. Todas essas questões fazem com que o comércio de rua seja vivenciado num clima de riscos e incertezas permanentes e uma ameaça constante de expropriação (SANTOS, 2010, p. 78).

É nesse clima de trabalho inseguro que a mulher é exposta a riscos e

ameaças, à expropriação, sem nenhuma contrapartida de direitos, ao contrário, são

vítimas da criminalidade e do abuso das autoridades, conforme as observações

realizadas.

Para Lima, esta atividade informal mostra as:

{...} formas predominantes no universo de trabalho dessa mulher e são por ela interpretadas como estratégias de sobrevivência, uma maneira de `quebrar o galho’ e oferecer um suporte ao marido, se o salário dele atrasa ou, mesmo, como complemento à renda familiar (LIMA, 2003, p. 291).

Mais que captar cotidianos, a pesquisa permitiu conhecer sonhos,

expectativas e tudo aquilo que move a vida dessa mulher, que mais do que

zungueira é aquela que “reativa a velha tradição de se cantar e poetizar o cotidiano

da mulher” (SANTOS, 2010, p. 65). Ela não deixa apagar a esperança de uma vida

melhor para seus filhos que são sua prioridade. No entanto, a atenção ao marido

continua constante, com o qual ela partilha os sonhos, as alegrias, as dores, os

frutos do trabalho e a vida.

Uma consideração de ordem geral é que o zungar, o deambular, o

perambular, o pregão, o kilapi, são expressões do comércio ambulante as quais se

denomina mercadejamento ou zunga. Este modo de trabalho é um processo de dura

aprendizagem em que as mulheres zungueiras se utilizam de recursos próprios para

tornar seu trabalho menos pesado, mais lucrativo e mais atraente, conforme

informações do item que segue.

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5. Estratégias de marketing35 ou luta pela sobrevivência?

O trabalho ambulante é um processo de lutas e de conquistas, em que muitas

mulheres recorrem para dar consistência ao seu cotidiano de vida tendo em vista a

sobrevivência familiar. Além disso, ela é atraída pelo próprio sentido do trabalho no

qual ela se realiza como uma forma de inserção e de reconhecimento social. No

caso das mulheres que zungam, esse reconhecimento advém, principalmente, dos

clientes.

Outros autores como, Samba (2012); Santos (2010) e Ribas1 (2009)

identificam em suas pesquisas certo tipo de criatividade nas práticas de venda

utilizadas pelas mulheres e demais vendedores ambulantes. Esse conjunto de

esforços para chamar a atenção dos clientes, aqui denominados de marketing, tem

sido inovado por meio de novas tecnologias, como o microfone com gravação de

voz, evitando assim desgaste vocal.

No entanto, é importante salientar que a essência desse marketing vem da

própria mulher: seus gestos, fisionomia, simpatia, bom trato na relação, vestimentas

que garante durabilidade nas relações no âmbito do comércio ambulante.

–– Quem ta lá no vosso quintal (pergunta Teresa a um jovem)? –– A mamã saiu,

foram lhe buscar, vai vir já. –– Tenho que ir buscar meu dinheiro na Terezinha…

Boa tarde colega! Saúda Teresa a outras zungueiras que passam... –– Mesmo você

mesmo a me ver não me cumprimenta? Risoooooooooooosssssssssssss.

Vamos almoçar (disse à pesquisadora)… , cantava Teresa.

Os dados da observação realizada em ambiente de trabalho de um dos

sujeitos da pesquisa permitiu ver um ambiente rico de relações sociais, de amizade

e de confiança entre a zungueira e seus clientes, sendo que a vendedora, além de

conhecer a residência, conhece também os filhos e parentes. Essa confiança na

relação com seus clientes é vista pelo kilapi36; ela deixa os produtos e só depois de

algum tempo, geralmente um mês, vai buscar seu dinheiro em suas casas.

35 Refere-se à maneira criativa como os sujeitos da pesquisa procedem para chamar a atenção do cliente, fazer a informação sobre seu produto chegar aos ouvidos de um público mais distante, tudo para vender mais. 36 A mulher deixa algum produto por kilapi quando vende a crédito, confiando no cliente que não paga à vista, mas num prazo estabelecido pelas partes, que geralmente vai de um a três meses. Algumas

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O espírito indómito e atencioso das mulheres (em Luanda) ficou demonstrado num incidente em que Sissy foi a protagonista. Sissy insistia em fazer compras num mercado sobejamente conhecido pela sua violência (Roque Santeiro), alegando que era lá que se encontravam os produtos mais baratos e mais frescos. Um dia, estava ela a comprar um melão a um vendedor com quem normalmente lidava, quando, de repente, rebentou um tiroteio a poucos metros de distância. Sissy é, na melhor das hipóteses, altamente impressionável e nunca tinha assistido a um verdadeiro tiroteio. Entrou em pânico, mas as mulheres do mercado empurraram-na para debaixo das bancas e ficaram junto dela até tudo voltar a normalidade. Mesmo depois disso, insistiram em acompanhá-la até ao carro (ANSTEE, 1997, p. 226).

Esta situação apresentada por Anstee (1997) referente à década de 1990,

acontece nos dias de hoje – um sentimento de solidariedade presente entre as

mulheres e, também, observado ao longo da pesquisa entre as zungueiras.

Andando pelas ruas da Mutamba, a pesquisadora pôde ver muitas mulheres

zungando, vendendo fruta, roupas, sapatos, louça e outros artigos. Ao se aproximar

de um grupo de zungueiras, foi possível notar que falavam de uma jovem colega que

zungava roupas/blusas. Comentavam que ela tinha morrido, no sábado anterior e

enterrada no domingo pelas amigas da zunga, já que não tinha parentes conhecidos

em Luanda.

–– {…} Rebuçado para tosse, gripe, irritação na garganta, duas lâminas

cinquenta…rebuçado para tosse, gripe, angina, irritação na garganta, duas lâminas

cinquenta {...} (Pregão de Jú, 27 anos, 2011).

Há uma riqueza no enunciado desse pregão pela maneira como as

informações estão organizadas para atrair a atenção e conquistar os clientes. Além

disso, tem a particularidade de ele ser gravado, com recurso do microfone e ser

repetido durante todo o percurso de trabalho diário da mulher, sem que ela faça um

esforço redobrado com sua voz.

De acordo com Santos (2010, p. 67), a criatividade no pregão, torna-se uma

das principais formas de marketing por parte das mulheres ambulantes, por meio da

qual, o humor e o apelo tornam-se dois grandes elementos característicos do

momento da venda. O autor ressalta os seguintes pregões:

aumentam o preço do produto, caso tiver que deixá-lo para pagamento posterior, outras mantêm o valor inicial da transação.

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• Mãe com gosto compra boa roupa para os filhos;

• Minha sócia, amiga;

• Ta qui pão, ta qui pão;

• Arreou nos meus copos;

• Ta qui as fraldas a passá;

• É coxaeeeeé;

• Ta qui tomate a passá.

É com essa riqueza de palavras e expressões que os pregões fazem também

o diferencial da mulher zungueira. É só ouvir alguma dessas expressões, que sem

dúvida, o cliente sabe que se trata de uma mulher zungueira.

O pregão com recurso do microfone é alcançado por maior número de

pessoas e exige menos esforço. Diferente de Jú, Isabel não tem um microfone, seu

pregão é vocal, mais cansativo e exige momentos de descanso da voz para não

ganhar rouquidão, mas sem perder o charme característico de um bom pregão: Ta

qui a mantega… é só cinquenta a mantega…compra mantega que dá saúde.

É visível em algumas situações, uma poderosa estratégia de marketing

utilizada pelas zungueiras para atrair clientes. Registrou-se de igual modo com

alguma frequência certa discriminação dos preços em função das características de

cada cliente (cor da pele, nacionalidade, aparência de posicionamento social, etc.).

Ficou patente que, para o sucesso nas vendas, conta muito a interação mantida com

o cliente e, sobretudo, a compreensão de expressões simbólicas utilizadas no

decorrer da atividade e que vão sendo transformadas nessa mesma dinâmica social.

Essa realidade é visível, também, na pesquisa de Santos (2010, p. 67), na

qual a criatividade no pregão representa uma das principais formas de marketing por

parte das ambulantes.

–– Quando não tenho dinheiro, não vendi nada, somos um grupo de amigas

zungueiras das cuecas, as outras, nós como somos bwe (muitas) do grupo, quando a

outra não vende recolhem 50 kuanzas de cada até dar 500 ou 700 kuanzas37 kz e dá

naquela outra que não vendeu.

37 Desde 1977, após a circulação do escudo, moeda portuguesa, circularam em Angola quatro moedas diferentes denominadas kwanza, em homenagem ao maior rio de Angola, que tem o mesmo nome. O símbolo desta é Kz, código ISSO 4217-AOA, constitui a unidade monetária do país. No

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A parte boa de zungar é de você se comprar negócio e encontrar uma boa cliente

que não sabe os preços … o preço que você lhe dá é alterado e ele pode comprar e

você ganha mais… ganha mais do que aquilo que você meteste lá. É por isso que

nós gostamos de zungar, que trabalhar. Lhe dou um preço muito alto e ele não

reclama … eu ganho mais, por isso é que nós gostamos de vender, mais do que

trabalhar. Vale a pena eu vender do que trabalhar. Trabalhar você só ganha no fim

do mês e pode ainda chegar no fim do mês ainda é porque adiou, não tem, num sei o

quê … Nunca trabalhei (na casa alheia), com patrão, sempre zunguei (Teresa, 36

anos, 2011).

Este depoimento deixa explicita a diferença, que a mulher apresenta, entre

zungar e trabalhar, pois para ela trabalho é atividade assalariada, aquela realizada

por conta de outrem, enquanto a zunga não é considerada como trabalho. Ele

reafirma que algumas zungueiras usam um critério discriminatório no atendimento

aos clientes, processo em que tiram ″proveito″ da aparência e da cor da pele para

poder propor preços superiores a um produto que para outros com características

diferentes venderiam a preço inferior.

Ao mesmo tempo, existe entre algumas vendedoras uma forma de

solidariedade que permite superar dificuldades dos dias em que não vendem nada.

O grupo funciona de forma cooperada, como um elo, no qual elas jogam kixikila,

procedimento para reservar algum dinheiro. Mensalmente, cada integrante destinava

um determinado valor a uma pessoa do grupo, que ao receber a contribuição das

demais, ela consegue comprar produtos de sua necessidade como geladeira; pagar

dívidas; rebocar a casa; pintar a casa; comprar chapas para fazer a cobertura da

casa; ou ainda renovar o uniforme escolar dos filhos, que não conseguiria sozinha.

Esse procedimento é realizado de forma rotativa e permite assim alguma

economia.

–– Ta qui garoto, ta qui garoto a passaré, quatro é cinquenta, amiga

pergunta…ta qui garoto, ta qui garoto a passaré, quatro é cinquenta, amiga

pergunta {...}

Este pregão de Shirley (re) produzido com o auxilio de um microfone destaca

riqueza de significados e sua importância para a compreensão da linguagem própria

mesmo ano, circulou o kwanza (AOK); em 1990, o novo kwanza (AON); em 1995, o kwanza reajustado (AOR); e, em 1999, o kwanza (AOA).

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do mercado ambulante, indispensável no atendimento personalizado. Ele descreve

desde o momento do pregão para conquista e chamada de atenção do cliente, até

ao ritual de negociação e, ao final, a compra ou o kilapi (crédito).

Essa atividade tem uma importância muito grande na vida da mulher

zungueira, ajudando-a a conquistar espaço na relação com o marido; a sentir-se

capaz de satisfazer suas necessidades imediatas; a conquistar um espaço social

diferenciado; a poder obter empréstimo de outras pessoas ou até receber produtos

de kilapi. ″Zungar é muito importante na minha vida {…} ajuda também a mover os

músculos e o corpo fica também mais leve {…} ajuda em muita coisa, só que é muito

cansativo” (Isabel, 22 anos, 2011).

Apesar do cansaço gerado pela atividade, ainda é possível reconhecer nessa

fala uma mudança importante na saúde física da zungueira, que acaba se sentindo

mais leve e sempre em forma. Isto é visível uma vez que nenhuma mulher zungueira

tem estrutura física grande ou é gorda. Pelo contrário, o grande esforço feito nessa

atividade pode também ser causador de doenças como a tuberculose, dada a falta

alimentação regular e rica em nutrientes.

Mulher zungando sumo e yogurte pelas ruas da cidade de Luanda. Foto: Novais, 2011

Tal como as demais fotos, esta descreve uma mulher zungueira, em seu

cenário de trabalho nas ruas de Luanda. Aponta uma paisagem diferenciada onde

há edifícios e a mulher se apresenta sorrindo com filho às costas carregando grande

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bacia à cabeça. Apesar do peso que parece carregar, a mulher traz no rosto a

empatia. Na rua em que ela atravessa, existe um vasto espaço de buraco com terra

no qual o asfalto se desgastou. Essa situação expõe a realidade de grande parte

das vias públicas de Luanda, que exige esforço ainda maior para caminhar com

tamanho peso.

Todavia, falar dos pregões utilizados pelas mulheres que zungam pelas ruas

e mercados de Luanda, é tratar de diferentes recursos linguísticos, nos quais o

corpo, as palavras, os gestos, o silêncio, a postura diante dos clientes e signos

verbais e não verbais expressam ideias, passam mensagens, atraem a atenção dos

indivíduos para o produto que elas vendem. Esse conjunto de signos é expressão de

trajetórias de vida e aprendizado conforme retrata o item que segue.

6. Trajetórias de vida de mulheres que zungam pelas ruas – Um

aprendizado de gerações

Já zungo há muito tempo mesmo, a minha mãe também zungava (Jú, 27 anos, 2011)

A trajetória das mulheres participantes da pesquisa na zunga está entranhada

num movimento sócio-histórico, em expressões que permeiam o cotidiano e ganham

centralidade analítica nesta pesquisa. Nela encontra-se o fundamento para

formulações de senso comum, do “orgulho em ser zungueira”, do percurso de vida

de cada sujeito e na fé em dias melhores, que traduzem mais do que fragmentos,

complexas totalidades da história do país, percorridos em diferentes trajetórias pela

província de Luanda.

–– Primeiro vendia peixe, quando vendia peixe só tinha por aí 14 anos. Vamos

contar…são cerca de 14 anos.

• Comecei a vender peixe, produto que comprava na Boavista (nome de um bairro de

Luanda) e vendia no mercado do Calaboca, saia dos kuanzas, passava na Terra

Vermelha, na Sonef e nas Bananeiras;

• A seguir vendi pastas, cintas, tabuleiros e outros artigos diversificados, comprados

no São Paulo e vendia zungando neste mesmo bairro, passando pelos Congolenses

e pelo Roque Santeiro; nesta fase já tinha meus filhos; mas parava mais nos

congolenses. Depois de vender esses artigos diversos fiquei em casa.

• Parei, fiquei um tempo parada porque estava doente.

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• Dei continuidade ao trabalho vendendo mata-rato, mata-barata, anaftalina, risca-

risca, vick de dor de cabeça, de gripe. Esses produtos comprava nos langas38 da

praça do Kikolo (que trazem de fora do país) e vendia zungando pelo mercado dos

Congolenses. Não sabia que tem vick para dor de cabeça? Sim tem, é só meter

assim nas laterais. Os langas vão buscar esses produtos fora, depois nos vendem

aqui.

Desde Maio de 2011 comecei a vender rebuçado mentol para tosse, gripe e irritação

na garganta. Esse produto tem saída, mas vende apenas uma caixa por dia. Cada

caixa tem 12 caixinhas de 36 lâminas, sendo que cada lâmina custa cinquenta

kuanzas. Não é remédio, é rebuçado mentol. Esse produto compro nos kuanzas

(mercado), numa pequena farmácia. É um mercado mesmo e tem farmácias assim

de lado. A farmácia é grande e lá vendem muita coisa, vendem comprimido, xaropes

de vários tipos…lá só vendem assim a grosso…caixa. Lá é menos preço (Jú, 27

anos, 2011).

Está evidente na fala de Jú uma trajetória de trabalho infantil, mas também de

muitas variações no tipo de produto vendido em cada momento, bem como as

paradas no ritmo de trabalho por questões de saúde, que revelam o lado exaustivo e

desgastante da zunga, traduzido como:

–– o lado negativo é que a pessoa na zunga também não pode se esforçar muito,

levar coisas muito pesadas, depois vais trabalhar pouco tempo e ficar acamada com

doença. (Ju, 27 anos, 2011).

Esse depoimento alerta para o fato de que o trabalho da zungueira tem prazo,

um limite traçado pela sua trajetória que vai debilitando seu corpo e como o corpo

fala, em dado momento da vida já não permite que ela zungue. Seu esforço

exagerado se expressa através do tempo e da vida desta mulher, nos adoecimentos

constantes, resultantes da poeira e da pressão de um cotidiano de sacrifício e

exaustão.

38 Usado para designar as pessoas naturais do Congo ou do Zaire, que migraram para Angola em busca de melhores condições de vida e acabaram ocupando um lugar importante na economia do país, especialmente nos rumos que tomou com o aumento do número de cantinas ou pequenas lojas de conveniência, existentes quase por toda a província de Luanda.

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Mulher zungueira com o filho às costas no bairro São Paulo Luanda. Foto: Indira Monteiro, 2011

A trajetória das mulheres participantes deste estudo é diferenciada, porém

todas têm em comum, momentos de descrença e cansaço da rotina dos dias entre a

casa e o trabalho. Apesar disso, surgem memórias em que transparecem motivação

e valoração de seu trabalho.

A lembrança mais frequente das zungueiras diz respeito à saída de sua

província de origem, alojando-se em Luanda em casa de parente ou amigo, até ao

momento de ser introduzida ao mundo da venda ambulante para puder se manter e

ajudar nas despesas de casa. De acordo com as condições (escolarização), sua

itinerância poderia ser encurtada, o que em todos os casos apresentados foi

prolongada, Isso ocorre com as mulheres que viveram a infância em casa de outros

familiares, que não dispõem de condições para a escolarização de todos os

membros ai residentes. No caso de dificuldade econômica, priorizaram seus filhos e

não os demais acolhidos.

Algumas viveram constantes deslocamentos, moraram em casa de tios,

irmãos, amigas, até encontrarem um parceiro e este encontrar um espaço para se

fixarem (em casa de um parente do marido ou em local alugado).

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Mulher zungando fruta em Luanda

Foto: Picareta Issuamo, 2011 A mulher, que aparece na foto 5, está grávida e carrega na cabeça uma caixa

com fruta, peso que, se consultadas orientações sobre saúde materno-infantil, será

considerado muito prejudicial na condição de mãe gestante. Não dá para calcular o

quanto ela, por dia, percorre trabalhando, mas está evidente em seu semblante, o

quanto exaustiva é sua jornada diária de luta pela sobrevivência, conforme

depoimento.

–– Esses produtos compro na mamã gorda, neste armazém desta rua direita ai, onde

tem um guarda. Quando vendia coco, o coco vinha de São Tomé, os barcos

encostavam no porto e eu recebia na mão das senhoras no Roque. Vendia o negócio

delas e o lucro que saia dividíamos (Isabel, 22 anos, 2011).

Esta variedade de lugares, de fontes de aquisição dos produtos para revenda

na zunga e a constante alternância no tipo de produto vendido, podem ser

indicadores de mudança na conjuntura econômica; muitas vezes, as mulheres são

levadas à falência ou ao retrocesso do pequeno negócio, que precisa ser

recomeçado.

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–– Já estou há seis anos na zunga, primeiro zungava no SP, depois nos

congolenses, depois no trinta. No SP zungava louça, copos, pratos, tigelas, banheira,

roupa…todo o tipo de negócio do são Paulo, eu já vendi. Nos congolenses zungava

sutiãs do fardo, cuecas, chinela, guardanapo, papel higiénico, descartável/fraldas e

modex. No trinta vendia chinela, colãs de crianças, roupa de praia. Giro mesmo pela

Viana, estalagem, Luanda Sul… Esses produtos – garotos – compro mesmo aqui

nos armazéns da estalagem. Antes comprava nos armazéns do São Paulo, no

Kikolo, no Roque…Não sai muito lucro…em cada caixa tiro lá lucro de 800 kuanzas.

Não gosto de zungar com bebé nas costas, lhes deixo em casa da vizinha já com um

dinheiro para lhe fazer almoço…por causa dessa toda poeira (Shirley, 26 anos,

2011).

Foi possível observar que se, por um lado, o capital inicial que as mulheres

precisavam para começar seu negócio podia ser considerado irrisório, dado também

confirmado na pesquisa de Santos em Luanda e de Pelegrino no Brasil (SANTOS,

2010, apud MARQUES GOMES, 2006, p.44), por outro lado, toda a sua trajetória é

marcada por um ″imperativo de sobrevivência e pela esperança de uma vida melhor

para os filhos″.

–– Esses produtos quando eu vendo, acaba, nos dias que não acaba guardo em

casa. As crianças chupam um bocado, mas como é forte deixam.

Em cada caixa, por dia, sai cerca de 109 dólares, meu lucro dá cerca de 60 dólares.

Eu não junto o lucro, por causa dos gastos, guardo assim um bocado, mas quando

aparece assim um pequeno problema, eu tenho tirado aquele bocado fazer um total

para aquele problema…por isso é que não consigo guardar assim uma quantia

muita… compro a comida e o resto das coisas… há momentos que na escola da

minha filha estão a pedir propina e o pai o mês ainda não acabou, tiro aquele

dinheiro e pago na escola…ela se quer caderno, lápiz…

Para mim, de vez em quando, compro uma blusa, uma saia, um jogo de panelas

para a minha casa, copos, loiça e meto na minha casa (Jú, 27 anos, 2011).

A vida da mulher é limitada ao quanto ela vende por dia, condição que não a

impede de realizar certa economia como estratégia para enfrentar situações difíceis,

imprevistas e arcar com as demais despesas da casa.

Dificuldades financeiras são motivos de desestabilizações, de brigas, do

agravamento da saúde da família, da falta dos filhos na escola por não ter como

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pagar o transporte. Ao mesmo tempo, são situações que bloqueiam perspectivas de

vida, limitam esperanças e atropelam sonhos; expressam carências que invalidam

seu esforço; descredenciam saberes acumulados. Formas de ser e de fazer as

colocam numa errância de fronteiras embaralhadas pela sobrevivência entre a

zunga, o mercado informal e sua condição de “pobre”, público alvo de políticas

sociais, de programas e projetos focalizados (TELLES, 2010, p. 116).

Nessa perspectiva, as ruas da cidade constituem espaços de trabalho da

mulher que zunga, cuja vida se desvela num mundo de incertezas que se instalam

no centro de seu projeto de vida, alimentado por promessas de um futuro mais

promissor para os filhos.

Mulher zungando na incerteza de vender refeição a um menino. Luanda Foto: Picareta Issuamo, 2011

“Uma imagem vale mais que mil palavras”, diz o provérbio,

perfeitamente adequado para esta imagem que pode ser interpretada sob

variados olhares. Primeiramente, ela indica características da zona baixa da

cidade de Luanda, área urbanizada, com visível engarrafamento de viaturas.

Os condutores das viaturas que aí aparecem fazem parte de um grupo social

diferenciado, em relação ao da mulher que vende refeições. A desigualdade

social em cena pode ser identificada pela posição da mulher que estende a

mão e o menino sentado com uma bicicleta próxima, ambos com realidades

distintas. A mulher passa vendendo alimento cozido nesse espaço, talvez

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para cobrir também a demanda de uma parte da população, que não está

sendo atendida pela política pública.

Assim como as demais imagens apresentadas neste estudo, esta

também foi produzida com a finalidade de mostrar, ilustrar essa realidade,

identificar a mulher zungueira no seu espaço de trabalho, mas também de

reforçar conceitos e compreender a realidade em estudo.

–– Eu quando comecei a zungar ainda não tinha filhos, neste momento sou

mãe de 10 filhos. Meu filho mais velho tem 23 anos. Daqui para a minha

casa apanho três táxis, cada táxi 100 kz. Lá passa autocarro que é mais

barato, mas nunca apanhei autocarro porque demora muito nas paragens e

anda muito pouco.

Vendo cuecas, sutiãs, o que aparecer é que eu compro para vender. Já

vendi colans, vernis, perfumes, plusas parte os cornos e biló (termo para

expressar blusas com alças).

Pelo menos hoje eu saí da minha casa as 7 horas e vou parar de zunga

daqui só lá prás dezassete e trinta. Passo o (os bairros da Maianga), São

Paulo, Kinaxixi…é cansativo e tenho numa hora de repouso. As treze ou as

catorze, quando me sinto bwe cansada. O almoço é mufete, ainda não

comi… aqui na tia São, por dia só gasto trezentos e cinquenta kuanzas (o

mufete é 250 e vai uma gasosa/refrigerante de 100). Quando prefiro comer

funje no São Paulo o prato de funge é 500 kuanzas.

As coisas para vender compro no São Paulo, Hoji-ya Henda e Kikolo. Não

consigo controlar quanto dinheiro eu tenho em biquínis e sutiãs aqui no

cesto. Sei controlar quantas embalagens que eu posso comprar, mas posto

no cesto já não sei quantas tenho.

Há dias que se Deus te abrir as portas, pode vender cinco mil ou dez mil

kuanzas, há dia mesmo que você não vende, por exemplo no dia de ontem

nem sequer uma coisa só eu vendi. Quando chego em casa compro pão de

cem para o jantar… o troco que sobra … aquela hora quando vou comprar o

negócio, o troco que sobra, se sobra lá quinhentos ou setessentos guardo,

dá já para comprar qualquer coisa para o jantar. Quando não tenho dinheiro,

não vendi nada, somos um grupo de amigas zungueiras das cuecas, as

outras, nós como somos bwe do grupo, quando a outra não vende recolhem

50 kuanzas de cada até dar 500 ou 700 kz e dá naquela outra que não

vendeu (Teresa, 36 anos, 2011).

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Observa-se que Teresa tem dez filhos e apenas seis estão vivos, sendo que o

mais velho nasceu quando ela tinha trezes anos. Este dado aponta que para as

populações que vivem em situação de pobreza a maternidade tende a chegar mais

cedo por questões de falta de informação e por pressupostos culturais. Outro

aspecto importante a observar, é que o conflito armado desvastou famílias.

Os dados do Instituto Nacional de Estatística (Angola. INE/IBEP, 2010, p.

120) revelam que, entre as mulheres sem escolaridade, 82% realizaram o parto no

domicílio, um risco a mais na esperança de vida da criança e na saúde da mulher,

tal como revela Teresa: antes fazia meus partos em casa.

Importante observar que a fé desta mulher em Deus não tem limite quando se

trata de reconhecer que há dias em que Ele abre as portas, concedendo sucesso na

jornada de zunga, proporcionando a venda de mais produtos e a consequente

aquisição de boa quantia de dinheiro. Teresa também identifica o quanto para ela o

ser humano é resultado de sua crença, assim ele crê, assim ele é.

–– Eu sou zungueira, onde der eu vou. Porque eu sou zungueira, eu ando muito.

Temos sofrido muito. É muito sofrimento. A vida que eu estou a levar só Deus quem

sabe, é pá, está mesmo mal, tem que parar este sofrimento. A pessoa tem que sair

seis horas sem comer nada, vinte e uma hora está chegar a casa. Porque zungar

também é sofrimento, toda hora rodear. Quando chego a casa corpo bem cansado

não consigo fazer mais nada. Quando vamos à praça, nós as zungeiras já não tem

sítio para nós, quando tentamos posar o negócio, tão nos xotar, Tá mesmo mal. A

zungueira não pode vender, não tem sítio para vender. Sofrimento é demais num

temo nada. Todo o tempo é rodear toda a cidade só para conseguir qualquer coisa

para as crianças: todos os santos dias, a pessoa não tem descanso, se não vou

assim o dinheiro já vai a baixo. Há vezes que vai com a banheira cheia e volta com a

banheira cheia. Dinheiro num sai, tens que tirar nas folhas para comer. O grande

problema que encontro é o cansaço saí daí da Asa-Branca a pé até girar, até quando

acabar, mo cansaço é esse. Fico toda castigada, fico cansada. Meu cansaço é esse

ter que andar toda hora a pé (Trabalhadora zungueira – Bairro Hoji-ya-Henda apud

SANTOS, 2010, p. 78).

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A trajetória dessas mulheres é transposta de forma repetitiva, inventiva e

criadora nas ruas – espaço desprovido de atenção do poder público – por meio das

quais as zungueiras são as principais responsáveis pela organização cotidiana do

tempo da reprodução material e subjetiva dos indivíduos sob a sua responsabilidade

(PELEGRINO, 2003).

Nós zungueiras andamos muito (Shirley, 26 anos, 2011), fala que coincide

com os depoimentos da pesquisa de Santos (2010) e é reforçada pelo depoimento

de Isabel, feito com largo sorriso de certeza de que a mulher zungueira é uma

lutadora, que não se perde pelas artérias de Luanda, ela sabe se desdobrar para

alcançar os clientes.

–– Fico a zungar todo o tempo e quando vejo que estou cansada, sento. Passo

sempre nas mesmas ruas, são muitas ruas, vários bairros…só que nós zungueiras

andamos muito, mas não conhecemos assim, o nome dos bairros. Zungueira não

perde…risooossssssssssss…assim quando vês que estás a passar numa rua que

está a te complicar, pergunta…as pessoas te explicam. O tempo de chuva é muito

complicado, muito mesmo. (Isabel, 22 anos, 2011)

Este depoimento fala da trajetória de vida complexa e das caminhadas

diárias, exaustivas em relação imediata e direta com a sobrevivência, que supera o

trabalho precário e humilhações que impacta sobre a vida desta mulher sob a qual

pesa a cotidianidade (LEFEBVRE, 1991, p. 42).

É nessa dinâmica de repetições que a zungueira vive o extremo de penúria,

escassez e pobreza, num cotidiano repleto de riqueza, traduzida pelas criativas

estratégias e táticas de sobrevivência. Essa mulher recorre a elas, com seu ritmo e

tempo, ″suas vivências, realizações e incompletudes, que lhe permitem reconhecer

a criação de um mundo prático-sensível a partir de gestos repetitivos” (LEFEBVRE,

1991, p.43). Esta é a grandeza criada pela mulher zungueira.

Entretanto, os depoimentos das mulheres participantes revela o quão

desgastante é seu trabalho na zunga, de acordo com Santos (2010, p. 78):

{…} zungar é sofrimento para estas mulheres, – a zunga é vivida simultaneamente como uma resposta e como um fardo imposto pela realidade social, entre ganhos e perdas – que labutam entre a poeira, o barulho, a poluição e a violência nas ruas de Luanda (SANTOS, 2010, p. 78).

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Observa-se que os sujeitos consideram lucro, muitas vezes, aquilo que irá

permitir a realização de seus sonhos, como a compra de um terreno, a construção

ou aquisição da casa própria – que é o desejo de muitos deles –, o que lhes

proporcione bem-estar. Por outro lado, são considerados lucros os recursos

resultantes de seu trabalho, usados na maioria das vezes, para alimentação e outros

gastos que garantem a próprria sobrevivência e de seus dependentes ou o

pagamento da mensalidade da escola dos filhos (SAMBA, 2012, p. 220).

Isso mostra que, as trajetórias de vida e de trabalho são repletas de sonhos e

desejos, de crenças e desafios e estão em suas falas e em seus gestos. Por sua vez

estão igualmente expressas na sabedoria popular por alguns provérbios, entre os

quais aquele, segundo o qual “entre filho e mãe, o governador é-lhes inferior – de

origem kimbundo – Mona ni mama, nguvulu, ndenge, cuja moral revela que o amor

maternal é poderoso, mas não quebra a violência” (Ribas1, 2009, p. 295).

7. ″Se eu não zungasse… não sei o que seria de mim ″

Um homem se humilha se castram seu sonho, seu sonho é sua vida e sua vida é o trabalho, sem o seu trabalho um homem não tem honra, sem sua honra se morre, se mata (Gonzaguinha, 1982).

Ao buscar conhecer o significado que a zunga tem na vida das mulheres,

aparecem contradições reais, que não só poderiam frustrar seus desejos, como

também trazerem à tona elementos surpreendentes de aprendizado. Isso pode ser

evidenciado neste depoimento

–– É mesmo só viver bem, ter dinheiro, mas não consego eu ter dinheiro para pôr a

minha casa bonita, não consego. Há muitos anos na zunga, só trabalho para comer,

não consego fazer nada dentro de casa … é só comer, só trabalho para comer, não

faço nada dentro de casa, a vida mesmo ta male para mim (Teresa, 36 anos, 2011).

Apesar de seu trabalho destinar-se, primordialmente, à sobrevivência, o

importante é compreender que esta mulher está consciente de seus limites e que os

sonhos estão limitados ao contexto de possibilidades, entre caminhos e vidas que se

cruzam, mas seguem rumos diferenciados. Mas sua fala esconde a conquista de

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sua casa própria, construída por ela com ajuda do marido, o que mostra que, com

seu trabalho, ela conquistou mais do que o alimento diário.

–– Ser mulher zungueira, na zunga, é saber se comportar com os clientes e também

saber atender os clientes, saber também andar…nesses caminhos onde nós

passamos, saber evitar muitos problemas que nós encontramos, porque tem sempre

pessoas que é pá…sabendo que você já está a zunga, já não te dá mais valor, quer

te abusar, você que está a trabalhar…você tem que saber evitar, não pode deixar

que te abusem; quem está a te abusar, deixa ele ir, você que estás a zungar vai

também para o teu caminho, ai vais andando normalmente, sem problemas (Jú, 27

anos, 2011).

Na fala das mulheres, existe uma diversidade de elementos que movem suas

vidas, não apenas seu trabalho, seus filhos e sua família, mas também seus sonhos,

nos quais elas projetam a esperança de uma vida melhor, ou ainda sonhos

frustrados. Mais que um norte, na cultura africana em especial, o sonho representa

uma motivação, um aviso, um sinal para a vida do sujeito e seu contexto.

Ao mesmo tempo, o estilo eloquente do discurso dessas mulheres ao falar de

seus sonhos e do desejo de serem respeitadas em seu trabalho aponta expectativas

em relação a seu próprio desempenho na zunga, uma tentativa de manter a

autoimagem diante das frustrações e garantir o bem-estar da sua prole.

Nos depoimentos, as mulheres não falam de suas qualidades ou dos

benefícios do trabalho que conseguem para si, mas apenas alguns comentários

sobre os pagamentos a crédito (kilapi) prometidos por alguns clientes que fogem ou

não pagam.

–– Meu maior sonho, a coisa que mais desejo é ter boa saúde para as minhas

crianças e para a minha família toda gostaria que ficassimo com uma boa

saúde…Viver bem, comer bem, sem problemas na vida, ter mínimas condições de

casa … ter uma boa casa… a casa ta boa mas …Tenho casa mas não tem lá nada

… não tem mobília. Espera condições de quatro mesas (quis dizer cadeiras), mas

não é dos meus gostos. Pela casa que eu tenho, ya, pela casa que eu tenho não

podia ter só mesa de quatro cadeiras, aquilo é espera condições, aquilo é mesa para

quintal, mas por não ter nada meti mesa na sala (Teresa, 36 anos, 2011).

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Enquanto a entrevistada falava de seu sonho, era visível um ar de exaltação e

alegria em seu rosto, um tom de esperança, que dizia que seu sonho ia além de

suas palavras. Isto estava subentendido em suas crenças, convicções e não apenas

nas condições de vida materiais expressas em seu depoimento.

Quase como se narrar a experiência vivida conferisse ao real um efeito suplementar de realidade, ao ser traduzido numa forma que enfim lhe conferia a desejada e merecida dignidade, para além da banalidade prosaica do cotidiano sem relevo (MONTES, 1983, p. 184, apud SARTI, 2007, p. 60).

Acima de qualquer necessidade material, a saúde de seus filhos constitui o

bem mais importante para ela, evidenciando a presença de uma mãe, além da

maternidade, uma mulher que se apropria de sua vida para cuidar da vida de

outrem. As condições para a efetivação de seu sonho estão presentes em seu

trabalho, e é por meio dele que elas compram o que precisam no cotidiano, um

modo de sair do circuito familiar e de se sentirem mais úteis na vida de seus filhos e

da família em geral. Nesse contexto, depoimentos expressam que a atividade

zungueira é uma forma de sustentar a família e de garantir a formação dos filhos, a

saída possível para superação de sua condição.

Os sonhos aparecem como a realização de desejos conscientes ou

inconscientes, uma forma de contato com a subjetividade. Sonho que continua

confinado ao trabalho doméstico – mundo privado – em oposição ao trabalho que

exerce na rua – o mundo público.

–– O meu sonho…não sei, se o meu sonho é um dia eu ser o quê?…se eu

estudasse, soubesse ler, eh pá, deveria ter um sonho lindo…mas como não estudei,

é pá, não sei, se qual é o meu sonho. Eu acho que sonhar é para quem estudou.

Meu desejo é trabalhar, arrumar, engomar, cozinhar bem, trabalhar numa casa, mas

não estou a ver como porque não estudei. É pá, até que trabalhava, trabalhava

mesmo assim, cozinhar, engomar…ya…cozinhar um bocadinho só que eu sei, não

sei muito cozinhar…mas um bocadinho só que eu sei. Já trabalhava mesmo numa

casa, mas depois…quando eu fiquei grávida, deixei. … Mas sai porque me sentia

mal, quando abaixava para fazer limpeza parece que o bebé saia! Trabalhava no

Coelho, mesmo aqui em Viana, quem entra aqui nos contentores, trabalhei lá sete

meses, no ano antepassado quando estava grávida do primeiro filho (Isabel, 22

anos, 2011).

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Isabel entende que a formação escolar é base para a construção de seus

sonhos. Trata-se de um parâmetro que evidencia o quanto a escolaridade pode ser

importante na construção de expectativas de vida, na criação de novos apoios

emocionais e sociais para justificar a perda dos sonhos. Não são meras fantasias ou

sonhos enquanto ela dorme, mas realidade de sonhos vivos, fortes desejos

carregados de consciência e significação da vida.

Ao mesmo tempo, o depoimento anterior mostra uma realidade inaceitável

num Estado democrático, laico e de direito como Angola, uma questão de direito, tão

básica como o acesso à educação, à escolarização, que se torna para essas

mulheres um sonho quase que irrealizável. Esse direito elementar de cidadania, que

deveria ser universal e garantido pelo Estado para todos: a alfabetização. Elas não

estão nem falando do ensino superior ou de um diploma universitário, elas estão se

referindo ao saber ler e escrever. Como pode isso ser um sonho inalcançável para

essas mulheres? E além do mais contraria a Constituição, que em seu artigo 21º

(2010, p.11) define como uma das tarefas fundamentais do Estado ‘‘promover

políticas que assegurem o acesso universal ao ensino obrigatório gratuito {…}’’.

De acordo com Sarti (2007, p. 31), “a expectativa de melhorar de vida está

relacionada à condição de migrante, constituindo um leitmotiv de migrar”. De forma

pouco direta, as mulheres apontam o foco de melhorar de vida pelo trabalho que

realizam, porque seus filhos têm acesso a escola privada, a um telemóvel, ouvem

rádio e assistem à televisão embora com irregularidade. No entanto, são

″oportunidades de trabalho, de consumo e de educação para os filhos″ conquistadas

em Luanda pelo trabalho.

A mulher com tanta dificuldade que vivencia, ela se perde em seus sonhos,

seus desejos maiores, alegando não saber nem mesmo qual é seu sonho. Pode ser

que ela tenha interditado o desejo de sonhar, talvez pelas frustrações e durezas da

vida.

A mulher zungueira, socialmente identificada em função de seu espaço de

trabalho (a rua) e de sua forma de trabalho (errante), vê o futuro com certo

pessimismo, preferindo encarar a dura realidade presente a sonhar com um futuro

mais promissor, conforme Santos (2004, p.79), que aborda esse tema de maneira

bastante reflexiva.

O depoimento de Isabel carregado de emoções foi feito quando Isabel,

abrindo um breve silêncio, pensativa, limpou as lágrimas com o pano com que

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amarrava seu filho às costas e afirmou não saber qual era seu sonho. Ela acredita

que só quem estudou pode sonhar, demostrando que para ela quem não estuda tem

apenas desejos, jamais sonhos. Com isso, ela quer dizer que desejo é algo mais

mais passageiro e possível, diferente do sonho, que é uma realização mais distante

e duradoura; neste caso, o sonho exige mais preparação e condições para se

realizar.

8. Entre a família e a casa – O cotidiano da mulhe r que zunga

O presente item tem o propósito de destacar um aspecto que surge implícito

na fala de todas as mulheres participantes. Trata-se da grande relevância que a

família ocupa em sua vida, surge no fulcro de sua atividade, razão de sua vida, elo

impulsionador de sua labuta diária na zunga.

Essas mulheres migrantes chegam a Luanda solteiras e, atualmente, têm

uma família com filhos aí nascidos, constituindo-se uma nova geração de pessoas

que cresceram na periferia com um modo de vida diferenciado daquele ao de seus

pais. No entanto, na área periférica os serviços de Saúde, Educação, Transporte,

Habitação, água e saneamento continuam precários, limitados e insuficientes.

Uma referência brasileira importante é a contribuição de Sarti, que é

pertinente ao contexto angolano:

Se em toda a sociedade {…} a família é um valor alto, entre os pobres, sua importância é central, e não apenas como rede de apoio, ou ajuda mútua, diante de sua experiência de desamparo social. A família para eles vai além, constitui-se em uma referência simbólica fundamental, que organiza e ordena sua percepção do mundo social, dentro e fora do mundo familiar. {...} No mundo simbólico dos pobres, a família tem precedência sobre os indivíduos, e a vulnerabilidade de um de seus membros implica enfraquecer o grupo como um todo. [...]Sendo assim, no que se refere as famílias pobres, como escutar o discurso daqueles a quem se dirige as políticas sociais – os pobres – e situá-lo no contexto que lhe dá significado, ou seja, o contexto de quem emite o discurso (SARTI, 2007, p.34).

A família subentendida nas falas das participantes é constituída pela mulher,

marido e filhos, mas também pela vizinhança, por algumas colegas de trabalho mais

próximas, irmãos, avós e tios. É o conceito de família extensa no sentido amplo da

palavra.

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A zunga traz em seu bojo sequências de sociabilidade, de vínculos forjados

na vizinhança e na clientela, uma situação comum em muitos bairros de Luanda.

Isso pode ser visto nas lutas dos transportes (táxi, comboio, ônibus), nos acidentes e

doenças, na identificação das companheiras de trabalho, e não obstante a

diversidade de suas trajetórias, acabam criando formas de solidariedade mais

amplas e coletivas como a kixikila.

–– Vivo no Seis, a minha casa, até não é a própria minha casa é de aluguer, pago

3000 um quarto, por mês, é caro, não tem nada de melhor. O mesmo quarto serve

de tudo, tem a cama, cozinha e é sala ao mesmo tempo. Não tem cadeirões, luz,

nem água. Acarreto água de longe. Cortaram a luz, disseram que os cabos são de

anarquia. Não tenho arca, nem geleira. Quando compro frescos cozinho já para não

estragar (Isabel, 22 anos, 2011).

A compreensão do trabalho da mulher se estende à dimensão da moradia

entendida como o mundo da sociabilidade privada, o que pode significar ajuda

mútua, brigas, rivalidades, preferências, tristezas, alegrias, aborrecimentos, espaço

onde se fazem planos, sonhos, construções e realizações. Ela é o abrigo contra as

“tempestades” do sistema econômico e o lócus onde se condensa a produção de

discussões, nas quais a casa própria é valorizada em detrimento da alugada. É o

espaço onde se arquiteta a assim considerada estratégia de sobrevivência

(KOWARICK, 2009, p.84). Trata-se do mundo privado desta mulher, onde se definem

as responsabilidades, as permissões e omissões, as possibilidades, quem pode e

quem não pode entrar, trabalhar, morar, etc. Esta realidade precisa ser

compreendida como espaço onde se constroem as bases de sua atividade e as

condições para a manutenção dessa força de trabalho.

–– Tenho minha casa própria que construí com ajuda do marido, só falta pôr lá

mobília. Desde que nós acabamos a nossa casa, essa já é a 2ª casa, tínhamos a

primeira casa no bairro Malanjinho, ta no aluguer, fica depois do areporto ta … o

aeroporto … o cassequel do buraco, o cassequel do Lourenço, depois é o Bairro

Malanjinho, no Kilanba Kiaxi. Golfo também é no Kilamba Kiaxi. A primeira casa que

ta no aluguer pagam 100 dolar por mês. Tem dois quartos, casa de banho, uma sala,

corredor e um quintal. A que eu estou a viver é de quatro quartos, uma sala e dois

corredores, uma cozinha e uma despensa. E tem uma cantina de processo (Teresa,

36 anos, 2011).

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O orgulho pela casa própria está patente no depoimento de Teresa, cuja luta

foi incessante para realizar tal conquista. É uma casa grande, de construção

definitiva, feita com blocos de cimento e coberta de chapas de zinco. A contradição

surge quando ela diz que a casa não tem documentos, ou seja, legalmente, o

espaço em que ela construiu sua casa não a pertence.

Os migrantes que vivem nas periferias urbanas são um grupo social com fronteiras imprecisas, ao contrário dos grupos étnicos que, ao chegarem no novo lugar de moradia, se estruturam em torno de uma identidade comum, construída com elementos que já traziam em sua bagagem. Essa identidade é criada para os migrantes na periferia, o lugar dos pobres na cidade, daqueles que vieram de muitos pontos diferentes, comportando muita heterogeneidade, mas construindo uma referência básica comum em torno do local de moradia. Quando seus problemas de adaptação na cidade já estão relativamente assentados, os migrantes enfrentam, como qualquer nativo da cidade, o problema de serem pobres. Sua origem, embora marque sua existência, passa a ser secundária, porque o que conta agora é o que a cidade lhes oferece (SARTI, 2007, p.33-34).

No contexto dos sujeitos da pesquisa, o estudo de Sarti faz todo o sentido

mais uma vez. Todas as mulheres moram em zonas periféricas de Luanda, mas

apenas Teresa tem o orgulho de ter construído sua própria casa; as demais vivem

em casa alugada ou de parentes. À semelhança dessas mulheres, moradoras em

Luanda, como afirma Yazkek (2009, p.123) “nossas narradoras buscam seu lugar no

espaço urbano, pois sabem que o abrigo ou sua falta alteram profundamente suas

condições de vida e as de sua família”.

As mulheres zungueiras vivenciam situação de pobreza explícita, embora não

a assumam diretamente. Elas vivem “nesta ambiguidade, neste querer e-não-poder″,

construindo seu mundo de valores e sua identidade social como zungueiras,

“procurando retraduzir em seus próprios termos o sentido de um mundo que lhes

promete o que não lhes dá” (SARTI, 2007, p.34).

Os relatos mostram que as entrevistadas partilham processos semelhantes, com itinerários, que embora compostos por trajetórias singulares, são construídos a partir do sentido de busca constante pela sobrevivência, pela recriação de identidades abaladas pela instabilidade habitacional. Assim, a organização familiar arquitetada em torno da casa própria é vista como um resguardo contra os desrespeitos, medos, violências que caracterizam sua vida nas ruas (KOWARICK, 2009, p. 94).

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Nesse contexto, constroem-se jogos de aparências próprios da sociedade

luandense, onde o consumo se torna um elemento central cada vez mais presente

nas expectativas das mulheres e suas famílias que pretendem ter determinado estilo

de vida. De acordo com Gato (2007?, p.6) “tanto podem representar níveis de

conforto, bem-estar, qualidade de vida, como marcar diferença entre indivíduos ou

respectivos grupos sociais face a auto-imagem construída, aos bens que se exibem

e aos gostos que se combinam”.

É na casa onde a mulher se recompõe do cansaço do dia pesado de trabalho

e das “corridas e porretes” que enfrenta durante a jornada em que é tida como

desordeira, num momento em que ela trabalha para conquistar sua sobrevivência.

Por isso, Kowarick (2009, p.95) considera a casa própria como o “esforço

condensado de muitos anos, símbolo de vitória” e refúgio de uma sociedade

excludente, conforme evidenciam os depoimentos das participantes.

Shirley, uma das nossas entrevistadas, disse apenas que vive num

chimbeco39 todo feito de chapas de zinco, que aquece muito durante os dias de sol.

Sua casa é alugada e paga 30040 kuanzas por mês.

Assim, enquanto para algumas mulheres zungueiras entrevistadas em

Luanda, a casa própria representa uma vitória, para a maioria é representada

fundamentalmente pelo trabalho cotidiano. É por meio deste que elas materializam

sua vida e podem pagar o aluguel de um cômodo para se instalarem com sua

família, mesmo que a mudança de bairro seja frequente. Este é o caso das mulheres

entrevistadas que já mudaram de moradia mais de quatro vezes, dentro dessa

inconstância de casas alugadas.

Em geral, este segmento populacional habita espaços públicos da cidade,

terremos abandonados, de forma irregular. À semelhança do que se refere Yazbek

(2009, p.125), muitos destes sujeitos habitam em ″bairros que se organizam pela

ocupação de áreas públicas ou privadas, onde crescem habitações extremamente

precárias, de tábuas velhas ou novas, zinco, latão, papelão, e outros materiais,

inclusive blocos″.

39 Lugar de residência, sem condições de habitabilidade, construído com latas, chapas, madeiras apanhadas, geralmente, em lixeiras. 40 Este valor equivale mais ou menos a quatro dólares americanos.

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Tendo em vista o contexto histórico de Angola e as condições econômicas e

sociais precárias das mulheres que zungam e suas famílias com pouco ou nenhum

acesso a bens e serviços públicos a recorrência ao comércio ambulante reintera

situações de pobreza presentes na realidade atual.

9. O trato com a fiscalização

Na trajetória das mulheres na zunga, é significativo o anseio por um trabalho

doméstico e pela saúde dos filhos, uma contradição evidente entre direitos de

cidadania postulados na legislação e sua efetivação.

Há uma depreciação da população, que vive em situação de pobreza,

moradores de rua, portadores de VIH, de lepra, por exemplo, mas ao mesmo tempo

″se postula o orgulho pela diversidade populacional que ela alberga″, como se estes

segmentos não tivessem igual direito de acessar aos bens e serviços socialmente

postos.

Jú (27 anos, 2011) ressalta que “tem sempre pessoas que é pá {…} sabendo

que você já está a zunga, já não te dá mais valor, quer te abusar, você que está a

trabalhar {...} você tem que saber evitar, não pode deixar que te abusem″.

É como se a cada momento fosse necessário recorrer ao acervo sócio-

histórico para escamotear uma realidade que se apresenta bastante diferente do que

se postula nos programas, projetos e na legislação, exigindo um “olhar crítico para o

novo, multifacetado e complexo”, que não se explica pela simples invisibilização das

contradições.

Ao negar a pobreza, a desigualdade e a violência, ocultam-se suas raízes e a

realidade posta. Assim, “não saberemos quem somos”, nem as estruturas serão

alteradas, mas a existência de uma realidade que ignora suas reais mazelas será

garantida. Como a música de Renato Russo: “Ninguém respeita a Constituição, mas

todos acreditam no futuro da nação! Que país é esse?”

Uma análise da sociedade brasileira feita por Costa pode ser aplicada à

sociedade angolana:

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{...} a estética da cidade, bem como a preocupação do governo deve centrar-se na compreensão das causas que têm proporcionado o crescimento vertiginoso do comércio, aquelas que fazem do comércio ambulante um fenômeno intrínseco ao contexto urbano atual (COSTA, 1989, p. 46).

–– A parte que não é muito boa na zunga é só a corrida que os fiscais nos dão. Se

você vê os fiscais … assim, eles a virem, voce foge, se ele te ver vai à tua trás até

quando te apanhá. E quando te apanham levam os negócios, se achas que tens

dinheiro para pagar … sobe no carro deles, mas se não tiver dinheiro para pagar,

deixa o negócio ir e você fica. Eles te levam num caminho … numa estrada ou num

triângulo assim que num movimenta la muita gente … ta vê … para você pagar o

dinheiro, porque onde tem gente eles não te levam lá ou na unidade (policial) eles

não te levam. Se vês antes o fiscal foges para uma casa ou num beco onde eles não

vão me dar conta que aqui fugiu lá uma zungueira. Mesmo sendo casa de pessoas

estranhas podes ir, há pessoas que de pena mesmo te mandam entrar no quintal e

fecham o portão (Teresa, 36 anos, 2011).

Com este depoimento, é possível afirmar que Luanda oferece um retrato

acabado de uma sociedade na qual os direitos não fazem parte das regras que

organizam a vida social.

À margem de qualquer tipo de legislação que as proteja na labuta diária, as

mulheres nos mercados informais, institucionais, fixadas em determinadas áreas

próximas aos centros urbanos, caminhando pelas ruas, de casa em casa, gritam alto

e em bom-tom, como se fossem canções que à distância anunciam a qualidade e o

produto a ser comercializado (LOPES, 2010, p.42).

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Mulher zungando com bebê às costas em Luanda Foto: Picareta Issuamo, 2011

Esta é a imagem de uma mulher zungando com uma bacia cheia de fruta à

cabeça e seu filho às costas. Como admitir ação de um agente da fiscalização do

governo provincial de Luanda batendo nesta mulher? E será que ela se encontra

em condições de correr para fugir dos fiscais? Não só é difícil responder como

enfrentar essas situações de violência em contexto angolano, dado o regime

repressivo e a pouca abertura existente por parte da sociedade.

É necessário reafirmar que os percursos que levam à confluência de

experiências de trabalho ambulante jamais se mostram naturalmente, como se

houvesse uma predisposição natural para tal. Eles decorrem de uma prática

construída dentro de um cotidiano massacrante, que à primeira vista poderia ser

fator de desmotivação, na medida em que seus produtos são muitas vezes

usurpados ou levados pelos fiscais.

Em 2010, a imprensa angolana relatou alguns casos de agressão às

zungueiras e aos zungueiros, inclusive da morte de um bebé, conforme foi

apresentado neste capítulo. Este pode ser considerado um dos ‘‘cenários de

instabilidade e pobreza onde se explicitam as regras excludentes de um contrato

que joga maiorias fora dos vínculos civis que os direitos constroem ou ao menos

deveriam construir’’ (TELLES, 2001, p. 96).

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Isto deixa claro, que não são apenas as zungueiras que circulam pelas ruas

vendendo, mas pessoas que compram os produtos e legitimam esta atividade

nesses espaços em que elas são ‘‘protetoras, e acolhedoras das tiranias da cidade

que as nega e do mercado de trabalho que as exclui’’ (Marques GOMES, 2006, p.32).

O contrato social excludente ou inexistente as identifica pela desigualdade e

as instiga a inúmeros comportamentos, às vezes de revolta, manifesto em

expressões ou mesmo em questionamentos como o de Teresa sobre, por exemplo,

falar de mim, minha história?

–– Na rua é muito chato, ainda encontra malucos por ai, outros querem receber

dinheiro…esses bandidos por aí, que andam pela rua, a fiscalização não, já não é

conosco, se eles dão corrida é porque nós somos teimosas e voltamos a vender

onde nos correram. Nós somos teimosas… quer dizer… nos dão corrida e nós

sempre vamos lá! Mas já não temos sítio de vender. Nós corremos ai porque é ao

lado da estrada compram mais bem, tem mais concorrência (Isabel, 22 anos, 2011).

O reconhecimento da “teimosia” pelas próprias zungueiras é apenas uma

expressão da necessidade de sobrevivência, diante da qual o ser humano não tem

muitas opções senão pelo trabalho, apesar de reprimido pela fiscalização. Na

verdade, isso revela a insuficiência das políticas públicas, especialmente nas áreas

da Educação, Saúde, Habitação, emprego, serviços como abastecimento de água,

energia elétrica, saneamento básico, justiça, entre outras.

Como um modo de vida e de trabalho destas mulheres, a zunga tende, na

prática, a ser tratada como se fosse um crime e, portanto, a repressão uma

justificativa. Ademais, o preconceito e a desqualificação desta atividade têm

repercutido em atos mais violentos do que os mencionados pelos depoimentos das

participantes da pesquisa e por dados do primeiro capítulo.

O ponto cego da ″democracia″ angolana pode ser revelado pelo provérbio da

sabedoria dos povos Ovimbundos okahombo kowiñy kasyokulala po samwa,

significando que a cabra da sociedade passou a noite ao relento, ou seja, quando o

bem é de todos, ninguém se responsabiliza por ele. Isso quer dizer que o modo de

vida e de trabalho da mulher zungueira em Luanda é uma expressão das condições

socialmente postas, numa realidade onde o Estado e a sociedade em geral têm co-

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responsabilidade. No entanto, ao mesmo tempo que se esquivam, não se

posicionam de forma mais ativa.

Na prática, a ação dos fiscais do governo provincial, reprime o trabalho das

mulheres zungueiras, sem que algum órgão social se responsabilize pela sua defesa

e inserção social propiciando condições para que possam trabalhar e viver num

ambiente de paz e respeito.

–– Depois já chegaram de me levar o negócio, me bater no fiscal, imagina se

estivesse com a minha criança!! Me bateram no fiscal aqui mesmo na linha férrea. Já

chegaram de levar meu negócio…Não estava a vender, estava a sair do armazém fui

comprar o negócio, inclusive mostrei a factura no fiscal … ele pega no meu negócio e

atira no carro (meu lucro de 850 estava lá também)…ele não queria aceitar…pega no

porrete e me dá com ele…não podia, tentei seguir me davam mais com o porrete e

diziam…se você não tem dinheiro…vocês se te levam só vai até ai a frente e vão

para e você tem que lhes dar dinheiro, aquele bocado que você vendeu tem que

entregar. Eles só mentem que é para dar no chefe…mas na verdade não sei se

levam aonde o dinheiro…minhas colegas lhes receberam 7000 kuanzas, as vezes

3,000, as vezes 500 kuanzas. Aquele bocado que você vendeu é obrigatório você

entregar (Shirley, 26 anos, 2011).

Em nome da legalidade muitas barbaridades são cometidas no âmbito da

relação dos fiscais com as vendedoras. O trabalho da zungueira constitui a categoria

fundante do seu ser social e, como tal, é o alicerce de sua história por meio do qual

é mediada sua relação com a natureza.

O modo de vida e de trabalho das participantes da pesquisa está, portanto,

conectado a uma trajetória marcada por relações de poder e estratégias de

repressão cotidianas estabelecidas pelo governo de Luanda, “transformando a rua

em uma espécie de campo de batalha” entre policiais, fiscais e vendedores

ambulantes.

As mulheres zungueiras foram se estabelecendo pelas artérias da cidade

onde trabalham doze horas diárias muitas ocupam espaços no meio da estrada

entre carros, outras vendem em lugares próximos ao comércio legal. Um desafio e

uma forma de concorrência comercial entre o formal e o informal (LACARRIEU apud

MARQUES GOMES, 2006, p. 273).

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Ao fim dessa análise, vê-se que todo esse percurso de vida e de trabalho,

marcado de forma profunda pela discriminação e violência dos fiscais do governo

provincial é por elas enfrentado de maeira criativa, corajosa e persistente. Além

disso, não contam com a efetivação dos direitos constitucionais previstos e nem da

legislação vigente sobre o trabalho informal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final desse percurso de estudo, constata-se que a escolha de um tema

não surge aleatoriamente e a priori, mas resulta de interesses e circunstâncias

socialmente postas. É fruto de determinada inserção do pesquisador no real

(MINAYO, 1999).

O processo de trabalho empreendido revela que a opção pelo tema de estudo

não está circunscrita ao âmbito exclusivo do pesquisador, mas determinada por

formas de pensar, sentir, querer, ver, ouvir e experimentar, que são coletivas,

inseridas em processos históricos, acompanhados de sábios ensinamentos de

professores e colegas. Logo, é uma construção social.

Para a concretização do tema “modos de vida e de trabalho das mulheres que

zungam em Luanda”, a pesquisadora percorreu diversos caminhos, empreendeu

iniciativas, encontrou muitos desafios e, se viu diante de situações carregadas de

historicidade que exigiram compreensão e aprofundamento. Foi a partir desses

processos complexos que os elementos constitutivos da vida e do trabalho das

zungueiras.

A realização deste estudo trouxe um conjunto de situações que caracterizam

o trabalho ambulante realizado pelos sujeitos da pesquisa, configurado por

processos históricos, políticos e sociais presentes no cenário de Luanda antes de

1975 e, mais particularmente, na luta pela Independência. Esses processos

presentes nas reconfigurações da sociedade angolana marcaram a luta de mulheres

e as transformaram em trabalhadoras lutadoras. Elas enfrentam os desafios diários

no confronto com os fiscais, cuja ação contraria uma política pública de inclusão, ao

violentá-las e expulsá-las das ruas da cidade, seu espaço de trabalho por

excelência.

Ao mesmo tempo, evidencia-se, na fala das participantes, a persistência em

seu trabalho, que embora muito desgastante, é a única maneira que elas têm de

sustentar suas famílias, contribuir no orçamento doméstico e garantir alimento,

vestuário, saúde e escola aos filhos para os quais projetam uma vida melhor.

Desse modo, o objetivo de conhecer a realidade cotidiana das zungueiras e

identificar o significado que elas atribuem ao seu trabalho ambulante foi plenamente

alcançado.

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Com este estudo, reafirma-se a hipótese orientadora da reflexão proposta, a

de que a guerra civil provocou um grande êxodo da população do meio rural para os

centros urbanos, especialmente para Luanda, onde a situação parecia mais estável,

desencadeando um agravamento da questão social com forte impacto no mercado

de trabalho.

A partir de 1992, em consequência de processos históricos, econômico e

sociais do país, verifica-se um aumento no índice de desemprego e na situação de

pobreza extrema no seio da população. Este movimento gerou consequências

visíveis até os dias de hoje na luta de segmentos populacionais para o

enfrentamento de suas necessidades básicas como: Saúde, Alimentação, Habitação

e Educação. Nessa busca pela subsistência e atendendo à necessidade de ajudar o

marido nas despesas de casa em razão do desemprego vigente, a zungueira foi se

transformando e, com mais consciência, tornou-se protagonista nesse processo.

No entanto, observa-se que além desses fatores está presente a busca de

independência, a luta contra os limites estreitos da vida privada e a presença no

espaço público, mesmo que por meio de uma atividade desvalorizada, precária,

irregular, instável e desprotegida. Nessa trajetória, a zungueira busca a afirmação de

uma outra imagem de mulher que vai à luta, que se confronta com os valores

conservadores da sociedade angolana matrilinear e daquela que contribui e não

depende dos frutos do trabalho do marido.

A zunga não pode ser vista de forma acrítica, pois é um trabalho duro, que

expõe a mulher à opressão (na qual o marido pode ser também o opressor) e a

situações de precariedade que não a dignificam.

Ao mesmo tempo, o trabalho ambulante é contraditoriamente, sinônimo de

conquistas, um meio de ascender e de consumir, mas também é a maneira que ela

encontra para sair de casa e se sentir partícipe da vida social. É por essa via que a

mulher rompe com seu mundo privado e participa do mundo público das ruas, onde

estabelece relações com colegas de labuta, clientes, fiscais e outros indivíduos

sociais. Dessa forma, ela circula pela cidade vendendo produtos e expressa, não

somente seu modo de vida e de trabalho, mas também a dinâmica social e histórica

da cidade de Luanda.

Por meio da zunga, as mulheres expressam a cooperação e a cumplicidade

entre si e na relação com seus clientes e vivenciam solidariedade de classe e de

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gênero. Seu cotidiano não constitui mera rotina de trabalho, é antes a expressão de

sua identidade e de luta no enfrentamento de sua condição de subalternidade.

A metodologia usada neste estudo, desde as entrevistas com as quatro

mulheres, as observações, visitas à rua e pesquisas bibliográfica e documental

favoreceram conhecer a realidade das mulheres participantes da pesquisa na sua

dimensão de vida e de trabalho conforme os objetivos propostos.

As dificuldades fizeram parte de um percurso desafiante pelo receio e medo

das mulheres que desconfiadas que a pesquisadora fosse uma jornalista ou policial

disfarçada, seus depoimentos poderiam servir a futuras represálias. O processo de

pesquisa exigiu, portanto, que a pesquisadora conquistasse a confiança das

entrevistadas de modo que pudesse estabelecer um ambiente descontraído para

expor a realidade de seu cotidiano na zunga, mesmo considerando as circunstâncias

adversas.

As mulheres deste estudo que se identificam com seu trabalho, são

trabalhadoras que vivem da zunga e zungam para viver. Para além das questões de

gênero, trata-se de um sujeito social em cena, que encontra nas artérias da cidade

de Luanda a maneira de expressar o que pode fazer para continuar vivendo.

As entrevistadas mostraram que foi pelo “sonho por uma vida melhor” que

elas assumiram o comércio ambulante como trabalho – embora nem todas

considerem a zunga como trabalho –, impulsionadas, principalmente, pela migração

e obrigadas pela necessidade a enfrentar e suportar a ação violenta dos fiscais, a

vivenciar privações para construir novas formas de vida na cidade.

É no centro da cidade – local em que as pessoas vão para acessar serviços e

onde se concentram as oportunidades para fazer um bom negócio –, que sua

presença é disputada. É nesse território, em que os conflitos e disputas se acirram

pelo direito de todos e todas ao acesso dos bens e serviços produzidos socialmente,

que se dá a luta pela conquista de espaços na dimensão pública da cidade.

As mulheres que zungam parecem assim o elo mais frágil a desafiar as regras

do poder que organizam a cidade a partir dos interesses privados, e disputam o

direito de ali permanecerem e ganharem visibilidade, resistindo às diferentes

estratégias de expulsão e exclusão.

Outro resultado muito importante é revelado pelo elevado valor que a família

tem na vida de cada uma dessas mulheres, colocando-a como razão de sua luta, da

qual o marido é cúmplice. Todas elas revelaram que, em dado momento de suas

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vidas, ter um marido era um grande desejo, um objetivo, garantia de segurança. Os

filhos são seu “tesouro” e sempre com grande presença em sua vida, sendo que os

mais novos também acompanham a mãe na lida da zunga, um peso a mais e, ao

mesmo tempo, uma companhia para aliviar o cansaço.

Com esse estudo, depreende-se que a mulher zungueira aqui identificada tem

um cotidiano de luta, de desafios, mas também de realizações, no qual seu trabalho

se revela num cenário aparentemente repetitivo, cheio de mesmices para o

observador, mas carregado de construções, reconstruções e desconstruções.

Todavia, o cotidiano dessa mulher se faz desgastante e penoso e expressa a

própria natureza do trabalho na sociedade de classes, sendo esta motivada por

razões diversas como, a pobreza, o desemprego, a baixa escolaridade, que geram

instabilidade em sua vida de mulher da classe trabalhadora, subalternizada e sem

cidadania legitimada.

Em certos momentos no decorrer da jornada de trabalho, elas experimentam

sentimentos diversos de revolta, indignação e conformismo diante de situações de

depreciação de seu trabalho. Em outras circunstâncias sentem-se humanas, menos

“inferiores”, situações que elevam o valor de seu trabalho. Isso ocorre quando seu

trabalho é referenciado positivamente por alguma mídia ou por algum cliente, que a

elogia reconhecendo o quanto legitima é sua luta.

Depois de compreender quem é esta mulher, seria talvez um absurdo

questionar qual é o significado que a zunga tem na sua vida, pois em sua fala fica

evidente: “se eu não fosse zungueira não sei o que seria de mim, talvez se

estudasse eu poderia ter um sonho, mas não estudei”.

A baixa ou inexistente escolarização é a principal limitação para suas opções

no mercado de trabalho, levando-as à zunga com degradantes condições geradas

por seu trabalho irregular, intermitente e ilícito. Além disso, as políticas públicas que

o incentivam, ao mesmo tempo, reprimem e não garantem emprego, escolarização e

outros direitos que deveriam garantir ao conjunto da população. .

Os programas de microcrédito incentivam o poder criativo de muitos

beneficiários para o mundo do negócio geralmente informal, apesar de que nenhuma

das participantes da pesquisa foi beneficiária de tais programas, fato que pode ser

explicado pela limitada abrangência e acesso desses programas.

Pelos depoimentos e observações feitas nas entrevistas, viu-se que as

mulheres participantes do estudo não têm carteira ou outro documento de

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identidade, e nem estão vinculadas a nenhuma organização social. Logo, as

mulheres zungueiras fazem parte de um grupo populacional composto de pessoas

invisíveis social e politicamente, não contadas nos programas do governo, não

beneficiadas pelas políticas públicas e ausentes das estatísticas oficiais, dados

apresentados nos dois capítulos do trabalho.

Esta dissertação não é um trabalho acabado considerando a problemática

complexa que contextualiza o trabalho da mulher que zunga em Luanda e, como tal,

expressa um modo de vida e de trabalho próprios e dinâmicos, cujas especificidades

precisam de estudos cada vez mais aprofundados.

É preciso estudar questões ligadas ao Ministério da Justiça, no sentido da

necessidade premente de orientar esse grupo populacional para fazer seu registro e

identificação, preferencialmente, de forma gratuita, porque se trata de um direito

inscrito na Constituição do país. A pesquisadora pretende entregar exemplares

deste trabalho a órgãos públicos como ministérios ligados à Justiça, Educação,

Reinserção Social, Família e Promoção da Mulher e outros órgãos que, também,

contribuíram para concretização deste trabalho.

Este estudo evidenciou que as questões envolvidas no trabalho da mulher

zungueira expressam, também, uma demanda para intervenção do Serviço Social,

cujos agentes são chamados a lutar pela garantia dos direitos da classe

trabalhadora, para que sejam partícipes ativos e protagonistas na trama social para

a superação de uma ordem injusta e desigual.

Contudo, a temática deste estudo coloca em jogo um grande desafio para a

sociedade e para o governo no enfrentamento democrático da questão da venda

ambulante e na articulação das prioridades nacionais nas diferentes instâncias

locais. O foco principal deve ser a construção social de políticas públicas baseadas

nos princípios constitucionais de universalidade e igualdade, cuja implementação

respeite direitos consagrados.

Logo, assim como o Serviço Social atua na realidade social atendendo às

demandas da população, elaborando e implementando pesquisas e construindo

propostas para o atendimento às suas necessidades, este estudo pretende ser uma

contribuição em tais processos nos quais a profissão se materializa.

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ANEXOS

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ANEXO I

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social

ANEXO I

TERMO DE AUTORIZAÇÃO E CONSENTIMENTO Eu__________________________________ de estado civl i___________ declaro

para os devidos fins que autorizo a Assistente Socai l e Mestranda Indira Lazarine C.

Monteiro, portadora do Passaporte n. ______ emitid oaos ____ Pelos Serviços de

Migração e Estrangeiro da República de Angola, SME Luanda e do Registo Nacional

de Estrangeiros n.º ____, aluna do Programa ded oEss tPuós-Graduados em

Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, a fazer o

uso integral ou parcial da minha entrevista concedida no dia ____ de ____________

de 2011, sem restrições de prazos e limites de çcãiota na sua Dissertação cuja

temática abordará sobre: “Modos de vida e de htroa:b aal questão da mulher

zungueira em Luanda”.

_______________________________________

Assinatura

Luanda,____ de 2011

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ANEXO II

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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social

ANEXO II

TERMO DE AUTORIZAÇÃO E CONSENTIMENTO Eu__________________________________ de estado civl i___________ declaro

para os devidos fins que autorizo a Assistente Socai l e Mestranda Indira Lazarine C.

Monteiro, portadora do Passaporte n.º ___ emitido oas ___ de ____de ____ Pelos

Serviços de Migração e Estrangeiro da República Adneg ola, SME Luanda e do

Registo Nacional de Estrangeiros n.º _____, alunao dPrograma de Estudos Pós-

Graduados em Serviço Social da Pontifícia Univerasdide Católica de São Paulo,

PUC-SP, a fazer o uso da minha imagem (fotogtirraafdiaa) no dia ____ de

____________ de 2011, sem restrições de prazos e mliites, desde a presente data

na sua Dissertação cuja temática abordará sobre: “Modos de vida e de trabalho: o

caso da mulher zungueira em Luanda”.

_______________________________________

Assinatura

Luanda, ____ de 2011

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ANEXO III

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Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes - 05015-000 - São Paulo - SP - [email protected]

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social

ANEXO III

CARTA DE APRESENTAÇÃO

Luanda, 05 de Agosto de 2011.

À

Direcção geral do Centro

Nacional de Investigação Científica

Luanda-Angola

Eu, INDIRA LAZARINE CATOTO MONTEIRO, estuCduarnstoe ddeo

Mestrado em Serviço Social do Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço

Social da Pontifícia Universidade Católica de Sãaou loP/Brasil, portadora do

Bilhete de Identidade Nº000807811BE033, passado peol arquivo de identificação

de Luanda aos 12 de Março de 2010, estou elaborando minha Dissertação, tendo

por tema “Modos de vida e de trabalho: o caso da mulher zungueira em Luanda”.

Para realização do trabalho de campo, pretendo enter vistar um funcionário

da Unidade de pesquisa em ciências sociais e Humansa do referido Centro, que

possa falar sobre os trabalhos que têm sido desenlvvoidos nesta Unidade, sua

visão da mulher vendedora ambulante e perceber com eostes trabalhos podem

contribuir na causa destas mulheres; do mesmo modo ,obter algum material afim,

disponível sobre o assunto.

Esclareço que a selecção do CNIC se fez em função da sua importância na

realização de estudos científicos, que directa ou indirectamente contribuem para o

conhecimento da realidade social de Luanda, na q utaalmbém está inserida a

mulher zungueira.

Assim, solicito sua importante colaboração, no siednot de possibilitar a

realização deste estudo.

Cordialmente,

__________________________Indira Lazarine Catoto Monteiro

Mestranda

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ANEXO IV

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Rua Ministro Godoi, 969, Perdizes - 05015-000 - São Paulo - SP - [email protected]

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social

ANEXO IV

CARTA DE APRESENTAÇÃO

São Paulo, 19 de Julho de 2011.

Prezada Sra. Ministra da Família e Promoção da Mulher

Lunda-Angola

Venho por meio desta, apresentar a estudanters od od eC uMestrado em

Serviço Social do Programa de Estudos Pós Graduad oesm Serviço Social da

PUCSP, INDIRA LAZARINE CATOTO MONTEIRO, que esatáb oeral ndo sua

dissertação, tendo por tema “Modos de vida e deb atrlhao: o caso da mulher

zungueira em Luanda”.

Para realização do trabalho de campo, pretendoa qauleu na possa

entrevistar um funcionário do referido Ministério,q ue trabalhe com a questão da

mulher vendedora ambulante e perceber quais os programas e projetos que estão

sendo implementados no país para contribuir na causa destas mulheres.

Esclareço que a seleção desse Ministério se fefzu neçmão da sua

importancia diante da causa da mulher no país.

Assim, solicito sua importante colaboração, no siednot de possibilitar a

realização deste estudo.

Cordialmente,

Profa. Dra. Raquel Raichelis Degenszajn

Orientadora