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Estudos Feministas, Florianópolis, 24(2): 292, maio-agosto/2016 499 Candice Vidal e Souza Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil Professoras de Antropologia em rofessoras de Antropologia em rofessoras de Antropologia em rofessoras de Antropologia em rofessoras de Antropologia em Minas Gerais: notas sobre a Minas Gerais: notas sobre a Minas Gerais: notas sobre a Minas Gerais: notas sobre a Minas Gerais: notas sobre a condição da margem condição da margem condição da margem condição da margem condição da margem Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O artigo considera a história profissional de algumas mulheres que ensinaram Antropologia na Universidade Federal de Minas Gerais, a partir dos anos 60, para argumentar que o lugar de professora em um ambiente intelectual a caminho da especialização produziu a exclusão ou a marginalização dessas mulheres no cenário local e nacional. Reflete-se sobre a condição de mulheres que estão à parte dos circuitos prestigiados da Antropologia brasileira, pois a situação da Antropologia, em Minas Gerais, também pode ser tomada por periférica em relação as outras Ciências Sociais e a outros centros de ensino e pesquisa em Antropologia. Desse modo, proponho que a história da disciplina deve compreender as carreiras outsiders, de mulheres e homens, em termos dos processos de diferenciação fundados em aspectos de gênero, classe social e modos de formação profissional. Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: ensino de Antropologia; professoras universitárias; hierarquias profissionais; Minas Gerais. http://dx.doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p499 Esta obra está sob licença Creative Commons. Histórias de antropólogas: esquecimentos, Histórias de antropólogas: esquecimentos, Histórias de antropólogas: esquecimentos, Histórias de antropólogas: esquecimentos, Histórias de antropólogas: esquecimentos, descaminhos e conflitos descaminhos e conflitos descaminhos e conflitos descaminhos e conflitos descaminhos e conflitos A reflexão sobre as carreiras femininas nas Ciências Sociais, apoiada na sociologia da vida intelectual e na perspectiva das relações de gênero, tem avançado, nas últimas décadas, sobretudo nos EUA, com a crítica feminista da ciência (SCHIEBINGER, 2001). Em relação à história da Antropologia, as propostas se referem ao reconhecimento da presença das mulheres como pesquisadoras de campo (GOLDE, 1986 [1970]) e o questionamento sobre o fato de que o gênero importa como elemento distintivo na experiência de trabalho de campo (ROHDE, 2004). O tema da escrita da cultura por mulheres, da narrativa do trabalho de campo a partir das antropólogas, também ocupa as reanálises da história da Antropologia sob o ponto de vista

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Candice Vidal e SouzaPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

PPPPProfessoras de Antropologia emrofessoras de Antropologia emrofessoras de Antropologia emrofessoras de Antropologia emrofessoras de Antropologia emMinas Gerais: notas sobre aMinas Gerais: notas sobre aMinas Gerais: notas sobre aMinas Gerais: notas sobre aMinas Gerais: notas sobre a

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Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: O artigo considera a história profissional de algumas mulheres que ensinaramAntropologia na Universidade Federal de Minas Gerais, a partir dos anos 60, para argumentarque o lugar de professora em um ambiente intelectual a caminho da especialização produziua exclusão ou a marginalização dessas mulheres no cenário local e nacional. Reflete-se sobrea condição de mulheres que estão à parte dos circuitos prestigiados da Antropologia brasileira,pois a situação da Antropologia, em Minas Gerais, também pode ser tomada por periférica emrelação as outras Ciências Sociais e a outros centros de ensino e pesquisa em Antropologia.Desse modo, proponho que a história da disciplina deve compreender as carreiras outsiders,de mulheres e homens, em termos dos processos de diferenciação fundados em aspectos degênero, classe social e modos de formação profissional.Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave: ensino de Antropologia; professoras universitárias; hierarquias profissionais;Minas Gerais.

http://dx.doi.org/10.1590/1805-9584-2016v24n2p499

Esta obra está sob licença CreativeCommons.

Histórias de antropólogas: esquecimentos,Histórias de antropólogas: esquecimentos,Histórias de antropólogas: esquecimentos,Histórias de antropólogas: esquecimentos,Histórias de antropólogas: esquecimentos,descaminhos e conflitosdescaminhos e conflitosdescaminhos e conflitosdescaminhos e conflitosdescaminhos e conflitos

A reflexão sobre as carreiras femininas nas CiênciasSociais, apoiada na sociologia da vida intelectual e naperspectiva das relações de gênero, tem avançado, nasúltimas décadas, sobretudo nos EUA, com a crítica feministada ciência (SCHIEBINGER, 2001). Em relação à história daAntropologia, as propostas se referem ao reconhecimentoda presença das mulheres como pesquisadoras de campo(GOLDE, 1986 [1970]) e o questionamento sobre o fato deque o gênero importa como elemento distintivo naexperiência de trabalho de campo (ROHDE, 2004). O temada escrita da cultura por mulheres, da narrativa do trabalhode campo a partir das antropólogas, também ocupa asreanálises da história da Antropologia sob o ponto de vista

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das autoras de etnografias (BEHAR e GORDON, 1995;CÔRREA, 1995a; 2003). A recuperação dos nomes, dasbiografias e dos percursos profissionais de mulheres queatuaram como antropólogas – de modo individual ou emparceria com seus maridos ou tutores de pesquisa – consisteno objetivo de vários estudos inspiradores para umaantropologia dos mundos intelectuais que situe as mulherese suas condições de trabalho e de vida (LEPOWSKI, 2000;HANDLER, 2004; LAMPHERE, 2004; ROHDE, 2004).

A atuação criativa como antropólogas está evidentequando se pesquisa os documentos administrativos e aprodução escrita de antropólogas pioneiras da Antropologiabritânica, estadunidense ou francesa (LAMPHERE, 2004;ROHDE, 2004; ENGELKE, 2004; SCHUMAKER, 2004; GROSSI,2006, 2010-2012). O trabalho das mulheres antropólogascomo professoras é remarcado enquanto aspecto de suainserção profissional/institucional, tal como o trabalho deMaria Lepowski sobre Charlotte Gower; o depoimento deSidney Mintz sobre Ruth Benedict; os exemplos citados porLouise Lamphere (LEPOWSKI, 2004; SILVERMAN, 1981;LAMPHERE, 2004). Por essas pistas empíricas, suspeita-se queo papel de professora é aquele que oferece menosreconhecimento e prestígio para suas praticantes, seja noseu próprio momento de vida, seja, posteriormente, nareconstrução da história disciplinar. Um exemplo contundenteé a história profissional de Gladys Reichard (1893-1955),sobre quem Louise Lamphere observa que o trabalhoacadêmico permanece sem reconhecimento; umaexplicação possível é o fato de Reichard ter ensinado nonível de graduação, tendo pouca influência entre os alunospós-graduandos, aqueles que formariam a próxima geraçãode antropólogos (Cf. LAMPHERE, 2004, p. 127).

Ser professora para alunas/os de graduação ou depós-graduação seria, então, um dado significativo para aanálise de trajetórias profissionais na Antropologia. Esta é atrilha analítica que sigo neste artigo. Para o caso brasileiro,a presença ou não de programas de pós-graduação emsuas universidades, assim como em seus currículos, seria umdado diferenciador de percursos femininos na Antropologia,ao lado de outros elementos como localização geográfica-institucional, geração, conjugalidade e configuraçõesinterdisciplinares (ou seja, relações de proximidade edistanciamento com outras áreas das humanidades em seuscontextos particulares de formação e de trabalho).

De modo geral, olhar a história da Antropologia pelapresença das mulheres significa enfrentar o modo usual deconstrução do cânone disciplinar ou acrescentar retratosna parede onde estão penduradas apenas as “figurasicônicas” das tradições nacionais de Antropologia, como

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propõe Louise Lamphere (2004) enquanto presidente daAmerican Anthropological Association em seu centésimoaniversário. Justifica-se, assim, falar em processos demarginalização e subalternização do trabalho, da memória,da ação criadora e formadora, de inúmeras mulheres quepontuam nas Antropologias centrais e periféricas(internacionais e intranacionais). Temos por certo que nãoapenas a condição de gênero importa para se entender aprodução da marginalidade (SOUZA, 2006; PINA-CABRAL,2008). As dinâmicas dos mundos intelectuais produzemexclusão e esquecimento também de homens situados emposições minoritárias (por razões de classe social, raça,sexualidade, formação intelectual) ou de mulheres situadasem posições privilegiadas do ponto de vista econômico.

Em relação aos homens, é impressionante a históriade Robert Gelston Armstrong, recuperada por George StockingJr. a partir de sua instigante e perturbadora pesquisa sobre ahistória do Departamento de Antropologia de Chicago e seusalunos (STOCKING JR., 2004, 2006). Apesar de reunir todas asqualidades e as condições institucionais para ocupar ocentro, a perseguição política, por ser comunista nos anos1950, a orientação sexual antes da liberação gay e acondição de “refugiado acadêmico interno” (STOCKING JR.,2006, p. 234) em uma universidade com predominância dealunos afro-americanos (Atlanta University) condicionaram suacarreira de marginalização, resultando em uma confluênciade processos que findou por conduzi-lo à “expatriação” porduas décadas em uma universidade nigeriana, até seufuneral, em 1987, realizado pelos Idoma, “seu povo”.Considerando-se que o trabalho na Nigéria não significa,por si, uma desvantagem, importa, aqui, marcar como o sujeitoque vive suas possibilidades profissionais ao longo do temponarra esses fatos. Na posição de George Stocking Jr., o acessoà sua história impõe algumas obrigações ao pesquisador,que acredito serem compartilhadas por todos que capturamvozes marginalizadas que falam da dor de sua trajetória.1

Para o caso das mulheres de elite, Lamphere observaque Elsie Clews Parsons, Ruth Benedict e Margaret Meadatuaram no período formativo da Antropologia norte-americana – entre 1900-1945. Mesmo assim, é possível verque

(...) on closer examination, each was excluded in subtleways from important disciplinary rewards or achievedthem at a much later stage in their lives than their malepeers. Until recently, the breadth and creativity of theirwork has been unacknowledged, and even today theircontributions are often ‘pigeonholed’ in narrow ways(LAMPHERE, 2004, p. 127).

1 Comenta o historiador que “inmaking his [Robert G. Armstrong]‘unfinished business’ part of thehistorical record of that period Icould also fulfill a moral obligationimplied in our interchange aquarter century ago, when herecounted for me experiencesthat still caused him pain”.

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Com isso, pretende-se considerar, neste artigo, umcontexto de subalternização em relação a um universoespecífico de possibilidades de carreira para homens emulheres naquele lugar e tempo, qual seja, uma universidadepública brasileira nos anos 1960 e 1970,2 período em que aformação dos cientistas sociais brasileiros passava a contarcom a etapa da pós-graduação (RUBIM, 1997).

Professoras de Antropologia na UniversidadeProfessoras de Antropologia na UniversidadeProfessoras de Antropologia na UniversidadeProfessoras de Antropologia na UniversidadeProfessoras de Antropologia na UniversidadeFederal de Minas Gerais: as gerações dosFederal de Minas Gerais: as gerações dosFederal de Minas Gerais: as gerações dosFederal de Minas Gerais: as gerações dosFederal de Minas Gerais: as gerações dosanos 1960-1970anos 1960-1970anos 1960-1970anos 1960-1970anos 1960-1970

Por certo, transmitir o modo de conhecer e interpretaras realidades sociais, a compreensão, no plural, dos modossociais de viver, pensar e fazer, constituem o cerne do processode ensinar Antropologia. Especialmente quando cuidamosdas introduções à Antropologia, em que não há tempo nemespaço curricular para avançar na teoria antropológica, ocontato com a área antropológica e, portanto, toda a“educação antropológica” (GEERTZ, 2001, p. 111) de grandeparte da/os graduada/os que estudam Antropologia virá doencontro com suas/seus professoras/es. Estou convencida deque este é um espaço primordial de difusão social do pontode vista antropológico, em que se fala academicamente,mas os interlocutores não são internos ao próprio universodisciplinar. Em se falando da formação das/os cientistassociais, o contato favorável com as/os professoras/es deAntropologia pode ser determinante para o recrutamento defuturos profissionais, como o confirmam inúmeros relatosconhecidos de antropólogas/os.

Na Universidade Federal de Minas Gerais, o ensino deAntropologia aconteceu em dois espaços institucionaisindependentes até 1966. A Faculdade de Filosofia e CiênciasHumanas (FAFICH) inicia suas aulas em 1941, contando comtrês cadeiras de Antropologia (Antropologia, Etnografia,Etnografia do Brasil), primeiro para o curso de História eGeografia, e, mais tarde, para Ciências Sociais. Essa estruturacurricular seguia legislação federal de 1939. Apesar de haverregistros de mulheres formadas em História e Geografia a partirde 1943 e em Ciências Sociais a partir de 1952, apenas emfins da década de 1960 são contratadas as primeiras ex-alunas da Faculdade de Filosofia para ensinaremAntropologia. Durante muitos anos a cadeira era deresponsabilidade do dermatologista Olinto Orsini de Castro,de triste memória entre seus ex-alunos/as.3 Nos anos 1960,assumiu a disciplina o psiquiatra Eli Bonini Garcia, que fezcursos na Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo eparticipou de pesquisas com Oracy Nogueira.

2 Nesse contexto, está se falandode geração cronológica, uma vezque os dados recolhidos napesquisa não permitem assumiresse grupo como uma geraçãosociológica. Sobre essa distinção,ver Pontes (1998, p. 40).

3 Ver o comentário de FranciscoIglésias sobre Olinto Orsini emIglésias (1991). Outras referênciasa esse professor estão em Laraia(2014, p. 367-368).

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Na Faculdade de Ciências Econômicas (FACE), oensino de Antropologia acontecia no primeiro ano do cursode Sociologia e Política, no período de 1953 a 1966. Trêsprofessores se dedicaram à disciplina, todos com excelenteapreciação por parte de ex-alunos. Indubitavelmente, aAntropologia, embora não fizesse parte do núcleo do curso,era representada por professores/a respeitadosintelectualmente por suas/seus alunas/os e colegas. Tivemos,então, Cid Rebelo Horta (falecido em acidente automobilísticoem janeiro de 1962), Marcos Magalhães Rubinger (substitutode Cid, exilado em 1964) e Maria Andréa Loyola.

No início do ano letivo de 1964, a FACE contratouMaria Andréa Loyola (Pouso Alegre/MG, 1941) como ProfessoraAssistente, pela CLT, para assumir a cadeira de Antropologia.Indicada por Roberto Cardoso de Oliveira, Maria Andréasubstituiu Marcos Rubinger, seu colega no curso deEspecialização em Antropologia Social do Museu Nacional.Este último teve que se exilar na Bolívia e, depois, no Chile,logo nos primeiros meses da ditadura militar.

Maria Andréa Loyola conta sobre a estrutura geral docurso e as atividades que desenvolvia para animar as aulasno primeiro curso universitário que ministrou:

Procurei dar um curso de Antropologia Geral – em funçãodo tempo meio por cima para o meu gosto –, masbastante abrangente para dar-lhes uma ideia dosdiferentes temas e possibilidades da antropologia e paraestimulá-los para o estudo da disciplina. Lembro-me queno item arqueologia, levei-os à Lagoa Santa para visitaras grutas com pinturas rupestres que conhecia bem, eque trouxe o Mata [Roberto DaMatta] e, se não meengano, também o Roque Laraia e o Julio Cezar Melattipara falarem sobre antropologia, embora não melembre sobre que temas especificamente.4

Vê-se que os convidados eram colegas de Loyola noMuseu Nacional. Os professores de Antropologia conseguiamfazer circular pessoas e informações em Belo Horizonte quandoestabeleciam rede de contatos e trocas intelectuais comantropólogos de fora. Desde o primeiro professor da FACE,esse movimento para fora de Minas Gerais acontece. Lembroque Cid Rebello Horta foi o presidente da comissãoorganizadora da 6ª Reunião Brasileira de Antropologia deBelo Horizonte, ocorrida de 26 a 30 de junho de 1961. Nessascondições de sociabilidade acadêmica, as/os alunas/ospodiam ser expostas a discussões e pesquisas representativasdo estado da arte da Antropologia feita no Brasil. Aquelesque assistiram aos cursos de Antropologia da FACE foramprivilegiados pelo interesse de seus/sua professores/a nadisciplina, que os tornava antropólogos/a em exercício datarefa de ensinar Antropologia.

4 Entrevista à autora por e-mail em6/08/2005.

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A única mulher a ensinar Antropologia na FACEtrabalhou na Faculdade até 1966. Em 1967, ocorre a fusãocom o curso de Ciências Sociais da FAFICH. Loyola retorna aJuiz de Fora para assumir a Chefia de Gabinete do entãoprefeito da cidade, Itamar Franco. Segundo Roberto Cardosode Oliveira, sua aluna sofreu perseguição política e eleintercedeu para que ela fosse embora do Brasil rapidamente.5

Com o aceite de Alain Touraine, Loyola parte para a França,onde realiza seu doutorado (1969-1973). De volta ao Brasil,trabalha no CEBRAP (1974-1985) e, em 1982, começa a lecio-nar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sendo,atualmente, professora titular emérita desta universidade.Exerceu, ainda, o cargo de presidente da CAPES entre 1992 e1994. Ela não teve filhos. Com a saída de Loyola da FACE, aAntropologia, em Belo Horizonte, perdeu outra possibilidadede contar com uma professora-pesquisadora que realizasseo trabalho de construção da disciplina na capital.

Na década de 60, duas ex-alunas do curso deCiências Sociais da FAFICH tornam-se professoras deAntropologia. Solange Braga Ferreira e Silva (Belo Horizonte,1942) e Beatriz Meirelles da Costa (São Joaquim da Barra/SP,1942), ambas formadas em 1964, lecionam Antropologiadurante alguns anos, mas decidem sair da UFMG em funçãoda preocupação com os filhos e a casa ou por dificuldadespostas pelo trabalho do marido. Cabe, aqui, uma observaçãosobre o processo da pesquisa.6

Conhecia os nomes dessas professoras dos arquivosda FAFICH, mas levei a sério a opinião expressa por algunsentrevistados de que elas ficaram pouco tempo nodepartamento. Devo à professora Josefina Lobato ainsistência em dizer que o período de trabalho delas não foitão curto e que suas histórias mereceriam figurar em meutrabalho, no qual traçava um quadro do ensino deAntropologia nos anos 60 sem a presença de mulheres. Aestratégia de apagamento das histórias de algunsprofessores pode insistir na ideia de que sua passagem foi“relâmpago” pelo departamento. Nas entrevistas econversas, percebi que o professor Renato Ortiz, que lecionoude 1977 a 1985 na UFMG, também foi vítima da equação“pouco tempo = pouca importância”, perceptível naslembranças de colegas e ex-alunos. Essa associação éclaramente enganadora para a pesquisa, mas ilustrativada lógica de exclusão/inclusão do mundo acadêmico.

Solange Braga assume as disciplinas TeoriaAntropológica e Etnologia Brasileira no terceiro e no quartoano de Ciências Sociais em 1965, recém-formada, portanto.Antes de se formar já ensinava Sociologia no nível secundário.Substitui seu ex-professor, Eli Bonini, que fora preso em 1964.Para regularizar sua situação funcional na universidade,

5 Entrevista à autora em 22/03/2005.

6 As entrevistas realizadas foramgravadas ou anotadas, conformeo consentimento das professoras.Restrições ao uso de informaçõessurgidas na conversa foram respei-tadas quando indicadas por elas.Para esta pesquisa, não é perti-nente o recurso ao anonimato,uma vez que a nomeação tempapel relevante na visibilização dastrajetórias profissionais.

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realiza o concurso de Venia Legendi.7 Em 1967, nasce suaprimeira filha. Em 1969, nasce seu filho e o marido, engenheirocivil que trabalhava com construção de estradas, é transferidopara outra cidade. Retorna, em 1970, e, neste mesmo ano,decide pedir demissão em função das constantestransferências do marido e dos encargos domésticos.

Solange relata que não enxergava perspectivas decarreira, dada a inexistência de pós-graduação na cidade.Por tal razão, avaliou que não valeria a pena continuar como cargo de professora universitária. Desde então, dedica-sea atividades voluntárias regulares na Santa Casa e naparóquia de seu bairro (classe média alta de Belo Horizonte).

Beatriz Meirelles começa a lecionar Antropologia naFAFICH em 1967, realizando seu concurso de Venia Legendi,da disciplina Antropologia Cultural, em novembro de 1969.O atestado deste concurso indica que a aluna recebeu anota nove de todos os professores da Comissão Examinadora(Welber da Silva Braga, Maurício Lanski, Domingos da SilvaGandra Júnior), nas provas escrita e oral, realizadas,respectivamente, em 5/11/1969 e 6/11/1969. Antes, assumeaulas de Sociologia no Colégio Estadual Central e na Escolade Serviço Social da Universidade Católica. Em 1975, comquatro filhos de idades próximas para cuidar (nascidos em1968, 1970, 1972 e 1974), decide abandonar a UFMG, dadaa “ansiedade” gerada com o acúmulo de obrigações. Emum segundo encontro, Beatriz esclareceu que sua decisãode deixar a docência coincidiu com a aprovação de umprojeto de pesquisa que justificaria o contrato de tempointegral. Temendo o “stress” que as novas funções gerariam,confirma sua saída, apesar da proposta feita pelo diretorda FAFICH de alterar seu contrato para 20h/a.

Depois de quatro anos dedicada à vida familiar,começa a trabalhar no governo estadual. Refletindo sobreas características do emprego na universidade, Beatrizobserva que as tarefas relacionadas ao ensino extrapolavamos horários de trabalho (leituras, preparação de aulas etc.),enquanto o emprego público restringia-se quase quetotalmente às atividades no local de trabalho (exceção feitaà preparação eventual de material para reuniões), gerandomenos “ansiedade” no dia a dia.

Beatriz contou-me que, durante o tempo em que traba-lhou na FAFICH, a Antropologia tinha “pouca importância”,contando com número restrito de professores, entre os quaisseria pequena a preocupação com a carreira universitária.Se acompanharmos a carreira de suas colegas mais próximasno curso (cinco amigas desde o colegial), veremos que apenasJosefina Lobato fez mestrado e doutorado, aposentando-secomo professora da UFMG. A opção de fazer curso universitárionão esteve relacionada diretamente à profissionalização,

7 Esta forma de concurso existiana UFMG, nos anos 60, e constavade prova didática e prova escrita,avaliadas por uma banca deprofessores. A finalidade eraestabilizar professoras que jáestavam dando aulas, alcançandosua “permissão para ensinar” emcaso de aprovação. Até que omodelo de concurso público e opadrão de carga horária comdedicação exclusiva se tornassema maneira hegemônica de entradana carreira universitária, existiramsituações mais ou menos precáriasde contratos de trabalho, comcargas horárias variáveis entre 12,24 e 40 horas semanais, sob aregência da Consolidação das Leisdo Trabalho. Agradeço ao professorCaio Boschi por essas informações.

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pois as outras três amigas tiveram outros percursos, nuncaexercendo trabalhos formais.8

A trajetória dessas mulheres, amigas até hoje, mostraos percalços da profissionalização na área de Antropologia,que apenas em meados dos anos setenta contará comprofessores doutores (Pierre Sanchis, 1978; André Prous, 1975;Renato Ortiz, 1977-1985). Além do que, o horizonte de umacarreira acadêmica não chegou a ser projetado ou foiabandonado definitivamente em função da urgência deoutros papéis que elas desempenhavam simultaneamente.Para as novas gerações de mulheres na carreira universitáriapode ser difícil entender a dificuldade de conciliação detantas demandas vividas por Solange e Beatriz que, emboranão tenham se dedicado exclusivamente às suas casas efamílias (Beatriz aposentou-se como funcionária do Estado,trabalhando na área de pesquisa de uma secretaria deEstado), avaliaram que, na época, não havia perspectivaprofissional suficientemente interessante para fazê-laspermanecer na UFMG. O fato de serem formadas em CiênciasSociais (curso que, segundo Beatriz, era chamado de “cursoWalita” por professores do curso) marcou as funções queambas assumiram após deixar as aulas de Antropologia.9

Na década de 1970, o grupo de antropólogas/ossociais se amplia com a contratação de novos professoras/es, como Iêda Martins de Pádua, Josefina Pimenta Lobato,Romeu Sabará, Maria das Graças Tavares, Cleonice Pitangui,Pierre Sanchis, Renato Ortiz.

Iêda Martins de Paula (Governador Valadares/MG,1944) iniciou o curso de Ciências Sociais em 1963 elicenciou-se em 1966. Lecionou a partir de agosto de 1970(concurso para auxiliar de ensino, com carga horária de12h/a) e fez pesquisas em Antropologia (medicina popular).Afastou-se entre 1974-1978, quando estava com seus trêsfilhos pequenos e se sentiu sobrecarregada com as tarefasdomésticas e profissionais. Nesse período, Iêda comentaque não valorizava tanto a carreira universitária, pois ascondições para qualificação eram ainda incipientes emBelo Horizonte, onde não havia pós-graduação na área deAntropologia. Como ela observa, era um ambiente “pré-acadêmico”. Retornou à UFMG em agosto de 1978, comoprofessora colaboradora para aulas no curso de Medicina,quando alterações no arranjo dos horários das aulasdemandaram a contratação de dois novos professores. Estasituação precária de contrato foi alterada com a ação domovimento docente, ainda em fins dos anos 1970, queresultou na decisão do Ministério da Educação e Cultura detransformar todos os professores contratados em funcionáriosestatutários. Assim, Iêda aposentou-se em 1992 comoprofessora regular da UFMG. Em 1981, integrou a primeira

8 A conclusão de um curso superiornas Faculdades de Filosofia surgidasno Brasil nos anos 30 representou,para várias gerações de mulheres,“uma vivência marcada pelacoexistência de valores e padrõesde sociabilidade vistos como con-flitantes”, conforme a percepçãode Maria Helena Bueno Trigo paraas alunas da Faculdade de Filo-sofia, Ciências e Letras da USP. Nocaso das alunas mineiras, pode-se reconhecer vivências próximasàquelas de muitas alunas uspianasdas décadas de 1930 a 1950,quando “todas as inovações noscódigos de sociabilidade desenvol-vidas no convívio universitário vãoser postas em xeque no momentode construir suas carreiras econciliá-las com a vida familiar aser construída pelo casamento”(TRIGO, Maria Helena, 1997, p. 129).Entretanto, apenas um estudoampliado do grupo de alunos daFAFICH/UFMG poderia nos asse-gurar de seu perfil sociológico (ori-gens familiares, habitus, valores,projetos de vida), tarefa não reali-zada em minha pesquisa, a qualacompanha apenas as alunasque seguiram a carreira docenteuniversitária em algum momentode suas vidas.9 O curso de Ciências Sociais eravisto como curso “espera marido”ou “Walita” (ambos os epítetos re-metem ao mundo doméstico),indicando o desprestígio relativodesta opção diante de cursos co-mo Pedagogia e Línguas que,segundo avalia Beatriz, teriam maiscampo de trabalho em compara-ção com a área de CiênciasSociais. Por outro lado, o curso deSociologia e Política da FACE tinhamais prestígio por ser mais profis-sionalizado, inclusive com bolsistastrabalhando em horário integral.As turmas eram maiores do que asda FAFICH e apresentavam com-posição ligeiramente maior dehomens em relação a mulheres.Relembrando as trajetórias de suascolegas, Beatriz conclui que, talvez,fosse mesmo um curso “esperamarido” para algumas, mas,sobretudo, porque muitas tinhampais ricos, que as dispensavam detrabalhar para o próprio sustento.

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turma do mestrado em Sociologia da Cultura, tendodefendido a dissertação “Morar em Belo Horizonte: cultura eespaço doméstico no meio ferroviário”, em 1988, soborientação de Pierre Sanchis. Desse modo, diz ela, aproveitoua primeira oportunidade que surgiu para ampliar suaformação, sem a necessidade de deslocamentos paraoutras cidades com cursos de pós-graduação.10

Maria das Graças de Pinho Tavares (Sabinópolis/MG,1947) assume quatro disciplinas de Antropologia na FAFICHdurante o ano de 1975 na categoria de professora substituta.A situação dessa professora é bastante incomum para aépoca, pois ela já tinha obtido o título de mestre emAntropologia. Integrou a primeira turma do mestrado emAntropologia Social da UnB, tendo sido graduada na mesmauniversidade em Ciências Sociais em 1968. Em 1975,defendeu a terceira dissertação do Departamento deAntropologia com o título “Um Estudo de Tomada de Decisão(Decision Making) na Pesca Artesanal: Icaraí (Ceará)”,orientada por Kenneth Ian Taylor.

Conversei com Maria das Graças Tavares em junhode 2011, após muitos anos escutando referências a seunome em entrevistas. Interessante observar que, em 2005,anotei que o professor Romeu Sabará referiu-se a ela comouma “estrela cadente”. De fato, sua passagem foi rápida,mas reveladora de alguns aspectos do contexto institucionalda época, caracterizado por condições de trabalhoinstáveis e desiguais em termos de cargas horárias (e,consequentemente, de salários). Contou-me que ficou semsalários nos primeiros seis meses de trabalho, embora seucontrato tenha sido pela CLT. Nessa época, percebia o grupode Antropologia como não constituído (“Cada horachegava um”) e a Antropologia em Minas Gerais “semexpressão”. Sua trajetória posterior inclui período de trabalhono CEFET-MG (1977-1978), no interior do Rio de Janeiro, Bahia(Pilar, na company town da Caraíba Metais), Belém (PA), SãoPaulo e Paris. As mudanças de cidade seguiam asexigências do trabalho do marido, psicólogo da área deRecursos Humanos. Na França, realizou uma especializaçãoem Antropologia das Sociedades Complexas pela Écoledes Hautes Études en Sciences Sociales. Possui uma filhanascida em 1978 e um filho nascido em 1981. Desde osanos 1980, Graça Tavares se aproximou da área de pesquisae consultoria em “cultura organizacional”, tendo vastaexperiência nesse meio. Há várias publicações de suaautoria, além de compor o quadro docente de cursos deespecialização em Gestão de Pessoas (Instituto de EducaçãoContinuada/PUC-MG) e na Fundação Dom Cabral, em BeloHorizonte. Concluiu doutorado em Sistemas da Informaçãona UFMG, em 2011, utilizando método etnográfico em sua

O casamento seria, então, umapossibilidade em uma vida jáconfortável (Comunicaçãopessoal, agosto de 2015).

10 Entrevista realizada em 28/07/2005. Algumas informações doperíodo de trabalho na UFMGforam acrescentadas em conversatelefônica datada de 23/09/2015.

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pesquisa numa empresa mineira de informática. Comoescutei algumas vezes, Graça Tavares havia “sumido”. Naverdade, ela não se sentiu motivada a tomar a carreiraacadêmica como eixo de sua vida profissional nos anos1970 e partiu para rumos outros que a Antropologia pôdelhe oferecer. No entanto, como ela se expressou, em uma“trajetória solitária”.

Em fins da década de 1970, outras mulheres integrama carreira de professoras da UFMG: Josefina Pimenta Lobato(1975), Cleonice Pitangui de Mendonça (1976), RaquelMiranda Lopes (1978). Essas professoras completam todo oseu tempo de trabalho até a aposentadoria, sendo queJosefina Lobato defendeu doutorado no Departamento deAntropologia (UnB) em 1994, Cleonice Pitangui fez mestradoem Antropologia na Unicamp, em 1982, enquanto RaquelMiranda Lopes concluiu, em 1999, seu doutorado emAntropologia na Unicamp (LOBATO, 1994; MENDONÇA, 1982;LOPES, 1999), alguns anos depois de sua aposentadoria, em1994.

Mulheres e homens esquecidos: de queMulheres e homens esquecidos: de queMulheres e homens esquecidos: de queMulheres e homens esquecidos: de queMulheres e homens esquecidos: de quenos falam?nos falam?nos falam?nos falam?nos falam?

Norbert Elias, em seu estudo sobre establishmentscientíficos, elucida o papel dos professores na construçãode identidades e fronteiras disciplinares, em seu trabalhode seleção do que é válido ser considerado sobredeterminada área de conhecimento. Os professores são:

(...) the principal human agents of scientific processes.In the last resort, it is they whose consensus, dissensions,and power struggles on the national or the internationallevel, determine whether and which scientificdiscoveries and innovations are recognized asadvances in human knowledge, are received into thecommon fund of knowledge of one or several branchesof higher learning and thus as part of the teachingprogrammes, are handed on to the next generations.Ruling opinion among the professors of a scientific fieldcan paralyze or stimulate productivity in that branch oflearning (1982, p. 5-6).

As características mais proeminentes do ensino deAntropologia em Belo Horizonte contribuíram mais para odesânimo e, mesmo, a aversão dos alunos à disciplina doque para despertar vocações, como revelam inúmerosdepoimentos dos alunos das primeiras turmas da FAFICH. Aconjuntura institucional propiciou o desenvolvimento daCiência Política, principalmente, e da Sociologia,secundariamente. Quem permaneceu em Minas Gerais comoaluno/a e, posteriormente, como professor/a de Antropologia,

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enfrentou as vicissitudes da condição de subalternidade nocampo intelectual, que não foram significativamentealteradas entre as/os professoras/es de Antropologia desde acriação do Departamento de Ciências Sociais, em 1967.

Os combates entre estabelecidos e outsiders no cenáriomineiro,11 como diz Elias sobre as disputas acadêmicas, sãotravados de modo civilizado. Pelo que se sabe,

no one has ever physically mained or killed in theircourse. Nevertheless, these interdisciplinaryestablishment struggles, often long lasting andunresolved, can be firce; they can be highly injuriousto lower-status establishments, to the outsiders, and tothe defeated. Though they do not normally lead tophysical injury, mental injuries are frequent and oftensevere (ELIAS, 1982, p. 22).

As más lembranças e a dor de ter convivido em meioa disputas e combates administrativos e intelectuais por certoproduziram experiências de sofrimento. Para o contexto queestudo, as histórias dos professores Romeu Sabará da Silvae Raquel Miranda Lopes são as que mais me marcaram. Oprimeiro, por ter ouvido muito de sua própria voz e pela falados outros. Trata-se de uma verdadeira “lenda” da FAFICH.12

A segunda, por ter ouvido dela mesma que não gostaria deconversar sobre sua experiência na UFMG, logo no início dapesquisa, em 2004, e, mais recentemente, o relato de quedois derrames a teriam feito perder a memória daqueletempo. Apenas em julho de 2011 consegui encontrar umafala sua, nos agradecimentos de sua tese de doutorado,texto no qual há boas lembranças e referências carinhosase agradecidas a seus colegas e professores, mas há,também, um passado que desconheço (pois o acesso diretoà sua voz é impossível) e que ela diz merecer ser“exorcizado”:

Começo agradecendo meu primeiro professor[Welber da Silva Braga] de antropologia e então chefedo departamento de Sociologia e Antropologia/UFMG,quando da minha liberação para o programa dedoutorado na UNICAMP.Do desejo de trilhar o caminho da antropologia até suaconcretização, vaguei pela sociologia rural até quando,com a ajuda de colegas da antropologia, me aventureina montagem de um programa introdutório de teoriaantropológica. Josefina Lúcia Pimenta Lobato de Melloe Cleonice Pitangui Mendonça me ajudaram muitonessa tarefa e em equipe trabalhamos, trocandoreferências bibliográficas, experiências sobre ocotidiano da sala de aula. Com Pierre Sanchis aprendimuito através de seus cursos que eu acompanhavacomo ouvinte. Com Iêda Martins de Pádua troquei

11 As distinções entre estabelecidose outsiders no contexto institucio-nal da UFMG referem-se à hierar-quia de prestígio entre cientistaspolíticos, sociólogos e antropólo-gos, bem como às divisões internasa cada uma das áreas disciplinares(SOUZA, 2006).

12 A reputação negativa de RomeuSabará está associada às suaspesquisas sobre culturas negrasem Minas Gerais (ouvi referênciasa acusações jocosas por parte deex-alunos de que ele seria“feiticeiro”), mas, também, aosprocessos administrativos por eleacionados em seu tempo nauniversidade.

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experiências de uma trajetória semelhante. LeonardoFigoli e Ana Lúcia Modesto somaram-se ao grupo comquem tive uma convivência mais amena na ‘tribo’antropológica. Sonhava construir com eles um espaçoinstitucional reconhecido a nível nacional. No entanto,o sonho se desfez nas contingências da minha vidapessoal e do grupo que minguou com as aposenta-dorias geradas pelas ameaças de mudanças propostasna reforma da Previdência Social e a sensação defrustração está por ser exorcizada.(...) Num derradeiro encontro de ‘bota-fora de papéis’,numa tarde de maio/97, na sala do CER [Centro deEstudos Rurais]/FAFICH/UFMG, entendi, finalmente, nomeio à poeira de papéis, relatórios, lembranças econversas, que não só uma vida intelectual estiveraenterrada ‘no pasto’, mas, sobretudo, minha alma. Estatese, creio eu, foi o exorcismo necessário para tentarnovos voos (LOPES, 1999, p. ii, iii).

Não sei, ao certo, com quem (com alguns colegasantropólogos, com outros cientistas sociais?) e por que aconvivência profissional foi tão dolorosa para Raquel Lopes.Nos agradecimentos há menções a colegas sociólogascontemporâneas suas, o que inviabiliza a hipótese do simplesconfronto antropólogos x cientistas políticos x sociólogos. Osdetalhes microscópicos dessas histórias e seus afetos sópodem ser alcançados pelo relato pessoal.

As entrevistas realizadas com professores atuantes noDepartamento de Sociologia e Antropologia nos anos 1960em diante têm revelado sobre a crueza das relaçõesinterdisciplinares no cotidiano. As agressões intelectuais e a“jocosidade cotidiana” (expressão de uma professora) têmimpacto subjetivo intenso, mas parecem, também, contribuirpara a baixa estima própria dos antropólogos enquantocoletividade, dificultando alianças e estratégias internas desubversão da condição periférica. Como me disse umaprofessora, aconteceram “propostas minadas dentro daprópria área”.

PPPPPor uma história social dos antropólogosor uma história social dos antropólogosor uma história social dos antropólogosor uma história social dos antropólogosor uma história social dos antropólogosmenoresmenoresmenoresmenoresmenores

Ao realizar esta aproximação à história da Antropologiaem Minas Gerais, vivida no tempo e no espaço das aulas,considerei professoras/es e alunas/os dos cursos de Antropologiaministrados desde a década de 1960. De suas falas, pudeextrair lembranças sobre sua época de formação, e, ao falaremde si e de seus colegas e professoras/es, perceber perfis etrajetórias avaliadas positiva e negativamente. Esses aprendizesdas Ciências Sociais, muitos deles tornados destacadoscientistas sociais, falam do lugar da Antropologia em seus

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cursos de graduação. Mas sua visão retrospectiva se baseiana experiência de alunas/os bem-sucedidas/os e deprofissionais brasileiros da elite das/dos pesquisadoras/essociais. Há, entretanto, outras percepções desse momento deiniciação nas Ciências Sociais. Haveria que incluir alunas/oscom trajetos profissionais distintos, o que nos levou a encontrarhistórias de pessoas com carreiras modestas em comparaçãocom parâmetros posteriores (por exemplo, a exigência dodoutorado para entrada no quadro das universidadesfederais), outras para as quais a formação conduz àprofissionalização temporária. Assim, o grupo de pessoas queinformou sobre as formas de transmissão do conhecimentoantropológico findou por incluir pontos de vista deestabelecidos e outsiders (ELIAS e SCOTSON, 2000).Especialmente aqueles que não são ungidos como brilhantese promissores alunos têm que receber atenção quando seanalisa o mundo intelectual como conjunto de relaçõeshierarquizadas e geradoras de desigualdade.

As configurações intelectuais em que se estrutura omundo das Ciências Sociais podem ser entendidas comorelações de poder estruturadas em termos das categoriasde estabelecidos e outsiders. Norbert Elias estendeu seumodelo de compreensão de processos de diferenciaçãode grupos sociais interdependentes, porém, desigualmenteintegrados, desenvolvido com referência ao trabalho depesquisa em Winston Parva, ao universo das relações entrecientistas. Esse ponto de vista supõe a existência de umgrupo dominante que vê a si mesmo como “minoria dosmelhores” (ELIAS e SCOTSON, 2000), guardiães da excelênciacientífica (NEIBURG, 2000), em comparação a um grupoinferior exatamente por ser destituído das qualidadessuperiores de que são portadores os estabelecidos.

Trabalhos recentes de história da Antropologiaconfirmam os rendimentos analíticos da inclusão depersonagens marginais nas instituições universitárias, emespecial o volume editado por Richard Handler, Excludedancestors, inventible traditions. Essays toward a moreinclusive History of Anthropology, na prestigiada série Historyof Anthropology. No prefácio do editor é notável o débitopara com a crítica feminista dos modos de narrar a históriada Antropologia, especialmente em relação à coletâneaWomen Writing Culture, organizada por Ruth Behar eDeborah A. Gordon (1995).

As editoras, de perfis biográficos de antropólogasatuantes em várias esferas disciplinares (considerando-seespecializações temáticas e lugares de atuação profissionalacadêmicos e extrauniversitários), insistem na urgência deampliação do arquivo sobre contribuições das praticantesda Antropologia. Iniciativas como Women Anthropologists:

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Selected Biographies trazem à reflexão o fato de que aescolha dos nomes a serem incluídos obriga-nos a repensaros “critérios usuais de significância” para o julgamento decarreiras antropológicas. Tais parâmetros são definidos,geralmente, na prática de instituições e departamentosacadêmicos que têm sido criados e controlados por homense tendem a desvalorizar formas de trabalho profissional quese dediquem a popularizar o saber antropológico.13 Assim,os cinquenta e oito perfis considerados desafiam asavaliações unidimensionais quanto ao que constitui apesquisa significante e legítima.

A atenção aos processos de hierarquização decarreiras em Antropologia, que geralmente impõem posiçõesmenores às mulheres, assim como a reflexão sobre os atributosinferiorizantes imputados ao texto ou à conduta profissionalde algumas antropólogas (Ruth Benedict e Ruth Landes comoilustrações mais conhecidas desses efeitos de classificação),foi produzida, sobretudo, numa visada feminista.

No entanto, a história dos antropólogos rotulados comomenores deve incluir, também, homens. Nesse sentido, outroscritérios produtores de exclusão devem ser articulados, taiscomo classe social, raça, posições políticas, tendências naatuação profissional (ensino, pesquisa ou extensão?) e, atémesmo, a escolha dos objetos de pesquisa (“folclore” éexemplo de tema desprestigiado e estigmatizador em MinasGerais, como revelam os depoimentos de Romeu Sabará ede Saul Martins, realizados, respectivamente, em 8/04/2004 e7/4/2005). Com esse olhar ampliado para observar a maiorvariedade possível de trajetórias profissionais, a investigaçãonão canônica de George Stocking Jr. explora muitas entradasde pesquisa aos ambientes intelectuais e suas relaçõesinstitucionais e interpessoais.

George Stocking Jr., ao rastrear depoimentos de ex-alunos do Departamento de Antropologia da Universidadede Chicago, percebeu que a história que escrevia deverialevar em conta as experiências de pessoas que se formaramem uma universidade prestigiosa, mas que tinham vividomomentos infelizes ou insatisfatórios em sua passagem porlá. A questão era dar ouvidos a

(...) pessoas que tinham recebido mestrados finais, ouque tinham abandonado Chicago à busca de títulosem outras instituições, ou que não conseguiram obterempregos em antropologia, ou que simplesmentetinham lembranças mistas ou mesmo amargas de seutempo em Chicago – em suma, todos aqueles cujasexperiências não se adequavam à gemeinschaft idealdo departamento, mas talvez a uma imagem maisdarwinista da história do departamento. Independentede seu número, também estes faziam parte da história

13 Segundo Aisha Khan, “(...) it isimportant to bear in mind thatwhat constitutes the acceptableknowledge of any discipline andhow it is gained and used is oftenguided by institutions or academicdepartments that have beencreated and controlled byparticular men” (1989, p. xvii).

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do departamento como eu a concebia (STOCKINGJR., 2004, p. 53).

De maneira geral, falamos de processos de diferen-ciação e desigualdade ao reconstruir histórias de antropó-logos e de sua disciplina. Os diversos pontos de vista aíimplicados é que merecem consideração. O estudo de MariaLepowski sobre a trajetória de Charlotte Gower demonstracomo os ambientes institucionais, um campo de relaçõesentre pessoas distintas por gênero, classe social, origem étnica,idade, produzem a marginalização e o apagamento dedeterminadas trajetórias profissionais, ao mesmo tempo queeleva outras às posições consagradas e lhes concede odireito à lembrança.14 Gower, mesmo situada como aluna eprofessora em universidades prestigiadas, inclusive no depar-tamento de Antropologia estudado por George Stocking Jr.,foi progressivamente sendo marginalizada, ao tempo em queas oportunidades de ascensão e estabilidade profissionaleram minadas ou por infortúnios ou por ações de seus pares(homens, sobretudo) (LEPOWSKI, 2000).15

Fala-se, neste trabalho, de subalternidade em gruposintelectuais, considerando-se a convivência entre superiorese inferiores hierárquicos. Interessa conhecer quem e por queé alocado em uma ou outra condição, em determinadocontexto das relações institucionais. Sabemos que elementoscomo posições políticas, gênero, etnia, cor, origem de classepodem comprometer a ascensão profissional de homens emulheres em suas carreiras universitárias (STOCKING JR.,2004; LEPOWSKI, 2000; CORRÊA, 2003; HANDLER, 2000; BEHARe GORDON, 1995).

Mariza Corrêa (2003) explora as razões para o esque-cimento, mas, também, as formas específicas da lembrança(como o “esposa de”) de vários nomes de antropólogas(brasileiras, estrangeiras que estiveram no Brasil ou pes-quisadoras/professoras dos Estados Unidos, Grã-Bretanha ouFrança), demonstrando a existência de linhagens femininasna disciplina, às quais foram negadas um lugar entre autorescanônicos. Pesquisadoras de campo, professoras universitá-rias, administradoras, as mulheres na Antropologia realizaramatividades diversas, mas suas posições e sua produção foramvistas como conquistas ou produções intelectuais menoresem relação aos equivalentes masculinos. Quando recor-dadas, essas antropólogas o eram, sobretudo, por sua funçãode ensinar, revelando a compreensão dessa atividade comotrabalho próximo à maternidade (CORRÊA, 2013, p. 193). Demodo geral, foram mulheres reconhecidas em suas qualida-des didáticas e administrativas. Embora com experiência depesquisa, ocuparam espaços em colleges femininos,situação que não correspondia a reger uma cadeira deAntropologia e formar pesquisadores.

14 Para a discussão sobre consa-gração no meio acadêmico, verBourdieu (2013).

15 João de Pina-Cabral assimapresenta Charlotte Gower, “cujamagnífica monografia sobre umaaldeia siciliana permaneceu,infelizmente, desconhecida até1971” (1991, p. 45).

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Maria Lepowski, ao recuperar o trabalho realizado porCharlotte Gower, nota que até mesmo seu desempenhodedicado e criativo como professora de Antropologia emWiscosin e Chicago nos anos 1930 e 1940 tem sido esquecidopor seus próprios alunos. Ela normalmente é apagada dasmemórias de seus aprendizes. Como diz Lepowski, Gower

is nearly always omitted when her former students ortheir biographers and memorialists trace theirintellectual descent and indebtedness. Since recordsleft behind of Gower’s teaching show she emphasizeda creative synthesis of four-fields anthropology,empirical sociology (...), and a focus on culturalchange; and since some of her former studentsbecame leading figures in major departments ofanthropology by midcentury, this is a major omissionthat elides Gower’s contribution to the formation andacademic transmission of postwar Americananthropology (LEPOWSKI, 2000, p. 142-143).

A respeito de lembranças de antropólogas/os comoprofessoras/es, temos a importante coletânea organizada porSydel Silverman, Totems and Teachers (1981). São oito perfisescritos por ex-alunos. Ruth Benedict é a única mulher retra-tada. O relato sobre Benedict afirma, em vários momentos,sua condição marginal e desprestigiada em um universomasculino.

Alvo de várias desqualificações intelectuais, Mintz nota,sobre ela, que “her science was much damned by somecolleagues in the final years of her career as being ‘no morethan’ art” (MINTZ, 1981, p. 159). Além disso, sua presençafeminina não era assimilada porque, afinal, isso significariaa presença de uma mulher almoçando com os homens eparticipando da condução dos assuntos da faculdade (Cf.MINTZ, 1981, p. 161). Alguns adversários masculinos tambématravessavam sua trajetória, tal como Ralph Linton, quedeclarava publicamente sua intenção de matar Benedict(Cf. MINTZ, 1981, p. 161).

As referências às professoras e suas influências naformação teórica e metodológica dos alunos podem ser nota-das a partir da provocação dessas lembranças. Às vezes,como ocorreu nas entrevistas que fiz, é preciso revolver muitascamadas de esquecimento para chegar à experiência dasaulas com professoras específicas. Nesse caso, os dados dapesquisa em arquivo são auxiliares fundamentais do entrevis-tador para trazer à conversa nomes e datas referentes hádécadas passadas da vida dos interlocutores. A “escavação”dos registros de arquivos institucionais é uma etapa indispen-sável se quisermos entender os processos de construção socialda memória da difusão antropológica.

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No lugar mais invisível da margemNo lugar mais invisível da margemNo lugar mais invisível da margemNo lugar mais invisível da margemNo lugar mais invisível da margem

Os nomes citados por Mariza Corrêa em relação àAntropologia na França e na Inglaterra, bem como aqueleslistados por Maria Lepowski em relação à Antropologia norte-americana, são de mulheres que fizeram Antropologia emseus circuitos prestigiados (CORRÊA, 2003; LEPOWSKI, 2000).Embora estivessem no centro, são elas personagens tornadosperiféricos, em função da invisibilidade de sua trajetória e domenosprezo ao seu pensamento. O lugar subalterno dessasmulheres na história da disciplina se deve à sua condiçãode gênero, mas, também, acredito que a remissão ao seupapel de professoras reforça essa inferiorização em compa-ração ao modelo canônico do antropólogo-pesquisador. Daraulas de Antropologia é considerada uma atividade menorque fazer pesquisa de campo, publicar e lançar novasinterpretações e teorias ao debate antropológico. Sendo oensino visto como “mera” transmissão do conhecimento,ocuparia uma posição inferior na hierarquia das tarefasreservadas a um antropólogo.

Notadamente, se as aulas estiverem sob a responsa-bilidade de uma mulher, suas qualidades criativas em salade aula costumam ser menos valorizadas que a atividadede professores homens. No caso da avaliação de bomdesempenho que sobrevaloriza publicações, uma trajetóriabem-sucedida em ensino e pesquisa pode ser desprezadaem função da constatação de “pouca publicação”. Ospercalços da carreira de Charlotte Gower entre as universi-dades de Chicago e Wisconsin explicitam as dificuldadesenfrentadas por mulheres em ambientes acadêmicos hostisà presença feminina, realidade que perdura há décadasem vários contextos nacionais.16

Catherine Lutz (1995) percebe a hierarquia entre fazeretnografia (= coletar dados) e produzir teoria replicandodistinções de gênero, nas quais mulheres antropólogasescrevem etnografia e realizam descrições, enquanto otrabalho teórico seria tarefa masculina. Apenas quando nãoestá em questão a oposição entre etnografia e teoria, otrabalho de campo é representado como masculino, aventu-reiro, heroico (Cf. LUTZ, 1995, p. 256). Essa observação nosalerta para as múltiplas segmentações classificatórias queoperam nos universos intelectuais. Nesse momento, queroreforçar a condição de subalternização máxima da professorade Antropologia. Proponho que, tanto na situação em que aAntropologia está em desvantagem no quadro das outrasciências sociais ou mesmo diante de Antropologias mais“nacionais”, quanto naquela que uma determinada institui-ção ocupa uma posição elevada na hierarquia disciplinar,o lugar da antropóloga que “apenas” ou “sobretudo” se

16 Ver Lepowski, 2000; Hallstein eO’Reilly, 2012. Iêda Martins dePádua, uma de minhas entrevista-das, fez referência ao “ambientemasculino” da FAFICH/UFMG naépoca, situação que redundou naimpossibilidade de problematizarquestões como a maternidade ea vida acadêmica (conversa tele-fônica em 23/09/2015).

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dedica a ensinar Antropologia para graduandos é aqueleque mais sofre o desprestígio e o esquecimento na construçãoe difusão do saber antropológico.

Mulheres ou homens que sejam referidos comoprofessores de Antropologia são aqueles candidatos maisprováveis ao esquecimento, o qual é agravado nos casosem que a pessoa não publicou livros ou artigos acadêmicosde relevo. Neste caso, perecer na memória de suas/seusalunas/os e colegas será um destino quase certo depois deaposentados ou mortos. Enquanto vivos, podem receberqualificações depreciativas (“medíocre”, “preguiçoso”,“covarde”, “provinciano”) ou, ainda, ser alvo de fofocas ebrincadeiras.17

A pesquisa sobre a Antropologia em Minas Gerais, porenfatizar o ensino de Antropologia, faz menção a vários nomesde professoras e professores, muitos dedicados exclusiva ouprioritariamente às salas de aula durante toda a vidaprofissional. Embora esse grupo seja composto também porhomens, as mulheres sofreriam uma subalternização maisaguda: suas marcas se apagam com mais rapidez, provavel-mente porque o renome (entendido como reputação) de umaprofessora se difunde entre seus alunos, ou seja, entre quemesteve presente em suas aulas e palestras. O renome de umaautora, por sua vez, persiste enquanto seus textos são lidos,citados e comentados, tendo a possibilidade de persistir maistempo, inclusive entre pessoas que não conviveram direta-mente com a autora. As professoras de Antropologia poderiamser incluídas entre as categorias de antropólogos, homens emulheres tidas como exemplos menos bem-sucedidos naprofissão, quais sejam, “contract ethnologists, early non-European American scholars and anthropological collaborators,museum anthropologists, government employees”.18

Conhecer a carreira dessas pessoas, o seu aprendi-zado profissional e suas ideias sobre a Antropologia e asrelações institucionais é uma abordagem promissora para oestudo da história da Antropologia. Ao trazer as lembrançasde professoras e professores de Antropologia que atuaram naFaculdade de Filosofia e na Faculdade de Ciências Econô-micas da UFMG, tem-se acesso ao ponto de vista de profissio-nais que sofrem vários níveis de subalternização: por serem“simplesmente” professores, por serem mulheres ou por traba-lharem em um lugar periférico no campo da Antropologiabrasileira, sobretudo se considerarmos as décadas em queminhas entrevistadas estudaram e trabalharam, em umambiente universitário no qual despontavam outras ciênciassociais, notadamente a Ciência Política, que contou com oapoio da Fundação Ford a partir de fins da década de 1960.

Ao fazer uma história da Antropologia apoiada,principalmente, em entrevistas, poderemos avançar rumo a

18 Como insiste Lepowski, “we alsoneed to consider more carefullythe experiences and intellectuallegacies of other categories of lessconventional – or less conventio-nally successful – kinds of anthro-pologists, female and male” (2003,p. 165).

17 Ver Lepowski, 2000.

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conversas que reflitam sobre aspectos das vidas científicas epessoais, em diferentes momentos das trajetórias de pessoase instituições. Como notam Harriet Zuckerman, Jonathan Colee John Bruer, essas histórias trazem indicações de como aposição das mulheres nas ciências e nas carreiras universi-tárias tem se transformado desde meados do século XX, aler-tando as pesquisadoras para a necessidade de compararsistematicamente as circunstâncias de mulheres e homenscientistas ao invés de limitar-se a estudar homens e mulheresseparadamente (ZUCKERMAN; COLE; BRUER, 1991, p. 15). Aindaque as mulheres antropólogas tenham sido as protagonistasdeste trabalho, uma ênfase relacional entre os gêneros, assimcomo a captura das diferenças e afinidades intragênero(estas últimas mais destacadas no caso mineiro pelaproximidade de geração, classe social, formação escolar eestruturas conjugais e familiares), surgem como horizontespromissores para o trabalho com a Antropologia feita pelageração de pioneiras no ensino universitário brasileiro.

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[Recebido em 30/09/2015 eaceito para publicação em 12/11/2015]

Professors of Anthropology in Minas Gerais: notes on the conditions of the marginProfessors of Anthropology in Minas Gerais: notes on the conditions of the marginProfessors of Anthropology in Minas Gerais: notes on the conditions of the marginProfessors of Anthropology in Minas Gerais: notes on the conditions of the marginProfessors of Anthropology in Minas Gerais: notes on the conditions of the marginAbstract: Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: The article approaches the professional history of some women who lecturedAnthropology in Universidade Federal de Minas Gerais as from the 1960s, to discuss that theirposition as a professor in an intellectual environment, on the way to specialization led to theirexclusion or marginalization in the local and national scenario. The article discusses the situationof women who are left out of the prestigious circuits of Anthropology in Brazil, as the situation ofAnthropology in Minas Gerais can also be deemed as peripheral when compared to other SocialSciences and to other education and research Anthropology centers. So, I propose that the historyof the discipline should comprehend men’s and women’s “outside” careers, in terms of the processesof differentiation based on aspects of gender, social class and modes of professional qualification.Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Teaching of Anthropology; University Professors; Professional Hierarchies; Minas Gerais.