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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL Maria Carolina Carvalho de Carlos A DEFENSORIA PÚBLICA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP COMO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO/SP 2012

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO · complementada com o Banco de Dados da Regional a partir do qual ficaram evidenciadas as demandas prevalecentes e que refletem a

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  • PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL

    Maria Carolina Carvalho de Carlos

    A DEFENSORIA PÚBLICA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP

    COMO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO SERVIÇO SOCIAL

    MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

    SÃO PAULO/SP

    2012

  • PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL

    Maria Carolina Carvalho de Carlos

    A DEFENSORIA PÚBLICA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP

    COMO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO SERVIÇO SOCIAL

    MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

    Dissertação de Mestrado apresentada à

    Banca Examinadora do Programa de

    Estudos Pós-Graduados em Serviço

    Social da Pontifícia Universidade Católica

    de São Paulo, como exigência parcial para

    obtenção do título de MESTRE em Serviço

    Social, sob orientação da Professora

    Doutora Maria Lúcia Martinelli.

    SÃO PAULO/SP

    2012

  • Banca Examinadora

    _____________________________ Profª Drª Maria Lúcia Martinelli

    Profª Drª Maria Carmelita Yazbek

    Profª Drª Eunice Terezinha Fávero

  • Um dia virá em que todo meu

    movimento será criação,

    nascimento, eu romperei todos os

    nãos que existem dentro de mim,

    provarei a mim mesma que nada

    há a temer, que tudo o que eu for

    será sempre onde haja uma mulher

    com meu princípio, erguerei dentro

    de mim o que sou um dia.

    Clarice Lispector.

    A nobreza de nosso ato profissional

    está em acolher aquela pessoa por

    inteiro, em conhecer a sua história,

    em saber como chegou a esta

    situação e como é possível

    construir com ela formas de

    superação deste quadro. Se

    reduzirmos a nossa prática a uma

    resposta urgente, a uma questão

    premente, retirarmos dela toda a

    sua grandeza, pois deixamos de

    considerar, neste sujeito, a sua

    dignidade humana.

    Martinelli

  • Neste trajeto descobri profissionais

    comprometidos com o fazer cotidiano na

    Defensoria Pública, profissionais que, com

    olhar crítico, deram densidade a esta

    pesquisa. Agradeço aos sujeitos da pesquisa

    de campo, Luciano, Luiza e Renata.

    Aos operadores do Direito e Defensores

    Públicos, Dr. Matheus, Dr. Rodolfo e Dra

    Giovana. Parabenizo a humanização nos

    atendimentos e apoio a luta cotidiano de

    desburocratização do judiciário. Pois, “o

    construtor da prática não é apenas o

    profissional que a realiza, mas sim o conjunto

    dos sujeitos que, articuladamente com o

    assistente social, dão vida e concretude à

    prática” (Martinelli, 1999, p.12).

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço ao Senhor Deus pelo dom da vida, por todas as obras

    que realizas em mim e por permitir que eu conquiste mais esta vitória em

    minha vida. Tu és a minha fortaleza. Á Nossa Senhora Aparecida, mãe das

    mães, que sempre me protegeu com seu manto de paz e acalanto.

    Quero te agradecer Senhor, pelos meus pais, João Batista e

    Cristina, pela, minha irmã Marília e pelos meus familiares que estiveram ao

    meu lado durante toda a minha vida, apoiando e incentivando para que eu

    chegasse até aqui hoje, e conquistasse tudo o que sou.

    Agradeço meu Deus, pela presença do Ivan na minha vida, fonte

    de amor, compreensão e incentivo em todas as minhas decisões, mesmo que

    isso signifique compromissos e ausências.

    Não posso deixar de agradecer à minha madrinha Vera Canhoto,

    por seu incentivo sempre, por mostrar que conquistas maiores virão e pela sua

    maturidade me complementar em muitos momentos.

    Agradeço também duas amigas que acompanharam as batalhas

    e viagens semanais das aulas no mestrado, Ana Paula Proni e Márcia Guerra.

    Senhor, não poderia deixar de agradecer pela Profª Drª Maria

    Carmelita Yazbek e pela Profª Drª Eunice Terezinha Fávero, estarmos lado a

    lado significa um momento ímpar na minha vida. Apenas em poucos meses

    elas ultrapassaram as referências de profissionais, autoras e intelectuais e

    alcançaram referências de humildade e acolhimento e deixaram as capas dos

    livros para vida real, lugar onde sempre serão estrelas.

    Agradeço em especial, a querida Profª Drª Maria Lúcia Martinelli,

    além de orientadora ela é doutora na vida, com sua benção Senhor fez dela

    instrumento de paz nos meus momentos de angústia e aflição, me

    direcionando dos caminhos obscuros para que conseguisse superar todas as

    dificuldades que encontrei pelo caminho, vencemos esta etapa juntas.

    Agradeço Senhor, pela vida da minha orientadora e de todos os professores

    que contribuíram para meu crescimento, formação e vitórias conquistadas ao

    longo do mestrado.

  • 7

    Enfim, agradeço ao meu Deus por mais esta conquista que este

    trabalho representa. Peço que suas bênçãos e seu amor atinjam a todos que

    fazem parte da minha vida. Esta foi à forma que encontrei para dizer a todos,

    muito obrigada.

    Que meu agradecimento e gratidão cheguem a todos através da

    minha oração.

    Amém!

  • 8

    RESUMO

    A presente pesquisa, “A Defensoria Pública de Presidente Prudente/SP como espaço sócio-ocupacional do Serviço Social”, teve como objetivo desvelar a realidade social de atuação do Assistente Social na Defensoria Pública de Presidente Prudente, com base em aproximações concretas do dia-a-dia de trabalho, bem como apresentar a identidade da profissão nesse espaço sócio ocupacional, além de propiciar a construção de questionamentos e problematizações afim de que possam contribuir para a melhoria da qualidade dos atendimentos, considerando sua importância na proteção, conquista e efetivação de direitos sociais. Para fundamentar a análise foi realizada pesquisa bibliográfica, documental e de campo, tendo como referenciais teóricos o Serviço Social, a área sócio-jurídica e a Justiça. Parte-se de uma reflexão histórica sobre os direitos sociais, apresenta-se a Defensoria Pública como importante Instituição na área jurídica e social, focando na Regional de Presidente Prudente/SP. Foi realizada também cuidadosa pesquisa de campo com os Assistentes Sociais que atuam nesta área, analisando de forma crítica os pontos que mais se destacaram nas entrevistas realizadas. A pesquisa foi complementada com o Banco de Dados da Regional a partir do qual ficaram evidenciadas as demandas prevalecentes e que refletem a insuficiência das políticas sociais nas respectivas áreas, sendo as principais, assistência social e saúde. E finalmente são apresentadas propostas de atuação para o Serviço Social neste espaço sócio-ocupacional, tendo o Projeto ético-político como um referencial e como horizonte a humanização dos atendimentos nas áreas do campo sócio-judiciário.

    Palavras-chave: Direitos Sociais. Defensoria Pública, Justiça, Serviço Social.

  • 9

    ABSTRACT

    This research, "The Public Defender of Presidente Prudente / SP as the socio-occupational social work", aimed to reveal the social reality of the social worker acting in the Public Defender of Presidente Prudente, based on approximations of the concrete day-to-day work as well as present the identity of the profession inoccupational social space, besides enabling the construction of questions and concerns so that they may contribute to improving the quality of care, considering its importance in the protection, achievement and accomplishment of social rights. To support the analysis was performed on bibliographical research and field, having as theorical Social Services, the area socio-legal and justice.Starting from a historical reflection on social rights, presented the Public Defender as an important institution in the legal and social areas, focusing on the Regional Presidente Prudente / SP. We also carried out a carefully field research with social workers working in this field, by analyzing the critical points that stood out in interviews. The survey was complemented with the Regional Database, from whichwere evidenced by the prevailing demands and reflect the failure of social policies in their respective areas, the main ones being social care and health. And finally proposals are made for intervention by Social Services in the socio-occupational, and the ethical-political project as a reference horizon and the humanization of care in the areas of socio-legal field. Keywords: Social Rights. Public Defender. Justice. Social Service.

  • 10

    SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................. 11 Situando a pesquisa de campo.........................................................................12 Capítulo I 1. DEFENSORIA PÚBLICA: a defesa intransigente dos direitos

    sociais.........................................................................................................20 Capítulo II 2. A DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO COMO

    INSTITUIÇÃO JUDICIÁRIA E SOCIAL: do percurso histórico à realidade contemporâneo.........................................................................33

    Capítulo III 3. O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA: O panorama do Estado de São Paulo.......................................................................................41 3.1. Afinal que espaço profissional é este? Olhar dos Assistentes Sociais...............................................................................................................52 Capítulo IV 4. A DEFENSORIA PÚBLICA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP COMO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO SERVIÇO SOCIAL: suas especificidades............................................................................................... 58 4.1. Caracterização de Presidente Prudente................................................... 74 4.2. Análise crítica do Banco de Dados de Presidente Prudente/SP................84 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................88 REFERÊNCIAS...............................................................................................104 ANEXOS.........................................................................................................109

  • 11

    INTRODUÇÃO

    “A maioria dos problemas que chegam até a Defensoria são problemas sociais, a justiça não pode resolver tudo e o Serviço Social resolve grande parte. Hoje eu analiso que, de fato, o Judiciário resolve poucas questões e o Serviço Social atingiu uma dimensão admirável na resolução dos problemas que chegam ao judiciário” (Dr. Rodolfo Marques da Silva, depoimento colhido em Fevereiro de 2012).

    O tema abordado, e que deu origem nesta dissertação de

    mestrado: A Defensoria Pública de Presidente Prudente/SP como espaço

    sócio-ocupacional do Serviço Social, decorre da prática profissional que realizo

    como Assistente Social na referida instituição.

    Durante os atendimentos sociais com as famílias que buscam a

    Defensoria Pública para ações jurídicas, relacionadas na maioria das vezes

    com acesso aos seus direitos, que em geral se materializam através de

    políticas públicas, observei que há muito que se pesquisar, desvelar e dar

    visibilidade a esta área, reconhecendo-a como espaço sócio-ocupacional do

    Serviço Social, tendo no Projeto Ético-Político do Serviço Social um referencial

    para as intervenções profissionais.

    Neste sentido, constatei que muitas demandas que chegam até a

    Defensoria Pública podem ser resolvidas de forma extrajudicial. Minhas

    observações indicavam a necessidade de construir junto aos demais

    profissionais novas formas de atendimento, principalmente estreitando laços

    com a Rede de Apoio Municipal e Regional. Assim construí a hipótese de que

    múltiplos problemas sociais condicionavam e refletiam significativamente na

    vida das famílias que procuravam a assistência judiciária, problemas esses

    decorrentes, na sua grande maioria, da insuficiência das políticas públicas,

    conforme evidenciam os indicadores da pesquisa de campo.

    O objetivo desta dissertação é sistematizar a reflexão sobre

    algumas questões relevantes da prática do Assistente Social na Defensoria

    Pública, como a possibilidade de acesso à justiça, de forma humanizada, com

    destaque para o trabalho interdisciplinar desenvolvido pelo CAM – Centro de

  • 12

    Atendimento Multidisciplinar na área da assistência judiciária. Esta pesquisa

    busca ainda apresentar como se deu a implantação e como são realizadas a

    gestão e a prática do Serviço Social nessa instituição.

    Sua realização perpassa inúmeros pontos importantes, sendo os

    principais: desvelar a realidade social de atuação do Assistente Social na

    Defensoria Pública de Presidente Prudente como produto de conhecimento

    com base em aproximações concretas do dia-a-dia de trabalho, apresentar a

    identidade da profissão neste espaço sócio ocupacional, propiciar a construção

    de questionamentos e problematizações afim de que possam contribuir para a

    melhoria da qualidade dos atendimentos, considerando a referência em

    preceitos éticos e a importância da Defensoria Pública Regional de Presidente

    Prudente, e também em âmbito estadual, como necessária a proteção,

    conquista e efetivação de direitos sociais ainda que com inúmeros limites. Para

    isso, esta pesquisa tem como base teórica o referencial do Serviço Social

    como também o referencial teórico da área da Justiça, em seguida os índices

    sociais levantados na Defensoria Pública Regional de Presidente Prudente/SP.

    As bases teóricas da dissertação estão pautadas nos referenciais do Serviço

    Social, da área sócio-jurídica e da justiça.

    Situando a pesquisa de campo

    A pesquisa de campo possui dois eixos centralizadores, um

    refere-se à abordagem qualitativa, realizada através de contato com

    Assistentes Sociais que atuam nas Defensorias Públicas do Estado de São

    Paulo e com os Defensores Coordenadores da Regional de Presidente

    Prudente e a outra quantitativa realizada por meio de levantamento do Banco

    de Dados com índices dos atendimentos sociais especificamente na

    Defensoria de Presidente Prudente/SP.

    “O conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se

    opõem. Ao contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles

    interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”. (MINAYO, 2002:2)

    A Defensoria Pública no Estado de São Paulo conta atualmente

    com 500 Defensores Públicos, 30 Psicólogos e 17 Assistentes Sociais. As

  • 13

    equipes psicossociais atuam diretamente ligadas ao CAM – Centro e

    Atendimento Multidisciplinar. Aos dezessete profissionais de Serviço Social

    optamos por realizar a pesquisa de campo, de cunho qualitativo, com três

    profissionais, escolhidos por realizarem atividades de liderança e assessoria a

    nível estadual e por participarem de discussões e debates recentes da área.

    Além da pesquisa de campo quantitativa realizada via

    levantamento de índices da realidade social da Defensoria Pública de

    Presidente Prudente, houve necessidade da pesquisa qualitativa com os

    sujeitos, como uma aproximação empírica da realidade social.

    Buscou-se entrevistar os profissionais, Assistentes Sociais, com

    vistas a coleta de elementos e informações sobre as atividades realizadas pela

    categoria profissional em todo o Estado de São Paulo, considerando que a

    regional de Presidente Prudente iniciou suas atividades há pouco tempo,

    desde Fevereiro de 2011, por isso esta pesquisa visa problematizar e

    apresentar a ‘construção’ de um projeto profissional para o Serviço Social nas

    especificidades da Defensoria Pública, em âmbito estatal.

    Esta pesquisa foi realizada com os Assistentes Sociais através de

    vários formas via telefone e posteriores inúmeros por e-mail, assim o roteiro de

    perguntas e questões abertas foi encaminhado via e-mail para os sujeitos da

    pesquisa e respondidos da mesma forma, em seguida tais respostas foram

    analisadas pela pesquisadora.

    Já as entrevistas realizadas com os Coordenadores da Regional

    de Presidente Prudente foram realizadas pessoalmente. A pesquisadora foi

    questionando os pontos principais de acordo com o roteiro pré-elaborado, com

    o apoio de um gravador registrou as respostas e as transcreveu em seguida,

    logo as entrevistas se deram pessoalmente de forma individualizada na sede

    da Regional de Presidente Prudente/SP.

    A análise qualitativa tem por objetivo evidenciar a centralidade da

    dimensão do trabalho profissional realizado no Estado de São Paulo e na

    Regional de Presidente Prudente, nas suas especificidades, considerando que:

    A premissa fundamental para se realizar um trabalho que efetivamente parta da centralidade do sujeito, do reconhecimento da riqueza de sua experiência, é conhecer o modo de vida das pessoas,

  • 14

    como vivem as suas vidas, quais suas experiências sociais e que significados atribuem às mesmas. Em outras palavras, é conhecer o processo de fazer-se sujeito das pessoas com quem vamos realizar ou estamos realizando a pesquisa. (MARTINELLI, 2005, p,118).

    A pesquisa de campo partiu na concepção de que conhecer o

    trabalho realizado pelos profissionais de Serviço Social no Estado de São

    Paulo, a proposta de projeto de intervenção já construída pela categoria nesta

    área é de extrema relevância, considerando que a atuação do Serviço Social

    na Defensoria de Presidente Prudente deva estar articulada com as ações a

    nível estatal, assim as entrevistas e os contatos com os profissionais

    permitiram ampliar o entendimento a respeito de como é desenvolvido o

    trabalho, mesmo considerando as especificidades regionais.

    Quanto à metodologia de pesquisa, realizou-se também

    entrevista com os Defensores Coordenadores da Regional de Presidente

    Prudente/SP, sendo eles o Defensor Coordenador da Regional, a Defensora

    Coordenadora do CAM e o Defensor Subouvidor. Com olhar para o cotidiano

    da Instituição buscaram destacar as características específicas da Regional no

    que tange as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social e pelo Centro de

    Atendimento Multiprofissional na sua abrangência interdisciplinar.

    As entrevistas realizadas com o apoio de um roteiro de

    perguntas, com base em questões abertas, buscaram levantar pontos

    estratégicos para visualização do panorama de atuação profissional no estado

    como por exemplo, 1- Como você avalia a Defensoria enquanto conquista no

    campo dos direitos? 2- Como você analisa a trajetória histórica de implantação

    da Defensoria no Estado de São Paulo? 3- Qual sua análise histórica quanto à

    implantação do Serviço Social na Defensoria? 4- Faça uma análise da

    presença e participação do Serviço Social nesta Instituição? 5- Reflita sobre as

    atribuições e competências do Assistente Social nesse campo de atuação? 6-

    Quais as especificidades de atuação do Serviço Social no CAM – Centro de

    Atendimento Multidisciplinar? 7- Explique a proposta de projeto de intervenção

    construído para o Serviço Social nas especificidades deste espaço sócio-

    ocupacional? 8- Faça uma análise do trabalho interdisciplinar? 9- Quais os

    pontos fortes e fracos do trabalho do Serviço Social? 10- Como você analisa a

  • 15

    materialização do Projeto ético-político? 11- Como você tem visto a atuação do

    Serviço Social nesta Instituição?

    Já aos Defensores Coordenadores foram feitas questões

    específicas como: 1- Qual sua análise do trabalho interdisciplinar na

    Defensoria em Presidente Prudente? 2- Qual sua análise da importância do

    Serviço Social nesta Instituição? 3- O que precisa ser conquistado na

    Defensoria Pública? 4- O que precisa ser conquistado no Serviço Social/O que

    precisa avançar?

    Os sujeitos da pesquisa são: Luciano Alves, Assistente Social

    formado em 2001 pela Faculdade Paulista de Serviço Social 'São Caetano

    Sul', possui Mestrado pela PUC/SP com conclusão em 2010, foi membro do

    CRESS na gestão 2009 a 2011 atuou como Conselheiro Estadual, trabalhou

    na Defensoria Pública de 2007 a 2008 via convênio e ingressou em 2010 via

    concurso público, sua natureza de pesquisa é ética e trabalho profissional.

    Luiza Aparecida Barros atua na área de Assessoria Psicossocial no Estado de

    São Paulo na Defensoria Pública, possui formação em Serviço Social pela

    PUC/SP no ano de 2004, e Pós - graduação em Sócio-psicologia pela

    Fundação Escola Sociologia e Política/SP, atuou como Assistente Social do

    Tribunal de Justiça de Setembro de 2006 a Abril de 2010, e ingressou na

    Defensoria Pública em Junho de 2010, possuiu militância como membro da

    Coordenação Nacional Estudantil da ABEPSS na gestão 2002 a 2004, sua

    área de pesquisa é Sistema Prisional. E por fim, Renata Carvalho da Silva se

    formou em 2002, após 2003 atuou na área da Assistência Social e Saúde e

    ingressou na Defensoria Pública em 2010, milita no Movimento Feminista de

    SP, sua natureza de pesquisa é na área dos Direitos Humanos, atualmente é

    Assistente Social na Defensoria Pública Regional Leste, na área da Infância e

    Juventude.

    Quanto aos Defensores Públicos são eles: Dr. Matheus Assad João,

    formou-se em Direito no ano de 2006 pela Faculdades Integradas Antonio

    Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP, sua primeira atuação

    profissional foi na Defensoria Pública com ingresso via concurso em setembro

    de 2007, a partir de 2008 assumiu a Coordenação da Regional de Presidente

    Prudente permanecendo até os dias atuais, atua também na área Cível e

  • 16

    Família. Dr. Rodolfo Marques da Silva, possui formação em Direito pela

    Universidade do Oeste Paulista em 2004 de Presidente Prudente, advogou de

    2004 a 2007, ingressou na Defensoria em 2008, atua desde abril de 2009

    como sub-ouvidor da Regional de Pres. Prudente e também na área da

    Infância e Juventude. E por fim, Dra. Giovana Devito dos Santos Rota, colou

    grau em 2002 na Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de Toledo de

    Presidente Prudente/SP, após formada trabalhou como advogada na área

    preponderantemente cível/família, ingressou na Defensoria Pública em 2007 e

    assumiu a coordenação CAM- Centro de Atendimento Multidisciplinar em

    2010.

    Esta pesquisa apresenta ainda a sistematização e a categorização dos

    atendimentos realizados pelo Serviço Social na Defensoria Pública de

    Presidente Prudente no período de Fevereiro a Novembro de 2011, com foco

    nas demandas relacionadas nas políticas públicas, realizou-se ainda

    entrevistas com Defensores Coordenadores que atuam na Regional Presidente

    Prudente/SP, assim buscou-se desvelar o panorama do Estado e destacar as

    especificidades da Regional.

    O 1º Capítulo traz a contextualização histórica dos direitos sociais

    no Brasil, direitos estes compreendidos como o berço de origem da missão da

    Defensoria Pública. A análise sócio-histórica parte de 1964, período do Golpe

    Militar, acompanha o decorrer dos anos com foco no campo dos direitos.

    Enfatiza a Constituição Federal de 1988 como avanço ímpar para a população

    brasileira no que se refere; democracia, defesa das políticas públicas e justiça

    social.

    Destaca a Constituição Federal de 1988 para além da garantia da

    consolidação dos direitos, mas demarca também a inserção da Defensoria

    Pública no Sistema de Garantia de Direitos, reconhecendo e legitimando a

    Instituição como uma área do campo sócio-jurídico.

    O 1º Capítulo ainda é contemplado com a reflexão sobre os

    direitos civis, políticos e sociais, em especial a intervenção do Estado na sua

    materialidade. Intervenção esta que requer na contemporaneidade

    enfrentamento de instituições jurídicas e sociais para sua amplitude, como

    exemplo, a Defensoria Pública.

  • 17

    É importante esclarecer que o recorte desta pesquisa está nos

    direitos sociais considerando a relevância dos índices levantados via pesquisa

    de campo, no capítulo 4º deste estudo, que expressam as políticas sociais

    como as maiores demandas dos cidadãos atendidos pela Defensoria Pública

    Regional de Presidente Prudente/SP, demandas estas relacionadas ao acesso

    à saúde e assistência social em especial.

    Por fim, o 1º Capítulo busca destacar a relevância de

    compreendermos os fundamentos do trabalho profissional do Assistente Social

    para além da Defensoria Pública, situando-o no âmbito das relações sociais

    capitalistas, nos processos de produção e reprodução social, em uma

    perspectiva sócio-histórica, o que perpassa estudos acerca das demandas

    profissionais frente às transformações contemporâneas do Estado e das

    políticas públicas, problematizando os rebatimentos para a Defensoria Pública

    decorrentes da insuficiência das políticas públicas.

    Já o 2º Capítulo traz a criação da Defensoria Pública no Estado

    de São Paulo, analisa este processo histórico criticamente, pois o mesmo se

    deu somente em 2006 após pressão por parte da sociedade através do

    “Movimento pela criação da Defensoria”, considerando como destacado no

    capítulo anterior que a Defensoria Pública está garantida na Constituição

    Federal de 1988 que explicita a função e expressão da instituição, bem como

    sua missão constitucional.

    Atualmente há 500 Defensores Públicos atuantes em 27

    Regionais no Estado de São Paulo, são elas: Araçatuba, Araraquara, Avaré,

    Bauru, Campinas, Jaú, Jundiaí, Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto,

    Santos, São Carlos, São José do Rio Preto, São Vicente, Sorocaba, Taubaté,

    Avaré, Diadema, Franca, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes,

    Osasco, Piracicaba, Registro, São Bernardo do Campo e São Paulo. Desde

    2010 a Defensoria Pública conta com 30 Psicólogos e 17 Assistentes Sociais

    ingressantes via concurso público.

    Esse capítulo traz uma reflexão sobre a atuação do Serviço

    Social na Defensoria Pública como área do campo sócio-jurídico.

    O 2º Capítulo é finalizado com uma análise crítica da gestão da

    Defensoria Pública no Estado de São Paulo atualmente, o que requer

  • 18

    enfrentamento do Estado no que condiz sua amplitude e qualidade nos

    serviços ofertados. Assim o capítulo destaca a implantação do Serviço Social

    na Defensoria Pública, no Estado de São Paulo, apresentando as legislações e

    deliberações que regulamentam a ação do profissional.

    O 3º capítulo destaca a inserção do Serviço Social na Defensoria

    Pública e suas especificidades: os objetivos e as atividades desenvolvidas pelo

    profissional, funções e ações, as condições de trabalho e as relações que se

    estabelecem no cotidiano profissional. Assim, o capítulo inicia-se com a

    discussão de espaço sócio-profissional, traz o avanço e amadurecimento do

    Serviço Social no Brasil, acompanhado da reflexão do projeto ético-político

    para alcançar a inserção da profissão na Defensoria Pública.

    Destaca a atuação da equipe psicossocial no CAM – Centro de

    Atendimento Multidisciplinar via deliberação CSDP nº 187/2010 que busca

    padronizar os serviços interprofissionais e a atuação interdisciplinar. Por fim,

    este capítulo 3º ainda explicita as localidades de trabalho da equipe

    psicossocial no Estado de São Paulo.

    O 3º Capítulo é desmembrado em subitem, 3.1, que aborda a

    pesquisa de campo de cunho qualitativo com os Assistentes Sociais atuantes

    nas Defensorias do Estado de São Paulo.

    Por fim, no Capítulo 4 apresenta a pesquisa de campo de

    Presidente Prudente/ SP que visa levantar, problematizar e buscar propostas

    de respostas profissionais aos indicadores sociais da Defensoria Pública,

    pesquisa esta realizada através de banco de dados com os índices dos

    atendimentos realizado pela equipe de Serviço Social de fevereiro a novembro

    de 2011, bem como os índices no que se refere as ações de acompanhamento

    e monitoramento.

    E por fim, diante dos problemas e questionamentos refletiu-se

    sobre os desafios e as possibilidades no âmbito do Serviço Social, tendo como

    referência teórica a Teoria Social Crítica de Marx e o Método Dialético, além do

    direcionamento do contemporâneo Projeto ético-político do Serviço Social

    brasileiro.

    Neste sentido esta produção apresenta os resultados de uma

    desafiadora e representativa pesquisa de campo, entrevistas com profissionais

    da área e com apoio de pesquisa em material documental e bibliográfico.

  • 19

    Assim, em um primeiro momento realizou-se uma aproximação bibliográfica

    dos textos fundamentais da temática, para localizar conceitualmente o debate

    e verificar os avanços contemporâneos sobre a mesma, sendo esta uma

    dinâmica constante que acrescentou conteúdos até o fim da elaboração da

    dissertação.

    Contempla a caracterização e identificação do Serviço Social na

    especificidade da Defensoria Pública de Presidente Prudente, abordando em

    especial o conteúdo do exercício profissional, não deixando de considerar as

    demandas dos atendimentos, os objetivos e atividades realizadas,

    instrumentais atualmente utilizados como o Banco de Dados no Programa

    Microsoft Acess, relações de trabalho e condições físicas e materiais que

    circunscrevem o exercício profissional.

    Nas considerações finais, parte-se do reconhecimento de que

    este é um relato da prática profissional, uma vez que trazemos à público a

    prática cotidiana da Assistente Social e pesquisadora e demais profissionais

    que mostram que podem resolver seus dilemas, questões e dificuldades sem a

    intervenção da justiça tradicional, contribuindo para a construção de uma

    atuação em defesa da humanização do judiciário e acesso do cidadão às

    políticas públicas que lhes são garantidas por direito, o que nos remete o

    reconhecimento da Defensoria Pública como espaço sócio ocupacional do

    Serviço Social afinado com Projeto ético-político da profissão.

  • 20

    1. DEFENSORIA PÚBLICA: a defesa intransigente dos direitos sociais

    “Foi com base nesta apreensão crítica, fomentada pela então participação dos movimentos sociais na vida política do Estado, que a Defensoria Pública de São Paulo foi pensada coletivamente e fundada democraticamente, não se deixando mais sucumbir tanto ao conservadorismo jurídico da máquina estatal” (Luciano Alves, depoimento colhido em Janeiro de 2012).

    É importante contextualizar os direitos sociais na sua trajetória

    histórica, a fim de que se possa acompanhar a conquista e defesa dos direitos

    sociais no Brasil, pois este é o berço de origem da missão da Defensoria

    Pública enquanto instituição jurídica e social, que tem exigido intervenção do

    profissional de Serviço Social.

    O período de 1964 a 1985 no Brasil conforme análise de Couto

    (2004, p. 31):

    Demarca a fase da ditadura militar e também o processo de abertura democrática, realizada a partir do governo Geisel (1974-79). Nesse período, é possível evidenciar, por meio das duas constituições promulgadas na época e do sistema institucional que fundamentou o sistema de proteção social dos governos militares, a importância que esses fatos tiveram para a consolidação do campo dos direitos no Brasil.

    Nesse quadro o mundo já conhecia a Declaração dos Direitos do

    Homem e do Cidadão promulgado pela Assembléia Nacional Constituinte da

    França, desde 1789 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU

    desde 1948. Esta última foi elaborada no século XX em meio à disputa e

    inserção dos direitos sociais no patamar dos de cunho político, econômico, civil

    e cultural.

  • 21

    Enquanto países da Europa e América do Norte eram signatários

    das referidas declarações e difundiam os direitos do homem, no Brasil os

    campos dos direitos civis, políticos e sociais, sinalizavam a expressão de

    interesses da classe dominante. Atos Institucionais foram publicados

    demarcando retrocessos significativos para classe trabalhadora, como por

    exemplo a cassação de direitos políticos às lideranças sindicais, criação de

    comissões de inquéritos militares, fechamento da União Nacional dos

    Estudantes, centralização da decisão de todas as questões relacionadas à

    política econômica, entre outros.

    A partir dos anos de 1970 fortalece-se no Brasil um meio de

    acumulação de riquezas das classes dominantes, através da definição de um

    novo modelo econômico e político. Na medida em que os programas sociais

    passaram a ser utilizados como instrumentos de acúmulo de economia, ou

    seja, integrando interesses específicos de empresas e da ação estatal, tendo

    sua execução privativa.

    Até 1974 os governos militares foram fundo na persecução da eficiência econômica e na defesa do sistema capitalista, optando por usar a repressão cruenta aos direitos civis e políticos para alcançar essa meta. Só a partir de 1975 é que, emaranhado nos desacertos internos e externos desse propósito, tais governos demonstraram, ao lado do crescimento relativo obtido na área econômica, uma inusitada preocupação pelos pobre. (Pereira, 2002, p. 137).

    Já a partir de 1974 o governo começa a se esforçar em ampliar o

    intuito da política social, com o objetivo estratégico de reaproximar o Estado da

    Sociedade, “para manter os governantes de um regime em franco desgaste

    como atores políticos viáveis a preocupação com a pobreza tornou-se um tema

    recorrente no discurso oficial” (Pereira, 2002, p 137), pois era por esse

    caminho que os lideres governamentais pretendiam descomprimir o regime

    autoritário.

    Entre 1976 e 1979 com o aprofundamento da crise econômica

    mundial e dos seus rebatimentos no Brasil, o voluntarismo do Estado

    descobriu-se insuficiente de elevar o país à potência emergente.

  • 22

    Foi nesse contexto brasileiro que a política social passou a ser

    intensificada, não como mera resposta às necessidades sociais, mas como

    uma via de reaproximação do Estado com a sociedade.

    Nos anos de 1980 a 1985 houve uma expressiva desarticulação

    na área do desenvolvimento social, culminando na diminuição dos gastos

    sociais, “acompanhada de gradual redução da importância da política social no

    planejamento e na gestão estatal, constituiu a principal evidência dessa

    desaceleração” (Pereira; 2002, p. 147).

    Logo, o momento histórico de abertura política decorrente da

    falência do regime militar, característico desde 1964, acrescido do crescimento

    dos movimentos reivindicatórios da população no acesso aos mínimos sociais,

    a organização popular, dentre outros, foram fatores determinantes para que

    houvessem avanços no âmbito dos direitos.

    Nos anos de 1980 acirraram-se ainda mais as dificuldades

    financeiras do Brasil, conseqüência da expressiva concentração de renda nas

    mãos de poucos, revelando-se uma sociedade desigual, de muita riqueza para

    poucos e de pouca riqueza para muitos, os trabalhadores.

    Os movimentos sociais, as organizações não governamentais,

    entidades e sindicatos, entre outros, foram os principais participantes que

    fizeram nascer no seio da sociedade civil a organização em prol do movimento

    da pré Constituição, que fez germinar a participação popular na construção da

    nova Constituição.

    Durante a década de 80 e de 90 marcou-se um momento único

    na história da democracia no Brasil, com uma nova configuração do cenário

    político, econômico e social e a promulgação da Constituição Federal de 1988.

    Foi nesse período de significativos avanços no campo dos direitos, advindos e

    expressos sob uma nova forma de organizar e gestar o sistema de seguridade

    social brasileiro, trazendo a proteção social para a área da política social, ou

    seja, natureza e dimensão pública.

    No que se refere à Constituição Federal de 1988 afirmam Oliveira

    e Oliveira (2011, p.6):

    No dia 5 de Outubro a Constituição Federal completou 21 anos de vigência atingindo, portanto, a maioridade. Conhecida como a ‘Constituição Cidadã’, mereceu essa alcunha em virtude da inclusão,

  • 23

    como direitos fundamentais, de uma série de direitos sociais que a colocaram em contemporaneidade com os anseios da sociedade brasileira, após 42 anos de vigência da Constituição Federal de setembro de 1946, última promulgada sob o regime democrático.

    Essa Constituição define a República Federativa do Brasil como

    Estado democrático de direitos, fundamentada na construção de uma

    sociedade igualitária que garante direitos de cidadania, pluralismo político e

    dignidade da pessoa humana. Decorreu da mobilização e organização de

    movimento sindical e popular, formado por expressivos segmentos da

    sociedade brasileira.

    Tratava-se de um contexto de um novo Plano econômico

    desenvolvido no Governo Sarney, e de uma longa tradição de políticas

    ancoradas no patrimonialismo, autoritarismo, burocracia e oligarquia, que

    rebateram significativamente no Brasil quando nos referimos à marginalização

    social da classe trabalhadora, características clientelistas na gestão e

    privatização da esfera pública, “causando uma imensa discrepância entre o

    ‘país legal’ do ‘país real’ e com obstáculos enormes à construção da cidadania,

    ao exercício dos direitos e à participação popular autônoma” (Santos, 2003 in

    Oliveira e Oliveira: 2011, p. 8).

    Neste sentido, afirmam Oliveira e Oliveira (2011, p.8):

    Em seu artigo 3º, a Constituição Federal define os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional, III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Brasil, 1988, grifos nossos). Desde os primeiros dispositivos, portanto, a Constituição de 1988 deixa claro que a promoção dos interesses dos trabalhadores e dos demais cidadãos é um traço distintivo da nova Carta, merecendo igual tratamento dado às questões da democracia e do desenvolvimento econômico.

    Outro avanço significativo na Constituição Federal de 1988 foi à

    definição de Seguridade Social, garantida no artigo 194, como um conjunto

    articulado de ações de caráter público e da sociedade civil, com a finalidade de

    garantir os direitos específicos à saúde, à previdência social e à assistência

  • 24

    social, avançando ainda no que diz respeito à cobertura dos atendimentos, a

    uniformidade dos benefícios e serviços tanto a população urbana como rural, a

    equidade na forma de participação no custeio, e em especial a dimensão

    democrática e descentralizada da gestão administrativa com a participação de

    toda comunidade, dando visibilidade a segmentos como aposentados e

    trabalhadores.

    Mas, não podemos negar que a Seguridade Social no Brasil deu-

    se de forma atrasada, uma vez que a Declaração Universal dos Direitos do

    Homem de 1948, no artigo 85, já estabelecia:

    Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem- estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, os serviços sociais indispensáveis, o direito à seguridade social no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle (ONU, 1948).

    A Constituição de 1988, além de ser um avanço na consolidação

    dos direitos à população brasileira, demarca o pano de fundo da inserção da

    Defensoria Pública no Sistema de Garantia de Direitos, reconhecendo e

    legitimando a Instituição como uma área do campo sócio jurídico.

    Os direitos geralmente estão classificados em gerações, de acordo com a ordem cronológica de seu aparecimento e reconhecimento a partir de certas exigências humanas e princípios orientadores: a) primeiro, surgiram exigências relacionadas à vida e à liberdade individual, propiciando a instituição dos direitos civis; b) segundo, surgiram exigências relacionadas às liberdades políticas e ao direito de participar no governo da sociedade, proporcionando a instituição dos direitos políticos; c) terceiro, surgiram exigências relacionadas à necessidade de combinar liberdade com igualdade, sobretudo para a satisfação de necessidades básicas, proporcionando a instituição dos direitos sociais; d) finalmente, surgiram exigências ‘mais controvertidas que afetam a humanidade e/ou que têm a ver com os avanços tecnológicos e com a mundialização da economia, da política e da cultura’ (Pisón, p.69), requerendo solidariedade e fraternidade e proporcionando o surgimento dos chamados direitos difusos (Pereira, 2008, p.103/104).

  • 25

    Os direitos sociais dentre outros garantidos na ‘Constituição

    Cidadã’ dependem da intervenção do Estado para sua materialidade, estando

    ligados às questões de cunho econômico, se efetivam através de políticas

    sociais públicas. Uma vez que:

    Os direitos sociais possuem caráter redistributivo, buscam promover a igualdade de acesso a bens socialmente produzidos, a fim de restaurar o equilíbrio para a coesão social. Partem de aspirações ideais que, ao serem proclamadas, não dão garantias de seu usufruto, pois o direito reivindicado não se traduz necessariamente em direito reconhecido e protegido. (Bobbio, 1992 in Couto; 2004 p.48)

    Afirma Lopes (2002, p.125):

    Tomemos alguns exemplos de direitos sociais expressos na Constituição Federal de 1988. Há uma divisão nos direitos sociais: direitos à seguridade social (saúde, previdência social, assistência social) e os outros direitos (cultura, educação e desporto; ciência e tecnologia; comunicação social; meio ambiente; família, criança, adolescente e idoso; índios).

    O campo dos direitos deve ser apreendido como “expressão de

    um patamar de sociabilidade, estão situados em um campo essencialmente

    político, porque são resultados do embate de interesses e ações dos sujeitos

    sociais. Envolvem lutas por espaços de poder, e estratégias de enfrentamento

    das desigualdades sociais” (Iamamoto, 2004, p.20).

    Assim, os direitos sociais são frutos do embate de classes, da

    luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e acesso às políticas

    públicas eficientes e amplas, no campo da saúde, educação, assistência social

    e outros. Por sua dimensão pública os direitos, especialmente os

    materializados pelas políticas sociais, dependem do governo para sua

    efetividade.

    A característica básica dos direitos sociais está no fato de que, forjados numa linha oposta ao paradigma Kantiano de uma justiça universal, foram formulados dirigindo-se menos aos indivíduos

  • 26

    tomados isoladamente como cidadãos livres e anônimos e mais na perspectiva de grupos, comunidades, corporações e classes a que pertencem. Ao contrário da maioria dos direitos individuais tradicionais, cuja proteção exige apenas que o Estado jamais permita sua violação, os direitos sociais não podem simplesmente ser “atribuídos” aos cidadãos; cada vez mais elevados à condição de direitos constitucionais, os direitos sociais requerem do Estado um amplo rol de políticas públicas dirigidas a segmentos específicos da sociedade- políticas essas que têm por objetivo fundamentar esses direitos e atender às expectativas por eles geradas com sua positivação (Faria, 2002, p.104).

    O direito garantido legalmente, fruto do movimento histórico, não

    se apresenta essencialmente como direito materializado e acessível no dia a

    dia dos cidadãos brasileiros. Nesse âmbito, deve-se problematizar o papel do

    Estado no reconhecimento e proteção dos direitos. Afirma Couto (2004, p. 34):

    Existem dois paradigmas para compreender a idéia que iluminou o movimento de conquista de direitos. O primeiro é o defendido pelos jusnaturalistas, que compreendem o campo do direito como algo inerente à condição humana, fundado numa lógica apriorística, onde a natureza humana, por si só, é detentora de direitos. O segundo, representado pela idéia de que os direitos são resultados do movimento histórico em que são debatidos, correspondendo a um homem concreto e às suas necessidades, delimitado pelas condições sociais, econômicas e culturais de determinada sociedade, pois, os direitos do homem são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutam produzem’ (Bobbio, 1992, p.32). São direitos estabelecidos em determinados períodos, sob determinações culturais, sociais, políticas e econômicas e referem-se ao homem concreto, aquele que vive em determinada sociedade.

    É fundamental, “compreender que a criação, a negação, a

    expansão e a retração dos direitos são constitutivas de um processo, onde

    participam os mais diferentes sujeitos sociais”, segundo Couto (2004, p. 38).

    O movimento; histórico, social e político brasileiro, nos remete

    também a um contexto com marcos de desigualdades sociais, de retrocesso

    de direitos, de pobreza e discriminação e até mesmo de recuo dos movimentos

    sociais:

  • 27

    Pensar sobre a desigualdade social brasileira, normalmente leva a dois pontos: ao dos direitos sociais e ao da responsabilidade social. A respeito do primeiro, a impressão que se tem é a de que representam uma significativa trajetória de conquistas jurídicas, pois, principalmente dos anos 30 em diante, estão presentes em todas as Cartas Constituintes. O problema é que, mesmo que sua implementação tenha sido feita sob a orientação do Estado, as conquistas jurídicas não se traduzem em evidências empíricas. Isso remete a conclusão de que, no Brasil, o problema das desigualdades sociais não reside na inexistência de direitos sociais, mas sim, na sua não materialização. Ou seja, o problema não é a inexistência de direitos, mas sim a sua acessibilidade. Nesta mesma perspectiva, a Constituição de 1988 reveste-se no mais recente e significativo avanço no campo dos direitos sociais no Brasil. Isso porque consagra a concessão de direitos de forma universal e não contributiva. (Couto, 2004).

    Sucintamente, os direitos civis e políticos são os de natureza

    individualizada fundados na idéia de liberdade, enquanto os direitos sociais de

    âmbito coletivo (direitos universalizantes) na idéia de igualdade. Assim existem

    duas categorias de direitos, os individuais e os sociais, sendo que os

    individuais se dividem em civis e políticos.

    “No âmbito da cidadania, os direitos sociais são os mais

    dinâmicos e, conseqüentemente, os que têm se multiplicado e se

    especializado” (Bobbio,1992).

    As políticas públicas têm como uma de suas principais funções a

    materialização de direitos de cidadania, amparados por lei.

    Os direitos com os quais as políticas públicas se identificam, e devem concretizar, são os direitos sociais, que se guiam pelo princípio da igualdade, embora tenham no seu horizonte os direitos individuais- que se guiam pelo princípio da liberdade. A identificação das políticas públicas com os direitos sociais decorre do fato de esses direitos terem como perspectiva a equidade, a justiça social, e permitirem à sociedade exigir atitudes positivas, ativas do Estado para transformar esses valores em realidade. Daí porque, no campo de atuação das políticas públicas, a participação do Estado, seja como regulador, seja como provedor ou garantidor de bens públicos como direito, é considerada fundamental (Pereira, 2008, p. 103).

    Assim, refletir acerca dos direitos sociais exige que se reflita

    sobre o Estado social. Nesse contexto as áreas do campo jurídico também são

    contraditórias, pois nelas estão presentes projetos de sociedade distintos,

    compreendendo que fazer justiça não é apenas uma questão de leis, eles

  • 28

    podem sim serem cobrados e exigidos, o que requer a busca dos profissionais

    que atuam cotidianamente nesse campo, de mecanismos inovadores que

    possam efetivamente garantir a conquista destes direitos. Como bem afirma

    Baptista (2012, p 7):

    A garantia de direitos, no âmbito de nossa sociedade, é de responsabilidade de diferentes instituições que atuam de acordo com sua competências: as instituições legislativas nos diferentes níveis governamentais; as instituições ligadas ao sistema de justiça- a promotoria, o Judiciário, a Defensoria Pública, o Conselho Tutelar- aquelas responsáveis pelas políticas e pelo conjunto de serviços e programas de atendimento direto (organizações governamentais e não governamentais) nas áreas de educação, saúde, trabalho, esportes, lazer, cultura, assistência social; aquelas que, representam a sociedade, são responsáveis pela formulação de políticas e pelo controle das ações do poder público, e ainda, aquelas que têm a possibilidade de disseminar direitos fazendo chegar a diferentes espaços da sociedade o conhecimento e a discussão sobre os mesmos: a mídia (escrita, falada e televisiva), o cinema e os diversificados espaços de apreensão e de discussões de saberes, como as unidades de ensino (infantil, fundamental e pós-graduado) e de conhecimento e crítica ( seminários, congressos, encontros, grupos de trabalho). No entanto, essas ações tem sido historicamente localizadas e fragmentadas, não compondo um projeto comum que permita a efetividade de sua abrangência e maior eficácia no alcance dos principais objetivos por elas buscados.

    Devemos considerar que a elaboração e promulgação deste

    aparato jurídico contemporâneo são frutos de mobilizações e enfrentamentos

    da própria sociedade civil organizada, na sua constante relação de

    enfrentamento e embate com o Poder Público, em especial o Estado.

    O instrumento legal, por si só, não dá conta de impor o novo nessa relação. Esse novo é estabelecido pelo movimento social... e esse novo o tempo todo está se debatendo com o velho, aquele que impõe as regras, submetendo os segmentos subalternos à lógica do mercado e impingindo aos direitos sociais sua transformação em mercadoria. Escrever na forma de leis, estabelecendo contratos, tem sido o caminho percorrido pelos homens na conformação da vida social. Essas leis vêm tendo papéis diferentes de acordo com a sociedade em que estão inseridas. Sua formalidade, muitas vezes, pode servir de justificativa para burocratizar os interesses da maioria e remeter sua consecução para um longo e penoso processo judicial. Nessa ótica, o aprisionamento do movimento social acontece de forma a individualizar e particularizar as demandas, trabalhando na dissolução da cadeia social que compõe a discussão dos direitos sociais e sua garantia (Couto, 2004).

  • 29

    Todavia as leis e suas garantias podem ser elementos

    constitutivos do exercício e acesso aos direitos, sob esta ótica se funda a

    compreensão de que a Legislação materializando a socialização, igualdade e a

    justiça social é um dos pilares da construção de uma nova ordem societária.

    O direito social é resultado do movimento histórico, ele foi

    construído através de lutas e embates dos trabalhadores no conjunto das

    relações sociais, com a finalidade de incluir a discussão de suas necessidades

    sociais na agenda política, necessidades estas expressas na vida cotidiana.

    A garantia dos direitos humanos constitui a base material e primordial da legitimidade do Estado Democrático de Direito, funcionando como limitador do Poder. É uma conquista frente à arbitrariedade e à opressão estatal. Assegurar a preservação e defesa dos Direitos Humanos na órbita interna (Direitos e Garantias Fundamentais) propiciou o surgimento do garantismo (Robert, 2000, p. 7).

    No contexto de desenvolvimento e amadurecimento do

    Capitalismo e na ótica neoliberal, o direito social se expressa como a

    responsabilidade do Estado no suprimento das dificuldades enfrentadas pelos

    sujeitos, para que assim possam viver com dignidade. Já “no seu estágio

    maduro a sociedade tem usado da juridificação para garantir o acesso de

    todos aos direitos, civis, políticos ou sociais, sendo que as constituições têm

    sido os mecanismos que representam essa pactuação” (Couto, 2004, p.183).

    Deste modo, a materialidade dos direitos depende das ações,

    intervenções e responsabilidades estatais, por meio da consecução de

    políticas que busquem promover o bem estar do cidadão, atendendo suas

    necessidades sociais.

    No âmbito dos direitos, o acesso à justiça social se apresenta enquanto direito ao usufruto de bens e serviços que possibilitam uma vida com dignidade, que garantam a cidadania, isto é, a possibilidade de viver, plenamente, como sujeitos de direitos. Justiça social nesta perspectiva vincula-se a direitos constitucionalmente assegurados, ainda que a legislação social, tanto as de caráter universal, como a saúde e a educação, por exemplo, como as focalizadas, caso de algumas vinculadas à assistência social, não estejam sendo efetivadas integralmente (Fávero e Mazuelos, 2010, p. 41).

  • 30

    É com base na compreensão da conquista, concessão e gestão

    dos direitos, bem como da análise de heranças conservadoras ainda presentes

    na sua efetivação, que os Assistentes Sociais devem decifrar e refletir acerca

    dos desafios que cabe a luta da construção de um sistema de proteção social

    na ótica da garantia dos direitos, em especial o seu rebatimento nas áreas do

    campo sócio jurídico.

    Mesmo com as investidas de desconstrução, os avanços assegurados pela Constituição de 1988 são relevantes se se compara o sistema de proteção social no Brasil com o de outros países da América Latina. E as propostas do neoliberalismo, de Estado mínimo e privatização dos serviços públicos, não foram implementadas de forma tão radical no Brasil como em outros países dessa região, devido à ação de parlamentares comprometidos com as causas sociais e à pressão de setores da sociedade, que trabalham na defesa da seguridade social (Oliveira e Oliveira, 2011 p.25).

    Trata-se de uma questão para além do direito, mas de um

    movimento contraditório onde existe a possibilidade da negação deste direito,

    o que leva as famílias aos atendimentos sociais e jurídicos em Instituições

    como a Defensoria Pública, como veremos mais a frente nesta pesquisa.

    Percebe-se nos estudos históricos que ao levar em conta as

    peculiaridades e os fatos que apontam a efetivação dos direitos na tradição

    européia e especificamente no Brasil, que na tradição européia o Estado

    regulou os direitos e proveu sua efetivação, já no Brasil estes direitos estão

    quase que vinculados a um enunciado de intenções, desvinculados do papel

    do Estado.

    Reconhecendo que ocorreram retrocessos após a Constituição

    Federal de 1988 e o Sistema histórico de Garantia de Direitos brasileiros; é

    importante destacarmos as repercussões nas áreas do campo judiciário, como

    por exemplo, as famílias, principalmente em situação de pobreza, devem

    recorrer ao judiciário para terem acesso a seus direitos, sejam eles

    relacionados às políticas públicas de saúde, assistência social, previdência

    social, educação, entre outros, pois isto reflete em melhores condições de

    viver. Os cidadãos mais empobrecidos vêm percorrendo o caminho do

  • 31

    judiciário com mais intensidade, isso se deu por conta dos avanços nessa

    área, por exemplo, através das implantações das Defensorias Públicas, em

    especial no Estado de São Paulo. Mas devemos deixar claro que ainda tem

    muito que caminhar e avançar na expansão de Instituições como a Defensoria

    Pública.

    Fávero e Mazuelos (2010, p. 43) trazem importante contribuição

    para esta análise a partir da contribuição de Boaventura de Souza Santos:

    Boaventura de Souza Santos nos revela que existe uma discrepância no acesso à justiça em razão de condicionantes econômicos, que se apresentam de maneira evidente. Nessa direção, ele relaciona alguns fatores que considera como responsáveis pela distancia entre grande parte dos cidadãos e a justiça: [...] os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior seus direitos e, portanto, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afeta como sendo problema jurídico, [...] mesmo reconhecendo o problema como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a pessoa se disponha a interpor a ação. Os dados mostram que os indivíduos das classes mais pobres hesitam muito mais que os outros em recorrer aos tribunais mesmo quando reconhecem estar perante um problema legal, [...] quanto mais baixo é estrato sócio econômico do cidadão menos provável é que conheça advogado.

    Finalizando o capítulo vale ressaltar a importância do

    reconhecimento do espaço sócio-ocupacional e do trabalho interdisciplinar

    realizado na Defensoria Pública para o Serviço Social, juntamente com a

    possibilidade de investir na providência de medidas extrajudiciais, bem como

    na orientação durante o atendimento social com a família para fornecer

    ferramentas e elementos para que os cidadãos tenham acesso a justiça, além

    disso, que tenham acesso a seus direitos que muitas vezes lhe foram negados.

    Neste sentido, os profissionais que atuam na Defensoria Pública devem ser

    defensores de direitos.

    Ainda há muito que se caminhar e avançar na consolidação e

    materialização dos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, bem

    como em todos os assegurados no Sistema de Garantia de Direitos. Até

    mesmo porque os direitos sejam eles sociais, políticos ou civis, são produtos

    sociais históricos, o que nos leva a compreendê-los como inacabados no

  • 32

    enfrentamento do dia-a-dia da população trabalhadora em prol de vida digna,

    rompendo as questões postas pelo sistema capitalista.

    Conclui-se que a Defensoria Pública nasce no seio da

    Constituição Federal para atuar à frente da defesa dos direitos da população

    brasileira, com foco aos direitos sociais.

  • 33

    2. A DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO COMO

    INSTITUIÇÃO JUDICIÁRIA E SOCIAL: do percurso histórico à realidade

    contemporânea.

    “Com o crescimento e fortalecimento da Defensoria Pública há efetiva possibilidade de transformação da sociedade e maior aproximação da conquista dos ideais constitucionais básicos do Estado Brasileiro: construir uma sociedade livre, justa e igualitária; garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Dra Giovana Devito dos Santos Rota, depoimento colhido em Janeiro de 2012).

    A Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi criada por meio

    da Lei Complementar Estadual nº. 988 de 09 de janeiro de 2006, mas a sua

    promulgação “ocorreu em função de crescente pressão feita por diversos

    setores da sociedade civil – o que culminou na criação do “Movimento pela

    Criação da Defensoria” em meados de 2002. Apesar de prevista desde 1988

    pela Constituição Federal, o Estado de São Paulo esperou quase 18 anos para

    instituir sua própria Defensoria”1.

    Contudo, os serviços jurídicos existiam. mesmo sem a

    institucionalização da Defensoria, na Procuradoria de Assistência Judiciária

    (PAJ).

    Ainda que as Defensorias estivessem previstas na Constituição Federal de 1988, São Paulo só as criou em 2006, depois que a maioria dos estados brasileiros já as haviam implantado. Segundo o Primeiro Subdefensor Público Geral do Estado, Davi Eduardo Depiné Filho, a demora se deveu a resistências por parte de instituições do

    1 Disponível em: http://www.defensoria.sp.gov.br/ dpesp/Default.aspx?idPagina=2869.

  • 34

    sistema de justiça, que alegavam já existir um serviço de assistência judiciária. A antiga entidade, contudo, estava longe de cumprir o que era esperado de uma defensoria como o que previa a Constituição. ‘Somente com o crescimento de pressões advindas da sociedade civil é que a Defensoria Pública foi finalmente instituída em São Paulo’, diz Depiné. Este fato resultou em peculiaridades na concepção e estruturação da instituição, que se destaca por um forte caráter democrático e inovador. Segundo Depiné, isso explica, por exemplo, a existência de Conferências Públicas, que acontecem a cada dois anos e definem parâmetros para orientar a atuação da Defensoria, ou ainda, a criação de uma Ouvidoria externa, que contribui para uma aproximação entre a entidade e a sociedade (Jornal Psi nº 170 Set/Out de 2011).

    A Defensoria Pública é um órgão público estatal, ligado ao

    governo, possibilitando autonomia aos defensores públicos no que se refere à

    defesa dos interesses dos cidadãos, sejam individuais ou coletivos, pois como

    previsto na Constituição Federal de 1988, Art. 134: “A Defensoria Pública é

    instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a

    orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma

    do Art. 5º, LXXIV”. Deste modo, a Defensoria Pública tem sua atuação

    direcionada tanto para a orientação jurídica como para a defesa da população

    que busca pelo serviço, não estando vinculado a nenhum partido político.

    Para melhor compreendermos as especificidades desta

    Instituição e para apreendê-la como espaço sócio-ocupacional do Serviço

    Social as informações estão localizadas no site oficial da instituição que aqui

    sintetiza como:

    A Defensoria Pública do Estado de São Paulo é uma instituição permanente cuja função, como expressão e instrumento do regime democrático, é oferecer, de forma integral e gratuita, aos cidadãos necessitados a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos. A Constituição Federal a prevê como órgão de função essencial à Justiça e no Estado de São Paulo foi criada pela Lei Complementar Estadual nº 988 de 09 de janeiro de 2006. A Defensoria Pública, apesar de ser instituição estadual, não é vinculada ao governo. Sua autonomia é prevista pela Constituição Federal e é uma garantia para que os Defensores Públicos possam representar os direitos da população sem qualquer tipo de constrangimento. Internamente, cada Defensor possui independência funcional para seguir livremente sua convicção em cada caso em que atua. Atualmente, há 500 Defensores Públicos no Estado de São Paulo em atuação em 28 diferentes cidades. A administração

  • 35

    superior da instituição é conduzida pelo Defensor Público Geral do Estado – nomeado pelo Governador a partir de uma lista tríplice formada pelos candidatos mais votados em eleição com participação de toda a carreira. Seu principal órgão para tomada de decisões internas é o Conselho Superior da Defensoria Pública, formado por 05 membros natos e 08 membros eleitos diretamente pelos Defensores. Para ser Defensor Público do Estado é necessário ser bacharel em Direito e aprovado em concurso público específico para atuar em todas as áreas de atribuição da Defensoria.

    A Defensoria Pública apresenta como demanda jurídica da

    instituição, a presença do Defensor Público no que tange à necessidade da

    população, considerada em situação de pobreza segundo critérios por ela

    estabelecidos, o que se caracteriza como objetivo principal da instituição, ou

    seja, nomeação de advogados conveniados, ou a defesa dos usuários, pelos

    próprios Defensores Públicos.

    A Defensoria Pública teve sua origem no Estado do Rio de Janeiro, onde em 5 de maio de 1897 um Decreto instituiu a Assistência Judiciária no Distrito Federal, então a cidade do Rio de Janeiro. O Brasil é o único que deu tratamento constitucional ao direito de acesso dos insuficientes de recursos à Justiça, e a Defensoria Pública, com sua missão constitucional de garantir os princípios constitucionais de acesso à justiça e igualdade entre as partes, e o direito à efetivação de direitos e liberdades fundamentais, "o direito de ter direitos," desponta no cenário nacional e internacional como uma das mais relevantes Instituições Públicas, essencialmente comprometida com a democracia, a igualdade e a construção de uma sociedade mais justa e solidária.2

    A Defensoria Pública do Estado de São Paulo possui como

    critérios o atendimento às pessoas com renda familiar igual ou inferior a três

    salários mínimos e que não sejam proprietários de bens móveis e imóveis,

    cujos valores ultrapassem a cinco mil unidades fiscais do Estado de São

    Paulo, aproximadamente 80 mil reais, até momento da realização desta

    dissertação (Março/2012). Em casos em que a família ultrapassa os valores

    exigidos nessas condicionalidades existe a possibilidade de realizar um

    recurso que é analisado pelo Defensor Coordenador da Regional.

    2 Disponível em: www.portaldpge.rj.gov.br/Portal/conteudo.php?id_conteudo=18)

  • 36

    A população atendida pelos serviços de assistência jurídica do Estado carece de recursos sociais, vivência um processo de exclusão social, sem poder escolher livremente o seu prestador de serviços, pois não tem meios para efetuar seu pagamento; sendo assim, necessita e depende desse serviço para garantir o atendimento de seus direitos e de seu acesso à justiça (Chuari, p.133, 2001).

    A demanda maior da instituição é a defesa dos interesses e

    direitos da população que procura os serviços prestados, buscando a

    efetivação dos direitos e da cidadania.

    A Defensoria Pública do Estado de São Paulo é um órgão do Poder Executivo do estado brasileiro de São Paulo e que tem como atribuição cumprir o dever constitucional de assegurar aos cidadãos menos favorecidos economicamente o acesso à defesa e a garantia de seus direitos interesses. O Conselho Superior da Defensoria, biênio 2010/2012, é formado por treze membros, sendo cinco natos e oito eleitos. A Defensora Pública-Geral é Daniela Sollberger Cembranelli, esposa do Promotor de Justiça paulista Francisco Cembranelli. Uma Lei complementar, a LP Estadual 1098/2009, criou mais 100 cargos para defensor, 63 deles deverão ser providos após realização do IV Concurso de Ingresso na Carreira de Defensor Público. O modelo institucional da Defensoria Pública de São Paulo é exemplo para a implantação e modificação dos demais órgãos estaduais de defesa, no Brasil.

    As cidades do Estado de São Paulo/SP que possuem Defensoria

    Pública são: Araçatuba, Araraquara, Avaré, Bauru, Campinas, Jaú, Jundiaí,

    Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Santos, São Carlos, São José do

    Rio Preto, São Vicente, Sorocaba, Taubaté, Avaré, Diadema, Franca,

    Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Osasco, Piracicaba, Registro,

    São Bernardo do Campo e São Paulo. Nas demais cidades, em que não há

    Defensoria, a pessoa deve procurar a subsecção local da Ordem dos

    Advogados do Brasil (Casa do Advogado), para que seja indicado um

    advogado que será custeado pela Defensoria.

    “O Estado de São Paulo subdivide-se em 645 municípios,

    distribuídos em 42 regiões de governo, 14 regiões administrativas e três

  • 37

    regiões metropolitanas: de São Paulo, da Baixada Santista (que tem a

    conformação espacial da RA de Santos) e de Campinas (contida na RA do

    mesmo nome).” (De acordo com: http://www.seade.gov.br/produtos/ atlasecon

    /intro/ cap2). Assim percebe-se que dos 645 municípios do Estado de São

    Paulo apenas 27 possuem Defensoria Pública, por isso embora as Defensorias

    Públicas sejam uma avanço, este percurso ainda tem um longo caminho a

    percorrer, para isso é necessário dar visibilidade à sua atuação, sendo este um

    dos objetivos desta pesquisa.

    A Defensoria Pública atua nas principais áreas:

    a) Área Cível: Trata-se de extenso campo que compreende ações na área do Direito Civil, Direito de Família e de Sucessões, Direito do Consumidor, Direito Urbanístico, Direito Ambiental, Direito à Saúde, Garantias Constitucionais, entre outras. Tutela Coletiva: A Defensoria Pública possui a prerrogativa legal de propor ações civis públicas na defesa coletiva de cidadãos carentes. Esse instrumento pode ser manejado em diversas áreas do Direito – tais como Habitação, Urbanismo, Saúde, Meio-Ambiente e Defesa do Consumidor. A lei prevê também que a Defensoria Pública promova termos de ajustamento de conduta (acordos extra-judiciais com força legal) para garantir que as demandas dessa natureza sejam resolvidas rapidamente e sem necessidade de um processo judicial. c) Área Criminal: A atuação na área criminal corresponde essencialmente à defesa de pessoas acusadas da prática de crimes de forma ampla e abrangente. A Defensoria promove não apenas a defesa em primeira instância, mas maneja todos os recursos cabíveis, tendo atuação marcante perante o STJ e o STF. Também é possível a atuação em defesa da vítima, especialmente nas hipóteses de Juizados Especiais ou de aplicação da Lei Maria da Penha (proteção contra mulheres vítimas de violência doméstica). d) Área da Infância e Juventude: A atuação perante as Varas da Infância e Juventude, abrange a área infracional, atuando na defesa de adolescentes acusados da prática de atos infracionais e que cumprem medidas socioeducativas (internação, liberdade assistida, serviços comunitários, entre outras). E também a área não infracional, incluindo pedidos de adoção ou de guarda, defesa em processos de destituição de pátrio poder, entre outras. e) Área de Execução Criminal: A atuação abrange a defesa de cidadãos que estejam cumprindo pena de reclusão, detenção ou penas alternativas após condenação judicial pelo cometimento de um crime. Inclui a formulação de diversos pedidos, tais como: progressão de regime, liberdade condicional, indulto, defesa em faltas disciplinares, além de outros relativos aos tratamentos dispensados dentro do sistema penitenciário.

  • 38

    A Defensoria Pública a fim de consolidar os direitos fundamentais

    e jurídicos da população, possui Defensores Públicos, equipes psicossociais e

    demais profissionais que devem estar à disposição da população no sentido de

    defendê-las e orientá-las quanto aos seus direitos. Nesta perspectiva, é

    importante considerar que os profissionais devem atuar com base em projeto

    de intervenção que direciona as ações para atenderem a população de forma

    justa e igualitária, não exercendo qualquer forma de autoritarismo perante os

    usuários.

    Neste sentido, é importante asseverar que:

    O serviço de assistência jurídica assume papel relevante na sociedade, principalmente junto às camadas da população subalternas, possibilitando a esses sujeitos o acesso à justiça para atendimento e garantia de seus direitos e do exercício de sua cidadania (Chuari, p.136, 2001).

    As discussões que perpassam as áreas do campo sócio-jurídico

    sejam elas do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Varas

    da Família ou Infância e Juventude, Sistema Prisional, dentre outros, não estão

    prontas e acabadas, mas devem ser repensadas e problematizadas

    cotidianamente, com vistas a buscar construir avanços para além do Serviço

    Social, alcançando o sistema de garantia de direitos e de sua materialidade.

    É importante esclarecer que o trabalho realizado pelo Serviço

    Social na Defensoria Pública, encontra-se no campo sócio-jurídico, pois:

    Campo (ou sistema) sócio-jurídico diz respeito ao conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza jurídica, como o sistema judiciário, o sistema penitenciário, o sistema de segurança, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, dentre outros. O termo sócio jurídico enquanto síntese dessas áreas tem sido disseminado no meio profissional do Serviço Social, em especial com a sua escolha como tema central da Revista Serviço Social e Sociedade nº 67 (Cortez Editora), pelo comitê que a organizou, tendo sido incorporada, a seguir, como uma das sessões temáticas do X CBAS- Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais/2011. (Fávero, 2003, p.10).

  • 39

    Neste sentido, compreendemos que todas as áreas que de

    alguma forma tem relação com o sistema judiciário interessam ao campo

    sócio-jurídico, por isso não podemos afirmar que a Defensoria Pública é o

    campo sócio jurídico, mas sim faz parte dele.

    Desde abril de 2010 a Defensoria Pública do Estado de São

    Paulo conta com a presença de 30 psicólogos e 17 assistentes sociais em

    seus quadros de profissionais, que atuam diretamente ligados ao CAM –

    Centro de Atendimento Multidisciplinar, “área criada com o objetivo de atender

    pessoas em situação de vulnerabilidade, cujos casos demandam outros apoios

    além dos de natureza estritamente jurídica” (Jornal PSI, nº 170, set/out. 2011).

    “A presença de psicólogos e assistentes sociais na área do Direito não é nova, mas uma atuação nos moldes como se dá na Defensoria, em São Paulo, com uma proposta de caráter multidisciplinar e de atendimento integral, é inovadora’, afirma o psicólogo Paulo Kohara, assessor técnico psicossocial que gerencia as atividades do CAM. ‘As pessoas quando procuram a Defensoria anseiam por seus direitos, por justiça, e atender a esse pedido não se restringe, necessária e exclusivamente, à possibilidade do ajuizamento de ações, afirma” (Jornal PSI, nº 170, set/out. 2011).

    Neste sentido, cabe analisar e considerar que o Serviço Social

    está conquistando seu espaço profissional na Defensoria Pública, mas o

    número de profissionais atuantes na contemporaneidade é inferior ao

    necessário para isso a profissão necessita cada vez mais se apropriar destes

    espaços sócio-ocupacionais para avançar.

    Marcelo Semer (2011) refletindo sobre a Defensoria Pública no

    Estado de São Paulo faz as seguintes considerações:

    O uso desigual dos instrumentos públicos de repressão produz um Estado que criminaliza basicamente a pobreza. A pedra de toque é o generalizado descaso com as defensorias públicas, porta de acesso da população carente à cidadania. Por qualquer lado que se analise, o desprezo com a defensoria é o que se costuma chamar de economia porca- o barato sai caro... as defensorias são um importante canal para equilibrar as desigualdades da Justiça, dando voz a quem se encontra à margem do sistema. Embora tenhamos mais de 22 anos da Constituição Federal, que determinou a criação

  • 40

    das defensorias públicas, ainda há Estados que não a implantaram. Santa Catarina, por exemplo, simplesmente se recusa a criá-la. Mas, mesmo onde existe, a defensoria recebe um tratamento que não condiz com sua importância. São Paulo é o maior Estado da Federação e conta com apenas 500 defensores para uma população carente que deve superar uma dezena de milhões. Não é preciso muita matemática para supor o tamanho da insuficiência.

    Este olhar crítico do Juiz de Direito Marcelo Semer condiz com a

    realidade das Defensorias Públicas, são inúmeros os problemas de gestão do

    Estado com este ‘instrumento da cidadania’, como por exemplo, baixo número

    de unidades regionais, poucos defensores públicos no Estado, número quase

    que insuficientes de equipe psicossociais – conhecidos como agentes de

    defensoria, baixa remuneração para os oficiais administrativos, entre outros.

    Acessar um Defensor Público em São Paulo, por exemplo, tem se revelado geralmente, um processo permeado por dificuldades, entre elas, de comunicação e de distancias geográficas, difíceis de serem ultrapassadas. E, quando ultrapassadas, os sujeitos deparam com a longa ‘distancia’ temporal do tramite de um processo, em razão do volume de trabalho, da burocracia, do apego a ritos formais pelo meio judiciário, que resiste à inovação. Somam-se a isso as dificuldades existentes em muitos dos serviços de assistência judiciária, de dar conta de acompanhamento sistemático dos processos sob sua responsabilidade, pelo fato de nem sempre estarem suficientemente aparelhados – material e em recursos humanos, para o atendimento das complexidades e do volume das demandas (Fávero e Mazuelos, 2010, p. 41).

    Sob uma perspectiva crítica, devemos analisar a importância e

    avanço da implantação das Defensorias Públicas no estado de São Paulo, mas

    também reconhecer que ainda há muito que avançar nesta Instituição.

    Questões como a falta de recursos humanos, ampliação das regionais e

    outros, expressam os desafios que temos à frente, e afirmo ‘temos’ porque é

    uma questão que deve ser enfrentada por todos os cidadãos a fim de

    pressionar o Poder Público. Neste sentido, vale a pergunta de Marcelo Semer

    (2011) “manteremos o acesso à Justiça como um tigre de papel ou

    assumiremos a tarefa de fazê-lo real?”.

  • 41

    3. O SERVIÇO SOCIAL NA DEFENSORIA PÚBLICA: O panorama do Estado de São Paulo.

    “Acho também essencial que a Defensoria Pública mantenha em seus quadros profissionais da área de Serviço Social, com o intuito de proteger integralmente o cidadão, atingindo o fim qual se presta a instituição, qual seja, a erradicação da miséria, da pobreza, da marginalização, possibilitando a construção de um estado democrático de direitos, com a contribuição dos Assistentes Sociais no campo sócio-jurídico” (Dr. Matheus Assad João, depoimento colhido em Fevereiro de 2012).

    Este capítulo visa destacar a inserção do Serviço Social na

    Defensoria Pública e suas especificidades: os objetivos e as atividades

    desenvolvidas pelo profissional, funções e ações, as condições de trabalho e

    as relações que se estabelecem no cotidiano profissional.

    Inicialmente é importante refletirmos sobre espaço sócio-

    profissional:

    Analisar os espaços sócios ocupacionais do Assistente Social exige inscrever a reflexão no movimento histórico da sociedade brasileira e mundial, considerando os processos sócio-políticos que condicionam o modo como o Serviço Social se insere na sociedade capitalista madura como um tipo de especialização do trabalho inscrito na divisão sócio- técnica do trabalho, articulado aos processos de produção e reprodução das relações sociais. Ao mesmo tempo, para além das dimensões objetivas que conferem materialidade ao fazer profissional, é preciso considerar também, e de forma nem sempre convergente o modo pelo qual o profissional incorpora na sua consciência o significado do seu trabalho, as representações que faz da profissão, a intencionalidade de suas ações, as justificativas que elabora para legitimar sua atividade que orientam a direção social do exercício profissional. Nesses termos, é importante demarcar de saída que refletir sobre os espaços sócio-ocupacionais do Serviço Social implica considerá-lo como expressões das dimensões contraditórias do fazer profissional, nos quais se condensam e se confrontam concepções, valores, intencionalidades, propostas de sujeitos individuais e coletivos, articulados em torno de distintos projetos em disputa no espaço institucional onde se implementam políticas públicas (Raichelis, 2010, p.752).

  • 42

    Embora a Igreja Católica esteja presente na história, no que se

    refere à configuração da identidade que marca o início do Serviço Social no

    contexto brasileiro nos anos de 1930, foi com o processo de urbanização e sua

    relação com a aceleração industrial aliados ao crescimento das classes sociais

    em solo urbano, em especial o operariado, que vai exigir intervenções do

    Estado às necessidades sociais dos trabalhadores que migraram do campo

    para a cidade. É neste âmbito que se restituem as condições para o Serviço

    Social se configurar como profissão, “no contexto em que a questão social se

    põe como alvo da intervenção do Estado, por meio das políticas sociais

    públicas” (Raichelis; 2009, p. 379).

    O enfrentamento da questão social, no contexto brasileiro,

    expressa projetos para a sociedade, assumindo uma dimensão política. O

    avanço das desigualdades sociais radicaliza as expressões da questão social

    presentes na vida dos sujeitos o que reflete diretamente na base da tendência

    de ampliação do mercado de trabalho para os Assistentes Sociais na última

    década. Neste sentido, afirmou Iamamoto:

    As alterações verificadas nos espaços ocupacionais do assistente social têm raízes nesses processos sociais, historicamente datados, expressando tanto a dinâmica da acumulação, sob a prevalência de interesses rentistas, quanto à composição do poder político e a correlação de forças no seu âmbito, capturando os Estados Nacionais, com resultados regressistas no âmbito da conquista e usufruto dos direitos para o universo dos trabalhadores. Mas os espaços ocupacionais refratam ainda as particulares condições e relações de trabalho prevalentes na sociedade brasileira nesses tempos de profunda alteração da base técnica da produção com a informática, a biotecnologia, a robótica e outras inovações tecnológicas e organizacionais, que potenciam a produtividade e a intensificação do trabalho. É esse solo histórico movente que atribui novos contornos ao mercado profissional de trabalho, diversificando os espaços ocupacionais e fazendo emergir inéditas requisições e demandas a esse profissional, novas habilidades, competências e atribuições. Mas ele impõe também específicas exigências de capacitação acadêmica que permitam atribuir transparências às brumas ideológicas que encobrem os processos sociais e alimentem um direcionamento ético-político e técnico ao trabalho do assistente social capaz de impulsionar o fortalecimento da luta contra- hegemônica comprometida com o universo do trabalho (2009, p.343).

  • 43

    É importante lembrar que: “o espaço profissional não pode ser

    tratado exclusivamente na ótica das demandas já consolidadas socialmente,

    sendo necessário, a partir de um distanciamento crítico do panorama

    ocupacional, apropriar-se das demandas potenciais que se abrem

    historicamente à profissão no curso da realidade” (Iamamoto, 2009, p. 344).

    Estudar questões pertinentes ao trabalho do Assistente Social na

    Defensoria Pública é algo recente, principalmente no que se refere à atuação

    interdisciplinar e a dimensão do trabalho do Serviço Social como facilitador e

    mediador dos usuários no acesso aos seus direitos, o que coloca indagações

    acerca das competências e atribuições específicas do trabalho profissional,

    desafios e as possibilidades de atuação profissional pautadas pelo projeto

    ético-político.

    O Serviço Social tem como um dos eixos do seu projeto profissional na contemporaneidade o trabalho na direção do acesso, da garantia e da efetivação de direitos à população que faz uso dos serviços que presta. Da mesma maneira, a justiça social, a cidadania, a democracia, a liberdade, a não-discriminação, são fundamentais em sua ação, todos eles explicitados no Código de Ética Profissional do Assistente Social, compondo o conjunto de princípios fundamentais do exercício profissional (Fávero e Mazuelos, 2010, p.40).

    Na transição dos anos entre 1970 aos 80 foi que a categoria

    profissional do Assistente Social iniciou o processo de rompimento do

    conservadorismo, assim a luta contra a ditadura e a conquista da democracia

    possibilitaram discussões na categoria so