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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro A democracia em uma formação social periférica, dependente e oligárquica: um estudo do Maranhão de 2002 a 2016 DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo 2018

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOlvio... · 2018-11-13 · Pinheiro, Sílvio Sérgio Ferreira. A democracia em uma formação social periférica, dependente e oligárquica:

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro

A democracia em uma formação social periférica, dependente e oligárquica: um estudo do Maranhão de 2002 a 2016

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo 2018

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Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro

A democracia em uma formação social periférica, dependente e oligárquica: um estudo do Maranhão de 2002 a 2016

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

LINHA DE PESQUISA: Estado e Sistemas Sociopolíticos

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, área de concentração: Política sob a orientação do Professor Doutor Edison Nunes.

São Paulo 2018

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Pinheiro, Sílvio Sérgio Ferreira. A democracia em uma formação social periférica, dependente e oligárquica: um estudo do Maranhão de 2002 a 2016. 261p. 2018. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, São Paulo, 2018.

Banca Examinadora

______________________________________ Prof. Dr. Edison Nunes (PUC-SP)

______________________________________ Profa. Dra. Lúcia Maria Machado Bógus

(PUC-SP)

______________________________________ Prof. Dr. Ramon Casas Vilarino (PUC-SP)

______________________________________ Prof. Dr. Flávio José Soares (UFMA)

______________________________________ Prof. Dr. Emmanuel Silva Nunes de Oliveira Junior (USP)

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P654 Pinheiro, Sílvio Sérgio Ferreira

A democracia de uma formação social periférica, dependente e oligárquica: um estudo do Maranhão de 2002 a 2016. – São Paulo: s.n., 2018.

261 p. ; 30 cm. Referências: 209-217

Orientador: Prof. Dr. Edison Nunes

Tese (Doutorado em Ciências Sociais), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2018.

1. Estado. 2. Democracia. 3. Periferia. 4. Dependência. 5.

Oligarquia CDD 300

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Dedico esta tese especialmente ao meu guerreiro pai,

Jacinto Martins Pinheiro (In memoriam), falecido em 14 de

abril de 2017, período quando eu estava envolvido com a

elaboração da pesquisa de campo.

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[...] Mas o negócio não é bem eu, é Mané, Pedro e

Romão, que também foram meus colegas, e continuam

no sertão, não puderam estudar, e nem sabem fazer

baião [...].

“Minha História” — autoria do compositor maranhense João do Vale.

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Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES) pela Bolsa de Estudos concedida.

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AGRADECIMENTOS

Incialmente, agradeço a Deus, a razão da nossa existência. Só posso

dizer que sou um ser humano privilegiado.

Embora o interesse tenha sido pessoal e a escolha esteja vinculada à

militância social e política do pesquisador, muitos foram aqueles que

contribuíram direta ou indiretamente para que eu chegasse até aqui. São tantos

que espero não cometer injustiça, pois é sempre bom agradecer a quem

acreditou e nos deu todo o apoio, incentivo e força nesta jornada.

A família é o alicerce, por isso mais uma vez lembro-me do meu

guerreiro e amado pai Jacinto Martins Pinheiro (In memoriam), e a minha

valente e querida mãe Maria Sebastiana Ferreira Pinheiro. Mãe, estamos

juntos, sempre!

À minha querida esposa Ana Margarida por, mais uma vez estar lado a

lado apoiando-me. Sou grato pelo estímulo, pela contribuição e paciência para

comigo nos momentos da construção dessa tese. Sem ela, eu não chegaria até

aqui. À minha sogra, Jandira Barbosa, meu muito obrigado. Aos meus queridos

filhos, Luana, Lucas e Larissa; aos meus dez irmãos: Sílvia Cristina, Núbia,

Nilma, Marconi, Marco Aurélio, Luciana, Gabriela, Rogério, Rafael, Patrícia e os

sobrinhos Rildo, Ramon Caíque (In memoriam), Victor Hugo, Raíssa Bianca,

Rômulo, Jonas, Maria Eduarda, Milena, Guilherme, Arthur e Sofia e a cunhada

Tânia Maia, pessoas amadas e queridas.

Ao meu orientador e amigo, professor Dr. Edison Nunes, que muito me

ajudou para o desenvolvimento deste estudo, sou muito grato por tudo que

você fez, sendo também paciente em todos os momentos de tensão que a

escrita de uma tese acarreta.

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Ao querido amigo de longa data, Joan Botelho, que muito me

incentivou a seguir lutando, e pelo caminho da educação, sua área de atuação

por excelência.

Ao amigo-irmão Cláudio Moraes e Prof. Antônio José pelas frutíferas

companhias e apoio incondicional, e também pela leitura do texto, deu

sugestões excelentes para a melhoria da pesquisa.

Ao amigo Aos amigos Ricardo Serra e Fabi, pela boa convivência e

apoio, no tempo em que residi em SP, vocês são seres humanos queridos e

especiais.

Ao Prof. Flávio Reis (UFMA), sua tese é fonte de inspiração nessa

pesquisa, cuja categoria “oligarquia” é uma referência fundamental. E saúde e

força; é o que lhe desejo sempre.

Ao Prof. Dr. Ramon Casas Vilarino (PUC-SP) e Profa. Lúcia Maria

Machado Bógus (PUC-SP), pelas excelentes sugestões para a melhoria da

pesquisa na época do exame de qualificação.

Ao historiador e Prof. Flávio José Soares (UFMA), conterrâneo, e Prof.

Emmanuel Silva Nunes de Oliveira Junior (USP), por aceitarem o nosso convite

para compor a banca de defesa final.

Ao Prof. Jáder (UFMA), pelo trabalho de revisão do texto.

A todos os membros da Comissão Organizadora do nosso I Seminário

Científico Nacional – Estado, Cultura Políticas, Desigualdades e

Desenvolvimento, em parceria com a UFMA e PUC-SP, realizado em agosto

de 2016, no Auditório Central da UFMA, em São Luís (MA): Prof. Edison Nunes

(PUC-SP), Prof. Antônio José (UFMA), Prof. Josenildo de Jesus Pereira

(UFMA), Profa. Júlia Kátia (UFMA), Prof. Cláudio Moraes (IFMA), Profa. Ana

Margarida Barbosa Santos (MP), Luana Caroline Santos Pinheiro (Graduanda

de Biologia em UFMA), Henrique Carneiro (Graduando em Economia - UFMA),

evento que contou com o imprescindível apoio da CAPES e da FAPEMA.

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Ao Henri Acselrad (UFRJ), Rosane Borges (USP), Júlio Rocha (UFBA),

Marcelo Paixão (UFRJ-TEXAS), Prof. Horácio Antunes (UFMA), Profa. Maria

Mary Ferreira (UFMA), pela participação nas mesas de debates do nosso

Seminário, na condição de pesquisadores convidados, evento que muito

contribuiu com a minha tese, meu agradecimento.

Meu agradecimento aos professores Luiz Alves Ferreira (UFMA),

Wagner Cabral (UFMA), Francisco Valdério (UEMA), Manoel Barros (UFMA),

Hugo Freitas (UFMA), Carlos Agostinho Almeida Couto (UFMA), pelos bons

encontros, e sempre com ricos debates sobre o nosso Maranhão e a política

contemporânea. Muito obrigado, aprendo muito com vocês.

Aos analistas técnicos do IBGE-MA, José Reinaldo Júnior e João

Ricardo, que, assim como no mestrado, contribuíram também no meu

doutorado, prestando esclarecedoras informações.

Aos militantes dos movimentos sociais, políticos e pesquisadores-

intelectuais que se dispuseram a conceder entrevistas, muito grato.

Esta tese só foi possível graças à bolsa da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), que garantiu a minha

condição de cursar o Doutorado na PUC, meus agradecimentos.

Aos companheiros de velhas e novas lutas no Maranhão, Domingos

Dutra, Bira do Pindaré, Franklin Douglas, Jomar Fernandes, Francisco

Gonçalves, Augusto Lobato, Ricardo Ferro, Anthony Dantas, Shirley Martins,

Nonato Moraes, Bernardo Felipe, Márcio Jardim, Genilson Alves, Arnaldo

Colaço e Davi Telles, agradeço o apoio.

A todos colegas do Doutorado em Ciências Sociais da PUC-SP, turma

2014, pelas boas convivências na vida acadêmica.

Aos integrantes desta conceituada instituição de ensino, a Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC), na pessoa da professora e

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coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais,

Profa. Vera Chaia, bem como à secretária e o secretário queridos Kátia e

Rafael, e a todos que direta ou indiretamente, contribuíram para a realização

deste trabalho, muito obrigado por tudo.

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Pinheiro, Silvio Sérgio Ferreira. A democracia em uma formação social periférica, dependente e oligárquica: um estudo do Maranhão de 2002 a 2016. 261p. 2018. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, São Paulo, 2018.

RESUMO

O estudo ora apresentado analisa a democracia em um estado com formação social periférica, dependente e oligárquica: o Maranhão. A perspectiva é como pensar um futuro melhor para um estado que possui uma sociedade com baixa diversificação social, clivada por grandes desigualdades, com assimetria étnico-racial, e uma democracia caracterizada fundamentalmente por relações oligárquicas, de cultura política de base familiar, de parentela e patrimonialista, por meio de práticas autoritárias. Mais do que uma tese, trata-se aqui de um desafio para se entender a imbricação de oligarquia e cultura política de base familiar e de parentela relacionada com a ideia de elite política. O que motivou este estudo foi a evidência de que a literatura existente não aborda como essas categorias influenciam ou não uma democracia com maior intensidade no estado. Diante disso, delimitou-se o campo de alcance da pesquisa para o período contemporâneo, portanto, no século XXI, e no Maranhão, sendo formulada a pergunta central: será que a presença de famílias com histórico de práticas que podem ser caracterizadas como oligárquicas no estado do Maranhão, tem um papel essencial na formação e na configuração da democracia que hoje se apresenta? A pesquisa tem por objetivo geral: investigar a democracia e sua imbricação com modelo oligárquico, no período de 2002 a 2016. E como objetivos específicos: a) realizar uma breve atualização da trajetória política de José Sarney enquanto líder do grupo no Maranhão; b) descrever como se forjou e consolidou a contradição da aliança de Lula e Sarney para o pacto de coalizão da governabilidade, a partir de 2002; c) investigar a origem da força e longevidade para a manutenção de seu poder e de sua família por tanto tempo na política.

Palavras-chave: Estado. Democracia. Periferia. Dependência. Oligarquia.

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Pinheiro, Silvio Sérgio Ferreira. A democracia em uma formação social periférica, dependente e oligárquica: um estudo do Maranhão de 2002 a 2016. 261p. 2018. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, São Paulo, 2018.

ABSTRACT

The present study analyzes the democracy in a dependent and oligarchic state, with peripheral social formation, Maranhão. The perspective is how to think of a better future for a state that has a socially low diversified society, cleaved by great inequalities, ethnically and racially asymmetric, whose democracy is fundamentally featured by oligarchic relations, family-based political culture, kinship and patrimonialism, by means of authoritarian practices. More than a thesis, it is a challenge to understand the imbrication of oligarchy and family-based political culture and kinship related to the idea of political elite.This study was motivated by the evidence that the existing literature does not focus on how those categories influence or not a democracy on a higher level in the state.Therefore, the research scope was limited for the contemporary period, the twenty-first century, and in Maranhão, and a the central question was set up: can the presence of families with a history of practices that can be characterized as oligarchic in the state of Maranhão have an essential role in the formation and configuration of current democracy? The research has a general objective, which is to investigate democracy and its overlap with oligarchic model, from 2002 to 2016. Specific objectives are: a) to carry out a brief update on the political trajectory of José Sarney as the leader of his political group in Maranhão; b) to describe how the contradiction of the Lula-Sarney alliance for the coalition pact for governability was forged and consolidated, starting in 2002; c) to investigate the source of strength and longevity for the maintenance of Sarney´s and his family´s power for so long in politics. Keywords: State. Democracy. Periphery. Dependency. Oligarchy.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Indicadores de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M.

QUADRO 2 - Indicadores de Desenvolvimento Humano Municipal: os mais

baixos IDH-M do Maranhão

QUADRO 3 - Aspectos Étnico-Raciais e seu cruzamento com renda. Pessoas ≥ 10 anos de Negro Sem Rendimento.

QUADRO 4 - População residente, por cor ou raça, situação e sexo. Variável - População residente – percentual do total geral (ano 2015).

QUADRO 5 - Taxa de desocupação, das pessoas de 14 anos ou mais de idade (percentual).

QUADRO 6 - Famílias residentes em domicílios particulares e valor do

rendimento médio mensal das famílias em domicílios

particulares, por situação do domicílio e classes de rendimento

mensal das famílias residentes particulares.

QUADRO 7 - Famílias de políticos com influência no interior do Maranhão

QUADRO 8 - Governadores do Maranhão do período de 1966-2018.

QUADRO 9 - Deputados federais eleitos pelo PT-MA

QUADRO 10-

QUADRO 11-

Deputados estaduais eleitos pelo PT-MA

Manchetes da mídia em outubro de 2006

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Comício de Lula no município de Timon (MA).

Foto 2 - Posse do governador Jackson Lago.

Foto 3 - Visita do Presidente Hugo Chaves ao Maranhão.

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LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

ALUMAR Alumínio do Maranhão

APA Área de proteção ambiental

APRUMA Associação dos Professores da Universidade do Maranhão

ARENA Aliança Renovadora Nacional

ASP Associação da Saúde da Periferia

BNH Banco Nacional de Habitação

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

CCN-MA Centro de Cultura Negra do Maranhão

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CEF Caixa Econômica Federal

CEUMA Centro Universitário do Maranhão

CF Constituição Federal

CGU Controladoria Geral da União

CLA Centro de Lançamento de Alcântara

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CUT Central Única dos Trabalhadores

DEM Democratas

DIEESE Departamento Intersindical de Estudos Sociais e

Econômicos

DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

DNOS Departamento Nacional de Obras e Saneamento

DRH Departamento de Recursos Humanos

FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FETAEMA Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do

Maranhão

GTDM Grupo de Trabalho de Desenvolvimento do Nordeste

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HCOR Hospital do Coração

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IC Inquérito Civil

IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano do Município

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

IMESC Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e

Cartográficos

IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

MEC Ministério da Educação e Cultura

MDS Ministério do Desenvolvimento Social

MST Movimento Sem Terra

OAB-MA Ordem dos Advogados do Brasil – Maranhão

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONU Organização das Nações Unidas

OP Orçamento Participativo

PA Projeto de Assentamento

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDT Partido Democrático Trabalhista

PEA População Economicamente Ativa

PFL Partido da Frende Liberal

PHC Programa de Habitação Cidadã

PIB Produto Interno Bruto

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPI Projetos Prioritários de Investimento

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSOL Partido Socialista e Liberdade

PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

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PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SECOM Secretaria de Comunicação do Maranhão

SESC Serviço Social do Comércio

SMDDH Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos

SEDIPOP Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação

Popular

STF Supremo Tribunal Federal

SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUDEMA Superintendência de Desenvolvimento do Maranhão

SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

TCE Tribunal de Contas do Estado

TCU Tribunal de Contas da União

TRE-AP Tribunal Regional Eleitoral do Amapá

TRE-MA Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão

TSE Tribunal Superior Eleitoral

UEMA Universidade Estadual do Maranhão

UF Unidade Federativa

UFMA Universidade Federal do Maranhão

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNB Universidade de Brasília

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a

Ciência e a Cultura.

UNICAF União das Cooperativas da Agricultura Familiar

UTE Usina Termoelétrica

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 21

CAPÍTULO I – O ESTADO: MARANHÃO E A FORMAÇÃO SOCIAL PERIFÉRICA, DEPENDENTE E OLIGÁRQUICA ........................................... 30

1.1 Formação periférica e dependente...................................................... 41

1.1.1 Maranhão: uma região periférica de um país semiperiférico ............ 55

1.1.2 Formação periférica e sociedade desigual ....................................... 63

1.1.3 Elites políticas do estado .................................................................. 74

1.1.3.1 Análise das entrevistas dos movimentos sociais, dos políticos e intelectuais-pesquisadores sobre a categoria oligarquia. .......................... 83

CAPITULO II – INTERPRETRAÇÕES E ADJETIVAÇÕES DA DEMOCRACIA. ......................................................................................................................... 90

2.1 Historicidade e conceito da democracia .............................................. 90

2.1.1 Democracia Liberal-representativa ............................................... 96

2.1.2 Democracia Elitista ..................................................................... 100

2.1.3 Democracia Participativa ............................................................. 110

CAPÍTULO III – O ESTADO DO MARANHÃO: FORMAÇÃO PERIFÉRICA E DEMOCRACIA. .............................................................................................. 126

3.1 Oligarquia do nordeste no processo de resistência e entrave ao alargamento do Demos (povo). .................................................................. 126

3.2 Breve atualização da trajetória de José Sarney: força e longevidade. . 131

CAPÍTULO IV – A CENA POLÍTICO-ELEITORAL CONTEMPORÂNEA NO ESTADO: CICLO DO LULISMO - 13 ANOS DA COALIZÃO CONSERVADORA E REPUBLICANISMO FRACO. ..................................... 149

4.1 Eleição de Lula (Presidente do Brasil) – José Reinaldo (Governador do Maranhão - 2002). ...................................................................................... 150

4.1.1 Discussão do PT: reatualização da família Sarney pela adesão à candidatura de Lula. ................................................................................ 153

4.2. Comício do munícipio de TIMON/MA (2006) ....................................... 174

4.3 Reeleição de Lula – Eleição de Jackson Lago (Governador do Maranhão) - 2006.......................................................................................................... 177

4.3.1 A cassação de JACKSON LAGO (16 DE ABRIL DE 2009). .......... 182

4.4 Eleição de Dilma (Presidente do Brasil) – Roseana Sarney (Governadora do Maranhão) - 2010. ................................................................................. 185

4.5 Reeleição de Dilma – Eleição de Flávio Dino (Governador do Maranhão) - 2014.............................................................................................................188

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CAPÍTULO V – POLÍTICOS E MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR. ...................................... 191

5.1 A Democracia na percepção dos movimentos sociais .......................... 191

5.2 A democracia na percepção dos políticos ............................................. 196

5.3 O papel dos movimentos sociais na luta por democracia e participação popular. ....................................................................................................... 199

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 203

REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 209

ANEXOS ........................................................................................................ 218

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INTRODUÇÃO

O estudo ora apresentado analisa a democracia em um estado com

formação social periférica, dependente e oligárquica. A perspectiva é como

pensar um futuro melhor para o Estado do Maranhão, que possui uma

sociedade com baixa diversificação social, clivada por grandes desigualdades,

com assimetria étnico-racial, e uma democracia caracterizada

fundamentalmente por relações oligárquicas, de cultura política de base

familiar, de parentela e patrimonialista, por meio de práticas autoritárias. Este

estudo busca entender a ligação entre sociedade e Estado, que tão bem fez

Marx quando criou a categoria bonapartismo em “O 18 de Brumário de Luís

Bonaparte” (2011), ao analisar com detalhes as ações de indivíduos, como

Bonaparte, Barrot, Cavaigane, Blanc, etc., buscando entender o modo de

funcionamento do mundo real da cena política na França. Nesse sentido, é que

se assemelha este estudo de tese, quando se ocupa da pesquisa empírica, de

uma situação concreta, tendo José Sarney (PMDB), Lula (PT), José Reinaldo

Tavares (PFL), Jackson Lago (PDT) e outros atores como personagens-chaves

da cena política contemporânea.

A concepção de Estado é desenvolvida na tese, mesmo que com

brevidade, em sintonia com Décio Saes (1985) que aponta que a “Abolição da

Escravidão (1888), a Proclamação da República (1889) e a Assembleia

Constituinte (1891) representaram etapas distintas de um único processo: de

formação do Estado burguês no Brasil”. E que tal processo constituiu a

revolução política burguesa, ou revolução burguesa num sentido estrito, e

somente a revolução política burguesa cria a condição jurídico-política

(cidadãos de direitos iguais), sem a qual não se pode desenvolver o mercado

de trabalho nem se generalizar a relação capital – trabalho assalariado. Ainda

no aspecto da abolição da escravidão, Celso Furtado (2007, p. 160) afirma

“que a mesma constituiu uma medida de caráter mais político que econômico

[...] abolido o trabalho escravo, praticamente em nenhuma parte houve

modificações da real significação na forma de organização da produção e

mesmo da distribuição de renda”. Pode-se afirmar que não houve inclusão ou

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integração dos ex-escravos na nova formação social. Logo, o desenvolvimento

econômico de estado da região nordeste, foi reduzido à sua formação colonial -

escravista e com fortes marcadores autoritários (SAES, 2001; VELHO, 2009;

SCHWARTZMAN, 2015), que são fatores que deixaram a região nordeste, e o

Maranhão, atrasados em relação à nação semiperiférica que é o Brasil.

Mais do que uma tese, trata-se aqui de um desafio para se entender a

imbricação de oligarquia e cultura política de base familiar e de parentela;

relacionada com ideia de elite política (PARETO, 1966). O que motivou este

estudo foi a evidencia de que a literatura existente não aborda como essas

categorias influenciam ou não uma democracia com maior intensidade no

estado. Contudo, este é um suposto complexo, sobretudo quando se tratar de

áreas como a ciência política, a sociologia política e a história. Diante disso,

delimitou-se o campo de alcance da pesquisa para o período contemporâneo,

portanto no século XXI, e no Maranhão. Com base nisso, formulou-se a

pergunta central: será que a presença de famílias com histórico de práticas que

podem ser caracterizadas como oligárquicas tem um papel essencial na

formação e na configuração da democracia que hoje se apresenta no estado

do Maranhão?

A escolha tem inspiração em um trabalho anterior, quando, por ocasião

da lavra da dissertação de mestrado (PINHEIRO, 2013) e do engajamento

deste pesquisador na política no Estado, por um longo período, foram

identificadas as contradições da aliança de Lula e Sarney. Naquele momento

foi observada a existência de forte caracterização de política com práticas

oligárquicas, agindo como um entrave à democracia com participação ativa de

grupos sociais.

A pesquisa tem por objetivo geral: investigar a democracia e sua

imbricação com concepção ou modelo oligárquico, no período de 2002 a 2016.

E como objetivos específicos: a) Breve atualização da trajetória de José Sarney

enquanto líder do grupo no Maranhão; b) Descrever como se forjou e

consolidou a aliança entre Lula e Sarney para o pacto de coalizão da

governabilidade, a partir de 2002; c) Levantar a origem da força e longevidade

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para a manutenção de uma cultura política de família por tanto tempo. Nesse

processo, cabe refletir e conceituar inicialmente algumas categorias e seus

sentidos, sobretudo, as que aparecem no título da tese, como: democracia,

periferia, dependência e oligarquia.

Poucas ideias na atualidade parecem ter adquirido uma aceitação tão

ampla quanto a de democracia, decantada em verso e prosa, tanto no

ambiente acadêmico como na cena do cotidiano da política, sobretudo no

cenário eleitoral. A democracia nasceu na Grécia, Atenas foi o berço dessa

ideia política, e de execução mais clássica, todavia carregada de muitas

adjetivações (SAES, 1993). No pensamento clássico da ciência política

moderna, a democracia é entendida como um regime político liberal

(MACHPFERSON, 1978).

Tem-se a intenção, em uma perspectiva crítica, de demonstrar algumas

ideias de autores que constituem o cânone do que se convencionou chamar de

teorias das elites e sua tensão com a democracia clássica. E neste caso,

apresenta-se a discussão de Joseph Schumpeter (1984) — autor da segunda

geração da teoria democrática elitista —, que apesar de ser liberal é contrário

ao que chamou de irrealismo da democracia clássica. Segundo ele, a escolha,

glorificada idealmente como o chamado do povo, não é iniciativa deste último,

mas criada artificialmente. Portanto, aponta que democracia não significa poder

do povo, sempre será das elites. Daí desenvolveu o seu conceito de

democracia como um método, sempre hegemonizada pelas elites (minoria) e

nunca pelos de baixo, invertendo-se, assim, a relação antiga do modelo de

democracia tradicional. Ou seja, “as elites induzem (e não expressam) as

escolhas do povo” — concepção associada a uma definição de democracia

procedimental1.

Esta pesquisa apresenta o conceito de Democracia dos Políticos como

uma configuração constituída por funcionários investidos em altos cargos

públicos da burocracia (poder executivo e judiciário), os de mandatos eletivos

1 Focando sua atenção sobre o processo eleitoral e competição eleitoral.

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(poder legislativo), os presidentes/dirigentes de partidos - às vezes “donos”-, os

proprietários de grandes empresas e/ou acionistas majoritários que mantêm

relações constantes com o Estado/Governo. Tal conceito foi trabalhado a partir

de estudo do historiador Moses Finley2 (1998) e que, na definição

schumpeteriana de democracia, é desenvolvido como “governos dos políticos”.

O conceito de “periférico” também está carregado de interpretações e

sentidos, no contexto da sociologia política, ou da ciência política. Na presente

pesquisa inspira-se na tese de João Manuel Cardoso de Mello – O capitalismo

tardio (1991) – que trabalhou um conceito de periferia e/ou periférico

relacionado com um sentido puramente econômico. Segundo ele, “[...] o núcleo

do problema da industrialização reside na antinomia entre plena constituição da

Nação e certa divisão internacional do trabalho que havia se convertido por

decisões tomadas no Centro, porque sua dinâmica estava presa, em última

instância, à demanda externa”. Para Mello, as economias periféricas, enquanto

dependentes, são meros prolongamentos do espaço econômico das

economias centrais, não podem ser consideradas como economias nacionais

e, além disso, dependência e pobreza são duas faces de uma mesma moeda

da situação periférica. Assim, leva-se em conta a noção de dependência e a

condição colonial e de subdesenvolvimento dos países latino-americanos, para

caracterizar o Brasil como uma nação periférica, ou semiperiférica, fazendo-se

referência aos estados subnacionais. É esse o sentido de periferia, numa

perspectiva socioeconômica, que se aborda na presente tese.

Quanto à categoria oligarquia, no dicionário de Política (BOBBIO, 2007,

p. 835), define-se como “governo de poucos”. Nos clássicos do pensamento

político grego, que transmitiram o termo à filosofia política, a mesma palavra

tem muitas vezes o significado mais específico e eticamente negativo como

“Governo dos ricos”, para se usar hoje o termo de origem igualmente grega

“plutocracia”. Nesse diapasão, verifica-se, no estado do Maranhão, a existência

desse modelo de oligarquia, na forma descrita por Flávio Reis (2015), como

grupo político, de base familiar, organizado e liderado por José de Ribamar

2 Historiador americano radicado na Inglaterra.

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Ferreira de Araújo Costa, o popular José Sarney — que, por mais de cinco

décadas, tem o poder de influenciar os negócios por meio da máquina política3.

O percurso metodológico adotado para a construção da pesquisa está

ancorado no método dialético, que aponta como pressuposto as contradições

que surgem e originam novas contradições. Para compreender esse diálogo,

adotou-se levantamento bibliográfico, entrevistas e análise de discurso.

Utilizou-se formulário semiestruturado, compondo-se roteiro com tópicos gerais

selecionados, com definição de áreas de inserção e contatos prévios com a

realidade sob o estudo.

Segundo Bourdieu (2011), “[...] não há maneira mais real e mais

realista de explorar a relação de comunicação na sua generalidade que a de

ater aos problemas inseparavelmente práticos e teóricos, o que decorre do

caso particular de interação entre o pesquisador aquele ou aquela que ele

interroga”. Para Joly (1984), tem-se discutido muito a necessidade de requisitos

básicos para levar a efeito uma análise qualitativa. A maioria dos autores

ligados ao tema considera que a experiência do pesquisador — dentro da área,

com a literatura pertinente e diferentes formas de analisar dados de entrevista

— seja uma condição "sine qua non" para que realize um estudo adequado,

levando-se em conta que ele (pesquisador) é, na realidade, o seu próprio

instrumento de trabalho. Por isso, buscou-se trabalhar com a pesquisa de

campo e com formulário semiestruturado, levando em conta à relação social e

política do pesquisador com seu objeto e sujeito, o que muito contribuiu com o

presente trabalho.

Foram realizadas 35 entrevistas com diferentes personagens da cena

política maranhense, incluindo José Sarney, por ser o principal representante

da oligarquia no Estado. Outro aspecto importante, mesmo que os passos

3 Observa-se na arena política contemporânea, o PMDB

3 (que hegemoniza o poder da

república), abrigando muitos dos “coronéis” e chefes da política tradicional e das oligarquias nordestinas, que segundo Nobre (2013), “quem sempre teve força na coalizão do governo Lula foi o pemedemismo, e não o lulismo”.

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metodológicos em uma abordagem qualitativa não estejam prescritivamente

propostos, é que o pesquisador não deve se considerar um sujeito isolado que

se norteia apenas pela sua intuição. “[...] Há que levar em conta o contato com

a realidade pesquisada, associado aos pressupostos teóricos que sustentam

seu projeto, assim, ao fugir da rigidez, o pesquisador não deverá perder o rigor

em seu trabalho — regra primeira para a concretização de um projeto científico

que possa vir a contribuir para um conhecimento na área” (GOMES, 1990).

A escolha dos entrevistados tem inspiração em Minayo (FARIAS,

2009), acerca de quais indivíduos têm uma vinculação mais significativa para o

problema a ser investigado. Tomando essa perspectiva, foram selecionados os

entrevistados utilizando a técnica de bola de neve4, que requisita a cada

entrevistado uma indicação de um possível novo entrevistado. O instrumental

de coleta de dados foi aplicado entre os meses de maio de 2016 a julho de

2017, com sujeitos de movimentos sociais, políticos e intelectual-

pesquisadores. As entrevistas levaram em média 1h30m, foram gravadas e,

posteriormente, transcritas para então serem analisadas. Buscou-se realizar

uma leitura político-crítica da trajetória do líder da oligarquia e sua aliança com

Lula e o PT no período contemporâneo e a percepção da categoria

democracia.

Sendo esta uma pesquisa de caráter qualitativo, faz-se necessário

explicar como se chegou à definição da tipologia dos entrevistados. Primeiro,

caracterizou-se como sujeitos “políticos” aqueles que ocuparam cargos

públicos de alto escalão e de relevância estratégica na burocracia estadual e

que concorreram a cargos eletivos estadual no período da pesquisa, de 2002 a

2016. Como os sujeitos de “movimentos sociais” foram os militantes e

dirigentes de entidades da sociedade civil com certo engajamento político. Na

categoria de “intelectual-pesquisador”, foram os acadêmicos e professores

4Ver Minayo (2000), Albuquerque (2009): snowballsampling ou “Bola de Neve” prevê que o

passo subsequente às indicações dos primeiros participantes no estudo é solicitar, a esses indicados, informações acerca de outros membros da população de interesse para a pesquisa (e agora indicados por eles), para, só então sair a campo para também recrutá-los. Lembra que em alguns estudos as “sementes” recrutam o maior número de pessoas possível; em outros, os próprios pesquisadores podem efetuar esse recrutamento, por meio de agentes que atuam em um dado campo, com conhecimento aprofundado e trânsito em uma dada comunidade.

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vinculados a alguma instituição de ensino e pesquisa, com certa participação e

militância também na política do Maranhão.

Das entrevistas, 31 ocorreram de forma presencial e 4 respondidas via

e-mail. As proporções de respondentes foram 16 militantes do movimento

social, 13 políticos e 6 intelectual-pesquisadores (anexo II). Também se

constituíram fontes secundárias de informação: artigos, periódicos, revistas,

livros relacionados com o tema da pesquisa, jornais Pequeno, Imparcial,

Estado do Maranhão, redes sociais (sites científicos, políticos, etc.), acervos

públicos e pessoais e nas bibliotecas das instituições UFMA, PUC-SP, UEMA,

Biblioteca Pública Benedito Leite (Maranhão), Centro de Cultura Josué

Montello, em São Luís (MA), cujas informações foram confrontadas para uma

maior aproximação com o real.

A tese está estruturada em cinco capítulos, os quais se sucedem de

forma inicialmente conceitual e trazendo um debate entre os autores clássicos

e contemporâneos. Apresenta-se uma cronologia de ascensão e alternância do

poder político e em seguida os resultados da pesquisa.

No primeiro capítulo, estão breves considerações sobre o Estado e a

sociedade e seu aspecto ideológico, a questão da formação social originária,

do período da escravidão, com cunho autoritário, periférico e oligárquico

focando o Maranhão, as desigualdades e suas elites.

No segundo, apresentam-se as interpretações e adjetivações da

democracia com uma historicização do conceito da democracia clássica e os

principais modelos de democracia: liberal–representativa, elitista e participativa,

configurando-se o conceito de “Democracia dos Políticos”, em voga no século

XXI.

No terceiro capítulo, a problemática real da tese é explicitada, trazendo

o campo próprio da pesquisa empírica, de uma forma mais acurada, quando se

descreve a força de práticas oligárquicas e a política de base familiar, de

parentela e as oligarquias do Nordeste no processo de resistência e entrave ao

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alargamento do demos (povo), encerrando com breve trajetória da vida política

de José Sarney, num esforço de entender sua força e longevidade.

O quarto capítulo traz uma descrição da cena política e as contradições

das alianças de Lula com as oligarquias regionais, narrando-se um fato

concreto de uma realidade da arena político-eleitoral no Maranhão. Toma-se

por base a própria percepção de agentes que estiveram engajados na política;

e, o movimento de resistência política que se constituiu no interior do Partido

dos Trabalhadores (PT-MA) contra a aliança com a oligarquia Sarney. Traz-se,

ainda, uma descrição para situar o leitor sobre a eleição de Lula em 2002 e

governadores do Maranhão, listando o governo de José Reinaldo Tavares

(2002 a 2006), uma reatualização da família Sarney pela adesão à candidatura

de Lula, a eleição e cassação de Jackson Lago (2006 a 2009) e a posse e

reeleição pela quarta vez de Roseana Sarney (2009 a 2010 e, 2011 a 2014).

Todos esses governos foram situados no período dos 13 anos em que o PT

ocupou o governo federal. Faz-se também um registro do primeiro “comunista”

a ganhar uma eleição para um cargo de Governador no Brasil, Flávio Dino de

Castro e Costa (PCdoB), em 2014.

No quinto capítulo, tem-se a percepção dos intérpretes quando se

exploram e analisam as entrevistas. Neste capítulo busca-se trazer a

democracia na visão dos políticos e dos movimentos sociais e o papel desses

últimos na luta por democracia.

Por fim, as considerações finais que trazem um esforço de explicitar a

ideia de ruptura com práticas oligárquicas por elas não assegurarem que se

promovam as mudanças sociais substantivas e necessárias pelas quais os

movimentos ditos mais de esquerda ou progressista sempre lutaram.

A ideia central desse estudo é a democracia no Estado do Maranhão

no período de 2002 a 2016, portanto, num tempo presente, durante o ciclo do

lulismo5 (incluindo o governo Dilma). Nesse sentido, buscar-se-á dialogar com

5 Ver Singer, A. (2012, p. 15): “O lulismo que emerge junto com o realinhamento, é, do meu

ponto de vista, o encontro de uma liderança, a de Lula, com uma fração de classe, o

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os diversos autores que trabalham a questão, que possuem acúmulo nas

categorias que se pretende desenvolver e que podem até ser divergentes ou

discordantes, mas que possam apresentar contribuição científica fundamental

para a tese.

subproletariado, por meio do programa cujos pontos principais foram delineados entre 2003 e 2005: combater a pobreza, sobretudo onde ela é mais excruciante tanto social quando regionalmente, por meio da ativação do mercado interno, melhorando o padrão de consumo da metade mais pobre da sociedade, que se concentra no Norte e Nordeste do país, sem confrontar os interesses do capital [...]”.

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CAPÍTULO I – O ESTADO: MARANHÃO E A FORMAÇÃO

SOCIAL PERIFÉRICA, DEPENDENTE E OLIGÁRQUICA

Como contextualização para ajudar a alicerçar a pesquisa, já que o

tema Estado é fundamental, traz-se uma análise de Carnoy (2013, p. 23-24)

que discorre sobre a teoria clássica do Estado, quando explicita que a noção

de Estado vigente é construção social, onde não apenas o arcabouço teórico

do termo varia, como as suas atribuições vão se redefinindo em cada momento

histórico e para atender as exigências do grupo hegemônico no poder.

A Europa do Século XVI estava mergulhada em mudanças

econômicas e políticas herdadas da transformação do sistema feudal para a

monarquias autoritárias, resultando em guerras que arrasaram o continente e

se estenderam até o século XVII. Tal como hoje, o cenário inspirou a

construção e reconstrução dos conceitos e ideias. Um dos clássicos desses

pensadores é Maquiavel, que buscando aperfeiçoar a arte de governar como

obter, manter e expandir o poder, através de uma abordagem científica. Mas os

filósofos inspiraram suas teorias de Estado na natureza humana, no

comportamento e nas relações interpessoais.

Nesse novo entendimento o Estado é chamado para mediar à

civilização, para controlar as paixões humanas, em benefício do “bem comum”.

A versão específica da teoria que, afinal, se tornou dominante na Inglaterra e nos Estados Unidos era de que os interesses dos homens – especialmente seu desejo insaciável de vantagens materiais – oporiam uns aos outros e controlariam suas paixões; e o papel do Estado que melhor serviria à humanidade era aquele que desse conta disso e garantisse o funcionamento de um mercado livre na sociedade civil. (CARNOY, 2013, p. 24)

É mister afirmar que, de todas as instituições criadas pelo homem, o

Estado é a maior e a mais complexa da sociedade, quer pela sua amplitude,

quer pelas variadas formas por meio das quais se expressa ou ainda pela

aparente autonomia em relação à sociedade civil. Ao Estado compete manter o

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equilíbrio da sociedade, atuando sempre no sentido de sua reprodução

enquanto tal, “condensando” as contradições sociais nos diversos níveis, pois

para ele convergem às forças em disputa, e a ideia de disputa é central na

concepção marxista de Estado. Esse equilíbrio proposto pelo Estado não é,

entretanto, no sentido de atender as demandas das diferentes classes sociais,

mas, ao contrário, é o de garantir a sobrevivência do projeto histórico da classe

dominante. Marx, quando escreveu A Ideologia Alemã, deixou evidenciado o

seu entendimento de classe:

[...] os indivíduos isolados não formam uma classe, senão enquanto deve levar uma luta comum contra outra classe [...]. Por outro lado, a classe se torna, por sua vez, independente perante os indivíduos, de modo que estes últimos encontram suas condições de vida estabelecidas antecipadamente, recebe de sua classe, já delineada, sua posição na vida e, ao mesmo tempo, o seu desenvolvimento pessoal, eles estão subordinados à sua classe. É o mesmo fenômeno da subordinação dos indivíduos isolados à divisão do trabalho, e esse fenômeno só pode ser suprimido se for suprimida a propriedade privada e o próprio trabalho. Indicamos diversas vezes como tal subordinação dos indivíduos à sua classe se torna, ao mesmo tempo, a subordinação a todo tipo de forma de representação [...]. (RICOEUR, 2015, p.123)

Por isso, só se entende determinadas formas de Estado mediante a

análise das classes da sociedade onde ele está inserido e da correlação de

forças estabelecidas entre elas. Em decorrência disso, todo Estado reflete em

sua estruturação o domínio de uma classe ou, o que é mais comum, o domínio

de uma aliança de classes, as quais impõem a sua dominação aos demais

segmentos sociais. A aliança, ou coalizão entre classes dominantes, não é,

porém, algo estabelecido sem a existência de contradições, pois nunca o poder

é distribuído de maneira igual entre classes dominantes. Sempre existirá no

interior do bloco do poder, constituído pelas classes dominantes, uma que irá

deter a hegemonia dessa aliança.

Verifica-se, assim, que o Estado não tem força política em si mesmo,

pois esta emana de uma determina classe que o domina. O Estado apenas

articula, institucionaliza e fornece um caráter público a essas forças. Afinal,

além das relações econômicas, o desenvolvimento e as características de um

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Estado são influenciados pelas relações entre as classes e as nações.

O Estado tem também o poder político, que é, na realidade, o poder

real das classes que controlam a sociedade — controle variável e relativo

conforme a sociedade em questão. Além disso, tem seu suporte social na

burocracia que não pode apresentar-se apenas como a serviço da dominação,

mas a serviço da “sociedade em geral”, a serviço de “todos” 6, ou seja,

concretização da relação entre governante e governados. Nessa relação, o

Estado exerce a função de dominação e de direção da sociedade, ao mesmo

tempo em que exerce a função de mediação de compromissos entre os

interesses da classe que controla a sociedade, procurando manter a coesão e

a unidade de interesses políticos, econômicos e sociais. Em outras palavras,

ele procura viabilizar o projeto socioeconômico da classe que domina a

sociedade e, ao mesmo tempo, busca a viabilização político-ideológica desse

projeto, tendo em vista a reprodução da forma de sociedade em questão.

Em sua aula sobre “A ideologia Alemã”, Paul Ricoeur (2015, p.120)

volta-se para análises com ênfase na base real construída pelos indivíduos

reais em suas condições especificas. Marx, como observa Ricoeur, “fornece os

utensílios para uma crítica interna de toda abordagem que enxergasse, em

categorias como classe dominante, fatores últimos de explicação”. Segundo

essa abordagem, por trás de uma ideia dominante, sempre há uma classe

dominante. Retome-se a frase que introduz a de Marx: “Os pensamentos da

classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos

dominantes, em outras palavras, a classe que é a potência material dominante

da sociedade é também a potência dominante espiritual”. Para Marx, portanto o

vínculo entre a classe dominante e a ideia dominante não é mecânica, não é

uma imagem em um espelho, à maneira de um eco ou de um reflexo. Essa

relação requer um processo intelectual que lhe é próprio:

6 E “todos” entre aspas é apenas para destacar um jogo de retórica, das narrativas discursivas,

pois nunca o Estado estará a serviço de todos. Grifo nosso.

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[...] Com efeito, cada nova classe que assume o lugar daquela que antes dela dominava é obrigada, para chegar a seus fins, a representar o seu interesse como o interesse comum de todos os membros da sociedade, ou, para exprimir as coisas no plano das ideias: essa classe é obrigada a conferir seus pensamentos à forma da universalidade, a representá-los como sendo as únicas razoáveis, as únicas universalmente válidas.

E qualificando um pouco mais a função do Estado, diz Saes (1993,

p.12), “todos os membros da classe social exploradora têm, para além dos

seus desejos singulares, um interesse comum: preservar a sua condição de

detentores do controle dos meios de produção e dirigentes do processo de

produção [...]”. Nessa discussão iniciada por Saes (1985, p. 51), ao

desenvolver sua tese de formação do Estado burguês no Brasil, apresenta sua

hipótese mais geral afirmando:

O processo de formação do Estado burguês no Brasil se estendeu, essencialmente, de 1888 a 1891, englobando os processos tradicionalmente designados como a Abolição da Escravatura; a Proclamação da República e a Assembleia Constituinte; esse processo geral consistiu na transformação burguesa do Estado escravista moderno, que se formou no Brasil durante o período político colonial e que sobreviveu em pleno período pós-colonial, iniciado em 1831.

O autor passa a defender a qualificação das transformações

políticas de 1888-1891 e não da Revolução de 30 (tese de Octavio Ianni), como

um processo de formação do Estado burguês, com a revolução política

burguesa no Brasil. Assim fica explicitada a sua posição divergente com a tese

de Florestan Fernandes de que não houve uma revolução burguesa no Brasil.

Agora, quanto ao Estado populista, o Estado autoritário e o Estado

oligárquico7, em países dependentes, o foco será dado a este último.

As condições históricas em que se deu o processo de independência

da maioria dos países na América Latina, segundo Sodré (1971, p. 30),

7Ver Racière (2014, p.92) “[...] Todo Estado é oligárquico. O teórico da oposição entre

democracias e totalitarismo concorda sem nenhuma dificuldade: Não se pode conceber regime que, em algum sentido, não seja oligárquico (Raymond Aron, Démocratieeltotalitarisme)”. Mas a oligarquia dá à democracia mais ou menos espaço, é mais ou menos invadida por sua atividade. Nesse sentido, as formas constitucionais e as práticas dos governos oligárquicos podem ser denominadas mais ou menos democráticas.

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marcado pelo atraso econômico, deu origem à formação de Estados

oligárquicos, geralmente retrógrados e repressivos. E o caso brasileiro é um

exemplo quanto às formas de articulação de um Estado assentado na

dominação oligárquica. Proclamada a República com base numa aliança

conjuntural com entre as camadas médias — representadas basicamente pelos

militares — e o setor cafeeiro das oligarquias, logo depois a classe senhorial

voltaria a unificar-se sob a direção dos cafeicultores, alijando as camadas

intermediarias (médias) do poder. As características brasileiras vinculadas à

grande extensão territorial e à inexistência de um mercado nacional unificado

consolidando as várias oligarquias regionais, muitas vezes com contradições

entre elas, conduziu à solução “federalista”. Nesse sentido competia aos

governos estaduais que expressavam seus interesses políticos defender a

valorização de seus produtos, garantindo com isso os lucros à classe

dominante (SODRE, 1971).

No plano político, a articulação oligárquica se dá por meio de uma

hábil política de alianças de coalizão chamada de “política dos governadores”,

segundo Pacheco (1986, p.65), na verdade, um eufemismo utilizado para

designar a “política das oligarquias”. Através desta política, cada Estado da

federação era entregue a uma oligarquia local, a qual governava sem qualquer

ingerência do poder central, e, em troca dessa autonomia para impor sua

dominação em nível regional, elas davam seu apoio às oligarquias assentadas

no governo nacional. As oligarquias regionais eram absolutas em suas regiões,

possuindo verdadeiros exércitos privados, colocando-se acima da lei e

controlando o aparelho policial e judiciário. Mesmo quando irrompiam violentos

conflitos entre oligarquias estaduais, o governo central não intervinha, deixando

que as mesmas resolvessem suas divergências em nível dos estados.

Geralmente, a hegemonia sobre um Estado oligárquico estava na mão de uma

oligarquia regional mais poderosa que a se impunha ou por meio de uma

política de alianças com as demais oligarquias regionais ou da dominação

sobre as demais. O domínio oligárquico sempre se dará de forma autoritária, e

às vezes são mascarados por trás de um falso paternalismo, outras vezes

expressados, por meio da repressão brutal, mas sempre espoliando

violentamente as classes dominadas. Pode-se afirmar que, as oligarquias

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obtiveram seu apogeu no período da República Velha no Brasil.

Essa forma autoritária, que permeia toda a formação social

brasileira, também é explicada por Schwartzman (2015):

[...] o problema principal com os Estados de base neopatrimonial 8não é que eles mantenham o povo em situação dependente e alienada, mas, principalmente, que todas as formas de organização social que eles geram tendem a ser dependentes do poder público e orientado para a obtenção de seus favores9. O simples transbordamento das estruturas de dominação mais tradicionais e a criação de novas formas de organização política social não garantem que esse padrão de comportamentos não se vá reproduzir [...]. (SCHWARTZMAN, 2015, p. 31)

Segundo o autor, com “a crise atual do Estado patrimonial brasileiro

é que ele parece ter cada vez menos capacidade de atender às demandas que

lhe são feitas ou os interesses de grupos que dele participam e se associam, o

Estado Brasileiro enfrenta o problema da ‘ingovernabilidade’ do país”

(SCHWARTZMAN, 2015, p.32). Considerando ser o Estado todo-poderoso,

nada mais racional do que buscar seus favores e proteção. Como certa vez

disse Celso Furtado10 (1998): “o grande problema no Nordeste é social, não é

econômico; é em razão da falta de emprego para o povo, portanto, que a

política se faz útil em estados da região Nordeste, pois eles são dependentes

de recursos do poder federal”.

Schwartzman identifica duas questões que devem ser enfrentadas: a

primeira, os mecanismos de inclusão ou exclusão dos setores hoje

marginalizados do “Brasil moderno”, em relação à sociedade futura que se

pretende construir; e o segundo é a constatação de que o desenvolvimento do

“Brasil moderno” tem-se caracterizado pela exclusão de grandes setores da

população, afetando particularmente as regiões nordestinas, o interior da

população de cor11, e que países como o Brasil se constituíram, desde suas

8 Schwartzman chama de “nova etapa de organização política e social do Estado moderno.

Logo, vem depois do Estado moderno patrimonial (administrado como propriedade familiar)”. 9A ideia de Clientelismo difuso, que bem desenvolveu Wanderley Guilherme.

10 Ver livro – Seca e Poder: “entrevista com Celso Furtado” (1998).

11 O fator racismo é central, e que agora se apresenta explicito.

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origens como dependências de outros centros.

Outra característica de periferia, a força do patrimonialismo, ou um

caráter autoritário da cultura nacional que ainda é muito atuante em regiões

periféricas. Primeiro, a ideia do patrimonialismo advinda dos estudos de Weber,

e que depois o conceito vai ser estudado no Brasil por Sérgio Buarque de

Holanda (1995), Raymundo Faoro (2012), Florestan Fernandes (1987) e Simon

Schwartzman (2015). Na obra Economia e Sociedade, Weber (1999) definiu

que: “o patrimonialismo consiste na tipologia das formas de dominação, em

particular o tipo tradicional”. Assim, questiona-se a dominação, indagando os

porquês da submissão e quais os fatores que levam a ela. Em resposta, são

apontadas razões que justificam a dominação, acompanhadas de três

correspondentes fundamentos de legitimidade.

Seguindo seu próprio método, para Weber as três formas legítimas

de dominação são formas puras ou ideais, raramente encontradas nesse

estado de pureza como descrito pelo autor. A primeira é o domínio tradicional,

que se fundamenta e se legitima no passado, pela tradição. A segunda forma é

o domínio exercido pelo carisma e se fundamenta em dons pessoais e

intransferíveis do chefe-político. A terceira é o domínio exercido pela legalidade,

baseado em regras racionalmente criadas que fundamenta na competência.

Evidentemente, Weber alerta que a submissão e a obediência dos dominados

está condicionada por motivos extremamente poderosos, sobretudo pela força

física e implantados pelo medo ou pela esperança.

Não obstante, são as formas de dominação legítimas que importam

para o Estado Moderno, sendo descritos os seguintes tipos de dominação: 1)

dominação tradicional, 2) burocratismo, 3) patrimonialismo, 4) feudalismo, 5)

dominação carismática. Portanto muito presente e nos remete a uma

ordenação integrada, sistemática e coerente, em função de três princípios de

legitimidade weberianos: legal, tradicional e carismático. Analisando o tipo

tradicional, Weber trabalha com a tese de que o patriarcalismo é o protótipo de

toda forma tradicional de dominação, sendo os demais subtipos apenas

desenvolvimentos consequentes dessa matriz originária. Quando se transpõe

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dessa versão inicial para a versão tardia, o quadro analítico da dominação é

remodelado (SELL, 2016).

Em primeiro lugar, o subtipo ideal “feudalismo” perde lugar no

interior da forma tradicional para ser alocado somente depois da dominação

carismática como um tipo misto, na medida em que “dele pode surgir uma

estrutura de associação de dominação distinta tanto do patrimonialismo quanto

do carismatismo” (SELL, 2016, p.513). Por essa razão, o feudalismo deixa de

ser considerado um “caso particular” do patrimonialismo. Em segundo lugar, o

papel prototípico do patriarcalismo é abandonado, e os tipos internos da

dominação tradicional passam a se distinguir e depender do critério

organizacional, ou seja, com base na existência e natureza do aparato

administrativo. Por causa dessa mudança, o conceito de patrimonialismo, que

tinha um papel derivado, passa a ocupar o lugar determinante na

caracterização das formas administrativamente organizadas de dominação

tradicional. Por fim, a terminologia que discrimina os subtipos da dominação

tradicional será reorganizada.

Em função disso, em vez da sequência linear-evolutiva (do

patriarcalismo para o patrimonialismo e deste para o feudalismo), que vamos

encontrar nas teorizações mais antigas de Weber, o autor passa a adotar um

novo arranjo de categorias que serão sistematizadas segundo dois

subconjuntos qualitativamente distintos e localizados no interior da dominação

tradicional: de um lado, os tipos primários do patriarcalismo, e da

gerontocracia12, e, de outro, o patrimonialismo. Continua-se a analisar as

implicações desses desdobramentos para o conceito de patrimonialismo, que

parece não ter sofrido nenhuma mudança ao longo do processo de quando

Weber escreveu Economia e Sociedade; está presente tanto nas versões mais

antigas quanto no momento atual, o que pouco se alterou.

Seguindo a mesma direção weberiana, tanto Sérgio Buarque quando

Faoro, vão tratar do tema do patrimonialismo. No conceito de Faoro (2012, p.

102), o patrimonialismo é uma organização básica, fecha-se sobre si próprio

12

Gestão ou administração exercida por anciãos.

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com o estamento, de caráter marcadamente burocrático. Burocracia não no

sentido moderno, como aparelhamento racional, mas da apropriação do cargo

— o cargo carregado pelo poder próprio, articulado com o príncipe, sem a

anulação da esfera própria de competência. E continua: “o Estado ainda não é

pirâmide autoritária, mas um feixe de cargo, reunidos por coordenação, com

respeito à aristocracia dos subordinados. A realidade histórica brasileira

demonstrou ― insista-se (cap. III, Economia e Sociedade) — a persistência

secular da estrutura patrimonial, resistindo galhardamente, inviolavelmente, à

repetição, em fase progressiva, da experiência capitalista”. E retoma o tipo

tradicional weberiano:

[...] O domínio tradicional se configura no patrimonialismo, quando aparecer o estado-maior de comando do chefe, junto à casa real, que se estende sobre o largo território, subordinando muitas unidades políticas. Sem o quadro administrativo, a chefia dispersa assume caráter patriarcal, identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e nos coronéis. Num estágio inicial, o domínio patrimonial, desta forma constituída pelo estamento, apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das concessões, dos cargos, numa confusão entre o setor público e privado, que, com o aperfeiçoamento da estrutura, se extrema em competências fixas, com a divisão de poderes, separando-se o setor fiscal do setor pessoal [...]. O patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, que adota o mercantilismo como a técnica de operação da economia. (FAORO, 2012, p.822)

Pode-se, então, apontar que o patrimonialismo é uma característica

de regiões de economias tradicionais, mas a tese Schwartzman aponta para

sua versão moderna, e as práticas desse modelo na gestão pública são

fortemente vistas no Nordeste. Na análise de Florestan (1987, p, 160): “Os

defensores mais denotados da ordem de privilégios não eram,

verdadeiramente, os “mais privilegiados”, mas, os seus associados menores,

que cumpriam suas funções inovadoras e por vezes até revolucionárias,

resguardando obstinadamente o núcleo do status quo”. E a elaboração

estrutural e dinâmica da competição como força é fundamental. Ela evidencia

como a ordem social escravocrata e senhorial deformou esse processo,

vinculando-o definida, e definitivamente, a um contexto ultraconservador e

terrivelmente egoísta de absorção das interpretações sociais e das inovações

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institucionais inevitáveis”. Dessa perspectiva, o privatismo intermediário fazia

contraponto ao estamento senhorial.

De acordo com Queiroz (1976):

[...] para que haja lutas de classes, é preciso que haja consciência de classes, solidariedade de classes. Essa consciência não existia antigamente entre nós; os que estavam colocados mais abaixo na escala social não tinham noção de que interesses diferentes podiam separá-los dos que pertenciam às camadas mais elevadas; a solidariedade aqui existente tinha por base a tribo familiar com parentes, aderentes agregados, isto é, laços de dependência consanguíneos, material e moral. Para o sitiante compadre do Coronel Fulano, estar o Coronel Fulano de cima na política era estar o sitiante amparado e em situação privilegiada; seus interesses se entrelaçavam por esse lado com os do Coronel Fulano, embora ambos pertencessem a camadas sociais diferentes. Esse tipo de solidariedade tinha acompanhado muito naturalmente o modo pelo qual se processaria a ocupação do solo, as grandes propriedades nas mãos de alguns senhores. O recém-chegado numa zona era condenado a se acolher à sombra do mandão local e ligá-lo fortemente a si se quisesse ter o apoio (de onde à importância da instituição do compadrio). A escravidão, reforçando o poder do proprietário rural, deu mais ênfase a estas relações. E tudo isso junto formou o nódulo duro e resistente do mandonismo local no Brasil, que fazia os homens se definirem em termos de posse em relação uns aos outros: “ – Quem é você ?” – Sou gente do Coronel Fulano”. Duas eram as razões que levavam os grandes proprietários do interior a tomarem partido diante de problemas políticos: em primeiro lugar, seus interesses particulares; em segundo lugar, suas ligações de família e suas amizades, essa espécie de solidariedade tribal que ligava entre si largas cópias de grupinhos pelo interior brasileiro. Desde que a questão não tocava em suas posses, no que era ou no que esperava que fosse seu, o grande proprietário rural votava de acordo com as ideias de sua família ou de acordo com as ideias do compadre letrado da Corte que entendia melhor das coisas da política. (QUEIROZ, 1976, p. 19)

Como descreve Queiroz, onde o atraso se confunde com o moderno,

é esse o cenário político no Maranhão no século XXI, com a política tendo o

munícipio como núcleo de desenvolvimento. A importância do poder municipal

se manteve durante o Império, e perdura até hoje tal concepção, logo, no

município é que os coronéis se mantêm vivos e atuantes (QUEIROZ, 1976).

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Para Florestan Fernandes (2008):

[...] A destruição de estamentos e de grupos sociais privilegiados constitui o primeiro requisito estrutural e dinâmico da constituição de uma sociedade nacional. Aonde essa condição histórica não chega ou não pode concretizar-se historicamente, também não surge uma ação e, muito menos, uma nação que possa apoiar-se num “querer coletivo” para determinar, por seus próprios meios, sua posição e grau de autonomia entre as demais sociedades nacionais do mesmo círculo civilizatório. Sob esse aspecto, a democratização da renda, do prestígio social e do poder pode dar origem e lastro a um “querer coletivo” fundado em um consenso democrático, isto é, capaz de alimentar imagens do “destino nacional” que possam ser aceitas e defendidas por todos, por possuírem o mesmo significado e a mesma importância para todos [...]. (FERNANDES, 2008, p. 156)

A descrição do sociólogo é o que ainda não se observa no Estado do

Maranhão contemporâneo. A concepção oligárquica perdura, apesar de ter

havido alguns momentos de alternância13. Observa-se a força patrimonialista,

ao se verificar muitos prédios e logradouros públicos exibindo o nome de

Sarney e seus familiares (parentes com forte influência e poder político no

Estado), permeado por uma espécie de relações de culto ao personalismo ou

redes de relações. E exemplos não faltam que ilustram essa situação, seja em

fóruns de justiça, maternidade, hospitais, escolas, pontes, ruas, avenidas,

bairros, municípios, posto de táxi, rodoviárias, tribunal de contas, violando

assim os princípios da administração pública, já consignados na Constituição

Federal de 198814.

Domingos Dutra15 fez críticas em vários dos seus discursos, quando

da sua atuação parlamentar como deputado federal e estadual do Maranhão, a

13

No período de períodos democráticos e de períodos ditatoriais, segundo Décio Saes (Estudos Avançados n.º15, 2001): democracia “oligárquica” entre 1894-1930; período de transição, entre 1930 e 1937; ditatura estadonovista, de 1937 a 1945; democracia nacional-populista, de 1946 a 12964; ditatura militar, de 1964-1984; novo regime democrático-constitucional, a partir de 1988. 14

No art. 37 (CF/1998): “O Estado democrático de direito: na administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios terá que obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. 15

Entrevista concedida, no dia 01 de março de 2017, na sua residência em Paço do Lumiar (MA). Advogado, ex-presidente do PT-MA, ex-Dep. Estadual e Federal pelo PT. É prefeito do município de Paço do Lumiar, filiado no PCdoB.

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municípios maranhenses que aparecem com nomes de figuras proeminentes

da política regional (e vivas): ex-presidente, ex-governador, senador, como, por

exemplo, os municípios Barão de Grajaú, munícipio Presidente Sarney,

Senador La Roque, Senador Alexandre Costa, Governador Edison Lobão,

Governador Luiz Rocha, ou mesmo de algum coronel ou família da elite do

lugar, como os municípios Santo Antônio do Lopes e Doca dos Bezerras. E há

ainda os nomes dos prédios públicos, como o Fórum de Justiça

Desembargador Sarney Costa, o nome do pai de José Sarney, ou mesmo o

prédio do Tribunal de Contas do Estado que fora inaugurado com o nome de

Roseana Sarney, mas que, por meio de uma ação judicial foi retirado. Apesar

do recurso há toda uma simbologia modernizante, mas com uma nítida relação

com o coronelismo patrimonial.

1.1 Formação periférica e dependente

Assim como o Brasil, o Maranhão também teve a sua formação

social originada no período colonial com o legado da escravidão. Na análise de

Prado (2011), o Brasil contemporâneo se define assim: “o passado colonial que

balanceia e se encerra com o século XVIII, com as transformações que

sucederam no decorrer do século XIX”. Naquele passado, constituíram-se os

fundamentos da nacionalidade, povoou-se um território semideserto,

organizou-se nele uma vida humana diferente da dos indígenas, como também,

embora em menor escala, da dos portugueses que empreenderam a ocupação

do território e criou-se no plano das realizações humanas algo de novo.

Este “algo de novo” não é uma expressão abstrata; concretiza-se em

todos os elementos que constituem um organismo social completo e distinto:

uma população bem diferenciada e caracterizada, até etnicamente, que habita

determinados territórios; uma estrutura material particular, constituída na base

de elementos próprios; uma organização social definida por relações

específicas; finalmente, até uma consciência, mais precisamente de certa

“atitude” mental coletiva particular. É por isso que, para compreender o Brasil

contemporâneo, é preciso ir mais longe, colhendo dados indispensáveis para

interpretar e compreender o cenário na atualidade, como Caio Prado chama

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atenção.

No terreno econômico, por exemplo, pode-se dizer que o trabalho

livre não se organizou ainda inteiramente em todo país. No Maranhão, o

trabalho escravo contemporâneo continua sendo uma realidade presente.

Ainda Prado (2011), em Formação do Brasil Contemporâneo:

[...] Há apenas, em muitas partes desse processo de ajustamento em pleno vigor, um esforço mais ou menos bem-sucedido naquela direção, mas que conserva traços bastante vivos do regime escravista que precedeu. O mesmo poderíamos dizer do caráter fundamental da nossa economia, isto é, da produção extensiva para mercados do exterior, e da correlata falta de um largo mercado interno solidamente alicerçado e organizado. Onde há subordinação da economia brasileira a outras estranhas a elas; subordinação, aliás, que se verifica também em outros setores. Numa palavra, não completamos ainda hoje a nossa evolução colonial para a nacional. No terreno social, a mesma coisa. Salvo em alguns setores do país, ainda conservam nossas relações sociais, em particular as de classes, um acentuado cunho colonial. Entre outros casos, essas diferenças profundas que cindem população rural entre nós em categorias largamente díspares; disparidade, que não é apenas no nível material de vida, inteiramente desproporcionada, mas, sobretudo, no estatuto moral respectivo de umas e outras e que nos projeta inteiramente para o passado. Os depoimentos dos viajantes estrangeiros que nos visitaram em princípio do século XIX são frequentemente de flagrante atualidade. Neste, como, aliás, em outros setores de igual relevo. Quem percorre o Brasil de hoje fica muitas vezes surpreendido com aspectos que se imagina existirem nos nossos dias unicamente em livros de história; e se atentar um pouco para eles, verá que traduzem fatos profundos e não são apenas reminiscências anacrônicas [...] (PRADO, 2011, p.9).

O Estado do Maranhão, na condição de colônia de Portugal, e

depois de província, vai trilhar o mesmo caminho do cenário nacional descrito

por Caio Prado. Todavia, com algumas diferenças marcantes: é o último a

aderir à independência, que teve seu grito oficial no dia 7 de setembro de 1822,

mas a adesão do Maranhão somente ocorreu no dia 28 de julho de 1823,

assim como a abolição da escravidão aconteceu tardiamente. Para alguns

historiadores, a resistência ocorreu por força das elites agrícolas e pecuaristas,

fortemente conectadas à metrópole e ela resistiu quanto pôde abolir a

escravidão negra.

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[...] O Maranhão, que, durante 200 anos, foi um dos estados brasileiros que mais importaram negros africanos para o trabalho escravo. O Maranhão que, ao longo do período colonial, possuía uma população majoritariamente negra, empenhada em serviços domésticos e nas plantações de algodão, cana-de-açúcar e arroz. O Maranhão que, com a incrementação da lavoura por meio da mão-de-obra negra, tornou-se um dos mais importantes centros econômicos do Brasil, nos séculos XVII e XIX. O Maranhão que, ainda hoje, possui uma das numerosas populações negras do país [...]. A escravidão pariu no Maranhão uma elite política que se nutriu não só de muito dinheiro, mas de poder suficiente para interferir na vida política nacional [...]. (SANTOS NETO, 2004, p. 31-32)16

A narrativa de Manoel dos Santos Neto (2004) não difere muito da

de Padro Jr., quando passa a analisar o negro no Maranhão: “o legado da

colônia, e o mal que a escravidão causou aos negros, e a nossa formação

social”, que patina entre o arcaico e o moderno. É como se a história se

repetisse, só que agora como farsa.

O Maranhão também retardou a sua proclamação da República,

formalizada somente no dia 18 de novembro de 1889, portanto três dias após o

marechal Deodoro formalizar oficialmente, no estado do Rio de Janeiro, a

Proclamação da República do Brasil. Então, esses fatores ajudam a explicar a

presença duradoura da condição de dependência da maioria da população

rural com os proprietários de grandes domínios de terra, traço que marca

profundamente a história do século XX (GARCIA JR., 2002, p. 4).

Um pequeno extrato da narrativa histórica de Jerônimo de Viveiros

(2014):

[...] Já escrevemos alhures que, entre a primeira notícia da Proclamação da República, aqui chegada, através de um telegrama, expedido do Rio de Janeiro, na manhã de 15 de novembro, pelo Doutor Graco Vale, recebido por Paulo Duarte, chefe do Clube Republicano maranhense, na madrugada de 16, o ato da nossa adesão ao novo regime, medearam três dias [...]. Como quer que seja, o fato é que só aderimos ao

16

Ver O Negro no Maranhão, de Manoel dos Santos Neto (2004). Há 130 anos princesa Isabel assinava a Lei nº 3.353, conhecida como Lei Áurea, que libertou os escravos negros no Brasil. A Lei possuía apenas dois artigos: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil” e “Revogam-se as disposições em contrário”.

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novo regime às 21 horas do dia 18 de novembro, quando a junta do Governo Provisório tomou posse da administração da Província [...]. (VIVEIROS, 2014, p. 146).

E, na contemporaneidade, ainda vigora o traço do autoritarismo em

regiões periféricas e dependentes. Com muita propriedade é o que afirma

Otávio Velho (2009):

[...] A visão mais usual da criação de uma sociedade capitalista supõe, esquematicamente, a formação, no interior da sociedade feudal, de uma burguesia a qual, num determinado momento ou período do seu desenvolvimento, insurge-se contra o antigo regime e estabelece o seu domínio político sob os postulados da democracia liberal. Todavia é fácil perceber que, de fato, muitos foram os casos de desenvolvimento capitalista que, em grau maior ou menor, desviaram-se significativamente desse esquema. Não poucos sequer chegaram a conhecer uma revolução burguesa [...]. Assim, a existência ou não de uma revolução burguesa pode, para os nossos propósitos, ser um indicador do limiar da “mudança qualitativa [...]. (VELHO, 2009, p. 26)

O desenvolvimento capitalista em região de periferia sempre

assumiu uma característica muito peculiar, da colônia à república. Assim como

na ditatura, em qualquer regime sempre houve uma vertente autoritária. Mas

Velho (2009) afirma que, quando se usar esse esquema analítico, sempre deve

ser respeitada a especificidade de cada caso e sua relação com o geral, visto

que o que interessa rigorosamente é a relação específica entre os elementos

em cada caso. Contudo pode-se aplicar muito bem ao Maranhão. Continua

Velho (2009):

[...] Em nossos termos, diríamos, então, que, contrariamente à visão geral baseada no estudo do capitalismo burguês, no caso do capitalismo autoritário, onde quer que preexista uma base camponesa, ela não é destruída pelo desenvolvimento capitalista (a não ser em parte), mas é mantida como uma forma subordinada de produção e a acumulação primitiva prossegue as sua custa. Isso parece se dever ao fato de que o capitalismo autoritário não é capaz de levar adiante uma homogeneização estrutural completa no interior da formação nacional. É por isso que, como afirmamos antes, para o capitalismo autoritário a chamada “fase” de acumulação capitalista primitiva – baseada na exploração de formas não capitalistas de produção – e a acumulação propriamente capitalista tendem a se combinar. Isso certamente tem muitas causas. (VELHO, 2009, p. 114-115).

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Schwartzman (2015) descreve que o entendimento adequado dessa

tradição autoritária, especialmente quando se identifica uma dada democracia

sem participação, cujas bases se erguem na própria formação inicial do Brasil,

primeiro, como colônia portuguesa que evolui e se transforma ao longo da

nossa história, não constitui um traço inerente e insuperável de nossa

nacionalidade, mas é certamente um limite em relação a nosso presente e

futuro. Em seu livro Bases do autoritarismo brasileiro está focado em uma

reanálise do estado de São Paulo e do Estado nacional. E nesse sentido, faz-

se uma dada comparação com o estado do Maranhão e sua dependência com

o Estado central:

[...] Poucos se surpreendem hoje com a afirmação de que o Brasil é um país de longa tradição autoritária. No entanto, o entendimento adequado dessa tradição, cuja origem se prende aos padrões de relacionamento havido entre o Estado e a sociedade brasileira, que só começou a ser buscado de forma mais sistemática nos últimos 15 anos, em parte pelo traumatismo causado pelas experiências autoritárias mais recentes, e em partes também pela abertura de novos horizontes intelectuais e analíticos entre os estudiosos da realidade social e política do país [...]. (SCHWARTZMAN, 2015, p. 39)

Nesse sentido, o Maranhão se insere nessa análise por sua

condição de uma sociedade escravista tardia, periférica e autoritária. De acordo

com a historiografia, é no final do século XVIII que se desenvolveu mais

fortemente uma escravidão agrícola na região, ainda que, desde o século

anterior, escravos africanos tivessem sido utilizados como mão de obra. Esse

pode ser um dos fatores que explica o fato do estado maranhense figurar

sempre em último em quase todos os indicadores. A raiz disso parece estar na

tradição do seu legado histórico: território periférico em função da sua condição

socioeconômica dependente, subdesenvolvida e oligárquica.

Celso Furtado (2007) defendeu:

[...] “Desde os primórdios, constituiu-se, no Maranhão, um sistema econômico não autônomo, incapaz de gerar internamente impulsos de crescimento com base nos excedentes gerados na Colônia”. No entanto, em Dialética do desenvolvimento, argumentava que havia até 1930, um sistema político semifeudal no país, chamando a atenção para a necessidade de distinguir a esfera econômica da esfera

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politica, pois, se na primeira não havia sequer resquícios de uma estrutura feudal, na segunda, era evidente a existência de relações de pessoalidade e de dependência, que serviam como sustentáculo de um padrão de domínio semelhante ao padrão de domínio vigente no feudalismo. (FURTADO, 2007, p. 53).

O Maranhão figura como um estado periférico por sua profunda

dependência às regiões mais desenvolvidas do país e sua condição

socioeconômica extremamente desigual. E tal condição implica o

desenvolvimento de uma política com menos autonomia. O desmantelamento

desse sistema de poder que se escorava num tipo de mando arcaico ter-se-ia

dado, a partir de 1930, em razão da intensificação do desenvolvimento

industrial e da agudização das tensões sociais que colocavam em xeque um

dado sistema político oligárquico, possuidor ainda de uma margem de ação

significativa, por meio de mecanismos de refutação das pressões das novas

forças políticas que ganharam espaço a partir do processo de industrialização e

de urbanização. Tais forças políticas eram "tolhidas por um marco institucional

que assegurava o controle de parcela substancial do poder aos grupos

representativos da velha estrutura" (FURTADO, 1964, p.10).

E Francisco de Oliveira (1981) descreve seu conceito de região:

Não se desconhecem as dificuldades para precisar o conceito de região; logo a região pode ser pensada praticamente sob qualquer ângulo das diferenciações econômicas, sociais, políticas, culturais, antropológicas, geográficas, históricas. A mais enraizada das tradições conceituais de região é, sem nenhuma dúvida, a geográfica no sentido amplo, que surge de uma síntese inclusive da formação socioeconômico-histórica baseada num certo espaço característico. (OLIVEIRA, 1981, p. 27)

O autor vai privilegiar um conceito de região que se fundamenta na

especificidade da reprodução do capital, nas formas que o processo de

acumulação assume, na estrutura de classes e também na luta de classes e do

conflito social em escala mais geral. Desse ponto de vista, de acordo com

Francisco Oliveira, podem existir “regiões” em determinado espaço nacional,

tanto mais determinadas quando sejam diferenciados os processos

assinalados. E, no limite, conforme já se sugeriu anteriormente, num sistema

econômico de base capitalista existe uma tendência para a completa

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homogeneização da reprodução do capital e de suas formas, sob a égide do

processo de concentração e centralização do capital, que acabaria por fazer

desaparecerem as “regiões”, no sentido proposto por esta investigação.

Tal tendência quase nunca chega a materializar-se de forma

completa, pelo próprio fato de que o sistema de reprodução do capital é, por

definição, desigual e combinado. Em alguns espaços econômicos do mundo

capitalista ― talvez a economia norte-americana seja o exemplo mais completo

— é inegável o grau de homogeneização propiciado pela concentração e

centralização do capital, borrando quase por inteiro as diferenças entre os

vários segmentos do território nacional norte americano.

Ainda Oliveira (1981):

[...] é óbvio que essa homogeneização exacerbada ocorreu no caso norte-americano precisamente por ser o país líder da economia capitalista mundial: a face interna do imperialismo é essa incoercível tendência à homogeneização do espaço econômico, enquanto sua face externa, na maioria das vezes, não apenas aproveita as diferenças regionais reais, como as cria para seu próprio proveito. E tratando-se de espaços econômicos que nasceram ou foram inseridos na divisão internacional do trabalho do capitalismo mercantil como reservas e produtores de acumulação primitiva que, posteriormente, continuariam subjugadas à divisão internacional do trabalho do capitalismo imperialista, a existência de “regiões”, no sentido aqui considerado, é de uma evidência histórica irrefutável. Tais regiões assim se constituíram ligadas ao comércio internacional de mercadorias, sendo essa sua lei de reprodução ao nível mais geral, mas, ao mesmo tempo et pour cause, mantendo ou criando formas de reprodução do valor bastante diferenciadas; o caso mais extremado é o das “regiões” “enclaves”, cujo grau de articulação entre si era ou foi débil, que permitiu às potências imperialistas a criação da multidão de pequenos países hoje independentes. Assim, pois, parece ser que a proposição de “região” que aqui se faz lhes é especialmente adequada, por dar conta do modo próprio específico de sua reprodução no conceito da divisão internacional do trabalho [...]. (OLIVEIRA, 1981, p. 28)

Essa dupla face do imperialismo, e principalmente de suas relações

com as “regiões” discorridas por Oliveira (1981), não tem o significado que a

teorização sobre o Terceiro Mundo confere às relações centro-periferia. É certo

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que, na etapa do capitalismo mercantil, a criação das colônias deu lugar ao

posterior surgimento das nações; mas a diferença significativa entre as formas

de expansão internacional do capital no período colonial e no período

imperialista é, precisamente, o fato de que, no período imperialista, sob as

determinações da própria reprodução do capital, essas classes dominantes

locais são absolutamente necessárias para a “nacionalização” do capital, sem o

que o capital internacional não existiria senão como abstração.

Assim, a teorização terceiro-mundista mais corrente não dá conta

dessa dimensão da “heterogeneidade” externa do imperialismo; a oposição

entre nações mais desenvolvidas e menos desenvolvidas, no contexto do

sistema capitalista em escala internacional, que é o núcleo da teorização

terceiro-mundista, deveria, para ser correta, demonstrar que persistem conflitos

de interesses entre imperialismo e as classes sociais dominantes locais,

conflitos cuja raiz deve ser buscada nas formas de reprodução do capital. No

atual estado da divisão internacional do trabalho do capitalismo, a possibilidade

desses conflitos resultarem antagônicos é cada vez mais reduzida.

A recuperação possível da noção de conflito entre nações no

sistema capitalista somente pode ser viável quando se incorporam os

interesses populares como se opondo à coalizão imperialismo-classes

dominantes locais, e, portanto, passar a reconhecer construída pelas classes

populares, e seu vir-a-ser é o socialismo.

Segundo Oliveira (1981, p. 29), uma “região” seria, em suma, o

espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do

capital, e, por consequência, uma forma especial da luta de classes, em que o

econômico e o político se fundem e assumem uma forma especial de aparecer

no produto social e nos pressupostos da reposição. E o que preside o processo

de constituição das “regiões” é o modo de produção capitalista, e, dentro dele,

as “regiões” são apenas espaços socioeconômicos a onde uma das formas do

capital se sobrepõe às demais, homogeneizando a “região” exatamente pela

sua predominância e pela consequente constituição de classes sociais cuja

hierarquia e poder são determinados pelo lugar e pela forma em que são

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personas do capital e de sua contradição básica.

Talvez, a elaboração mais cuidadosa do conceito de “região” que se

queria introduzir seja a da dimensão política, isto é, de como o controle de

certas classes dominantes “fecha” a região. Essa dimensão política não é uma

instância separada da econômica; pelo contrário, é ou será a imbricação das

duas instâncias da qual poderá surgir o mais completo conceito que aqui se

propõe, pelo menos na tradição teórica do marxismo. O “fechamento” de uma

região pelas suas classes dominantes requer, exige e somente se dá, portanto,

enquanto essas classes dominantes conseguem reproduzir a relação social de

dominação, ou, mais claramente, as relações de produção. E nessa

reprodução, obstaculizam e bloqueiam a penetração de formas diferenciadas

de geração do valor e de novas relações de produção. A “abertura” da região e

a consequente “integração” nacional, no longo caminho até a dissolução

completa das regiões, ocorrem quando a relação social entre as classes

dominantes não pode mais ser reproduzida, e, por essa impossibilidade,

percola a perda de hegemonia das classes dominantes locais e sua

substituição por outras, de caráter nacional e internacional (OLIVEIRA, 1981).

Esses fatores ajudam a explicar a condição duradoura da

dependência do estado do Maranhão, assim como da maioria da sua

população ainda rural. Apesar de muitos destes agora viverem no urbano, na

cidade (SANTOS, 2010), suas características de vida ainda são vinculadas

com uma identidade rural, em relação ao Estado nacional e aos proprietários

de grandes domínios de terra, o que marca profundamente a história do séc.

XX.

Conforme a análise de Garcia Jr. (2002, p. 43), o legado da

escravidão em países como o Brasil (ou de formas de subordinação

acorrentada por instituições como a encomienda no mundo hispânico) é

responsável pela presença duradoura da dependência pessoal da maioria da

população rural pela relação com os proprietários de grandes domínios de

terra, traço que marca profundamente a história do século XX.

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O entrevistado Luís Antônio Pedrosa17 interpreta a condição

maranhense:

[...], nós herdamos não só uma peculiaridade importante, resultante do processo de colonização, que já nos destaca no cenário nacional, primeiro, por esse ser um estado profundamente marcado pelas colônias escravistas, formação social escravista muito impregnada na nossa tessitura social, vivenciamos um processo de desenvolvimento profundamente dependente do processo de colonização na área agrária, no mundo agrário. Então, nós temos um componente cultural, étnico que também nos demarca como norte e como nordeste, e também nós tivemos, vamos dizer assim, um período escravista muito forte, que somente entrou em decadência no começo do século, de 1800 [...] Com a crise do algodão e da cana-de-açúcar, nos preços do mercado internacional, essa foi à decadência da lavoura, isso de alguma forma marcou profundamente o desenvolvimento econômico do Maranhão, porque, a partir daí, o Estado passa não se reencontrar mais, ele não conseguiu fazer a transição que alguns estados do sul e sudeste fizeram para o processo de urbanização industrial. Nós continuamos com uma grande porcentagem dos maranhenses vivendo no campo. Até praticamente a década de 1970, 90% da população maranhense vivia no campo [...] essa população profundamente marcada por um competente cultural herdado do escravismo ou do indigenismo, nós tivemos também um processo de escravidão indígena muito forte, logo no período anterior à institucionalização da escravidão negra. Então, nós fomos marcados por esses dois fatores; forma de pensar, forma de nos organizar, forma de conceber domínio, o silêncio, a suposta postura passiva do maranhense, tem muita a ver com a postura indígena, de negação do domínio pelo silêncio, por exemplo, nós temos um componente muito forte, e que nos condiciona inclusive na área urbana, porque boa parte de quem vive na zona urbana tem raízes rurais no interior do estado, e não conseguiu transcender, e nem quer transcender a essas raízes, pelo contrário, enfatizam essas raízes como fator determinante de sua identidade. Ao mesmo tempo, que nós estamos profundamente ligados a essa identidade, agrária, nós somos profundamente também marcados pelo racismo, que é um movimento de negação dessa identidade, é muito contraditório na construção dessa identidade [...].

Muitas dessas características apontadas ainda persistem em demais

regiões tradicionais, como são considerados os estados do Nordeste: Bahia,

Pernambuco, Ceará, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Alagoas,

17

Entrevista concedida, no dia 9 de janeiro de 2017. Realizada na Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH), em São Luís (MA). É advogado, foi Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA por três mandatos consecutivos, militante da Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH).

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por apresentarem semelhanças nas suas condições de estados periféricos e

dependentes. Os modelos de concepções consagradas pela literatura

sociológica e histórica, da década de 30, indicam o caráter essencial dos

padrões sociais herdados do universo colonial e escravagista, que se

impunham com o crescimento da urbanização e a aceleração do processo de

industrialização do país, o que foi bem analisado por Pedrosa.

No final do século XX (1960-80), no Brasil, é nas cidades que se

concentra o maior contingente da população. A segunda metade do século vai

conhecer um movimento contínuo de deslocamento das residências do campo

para as cidades. Em 1980, 70% dos contingentes se situam no polo urbano e

em 2000, apenas 22% residem no espaço rural. O centro dinâmico da

economia, com a industrialização acelerada entre 1930 e 1980 (assim como os

poderes sociais, cultural e político) vai se localizar nas grandes metrópoles com

a reestruturação do Estado nacional e a ampliação das suas áreas de

intervenção, com a criação de universidades e a reorganização do sistema de

ensino em bases nacionais e com o surgimento de partidos políticos e

movimentos associativos em escala especificamente nacional. As formas de

sociabilidade características do mundo rural se encontram crescentemente

referidas a estilos de vida, concepções do mundo, processos decisórios e

modalidades de trabalho que se elaboram e se modificam além dos seus

horizontes.

O conceito de estado periférico, na perspectiva descrita por João

Manuel Cardoso de Mello (1991), “está assentado na ideia de desenvolvimento

desigual da economia mundial”. É esse o sentido em relação à periferia que se

utiliza na presente pesquisa – um conceito mais socioeconômico. De acordo

com Mello (1991):

[...] O desenvolvimento econômico dos países periféricos é uma etapa a mais do fenômeno de propagação universal das novas formas técnicas18, ou, se quisermos, do processo de desenvolvimento orgânico da economia mundial. A propagação universal do progresso técnico dos originários ao resto do

18

Ver Milton Santos quando explicitou esse tema no seu Livro: Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal (2000), quando aponta “o poder da técnica, da informação e do dinheiro, e este em sua espécie pura.

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mundo foi relativamente lenta e irregular, se tomarmos o ponto de vista da cada geração [...]. Dentro dessa periferia, o progresso técnico só atinge exíguos setores de sua ingente população, pois, geralmente, não penetra senão onde se faz necessário para produzir alimentos e matérias-primas a baixo custo, com destino aos grandes centros industriais. A propagação desigual do progresso técnico (que é visto como a essência do desenvolvimento econômico) se traduz, portanto, na conformação de uma determinada estrutura da economia mundial, de certa divisão internacional do trabalho: de um lado, o centro, que compreende o conjunto das economias industrializadas, estruturas produtivas diversificadas e tecnicamente homogêneas; de outro, a periferia, integrada por economias exportadoras de produtos primários, alimentos de matérias-primas, aos países centrais, estruturas produtivas altamente especializadas e duais [...]. (MELLO, 1991, p. 13-14)

Além da ideia de periferia associada a aspecto socioeconômico, que

é a abordagem desta tese, trazem-se, também, aspectos relacionados à

questão da assimetria étnico-racial, presente na periferia maranhense. Todavia,

com a categoria periferia procurar-se-á identificar o conceito mais clássico, que

é utilizado no pensamento crítico brasileiro. Pode-se inferir, então, que a noção

de periferia é uma construção social, e relaciona-se o conceito de periferia no

sentido de caracterizar a condição de dependência e subdesenvolvimento, com

a persistência do atraso, e, portanto, com foco no seu aspecto mais econômico

e da sociologia política, identificando o grau de desigualdade acentuado no

estado (analfabetismo/educação de baixa qualidade, pobreza/trabalho/renda,

violência/insegurança, discriminação étnico-racial), impedindo assim uma dada

democracia com maior intensidade.

A maioria dos países considerados periféricos latino-americanos e

da África do Sul está localizada abaixo da linha do equador. O desenvolvimento

econômico e social é limitado e apresenta alto grau de desigualdades sociais e

um elevado nível de pobreza e de miséria. Antes, a expressão muito usual era

“terceiro mundo” para se referir ao grupo de países hoje tidos como

subdesenvolvidos, uma vez que o “primeiro mundo” seria os países

desenvolvidos capitalistas (América do Norte, Europa, parte do Oriente). E

neste caso, o Maranhão, enquadra-se na condição de estado periférico e

dependente do centro, mais por sua condição socioeconômica que por

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localização geográfica, em comparação ao que se convencionou chamar de

mundo desenvolvido.

Nesse sentido, o enfoque de periferia é marcado muito pelo aspecto

econômico, pela precariedade e pela falta de assistência e de recursos [renda],

como muito bem explicitou Melo (1991), do que pela questão espacial.

O Maranhão tem uma posição estratégica, território de uma pujante

exploração do capital transnacional (BARBOSA, 2006); quando observa-se a

instalação de grandes empreendimentos, como Porto do Itaqui, Centro de

Lançamento de Foguetes de Alcântara (CLA, em processo de cessão aos

EUA), Empresa Alumar de Alumínio, o Projeto Carajás com a Vale S.A, a Usina

Hidrelétrica de Estreito, expansão da soja na região do baixo Parnaíba, com

enfrentamento pela agricultura familiar, a promessa da Refinaria Premium I19,

no município de Bacabeira (promessa do governo Lula), UTE Itaqui (Usina

Termoelétrica a carvão com capacidade instalada de 360 MW) e o primeiro

projeto da MPX (Empresa de energia do ex-bilionário empresário Eike Batista)

construída no município de São Luís (MA). Esses são alguns exemplos do

parque industrial maranhense incipiente e de enclave, com certa inserção,

mesmo que periférica, no capitalismo transnacional.

No ensaio sobre Dependência e Desenvolvimento, posicionou-se

Fernando Henrique Cardoso (aqui o pesquisador, não o político) e Enzo Falleto

(2011, p. 37): “[...] com relação aos países desenvolvidos, pois a especificidade

histórica da situação de subdesenvolvimento nasce precisamente da relação

entre sociedades periféricas e centrais”. Para eles, é preciso, pois, redefinir “a

situação de subdesenvolvimento”, levando em consideração seu significado

histórico particular, pondo em dúvida os enfoques que apresentam como um

possível “modelo” de ordenação das variáveis econômicas e sociais. O

conceito de “sem desenvolvimento” é distinto de “subdesenvolvimento”, pois

19

Prometido como obra do PAC à construção da Refinaria Premium I, anunciado, em 10 de dezembro 2009, pelo governo federal em parceria com o estadual. De acordo com investigação feita por esse pesquisador, passados mais de oito anos do lançamento da “pedra fundamental”, o projeto não saiu do papel. (Ver: Guimarães, Jornal do Brasil, 21/08/2012).

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alude historicamente à situação das economias e povos ― cada vez mais

escassos ― que não mantêm relações de mercado com países

industrializados.

A situação de subdesenvolvimento produziu-se historicamente

quando a expansão do capitalismo comercial e depois do capitalismo industrial

vinculou ao mesmo mercado economias que, além de apresentar graus

variados de diferenciação do sistema produtivo, passaram a ocupar posições

distintas na estrutura global do sistema capitalista. Entretanto o conceito de

subdesenvolvimento, tal como é usualmente empregado, refere-se mais à

estrutura de um tipo de sistema econômico, com predomínio do setor primário

forte, concentração da renda, pouca diferenciação do sistema produtivo e,

sobretudo, predomínio do mercado externo sobre o interno. Por esse conceito

de subdesenvolvimento, há uma inter-relação com a ideia de periferia. Desse

modo, tal enfoque implica reconhecer que, no plano político-social, existe

algum tipo de dependência nas situações de subdesenvolvimento e que essa

dependência teve início historicamente com a expansão das economias dos

países capitalistas originários. A dependência da situação de

subdesenvolvimento implica socialmente uma forma de dominação que se

manifesta por uma série de características no modo de atuação e na orientação

dos grupos que, no sistema econômico, aparecem como produtores ou

consumidores. Essa situação supõe, nos casos extremos, que as decisões que

afetam a produção ou o consumo de uma determinada economia são tomadas

em função da dinâmica e dos interesses das economias desenvolvidas. As

economias baseadas em enclaves coloniais constituem o exemplo típico dessa

situação extrema. Em face da argumentação apresentada, o esquema de

“economias centrais” e “economias periféricas” parece mais rico de significação

social que o esquema de economias desenvolvidas e economias

subdesenvolvidas (CARDOSO; FALETTO, 2011).

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1.1.1 Maranhão: uma região periférica de um país semiperiférico

O processo de desenvolvimento do Maranhão foi de uma lentidão

maior que em outros estados do Nordeste. Segundo Flávio Reis (2016):20

A modernização que tivemos foi uma modernização oligárquica (assim como nos demais estados da região nordeste), que veio na esteira da ditadura militar por meio de José Sarney, justamente quem manteria os alicerces de um modo oligárquico de gerir o Estado dependente ao poder central a que ele tinha acesso de poder privilegiado. De qualquer forma, as transformações ocorridas na sociedade brasileira, principalmente a partir dos anos 80, com o fim da ditadura militar, acarretaram modificações no campo da afirmação de direitos individuais e coletivos que ferem as características de uma sociedade tipicamente oligárquica, ainda que não sejamos propriamente uma democracia. (REIS, 2016, p. 78)

O Maranhão já viveu um passado glorioso, datado de 1856 (séc.

XIX), com a economia da lavoura (arroz e algodão) para exportação e que ficou

conhecida como a idade de ouro, mas que depois veio à decadência da

lavoura, que tem como característica central “falta de braços”:

A idade de ouro da lavoura dessa província data do estabelecimento da Companhia de Comércio do Estado do Grão-Pará e Maranhão, cujos estatutos aprovados pelo alvará de 7 de junho de 1755; até essa época as produções da capitania de São Luís eram insignificantes, e nenhum o seu comércio. Além do arroz vermelho, chamado arroz terra, mandioca, milho e café, os seus moradores nada mais cultivavam, a não ser em pequena escala, o algodão que fiavam e reduziam a novelos e a rolos de pano; o que constituía a moeda na capitania (ALMEIDA; WAGNER, 2008, p. 68).

Nesse sentido, o Maranhão está incrustado numa região que é

também periférica. Para Oliveira (1981):

A própria consciência ou reconhecimento da “região” Nordeste tem sofrido mutações importantes no curso histórico e social nacional. É possível constatar, sem recuar muito no tempo, que o Nordeste como “região”, tanto no sentido aqui proposto quando no sentido mais corrente da literatura, na opinião pública e nas políticas e nos programas governamentais,

20

Entrevista para a tese. Enviada por e-mail: no dia 24 de maio de 2016. Professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Cientista político.

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somente é reconhecível a partir de meados do século XIX, e, sobretudo, no século XX. Há, pois, na história regional e nacional, vários “nordestes”. (OLIVEIRA, 1981, p. 32)

Ainda conforme Oliveira (1981), no período colonial a região Nordeste

estava restrita a área hoje dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande

do Norte e Alagoas e era reconhecida como o lócus da produção açucareira.

Enquanto que nos espaços hoje que correspondem ao Ceará e Piauí

desenvolviam atividades sem muita expressão. O estado maranhense era um

caso diferente, pois se ligou ao capitalismo mercantil de formas diversas

daquelas que regulavam a produção da riqueza dos espaços mais ao leste.

Onde atualmente são a Bahia e Sergipe não eram considerados como

“Nordeste”, embora predominasse também a atividade de produção do açúcar

determinada, como nos estados mais ao norte, pelas suas relações com o

capitalismo mercantil europeu.

Nas áreas de produção açucareira de Pernambuco, Paraíba, Alagoas

e Rio Grande do Norte, a classe proprietária vinculada a essa atividade era

praticamente a mesma, principalmente porque sua reprodução, enquanto

classe social, dependia de sua hegemonia sobre a totalidade daquelas áreas.

Essa realidade estava simbolizada no dito popular que dizia, por exemplo,

que ”quem não era Cavalcanti era cavalgado”, expressão cujas classes

dominadas se reconheciam nas dominantes. O que demonstra a ideia de

coronelismo e a força dos nomes das famílias.

O Maranhão foi uma área ocupada tardiamente no conjunto da região

Nordeste, considerado porta de entrada da Amazônia, e não era identificada

como nordestina, tornando-se um espaço de transição. Teve um marco

importante de integração aos quadros do sistema de exportação colonial

apenas na segunda metade do século XVIII, quando conheceu um rápido boom

econômico que durou até o fim de 192021.

Conforme dados do IBGE (2010), o Nordeste é a segunda região

21

Flávio Reis. Em entrevista para a tese em 2016.

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mais populosa do Brasil, totalizando 53.081.950 habitantes, o que corresponde

a 28% da população brasileira, menor apenas que a população do Sudeste

com 80.364.410 habitantes. No passado, considerado como pertencente a

região Norte, atualmente na divisão geográfica do país, o Maranhão, pertence

a região Nordeste, mas ainda é área de transição para a Amazônia.

Com uma extensão territorial de 331.935,507 quilômetros quadrados, o

Maranhão é o segundo maior estado nordestino22, com 217 municípios e uma

população de 6.954.036 (IBGE, 2016) milhões de habitantes, além de possuir a

segunda maior costa litorânea brasileira, com extensão de 640 quilômetros,

desde o Delta do rio Parnaíba até a foz do rio Gurupi23.

Em entrevista para a pesquisa, Alfredo Berna Wagner de Almeida

2017)24 descreve a realidade socioeconômica do Maranhão, conforme

fragmento:

[...] Com a criação da SUDENE, em 1959, com Celso Furtado e Chico de Oliveira que participava do GTDM – Grupo de Trabalho de Desenvolvimento do Nordeste. Na concepção de Furtado, o Maranhão seria um grande celeiro da produção da pequena agricultura de base familiar. O desenvolvimento da “agricultura familiar” se dá em paralelo à “agricultura empresarial” ou ao crescimento do “complexo agroindustrial” ou “agronegócio e da propriedade do trabalho familiar. Ele logo formula a ideia de projetos de colonizações, e a colônia que nasce, e o governo do Estado a partir de 1969 a 1970, vai materializar isso em 1972, cria a COMAR, e o INCRA já tinha sido criado desde o final dos anos 1950, o P.A (Projeto de Assentamento) do município de Barra do Corda (MA). Então, o Maranhão era pensado como um celeiro de produção agrícola, que, por um lado, era uma válvula de escape às relações de produções arcaicas do campo nordestino, e ele respondia à crise da plantation25 [...].

22

O Estado da Bahia é o primeiro em extensão territorial: 564.830,859 km². 23

Bandeira Tribuzzi chegou até desenvolver uma tese sobre a economia dos grandes rios. O que sustentou economicamente o Maranhão por um período. 24

Entrevista concedida para a tese, no dia 28 de janeiro de 2017, no Hotel Grand São Luís (antigo Hotel Vila Rica), no centro histórico de São Luís do Maranhão, com duração de 1h37. Antropólogo, com atuação na Universidade Estadual da Amazônia (UEA) e Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), com uma vasta publicação. Atualmente, é Coordenador do Projeto Nova Cartografia Social na Amazônia. 25

É um tipo de sistema agrícola baseado em uma monocultura de exportação mediante a utilização de latifúndios e mão de obra escrava. Os produtos cultivados por meio da economia de plantation no Brasil são cana-de-açúcar, café, soja etc.

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Um dado a ser considerado é que Celso Furtado não se preocupou

muito nos seus trabalhos com a ideia de classe social, havendo uma maior

preocupação com o Estado e o desenvolvimento da região Nordeste.

Se as grandes plantações de café, cana-de-açúcar, cacau, algodão

ou fazendas de gado constituem unidades fundamentais dos processos

econômicos, sociais, culturais e políticos no limiar do século XX, e deitam

frequentemente suas raízes no Brasil colonial, isto não significa de modo algum

que possam ser concebidas como “comunidades rurais isoladas” (GARCIA JR,

2002).

Assim também não é de se estranhar que, ao final do século XX,

haja disputas explícitas sobre os próprios significados a atribuir à expressão

“futuro do mundo rural”, ou ainda sobre o significado da noção de

“modernidade” para pensar as transformações do campo e, sobretudo, as

relações entre a cidade e o espaço rural. As vias de transformação das

relações sociais no campo não seguem itinerários inexoráveis; há caminhos

alternativos, como demonstra o debate recente que salienta o desenvolvimento

da “agricultura familiar” em paralelo à “agricultura empresarial” ou ao

crescimento do “complexo agroindustrial” ou do “agronegócio”. De qualquer

forma, é fundamental observar que o “mundo agrícola” hoje não é mais

pensado como um bloco coeso, como uma única corporação implantada ao

longo de um imenso território. A representação do mundo agrícola, a imagem

de unicidade que se buscava no início do século, é hoje atravessada pela

oposição dos agentes concebidos por categorias como “agricultura familiar”,

“complexo agroindustrial”, “agricultura empresarial”, “agricultura tradicional”,

demonstrando a intensidade da competição por terra, recursos financeiros,

força de trabalho e, sobretudo, pela legitimidade de se designar o futuro das

relações no mundo rural e das configurações cidade-campo.

Ainda para Almeida (2017), o Maranhão respondia à crise da

plantation, e a crise da plantation expulsava o camponês, e o Maranhão o

absorvia. Esse modelo da crise da plantation vai ser desfeito, logo a partir de

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1968 e 1969, primeiramente, com a Lei de Terra de Sarney26 de 1969, em que

ele, por assim dizer, deu início à privatização das terras públicas do Maranhão.

No caso, para Sarney, o Maranhão não era mais para a pequena produção,

mas para as concessões de terras públicas a grandes grupos industriais. Esse

processo seria completado com as obras de infraestrutura, ferrovias, etc., a

barragem de Tucuruí, que interfere diretamente no Maranhão.

No caso da perspectiva de desenvolvimento regional como se

designava no plano econômico, há uma oposição, entre o Maranhão celeiro de

produção agrícola e que era preocupado na pequena produção, e o voltado

para os grandes empreendimentos agropecuários, pensado para a produção

de carne in natura para exportação. São dois modelos que vão conflitar, o que

torna o Maranhão nos anos de 1970 como um dos estados mais conflitivos da

federação, com maior número de assassinatos, maior volume de conflitos27,

uma instabilidade permanente. Isso perpassou também no plano econômico,

pois, no plano político, os intérpretes tinham outro entendimento, segundo

Alfredo Wagner.

Em quarto lugar no ranking econômico, no final do período colonial,

o Maranhão, entre as regiões brasileiras, era antecedido somente pela Bahia,

por Pernambuco e Rio de Janeiro. Enquanto seu movimento comercial estava

por volta de 3.000 contos, o do Rio de Janeiro se elevava a 12.000 contos, e

26

Ver Asselin, V. (2009, p. 37). Grilagem: corrupção e violência em terras do Carajás: “Em outubro de 1968, o governador José Sarney criou a Delegacia de Terras em Imperatriz, nomeando delegado o Dr. Pedro Nunes de Oliveira, e procurador, o Dr. Agostinho Noleto Soares. Tinha como objetivo disciplinar a ocupação e titular as áreas transferindo o domínio público para o domínio privado. Com esse acontecimento, estourou de verdade a problemática da grilagem. Sua atuação veio posteriormente, pela Lei das Terras n.º 2.949, de 17.06.1969, que manifestava, obviamente, seu propósito de entregar o território maranhense às empresas e fazendeiros de fora, mediante a criação das sociedades anônimas. Em 1970, José Sarney renunciou a seu mandato de governador a fim cumprir prazo necessário para candidatar-se no Senado. Nessa mesma época, efetivou-se também a transferência das terras da região ao domínio federal. Surgiu então o INCRA, que ali substituiu a Delegacia de Terras, há tão pouco tempo criada [...]”. 27

Ver Lazzarin, F. (2016, p.5): “[...] O que podemos comunicar, por enquanto, é que entre o ano de 2015 e abril de 2016, registramos um total de 345 comunidades em conflitos, envolvendo mais de trinta famílias. Os dados evidenciam que se trata predominantemente de comunidades tradicionais e, entre elas, os quilombolas correspondem a cerca de um terço do total. Fazendeiros, grileiros, madeireiros, mineradoras, hidroelétricas, grandes empresas e o Estado aparecem como as categorias sociais que mais praticam violência contra o campesinato maranhense [...]”. Revista CONFLITOS NO CAMPO: Maranhão 2015-2016: povos e comunidade camponeses em conflitos. (Comissão Pastoral da Terra – CPT, 2016).

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Bahia e Pernambuco a 6.000 contos.

[...] a produção maranhense encontrou, assim, condições altamente propícias para desenvolver-se e capitalizar-se adequadamente. A pequena colônia, em cujo porto entrava um ou dois navios por ano e cujos habitantes dependiam do trabalho de algum índio escravo para sobreviver, conheceu excepcional prosperidade no fim da época colonial, recebendo em seu porto de cem a cento e cinquenta navios por ano e chegando a exportar 1 milhão de libras [...] (FURTADO, 1997, p. 97).

Em Formação Econômica do Brasil, Furtado (1997) afirmara que o

país já tinha acumulado um atraso enorme comparado a que qualquer outro

país importante da América Latina, em matéria de industrialização, citando,

como exemplo, a Argentina, que era mais avançada, não só em agricultura,

mas na indústria, portanto, tenta explicar do por que o Brasil era atrasado

dentro da América Latina, sabia que aqui muita gente era pessimista com

respeito ao país.

Citando Eugenio Gudin (ministro da Fazenda de 1954-1955 e que

representou o Brasil junto ao Fundo Monetário Internacional), que achava que

a raça era inferior, que o clima era inadequado, e outras economias da época

pensavam da mesma forma. Nesse sentido, Furtado (1998) completa: “quis

buscar uma explicação, e foi aí que comecei a perceber que a classe dirigente

brasileira era incapaz; que no Brasil faltava liderança; faltava uma política de

industrialização, faltava alguma coisa para romper essas amarras” (FURTADO,

1998, p. 62). Talvez isso possa explicar o atraso do Maranhão, com a violência

de uma intervenção ou a incapacidade de uma elite local de concorrer no

mercado internacional, mesmo com uma matéria-prima, o algodão do Nordeste

em abundância no período colônia. A classe dominante encostou-se no Estado

(Governo) capturando-o para seus negócios privados. E como a região

Nordeste tinha problemas estruturais e não teve avanços industriais, Furtado

(1998, p.63) observa em suas pesquisas que grande parte das indústrias

têxteis do Nordeste estavam fechando, como aconteceu com as indústrias de

açúcar.

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Como se viu na economia da dependência, até o império, o

Maranhão pertencia a região Norte, e não região Nordeste. A ideia de periferia

surgiu na década de 1950, também com Celso Furtado: dependência versus

periferia (é quando a região não chegou a um nível de desenvolvimento

adequado). Uma nação periférica se configura como uma nação dependente. O

Maranhão já entra na República como um estado periférico, de uma formação

política oligárquica, com ocupação dos altos cargos por magistrados, da elite,

dos coronéis, da concentração da terra.

Todavia, com foco nos temas da região Nordeste, Celso Furtado

voltou-se para entender as formas de manifestações dos atrasos políticos no

Nordeste brasileiro, comparado com o restante do país. Em A Seca e Poder

(FURTADO, 1998):

[...] Não sei dizer o que é atrasado em São Paulo. A política representa muito menos para uma região rica do que para uma região como o Nordeste, que depende bastante do governo28. A política de um estado como o Rio de Janeiro é muito autônoma, o estado é rico [...]. São Paulo nem se fala. A ação do governo federal nessas regiões mais desenvolvidas é complementar, não é essencial. Portanto a responsabilidade maior é com respeito às regiões mais pobres. Em regiões subdesenvolvidas, como Amazônia e Nordeste, a ação do governo é fundamental, porque esses problemas são estruturais. E, tratando-se de problemas estruturais, só a ação política resolve [...]. (FURTADO, 1998, p. 52)

Nota-se que é a região Nordeste o campo por excelência das

pesquisas de Furtado, principalmente, nas décadas de 1950 e 1960. Elas estão

focadas com objetivo de combater os atrasos da região, mediante ações, como

por exemplo: a criação da Superintendência para o Desenvolvimento do

Nordeste (SUDENE). Também desenvolveu pesquisas para entender os

fundamentos e as consequências do atraso político no processo de

manutenção de um dado padrão de organização social autoritária, personalista,

clientelista e oligárquica que estava muito presente naquela região.

Ao problematizar teoricamente a resistência dos setores

preponderantes, em vista das ações políticas desencadeadas, principalmente

28

O IBGE já apontou que são os estados da região Nordeste os mais dependentes de transferências dos recursos públicos federais.

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no Nordeste do país, Rezende (2005) analisa as dificuldades de efetivação da

democracia e afirma ser necessário resgatar não somente as questões

levantadas por Furtado acerca das ações políticas dos segmentos oligárquicos,

mas, também, dos demais setores sociais. Segundo ela, se na década de

1950, Celso Furtado parecia crer que principalmente os setores ligados aos

interesses oligárquicos desencadeavam processos contínuos de resistência da

democracia, nas décadas seguintes, ele reviu seu posicionamento,

principalmente, em razão do apoio dos setores empresariais urbanos ao golpe

militar de 1964. Todavia, depois em análise recente sobre o período de 1950 a

1964, ele aponta alguns equívocos, em seu entendimento anterior, acerca das

ações de resistência às mudanças democráticas.

Num primeiro momento, Furtado supunha que as resistências às

mudanças viriam essencialmente dos setores ligados aos oligarcas. Num

segundo, ele verificava que as rejeições as tais mudanças vieram dos oligarcas

também, mas em associação com os empresários urbanos, ou seja, os setores

mais modernos da economia industrial, os quais se aliaram aos grupos

autoritários e participaram ativamente da consecução e manutenção da

ditadura militar no país. Além dessas questões, elaborou também uma reflexão

minuciosa sobre o papel do Estado nas sociedades subdesenvolvidas. Esse

último não se haveria voltado, até então, para a consecução de nenhum projeto

nacional que integrasse, de fato, o país. Para vencer tais amarras, era

necessário que todas as forças progressistas apoiassem uma mudança social

dirigida pelo Estado. A efetivação da democracia no Brasil dependia

inteiramente disso, em sua análise. A reflexão de Celso Furtado sobre a

resistência à mudança tem o mérito de trazer à tona a ação das forças sociais

que tiveram papel fundamental, tanto no processo de impulsionar, quanto no de

frear e destruir as possibilidades de construção de uma nova reconfiguração

social, que consistia em:

Um amplo processo de mudança social, todo ele orientado para recuperar o atraso político e abrir espaço a fim de que parcelas crescentes da população regional assumissem na plenitude os direitos de cidadania. Verdadeiras mudanças não poderiam vir senão da renovação dos quadros políticos, com o aumento de sua representatividade e a rejeição, para um

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desvão da história, das velhas oligarquias (FURTADO, 1997, p.35).

De alguma forma, Furtado pregou, em suas teses, certa revolução

nordestina, incentivando a luta dos de baixo, neste caso, da região nordeste, e

a alternância de poder. Ele parecia crer, nos anos 50, que a economia urbana

industrial tenderia a se opor politicamente aos setores arcaicos da economia.

1.1.2 Formação periférica e sociedade desigual

Neste tópico apresenta-se uma síntese e um diagnóstico das

desigualdades. A intenção é demonstrar como os fatores educação/

analfabetismo, trabalho/renda e a assimetria étnico-racial interferem em

determinada perspectivas democráticas. O que se observa é que há vários

brasis dentro do Brasil, ou pelo menos dois brasis, que se dividem nas regiões

Sudeste e Sul, em contraposição ao Nordeste e Norte, ficando o Centro-Oeste

literalmente no meio, geograficamente, mas com diferenças socioeconômicas

abissais.

E uma das características mais notáveis da economia mundial é a

existência de um número significativo de Estados que parecem estar

permanentemente estacionados numa posição intermediária entre “maturidade”

e o “atraso” (ARRIGHI,1997); e como diriam os teóricos da modernização e da

dependência, ou entre o “centro” e a “periferia”.

A presente pesquisa destaca ainda que desigualdade e pobreza,

como disse Mello (1991), são faces da mesma moeda, ao se estudarem

regiões periféricas. E isso fica claro quando se faz o recorte na região Nordeste

e sua relação com a pobreza de renda, e os índices baixos de educação,

portanto, alta taxa de analfabetismo; baixa taxa de emprego formal e renda, e a

questão da assimetria ético-racial. Traduzido em números, 53% dos

considerados pobres do Brasil, pelo critério socioeconômico, encontram-se

concentrados na região nordeste, perfazendo aproximadamente um total de 23

milhões, de acordo com dados do IPEA e PNAD (2017).

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As democracias do mundo testemunharam substancial e inesperada

escalada das desigualdades nas últimas décadas, como destaca Arretche

(2015):

[...] O que indica que a participação do 1% mais rico na renda nacional excluído os ganhos de capital, nos Estados Unidos cresceu de 12,2% para 19,3% entre 1991 e 2012. Na Europa, onde a construção de generosos Estados de bem-estar marcou o pós-Segunda Guerra, a parcela da renda nacional destinada aos mais ricos apresentou trajetória igualmente ascendente. Para os mesmos anos, o indicador passou de 10% para 15,4% no Reino Unido e de 5% para 7.1% na meca da socialdemocracia, a Suécia [...]. (ARRETCHE, 2015, p. 5)

Na mesma perspectiva, afirma Piketty (2015, p.10) que a

desigualdade e a concentração da renda do salário só aumentam: “a questão

da desigualdade e da redistribuição está no cerne dos conflitos políticos [...]”.

De um lado, a posição liberal afirma que só as forças do mercado, a iniciativa

individual e o aumento da produtividade possibilitam, no longo prazo, uma

melhora efetiva da renda e das condições de vida, em particular dos mais

desfavorecidos. Para Piketty (2015), o exemplo do “conflito da direita/esquerda

reflete acima tudo a importância da oposição entre diferentes tipos de

redistribuição e diferentes instrumentos de redistribuição. E isso demonstra,

em primeiro lugar, que as discordâncias quanto à forma concreta e à

adequação de uma ação pública de redistribuição não se devem

necessariamente a princípios antagônicos de justiça social, mas, sobretudo, a

análises antagônicas dos mecanismos econômicos e sociais que produzem a

desigualdade. Se a desigualdade deve-se, ao menos em parte, a fatores fora

do controle dos indivíduos, como a desigualdade das doações iniciais

transmitidas pela família [herança] ou pela sorte – sobre as quais os indivíduos

envolvidos não podem ser considerados responsáveis, então, é fundamental

que o Estado buscar melhorar [a intervenção do Estado na economia], da

maneira mais eficaz possível, a vida das pessoas mais pobres, isto é, daquelas

que precisam enfrentar os fatores não controláveis mais adversos.

Outro pesquisar que aponta ser a concentração de renda o fator das

desigualdades é Souza (2016):

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[...] Uma sociedade com uma pequena elite abastada e uma massa empobrecida tende a ser radicalmente diferente de uma sociedade em que a hierarquia de renda ou riqueza é relativamente achatada, ainda que ambas tenham a mesma renda per capita [...] Somos um país com um alto grau de desigualdade, cuja característica mais marcante e visível é precisamente a concentração de renda e riqueza em uma pequena fração da população [...]. (SOUZA, 2016, p. 78)

E para ele não à toa, a discussão sobre desigualdade quase sempre

encontrou por aqui receptividade muito maior do que em outros países. Mesmo

assim, o foco recai com muito mais frequência sobre os mais pobres e o que

lhes “falta”. Não obstante uma pequena e valiosa produção nacional, os mais

ricos e o que lhes “sobra” ainda são assunto relativamente pouco explorado.

As teorias modernas de justiça social exprimiram essa ideia sob a

forma do princípio “maximin”29, segundo o qual a sociedade justa deve

maximizar oportunidades e condições mínimas de vida oferecidas pelo sistema

social. Uma noção tradicional de que direitos iguais (os mais amplos possíveis)

devem ser garantidos a todos - pensamento bastante aceito em nível teórico,

afirma Piketty (2015). E o verdadeiro conflito ocorre com frequência muito

maior em relação à maneira mais eficaz de melhorar realmente as condições

de vida dos mais pobres e à extensão dos direitos que podem ser concedidos a

todos do que em relação aos princípios abstratos de justiça social. Todavia

trata-se de um país real, não formal e com grande concentração de renda.

Observando os dados sobre renda, divulgado no Radar IDH-M do

Atlas Brasil (2013): das doze unidades federativas (UFs) com os menores

valores e agrupadas na faixa do médio desenvolvimento humano, estão

localizadas nas regiões Norte e Nordeste. Entre elas, Pará (0,654), Alagoas

(0,643) e Maranhão (0,638) apresentaram os menores valores do IDHM Renda,

o que equivale a uma renda domiciliar per capita média mensal de R$ 469,00;

R$ 424,00 e R$ 414,00; respectivamente. Os estados do Brasil com os maiores

valores de renda per capita, são: Distrito Federal (0,852), São Paulo (0,783) e

29

Segundo ela, deve-se identificar o pior resultado de cada alternativa disponível e então adotar a alternativa cujo pior resultado é melhor do que os piores resultados de alternativas (John Rawls no livro Justiça como equidade, 2003).

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Santa Catarina (0,783) e representam renda domiciliar per capita média de

R$1.606, R$1.047 e R$1.042, respectivamente.

Em 2014, a unidade federativa brasileira com a maior renda

domiciliar per capita média mensal era o Distrito Federal (DF), quase quatro

vezes maior do que a UF com a menor renda domiciliar per capita de Alagoas

(AL)30 e o Maranhão em último31.

Retomando-se a realidade socioeconômica maranhense e

comparando com as premissas já descritas, observa-se estacionado em baixos

índices. Estado com uma população de 6.954.036 habitantes (IBGE, 2016), o

Maranhão é o 16º mais rico do Brasil pelo seu PIB (Produto Interno Bruto), mas

ocupa a penúltima posição em IDH (0,678)32. E, conforme dados do Atlas do

Desenvolvimento Humano no Brasil33 (2013) que é baseado exclusivamente

nos Censos Demográficos, realizados de 10 em 10 anos, pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) “as dez Unidades da

Federação (UFs) com os menores valores na faixa de desenvolvimento

humano estão localizadas nas regiões Norte e Nordeste”.

Dados agora sobre o quesito IDH-M por municípios maranhenses:

QUADRO 1 Indicadores de Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M

34

LOCAL IDHM

Brasil 0,754

Maranhão 0,678

Os mais altos IDH-M

LOCAL IDH

*São Luís 0,768

**Imperatriz 0.731

*Paço do Lumiar 0,724

São José de Ribamar 0,708

30

Estado dominado pelas oligarquias do senador Renan Calheiros e Fernando Collor. 31

Segunda dados do IBGE (2017) é o Estado com a menor renda per capita com R$ 597.00. O Distrito Federal tem a maior renda de R$ 2.548,00, e a média no país é de R$ 1.268,00. Apesar de um leve crescimento do Maranhão PIB de 2016-2017, mas as desigualdades continuam.

32 Disponível em: Radar IDHM -

<http://atlasbrasil.org.br/2013/data/rawData/RadarIDHM_Analise.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2017. 33

Disponível em: <http://atlasbrasil.org.br/2013/data/rawData/RadarIDHM_Analise.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017. 34

O IDH é um índice medido anualmente pela ONU e utiliza indicadores de renda, saúde e educação. Índice varia de 0 a 1 – quanto mais próximo de um, mais desenvolvido é o país.

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Fonte: IBGE, Censo 2010. *Região Metropolitana, o IDH-M mais alto é de município da região metropolitana. ** Região Sul do Maranhão.

Nota-se (Quadro 1) que os melhores índices estão entre os

municípios localizados na região metropolitana da capital, São Luís, e na

segunda maior cidade do Maranhão, Imperatriz. Esses municípios vêm

continuamente aparecendo como os melhores ao longo de uma série de

pesquisas.

QUADRO 2 Indicadores de Desenvolvimento Humano Municipal do Maranhão – IDH-M

Os mais baixos IDH-M Fernando Falcão 0,443

Marajá do Sena 0,452

Jenipapo dos Vieiras 0,490

Satubinha 0,492

Fonte: Atlas do IDHM (2013). [ Ver os 10% entre os menores% = quantidade. E entre 100 mais baixos].

Ao se observar o IDH-M do Maranhão também se constata que

estão entre os mais baixos do Brasil (Atlas IDH-M 2013 no Programa de

Desenvolvimento das Nações Unidas com dados do Censo Demográfico de

2010 pelo IBGE)35. O município de Fernando Falcão está na 5564º posição, ou

seja, o 2º mais baixo IDH-M do Brasil, com 0,443; Marajá do Sena ficou com

5562º com o IDH-M de 0,452, o quarto mais baixo do Brasil; Jenipapo dos

Vieiras e Satubinha ficaram, respectivamente, com as posições 5541º e 5539º

no sentido de qualidade de vida de seus habitantes em 2014.

O Maranhão tem, proporcionalmente, a maior concentração de

pessoas em condições extremas de pobreza. Hoje é um dos estados com o

maior número de famílias cadastradas no principal programa de transferência

de renda, o Bolsa Família. Segundo fonte do Ministério do Desenvolvimento

Social (MDS, 2016) e da Caixa Econômica Federal (junho-2016)36, são

aproximadamente 947.275 mil famílias37, beneficiárias do programa, isso

corresponde em média, a quase 3,5 milhões de pessoas do total de 6.954.036

(IBGE, 2016) milhões de habitantes (metade da população do Estado),

necessitando de transferência de renda mínima de recursos federais. 35

Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010>. Acesso em: 17 jul. 2017. 36

Site da Caixa Econômica Federal - Consulta Pública Bolsa Família (2017). Disponível em: <www. Caixa. Gov. br>. Acesso em: 16 jun. 2017. 37

Programa de transferência de renda mínima.

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Para Singer (2012):

[...], e como o Norte e o Nordeste têm índices de pobreza bem maiores que os do Sul e do Sudeste. O populoso Nordeste, em particular, é o principal irradiador de imigrantes para as regiões mais prósperas, por isso, tocar na questão da miséria, dinamizando, sobretudo, a economia nordestina, o lulismo mexe com a nossa ‘questão setentrional [...]. (SINGER, 2012, p. 21)

Nesse caso, poderia ter mexido, mas não alterou de maneira

significativa a desigualdade nesta região. Mais uma questão importante

apontada por Arretche (2015, p. 7), e que deve ser levada em conta, é que as

desigualdades que apresentaram declínio foram objeto de políticas cujo

desenho visou deliberadamente produzir esse resultado e que ganharam

grande centralidade na agenda do governo, aqui uma chave explicativa para o

caso do Estado do Maranhão, em que os governos da oligarquia sub-

representou a política social, não demonstrando interesse, mesmo com mais

de 50% da população vivendo dependente de renda do Bolsa Família, um

Programa do governo federal que passou a beneficiar também os governos

regionais .

Pode-se inferir então, que, mesmo com taxas de crescimento da

economia bem melhores que os dias atuais (de 2003 a 2006, as taxas

respectivas de crescimento do PIB de 0,5%, 4,9%, 2,3% e 3%)38, a redução da

desigualdade na região nordeste foi tímida, de acordo com Arretche, e, no ciclo

do lulismo, em 2003 a 2010, no Maranhão, isso não se configurou, quando se

observa ainda os seus péssimos indicadores sociais (IBGE, 2017). E quando

se leva em conta o fator socioeconômico, este é fundamental para se procurar

entender qual a intensidade da democracia, e que na condição de estado

oligárquico e periférico de um país semiperiférico, a situação da democracia,

mesmo a representativa, torna-se mais difícil. Todavia, não se pode ser

ingênuo: a democracia não é a única condição suficiente para superar padrões

enraizados de distribuição de renda e de acesso a bens públicos, é necessária

38

Paulo Roberto de Almeida, “Um balanço preliminar do Governo Lula: a grande mudança medida pelos números”, Espaço Acadêmico (ano 5, n. 58, março 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/058/58almeida.htm).

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a primazia das políticas públicas para tornar possíveis mudanças substantivas

na ordem social e econômica (VIANA, 1991; ARRETCHE, 2015).

Na análise de Singer do lulismo, categoria central de suas

pesquisas, explícita está como um instrumento de superação da miséria na

questão setentrional, mas, ao se fazer uma verificação in loco, não se alcançou

a contento. Pelo menos no Maranhão, esse impacto foi pequeno. Os dados do

censo do IBGE de 2000 e 2010, e também do IPEA de 2014, foram ratificados

por Arretche ao descrever as “trajetórias das desigualdades – como o Brasil

mudou nos últimos cinquenta anos”:

[...] Os municípios da região Nordeste permanecem de modo geral com um padrão estável, sendo os mais pobres quando comparados aos demais. Assim, ainda que os valores no PIB per capita tenham aumentando devido ao crescimento econômico, a desigualdade permanece praticamente inalterada. Levando em conta: coleta de lixo, rede de esgoto, água encanada, PIB per capita, médicos por mil habitantes, percentual de pobres, os indicadores são péssimos. Esses dados confirmam os achados dos estudos de economia regional, que afirmam que as regiões brasileiras tornaram-se proporcionalmente mais desiguais entre si e mais homogêneas internamente. (ARRETCHE 2015, p. 199).

A assertiva de Arretche (2015) vem ratificar que a região Nordeste

continua entre as mais desiguais do país. Já em 2014, na gestão da presidente

Dilma Rousseff, passou a ser o penúltimo - à frente somente do Estado de

Alagoas. Cabe dizer que modelos oligárquicos que entravam o avanço de uma

democracia com maior intensidade ainda se apresentam com força também

nos demais estados nordestinos, por exemplo, na Bahia, de Antônio Carlos

Magalhães (ACM), agora de ACM-neto; Alagoas, de Fernando Collor de Melo e

Renan Calheiros e o filho; no Ceará, de Jereissati e família Gomes (Ciro e Cid);

na Paraíba, do legado de Epitácio Pessoa; de Pernambuco, da família

Campos.

Levando em conta que a população maranhense tem mais de 76%

(IBGE, 2017), de alto declarados partos e pretos, portanto, os negros são a

maioria. A seguir um quadro ilustrativo (IBGE, 2010), dados socioeconômicos

com assimetria étnico-racial:

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*Fonte: IBGE, população estimada de 2016. Fonte: IBGE, censo 2010, população = 6.574.789.

Fazendo uma análise sincrônica do Brasil, apresenta-se um percentual

de 11,59% de pessoas negras que não têm renda. Na região Nordeste, o

perceptual de pessoas negras é de 19,97%; já no Maranhão, o percentual de

negros sem renda é de 20,64%, ou seja, o Estado detém mais de 1/5 de sua

população negra e sem rendimentos (PNAD/IBGE, 2017). Em termos

percentuais, a diferença entre Brasil e Maranhão é relevante, quase duas

vezes mais para o Maranhão, 9,05%, só pelo indicador étnico-racial:

QUADRO 4

População residente, por cor ou raça, situação e sexo. Variável - População residente – percentual do total geral.

Ano 2015.

Brasil – MA – SP TOTAL BRANCA PRETA AMARELA PARDA INDÍGENA

Brasil 100 45,22 8,86 0,47 45,06 0,38

Maranhão 100 19,68 11,73 0,04 68,02 0,53

SP 100 58,22 8,57 1,60 31,34 0,26

Fonte: IBGE/PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2015).

E considerando-se o percentual da população autodeclarada de cor

parda (45,06%) e preta (8,86%), tem-se 53,92% de negros no Brasil. Em São

Paulo apresenta-se com percentual de maioria autodeclarados de cor branca

(61,57%). Analisando o percentual de 11,73% que se autodeclararam de cor

preta e 68,02% que se autodeclararam de cor parda, soma-se um total de

79,75%, de modo que a maioria da população residente no Estado do

Maranhão é negra. Porém ela é completamente invisível nas políticas sociais,

logo é sub-representada no quesito de acesso à educação, saúde, emprego e

renda. Observando-se outras variáveis, como analfabetismo, o Maranhão é o

2.º estado com a maior taxa de analfabetos: 16,7% (IBGE, 2018) de pessoas

com 15 anos ou mais no país. Tal índice está acima somente do estado de

QUADRO 3 Aspectos Étnico-Raciais e seu cruzamento com renda.

Pessoas ≥ 10 anos de Negro Sem Rendimento

Localização População Negros Sem Rendimentos %

Brasil 199.755.99 11,59

Nordeste 53.081.95 19,97

Maranhão *6.954.036 20,64

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Alagoas que registrou taxa de 18,2%. Levando em conta pessoas sem

instrução (aquelas de 25 anos ou mais que não completaram nenhum ano do

ensino fundamental), em 2016 no país caiu de 10,7% para 8,8% em 2017. É a

região nordeste que tem a maior taxa, 16,5%, e a menor continua na região

Sudeste (5,5%). A taxa de analfabetismo em 2016 no Brasil (PNAD contínua,

2018) de brancos é de 4, 2%, enquanto a de pretos e pardos é 9,9%.

Traz-se aqui um quadro ilustrativo sobre o mercado de trabalho,

focado na taxa de desocupação (sem emprego)39 por Cor e Raça, no período

do primeiro trimestre de 2018, no Brasil, Nordeste e Maranhão.

QUADRO 5 Taxa de desocupação, das pessoas de 14 anos ou mais de idade (percentual).

RECORTE TERRITORIAL BRANCA PRETA PARDA

Brasil 10,5 16,0 15,0

Nordeste 13,5 17,7 16,4

Maranhão 15,7 16,5 16,1

São Luís (capital) 14,9 22,3 20,2

Fonte: IBGE/PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral (2018).

O Brasil apresenta-se um percentual de 16,0% da cor preta e 15,0

de cor parda, respectivamente, pode-se inferir que 31% dos negros

desocupados. Na região nordeste esse percentual aumenta para 34,1% e no

Maranhão 32,5%, tem-se uma alta em comparação com a taxa do país e uma

baixa em relação ao Nordeste. O assustador é taxa da capital maranhense,

São Luís, o de cor preta 22,3% e parda 20,2%, totalizam 42,5% de

desocupados. Conclui-se que, somente por esses dados dos indicadores

sociais negativos da população negra (preta + parda) maranhense, pode-se

inferi o nível e a qualidade da democracia no Estado. Aqui, para além do fator

político e socioeconômico, o racismo tem um peso muito grande quando se

estuda democracia (item do próximo capítulo), em regiões periféricas e

oligárquicas.

39

Segundo o IBGE (2018) é quem está à procura de trabalho. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/>. Acesso em: 05 jul. 2018.

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Avançando um pouco mais na análise sócio-histórica e

socioeconômica, Arretche (2015) vai demonstrar em seu estudo que, “no

período entre 1991 e 2012, o Brasil caminhou na direção oposta, quando a

desigualdade de renda caiu sistematicamente. O pico da desigualdade de

renda, por sua análise, ocorreu em 1989, final do governo Sarney, quando o

piso da renda dos 5% mais ricos correspondia a 79 vezes o teto da renda dos

5% mais pobres”, concluiu a pesquisadora.

No Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010,

organizado pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e

Estatísticas das Relações Racionais (UFRJ), consta que:

[...] Desde a primeira edição (2006) do Relatório Desigualdades Raciais no Brasil, já ficava evidenciado que o contexto de controle da inflação, do aumento ‘real’ do salário mínimo, de expansão de políticas governamentais de transferências de rendimentos (como, o Programa Bolsa Família), de aumento da escolaridade e de apoio a maternidade e aos cuidados com a criança nas primeiras etapas da vida havia logrado reduzir as assimetrias de cor ou raça em conjunto de indicadores: renda média do trabalho, taxa de indigência e pobreza, anos médios de estudos, mortalidade infantil e na infância esperança de vida ao nascer etc. O movimento daqueles indicadores suscitou determinadas interpretações sobre o direcionamento das desigualdades de cor ou raça em um período recente. Desse modo, ficaria sugerido que estaria em marcha um movimento de superação das históricas diferenças entre os indicadores sociais de brancos e pretos e partos sem o concurso das políticas afirmativas e de promoção da igualdade racial, que, assim, seriam desnecessárias. Resgatando os indicadores analisados na primeira edição do Relatório, no ano de 2006 [último ano do primeiro mandado de Lula], a renda média dos brancos ocupados no trabalho principal era 93,3% superior à dos pretos e pardos. As taxas de indigência e pobreza dos pretos e pardos eram, em termos proporcionais, respectivamente, 165% e 99% superiores às dos brancos. O número médio de anos de estudos dos pretos e partos com idade superior a 15 anos de idade ainda era 1,8 anos inferior ao dos brancos do mesmo intervalo etário, e no primeiro grupo aquele indicador (6,2 anos de estudo) não alcançava sequer o mínimo correspondente para a conclusão do ensino fundamental. Em 2005, a mortalidade infantil e na infância dos pretos e pardos era superior à dos brancos em, respectivamente, 25,7% e 25,8%. Coerentemente, a esperança de vida ao nascer dos brancos era 3,2 anos superior à dos pretos e pardos.

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Por outro lado, mesmo o processo recente de redução das desigualdades de cor e raça em alguns indicadores sociais esteve longe de ser unívoco, havendo outros indicadores nos quais as assimetrias ou se mantiveram ou mesmo se aprofundaram. (PAIXÃO, 2010).

A interpretação que Paixão (2010) nos faz ver, é que, levando em

conta o período de 2006-2010, do governo do Presidente Lula, e com taxa de

crescimento alta, reserva cambial, superávit, e transferência de renda ainda

nas alturas, contudo, com já dito anteriormente, foi baixa a superação das

desigualdades. E se tal interpretação for atualizada para os anos do período de

crise política, econômica e social do governo da Presidente Dilma (2011-2016),

aí tende a uma piora nos indicadores sociais.

Apesar de lenta e gradual, porém, algumas políticas que permitiram

o acesso à população pobre foram efetivadas. Na gestão do Presidente

Sarney, sua principal política social foi o Programa de distribuição do Leite, e

no governo de Fernando Henrique Cardoso, o enfoque foi na questão

econômica e austeridade fiscal, mas sua política social principal foi integrada

ao Programa Comunidade Solidária, gerenciado pela professora Ruth Cardoso.

E no período do governo Lula, sua marca foi a política social, como exemplo, o

Programa Bolsa Família, figurando como símbolo. Há que se analisar que

todas essas políticas sociais foram de caráter compensatório, e não estrutural,

com isso, não permitindo uma emancipação segura aos subalternos (categoria

de Gramsci). Outra política social importante foi à institucionalização das

Políticas Afirmativas (as cotas), que foram implementadas nos governos Lula

(2003-2010) e Dilma (2011-2016), consequência da luta do movimento social

negro, permitindo, assim, o acesso ao ensino superior de segmento do povo

brasileiro historicamente marginalizado: índios e negros. Isso, de certo modo é

uma política estruturante.

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QUADRO 6

Famílias residentes em domicílios particulares e Valor do rendimento40

médio mensal

das famílias em domicílios particulares, por situação do domicílio e classes de

rendimento mensal das famílias residentes particulares.

Classe de rendimento mensal familiar = Até 1 salário mínimo

Brasil e Unidade da Federação

Ano

2002 2004 2014

Brasil 13,67% 13,35% 13,31%

Maranhão 29,48% 30,85% 26,87%

Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.

Analisando esse quadro, sendo o Estado quem institucionaliza as

regras das políticas socioeconômicas, é importante não esquecer segundo

Chico de Oliveira (2013, p.37): “que a legislação interpretou o salário mínimo

rigorosamente como “salário de subsistência”, isto é, de reprodução; os

critérios de fixação do primeiro salário mínimo levaram em conta as

necessidades alimentares (em termos de calorias, proteínas etc.) para um

padrão de trabalhador que devia enfrentar certo de tipo de produção [...],

conforme este quadro sobre salário, qual leitura pode ser feita? Primeiro,

comparando o percentual de famílias que recebiam até 1 salário mínimo do

Brasil, do último ano do governo FHC (2002) e no segundo ano do governo de

Lula (2004), houve uma queda de trabalhadores recebendo um salário mínimo,

também do contrato formal de emprego, e continua caindo ao comparar o

segundo ano do governo Lula (2004) com o primeiro ano de governo Dilma

(2014). E no Maranhão: no último ano do governo FHC (2002) e no segundo

ano do governo de Lula (2004) houve um aumento de trabalhadores recebendo

até um salário mínimo, já no segundo ano do governo Lula (2004) e o último

ano do primeiro mandato de Dilma (2014), houve uma queda de 30,85% (caiu

para 26,87%). O ano de 2014 é quando a crise econômica ganha força.

1.1.3 Elites políticas do estado

Neste item de capítulo vai se analisar os teóricos da elite (Pareto,

Mosca e Michels), descrevendo aspectos importantes das ideias elitistas, sua

40

A criação de postos de empregos com carteira assinada, na sua maioria foi de até 1,5 s/m. Ver POCHMANN, M. A nova classe média? São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.

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influência na democracia e na política. Iniciando-se com Pareto (1966), que

constata:

[...] o fato é que a sociedade humana não é homogênea, que os indivíduos são física, moral e intelectualmente diferentes. Estamos aqui interessados nas coisas como são. Devemos também levar em consideração outro fato: que as classes não são inteiramente distintas, mesmo em países onde prevalece um sistema de castas; e que, em modernos países civilizados, a circulação entre várias classes é excessivamente rápida [...] (PARETO, 1966, p. 70).

E como exemplo empírico, apresentou o seguinte:

Reunamos, pois, uma classe das pessoas que possuem os mais altos índices em seus ramos de atividade e chamemos essa classe de elite. Para a investigação que empreendemos, um estudo do equilíbrio social, será de grande utilidade dividir essa classe em duas outras: uma elite governante, compreendendo os indivíduos que, direta ou indiretamente participam de forma considerável do governo, e uma outra elite não-governante, compreendida pelos demais. (PARETO, 1966, p. 72).

E em sociedades onde a unidade social é a família, esta é a base

fundamental da participação política, as aquisições do chefe de família

beneficiam também os demais membros.

Tem-se por essa ideia do elitismo certa relação com as oligarquias

de base familiar, e como exemplo de somente três famílias, a saber: os ex-

governadores do Maranhão: José Sarney (filho de desembargador de Estado),

ex-governador do Maranhão (1966-1971); Roseana Sarney (filha de José

Sarney), ex-governadora do Maranhão (2011-2014); Sarney Filho (filho de José

Sarney), deputado federal; Ivan Sarney (irmão de José Sarney), ex-vereador de

São Luís; e Albérico Filho (primo de José Sarney), ex-deputado estadual e

prefeito da cidade de Barreirinhas (MA). Luís Rocha, ex-governador do

Maranhão (1983-1987); Roberto Rocha (filho de Luís Rocha), ex-deputado

estadual, ex-vice-prefeito de São Luís e senador, Luís Rocha Filho (filho de

Luís Rocha e irmão de Roberto Rocha), ex-prefeito da cidade de Balsas (MA),

e Roberto Rocha Júnior (neto de Luís Rocha e filho de Roberto Rocha), ex-

vereador de São Luís (2013-2015). E por último, a família de Edson Lobão, ex-

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governador do Maranhão (1991-1995), ex-ministro do governo Dilma, senador;

Nice Lobão (esposa de Edson Lobão), ex-deputada federal; e Edson Lobão

Filho (filho de Edson Lobão e Nice Lobão), senador suplente, foi candidato a

governador. Isso reafirma a tradição estudada por Grill (2008).

Quanto se avança mais nestas características, tem-se agora a

categoria do Coronelismo muito presente na região Nordeste, Leal assevera

que (1975):

[...] é um vocábulo, introduzido deste muito em nossa língua com acepção particular, de que resultou ser registrado como “brasileirismo” nos léxicos aparecidos do lado de cá do Atlântico, deve incondicionalmente a remota origem do seu sentido translato aos autênticos ou falsos “coronéis” da extinta guarda nacional. Com efeito, além dos que realmente ocupava nela tal posto, o tratamento de “coronel” começou desde logo a ser dado pelos sertanejos a todo e qualquer chefe político, a todo e qualquer potentado. Até a hora presente, no interior do nosso país, quem não for diplomado por alguma escola superior (onde o “doutor”, que legalmente não cabe sequer aos médicos, apenas licenciados) gozará fatalmente, na boca do povo, das honras de “coronel”. Portanto, é um fenômeno de imediata observação para quem procure conhecer a vida política no interior do Brasil é o malsinado “coronelismo” [...]. (LEAL, 1975, p. 19)

E que segundo Leal (1975), “não é fenômeno simples, mas envolve

um complexo de características da política municipal”. Outros aspectos que se

observam, mesmo com o avanço da democracia liberal, é a manutenção da

cultura das “famílias de políticos”, que são eleitos, em muitas das cidades,

contra os que apresentam projetos que têm grande consideração pelos ideais

democráticos.

A tese da política de parentela, de Linda Lewi (1993), tendo como

campo o Estado da Paraíba, descreve sobre a vida política de uma dada

oligarquia, a de Epitácio Pessoa, vai identificar a forte dominação de redes

relações de parentela:

[...] As mudanças na organização de parentesco que vinham acontecendo na Paraíba desde meado do Império podem ser mais facilmente compreendidas quando vistas da perspectiva mais favorável propiciada pela República Velha. Essas mudanças não se limitavam de maneira alguma à Paraíba ou mesmo ao Nordeste do Brasil. Embora com inegáveis

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diferenças regionais, o poder da família de elite estava transformando em todo o país (os aspectos mais gerais em que as mudanças na organização de parentesco na Paraíba se relacionam com transformações similares através do país podem ser inferidos das mudanças na legislação da família e no direito de herança adotados depois de 1889, particularmente na Lei do Casamento de 1890, na Lei de Sucessões de 1907 e nas relações do Código Civil de 1916). Contudo, em estados menores, mais subdesenvolvidos e politicamente subordinados como a Paraíba, a adaptação à mudança foi mais conservadora do que em outras partes. Os estados mais fracos do Brasil foram, por conseguinte menos fortemente orientados pelas linhas da política dos grupos de interesses do que o foi o Centro Sul, onde estados com economias dinâmicas, experimentaram uma ampla difusão da mudança econômica e da urbanização [...]. (LEWI, 1993, p.155-156).

Outro aspecto importante demonstrando por Lewi (1993) é quanto à

relação política dos casamentos intrafamiliares, identificando assim um tipo:

endogâmico (casamentos consanguíneos) e exogâmico (o casamento de um

indivíduo com um membro de grupo estranho àquele a que pertence, distinto):

[...] Três mudanças importantes na organização de parentesco da Paraíba refletiram geralmente tendências similares de alcance nacional: 1) uma tendência para afastar-se do casamento endogâmico em direção a uma maior confiança nas estratégias matrimoniais exogâmicas; 2) uma erosão complementar na autoridade patriarcal à medida que a exogamia assumia maior importância política; e 3) um consequente deslocamento na organização das redes políticas para incorporar eixos horizontais de maior alcance definidos por laços de fraternidade ou de quase fraternidade [...]. (LEWI, 1993, p. 156).

E, como tais mudanças assinalam a importância crescente que os

estranhos, “os de fora”, foram adquirindo na política, seja com a incorporação

dos cunhados ao grupo familiar, seja com os papéis cada vez mais

significativos que, com o advento da República, os chamados amigos políticos

passaram a fazer parte nas redes de base familiar de todo político. Na

conclusão dessa análise da mudança, diz ela, o exame da evolução da rede

política de base familiar ilustrará de que maneira as redes baseadas no

parentesco se expandiram no sentido de incorporar os estranhos41, com vista a

41

Exemplos não faltam: jovem Fábio Câmara, que fora eleito vereador de São Luís, em 2012, com o apoio da oligarquia, especificamente, da família do cunhado de Roseana Sarney,

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suprir as necessidades políticas dos seus membros principais, nos níveis

estadual e nacional.

O estudo de Linda Lewi (1993) com enfoque na política de parentela

é muito atual e contribuem para uma compreensão das imbricações entre

oligarquia, política de base familiar e patrimonialismo. Assim, autores como,

Florestan Fernandes, Victor Leal, Maria Isaura, Flávio Reis, Igor Grill, Linda

Lewi, que desenvolveram suas pesquisas tratando de temas semelhantes,

ainda que em perspectivas e enfoque diferentes; às vezes no plano nacional ou

local, e no período da primeira república (1899-1930), ou contemporâneo.

Prosseguindo com uma descrição mais detalhada dessa realidade

concreta, uma personagem que passou a adquirir proeminência central na

política familiar foi Roseana Sarney Murad (a filha). Ingressou na vida pública

aos 32 anos de idade, ocupando o seu primeiro cargo na condição de

assessora especial do pai, quando este fora Presidente da República (1985-

1990). Elegeu-se deputada federal (1990-1994), e depois foi eleita a primeira

mulher a governar (1995-1998) de um estado brasileiro. No Maranhão, na

época, venceu os dois maiores concorrentes de oposição: o senador Epitácio

Cafeteira, ex-deputado federal, ex-prefeito de São Luís (1965-1971)42 ex-

governador Jackson Lago, ex-prefeito de São Luís (1989-1992)43, médico, ex-

secretário de Saúde do Estado (governo de Cafeteira), deputado Estadual

(Meireles, 2001). Em 1998, Roseana (PFL) concorreu à reeleição e venceu,

governando de 1999 a 2002. Como a maioria dos governadores faz, se afastou

do cargo para concorrer a uma vaga de senadora (2002), e quem assumiu o

cargo, foi o seu vice, José Reinaldo Tavares (considerado filho político de José

Sarney, mas, rompeu em agosto de 2004). Eleita senadora, assumiu em 2003,

no ano que Lula é empossado Presidente do Brasil. No senado passou a atuar

como líder do governo petista. Roseana Sarney, filiada então no PMDB,

concorreu novamente à eleição de governadora, em 2006, enfrentando,

Ricardo Murad. E do atual prefeito da cidade de São José de Ribamar (MA), Luís Fernando, este tentou ser candidato a governador do Maranhão, em 2014, com o apoio da oligarquia Sarney. Mas, não obtendo êxito, rompeu. 42

Neste ano a eleição de prefeito era junta com a de governador. 43

Por três vezes: 1989-1992; 1996-2000; 2001-2002 (quando renuncia para novamente ser candidato a governador do Maranhão, em 2002, disputando contra José Reinaldo Tavares).

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Jackson Lago (PDT) no segundo turno da eleição, é eleito. Roseana ficou sem

mandato por um curto período, de 2006 a abril de 2009; quando o seu grupo

político cassou o mandato de Lago do cardo de governador, e ela voltou a

assumir o posto. No cargo, disputou mais uma vez a reeleição, em 2010, contra

Flávio Dino (PCdoB), e venceu no primeiro turno, governando de 2011-2014,

atualmente sem mandato eletivo, porém, com planos de novamente disputar o

governo do Maranhão, em 2018.

Outro filho, José Sarney Filho, eleito deputado estadual com 21 anos

de idade, e depois passou a disputar somente o cargo de deputado federal, e

em todas as eleições proporcionais que disputou, nunca perdeu uma no

estado. Somente investido no cargo de deputado federal (1983-2015), está no

oitavo mandato consecutivo. Quando concluído o mandato, em 2018, serão 35

anos na câmara. Somando com os quatros anos de deputado estadual, são 39

anos de vida pública. O pai, José Sarney, já tentou por várias vezes lançá-lo

como candidato a governador do Maranhão, a primeira tentativa foi no

momento da sucessão do governador Luís Alves Coelho Rocha (1983-1986),

mas quem acabou sendo o candidato da família foi Epitácio Cafeteira (1987-

1990), a segunda vez foi na sucessão do governador José Reinaldo (2002-

2006), e não prosperou novamente o projeto, fato que é narrado aqui na tese

por José Reinaldo. Sarney Filho ocupou o cargo de ministro de Meio Ambiente

no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), e novamente ministro

de Meio Ambiente no governo de Michel Temer (2016).

Agora, uma descrição do que se convenciona de “nova geração” de

político, em função da idade, e quem poderá assumir o espólio do avô, José

Sarney, o jovem José Adriano Cordeiro Sarney, “Adriano Sarney” (PV)44, neto

do Sarney, filho de Zequinha Sarney e sobrinho de Roseana Sarney, portanto,

na política de base familiar e de parentela, passa a ter muita força. Ele iniciou

na cena político-eleitoral já no cargo de deputado estadual, eleito em 2014,

pelo Partido Verde (PV), tentou em 2012 uma candidatura a prefeito no

44

Fonte: TRE-MA. O partido é presidido no Estado do Maranhão por Hermirio Pereira Fonseca, e tem como vice-presidente, o pai, o dep. José Sarney Filho, quem de fato hegemoniza. E no município é presidido pelo próprio Adriano Sarney.

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município da região metropolitana, Paço do Lumiar45 (MA), mas sem sucesso,

nem chegou a se registrar. Vem desempenhando seu mandato de deputado

estadual (2015-2018), na condição de opositor do governo de Flávio Dino

(PCdoB).

Continuando a explicitar a ascensão de filhos, esposas, netos, tios,

parentes de políticos que imperam em terras maranhenses, reforçando a ideia

da política oligárquica, Maria Isaura Queiroz (1976) cunhou como “mandonismo

local”:

[...] Mostram-se, pois, tais grupos muito coesos, sejam eles igualitários ou estratificados. Nas parentelas estratificadas, a solidariedade vertical é tão forte quanto a horizontal, e une indivíduos de níveis socioeconômicos muito diversos. Como já observamos, é mais fácil surgirem conflitos rachando de alto a baixo a parentela em dois grupos adversários, do que entre as camadas no interior dela. Os exemplos dessa fragmentação vertical das parentelas são inúmeros; quase sempre é então que o rancor atinge maior intensidade, o ódio entre parentelas estranhas não sendo, ao que parece, tão violento. Durante o Império, prolongando-se pela República, esse dilaceramento das parentelas foi comum, geralmente tendo como ponto da discordância a dominação de uma localidade, de um município, de uma região e, até de um estado; não raro, as rachas seguiam a linha do parentesco por afinidade ou por aliança, sendo menos comum ocorrerem entre irmãos, ou entre pai e filho [...]. (QUEIROZ, 1976, p. 183)

E que — Em Heranças Políticas no Rio Grande Sul (GRILL, 2008),

também descreveu essa forte influência da política de base familiar:

[...] As “famílias de políticos” bem-sucedidas eleitoralmente nas últimas eleições e pertencentes a esse padrão são aquelas que passaram por declínio econômico e político e cujos membros reconverteram seu capital de relações sociais e reputação local em carreiras profissionais e políticas [...] Podem ser citados como membros de “famílias de políticos” que reúnem grande parte dessas características os seguintes personagens da vida política gaúcha nas últimas décadas: o ex-deputado federal Arlindo Vargas do PTB (que tem como ascendente familiar Getúlio Vargas e vários outros políticos); o ex-deputado estadual João Vicente Goulart do PDT (filho, sobrinho, primo e pai de políticos); o ex-deputado federal Octávio Caruso Brochado da Rocha do PDT (neto, filho, sobrinho e primo de políticos); o ex-deputado estadual Sérgio Medeiros Ilha Moreira

45

O prefeito eleito em 2016 é o ex-petista opositor histórico da oligarquia Sarney, o ex-deputado Francisco Domingos Dutra Filho, o Dutra, agora filiado do PCdoB, partido pelo qual se elegeu.

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do PP (bisneto, filho e sobrinho de políticos); ex-ministro, ex-deputado federal e ex-prefeito de Porto Alegre [atualmente governador do Rio Grande do Sul] Tarso Genro do PT (filho e irmão de políticos e pai da deputada [ex-deputada], Luciana Genro); o atual ministro da defesa [ex-ministro da defesa do governo Lula e Dilma], ex-deputado federal e ex-ministro da justiça Nelson Jobim do PMDB (neto, sobrinho, filho e tio de políticos); o ex-deputado estadual e federal Marcos Rolim do PT (neto e sobrinho de políticos); o ex-deputado estadual Sereno Chaise do PDT e PT (marido e pai de políticos); e o deputado estadual Frederico Antunes do PP (neto e sobrinho de políticos) [...]. (GRILL, 2008, p. 42)

As categorias oligarquia, coronelismo, chefe político, mandonismo

local, parentela, às vezes são relacionados com a ideia de cultura política de

base familiar. Trazem-sealgumas outras famílias, em quadro ilustrativo de

grupos políticos que se perpetuam no interior do estado do Maranhão:

Fonte: Jornal Imparcial (Maranhão), do dia 4 de setembro de 2016.

Nas várias bibliografias consultadas com objetivo de desenvolver a

tese, ficam evidenciadas as redes de relações pela política familiar e de

parentela. E que é reforçado nas entrevistas de campo. Essa rede de relações

se sucede com uma longevidade, configurada nas cidades do interior do Brasil,

e afora, como um fenômeno mais que acentuado de regiões periféricas do

QUADRO 7

Famílias de políticos com influência no interior do Maranhão

Família Tempo no cenário

político

Partido Líder Principal Município

Macedo 20 PDT Dedé Macedo Dom Pedro

Pontes Aguiar 30 PCdoB Antônio Pontes Aguiar Chapadinha

Fufuca 20 PMDB /PV Fufuca Dantas Alto Alegre do Pindaré

Gonçalo 10 PMN Hilton Gonçalo Santa Rita

Teles 20 PV Manoel Mariano de Souza “Nezim” Barra do Corda

Murad 20 PMDB Ricardo Murad Coroatá-São Luís

Coutinho 20 PDT Eugênio de Sá Coutinho Caxias

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Nordeste. Segundo Ricardo Oliveira (2012) nos apresenta: “os mais de dois

terços dos senadores do país são membros de famílias políticas, e metade dos

deputados pertencem a clãs influentes politicamente”. O interessante na

pesquisa de Oliveira é que este constatou que dos jovens deputados da “nova

geração” com menos de 35 anos de idade, a maioria pertence a famílias de

políticos, e é um fenômeno em crescimento na atualidade:

[...] O nepotismo aproveita-se da fragilidade das instituições políticas, aliado às desigualdades sociais presentes no Brasil, patronagem e ao clientelismo político. Essa tríade, portanto, é um prato cheio para que o fenômeno se desenvolva na forma de um sistema político próprio, de uma estratégia de classes e de famílias para a conquista, manutenção e o exercício do poder pelas redes do nepotismo. Desse modo, a hierarquização do estado brasileiro em seu princípio (pautado também por insígnias simbólicas) aliado à nobreza portuguesa contribuiu para que o nepotismo se desenvolvesse. Afinal, o poder nas câmaras municipais, dos padres, das famílias e dos tabelionatos era geralmente concentrado nas mãos de poucas famílias. Além disso, frequentar espaços sociais comuns e o relacionamento intra-classe fizeram com que a miscigenação entre as famílias aumentasse nas vilas do país. Em outras palavras: os integrantes da nobreza procuravam perpetuar os laços familiares com membros de famílias da mesma linhagem social, postadas sempre nos altos estratos sociais (OLIVEIRA, 2012, p. 87).

Depois desse percurso analítico, observa-se que assim como no Brasil,

o estado do Maranhão adentrou, por um viés de corte autoritário (VELHO,

2009; SCHAWARTZMAN, 2015), característica marcante e originária da sua

formação social.

As considerações até aqui apresentadas, permitem fazer uma leitura

crítica dos conteúdos trazidos pelos atores dos movimentos sociais, políticos e

intelectuais, os quais foram entrevistados.

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1.1.3.1 Análise das entrevistas dos movimentos sociais, dos políticos e

intelectuais-pesquisadores sobre a categoria oligarquia.

Com a sistematização das respostas, foi possível identificar algumas

características centrais (ver anexo V, Quadro B e Tabela 2), como “governo de

família e de poucos”, “patrimonialismo” “paternalismo”, “clientelismo”, “controle

econômico, político e dos meios de comunicação”, “poder de classe”,

“impeditivo da participação das camadas sociais e não representativo da

população”, definidas a partir das análises das respostas distintas obtidas nas

entrevistas.

De acordo com maior parte das análises, ficou explicitada a real

posição ideológica de José Sarney, quando passou a ficar subordinado aos

interesses dos militares no poder e, a partir de então, afastou-se do projeto

político do grupo que o apoiou. Na pesquisa de campo, observou-se que a

categoria “oligarquia” ainda é válida, na atualidade, como característica da

prática política do grupo de Sarney no estado.

A riqueza da família e seu poder político [...] veio da esperteza e do servilismo à ditadura militar-empresarial, que fez com que a família se apropriasse do poder político na gestão do Estado no Maranhão e se transformasse numa das famílias mais ricas advindas desse vínculo com a gestão do Estado. O passo seguinte foi a habilidade da família de perceber que o controle dos meios de comunicação lhe daria um imenso poder político, no controle e na manipulação da opinião das massas e como forma de enriquecimento. A rigor, a família Sarney, no conceito do Marx, mais que oligarquia rural, poderia ser classificada como uma lumpemburguesia que enriqueceu se aproveitando do poder político e das tetas do poder público (João Pedro Stédile).

Agora se tem uma estrutura de poder montada para garantir, manter e ampliar privilégios, isso é evidente. Você tem uma minoria que controla a máquina pública, que mantém seus privilégios de diferentes formas, por meio de salários e também de corrupção. Você vê toda a economia do Maranhão, se você observar bem, quem é dono de universidade? (Emílio Azevedo).

É óbvio que é uma oligarquia. Só que é uma oligarquia que não se limita à família, não é uma oligarquia apenas familiar, é uma oligarquia na verdadeira acepção do termo “um governo de poucos”. O Sarney, muito inteligentemente, cooptou grande

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parte do resquício do vitorinismo, grandes coronéis do interior que apoiavam o vitorinismo. Ele chamou todos e continuou no mesmo ritmo que Vitorino usava aqui, fazendo política com as oligarquias (José Policarpo Costa Neto – Movimento Social).

No termo baseado nos ensinamentos de Aristóteles, o termo oligarquia cabe bem para a família. Por quê? Não é uma aristocracia (reúne os melhores, os mais qualificados) não é isso, é um grupo que governa a partir de uma família e governa para os interesses de um pequeno grupo, não é uma tirania. E se não é uma tirania nem uma aristocracia, então, o termo mais adequado é uma oligarquia, que é exatamente como diz Aristóteles, um pequeno grupo que se apropria do poder e começa a ter domínio sobre a vida das pessoas, sobre a economia e sobre a política (Marcos Silva – Movimento Social).

Não tenho nenhuma dúvida, é uma oligarquia, sim; talvez não no sentido, vamos dizer assim, mais comum, que a gente associa oligarquia com proprietário rural, à democracia representativa, mas é um tipo de oligarquia. Eu vou usar um conceito aqui que é o tal do “governo dos políticos” (Carlos Saturnino Moreira Filho – Movimento Social).

O conceito de oligarquia que nós, enquanto MST, fomos estudando e fomos tentando entender, e aqui no Maranhão fomos materializando. Porque convivemos no seio deste estado e enfrentamos todos os dias a força dessa oligarquia, personificada na pessoa do José de Ribamar Sarney, entendendo oligarquia não hoje por causa dele, mas um grupo político que se constitui, que ao seu redor tem satélites que estão no meio na política, na economia, nas terras, na agiotagem, no sistema de comunicação, no tráfico. Então, com certeza, esses grupos que estão envolvidos com ele, estão envolvidos de uma forma mais marginal da economia [...]. Num momento, você vê Sarney com uma postura de posicionamento político, depois você vê a Roseana, que é sua filha, com uma postura diferente na mesma conjuntura, aí você vê o filho Sarney, numa mesma conjuntura política se posicionando diferente do pai e da irmã, e você tem depois o filho que está ligado diretamente cuidando dos negócios da família, ou cuidando dos interesses futebolísticos do país. Então, você vê que aí há uma rede, uma teia de interesses que depois se juntam todos e que se chama de oligarquia. Então, a gente no passado personificou na pessoa Sarney, hoje essa personificação continua, mas você, quando fala oligarquia, não vê a imagem de Sarney só, você vê um grupo, a imagem de um grupo [...] (Jonas Borges – Movimento Social).

Na percepção dos movimentos sociais, é unânime a caracterização

do grupo Sarney como oligarquia. Quando se passa a analisar a categoria

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oligarquia refletida pelos políticos e os intelectuais pesquisadores, o

pensamento da maioria acaba convergindo para um mesmo conceito de

oligarquia e colocam o Maranhão como um exemplo real na

contemporaneidade. Além de alguns dos elementos já citados pelos

entrevistados dos movimentos sociais, aqueles segmentos acrescentam outros,

como: personalismo, famílias articuladas em grupos nos municípios, poder e

influência no Judiciário e tribunal de contas, longevidade no poder (ver Tabela

2, em anexo VI).

Sarney se enquadra plenamente no conceito de oligarquia. É um conceito que vem antes de Cristo ainda com Aristóteles, quando fala de governo puro e governo impuro. E a oligarquia Sarney seria um governo impuro, porque seria um governo de poucos. Levando em consideração a família Sarney, podemos nortear uma série de aspectos que respondem a essa pergunta, por exemplo, o caráter do nepotismo que caracteriza a oligarquia, quando a sua família é distribuída no poder: filhos, primos, primas, na desembargaria, primo prefeito de Barreirinhas, filhos são políticos e tem até filho empresário que é um mandatário da CBF, quer dizer, até o futebol. (Joan Botelho - Político)

Primeiro, um governo de poucos. Segundo, um governo de família. E aqui os sinais são muitos, o tempo que eles levaram no governo, no poder. Terceiro, a quantidade de parentes com força política. O Sarney foi governador, o filho [Sarney Filho] foi deputado estadual e é deputado federal [ministro] até hoje, a filha [Roseana Sarney] foi secretária particular dele, depois deputada federal, governadora por quatro mandatos, foi senadora. Ainda teve o período em que ele tinha dois sobrinhos na Assembleia Legislativa, fora o monte de parentes com laços de sangue e com laços por afinidades, por casamento, na máquina administrativa [...]. (Domingos Dutra - Político).

E eu penso que, sim, continua sendo uma oligarquia no sentido de ter um conjunto de agentes políticos que gravitam em seu entorno, ora por atração, ora por repulsão... (Manoel de Jesus B. Martins, intelectual pesquisador).

É uma oligarquia gerada e nutrida no regime militar. Ela nasce por imposição direta e de articulações dos militares. Primeiro, o Sarney assume o governo no Maranhão por imposição direta do Palácio do Planalto e dos generais, na eleição de 1965. No Maranhão, Sarney foi eleito em 1965 e assumiu em 66. Ele teve uma marca. Primeiro, em poucos estados do Brasil, nós tivemos eleição em 65, lembro bem: no Maranhão, no RJ (que elegeu Negrão de Lima) e talvez MG, mais ou menos uns três estados. Bom, o que determinou, qual foi o fator primordial que facilitou e que viabilizou a eleição de Sarney em 65? Primeiro,

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a cassação da principal liderança ao vitorinismo que era Neiva Moreira, que foi cassado em 1964 e exilado, e não só, a divisão imposta ao vitorinismo pelo Palácio do Planalto, é fato histórico, que por determinação do marechal ditador Castelo Branco, o seu chefe do SNI ou da casa militar na ocasião, o general Figueiredo, que veio depois a ser ele próprio general ditador [...] Bom, veja bem, 1985 a 1986, com habilidade, o Sarney conseguiu, de um lado, se impor como representante da ditadura no estado e habilmente manter como aliado, manter, sobre sua base no Estado, setores que haviam sido expurgados da política pelo golpe de 64. Por exemplo, setores mais importantes da base de Neiva Moreira permaneceram aliados ao Sarney no Maranhão [...] (Haroldo Saboia – Político).

O poder de Sarney iniciou-se em 1966, quando ele se elegeu governador apoiado em forças que o elegeram [...] ele tem a questão do jurídico, do judiciário como um poder que sustentou e sustenta Sarney até hoje. [...] Então, Sarney, ele tem o judiciário, tem a mídia, e, dentro do judiciário, ele tem os outros tribunais, por exemplo, o Tribunal de Contas, que é um tribunal que tem o controle sobre os municípios, que ele também controla (Maria Mary Ferreira, Intelectual-pesquisadora).

Primeiro, observarmos o papel das oligarquias do ponto de vista do clientelismo, que é uma lógica clientelista, de apadrinhamento político. Segundo, que é de uso privado da máquina do Estado para beneficiar um determinado grupo. É importante que, muitas vezes, há uma tendência de identificar a oligarquia somente com uma família e muitas vezes vincular com o próprio conceito de oligarquia o núcleo familiar. No caso evidente do Maranhão, há um núcleo familiar forte, vários núcleos familiares, mas nós temos que pensar a oligarquia aqui como um sistema, não só como um núcleo familiar ou um modo de governar a favor de poucos. (Francisco Gonçalves da Conceição - Político).

Sem dúvida. Não é uma oligarquia qualquer, a diferença é essa. A família Sarney está dentro de um estamento de poder do qual fazem parte as famílias, os sobrenomes que mandam no país, e, em muitos casos, estão acima do Estado. (Raimundo Nonato Palhano - Intelectual-Pesquisador).

Ainda nessa categoria, houve respondentes que divergiram quanto a

se caracterizar o grupo liderado por José Sarney como uma oligarquia no

Maranhão, seja do ponto de vista político ou econômico. Eles, em determinado

período da história (década de 60 e 70), integraram a equipe de governo de

Sarney e atuaram como uma espécie de intelectual orgânico do grupo:

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Eu discordo dessa visão de considerar o governo Sarney como oligarquia, só porque ele demorou algum tempo no comando das ações políticas aqui no Maranhão. Mas, se você vê que..., se for se aprofundar um pouco nesse período de 50 anos que se diz que ele elegeu todos os governadores, mas pode-se observar que grande parte desses governadores se afastaram dele (Benedito Buzar - Político).

O que é uma oligarquia? Tem que primeiro identificar essa expressão, o que significa oligarquia. Veja só, o que eu noto é que o período de Sarney governador ninguém toca, as forças mais incontroláveis dos ódios políticos do Maranhão não conseguem tocar nessa fase. É como se ele não tivesse existido no Maranhão, fecha-se a boca, desconhece-se esse alento imenso que o quinquênio de governo Sarney deu ao Novo Maranhão. O que se fala é do pós-governo Sarney no Maranhão, são os 48 menos 5, em que ele foi o líder do Maranhão e, de certa forma responsável pelas coisas que aconteciam...(Eliezer Moreira - Político).

Outros sujeitos que atuaram como aliado conjuntural da oligarquia

Sarney.

Não foi. Porque eu te diria que, no governo de 1966-1970, ele não foi oligarquia, ele fez um governo participativo, um governo voltado para a população, um governo que pensou realmente no estado. Todas as bases que nós temos até hoje no Maranhão foram implantadas pelo Sarney. Depois dele, não aconteceu mais nada. (Edson Carvalho Vidigal - Político).

Olha, esse termo “oligarquia” é um termo que eu nunca gostei de usar, assim como quando se fala..., virou aqui no Maranhão quase com um chavão, tipo, uma..., o adversário empregar esse termo. O que significa oligarquia? É governo de família, de poucos? É preciso analisar com mais tranquilidade esse conceito, porque, na realidade, aqui no Maranhão, oligarquia não é só governo de poucos, é um governo, são governos oligárquicos que existem nos municípios, que existem nas regiões, que existem nos estados [...]. Houve um momento, inclusive, em que parte da oligarquia rompeu. Jackson Lago foi um momento de rompimento, mas o que aconteceu é que os mesmos continuaram, muito embora tenha havido derrota do Sarney. Por exemplo, agora, o PCdoB está dizendo que elegeu 46 prefeitos no Maranhão. Eu fui olhar lá a lista dos prefeitos do PCdoB e ali não tem nada de esquerda, de comunista. São os mesmos que romperam com o Sarney e com Roseana. Foram para outra legenda e, como aconteceu com o PDT, de Jackson Lago, a Assembleia também foi no mesmo rumo. Foi todo mundo para o partido que está lá naquele Palácio dos Leões. Na verdade, aqueles leões com a boca aberta é que elegem vários. Então, eu acho que, se você falar oligarquia como a representação daquele palácio ali, o grupo que domina, a classe dominante no Maranhão, eu concordo com isso. Mas

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personalizar em cima de uma pessoa...? Eu acho que precisamos pensar mais, talvez tu nessa tese possas investigar mais isso, mas eu não tenho segurança nisso... Eu acho que o termo tem servido a muita bandeira política, e não para explicar cientificamente o que significa isso para o nosso estado, essa coisa da oligarquia [...].(Joaquim Washington Luiz de Oliveira – Político).

Nota-se que os que discordam da assertiva da existência de uma

Oligarquia no Maranhão são somente os políticos, inserindo-se aqui o próprio

José Sarney que, a propósito, afirma:

Isso é um mantra fora do tempo. Remonta a 1930, quando a Revolução foi feita contra as oligarquias. Num tempo de comunicação em tempo real, das redes sociais, da internet, falar em oligarquia é um recurso bolorento e anacrônico de fazer política. É uma arma que não pega mais e vem sendo repetida em todas as campanhas pelos que nos combatem. Somos no Maranhão a modernização. Mudamos a mentalidade do Estado discutindo vias de desenvolvimento. Hoje somos o 17º Estado do Brasil. É o que se chama hoje nos Estados Unidos de “fake news”. (Jose Sarney - Político)

Outra interpretação interessante é trazida por Alfredo Wagner:

Quando diz: se entender oligarquia como uma unidade movida por relações face a face de parentesco e afinidade em torno do poder, você poderia dizer [que é uma oligarquia]. A Maria Fátima Gonçalves (pesquisadora da UFMA) usou bem o Bourdieu no sentido de que não tem uma característica dinástica. A casa real da dinastia tem uma relação consanguínea, ela domina a cena política e ninguém pergunta: “o que você faz?” Todo mundo pergunta: “De que família você é?” Então, quer dizer, esse é o modo que está funcionando e que está definindo coisas no Maranhão. Então, acho que depende do conceito de oligarquia que você utilizar. Por exemplo, ninguém fala que o vitorinismo é oligarquia. Você não usa isso, você usa isso mais para o grupo Sarney. Penso que o problema central é a descrição, é a análise concreta da situação concreta de como o Sarney governa, por exemplo, a estratégia de ocupar postos no poder judiciário, ocupar o Tribunal de Contas [...]. E são só parentes, é mais amplo. Quer dizer, o candidato aqui [São Luís] a prefeito [em 2016] foi Eduardo Braide, então, de família que vinha da região de Santa Luzia (MA), que era médico. Olha, então, quer dizer, essa maneira dessas pessoas se ligarem em si, o que acho que tem que ser estudado: por que essas pessoas formaram coalizão de interesses [...]. Porque o Sarneysismo para mim é uma coalização de interesses duradoura [...], quer dizer, esse grupo

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que você chama de oligarquia Sarney é o único partido político que tem no Maranhão. E a ideia de partido político não é o que é formal, é a ideia do Gramsci de partido político. É aquilo que tem a coalizão de interesses [...] (Alfredo Wagner - Intelectual-Pesquisador).

Pode-se concluir que as várias percepções identificadas dos

movimentos sociais, políticos e Intelectual-Pesquisador ratificam que

“oligarquia” continua uma categoria válida para caracterizar o grupo Sarney,

como bem cunhou o professor Flávio Reis quando desenvolveu sua pesquisa

de mestrado, na UNICAMP, em 1992. E, no momento presente, a disputa pelo

espólio no grupo oligárquico é perceptível. Além disso, a transição para um

processo do “novo” na cultura política no Estado ainda é um grande desafio.

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CAPITULO II – INTERPRETRAÇÕES E ADJETIVAÇÕES DA

DEMOCRACIA46.

Remonta-se aqui à analise já desenvolvida na pesquisa de mestrado

(2013), ainda oportuna, acerca do tema da democracia, originada com a

redemocratização (1985) e a Constituinte de 1988, e relacionada à conjuntura

do período do governo do Presidente Lula.

2.1 Historicidade e conceito da democracia

Nas últimas décadas do século XX a democracia apresentou-se

como um dos temas centrais da discussão política, evidenciando problema de

grande complexidade. Nesta década e meia do século XXI, ela continua em

debate; tanto no campo progressista, centro, conservador, de esquerda ou

direita. E conforme Saes (1993):

[...] Cientistas políticos marxistas e schmpeterianos têm, portanto ― a par das suas diferenças —, algo em comum: ambos intentam recuperar a expressão democracia para a análise dos Estados concretos. Procuram, desse modo, desqualificar o veto que os ideólogos (liberais, democratas radicais etc.) impõem ao uso da expressão na análise política concreta, por considerarem que é incomensurável a distância entre o “ideal democrático” e as prosaicas características dos Estados concretos [...]. (SAES, 1993, p. 27)

A verdade é que poucas ideias na atualidade parecem ter adquirido

uma aceitação tão ampla quanto à de democracia, inconteste que foram os

gregos (séc. V e IV a.C) os primeiros a pensar sistematicamente sobre política,

a descrever e formular teorias políticas que vigoram ainda hoje, foi também a

mais fecunda intelectualmente. Nesse sentido, pode-se afirmar que a única

democracia grega estudado com profundidade foi Atenas, como berço da ideia

de democracia e de execução da sua concepção mais clássica, mas carregada

46

Está na Constituição de 1988 “o poder é do povo”. Nos termos do parágrafo único do artigo 1º da Constituição, "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Nos termos dos artigos 45 e 46 “os deputados Federais representam o povo e os senadores representam os Estados e o Distrito Federal”.

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de muitas adjetivações e críticas (FINLEY, 1988, p.27). Etimologicamente o

significado da palavra democracia: “demos=povo e cracia= poder”, logo, poder

do povo. Todavia a democracia implicava a aprovação da sociedade ou da

instituição e do povo. Na cidade grega, as decisões políticas eram tomadas por

líderes políticos, o que pouco foi modificado.

No entanto, trata-se, em suma, nesta tese, de apresentar um novo

conceito do modelo de democracia, é a que tem vigorado no século XXI, e com

força, que é a “Democracia dos políticos”, é quando o “demos” passa a ter o

significado de político, e “cracia” continua com o seu mesmo significado original

grego de “poder”, logo “poder dos políticos”, e não mais “poder do povo” como

definiram os gregos, ao menos no plano das ideias. E quem são os políticos

nesse modelo? Configuração constituída por altos funcionários investidos em

altos cargos públicos da burocracia (poder executivo e judiciário), os de

mandatos eletivos (poder legislativo), os presidentes/dirigentes de partidos - às

vezes “donos”-, os proprietários de grandes empresas e/ou acionistas

majoritários que mantêm relações constantes com o Estado/Governo. E, nesse

novo modelo de democracia, quem é o povo? Massa de manobra, personagem

figurante, às vezes espectador desinteressado, desencantado e desiludido com

a arena político-eleitoral e com os políticos profissionais. Vai-se na mesma

perspectiva do cientista político austríaco do início do século XX, Joseph

Schumpeter, quando escreveu o livro Capitalismo, Socialismo e Democracia

(1942), e apresentou seu conceito democracia como de “governo dos políticos”,

e segundo ele, sempre será das elites, da minoria e nunca do povo, dos de

baixo.

Por essa definição de democracia, o sufrágio universal também é

capturado pelo poder do capital, associado com o poder dos políticos, só que

quem ocupa os altos cargos sempre terá papel estratégico, e levando em conta

que sempre serão as elites ou classes dirigentes, estas detentoras desses

privilégios do poder (altos cargos), ou seja, será a vencedora, e o povo-eleitor

continuará massa de manobra, personagem figurante do sistema político-

eleitoral.

Nenhuma revolução ainda modificou esse fato fundamental da política.

Todavia a democracia passou a ser a forma de organização política, ou melhor,

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é um padrão de organização interna das atividades estatais (SAES, 1993). A

democracia é a segunda versão das instituições representativas, tendo sido a

oligarquia representativa a primeira a surgir, de acordo com Wanderley dos

Santos (2017):

[...] Pertence à sabedoria universal o registro de que a palavra “democracia” aparece, na tradição ocidental da Grécia clássica [...]. Mas o fenômeno que nos é familiar, isto é, as instituições representativas, que só começam a germinar a sério aí pelos séculos XVIII e XVIII, adquirindo centralidade em sua versão oligárquica durante o século XIX. Convém adotar uma definição minimalista de “democracia representativa”, tornando perceptível a dinâmica acelerada que fez dela a forma hegemônica de organização política no mundo contemporâneo [...]. (SANTOS, 2017, p.25)

E focando mais na sua definição minimalista adotada de democracia

representativa, Santos (2017) entende como um regime que satisfaça

completamente às duas condições seguintes: 1) A competição eleitoral pelos

lugares de poder, a intervalos regulares (aqui ele se refere a um mínimo de

alternância); com regras explícitas, e cujos resultados sejam reconhecidos

pelos competidores; 2) A participação da coletividade na competição se dê

sobre regra do sufrágio universal, tendo por única barreira o requisito de idade

limítrofe (SANTOS, 2017, p. 25).

No caso, a condição de competição eleitoral separa drasticamente as

democracias representativas de tentativas de democracias diretas que, em

geral, terminam em ditaduras pessoais, E a competição eleitoral introduz

severo critério a distinguir oligarquias representativas de democracias

representativas. Wanderley dos Santos (2017, p. 26), indica que tem sido em

razão do reconhecimento solidário da competição eleitoral, responsável pelo

qualificativo de representativo, que se comete reiterado equívoco na

historiografia política do mundo moderno, atribuindo-se às oligarquias

representativas do século XIX e até a primeira metade do século XX a

denominação de “democracia47”.

47

Apenas um exemplo, em excepcional investigação coordenada por Cotta, Maurício e Best, Heinrich, Democratic Representation in Europe: Diversity, Change, and Convergence, Oxford University Press, 2007: Este ponto no tempo [2004] nos oferece uma desafiadora perspectiva de aproximadamente 150 anos da história europeia, transcorridas desde o ano revolucionário

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E sobre o voto direto48 só foi introduzido em cinco países antes de

1850, em outros oito países entre 1871 e 1901, e em mais cinco entre 1901 e

1931. Em virtude das barreiras, de gênero, renda, idade, religião, educação e

estado civil eram as mais importantes dos eleitores desses países e não

correspondiam a mais de 10% no máximo 20%, da população ainda no fim do

século XIX. A diferença nos tamanhos das coletividades com direito à

participação pode ser avaliada por alguns exemplos dos eleitorados antes e

depois da eliminação das barreiras, atendendo, portanto, à exigência de

participação universal, diferença não explicada por mero crescimento

populacional.

Numa argumentação da escravidão grega: “o demos ateniense era

uma elite minoritária da qual uma grande população de escravos estava

totalmente excluída. Isso é real, a presença de inúmeros escravos não poderia

deixar de ter influído tanto na prática quanto na ideologia daquela democracia

antiga” (FINLEY, 1988, p. 28), considerando que “o mundo grego foi,

basicamente, um mundo da palavra e não da escrita” (FINLEY, 1988, p. 30),

daí ter o direito de Isegoria, como um direito universal de falar na assembleia,

os escravos e nem a mulher tinham na democracia ateniense. Talvez esteja

aqui uns dos defeitos da democracia ateniense.

Há que se levar em conta outra questão, que, em qualquer democracia

que se estude, a importância da educação deve ser central (FINLEY, 1988), e,

ao se analisar a do Estado do Maranhão, observa-se que os seus índices são

os mais sofríveis em relação ao do país, o que de certa forma, contribui

significativamente com uma democracia de baixa intensidade, portanto,

precisa-se compreender que, sem uma autonomia cultural, intelectual e renda,

torna-se difícil pensar no alargamento dos demos. Na questão da autonomia, o

seu princípio requer um rigoroso estudo de um conceito de igualdade

intimamente ligada à noção de “condições iguais”, e de acordo com Held

de 1848 até o presente. Esse período histórico pode ser visto como o de construção, difusão e consolidação da democracia representativa a toda a Europa (Wanderley dos Santos, 2017). 48

Ver Weber: “toda democracia direta tende a se converter em governo de notáveis”. (Economia e Sociedade, v.1).

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(1987):

[...] Para criar as condições para igualdade política, a distribuição atual de recursos materiais teria de ser profundamente alterada. A autonomia democrática e a distribuição existente de recursos escassos estão em fundamental contradição. A igualdade política é inseparável de uma rígida concepção de justiça distributiva. Mas, se o princípio da autonomia e a vida democrática pressupõem uma vigorosa dedicação à “igualdade de condições”, tem-se que indagar imediatamente: quais condições, exatamente, deveriam ser iguais? A distribuição de todos tipos de recursos deveriam ser equalizadas [...]. (HELD, 1987, p. 264).

Nesse argumento pressupõem que as pessoas deveriam ter, pelo

menos, a quantidade mínima de recursos exigida para o exercício de seus

direitos, recursos que poderiam estar disponíveis, entre outras coisas, por meio

de uma renda garantida para todos os adultos, independente se estavam

envolvidas no trabalho assalariados ou no trabalho doméstico (HELD, 1987).

O determinante na reflexão de Held (1987) é que tal igualdade de

condições inexiste, e é de difícil alteração, se não se alterar o sistema da

competição política de forma estrutural e garantido o acesso dos recursos

econômico, a fim de evitar o alto grau de desigualdades para que o povo

almeje vitória. Se olhar para o mundo ocidental hoje, todos se consideram

democratas. Esse fato representa uma extraordinária mudança com relação à

situação predominante há centro e cinquenta anos. Em parte, isso se tornou

possível graças a uma drástica redução no elemento de participação popular

que havia na concepção original grega de democracia.

A disseminação de uma teoria justificando tal redução contribuiu muito,

no campo ideológico, para que ela ocorresse. A teoria elitista, como é

usualmente chamada, sustenta que a democracia só pode funcionar e

sobreviver sob uma oligarquia de facto de políticos e burocracia profissionais;

que a participação popular deve ser restrita a eleições eventuais; que, em

outras palavras, a apatia política do povo é algo bom e um indício de saúde da

sociedade. Moses Finley (1998), que discordava da teoria elitista, buscou

desenvolver um discurso dialético entre concepções de democracia da Grécia

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antiga e as modernas, dentro dos limites em que fosse possível discutir dois

mundos tão radicalmente diferentes, na crença de que cada sociedade pode

ajudar-nos a compreender.

Depois da democracia dos gregos e de Atenas, quase no mesmo

tempo histórico, surgiu na península italiana, na cidade de Roma, o chamado

governo popular, que os romanos preferiram chamar seu sistema de república:

res, que em latim significa coisa, negócios; publicus – ou seja, a república

poderia ser interpretada como “a coisa pública” ou “os negócios do povo”. De

acordo com Finley (1998), quando discute democracia antiga:

Os romanos também discutiram a democracia, mas o que eles tinham a dizer tem muito pouco de interesse. Eram discussões secundárias no pior sentido, derivadas apenas de livros, já que Roma em si nunca foi uma democracia segundo qualquer definição aceitável desse termo, embora as instituições populares fossem incorporadas ao sistema de governo oligárquico da República Romana. (FINLEY, 1998, p. 27)

Às vezes, a palavra democracia e república são tratadas como

sinônimos, mas James Madson (2001, p. 27), o arquiteto da constituição norte-

americana, explica, “[...] uma distinção entre uma democracia pura, que é uma

sociedade consistindo num número pequeno de cidadãos, que se reúnem e

administram o governo pessoalmente, difere de uma república, que é um

governo em que há um sistema de representação [...]”. É fundamental acentuar

que tais modelos de democracia ou república já explicitavam seus limites. O

direito de participar no governo da república inicialmente era restrito aos

patrícios, os aristocratas. Numa etapa de desenvolvimento da democracia, vai

se encontrar mais adiante, isso depois de muitas lutas, o povo49 (a plebe), que

também passou a adquirir tal direito (de participar).

A democracia foi, ao longo da história, concebida de diversas formas, e

a construção de seu conceito varia de acordo com os processos históricos e as

sociedades que a adotaram como forma prioritária de governo. Em geral, um

49

Ver RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. .

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conceito de democracia é construído em contraposição a outro. Nas três

últimas décadas, a democracia continuou na centralidade das discussões

políticas. Considerando que a reinterpretação de uma teoria política se faz

tendo em mente os problemas contemporâneos e constituindo daí, portanto,

uma nova teoria, aqui quer se entender a democracia no tempo presente.

2.1.1 Democracia Liberal-representativa

Inicialmente traz-se o significado de democracia liberal, conforme

Macpherson, (1978, p.10): “é uma democracia de uma sociedade de mercado

capitalista (não obstante as modificações que essa sociedade aparenta com o

advento do estado de bem-estar social50), mas a resposta seria “não

necessariamente”, se por democracia liberal entendermos, como John Stuat

Mill e os liberal-democratas que acompanharam em fins do século XIX e inícios

do século XX, uma sociedade empenhada em garantir que todos os seus

membros sejam igualmente livres para concretizar suas capacidades, o que

para aquele “liberal” pode significar a liberdade do mais forte para derrubar o

mais fraco de acordo com as regras do mercado (competição); ou pode

significar de fato igual liberdade para todos empregarem e desenvolverem suas

capacidades. O que para Macpherson, esta última definição é contraditória em

relação a primeira. O que tem razão, pois, isso seria uma verdade se a

concentração da renda, as desigualdades sociais e a pobreza não fossem tão

grande, ou mesmo não houvesse discriminações e preconceitos de diversos

formas. A dificuldade consiste em que a democracia liberal, durante a maior

parte de sua vida até agora (vida que, como já demonstrou Machpherson, teve

apenas cento e cinquenta anos como conceito, e mais tarde como instituição

concreta) tudo fez para combinar os dois significados. Sua vida começou nas

sociedades capitalistas de mercado, e que pode ser parafraseada como “o

mercado marca o homem”. Contudo, logo depois, já com John Stuart Mill, em

meados do século, reivindicava intensamente direitos iguais para o indivíduo

desenvolver-se, e por sua vez justificava em vista desse reinvindicação. Até

50

Conhecido por sua denominação em inglês, Welfare State. Os termos servem basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos.

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hoje, “liberal” tem sido tomando como significando “capitalista”, e questão

chave – a liberdade do individuo para concretizar suas capacidades humanas.

A democracia liberal é a que vigora e tem protagonismo no regime de

vários países, inclusive, no Brasil. Nesse modelo, a participação no poder

político, que sempre foi considerado o seu elemento característico, é resolvida

pela representação, pois, parece claro que, em nível nacional, deve haver certo

tipo de sistema representativo, e não uma democracia puramente direta

(MACPHERSON,1978). Essa representação tem provocado sucessivos

debates no campo político, porém a discussão é mais marcante no que se

refere ao pouco ou quase nenhum comprometimento dos representantes,

expressado no afastamento de suas bases, o que contribui para o descrédito,

prioritariamente do poder legislativo, por parte de amplos setores da sociedade,

e se convencionou chamar de democracia liberal representativa. Todavia a

democracia liberal tem seus limites, segundo Saes (2001):

[...] É quase consensual, entre os analistas, que as duas primeiras experiências democráticas do Brasil republicano – a de 1889-1930 e a de 1945-1964 – tiveram um caráter limitado. Isso quer dizer: a forma de Estado e o regime político não se revestiram, nesses dois períodos, de todos os atributos que podemos detectar nas instituições políticas dos países capitalistas centrais habitualmente qualificados como democráticas. A nosso ver, essa observação é justa. O problema, entretanto, começa quando ela se acopla a uma desconsideração da diferença existente entre as limitações registradas num e outro caso: a democracia de 1889-1930 e a democracia de 1945-1964. Essa desconsideração não resulta nos melhores cientistas políticos, de um desconhecimento do processo histórico concreto; na verdade, ela tem uma fundamentação teórica precisa. A saber: a suposição de que algum fator trans-histórico – a fraqueza da sociedade civil diante do Estado, a força do patrimonialismo ou um caráter autoritário da cultura nacional – funciona regularmente, no Brasil, como dispositivo limitador de toda e qualquer experiência democrática [...]. (SAES, 2001, p.108)

Ao caracterizar tais experiências da nossa formação social brasileira

como de uma democracia limitada, mas sem desconsiderar a importância da

democracia como um tipo de regime de governo mais avançado que a ditadura.

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Na perspectiva de Poulantzas (2000), além das limitações e transformações

das instituições da democracia política, o que caracteriza as sociedades atuais

é a crescente distância entre democracia política e democracia social51. O

desenvolvimento do capitalismo, sobretudo na fase atual, longe de aplainar as

desigualdades, não faz mais que reproduzi-las sobre formas novas e mesmo

intensificá-las. As novas formas de divisão e de organização sociais do trabalho

nas fábricas, nos escritórios, nas grandes empresas comerciais, não fazem

mais que afirmar e desenvolver, de encontro a todo palavrório sobre as

tecnoestruturas, a disciplina e o despotismo, as regras de organização quase

militares, a hierarquia, a centralização das decisões e sanções. Considerando a

posição de Macpherson sobre a democracia liberal, ele termina o seu livro A

Teoria Política do Individualismo Possessivo afirmando que, no século XX:

[...] não podemos esperar obter uma teoria do dever individual válido para uma única nação isolada. Porém, se não postularmos nada mais do que o grau de compreensão racional que sempre foi necessário para se postular qualquer teoria moral de dever político, poderia ser possível hoje uma teoria aceitável do dever do indivíduo para com uma autoridade política mais ampla. Dado esse grau de racionalidade, o indivíduo com interesses próprios, qualquer que sejam as suas posses, ou qualquer que seja seu apego a uma sociedade de mercado possessivo, precisará ceder à imperiosa necessidade, de que, nas palavras de Overton52, que adquirem hoje um novo, significado, “a sociedade humana, a convivência ou o ser [...] acima de todas as coisas terrenas, devem ser preservadas”. (MACPHERSON, 1979, p. 287)

O que não é senão outra maneira de ratificar que o Estado liberal-

democrático estaria enfrentando uma série crise de legitimação nas sociedades

capitalistas modernas, que ainda são sociedades de mercado possessivo, de

51

A socialdemocracia é uma ideologia que surgiu no fim do século XIX e início do século XX por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer sem uma revolução, mas por meio de uma evolução democrática. A ideologia socialdemocrata prega uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente tendo em meta uma sociedade socialista. A socialdemocracia tem suas raízes na ideia de Karl Marx de que seria possível, em certos países, estabelecer o comunismo ou socialismo por uma revolução pacífica e democrática. Essa ideia também foi avençada por Friedrich Engels e, principalmente, por Karl Kautsky. 52

Joseph p. Overton, criador, da janela Overton, também conhecida como a janela do discurso, é a gama de ideias toleradas no discurso público, que em sua descrição de sua janela afirmou que a viabilidade política de uma ideia depende principalmente de se cair dentro da janela, em vez de sobre as preferências individuais dos políticos.

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acordo com Brandão (1997). E talvez se possa dizer a mesma coisa ainda de

outra forma, afirmando que a nunca tranquila relação entre capitalismo e

democracia está agora em crise. Nesse livro citado acima, Macpherson passa

distante de qualquer proposta que envolva o advento de uma democracia

participativa.

É o que desenvolve Brandão (1997) quando analisa tal concepção de

Macpherson:

[...] Ele constata a dificuldade quanto ao abandono ou superação de uma sociedade de mercado sem o consequente abandono das instituições políticas liberais, isto é, percebe que não é fácil a superação do capitalismo com a conservação da democracia. Ao mesmo tempo, sugere que, se isso fosse possível, talvez se tornasse plausível a construção de uma nova teoria do dever válida para um estado liberal-democrático na sociedade que se configurasse com a superação do capitalismo [...]53. (BRANDÃO, 1997, p. 119)

Mas depois Macpherson mudou suas concepções, no livro A

Democracia Liberal, e passou a adotar, de forma otimista, uma democracia

participativa. Segundo ele, “parece que a esperança de uma sociedade e um

sistema de governo mais participativos veio para ficar” (MACPHERSON, 1978,

p. 97). Todavia o povo não governa sem participação popular: “A participação

reduzida e iniquidade social estão de tal modo interligadas que uma sociedade

mais equânime e mais humana exige um sistema de mais participação

política”. Algo de mais participativo que o sistema atual era desejável. Para

pensadores marxistas, a plenitude de uma concepção de democracia só

existirá de fato em um sistema socialista, ou se houver a superação do sistema

capitalista, é o que defende Carlos Nelson Coutinho (2008, p.16), “[...] se sem

democracia não há socialismo, tampouco há democracia plena e consolidada

sem socialismo [...]”.

A democracia liberal tem também acepção de democracia

representativa54. Segundo teóricos, em geral, a expressão “democracia

53

Na concepção de Marshall (1967), a cidadania e democracia é uma luta contra as desigualdades no capitalismo. 54

Citado em Dahl (2012, p. 340) [...] A mudança mais óbvia, sem dúvida, é que os

representantes substituíram quase por completo a assembleia dos cidadãos da democracia

antiga (a frase de Mill na qual ele descarta a democracia direta ocorre num trabalho sobre o

governo representativo) [...]. Como um meio de ajudar a democratizar os governos dos Estados

nacionais, a representação pode ser compreendida como um fenômeno histórico e como uma

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representativa” significa que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações

que dizem respeito à coletividade, são feitas não diretamente pela população,

mas por pessoas eleitas para essa finalidade, uma espécie de representação

delegada. Um Estado representativo é aquele no qual as principais

deliberações políticas são tomadas por representantes55 eleitos, importando

pouco se os órgãos de decisão são o parlamento, o presidente da república, ou

parlamento com os conselhos regionais (BOBBIO, 2000).

2.1.2 Democracia Elitista

Os principais nomes foram: Vilfredo Pareto (1848-1923), Gaetano

Mosca (1858-1941) e Robert Michels (1848-1923), e a base de sua

discordância dos teóricos das elites com a democracia clássica era com ideia

de “povo” na vida política.

Na concepção de Pareto, deve-se levar em consideração que as

classes não são inteiramente distintas, mesmo em países onde prevalece um

sistema de castas:

[...] em modernos países civilizados a circulação entre várias classes é excessivamente rápida. Considerar exaustivamente essa questão da diversidade dos numerosos grupos sociais e das inúmeras maneiras pelas quais se misturam está fora de questão. Como sempre, portanto, como não podemos ter o máximo, teremos que nos contentar, com o mínimo e tentar facilitar ao máximo o problema a fim de torná-lo mais mensurável. Esse é o primeiro passo num caminho que poderá

aplicação da lógica da igualdade a um sistema político em grande escala [...] Em consequência

disso, os defensores da reforma, os quais a princípio raramente procuraram tornar os órgãos

legislativos existentes mais “representativos” por meio da ampliação das liberdades, da adoção

de um sistema eleitoral que tornaria os membros mais representativos do eleitorado e da

garantia de eleições livres e conduzidas com justiça, além disso, procuraram garantir que o

representante executivo mais importante (o presidente, o primeiro ministro, o gabinete ou o

governador) fosse escolhido por uma maioria do legislativo (ou da casa popular) ou pelo

eleitorado geral. 55

Ver Cotta, M. (2007, p. 102). Verbete Representação Política, in: Dicionário de Política [...].

O sentido de Representação política está, portanto, na possibilidade de controlar o poder,

atribuído a quem não pode exercer pessoalmente o poder [...] Com base em suas finalidades,

poderíamos, portanto, definir a representação como um “mecanismo político particular para a

realização de uma relação de controle (regular) entre governados e governantes [...]”. Três são

os modelos da representação política: 1) a representação como relação de delegação; 2) a

representação como relação de confiança; 3) a representação como “espelho” ou

“representatividade sociológica”.

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ser seguido por outros [...]. Não consideramos no momento o caráter bom ou mau, útil ou prejudicial, louvável ou representável dos vários traços dos indivíduos e nos limitemos a graus — em outras palavras, se o traço em um dado caos é fraco, médio ou intenso ― ou, mais exatamente, ao índice que pode ser dado a cada indivíduo com referência ao grau ou intensidade com que o traço em questão aparece. Suponhamos que, em qualquer ramo de atividade humana seja atribuída a cada indivíduo um índice que represente um sinal de sua capacidade, de maneira semelhante ao modo que se dá nota nas várias matérias nos exames escolares. (PARETO, 1966, p. 70-71).

Portanto, o que Pareto (1966) nos traz é o seu conceito de elite,

quando substituindo variações imperceptíveis em números absolutos e exatos,

e com variações agudas correspondendo a agrupamentos por classes, do

mesmo modo que num exame os que passaram são considerados fortes e

arbitrariamente separados dos que foram reprovados, e do mesmo modo que

em matéria de idade cronológica separou as crianças dos jovens e os jovens

dos adultos, depois reuniu em uma classe, as pessoas que possuem os mais

altos índices em seus ramos de atividade e chamou essa classe de elite (a

ideia principal no termo “elite” é superioridade. Num sentido lato entende por

“elite” numa sociedade as pessoas que possuem um acentuado grau de

qualidade, de inteligência, perícia, capacidade, de qualquer espécie, como

“circulação das classes de elite: selecionadas, escolhidas, dirigentes,

“melhores”. Segundo ele, para a investigação específica que empreendeu,

desse estudo do equilíbrio social, foi de grande utilidade dividir essa classe em

duas outras, que ele chamou de “uma elite governante, compreende os

indivíduos que direta ou indiretamente participam de forma considerável do

governo, e uma elite não governante, compreendendo os demais”. Então, tem-

se conforme o estudo de Pareto (1966, p. 73), “dois estratos numa população:

1) um estrato inferior, a não-elite, cuja influência possível no governo não nos

interessa aqui; 2) um estrato superior, a elite, dividida em dois: a) a elite

governante; b) a elite não governante”.

Assim este desenvolveu o seu conceito de elite. Afirmando que, a elite

governante contém indivíduos que usam rótulos apropriados para cargos

políticos de certa relevância — ministros, senadores, deputados, juízes,

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generais, coronéis, e assim por diante ― fazendo a já citada exceção para

aqueles que acharam o caminho para essa decantada companhia sem possuir

as qualidades correspondentes aos rótulos que usam. E tais exceções são

muito mais numerosas que as exceções entre advogados, físicos, engenheiros,

milionários (que ganham seu próprio dinheiro), artistas famosos e assim por

diante; pela razão, entre outras, que nesses últimos departamentos das

atividades os rótulos são usados diretamente por cada individuo, enquanto na

elite alguns rótulos — no caso, o rótulo de riqueza, por exemplo, ― são

hereditários.

[...] Antigamente havia sempre rótulos hereditários também na elite governante: nos nossos dias só de rei continua nesse status. Mas se a herança direta desapareceu; indiretamente a herança ainda é muito forte; e um indivíduo que herdou um razoável patrimônio pode ser facilmente, em certos países, nomeado senador, ou conseguir ser eleito para o Parlamento comprando votos ou, em certas ocasiões, enganando os eleitores com afirmações de ser democrata dos democratas, um socialista, um anarquista. Riqueza, família ou contatos sociais também ajudam em muitas outras ocasiões a conseguir o rótulo da elite em geral, ou da elite governante em particular, para pessoas que de outra maneira não poderiam ter direitos sobre eles. E em sociedade onde a unidade social é a família [no caso do Maranhão essa é um característica observada], o rótulo usado pelo chefe da família beneficia também os demais membros. (PARETO, 1966, p. 73-74).

O interessante de como o estudo de Pareto, parece ainda muito atual,

cabendo bem à realidade de várias regiões brasileira. Outro teórico do elitismo

é Gaetano Mosca com sua tese de classe dirigente, que passa a discorrer:

Entre os fatos e tendências encontrados de maneira constante em todos os organismos políticos, um é tão óbvio que é visível até ao observador menos atento. Em todas as sociedades — desde as parcamente desenvolvidas, que mal atingiram os primórdios da civilização, até as mais avançadas e poderosas ― aparecem duas classes de pessoas: uma classe que dirige e outra que é dirigida. A primeira, sempre menos numerosa, exerce todas as funções políticas, monopoliza o poder e goza das vantagens que o poder traz consigo, enquanto a segunda, mais numerosa, é dirigida e controlada pela primeira, de maneira ora mais ou menos legal, ora mais ou menos arbitrária e violenta, e supre aquela, pelo menos aparentemente, com meios materiais de subsistência e com o instrumental necessário à vitalidade do organismo político. (MOSCA, 1966, p. 51).

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O que Mosca (1966) nos aponta é que, na prática, todos nós

reconhecemos a existência dessa classe dirigente (ou classe política). O que

não é diferente em diversos outros países – no caso, um mundo no qual todos

os homens são diretamente subordinados a uma única pessoa, sem relações

de superioridade (característica elitista) ou subordinação, ou no qual todos os

homens teriam igual participação na direção de assuntos políticos. Este diz que

há dois fatos políticos que são muito mais ameaçadores em aparência que na

realidade:

O primeiro desses fatos — e basta os olhos para o vermos ― é que em todo organismo político existe um indivíduo que é o chefe entre os líderes da classe dirigente e que se situa, como dizemos, à testa do Estado. Esse indivíduo não é sempre a mesma pessoa que, de acordo com a lei, detém o poder supremo. Às vezes, ao lado do rei ou imperador hereditário, existe um primeiro-ministro ou um mordomo do paço que na realidade exerce um poder maior que o do soberano. Outras vezes, em lugar do presidente eleito, será o político influente que possibilitou a eleição do presidente quem governará. Sob circunstâncias especiais, pode haver, ao invés de uma única pessoa, duas ou três que desempenhem as funções do controle supremo. O segundo fato é também discernível. Qualquer que seja o tipo de organização política, as pressões procedentes do descontentamento das massas governadas ou de paixões pelas quais são dominadas exercem certa influência na política da classe, da classe política (MOSCA, 1966, p. 52).

As teses da teoria elitista estão sempre carregadas de certo

determinismo, mas com muita validade na política real. Ao desenvolver um

estudo sobre o elitismo Cristina Buarque de Hollanda (2011), descreveu que,

embora a escravidão fosse um limite claro ao princípio isonômico de igualdade

na Atenas antiga a concessão de direitos políticos a pequenos comerciantes e

artesão foi uma novidade radical daquele sistema de governo. A desigualdade

estava concentrada no oikos56, ambiente doméstico com relações assimétricas

entre pais e filhos, maridos e mulheres, senhores (aquele que prevê) e

escravos (aquele que provê). Já para aqueles que eram os cidadãos da polis,

havia oportunidades iguais de participação política. Platão, que discordava da

polis ateniense, defendia o modelo de cidade perfeita, governada por uma elite

56

Palavra de origem grega e que pode significar “casa”, “ambiente habitado” ou “família”.

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de sábios, os filósofos, que tinham acesso privilegiado ao conhecimento e à

moral. Daí, a tensão entre elites e democracia extrapolou esse momento

original e alcançou importante projeção na reflexão política moderna e

contemporânea (HOLLANDA, 2011).

É a partir dessa tensão, que surgiu, então, essa nova concepção

política objeto da crítica de Mosca, Caetano e Michels (1982), e todos

convergem na descrição da democracia liberal como um regime utópico cuja

rotina institucional não guarda vínculos com sua motivação ideal. Daí defendeu

que as ideias de soberania popular, igualdade política e sufrágio universal são

coisas abstratas de discurso, sem sustentação real.

Na visão elitista, todo exercício da política, alheio às suas justificativas

formais, está fadada à formação de pequenos grupos que subordinam a maior

parte da população, a distinção entres dirigentes (minoria) e dirigidos (maioria).

Embora não constituam uma escola bem-definida, com um corpo rígido e

coerente de doutrinas políticas. Nessa perspectiva, a retórica democrática,

destituída de vínculos com a realidade social, serviria apenas à legitimação do

poder de minorias que mobilizavam um discurso universalista com vistas a

garantir seu próprio interesse ou benefício. Portanto, todos os sistemas

políticos, apesar de seus discursos de justificação, instituem uma relação de

dominação entre homens.

Já Robert Michels sintetiza essa percepção com a sua tese da “Lei de

ferro da oligarquia”, em que toda organização se transforma em uma oligarquia

(de poucos). A marca forte do realismo político aproxima os elitistas do

pensamento de Nicolau Maquiavel, pensador florentino do Renascimento que

deslocou as visões sobre a natureza humana e sobre a política do vício

idealista para a observação do possível (HOLLANDA, 2011).

Não é possível a existência de uma ordem social altamente

desenvolvida que prescinda de uma “classe política” segundo Gaetano Mosca,

vale dizer, uma classe politicamente dominante, a classe de uma minoria. No

dizer de Marx “uma classe dominante” (MOSCA, 1966, p. 54).

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E, nessa perspectiva, que inaugura a política moderna, homens

comuns e a política deixam de ser pensados na sua forma desejada para

serem compreendidos na sua existência no mundo real. E daí os autores do

elitismo foram à busca de uma construção de critérios científicos para estudo

da sociedade, surgindo, assim, a categoria teoria das elites, com certa

afinidade ao elitismo e ao positivismo do pai fundador da sociologia, Augusto

Comte, concepção que fica evidenciada no pensamento de Pareto de que a

imparcialidade do cientista é condição de entendimento da realidade, e

defende: “Para estudar sociologia, é necessário estar absolutamente fora da

vida ativa”, ideia de Pareto, e que depois em suas cartas vai rever essa posição

(PARETO, 1966, p. 12).

Em seguida, surgiram mais dois autores identificados com o que se

convencionou chamar de teoria democrática-elitista, ou pluralista, e que se

identificam com algumas posições dos autores principais do elitismo, Joseph

Schumpeter (1883-1950) e Robert Dahl.

Primeiramente, em uma perspectiva crítica, discorre-se sobre as ideias

de democracia de Schumpeter (1984), crítico da filosofia democrática do século

XVIII, ao dizer não ser útil para a vida política, e rejeita a suposição de que a

vontade do povo institui um corpo de especialistas, seus representantes, e aí,

passou a ser contrário da suposição de que os homens possam produzir

acordo sobre um ideal político que inclua a todos, indistintamente. Defensor da

democracia, no que diverge de Pareto e Michels, apresenta o seu conceito:

que, no lugar da ficção democrática, que supõe representantes diretamente

vinculados ao povo, o autor identifica um cenário real constituído por elites

políticas, como diferentes estratégias de captura de votos, em disputa pelo

poder e referidos aos interesses dos eleitores apenas na medida do seu próprio

interesse. Nesse sentido, a atenção dos representantes aos representados

deixa de ser um fim em si mesmo para constituir um instrumento subordinado à

promoção do autointeresse. Portanto, para Schumpeter (1984), democracia

não significa poder do povo. Sempre será das elites. Não é um fim ― o bem

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comum — mas um conjunto de procedimentos que visa regulamentar a

concorrência entre as elites organizadas em empresas políticas (os partidos).

Na teoria de Marx, dito por Schumpeter (1984), o controle privado dos

meios de produção está na base tanto da capacidade da classe capitalista de

explorar o trabalho como de sua capacidade de impor os ditames de seu

interesse de classe sobre a administração dos negócios políticos da

comunidade; o poder político da classe capitalista aparece, então, como

apenas uma forma particular de seu poder econômico. Infere-se daí que, por

um lado, não pode haver democracia enquanto esse poder existir – a

democracia meramente política é, necessariamente, um simulacro – e, por

outro, que a eliminação desse poder ao mesmo tempo terminará a “exploração

do homem pelo homem” e trará à tona o “governo do povo”. Defende a

necessidade de uma concepção mais realista, a qual ele propõe nos seguintes

termos:

[...] A filosofia da democracia do século XVIII pode ser enunciada na seguinte definição: o método democrático é o arranjo institucional para se chegar a decisões políticas que realiza o bem comum, fazendo o próprio povo decidir as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-se para realizar a vontade desse povo [...] (SCHUMPETER, 1984, p. 313).

Nessa perspectiva, a democracia, enquanto categoria de análise vem

se apresentando com certa força e legitimidade, e quase como um remédio

para os males da sociedade capitalista de crise, e mais, um contraponto a

modelos despóticos, aristocráticos, tirânicos em regiões que a ideia de res-

pública ainda não vigorou a contento. Avançando um pouco mais na analise

do conceito de democracia ― competição pela liderança política, Schumpeter

(1984) nos diz o seguinte:

[...] Numa democracia – escolhendo “representantes” que zelariam para que essa opinião fosse seguida. Assim, a seleção dos representantes torna-se secundária em relação ao propósito básico do arranjo democrático, que é investir o eleitorado do poder de decidir questões políticas. Vamos supor que revertam os papéis desses dois elementos e que a decisão a respeito dos temas, tomado pelo eleitorado, seja considerado secundário em relação à eleição das pessoas que deverão

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tomar a decisão [...]. (SCHUMPTER, 1984, p. 338)

Em outras palavras, ele assumiu a visão de que “o papel do povo é

produzir um governo, ou melhor, um corpo intermediário que, por sua vez,

produzirá um governo ou um executivo nacional”. Daí passou a definir como

um método democrático: “sendo aquele de acordo institucional para chegar a

decisões políticas em que os indivíduos adquirem o poder de decisão por meio

da luta competitiva pelos votos da população”.

Pode-se dizer que, por essa análise schupeteriana, o povo tem o único

poder que é o voto. Mas sem recurso material e intelectual, e, em

consequência das desigualdades sociais, estes estão sempre em situação

subalterna, subordinado, dependente e sem uma condição livre e autônoma

para influenciar o poder na Democracia dos Políticos, ou no conceito de

Schumpeter: “Governos dos Políticos” da defesa de democracia como método,

isso por considerar o executivo uma empresa que também faz muito mais do

que “executar” a vontade dos acionistas.

Logo, ao se falar de democracia dos políticos, tem-se a perspectiva de

se atualizar o conceito de democracia que vigora na cena política

contemporânea, e, pelo método schumpeteriano (SCHUMPTER, 1984), a

relação que subsiste entre democracia e liberdade. E por liberdade se refere à

existência de uma esfera de autogestão [autonomia] do individuo, cujos limites

variam historicamente, e este de que, “nenhuma sociedade tolera a liberdade

absoluta, nem mesmo de consciência ou fala, nenhuma sociedade reduz tal

esfera a zero, a questão se torna claramente uma questão de grau”

(SCHUMPTER, 1984, p. 339). Portanto, o seu método democrático não

garante, necessariamente, uma liberdade individual maior que a permitida por

qualquer outro método político em circunstâncias similares. Pode muito bem

ocorrer o contrário. Mesmo assim, porém, persiste uma relação entre os dois:

[...] Se, ao menos em princípio, todos forem livres para competir pela liderança política (como no campo econômico algumas restrições estão implícitas nos princípios jurídicos e morais da comunidade), apresentando-se ao eleitorado, isso,

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na maioria dos casos, apresentando-se ao eleitorado, isso, na maioria dos casos (embora não em todos), significará considerável a liberdade de discussão para todos. Em particular, significará considerável liberdade de imprensa. Essa relação entre democracia e liberdade não é absolutamente precisa e pode ser falsificada. Mas, do ponto de vista do intelectual, é, apesar de tudo, muito importante. Ao mesmo tempo, é só isso que há nessa relação. (SCHUMPETER, 1984, p. 339).

E, para Schumpeter (1984), quem quer que aceite a doutrina clássica

da democracia e, em consequência, que o método democrático deve garantir

que as questões sejam decididas e as políticas sejam estruturadas de acordo

com a vontade do povo, deve aceitar também o fato de que, mesmo que tal

vontade seja inegavelmente real e definida, a decisão por maiorias simples vai,

em muitos casos, destorcê-la, em lugar de efetivá-la. Então, reafirma que a

vontade da maioria no seu método é a vontade da minoria, e não a vontade do

“povo”.

E o princípio da democracia significa, então, meramente que as rédeas

do governo devem ser dadas àqueles que têm mais apoio do que quaisquer

dos indivíduos ou grupos em competição. Aqui mais uma vez Schumpeter

(1984) quer demostrar que povo só tem vez no sistema eleitoral por meio do

voto, para reafirmar a garantia e permanência do sistema da maioria dentro da

lógica do seu método democrático. E na sua teoria do método democrático,

passa a dar exemplo de alguns importantes aspectos da estrutura e

funcionamento da máquina política, em países democráticos, porém não se

quer avançar nesse ponto, somente trazer outra questão importante, de como:

1) Numa democracia, segundo ele, a função primária do voto do eleitor é

produzir o governo. Isso pode significar a eleição de um conjunto completo de

funcionários. Em geral, essa prática é um aspecto do governo local e será

negligenciada daqui por diante. Considerando apenas o governo nacional,

pode-se dizer que a produção do governo significa, na prática, decidir quem

será a pessoa na liderança57, e, nesse aspecto, que ele chama de Primeiro-

57

Isso é apenas aproximadamente verdadeiro. O voto do eleitor, realmente, leva ao poder um grupo que, em todos os casos normais, reconhece um indivíduo como líder, mas onde há, em geral, líderes de segundo e terceiro escalões que possuam suas próprias armas políticas a quem o líder não tem escolha senão colocar nos cargos apropriados [...] Embora haja razões

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Ministro. Apenas numa democracia o voto do eleitorado faz isso

diferentemente. Então, no modelo de democracia elitista de Schumpeter tem

acepção de “Governos dos políticos”.

Na visão de outro elitista, considerado o principal teórico norte-

americano do pluralismo liberal, Robert Dahl (1915), e pai fundador da

poliarquia, esta que segundo ele é a forma possível de democracia no mundo

moderno, ou seja, um regime no qual múltiplas minorias participam da

competição política (1997). Passa afirma que, entre as democracias gregas, a

de Atenas era de longe a mais importante, a mais conhecida na época e, ainda

de incompatível influência na filosofia política, muitas vezes considerada um

exemplo primordial de participação dos cidadãos ou, como diriam alguns, era

uma democracia participante58, portanto, para Dahl a democracia clássica tem

um valor, entendimento divergente da ideia de Pareto e Schumpeter. Mas,

Dahl (1997) considerava complexo o governo de Atenas. Em seu âmago, havia

uma assembleia a que todos, os que eram cidadãos e livres, estava

autorizados a participar. Essa instância elegia alguns funcionários essenciais.

Segundo Dahl (1997), a democracia:

[...] é fruto de um cálculo de custos e benefícios feito por atores em conflito. O ponto de partida dessa formulação é a premissa de que todo e qualquer grupo político prefere reprimir a tolerar seus adversários. Nesse caso, a democracia sustenta-se baseada em um equilíbrio de forças, isto é, quando nenhum grupo social está em condições de eliminar os demais [...]. (DAHL, 1997, p. 21)

Em seu livro A democratização a caminho: apenas a caminho, Dahl

(1997) explicita que a lógica da igualdade estimulou a criação de assembleias

locais, em que os homens livres pudessem participar do governo, pelo menos

para se esperar que uma pessoa assuma uma posição de comando supremo possua em geral, considerável força pessoal, além de qualquer outra qualidade que possua [...]. (SCHUMPETER, 1984). 58

Explícito que, a democracia não pode ser considerada somente pelo fato de haver eleição, no caso, a ideia de “democracia-eleitoral e/o do voto”, ou mesmo de alternância de governo para se afirmar que tal forma é democrática em determinada territorialidade/região/lugar. Tal concepção tem certo simplismo. Será necessário ir mais a fundo, já que, quando se falar em democracia, o tema é de uma complexidade tamanha, por suas diversas adjetivações, acepções e contradições, que como disse Marx “a contradição é inerente à cena político-eleitoral no sistema capitalista”. Mesmo nos clássicos que se debruçaram em períodos diferentes da história, não se tem uma interpretação única.

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até certo ponto. Ideias e práticas políticas europeias proporcionaram uma base

para o surgimento da democracia. Entre os proponentes de uma

democratização maior, as descrições de governos populares na Grécia

clássica, em Roma e nas cidades italianas às vezes emprestavam maior

plausibilidade à sua defesa. Essas experiências históricas demonstraram que

os governos sujeitos à vontade do povo eram mais esperanças ilusórias. E se

as ideias, as tradições, a história e os costumes que bem descreveu Dahl

continham uma promessa de democratização, na melhor das hipóteses, seria

apenas uma promessa. Ainda faltavam peças decisivas (DAHL, 2001).

Ao defender, em sua tese principal, a poliarquia (1997), Dahl

considerava como superior a democracia. E defendia – “que a necessidade da

competição é a garantia da existência da oposição para um equilíbrio das

forças em disputas, ou em conflito” (DAHL, 2012, p. 16). Em diálogo de Jean-

Jacques Rousseau e James descrito por Dahl (2012), tem-se que:

[...] James pergunta a Rousseau: [...] por que a poliarquia seria um substituto lastimável para a verdadeira democracia? Rousseau responde: a democracia, como era compreendida na era clássica, significava, acima de tudo, a participação direta dos cidadãos; ou a democracia era participativa, ou era uma farsa [...]. (DAHL, 2012, p. 16)

Nesse modelo, a concepção básica é a inclusão popular na escolha de

seus representantes e na disputa política para essa escolha, Ou seja, quanto

maior for a democratização da inclusão popular nas eleições e das disputas por

vagas nos três poderes, mais democrática é a sociedade (DAHL, 1997). A

questão é que a tese da poliarquia defendida por Dahl não conseguiu se

estabelecer em lugar algum, ficou somente no campo teórico.

2.1.3 Democracia Participativa

Na abordagem da participação política contemporânea, ou democracia

participativa, para alguns, que surgiu no marco institucional da democracia

liberal do ocidente, os teóricos liberais tratam a participação de forma

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apologética. Tempos atrás, Fernando Henrique Cardoso e Carlos Estevam

Martins (1983) fizeram uma observação que permanece atual:

Não escapará ao leitor mais arguto o campo ideológico em que se coloca a problemática do desenvolvimento político e as limitações teórico-metodológicas que a atingem. Esta introdução não é o lugar adequado para aprofundar críticas aos textos, mas convém assinalar que essa concepção da análise das formas de participação dentro de um marco de caráter evolucionista-democrático – que esteve em moda na década passada – está hoje sendo revista para evitar os riscos de uma concepção ingênua sobre a natureza das questões políticas nos países subdesenvolvidos e os riscos de uma doutrina que prescreve de evolução política das grandes democracias ocidentais, sem atender às especificidades dos conflitos políticos e à sua historicidade. (CARDOSO; MARTINS, 1983, p. 373)

Para os dois autores, é visível o caráter evolucionista e limitado dos

modelos de participação decantados das glamorizações das democracias

ocidentais existentes nos países. A democracia participativa “começou como

lema dos movimentos estudantis da Nova Esquerda, ocorridos na década de

60” (MACPHERSON,1997, p. 97). Difundiu-se pela classe trabalhadora

naquela mesma década e na seguinte, sem dúvida em consequência da

crescente insatisfação entre trabalhadores fabris e de escritórios e dos

sentimentos mais generalizados de alienação que então entraram em moda

nos temas de sociólogos, técnicos em administração, comissões de inquéritos

governamentais e jornalistas populares. Uma das manifestações desse novo

espírito tiveram por base a ideia de que deveria haver considerável

participação dos cidadãos nas decisões governamentais difundiu-se tão

amplamente que os governos nacionais começaram a alisar-se, pelo menos

verbalmente, sob o estandarte da participação, e alguns chegaram mesmo a

encetar programas com ampla participação popular. Foi o caso dos Programas

de Ação Comunitária inaugurados pelo Governo Federal dos Estados Unidos

em 1964, que falavam de “participação máxima plausível dos residentes de

regiões e membros dos grupos atendidos”.

A ideia de democracia participativa é historicamente anterior à dos

autores acima (BRANDÃO, 1997) utilizada, com frequência, para qualificar a

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democracia antiga, mas importante referência para pensadores como

Rousseau ou John Stuart Mill. Todavia não serão analisados esses clássicos

da democracia participativa, e, sim, a exposição crítica da concepção de

democracia participativa, que surge nos últimos anos da década de 60 e ao

longo da década de 70, muito relacionado com ímpeto participacionista, que

despontou com o aumento da força militante dos novos movimentos sociais no

período. Quando aqui desenvolve a ideia sobre democracia participativa dos

três referidos autores, Brandão (1997) inicia por Poulantzas:

[...] esforça-se por delinear uma via democrática para o socialismo, abandonando, dessa maneira, o campo estratégico do leninismo, que preconiza um caminho não democrático, configurado pela ditadura do proletariado [...]. No entanto, no momento mesmo em que se distancia do leninismo, guinando à direita, Poulantzas tem cuidado para não se inserir no campo estratégico da social democracia. Segundo ele, há duas alternativas que devem ser evitadas, a social democracia e o socialismo real, pois ambas “apresentam uma conivência de base: o estatismo e a profunda desconfiança em relação às iniciativas das massas populares”. (BRANDÃO, 1997, p. 114).

Na concepção de Poulantzas, a social democracia caminharia no

sentido de acolher apenas a democracia representativa, mesmo que com

pequenas modificações, o que permitiria a edificação de uma estrutura estatal

bastante ampla, convivendo com uma organização parlamentar de estilo liberal

e, por isso mesmo, com um profundo receio da participação ativa e direta da

cidadania. A apatia (desinteresses das massas seriam vista, nesse caso, com

bastante benevolência). Já o socialismo de corte leninista, como uma

organização de democracia direta, definida pela existência do mandato

imperativo e pela revogação dos mandatos, levaria, dentro de um período de

tempo mais ou menos longo, a uma ditadura estatista que veria com muito

maus olhos a participação das massas.

Além dessas alternativas, Poulantzas, para quem “o socialismo será

democrático ou não será”, procura estabelecer uma teoria democrática de

construção do socialismo que envolva simultaneamente a transformação

radical do Estado e a existência de um amplo movimento de participação da

cidadania. Poulantzas abandona a noção de ditadura do proletariado, que, em

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sua opinião, oculta a questão essencial da articulação de uma democracia

representativa transformada em democracia direta e na base. Tem que

considerar que a ditatura do proletariado, só pode ser a ditadura do partido, da

classe dirigente e não da classe dominante. É neste aspecto que Brandão

centra foco: a defesa por Nicos Poulantzas, da democracia representativa

articulada a fortes manifestações de massa, dentro e fora do aparelho de

Estado.

Abre-se aqui um parêntese para trazermos à baila a reflexão sobre a

democracia participativa, desenvolvida por Assis Brandão, o qual examina, a

esse respeito, as análises de Poulantzas59, Macpherson e Carole Pateman.

Ele passa a analisar a teoria sobre democracia participativa de Pateman, bem

mais otimista. Em Pateman, a preocupação fundamental é de provar a

possibilidade da existência mesma da democracia participativa nas sociedades

modernas. Ela vê um caráter pedagógico da participação pelo fato de

desenvolver no indivíduo alguns atributos psicológicos que, sendo resultantes

da participação, ao mesmo tempo orientam e fortalecem a própria participação

(BRANDÃO, 1997).

Conforme Pateman, os indivíduos que participam desenvolvem um

senso de eficácia ou competência política, o que torna a sua participação ainda

mais consciente em relação aos seus limites e seu alcance. Tal assertiva não

deixa de ter certo sentido, o que pode ser observado em movimentos sociais

mais organizados, seja em associações, sindicatos etc. Estes têm mais

conquistas e garantias de direitos, mesmo que limitados, diferentemente de

movimentos desorganizados, que parecem mais vulneráveis e apresentam

pouco resultado nas suas reivindicações de base frente à política dos

governos, seja federal, estadual ou municipal. Por isso a posição de Pateman é

considerada mais realista. Conforme Brandão, Poulantzas dialoga mais com a

tradição marxista, em especial a leninista; Macpherson polemiza mais com a

tradição liberal; e Pateman dialoga com as duas, a marxista e a liberal.

Em outra adjetivação da democracia, existe a teoria democrática

59

A ideia sustentada aqui não se encontra em Poder Político e Classes Sociais (1968), mas em

O estado, o poder e socialismo (1978).

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constitucionalista. Autores como Dagnino (2002), Sousa Santos (2009) e

Avritzer (2010) vão apontar a Constituição Federal Brasileira de 1988 e o

Orçamento Participativo, em Porto Alegre, que são exemplos concretos de

incorporação de novos elementos culturais, surgidos na sociedade, na

institucionalidade emergente, abrindo espaço para a prática da democracia

participativa. E Dagnino (2004) é enfática a respeito dessa cultura democrática:

[...] Foram realizadas 51 entrevistas, e aplicado um questionário, com pessoas com algum tipo de experiência, associativa. Havia a pergunta: em sua opinião, o que é mais importante para se dizer que um país é democrático? Para minha surpresa, 60,8% dos entrevistados apontaram o tratamento igual para brancos, negros, homens, mulheres, ricos e pobres em primeiro lugar. O que esse resultado indica é que a existência do autoritarismo social e da hierarquização das relações sociais é percebida, mais do que a desigualdade econômica ou a existência de liberdade de expressão, de organização sindical e partidária, como um sério obstáculo à construção democrática. (DAGNINO, 2004, p. 105)

Em linhas gerais, esse debate também ocorreu ao longo do mais

recente processo brasileiro de democratização. O conceito de democracia

sofre então uma nova reviravolta em sua trajetória. Para muitos analistas a

democracia representativa já não responde mais as demandas da sociedade e

a democracia direta parece impossível. E como síntese para a resposta dessa

crise começa a se formar o conceito de democracia participativa, tendo

características da forma semidireta, por não desconsiderar seus

representantes, mas aproximando os representados na arena política. E

conforme alguns teóricos afirmam que a democracia participativa se configura

entre a direta e representativa. Dentre estes teóricos, vale ressaltar o conjunto

de análises e estudos reunidos no livro organizado por Leonardo Avritzer

(2009), em torno dos quais encontramos temas como: sociedade civil, cultura

brasileira e participação democrática (Leonardo Avritzer, Juarez Rocha

Guimarães e Cícero Araújo); participação social e direito à participação no

governo Lula (Antônio Lambertucci e José Antônio Moroni); além de uma

análise dos conselhos estadual e nacional da assistência social feita por

Eleonora Cunha e Marcia Maria Pinheiro.

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José Moroni, discutindo a complexidade e multiplicidade dos sujeitos

políticos na atualidade afirma que “[...] a democracia representativa, via

partidos e processo eleitoral [...] não é suficiente para a complexidade da

sociedade moderna” (MORONI, 2009, p. 109), sendo necessário criar

mecanismos de participação que leve em consideração a complexidade do

mundo moderno que possam influenciar as decisões políticas. E para Antônio

Lambertucci:

A participação social [...] amplia e fortalece a democracia, contribui para a cultura da paz, do diálogo e da coesão social e é a espinha dorsal do desenvolvimento social, da equidade e da justiça. Acreditamos que a democracia participativa revela-se um excelente método para enfrentar e resolver problemas fundamentais da sociedade brasileira (LAMBERTUCCI, 2009, p. 71).

De modo geral pode-se entender por democracia participativa

[...] um conjunto de experiências e mecanismos que tem como finalidade estimular a participação direta dos cidadãos na vida política através de canais de discussão e decisão. A democracia participativa preserva a realidade do Estado (e a Democracia Representativa). Todavia, ela busca superar a dicotomia entre representantes e representados recuperando o velho ideal da democracia grega: a participação ativa e efetiva dos cidadãos na vida pública (SELL, 2006, p. 93).

Os mecanismos e instituições da democracia representativa tem se

mostrado significativamente limitados: “os velhos e tradicionais mecanismo e

instituições tem se revelado muitas vezes insuficientes, embora necessários,

para garantir a existência de um regime político efetivamente democrático”

(RODRIGUES apud ANDRADE, 2003, p. 6-7). Com isso, novos e modernos

instrumentos de controle e participação no poder devem ser permanentemente

colocados em prática democrática em junção com a sociedade atual. Esses

mecanismos tem que ser criados para o complemento e não reformulação das

instituições representativas, mas que englobem na dinâmica política a

realidade da sociedade civil que passou a está mais organizada em suas

entidades e associações, dando a prática democrática uma realização mais

dinâmica, efetiva e real.

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A democracia participativa, ou semidireta, é aquela que partindo de uma

democracia representativa, utiliza-se de mecanismo que proporcionam ao povo

um engajamento nas questões políticas, legitimando questões de relevância

para a comunidade como um todo através de uma participação direta, seja pelo

plebiscito, referendo, iniciativa popular, audiência pública, orçamento

participativo, consultas ou por qualquer outra forma que manifeste a ação

popular. Nesse modelo de maior participação democrática, as organizações da

sociedade civil tornam-se interlocutores políticos legítimos e influentes,

adquirem maior visibilidade, sobretudo com o processo de democratização

(AVRITZER, 1993; DAGNINO, 2002; REIS, 1995; COSTA, 1994, 1997) e, de

certa forma, pode-se dizer que a democracia participativa só poderá ser

realizada quando os cidadãos abandonarem certo individualismo e tiverem um

maior senso de coletividade.

Segundo Dias (2001), a qualidade da democracia pode ser medida pelo

nível de participação política encontrada em cada sociedade que permite ao

cidadão comum inserir-se nos processos de formulação, decisão e

implementação de Políticas Públicas, e desta forma, “quanto mais direto for o

exercício do poder político, mais acentuada será a capacidade democrática das

instituições políticas, cujas decisões estarão mais próximas de traduzir a

genuína vontade popular” (DIAS apud VIGLIO, 2004, p. 18).

Para que as experiências de democracia participativa obtenham êxito,

as administrações municipais têm papel fundamental, através da criação de

canais de interconexão que viabilizem a integração entre governo e dos

diversos segmentos da sociedade, especialmente a população de menor

renda. De tal maneira, que possam ser partícipes das diversas fases do

processo de planejamento e de deliberação das Políticas Públicas a serem

implementadas nas cidades.

Um pouco sobre conceito de povo e seu papel, e que este só terá

poder no sistema eleitoral e por meio do voto, isso no modelo da democracia

elitista que é a que vigora ainda no século XXI. Uma breve explicação de qual o

sentido se faz o uso da palavra “povo”, e aqui, traz-se o conceito usado por

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Darcy Ribeiro (1995): “povo-massa – a minoria privilegiada, sofrida, de nítido

colorido racial”, ou da concepção de Jessé Souza (2011):

[...] é a “inviabilidade social”, analítica e política do que chamamos provocativamente de “ralé” população brasileira, que está abaixo dos princípios de dignidade e expressivíssimo, condenada a ser, portanto, apenas “corpo” malpago e explorado, e por conta disso é objetivamente desprezada e não reconhecida por todas as outras classes que compõem nossa sociedade. Essa é também a razão da dificuldade de seus membros constituírem qualquer fonte efetiva de autoconfiança e de estima social, que é, por sua vez, o fundamento de qualquer ação política autônoma. (SOUZA, 2011, p. 122)

O que Jessé cunhou como “Ralé”, e que na concepção de Gramsci é

“Classe subalterna”. Nesse sentido, o que fica comprovado é que são os

políticos profissionais60 que de fato têm o poder de influenciar na democracia

da eleitoral, e não é o povo, este somente é convocado de 2 em 2 anos ou de 4

em 4 anos em eleições, para comparecer a urna e votar, legitimando a escolha

dos políticos.

Em entrevista ao programa Roda Viva (2002), o linguístico Noam

Chomsky61, ao tratar da democracia no século XXI, afirmou:

[...] Nunca houve nada nem remotamente parecido com o socialismo da Europa ocidental. Lá os países se chamavam de socialistas democráticos. Eram democracias populares. O ocidente ridicularizava [...] com a alegação de serem democracias, mas adorava a alegação de serem socialistas, porque é uma forma de difamar o socialismo. Mas de fato, eram tão socialistas quanto democratas. Não acho que o fato motivador na Europa Oriental [checar citação] fosse o desejo de consumo. Na verdade, os níveis de consumo se reduziram muito na Europa Oriental, desde o fim da Guerra Fria. A busca

60

Ver Ciência e Política – as duas vocações “Isso para voltarmos aos desdobramentos do Estado, que, em sendo o ator principal das sociedades, em que as discussões políticas e os rumos dos Estados são definidos, requer uma categoria de atuação específica que é a do político profissional, que transforma o fazer político em uma vocação. Weber afirma ser possível viver ou para a política ou da política: “Quem vive para a política a torna o fim de sua existência, ou porque essa atividade permite obter no simples exercício do poder, ou porque mantém seu equilíbrio interior e sua autoestima fundados na consciência de que sua existência tem sentido à medida que está à serviço de uma causa. Num sentido profundo, todo aquele que vive para uma causa vive dela também. 61

Em entrevista no Programa Roda Viva da TV Cultura, em 2002.

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por liberdade, sim. Lutavam por liberdade e democracia, mas o que mais conseguiram na maior parte foi uma volta ao Terceiro Mundo. [...] o que se chama de neoliberalismo é um ataque aberto, não secreto à democracia. O objetivo é minimizar o Estado e, ao minimizá-lo se maximiza outra coisa. O que se está maximizando? A tirania particular. O Estado é a arena em que o público tem um papel, pelo menos em princípio, de determinar a política e o setor privado não tem regras. Quanto mais a arena pública é minimizada e o poder particular é maximizado, menos democracia se tem. Acho o Estado uma instituição ilegítima, que deveria ser desfeita, mas não enquanto o poder particular subsistir. Isso é pior, pois é um sistema que não presta contas para o público, o impulso principal do neoliberalismo é restringir a arena onde o povo possa fazer a diferença [...].

Numa perspectiva de totalidade, se, em muitos lugares do mundo, as

empresas familiares são hegemônicas, assim se dá também no Brasil,

extensivo aos estados brasileiros62. Daí poder dizer que as oligarquias

acumularam muita riqueza e muito poder com a captura do Estado-governo, e

que não sobrevive sem ele. Chomsky, ao afirmar que “quanto mais a arena

pública é minimizada e o poder particular é maximizado, menos democracia se

tem”, defende a ideia de mais espaços públicos e menos privados (particular).

Analisada globalmente, Boaventura63 (2017) consigna que:

[...] A democracia oferece-nos duas imagens muito contrastantes. Por um lado, na forma de democracia representativa, ela é hoje considerada internacionalmente o único regime político legítimo. Investem-se milhões de euros e dólares em programas de promoção da democracia, em missões de fiscalização de processos eleitorais, e, quando algum país do chamado Terceiro Mundo manifesta renitência em adotar o regime democrático, as agências financeiras internacionais têm meios de pressioná-lo através das condições de concessão de empréstimos [...] O contraste entre estas duas imagens oculta uma e outra, entre as democracias reais e o ideal democrático.

Segundo esse critério, estamos ainda longe da democracia. Os

62

No Maranhão, seja no setor elétrico, de infraestrutura, na comunicação, no gasoduto ou setor de serviços, com a decadência dos bovinocratas ou dos industrialistas, o Estado-governo e seus recursos são capturados pela ocupação de altos cargos estratégicos na máquina política pelas famílias e políticos. 63

Disponível em: < http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-futuro-da-democracia/19415>. Acesso em: 15 mar. 2017.

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desafios que são postos à democracia no nosso tempo são os seguintes:

primeiro, se continuarem a aumentar as desigualdades sociais entre ricos e

pobres ao ritmo das três últimas décadas, em breve, a igualdade jurídico-

política entre os cidadãos deixará de ser um ideal republicano para se tornar

uma hipocrisia social constitucionalizada. O sociólogo português, que

ultimamente vem se debruçando em várias pesquisas com foco na democracia

contemporânea e tem percebido algumas anomalias por que o regime vem

passando. E, nesse caso, de acordo com algumas das suas reflexões, defende

a necessidade de se democratizar a democracia, avançando para uma

democracia mais participativa, em que representante (o eleito) tenha mais

respeito pelo representado (o eleitor). O debate é sobre a democracia ou qual

democracia? Assim como o debate da questão das desigualdades e a pobreza

são pautas políticas do momento.

Por outro lado, começam a proliferar os sinais de que os regimes

democráticos instaurados nos últimos vinte ou trinta anos traíram as

expectativas dos grupos sociais excluídos, dos trabalhadores cada vez mais

ameaçados nos seus direitos e das classes médias empobrecidas. Sondagens

recentes feitas na América Latina revelam que, em alguns países, a maioria da

população preferiria uma ditadura desde que lhe garantisse algum bem-estar

social64. Acrescente-se que as revelações, cada vez mais frequentes, de

corrupção levam à conclusão que os governantes legitimamente eleitos usam o

seu mandato para enriquecer à custa do povo e dos recursos públicos dos

contribuintes, conclui Boaventura dos Santos (2016).

Por sua vez, o desrespeito dos partidos, uma vez eleitos, pelos seus

programas eleitorais incipientes parece nunca ter sido tão grande, de modo que

os cidadãos se sentem cada vez menos representados pelos seus

representantes e acham que as decisões mais importantes dos seus governos

escapam à sua participação democrática. Nesse sentido, defende-se aqui a

ideia que se está diante de uma Democracia dos Políticos, que tem relação

com o poder das elites.

64

A China pode ser um exemplo de tal modelo.

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Vive-se um momento de completa fadiga da democracia representativa,

embora não se apresentem grandes perspectivas de superação. E a maior

agravante desse cansaço e dessa crise pode ser a falta de controle sobre o

comportamento político dos eleitos (representantes) e a inexistência de um

acompanhamento sistemático das propostas governamentais e a urgência de

uma Reforma Política que alterasse as estruturas do sistema eleitoral

(funcionamento dos partidos, candidaturas, coligação, tempos de mandatos,

financiamentos, programa eleitoral de TV-Rádio...). Conforme Pontual (2005, p.

105), não se criaram formas efetivas de “participação igual” ou pelo menos

“mais igual” nas decisões públicas. Portanto o desafio é democratizar a

democracia65.

E continuando um pouco mais, considerando ser uma categoria central

da tese, a luta por democracia é de longa data, o que volta a cena política com

toda a força na contemporaneidade, a partir da chamada crise da democracia

liberal-representativa.

E desenvolvendo mais um pouco o tema da democracia, Held (1987, p.

270) descreve:

[...] um sistema político envolvido profundamente com a criação e reprodução de desigualdades sistemáticas de poder, riqueza e oportunidades raramente (exceções sendo, talvez, ocasiões como guerras) goza de uma legitimidade contínua por parte de grupos que não os diretamente privilegiados [neste caso, a oligarquia-familiar]. Ou, de forma mais controversa, apenas uma ordem política que coloque a transformação dessas desigualdades em seu centro vai gozar de legitimidade ao longo prazo. O princípio da autonomia, concretizada por meio de processo dual de democratização, poderia ser a base de tal ordem. A dedicação à legitimação política, de uma ordem política marcada pelo respeito pela autoridade e pelas leis a necessidade de nos dedicarmos ao modelo de autonomia democrática [...]. (HELD, 1987, p. 270)

Em sua análise, Held (1987) aponta as grandes dificuldades para o

alcance de uma democracia em Estado oligárquico. É mister, então, dizer que,

neste início de sec. XXI, e já se vai uma década e meia, observa-se que a

65

Ver Boaventura de Sousa Santos. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. (2009).

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palavra democracia imbricada com modelos oligárquicos e com as

desigualdades estão muito presentes do debate da política. Em diversos

campos, seja das Ciências Sociais (sociologia política, antropologia), seja da

História, tais categorias são lembradas, assim como, o autoritarismo e o

patrimonialismo que também travam um avanço da democracia do povo.

E, quanto à qualidade da democracia, tem-se de considerar o nível do

desenvolvimento socioeconômico e sociopolítico da região de estudo, pois a

dimensão socioeconômica é determinante para explicar a política. E Lijphart

(2003):

Quando passa a apresentar sua tese da democracia de consenso e qualidade da democracia; as democracias de consenso demonstram atributos de generosidade e benevolência dos seguintes modos: têm maior probabilidade de constituírem um estado de bem-estar, obtêm melhor resultado quanto à proteção do meio ambiente, mandam menos pessoas para a prisão e têm menor probabilidade de adotarem pena de morte. Além disso, as democracias de consenso, no mundo desenvolvido, são mais generosas em sua assistência econômica às nações em desenvolvimento [...]. (LIJPHART, 2003, p. 311)

Esse é um conceito analítico do modelo de democracia de Lijphart, do

consenso, talvez não seja possível aplicá-lo no Brasil, e muito menos no

Estado do Maranhão, dado seu acentuado grau de subdesenvolvimento e de

desigualdades. Isso porque suas dimensões sócio-históricas e

socioeconômicas têm papel preponderante no entrave de dada democracia.

Todavia, quanto mais houver desenvolvimento, mais será possível a superação

de governos oligárquicos, patrimonialistas e coronelistas. E sendo a igualdade

política um objetivo, um princípio básico da democracia, o seu grau constitui

um indicador importante de qualidade da democracia.

O interessante na análise de Lijphart (2003), ao dizer que a democracia

é um dado difícil de medir diretamente, mas a igualdade econômica pode servir

como substituto válido, é que é mais provável a igualdade política prevalecer se

não existirem grandes desigualdades econômicas.

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No seu estudo, concluiu que a democracia de consenso (LIJPHART,

2003) e a desigualdade, segundo a razão entre a renda dos ricos e a dos

pobres, são relacionadas de forma negativa. Os países mais desenvolvidos

têm menos desigualdade que os países em desenvolvimento. E outro fator

apontado pelo autor é a participação eleitoral, considerado um excelente

indicador da qualidade da democracia, por dois motivos. Primeiro, mostra o

grau de interesse dos cidadãos em serem representados. Segundo, a

participação é fortemente relacionada ao status socioeconômico e pode, dessa

forma, servir também como indicador indireto da igualdade política, logo: alto

índice de comparecimento significa participação mais igualitária e, assim, maior

igualdade política; baixo comparecimento quer dizer participação desigual e,

por isso, maior desigualdade. Levando em conta essa reflexão de Lijphart

(2003), notou-se que, nas últimas eleições gerais no Brasil (2014), e

especificamente, no Maranhão, houve um alto percentual de abstenções do

eleitor apto no processo eleitoral.

Em Rousseau e Thomas Jefferson, suas ideias democráticas foram

muito mais influentes e mais postas em prática em nosso tempo do que em

qualquer outro momento daquele século. E por mais diferente que sejam as

posições de Rousseau e Jefferson em outros assuntos, ambos reivindicavam

uma sociedade em que todos tivessem ou pudessem ter propriedade suficiente

para nela trabalhar ou trabalhar com ela, uma sociedade de produtores

independentes (camponeses ou agricultores e artesãos), e não uma sociedade

dividida em assalariados dependentes, por um lado, e por outro, proprietários

de terra e capital de quem eles fossem dependentes. Aqui ele raciocina em

termos da situação norte-americana, no caso, não reivindicava que todos

fossem proprietários trabalhadores, mas apenas que todos pudessem ser o

que desejassem: a ideia de oportunidades e condições no mínimo iguais.

Jefferson, não objetava quanto ao trabalho assalariado, mas apenas porque,

com terra livre disponível, os assalariados eram tão independentes quanto os

agricultores. Nem objetava quanto a certos homens, como ele próprio, que

tivessem muitas propriedades em terras, desde que todos também tivessem,

ou pudessem ter, uma propriedade suficiente para torná-los independentes.

Nas circunstâncias que via prevalecendo na América, e que ele considerava

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requisito para a democracia em qualquer parte do mundo, não havia, portanto,

uma divisão fundamental em classes sociais. Cabe dizer que Jefferson não era

nenhum marxista, todavia admitia a existência de uma relação salarial apenas

porque, naquelas circunstâncias, ela não implicava uma sociedade dividida em

classes sociais.

Já numa concepção marxista da democracia, Ellen Wood (2011),

apresenta o limite da democracia capitalista liberal:

[...] A separação entre a condição cívica e a posição de classe opera nas duas direções: a posição socioeconômica não determina o direito à cidadania – e é isso o democrático na democracia capitalista –, mas como o poder do capitalismo de apropriar-se do trabalho excedente dos trabalhadores não depende de condição jurídica ou civil privilegiada, a igualdade civil não afeta diretamente nem modifica significativamente a desigualdade de classe – e é isso que limita a democracia no capitalismo. As relações de classe entre capital e trabalho podem sobreviver até mesmo à igualdade jurídica e ao sufrágio universal. Nesse sentido, a igualdade política na democracia capitalista não somente coexiste com a desigualdade socioeconômica, mas a deixa fundamentalmente intacta [...]. (WOOD, 2011, p.184).

Considerando a concentração de renda, em estado de economia

dependente e de capital transnacional, de profundas desigualdades sócio-

históricas e socioeconômicas, e com baixa força produtiva e educacional, isso

vem aprofundar a condição de uma democracia no mínimo com a participação

da maioria. Há que se dizer também sobre a passagem de Wood, que é a

constituição que determina o direito do cidadão, e que, no contrato todos são

vistos como iguais, ao menos no plano formal. Não só na democracia

capitalista, a igualdade política na democracia capitalista não somente coexiste

com a desigualdade socioeconômica, mas a deixa fundamentalmente intacta,

de acordo com a citação de Wood, e mesmo no socialismo real.

Se, por um lado, autores como Dahl e outros elitistas-democráticos

pouco se referem ao Estado, esse conceito é fundamental para pesquisadores

inspirados nas formulações elaboradas por Nicos Poulantzas, no caso de Saes

(1993), quando conceitua Estado burguês no Brasil como aquele cujos traços

fundamentais são a constituição de todos os agentes da produção como

cidadãos civis e a abertura formal ao acesso de todos estes cidadãos ao

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aparelho de Estado, segundo o critério do mérito. O aparelho estatal burguês

organiza-se internamente segundo os princípios do burocratismo, conceito que,

também nos termos de Poulantzas, reporta-se à ideologia do pessoal do

Estado. Portanto esse estado não é burguês porque foi criado pela burguesia,

ou por ser manipulado por esta, é burguês porque sua estrutura é adequada à

reprodução das condições jurídico-políticas da dominação capitalista de classe.

As imensas desigualdades impunham enormes obstáculos à

democracia: diferenças entre direitos, deveres, influência e a força de escravos

e homens livres, ricos e pobres, proprietários e não proprietários de terras,

senhores e servos, homens e mulheres, trabalhadores independentes e

aprendizes, artesãos empregados e donos de oficinas, burgueses e

banqueiros, senhores feudais e rendeiros, nobres e gente do povo, monarcas e

seus súditos, funcionários do rei e seus subordinados.

E, mesmo os homens livres eram muitos desiguais em status, fortuna,

trabalho, obrigações, conhecimento, liberdade, influência e poder. Em muitos

lugares, a mulher de um homem livre era considerada propriedade sua por lei,

pelo costume e na prática. Assim, como sempre acontecia em todos os cantos,

a lógica da igualdade mergulhava de cabeça na desigualdade irracional.

Depois de elencar os três modelos mínimos de democracia: liberal-

representativa, elitista e participativa, e analisando sua definição fundamental e

identificando as características em cada uma delas, e que permite um contraste

com as opiniões correntes sobre a democracia. O primeiro modelo, a

democracia liberal-representativa possui as seguintes caraterísticas:

representação política, governo de maioria, prevalência da sociedade civil,

liberdade de ação na esfera privada do indivíduo [a democracia liberal pensa a

agencia como indivíduo, já a elitista pensa a agencia como coletiva], direito de

opinião, manifestação, reunião, etc. O segundo modelo, a democracia elitista,

suas características: distinção entre dirigentes (minorias) e dirigidos (maiorias),

concorrência entre elites através do voto, empoderamento do eleitor que decide

o voto entre alternativas dadas e segundo seu próprio interesse (Schumpeter

está concordando com Engels quando este dizia que “o voto é uma pedra de

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papel”), e presença da oposição. O terceiro modelo, a democracia participativa:

participação ativa dos cidadãos, forma semidireta (aproximando mais os

representados na arena política), a sociedade civil tem canal direto de

interlocução com o Estado – controle social, por meio de conferências,

conselhos, ouvidorias, mesas de diálogo etc., busca corrigir a desigualdade na

política. Nesse sentido, elencam-se nesse capítulo os modelos mais discutidos

de democracia.

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CAPÍTULO III – O ESTADO DO MARANHÃO: FORMAÇÃO

PERIFÉRICA E DEMOCRACIA.

O estado maranhense, quando comparado com o centro do capitalismo

mundial, permite, então, pensar a realidade concreta, de maneira particular e

específica, por conta da sua formação social colonial e de um capitalismo tardio

(Mello, 1988).

3.1 Oligarquia do nordeste no processo de resistência e entrave ao

alargamento do Demos (povo).

O Estado oligárquico no Brasil tem sido tratado como a forma política

que teve sua vigência no período da República Velha (1930), em que

sobressaíam duas características: a) uma estreita vinculação com interesses

agroexportadores, a ponto da denominação “oligarquia” vir geralmente

acompanhada do qualificado “agrário”; b) uma determinada organização das

instâncias de poder, cujo traço mais forte era a rede de favores envolvendo

chefes municipais, governadores estaduais e o governo federal [central]. Nesse

tipo de Estado, as relações entre clientelas — entendidas genericamente como

relações em que alguém colocado em condições econômica e/ou politicamente

privilegiados concede favores a outros em troca da sua obediência (“gratidão”)

― perpassam as principais formas de organização política. Um sistema de

dominação em que as relações pessoais [e de favores] são ainda muitos fortes

para a manutenção dos laços de subordinação (REIS, 2013).

A categoria oligarquia, palavra com certo sentido polissêmico, e

carregado de significado e significante, de acordo com Cabral (2011, p. 6): “o

seu uso está relacionado a uma trajetória de análise e conceito no campo da

ciência política e da história, e tal conceito remete a formas de controle da vida

política por determinados grupos”, portanto, no caso do Maranhão, o grupo

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Sarney é uma oligarquia que se sustenta com uso do patrimonialismo66 com

ramificações no interior do aparelho do Estado, e não somente no Executivo,

mas também no Legislativo e Judiciário. A máquina estatal, de uma maneira

geral, é controlada, com base nisso, e também nas relações dessa oligarquia

local com o governo federal (CABRAL, 1996).

Segundo o verbete do dicionário de Política (BOBBIO; MATTEUCCI;

PASQUINO, 2007):

Oligarquia significa etimologicamente “governo de poucos”, mas, nos clássicos do pensamento político grego, que transmitiram o termo à filosofia política subsequente, a mesma palavra tem muitas vezes o significado mais específico e eticamente negativo de “Governos dos ricos”, para se usar hoje o termo de origem igualmente grega, “plutocracia” [...]. Oligarquia não designa um certo tipo de instituição, não indica uma forma específica de Governo, mas se limita a chamar a nossa atenção para o fato puro e simples de que o poder supremo está nas mãos de um restrito grupo de pessoas propensamente fechado, ligados entre si por vínculos de sangue [parentesco], de interesses ou outros, e que gozam de privilégios particulares, servindo-se de todos os meios que o poder pôs ao seu alcance para os conservar. A falta de um significado técnico bem-definido do termo Oligarquia é demonstrada ainda pelo fato de que, diversamente mais uma vez do que acontece com “monarquia” e “democracia”, cujo uso corrente se restringe à esfera das relações do poder político, o termo Oligarquia é aplicado analogicamente, com excessiva facilidade, e relações de poder diversas das relações políticas, com o fim de designar o mesmo fenômeno do domínio de um grupo restrito e fechado em organizações outras que não o Estado, como quando se fala de Oligarquias econômicas, militares, sacerdotais, burocráticas, sindicais, financeiras, etc. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2007, p. 836)

A perspectiva da pesquisa é usar a palavra oligarquia, mais no sentido

descrito por Reis (2013) e Cabral (1996). Concepções políticas que aparecem

ainda como muita força no Maranhão do século XXI, contudo, não sendo uma

peculiaridade somente da região nordeste, apesar de ser uma prática forte

dessa região, pois observar-se tal fenômeno também em estado da região

sudeste, considerado rico, como no estado de Santa Catarina, a existência de

uma oligarquia, há quase cem anos, o Konder Bornhausen e contra, ou

oposição a ela havia outra oligarquia, os Ramos, mas desapareceu (FAORO,

66 Ver Azevedo, E. (2006): O caso do Convento das Mercês: a marca do atraso político e a

ilegalidade envolvendo o patrimônio público. São Luís: Lithograf.

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2008). Outro aspecto a considerar é o fenômeno do clientelismo difuso que

bem discorreu Wanderley dos Santos (2006), também presentes em regiões

periféricas e dependente:

[...] Para os oligarcas, o número é, por natureza, volúvel, volátil, e dele só surgiria a verdade por milagroso acaso. Mais provável é que do número, surgisse o desastre. Assim como Platão não foi exatamente um propagandista da oligarquia, mais da aristocracia autocrática, os oligarcas não foram antidemocráticos por ontologia, mas por método. Concordavam em que a excelência se revela no desempenho, não no ventre em que as pessoas são geradas, portanto não apoiavam governos aristocráticos no sentido platônico, tradicional. Por outro lado, o método de escolha por votação direta da plebe, conforme o critério da maioria, não lhes parecia convincente. Segundo os historicamente consagrados teóricos da oligarquia – Isócrates e o pseudo-Xenofonte, por exemplo, a história e o exemplo serviram como fontes de ensino para que se criassem instâncias intermediárias entre os formuladores de propostas de políticas para a condução da cidade, das finanças, da justiça e da guerra, e aqueles que decidiram em última instância – o povo; em votação direta [...]. (SANTOS, 2006, p. 172)

Há que se entender que o “povo; em votação direta”, não decide sem

autonomia, nem em Atenas isso acontecia. Em qualquer caso, é flagrante a

semelhança entre a teoria do governo proposta pelos teóricos da oligarquia e o

diagnóstico de Pareto de como efetivamente funcionavam as democracias.

Numa democracia saudável (em sentido muito peculiar ao que Pareto entendia

por democracia), os lugares do poder são ocupados por diferentes tipos de

elite, que se destacam da população total e que são reconhecidas por esta

como efetivamente excelente. Os aristoi de Pareto, assim como os de Isócrates

se revelam por desempenho e podem ser alcançados a partir de qualquer

posição na escala socioeconômica. Em outras palavras, a excelência

aristocrática é, a rigor, democrática, encontrando-se aleatoriamente em toda

parte.

E são essas elites, transformadas pelo jogo da política e pelas

contingências organizacionais, que Michels teme e prevê que venham a se

transformar em oligarquia, não por mérito, como em Isócrates e Pareto, mas

por malícia, recursos privatizados e manipulação ideológica de símbolos de

identidade com eco platônico (GUILHERME, p.173-174). E o resultado mais

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importante é o de que um século, ou quase, depois de Weber, a perversidade

da alta burocracia, conforme a literatura recente, se apresenta bifronte.

Concentrando poder a pretexto de conhecimento especializado e escasso, sua

face tecnocrática captura espaços decisórios para além de seu mandato

funcional, com a vantagem suplementar de ser relativamente livre de prestação

de contas. Em sua versão predatória, vêm a ser os altos funcionários,

delegados dos políticos que ali os colocam em troca de apoio ao governo, no

melhor dos casos, mas que deles também esperam imerecidos favores em

escambo pelas posições que obtiveram, não raramente à margem dos critérios

meritocráticos usuais. O diagnóstico completo sugere o apadrinhamento

clientelístico no preenchimento de cargos públicos, e que assegura aos

políticos a oportunidade de favorecer específicos grupos de interesses –

aqueles que, possivelmente, são os financiadores costumeiros de suas

campanhas eleitorais. No limite do extremo, parcela dos ganhos extraordinários

desses protegidos grupos de interesse pode vir a ser compartilhada com os

políticos em troca da interferência no processo decisório, precisamente

mediante a mobilização dos burocratas, cuja indicação para a posição que

ocupam a eles, políticos, deveriam. Em busca da moeda do voto ou da moeda

em sentido escrito é que o grupo político faria a intermediação entre o aparelho

de Estado e os grupos extragoverno (eleitores ou associações de negócios),

enquanto os administradores, quando convocados, conseguiram as pontes

entre os centros decisórios da administração pública e os interesses que os

políticos representam (SANTOS, 2006).

Por essa descrição do clientelismo difuso, o conceito de “Democracia

dos Políticos” que apresentamos nesta tese, ganha reforço teórico, ficando

evidenciada a força dos altos funcionários da burocracia, os políticos de

mandatos e os grandes empresários. E de acordo com Wanderley dos Santos

“[...] países clientelistas seriam aqueles em que as relações entre público e o

privado, pela mediação da burocracia, são, na maioria das vezes, do tipo

perverso” (SANTOS, 2006, p.176).

Em sua análise de país real, porém, Oliveira Vianna (1991) diz o

seguinte:

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[...] Este inconveniente do sufrágio universal não resulta do fato de ser analfabeta, em sua maioria, a nossa população. O analfabetismo tem muito pouco que ver com a capacidade política de um povo;..., mesmo analfabeto, possui um senso político e uma capacidade democrática que muitos homens da elite de outros povos civilizados não possuem. É grande a confusão que os nossos teoristas políticos fazem entre a capacidade democrática e alfabetização ― o que tem levado os nossos governos a gastar rios de dinheiro, não para dar educação profissional ao povo — que é o que ele precisa substancialmente; mas para prepará-lo civicamente "para a democracia", para o exercício do "sagrado direito do voto" preocupação ingênua que se reflete claramente nos programas escolares e nos métodos de ensino. Realmente, nesta Inglaterra das nossas líricas admirações democráticas, o sufrágio foi sempre um privilégio, só acessível aos que possuíam certas condições de status social e de renda ― um direito do cidadão, mas do cidadão capaz. (VIANNA, 1991, p. 483)

A esse propósito continua Oliveira Vianna (1991):

[...] O sentimento das nossas realidades, tão sólido e seguro nos velhos capitães-generais, desapareceu com o efeito, das nossas classes dirigentes: há um século vivemos politicamente em pleno sonho. Os métodos objetivos e práticos de administração e legislação desses estadistas coloniais foram inteiramente abandonados pelos que têm dirigido o país depois da sua independência. O grande movimento democrático da revolução francesa; as agitações parlamentares inglesas; o espírito liberal das instituições que regem a República Americana, tudo isto exerceu e exerce sobre os nossos dirigentes, políticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação magnética, que lhes daltoniza completamente a visão nacional dos nossos problemas. (VIANNA, 1991, p. 483)

A mensagem de Oliveira Viana (1991) afirma que: "Há evidentemente

em tudo isso um grande equívoco, uma grande ilusão, que perturba a visão

exata das realidades nacionais a todos esses descentristas e autonomistas,

que são, afinal, aqui, todos os espíritos que se jactam de liberais e adiantados”

(VIANNA, 1991, p. 483).

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3.2 Breve atualização da trajetória de José Sarney: força e longevidade.

Neste item, a intenção é realizar uma breve atualização da trajetória de

José Sarney, líder do grupo oligárquico, portanto, nada novo, mas somente

com o objetivo de descrever um pouco mais essa trajetória para evidenciar a

política oligárquica. Como já contada por diversos biógrafos, analistas,

pesquisadores e intérpretes da política nacional e regional, e, considerando

ainda atuante na vida política, tornou-se quase um “mito”, principalmente, no

Maranhão e no Amapá, local do seu engajamento político. Certa vez em

entrevista, o sociólogo Francisco de Oliveira (2007),67 ao se referir a Lula,

descreveu: “Lula converteu-se num mito, e o mito é antipolítico por excelência.

Ele se coloca acima das classes, dos conflitos. Com o mito você não faz

política”. Talvez se possa dizer o mesmo de Sarney.

E como um corte metodológico, a fim de melhor se entender a política

no Maranhão pós-golpe de 1964, há que se considerarem três momentos que

se podem se chamar de ciclos. O primeiro, de 1965-1986, que é o período dos

generais ditadores, quando surgiu o personagem José Sarney68, ao assumir o

governo no Maranhão por imposição direta dos militares. Segundo, o período

de 1985-1986, que é o período da Nova República, quando Sarney assumiu o

cargo de Presidente do Brasil, e seu protagonismo nacional e força política, em

que vai até 2006, com a eleição de Jackson Lago ao governo do Estado. E o

terceiro, de 2006 aos dias atuais com a aproximação da oligarquia a Lula e os

governos do PT (2002), cominando com a cassação de Jackson Lago (2009).

Como o propósito é fazer a narrativa desses fatos históricos, tem-se

inspiração em 18 Brumário. Assim como Bonaparte, na França, pariu seu

“bonapartismo”, no Maranhão, deu-se origem também à crença milagrosa dos

camponeses, dos trabalhadores rurais, da camada popular da sociedade, e

67

Entrevista ao Globo (04/02/2007). Disponível em: <http://noblat.oglobo.globo.com/entrevistas/noticia/2007/02/o-fim-da-esquerda-47563.html>. Acesso em: 08 ago. 2017A jornalista Lydia Medeiros do Jornal O Globo. 68

Ver Caldeira, José de Ribamar Chaves (1978). “As eleições de 1974 no Maranhão”. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, UFMA, n. 43, p.37-68, 1976: “o sarneísmo, de modo direto, não é produto do udenismo local, [...] é diretamente produto da Revolução de 1964 (ou mais especificamente dos governos Castelo Branco e Costa e Silva) e da ARENA”.

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aqui se apresenta três lideranças políticas centrais a fim de que se possa

entender, com base nessa perspectiva teórica, a ascensão de Sarney ao

governo do Maranhão: o jornalista Neiva Moreira, a médica Maria Aragão e o

líder camponês Manoel da Conceição, todos estes acreditaram que um homem

lhe devolveria a glória perdida. Aí é que surgiu um indivíduo, jovem político,

alegando ser essa pessoa, chamado José Sarney, filho de um magistrado da

elite local, parindo assim o sarneísmo69, e que depois passa a ser

caracterizado como oligarquia Sarney (REIS, 2015), e quando, várias outras

lideranças que rompem com as esperanças das oposições coligadas que

tinham Sarney como o líder70 principal. Joaquim Alves de Sousa (Joaquim das

Mangabeiras)71, liderança sindical do Maranhão apresenta sua versão:

[...] Eu acho até que os primeiros momentos de Sarney tinham um indício de que você estava prestes a discutir uma democracia, você tinha ali os movimentos sociais, as associações, as ligas camponesas todos junto com Sarney. Então, você não pode dizer que o cara chegou fora do voto. Agora, o cara transformou tudo isso numa coisa dele, e tirou todos os aspectos de democracia. Havia uma esperança naquele momento, o Sarney era o cara que vinha protestando contra os rumores do que já vinham aí, contra qualquer golpe. Ele era o cara, inclusive, ele participou de um instrumento dos mais importantes que se tinha de esquerda aqui, que era a chamada AP – Ação Popular, que era o pessoal que pensava educação para Igreja, o pessoal que pensava educação para as Ligas Camponesas. O Sarney foi sócio da AP, da ação popular como um cara de esquerda. Isso ninguém pode esconder jamais, se não tiver na história aí dos homens, mas está na nossa história. Sarney foi lá olhar 100 mil sacas de arroz no município de Santa Inês coletada pelos agricultores,

69

Teve-se também o vitoronismo. 70

Ver Schumpeter (1984, p. 341): “[...] O voto do eleitor, realmente, leva ao poder um grupo que, em todos os casos normais, reconhece um indivíduo com líder, mas onde há líderes de segundo e terceiro escalões que possuem suas próprias armas políticas a quem o líder não tem escolha senão nos cargos apropriados [...] Embora haja razões para se esperar que uma pessoa assuma uma posição de comando supremo possua em geral, considerável força pessoal, além de qualquer outra qualidade que possua [...], daí não se segue que seja sempre assim. Portanto, o termo “líder” ou “homem na liderança” não implica que os indivíduos assim designados sejam necessariamente dotados de qualidades de liderança ou que sempre deem orientações pessoais, mas ocorrem situações políticas favoráveis à ascensão de homens deficientes em matéria de liderança (e de outras qualidades) e desfavoráveis ao estabelecimento de posições individuais fortes. Um partido ou combinação de partidos, portanto, poderá ocasionalmente ser acéfalo [...]” 71

Entrevista concedida, no dia 3 de abril de 2017. Militante deste o ano de 1978 das CEBs, foi

fundador do PT ao lado de Manoel da Conceição em 1986. No estado, da CUT, é sindicalista do movimento dos trabalhadores rural, e atualmente dirigente da FETAEMA e está na direção da União das Cooperativas da Agricultura Familiar-UNICAF.

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fez um discurso em cima do muro de arroz que iria criar uma cooperativa, está entendendo. Então como você não pode dizer que um cara desse não começou a implementar a democracia? Só que, quando o Sarney chegou lá, ele puxou isso para uma ditadura mesmo dele. Se, no momento do governo Sarney, tivesse alguma democracia, nem era pelos prefeitos aqui embaixo, e nem pelo governo do Estado, era alguma legislação nacional que você era obrigado a obedecer, mas se dependesse dele [Sarney], e do sistema que se tinha aqui era de oligarquia. A gente não está chamando de oligarquia o monopólio de alguém, de um grupo. Se a gente não achar que 50 anos que o cara comanda, e só entra gente que ele quer aqui. Se isso não é uma oligarquia, vou te dizer. A gente não sabe nem mais o que é democracia [...].

Por esse fragmento, pode-se observar uma conjuntura semelhante,

quando Marx em sua percepção microscópica analisa o golpe do Bonaparte.

Daí buscar-se-á, traços políticos, ideológicos, articulações eleitorais da prática

de Sarney, em comparação com o bonapartismo, com sua política real no

Maranhão, associando sua vitória em 1966, quando conquistou o apoio do

movimento da época chamado de “Oposições Coligadas”, que tinha como um

dos principais líderes, o ex-deputado Neiva Moreira.

Nesta reatualização da história, na percepção de intérpretes que

viveram aquele momento da campanha das Oposições Coligadas, e que

depois alguns passam até a integrar a 1ª Equipe de Governo de Sarney, com o

slogan - MARANHÃO NOVO – neste caso, Edison Vidigal 72 fora um deles,

quando assumiu o cargo de Diretor do Departamento – Assessoria de

72 Entrevista concedida para a tese , no dia 09 de julho de 2017, em sua residência no bairro do Olho D'água – São Luís (MA). Foi vereador por Caxias (MA) pelo do Partido Social Progressista (PSP), era do partido de Neiva Moreira. Integrou a 1.º equipe do governo Sarney (1966-1970), exercendo o cargo de assessor de imprensa. Foi deputado federal de 1979-1983. Advogado, em 1987 é indicado por José Sarney para o cargo de Ministro do Tribunal Federal de Recursos (TRF) do senado, e que depois é extinto. Depois ocupa o cargo de Presidente do Superior Tribunal de Justiça (TSJ), ministro aposentado do TSF. Filiou-se no PSB; com o apoio do ex-governador José Reinaldo Tavares foi candidato a Governador do Maranhão, em 2006, na Coligação PSB/PT/PCdoB, em oposição à candidatura de Roseana Sarney (PMDB). Foi professor de Direito Eleitoral na Universidade de Brasília (UNB), mas, depois faz uma permuta com o Nicolau Dino (Procurador Federal da República e irmão do Governador do Maranhão, Flávio Dino), e se transfere para a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), e Nicolau passa a ocupar sua vaga na UNB e Vidigal vem ocupar a vaga de Nicolau Dino na UFMA.

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Imprensa do Poder Executivo73, é quem narra mais dessa história, em

entrevista para a tese na categoria de político:

[...] Antes do golpe militar, em abril de 1964, além de Sarney, outros três políticos se apresentavam na disputa pela sucessão do governador Newton Bello (1960-1965) pelas Oposições Coligadas: Miguel Baury, Neiva Moreira, Cid Carvalho. Primeiro, o Miguel Baury morre em acidente de avião no Rio de Janeiro, [no ano de 1964]. E Cid Carvalho, que ingressara no PTB e comandara uma frustrada rebelião contra Newton Bello, daí fica de fora; e Neiva Moreira, que era deputado federal e foi cassado, teve seus direitos políticos suspenso por dez anos, depois se exilou do Brasil. Restou quem? José Sarney, que, desde 1961, ao romper com o governador, vinha trabalhando incessantemente para sucedê-lo, tarefa facilitada pela expressiva votação que obteve nas eleições de 1962, com 32 anos de idade, para a Câmara Federal, quando foi o segundo mais votado do Estado. Favorecia-o, também, o movimento revolucionário de 1964 que, de índole udenista, se propunha a banir do poder o PSD, este representado, no Maranhão, pelo vitorinismo. Naquela eleição, o Vitorino fecha com o Renato Archer, aí tomaram o partido do Vitorino, o PSD, e ele fica com o PTB e bota o Renato no PTB, o Newton Bello fica no mato sem cachorro, tinha um prefeito aqui em São Luís nomeado, chamava Dr. Costa Rodrigues [...] tinha sido prefeito de Pinheiro (MA), era médico, e lança o Dr. Costa Rodrigues, candidato a governador, e a oposição junta todo mundo, e Sarney, porque Neiva Moreira seria o candidato natural, mas estava cassado e exilado, o Baury tinha morrido. Aí assumiu o mandato o Alexandre Costa (foi também senador biônico que foi indicado pelo Presidente Médici) e que era suplente do Neiva Moreira, foi peitudo, porque inclusive leu da tribuna da câmara uma mensagem do Neiva, que ao se exilar, deixou para o Alexandre ler, e ele leu. Aí fomos todo mundo com Sarney, e quem ficou com o Renato Archer? Os meninos da faculdade de direito, o resto tinha vergonha de ser Renato, porque Renato era apoiado por Vitorino, o pessoal do interior, os caciquinhos, os cabos eleitorais, sargento eleitoral; até aí, o grande instrumento da corrupção eleitoral era o transporte do eleitor, não tinha marqueteiro, não tinha nada disso. O Sarney ganhou a eleição com um jingle feito pelo Miguel Gustavo: “Meu voto é minha lei, governador é Zé Sarney”, até porque não tinha televisão, televisão era uma reprodutora de vídeo tape, só tinha um canal de televisão, que era do Magno Bacelar, Rádio só tinha a Difusora, que era do Bacelar também, e a Timbira, que era do governo, e a TV Ribamar, que era do seu Gerson Tavares, ali no Apicum, que o pessoal da oposição pagava para falar, mas não saía da ilha, pegava alguns municípios da baixada, mas, a ilha era rebelde por isso,

73

Ver livro de Eliézer Moreira Filho - MARANHÃO NOVO: A Saga de uma nova geração (2015), neste escreve todos os nomes com funções da equipe do governo de José Sarney (1966-1970).

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porque a ilha era politizada, porque o Neiva Moreira vinha toda semana, ia lá: amigos e amigas, aqui é Neiva Moreira, aí começam a tecer crítica [...]”.

Não era Sarney a principal liderança das Oposições Coligadas, em

1965. [...] O primeiro mandato a que ele concorreu a deputado federal foi em

1954, A primeira eleição que ele participou, mas não se elegeu, ficou na

suplência, mas depois exerceu realmente o mandato [...].

“Em 1955, houve aqui uma eleição extemporânea no Maranhão, que foi de Assis Chateaubriand (candidato a senador), foi uma eleição praticamente negociada com Vitorino, o Vitorino tinha uma força, este tinha uma força realmente extraordinária em termo de comando, ele não tinha liderança, ele era um chefe político, Vitorino era um chefe. Quando eu digo liderança é porque ele nunca foi de participar, de fazer comícios, de ir para o interior, de fazer mobilizações, reuniões, não era de fazer isso, Vitorino tinha uma chefia, era comandante. Já o Sarney é muito diferente, Sarney teve liderança, ele sempre foi um homem que teve vinculação com as camadas populares, ele sempre participou dessas atividades de reuniões, de concentrações, da atuação realmente na sociedade, sempre teve essa coisa, essa comunhão de defender esse ponto de vista com os outros companheiros de jornada política que ele tinha. Então eu faço muita essa distinção entre Vitorino e o Sarney”. (Entrevista, Benedito Buzar74).

Segundo a descrição de Buzar, José Sarney não pode ser

caracterizado como oligarca considerando o período do seu primeiro governo

[ele só exerceu o cargo de governador somente uma vez], no que tem certa

razão. Todavia já nesse período é que ele começa a esboçar sua força, e que

depois, mesmo tendo exercido somente um mandato de Governador no

Maranhão, e que nem completou, renunciando para ser nomeado a uma vaga

de senador, todavia, pode-se apontar que é quando inicia sua articulação e

exibe habilidade e força, passando a influenciar na escolha e eleição de todos

os candidatos a governadores de 1970 aos dias atuais. Por essa sua

longevidade de influenciar e com sua rede de relações ampliada pelo alto, e

que depois vai ser o personagem central na ascensão da própria família ao

74 Entrevista concedida para a tese, no dia 17 de fevereiro de 2016, na Academia Maranhense

de Letras, em São Luís (MA). Bacharel em Ciências Jurídicas Sociais, jornalista. Foi deputado estadual cassado por ato administrativo pelo golpe militar, professor de Ciência Política, aposentado da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). É Presidente da Academia Maranhense de Letras, um intelectual orgânico do grupo Sarney.

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poder, o pode-se caracterizar de oligarquia, aliada à cultura política de base

familiar. Mas ficou evidenciado nas várias percepções da pesquisa de campo

que José Sarney e seu grupo caracterizado como uma oligarquia ou chefe da

oligarquia.

Conforme Gonçalves, (2000):

[...] José Sarney, na aparente ruptura com o estado dinástico, reabilitasse como agente desse mesmo estado dinástico no campo do poder político ao construir uma trajetória em que o aparato burocrático e as relações de poder transgridem o estado burocrático, voltando-se, por força das marcas pessoais do agente, a recompor as práticas dinásticas na cena política do Maranhão. Em que pesem os diferentes contextos, os sucessivos governos estaduais (sob a influência direta ou indireta de José Sarney), movimentaram um forte esquema institucional e político que privilegiou a associação entre o Estado e o capital privado, exibida como essencial para a ruptura com o “atraso” e o ingresso definitivo do Maranhão na chamada modernidade capitalista [...].

A categoria dinastia é usada por Fátima Gonçalves. Todavia; não se

observa uma dinastia no seu conceito strito sensu na prática política de Sarney,

mas de uma oligarquia, aliada a cultura politica de base familiar e de parentela,

com fortes marcadores de coronel. Prosseguindo com mais um pouco da

trajetória de José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o popular José Sarney, na

descrição de Carlos Agostinho Almeida Couto (2009):

[...] Filho de magistrado, começou muito cedo a participar da vida intelectual da capital, São Luís (MA), nasceu no município de Pinheiro (MA), no dia 24 de abril de 1930, em um período de nomes como Ferreira Gullar, Lago Burnett, Reginaldo Telles e Bandeira Tribuzi. Formado em Direito foi, antes disso, eleito para a Academia Maranhense de Letras, aos 22 anos, e, posteriormente, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão [...]. (COUTO, 2009, p. 121)

Sarney trabalhou no gabinete do Governador Eugênio Barros

(GONÇALVES, 1998), e discordou da candidatura a senador de Assis

Chateaubriand pelo PSD maranhense. Já em litígio com o vitorinismo, apoiou o

candidato das Oposições Coligadas ― Hugo da Cunha Machado — para a

sucessão de Eugênio Barros, em 1955, eleição vencida por Matos Carvalho,

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candidato de Vitorino Freire75. Em 1957, José Sarney filia-se à UDN, pela qual

é eleito deputado federal em 1958, e participa do movimento “bossa-nova” do

partido. A UDN resolve aproximar-se do PSD de Vitorino Freire no Maranhão,

que apoia Jânio Quadros (UDN) para presidente. José Sarney passa a ser a

ligação entre o governo local (Newton Bello, do PSD) e o governo central. Após

a renúncia de Jânio Quadros e a conturbada ascensão de João Goulart à

presidência da República, o PSD volta ao poder, levando ao rompimento de

Newton Bello com José Sarney. Reeleito deputado federal, em 1962, com

expressiva votação, José Sarney alicerça sua candidatura ao governo do

estado, conquistado por ele em 1965. O apoio recebido dos militares e a

cassação em 1964 do mandato (com perda dos direitos políticos) de Neiva

Moreira, principal liderança e virtual candidato pelas oposições coligadas,

facilitam a eleição de José Sarney. Estava surgindo mais uma liderança política

regional duradoura.

Segundo Haroldo Sabóia76, entrevistado na categoria de político:

“[...] Qual foi o fator primordial que facilitou e viabilizou a eleição de Sarney em 1965? Primeiro, a cassação da principal liderança ao vitorinismo que era Neiva Moreira, e que foi cassado em 1964 e exilado, e não só, a divisão imposta ao vitoronismo pelo Palácio do Planalto, é fato histórico, que a mando e por determinação do marechal ditador Castelo Branco, o seu chefe do SNI ou da casa militar na ocasião, o general João Batista Figueiredo que veio depois a ser ele próprio general ditador, teve um encontro com o governador Newton Bello, em Belém (PA), em 1965, mandando um recado do Planalto, dos militares, e, ameaçando o governo Newton Bello, no sentido que ele apoiasse o candidato natural do PSD de então, o candidato natural do Vitorino Freire77, que era o deputado federal e comandante de Marinha, o Renato Archer, ele seria cassado [...]. José Sarney é uma oligarquia gerada e nutrida no regime militar, ela nasce no regime militar por imposição direta, de articulações diretas de militares [...]”.

75

Ver Benedito Buzar – O VITORINISMO: lutas políticas no Maranhão 1945-1965. 76

Entrevista concedida, no dia 16 de abril de 2017, em sua residência no bairro do Calhau, em São Luís (MA). Economista, foi eleito em 1978 e 1982 deputado estatual, pelo MDB, e depois se filiou ao PT sendo candidato a prefeito em 1992, agora é filiado ao PSOL. 77

Nasceu na cidade de Moxotó, no interior do Estado de Pernambuco.

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Enquanto um sujeito central da pesquisa, fomos entrevistar o próprio

Sarney78, citado anteriormente, quando se perguntou: analistas do campo

acadêmico, da política, de movimentos sociais e de parte do cotidiano da mídia

considera que a família Sarney é uma oligarquia. O que você acha?

“Isso é um mantra fora do tempo. Remonta a 1930, quando a revolução foi feita contra as oligarquias. Num tempo de comunicação em tempo real, das redes sociais, da internet, falar em oligarquia é um recurso bolorento e anacrônico de fazer política. É uma arma que não pega mais e vem sendo repetida em todas as campanhas pelos que nos combatem. Somos no Maranhão a modernização. Mudamos a mentalidade do Estado discutindo vias de desenvolvimento. Hoje somos o 17º Estado do Brasil. É o que se chama hoje nos Estados Unidos de “fake news” [...]”.

Pela resposta, fica explicitado não admitir sua condição de líder de um

grupo com característica de uma oligarquia, governo de poucos, e permanência

no poder capturando o Estado, sem alternância (Almada, 2014), concepção

ideológica de governo, e por um tempo longevo, já que se vão mais de 50 anos

desde 1954, quando se elegeu como suplente de deputado, seu primeiro cargo

eletivo.

Como foram realizadas várias entrevistas com personagens da cena

política estadual e nacional, como o objetivo de analisar, de forma qualitativa,

78

Entrevista enviada no dia 13 de julho de 2017, por meio de e-mail (ver anexo IV íntegra da entrevista). Inicialmente, buscou-se um encontro presencial, e isso ocorreu no dia 4 de maio de 2017, quando fomos a Brasília, em encontro agendado, às 17h, no escritório da Fundação José Sarney, no Shopping Brasília Center (DF). Nesse dia, não consegui reunir com ele, naquele final de tarde fomos direcionado pela secretária a falar com um assessor, o Pedro Costa, que justificou a impossibilidade do Presidente José Sarney (como é tratado) não podia nos receber. O assessor até quis responder o roteiro da entrevista. Daí voltei no dia seguinte, 5 de maio, com nada marcado, somente com o objetivo de solicitar uma declaração de que, na condição de pesquisador, havia estado no local, a fim de comprovação junto à banca de defesa de tese que buscamos entrevistar José Sarney. Daí aconteceu uma coincidência, como não havia agendado nenhuma ida com o assessor para o dia 5 de maio, e eu retornei por pura persistência, no ofício de pesquisar, foi quando, por volta das 16h, adentrou a sala Sarney, acompanhado do assessor Pedro Costa. Aí consegui conversar com ex-senador, mas por pouco tempo, e ele perguntou: quem eu era, onde morava. A que família pertencia; e depois perguntou-me: qual era o tema da pesquisa, e por que ele ser um entrevistado. Aí falei do objetivo da tese, e que ele era um sujeito presente na análise, já que havia apoiado Lula na eleição de 2002, e que o período da pesquisa está situado de 2002-2016. Aí disse: “vamos fazer”. Comecei a ligar o gravador, e ele depois perguntou: quantas perguntas são; falei onze, mas, reforcei: “não será necessário responder a todas”, e que ficasse à vontade. Aí foi que ele disse: não seria melhor enviar ao meu e-mail, quero responder a todas as perguntas. Em seguida, pediu ao seu assessor Pedro Costa (presente no momento), que repassasse para mim o endereço do seu e-mail. Saí de lá com a certeza, de que iria responder, e respondeu.

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como se caracteriza o grupo Sarney, e se buscou uma apreensão de

significados na fala dos sujeitos, interligada ao contexto em que eles se

inserem e delimitada pela abordagem conceitual do pesquisador, trazendo à

tona, na redação, uma sistematização baseada na qualidade, portanto tem-se

um acervo rico de análises sobre o tema, e que reforça o entendimento e

atualização da categoria oligarquia, já desenvolvido com brilhantismo por Flávio

Reis (2013) que afirma: “A oligarquia, enquanto um grupo político, com relação

familiar, e que atua pelo alto, logo, com o apoio do governo central-federal”,

nesse sentido, conclui-se, que o modelo político instalado no Maranhão se

configura como de uma oligarquia.

79

Trata-se de um quadro ilustrativo com todos os govenadores de José Sarney (1966-1970) a Flávio Dino (2015-2018) com uma breve descrição do perfil político.

QUADRO79

8 GOVERNADORES DO MARANHÃO DO PERÍODO DE 1966-2018.

ID GOVERNADOR INICIO TERMINO PARTIDO DESCRIÇÃO 1. José Sarney 01/01/1966 14/05/1970 UDN Líder da Oligarquia

2. Antônio Jorge Dino (já falecido)

15/05/1970 15/03/1971 ARENA Foi vice de Sarney

3. Pedro Neiva de Santana (já falecido)

16/03/1971 15/03/1975 ARENA Aliado de Sarney. Nomeado.

4. Osvaldo Costa Nunes Freire (já falecido)

31/03/1976 31/03/1979 ARENA Oposição a Sarney, mas filiado no mesmo partido ARENA. Nomeado.

5. João Castelo Ribeiro Gonçalves. (já falecido)

15/03/1980 14/05/1982 ARENA Aliado de Sarney, compadre. Depois em disputa na sucessão, rompeu. Nomeado

6. Ivar Saldanha (já falecido)

14/05/1982 15/03/1983 PDS Foi vice de João Castelo

7. Luiz Rocha (já falecido)

16/03/1983 15/03/1987 PDS Aliado de Sarney. Eleito 1.º governador em eleição direta, depois do golpe militar.

8. Epitácio Cafeteira

15/03/1988 03/04/1990 PMDB Aliado de Sarney. Em 2006, foi eleito senador na coligação do grupo Sarney e contou com apoio de Lula.

9. João Alberto de Souza 03/04/1990 15/03/1991 PFL Foi vice-governador de João Castelo. Aliado de Sarney

10. Edison Lobão 16/03/1991 02/04/1994 PFL Aliado de Sarney. Foi ministro do governo Lula e Dilma.

11. José de Ribamar Fiquene (já falecido)

02/04/1994 01/01/1995 PFL Foi vice de Lobão. Aliado de Sarney, foi vice-governador de Lobão.

12. Roseana Sarney Murad 01/01/1996 01/01/1998 PFL Filha de Sarney.

13. Roseana Sarney Murad 01/01/1999 05/04/2002 PFL Filha de Sarney. Reeleita.

14. José Reinaldo Tavares 06/04/2002 31/12/2002 PFL Aliado de Sarney. Foi vice de Roseana.

15. José Reinaldo Tavares 01/01/2003 31/12/2006 PFL Aliado de Sarney, eleito governador em 2002, mas rompeu em 2004.

16. *Jackson Kleper Lago (já falecido)

01/01/2007 17/04/2009 PDT Oposição à oligarquia: foi cassado (2009).

17. Roseana Sarney Murad 17/04/2009 31/12/2010 PMDB Filha de Sarney, assumiu

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*Obs.: em 50 anos, o grupo da oligarquia, pode-se dizer que só foi derrotado duas vezes em eleições diretas no Maranhão, em 2006 e 2014. **Obs.: Ex-deputado e ex-presidente da Assembleia. E ocupou um cargo na FUNASA no governo de Michel Temer (2016-2018).

No quadro acima é possível identificar os partidos que mais elegeram

governadores no Maranhão: ARENA, PFL, PMDB; todos ligados e dirigidos por

grupo da oligarquia. Avançando na trajetória de Sarney, nota-se serem

recheadas de rupturas, espertezas e disputas pelo controle do Estado, o que já

em 1970, Sarney, ao renunciar ao cargo de Governador, para ser candidatar ao

senado, quem assumiu foi o seu vice-governador, Antônio Dino (1970-1971),

com quem aquele rompeu tempos depois.

Pedro Neiva (1971-1975), que foi indicação de Sarney, no terceiro ano

do governo, Sarney rompeu com ele. E Osvaldo Costa Nunes Freire foi

nomeado Governador (1976-1979), explicitando que Vitorino ainda tinha a força

no establishment militar, especialmente quando foi nomeado Nunes Freire por

uma indicação quase que pessoal de Orlando Geisel, irmão de Ernesto Geisel,

que viria a ser o sucessor do Presidente Médici.

O Governador João Castelo Ribeiro Gonçalves (1976-1979), foi

nomeado após o governo Nunes Freire, no momento em que o próprio Sarney

queria ser o candidato indicado ao governo. O segundo nome mais forte para

ser indicado seria o do senador Alexandra Costa, e, no jogo de bastidores

Sarney, foi vetado por Nunes Freire e acabou vetando Alexandre Costa

indicando João Castelo (Sarney era compadre de João Castelo).

governo em 17/04/2009, após a cassação de Jackson.

18. Roseana Sarney Murad Reeleita.

01/01/2011 10/12/2014 PMDB Filha de Sarney: renunciou o mandado (no dia 10 de dezembro de 2014..

19. **Arnaldo Melo

11/12/2014 31/12/2014 PMDB Aliado de Sarney; assumiu o Governo depois da renúncia de Roseana.

20. *Flávio Dino 01/01/2015 31/12/2019 PCdoB Oposição à oligarquia

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Abrindo-se aqui um parêntese para que Edison Vidigal narre o papel do

ex-senador Alexandre Costa80 na política do Estado:

“[...] Alexandre Costa nasceu em Caxias (MA), éramos amigos, ele foi meu padrinho de casamento [...], depois ele assumiu o mandato de deputado federal, isso, depois da cassação do Neiva Moreira, era o suplente, e foi peitudo, leu da tribuna da Câmara uma mensagem do Neiva que, ao ser exilado, deixou para o Alexandre ler, e ele leu [...] Sabe quem era o Secretário de Interior, Justiça e Segurança no Maranhão no tempo [do governo] de Eugênio Barros? Alexandre Costa. Ele nomeou tudo quanto foi juiz no Maranhão, nessa época não tinha concurso, nomeou: o pai de Sarney juiz, nomeou o pai de Sarney desembargador; nomeou o pai de João Castelo desembargador. Então, essa influência que Alexandre Costa tinha no judiciário do Maranhão vem daí, ele era muito querido pelo pessoal do judiciário, e depois em Brasília, ele como senador, então, trabalhava muito nessa área da comissão de justiça, embora, fosse engenheiro de formação [...]”.

Nas palavras de Vidigal:

“Alexandre Costa era um fiel escudeiro de Sarney, mas o temia. Tentou lançar sua candidatura a Governador, vetado em 1978, Sarney não deu apoio à vontade de Alexandre Costa, e indicou João Castelo. O slogan de Castelo foi: Sarney é Castelo, e Castelo é Sarney, houve música gravada, as comemorações foram feitas nesse sentido — Sarney é Castelo e Castelo é Sarney — e Sarney só rompeu com Castelo na discussão da escolha do candidato às eleições diretas, pós-golpe militar, em 1982, aí surgiu como imposição familiar do Sarney, o nome do Luiz Rocha (seu amigo-aliado). Sarney impôs Luiz Rocha como nome familiar, e João Castelo impôs o nome de João Rodolfo Ribeiro Gonçalves (seu primo) como vice-governador, e aí há um episódio nesse período em que o vice-governador era o general Arthur Carvalho, que faleceu. E João Castelo, que deveria se afastar para ser candidato a senador, em 1982, teria com o sucessor de Castelo o tio de Sarney, Alberico Ferreira (irmão da mãe de Sarney, dona Kiola), que na época, era o presidente da Assembleia Legislativa. Nesse conflito para que João Castelo fosse candidato ao senado, quem assumiria seria o Alberico Ferreira, tio de Sarney. Houve um jogo de disputa acirrada de poder para se chegar a um consenso. Então o consenso foi Luiz Rocha, governador imposto pela família Sarney, e João Rodolfo (primo de João Castelo), vice-governador. João Castelo no governo teve força de fazer com que o tio do Sarney renunciasse a presidência da Assembleia Legislativa do Maranhão para que assumisse o deputado Ivar Saldanha, como elemento que contemplasse, tanto o governador que

80

Ocupou o cargo de ministro da Integração Regional no governo do Presidente Itamar Franco (1992-1994), e sua filha era casada com ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, dono falido Banco Santos.

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saía, que era João Castelo, como o grupo Sarney, que, pelas eleições diretas, tentava voltar, como voltou, com o nome de Luiz Rocha81. João Castelo renunciou ao mandato para ser candidato a senador, assim se deu a ruptura de Castelo com Sarney, e quem assumiu o governo foi Ivar Saldanha (1982-1983), na condição de deputado estadual e presidente da Assembleia”.

De acordo com Benedito Buzar:

[...] Agora eleição direta, em 1982, e quem se prepara para ser o governador é Luiz Rocha, e João Castelo não queria. Daí ouve a ruptura por causa da escolha do candidato a Governador, mas a ruptura se dá no final do governo de João Castelo. Antes o Castelo já tinha emparedado Sarney, em uma grande jogada política que ninguém acreditava que ele teria coragem. O vice-governador de João Castelo era o General Arthur Carvalho, ele morre. Então, quem é que fica como o sucessor hierárquico, com a morte do vice-governador? Primeiro, é o Presidente da Assembleia, e depois presidente do Tribunal de Justiça. E quem era o presidente da Assembleia? Alberico Ferreira Filho (tio de Sarney), aí Castelo faz uma grande jogada, e bota o Sarney em xeque-mate. Ele disse, que se o Alberico não renunciasse a Presidência da assembleia, para que botasse como vice o Ivar Saldanha, que era o 1º vice-presidente, Castelo queria que o Alberico renunciasse para o Ivar assumir como vice-presidência da Assembleia. (e seria a pessoa que iria substituir ele no governo). Ele chama o Sarney, e disse, olha Sarney ou você consegue que o Alberico renuncie, ou então nós vamos criar um impasse para essa eleição de governador. Esse foi um drama. Alberico era tio de Sarney, um problema familiar muito grande; e o Alberico estava se preparando para assumir o governo no lugar do Castelo que seria candidato a senador, isso já estava decidido, aí isso demora, foi uma coisa dramática, uma coisa que demorou muito tempo, e Castelo conseguiu que o Alberico renunciasse, Alberico renuncia aí o deputado Ivar Saldanha, que era vice-presidente, passa a ser o presidente, e é quem vai ser o sucessor de João Castelo, quer dizer, um mandato tampão para ficar no governo [...].

O Governador é Luiz Rocha82 (1983-1987), ele é o primeiro eleito

diretamente pós-golpe militar, e, de acordo com a descrição do ex-deputado

Haroldo Saboia:

81

O filho, Roberto Rocha, é senador pelo PSBD-MA. Foi Eleito senador, em 2014, na coligação da chapa do governador Flávio Dino (PCdoB), mas, rompeu com Dino. No Senado ocupou o cargo de Corregedor-Geral (2017-2018), em articulação de José Sarney, Michel Temer, Edison Lobão e João Alberto. E tem plano de ser candidato a governador, em 2018. 82

Sarney indica Mauro Fecury (dono da Universidade Ceuma no Maranhão) para ser o prefeito

da cidade de São Luís.

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“[...] ganha facilmente a eleição por conta do voto vinculado, houve o fim do bipartidarismo, mas houve a imposição do voto vinculado. Quem votava em Governador tinha que votar em Senador, era no mesmo voto, tinha que votar no partido, era o chamado voto vinculado, que era deputado estadual, deputado federal, prefeito, vereador, governador todas essas eleições no mesmo ano. E para complementar, contra Luiz Rocha, disputa quem? Renato Archer83, ele, naquele momento, era o maior nome da oposição maranhense, havia sido cassado, em 1968, foi secretário-geral da Frente Ampla e teria uma eleição tranquila para deputado federal no Maranhão, contudo aceitou ser candidato a governador contra Luiz Rocha, pelo PMDB, mesmo com o voto vinculado, ou seja, sem nenhuma chance de vitória, mas Renato aceitou, porque ele tinha plena convicção de que, naquele momento, já se teriam as primeiras eleições diretas para governador, em 1982, e que seguramente haveria eleições diretas em 1985 e 1986 para presidente da república. Então, ele aceitou isso porque estava convencido, primeiro, da vitória do PMDB nos grandes Estados, como de fato ocorreu: Tancredo Neves foi eleito, em MG, Franco Montoro foi eleito em SP, Pedro Simon foi eleito no RS, Leonel de Moura Brizola foi eleito não pelo PMDB, mas pelo PDT no RJ. Então, naquele momento já era o passo fundamental da redemocratização plena de que viria a ser em 1986 [...].

Epitácio Cafeteira (1987-1990). Segundo Buzar:

“e quase deu outra briga, porque o Luiz Rocha não queria Cafeteira, quase tem rompimento, olha que já tinha tido rompimento do Pedro Neiva, já tinha tido do Nunes Freire, já tinha tido do Castelo todos rompidos com o Sarney, incrível de como com todas essas rupturas, o Sarney continuou forte, como diz Flávio Reis, só que agora com sua influência pelo alto”.

E Luiz Rocha, que era afilhado político de Sarney, entrou na política

pelas mãos do padrinho, Sarney era candidato a deputado, e Luiz Rocha

obteve seu primeiro mandato no cargo de vereador, em São Luís, com apoio

daquele. Rocha era o Presidente da União Municipal dos Estudantes

Secundaristas (UMES), por isso era contra Cafeteira. Registra-se que

Cafeteira84 tinha uma briga com Sarney, desde 1966, tempo em que um era

governador e o outro era prefeito de São Luís, e se elegeram ao mesmo tempo.

83

Foi vice-governador na chapa do pai, Sebastiao Archer. 84

Depois se reconciliou com José Sarney, e na eleição de 2006, foi o candidato a Senador eleito na chapa de Roseana Sarney, apoiado por Lula (este não apoiou o jovem candidato a senador pelo PT-MA, Bira do Pindaré).

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João Alberto85 (1999-1991), assumiu na condição de vice-Governador

de Epitácio Cafeteira, pois este renunciou ao cargo para ser candidato a

Senador. Foi outra confusão, uma luta jurídica. João Alberto, quando era o

vice-governador, pediu uma licença na assembleia para disputar eleição a

prefeito de Bacabal, e a Assembleia deu a licença, mas ele continuou como

vice (uma licença, mas era inconstitucional). Depois, com a renúncia de

Cafeteira, João Alberto voltou. Ele estava no mandato de prefeito e renunciou à

prefeitura do município de Bacabal para assumir o cargo de governador,

quando ele tentou assumir, aí a Cafeteira que tinha maioria na Assembleia e os

deputados não queriam aceitar João Alberto. Começou uma briga judicial muito

grande, e Sarney, que era muito forte também lá em cima (poder judiciário),

conseguiu que a disputa terminasse no Superior Tribunal de Justiça. E Sarney

garantiu João Alberto que fosse empossado governador.

Edison Lobão86 (1991-1994). Mas quem era o candidato a quem já

havia um compromisso de Cafeteira apoiar? Sarney Filho, que seria seu

sucessor. Mas com o rompimento de Cafeteira com Sarney, a candidatura

Sarney Filho fez água, porque ele estava todo apoiado na força de Cafeteira, e

este perdeu o comando, é daí que surgiu a candidatura de Edison Lobão,

talvez até por falta de alternativa, Lobão queria e havia muito tempo ser

candidato a governador, até naquela eleição em que Sarney queria ser o

candidato indireto, e que terminou não sendo, tendo sido Castelo o beneficiado.

E Edison Lobão ficou estomagado com Sarney, porque ele não o indicou, era

muito ligado ao General Militar Costa e Silva. Era um jornalista, tinha uma

coluna política, escrevia no Correio Brasiliense. Então, ele tinha muita

aproximação com os militares E achava que, se Sarney o indicasse para

governador, os militares assumiram sua candidatura. Mas isso não aconteceu.

Quando surgiu essa oportunidade, com a inviabilização da candidatura do

Sarney Filho, que era todo lastreado na força e apoio do governo de Cafeteira,

e ele não era mais governador e João Alberto, que estava entrando, não tinha

tanto poder para impor a candidatura de Sarney Filho, surgiu Lobão, que tinha

85

Atualmente é senador (PMDB-MA), vice-presidente do Senado e Presidente da Comissão de Ética. 86

Atualmente é senador (PMDB-MA), Presidente do Senado e Presidente da Comissão de Constituição e Justiça.

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o apoio do governo federal. Nessa eleição João Castelo tentou voltar ao cargo

de governador, venceu a eleição bem no 1.º turno, mas no 2.º turno87 ele

perdeu para Lobão. No governo de Lobão não tem disputa, também renunciou

ao cargo de governador para disputar uma vaga de senador, e quem assumiu

foi outro aliado da oligarquia Sarney, José de Ribamar Fiquene (1994-1995). E

aqui, começou o período de Roseana Sarney (1996-2002), que depois foi

reeleita. Em 2002, renunciou para disputar uma vaga de senadora, e quem

assumiu foi o vice-governador, José Reinaldo Tavares.

Uma interpretação na categoria de movimento social, do jornalista

Emilio Azevedo88:

“[...] A longevidade de Sarney se dá, não tem outra palavra, porque ele teve a capacidade, a competência, sem muito escrúpulo, ou quase nada de escrúpulo, de sempre ir aderindo a sucessivos governos e mantendo no Maranhão um poder absoluto. Quer dizer, no Maranhão, praticamente ele eliminava da disputa [...], conseguiu ali na década, já a partir da década de 70, controlar o Estado, e rapidamente ascendeu dentro da politica nacional para o comando da ARENA, ele se tornou, já nos anos 70, o presidente da ARENA, é um poder muito grande. Você imagina o poder de influência que ele tinha no Maranhão e no país já naquela época, e sendo o presidente do partido da ditatura. Nos anos 70, ele foi presidente da ARENA e depois ele foi presidente do PDS também. Quando vem a abertura democrática, naquela coisa da frente liberal (PFL) que era com Marcos Maciel, Guilherme Palmeira e Jorge Bornhausen, a partir deles três, inicialmente, o Sarney consegue também ali se articular com eles, puxar a banda do PDS, aí acontece e que a gente sabe, ele acaba sendo vice na chapa de Tancredo Neves – candidato a presidente da República, isso dá um folego muito grande, porque ele continua transitando na elite nacional, mesmo tendo feito um governo desastroso, onde pessoalmente era muito fragilizado, muito vulnerável, meio comparado com o Michel Temer hoje, mas, por mais que ele fosse um governo, um presidente que tenha apanhado muito, tenha sofrido muito, com a falta de legitimidade do poder que ele alcançou, por ter sido vice, eleito indiretamente, mas ele acumulou poder, porque fez muitos favores, fez muitos conchavos, fez muitas alianças, deu concessões de televisão para A, B ou C. Quer dizer, transitou no alto da pirâmide da elite brasileira [...]”.

87

Nesse período a eleição já passa ser de dois turnos. 88

Entrevista concedida, no dia 24 de janeiro de 2017. Emilio Antônio Lima de Azevedo, Jornalista, foi Secretário-Adjunto de Estado no governo Jackson Lago, atua no projeto de mídias alternativas, chamado Vias de Fatos.

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Continuando a narrativa histórica, agora no plano nacional, o mineiro

Tancredo Neves foi eleito Presidente da República pela eleição indireta no

Colégio Eleitoral, vencendo a disputa contra Paulo Maluf (PDS), mas adoeceu

e morreu no dia 21 de abril de 1985, em SP, não sendo nem empossado no

cargo de Presidente da República. E quem assumiu o cargo na condição de

seu vice? José Sarney (1985-1989), quadro histórico de sustentação da

ditadura militar, indicado pelo partido PFL (a sigla mudou o nome para DEM), e

que depois se filiou ao PMDB por razões meramente formais da legislação e

onde continua filiado até hoje. Mesmo com Sarney na Presidência da

República, o “progressismo” continuou a apresentar a ideologia oficial de uma

transição morna para a democracia, controlada pelo regime ditatorial em crise e

pactuada pelo alto, por um sistema político elitista. É perceptível como Sarney

opera com muita habilidade política na cena nacional, mesmo sendo oriundo de

um estado periférico do Nordeste. Para alguns, foi a [primeira] sobrevida de

José Sarney, o que vai até 2006, quando é derrotado por Jackson Lago (PDT).

Na interpretação na categoria de intelectual-pesquisadora Maria Mary

Ferreira89:

[...] Sarney teve sempre pessoas de muita competência intelectual apoiando, e depois ele foi se firmando a partir de articulação escusas, e aí ele usou o poder do mando, das estruturas para poder se manter. Aí que eu digo que, nessas estruturas ele tem a questão do jurídico, do judiciário como um poder que sustentou e sustenta Sarney até hoje. Tanto que tem vários processos contra ele e que acabam adormecendo, ele e a família, adormecendo em função dessa articulação forte que ele tem nesse poder. Além disso, ele tem outro grande poder, que é o poder da mídia, o único Jornal em que ele não manda é o Jornal Pequeno [...]. Então, Sarney, ele tem o judiciário, tem a mídia, e dentro do judiciário ele tem os outros tribunais, por exemplo, o Tribunal de Contas, é um tribunal que tem o controle sobre os municípios. Se você é um prefeito, e você tem sua conta reprovada, você tem lá o tribunal que passa mão e que faz de conta, que te deixa, que te tira da “ficha suja”. Então, esse controle é muito importante, o controle ainda é do Sarney. Então, se você perceber as estruturas de mando, de determinação, dentro do Estado, ainda está sob o controle de

89

Entrevista concedida, no dia 13 de fevereiro de 2017, no departamento de Biblioteconomia da UFMA, em São Luís (MA). Doutora em Sociologia, Professora da UFMA e militante do Movimento feminista, em São Luís (Grupo de Mulheres Ilha).

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Sarney, e Flávio Dino ainda não conseguiu minar isso aí, não tenho dúvida [...].

Na interpretação de um ex-secretário do Governo Sarney, na categoria

de político, e autor de um livro que leva o mesmo nome do slogan do governo

de 1966-1970 MARANHÃO NOVO, Eliezer Moreira90:

[...] Deixa começar com um pouco de esoterismo, Dr. Sarney tem uma predestinação política, notável, extraordinária, ele tem uma premonição sobre as coisas que podem acontecer, não acredito que seja só inteligência e capacidade de analisar fatos, tem alguma outa coisa por trás disso, que o leva sempre a acertar. Sarney saiu do governo, teve alto e baixo, enfrentou o fim de uma revolução, enfrentou o início de uma revolução, na qual ele foi um candidato a ser cassado, os militares não o toleravam, e ele como governador do Maranhão se recompõe com os militares, e os militares acabaram o ajudando a fazer o governo que ele fez. Depois na saída, também naquele rompimento com Figueiredo, Sarney foi numa reunião da ARENA armado, coisa que não é da índole dele, foi armado, porque ele contava com o pior, que ele ia sair da ARENA, ia renunciar a presidência da ARENA, renunciou, uniu-se de novo, não sei por que cargas d’água, a história deve contar isso melhor do que eu, ao Tancredo Neves, e transformou-se vice-presidente, e o destino o fez Presidente. É um predestinado. Por quê? Não sei, ele tem uma predestinação política, ele sabe se aliar em determinado momentos às forças que no futuro são muito importantes para ele. Por quê? Fruto de uma análise política, não sei [...]. O grande trunfo do Maranhão está nas mãos do Sarney, e outra coisa, nessa situação de dificuldade que os Estados passam, que a união passa, você precisa estar junto ao governo federal, de pessoas fortes e que possam influenciar em benefício do seu estado. Flávio Dino não tem ninguém, e o Maranhão só tem Dr. Sarney [...].

Depois vem o Fernando Collor de Melo91 (1990-1992), mas, com dois

anos de mandato, sofre o impeachment (pode-se dizer que só no governo

Collor, Sarney não teve uma força, mas durou pouco tempo). E aí o vice-

presidente, Itamar Franco (1992-1994), assumiu, nomeando um ministro ligado

a Sarney, que foi o senador Alexandre Costa, aí volta a influenciar novamente

90

Entrevista concedida, no dia 09 de fevereiro de 2017, na Academia Maranhense de Letras. Bacharel em Direito, foi Secretário de Estado da Casa Civil no governo Sarney (1966-1970), exercendo vários cargos públicos e outros governos do grupo. 91

É cassado em processo de impeachment votado pelo Congresso Nacional (1992).

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pelo alto. Vieram os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-

2002), Sarney Filho foi nomeado ministro do Meio Ambienta.

Por essa narrativa, o que se quer demonstrar é a forte influência de

Sarney na política desde 1966, que o vai caracterizar como um oligarca do

mandonismo local com força e poder. E a partir de período 2002, já século XXI,

a ascensão de Lula na Presidência será analisada no capítulo seguinte.

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CAPÍTULO IV – A CENA POLÍTICO-ELEITORAL

CONTEMPORÂNEA NO ESTADO: CICLO DO LULISMO92 - 13

ANOS DA COALIZÃO CONSERVADORA E REPUBLICANISMO

FRACO.

Uma reflexão da política na contemporaneidade é sempre uma tarefa

difícil, principalmente em conjuntura de crise e de cenário cada dia mais

imprevisível, por que passa o Brasil. Todavia espera-se que seja alcançada

uma redação coerente e fluida nas narrativas descritivas dos fatos e que possa

trazer ao leitor a compreensão, análise e crítica do texto. Logo, quando se

pensa em oligarquia e governo em sistema dito democrático, a pergunta que se

faz: e será mesmo democrático?

O que gradua a democracia liberal representativa é a extensão do

poder e sua duração, daí, quanto maior a delegação de soberania e por maior

prazo, menor a democracia, logo, a alternância partidária no poder [governo] é

igualmente salutar, pois a oposição é a convalescença dos partidos debilitados

no poder. Deve-se levar em conta a longevidade política de modelo oligárquico

em regiões periféricas como o Maranhão e considerar o período de ascensão

de Sarney ao governo do Estado na década de 1960, que perdura nos dias

atuais. E quando Marx (2011), complementando a frase de Hegel, diz: “que a

história se repete, porém, diz aquele, a primeira vez como tragédia, e a

segunda como farsa”. Daí poder dizer que, vivem-se tempos de muitas farsas

na história política contemporânea.

Entendendo mais sobre o modelo oligárquico tema central da pesquisa

de Reis (2013):

Oligarquia tem larga utilização na análise do processo político nacional e, apesar de certa ligeireza em seu emprego, serviu para enfatizar o predomínio de redes de poder privado – de base familiar – sobre o aparelho de Estado, na hipótese sugerida, a oligarquia é mais do que produto dos interesses do núcleo de famílias, sendo também uma peça da construção do

92

Ver André Singer - RAÍZES SOCIAIS E IDEOLÓGICAS DO LULISMO (2009), e Os sentidos

do LULISMO: reforma gradual e pacto conservador. Companhia da Letras, (2012).

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Estado brasileiro, cuja gestação foi favorecida pelo poder central. (REIS, 2013, p. 89)

Conforme Singer (2012), “o lulismo existe sob o signo da contradição:

conservação e mudança, reprodução e superação, decepção e esperança num

mesmo movimento. É o caráter ambíguo do fenômeno que torna difícil sua

interpretação”.

Como já analisou Marx, em 18 Brumário, a contradição é inerente à

arena política, por isso é comparado ao teatro, daí chama-se “representação”.

Nesse sentido, todos os políticos estão sempre representando. Mas, esse é

somente um preâmbulo para se descrever a realidade concreta de uma

situação concreta e as contradições das alianças eleitorais de Lula no estado.

4.1 Eleição de Lula (Presidente do Brasil) – José Reinaldo (Governador

do Maranhão - 2002).

Um fato movimenta a cena política do Maranhão, é no dia 1.º de março

de 2002, quando delegados do Departamento da Policial Federal do Brasil, a

pedido da Procuradoria Federal, inicia uma busca na empresa chamada

LUNUS, em São Luís, de propriedade do casal Roseana Sarney Murad e Jorge

Francisco Murad. O fato foi denominado de “Operação Lunus”, e de grande

repercussão na mídia local e nacional, considerando que na época Roseana

Sarney (PFL-MA), era governadora, no segundo mandado, e com projeto

político-eleitoral de disputar a eleição para o cargo de Presidente da República,

e que, diante do estrago causado pela operação Lunus, o projeto da

candidatura naufragou, e o grupo Sarney acusou que tudo havia sido montado

pelo então pré-candidato José Serra (PSDB-SP), com o conhecimento do

Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Trago aqui um trecho

da descrição do livro da biógrafa de José Sarney, Regina Echeverria (2011):

[...] Roseana Sarney foi considerada pela revista Veja (nov.2001) o fenômeno da temporada. A governadora do Maranhão saltou de, 4% para 19,1% nas pesquisas eleitorais. Mesmo desconhecida do público brasileiro e apesar do sobrenome famoso [Sarney], estava apenas dez pontos atrás

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de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à presidência pela quarta vez. Mas expressiva ainda era a diferença de sete pontos que ela abriu em relação ao terceiro colocado, o ministro [saúde] José Serra, candidato de Fernando Henrique. Roseana era o fato novo da sucessão. Desde o lançamento do nome de Roseana, o pai relutou entre o orgulho de emplacar mais um Sarney como inquilino do Palácio do Planalto [...] Em 1.º de março de 2002, em São Luís, a Polícia Federal invadiu a empresa Lunus Serviços e Participações, de propriedade de Jorge Murad e Roseana, apreendendo R$ 1, 340 milhões. O dinheiro foi colocado em cima de uma mesa e exibido à imprensa [...]. O valor encontrado no escritório da Lunus, segundo Jorge Murad, destinava-se ao pagamento dos programas de televisão da campanha de Roseana, coordenada pelo publicitário Nizan Guanaes. A exibição do dinheiro na imprensa foi um tiro mortal para as pretensões de Roseana [...]. (ECHEVERRÍA, 2011, p.504)

Quem descreve com um pouco mais de detalhes é o ex-deputado

Anderson Lago93:

“[...] Em 2002, Roseana já estava no auge da campanha a presidente. E aí qual minha participação no caso Lunus? Aconteceu o seguinte, um belo dia estava na Assembleia Legislativa, no meu gabinete, e aparecem três ou quatros pessoas do município de Açailândia (MA), queriam falar comigo, mandei entrar, eles se apresentaram, eram do Sindicato de Ferro Gusa de Açailândia [...]. Aí, me trouxeram o projeto que havia sido aprovado na reunião da SUDAN, presidida por Roseana Sarney, aqui em São Luís. No Estado em que a reunião do Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) era feita, quem presidia era governo do Estado, esse conselho tinha sempre a participação de um membro do Ministério da Fazenda. Então, aprovaram um projeto de 1 bilhão e pouco, naquela época um 1 bilhão de reais era muito dinheiro, ainda hoje é [...], a USIMAR, que o pessoal até confundia com uma USAMAR que havia sido criada na época do governo Cafeteira, uma estatal para siderurgia; aquela USIMAR era privada [...].Aí recebi tudo isso, fui para a tribuna da Assembleia e denunciei, juntei esse material todo,[...] fui à Procuradoria da República aqui (Maranhão), e entreguei o material, fiz a denuncia e eles abriram o inquérito [...] Roseana era acionista majoritária, o

93

Entrevista concedida, no dia 14 de junho de 2017, em seu apartamento no bairro do Calhau, em São Luís (MA). Aderson de Carvalho Lago Filho, engenheiro civil de formação. Exerceu o cargo de presidente da CAEMA no governo de Epitácio Cafeteria (1987–1990), foi deputado estadual por quatro mandatos consecutivos, portanto, 16 anos (1991–2006), partidos a que já foi filiado: PDC, PPR, PPB, PSDB. Foi um primeiro deputado estadual do PSDB no Maranhão. Sua marca é de um político de oposição à oligarquia Sarney. Foi candidato a governador do Maranhão pelo PSDB (2006), Secretário de Estado da Casa Civil no governo de Jackson Lago (2007–2009). É primo do ex-governador Jackson Lago (a relação de parentesco era a seguinte, o pai do ex-governador Jackson Lago era irmão do seu pai. E seu filho Rodrigo Lado é Secretário de Estado da Transparência do governo Flávio Dino).

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Marafolia funcionava lá, tudo isso eu denunciei ao Ministério Público [...]. O Ministério Público abriu o inquérito, e esse inquérito que ficou lá de molho. Quando a Roseana começou a crescer na pesquisa, o José Serra (PSDB) deve ter enxergado isso, vamos apertar. Foram os tucanos não tenho a menor dúvida, eu era tucano já na época [...]. Então, a Polícia Federal, invadiu a Lunus não foi atrás de dinheiro, aquilo foi uma coincidência, foi atrás dos documentos da USIMAR, e que estavam lá na Lunus [...]. Aí à Roseana despencou, ela acabou renunciando a candidatura [...].

Com a exploração das entrevistas e das bibliografias consultadas, foi

se montando o quebra-cabeça, e se desvendando como o grupo de José

Sarney, a partir de então, passou a construir sua estratégia, agora com o

objetivo de não permitir que José Serra (PSDB-SP) candidato a Presidente,

vencesse a eleição, em 2002. E neste mesmo ano, é quando Luís Inácio Lula

da Silva (PT-SP) entrou em cena novamente, já que essa era sua quarta vez

que concorreria ao cargo de Presidente da República. A partir de então, os

seus estrategistas decidiram jogar todas as cartas com um só objetivo, vencer

a eleição, considerando que Lula já havia concorrido por três vezes

consecutivas ao mesmo cargo, em 1989, 1994 e 1998; e não obtendo êxito, daí

o ‘mago’ do marketing político da campanha na época, Duda Mendonça,

contratado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), estava ali para alçar o

candidato-operário ao posto mais alto da República Federativa do Brasil, 13

anos depois de 1989, quando Lula disputou pela primeira vez a vaga, contra o

candidato Fernando Collor de Mello, da pequena sigla PRN, e fora derrotado

no segundo turno, uma eleição histórica pelo fato de ser a primeira depois da

redemocratização. Pode-se levantar uma hipótese que, em função da disputa e

do conflito político que se estabeleceu entre o grupo da oligarquia e o PSDB de

Fernando Henrique Cardoso e José Serra, causado pela “Operação Lunus”, o

candidato Lula, tivesse talvez obtido adesão e apoio do senador José Sarney

(PMDB), e posteriormente do seu grupo, mas foi fato, que o grupo já avaliava

que o Lula era potencialmente o candidato que naquele momento tinha grande

possibilidade de vitória.

Nessa eleição em 2002, Jackson Lago (PDT), concorreu novamente ao

cargo de governador contra José Reinaldo (PFL), candidato nesse período da

oligarquia Sarney com o apoio de Lula (não formal). E quem também havia

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lançando sua candidatura ao cargo de governador foi o cunhado de Roseana

Sarney (PFL), Ricardo Jorge Murad, filiado na época no PSB. Ele que não

concordava com a candidatura de José Reinaldo, daí se lançou, gerando um

conflito intrafamiliar por causa do seu grau de parentesco com Roseana Sarney

‘Murad’, ela que havia renunciado ao cargo de governadora, foi quando seu

vice José Reinaldo assumiu o governo, mas se lançou na chapa majoritária ao

cargo de senadora (ela esposa de Jorge Murad, irmão de Ricardo) e Fernando

Sarney (irmão de Roseana) casado com Tereza Murad (irmã de Ricardo e

Jorge Murad), portanto Ricardo Murad foi considerado inelegível pelo Tribunal

Superior Eleitoral (TSE) e teve sua candidatura cassada por ser cunhado da

Roseana, mas obtendo 114.640 votos (5,7%). Depois, seus votos foram

anulados, e, com isso, não ocorreu o 2.º turno, e o candidato a governador

José Reinaldo venceu a eleição com um total de 1.076.893 votos ( 51,05%)

válidos, o que causou certa revolta da oposição liderada por Jackson Lago, que

obteve um total de 896.930 votos, (40,3%), pelo fato de os votos de Ricardo

terem sido anulados, e o candidato de Sarney ter vencido no 1.º turno. O ex-

governador Epitácio Cafeteira era o candidato a senador nessa eleição na

chapa de Jackson Lago, contudo, Roseana Sarney foi eleita senadora, e

depois líder do governo Lula.

4.1.1 Discussão do PT: reatualização da família Sarney pela adesão à

candidatura de Lula.

Este item de capítulo ajuda a explicar a aliança de Lula com Sarney.

Não é necessariamente um estudo sobre o PT, busca-se somente alguns

aspectos que expliquem as contradições das alianças com as oligarquias. O

Um fato é central que explicita a aproximação dos Sarney a Lula, quando

Roseana desistiu oficialmente da corrida sucessória, em abril de 2002, na

convenção do PMDB, Sarney fez questão de comparecer para votar contra o

apoio do partido a José Serra: “Não há hipótese alguma de apoiar a

candidatura dele”. Estava dada a senha para o PT. Primeiro foi José Dirceu e,

depois, Lula. Os dois procuraram Sarney, é o que Echeverria (2011, p. 508)

narra em seu livro “Diz Sarney: quando apoiei Lula, o Ciro Gomes estava

disparado nas pesquisas. Lula veio à minha casa duas vezes, e o Zé Dirceu

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não sei quantas. Eles vieram me convidar, pedir o meu apoio. Eu não fui atrás

de ninguém”.

Com a aproximação entre Lula e Sarney, foi quando se aprofundou o

conflito interno mais longo da história na seção do PT maranhense, e surgiu um

movimento de resistência contra tal aliança, e que perdura até os dias de hoje,

situação essa que fica bem demarcada na problematização desta tese, no

caso, a aproximação do Ex-Presidente da República José Sarney com o

candidato a presidente Lula, em 2002, e que, de certa forma, travou um debate

sobre uma dada democracia com maior intensidade no Estado do Maranhão,

que perdurou também por todo o período do ciclo do lulismo. E claro, que, ao

se colocar em uma disputa político-eleitoral, e com objetivo de vencer na arena

da democracia representativa e com um sistema do presidencialismo de

coalizão (Limongi) vigente, requer de fato a constituição de alianças políticas, e

algumas de muita contradição e incoerência. Um registro que considerou-se

importante dos bastidores da formação da aliança com a oligarquia é descrito

por Echeverria (2011):

[...] Já longe do governo, José Dirceu disse que, assim como muito outros, surpreendeu-se muito ao conhecer e conviver com José Sarney: através de Roseana, procurei o presidente Sarney e comecei a estabelecer uma relação com ele; e, para minha surpresa, eu encontro primeiro um grande intelectual e, segundo, um ser humano de uma sensibilidade muita aguçada, muito afetiva, para quem amizade e lealdade são muito importantes. Ele me recebeu primeiro como dirigente do PT, um deputado, um representante do Lula, e depois reconheceu em mim uma liderança e me tratava como tal. O PMDB era o fiel da balança para o governo e a garantia de que no Senado não destituiria o Lula. (p.508) [...] Sarney formalizou o apoio a Lula e ofereceu-se para ajudar na transição. “Ao contrário do que dizem por aí, Lula é fator de estabilidade, e não de instabilidade”, disse o senador depois do encontro de 40 minutos com o candidato em sua casa, no Lago Sul. Afirmou, ainda, que Lula venceria a eleição e que esperava obter para ele o apoio de outros peemedebistas. Sarney foi muito útil como um emissário e bombeiro junto aos setores que ainda resistiam ao petista, como militares, empresários e políticos conservadores. (ECHEVERRÍA, 2011, p.510)

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Em depoimento de José Sarney94 para a tese, pergunto: Fale sobre a

eleição do PT tendo Lula como candidato a Presidente da República em

200295, e a sua declaração de apoio (Senador José Sarney) ao candidato

operário? Em resposta objetiva, veja o que diz: “Considero que a eleição de

Lula – a chegada de um operário ao poder, com toda a carga simbólica e

factual que isso representa – é um momento maior de nossa vida política. Meu

apoio foi tanto por compreender isso quanto porque o considerava o melhor

candidato”.

É perceptível a habilidade que José Sarney tem de se antecipar aos

fatos, mesmo que de forma oportunista.

Na condição de político, a percepção de Francisco Gonçalves da

Conceição96:

“[...] Diria assim, que o PT depois de várias eleições, se colocou num dilema: se o PT que gostaria de ficar apenas demarcando uma posição de cunho ideológico na sociedade brasileira, ou se o PT se dispunha nas condições próprias da sociedade brasileira efetivamente disputar a presidência da república, e nesse sentido, nesse contexto que surge a famosa “CARTA AO POVO BRASILEIRO”, em que Lula na verdade apresenta uma inflexão programática, no sentido de sinalizar para o centro, e buscar o apoio do centro para viabilizar uma candidatura eleitoralmente vitoriosa [...].

E avançando na descrição das eleições e da política de aliança

somente no Maranhão, e no período que se convencionou chamar de ciclo do

lulismo, os mandatos do Presidente Lula (2003-2010), cinco anos e quatro

94

Ver Regina Echeverria (2011, p. 504): “[...] Em 9 de agosto de 2002, quando Roseana já se retirara da disputa, a Justiça Federal de 1.ª Instância rejeitou as denúncias contra o casal por falta de “ um mínimo comprobatório”; em 22 de abril de 2003, quando Lula já governava, Tribunal Regional Federal (1.º Divisão) acolheu recurso de Murad e mandou devolver o dinheiro e os documentos apreendidos; em 16 de junho de 2005, quando Lula já pensava na reeleição, o Supremo Tribunal Federal negou denúncia contra Murad e registrou que não havia “ na denúncia, de minuciosa narrativa, ou um único fato que tenha passado no Estado do Tocantins, ou único réu que tenha domicilio naquele Estado [...]”. 95

Fonte: Jornal Pequeno (do dia 1.º de setembro de 2002): CNBB critica aliança Lula-Sarney e teme que seja apenas "conchavo". 96

Entrevista concedida, no dia 07 de fevereiro de 2017, na sede da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDPP). Jornalista de formação. Foi presidente do PT-MA, e primeiro Coordenador Geral da Campanha de Lula à presidência da República, no Maranhão, em 1989. É Professor da UFMA, com mestrado e doutorado (UFRJ). Atualmente exercendo o cargo de Secretário de Direitos Humanos e Participação Popular do governo Flávio Dino.

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meses da Presidente de Dilma Rousseff (2011-2016), é que em todas as

eleições gerais: 2002, 2006, 2010 e 2014, o PT, Lula e Dilma escolheram

priorizar a aliança com as oligarquias. E, no segundo mandato de Lula com o

PMDB de José Sarney, Renan Calheiros e Michel Temer.

Em sua interpretação, o antropólogo Alfredo Wagner, na categoria de

intelectual-pesquisador descreve um pouco mais a relação de José Serra e Sarney:

[...] o Sarney tem ojeriza ao Serra (PSDB), inclusive, a investigação que a procuradoria federal fez aqui no período da Lunus, em 2002, Sarney sabia quem estava investigando. Então, tem uma coisa inconciliável, o Lula entrou nessa cunha, e como eu tive oportunidade de falar isso mais de uma vez, entrou mal, porque esse tipo de contradição ela não pede que você se alinhe a um lado, ela pede que você trabalhe dialogando simultaneamente com ambos os lados e para implodi-lo, o que ele fez foi juntar um radicalmente contra o outro; só que o outro era “moderno” em termos políticos, o efeito correu todo para o lado do Lula, o efeito negativo. Então, aí o resultado desse esgotamento, desse modelo é uma aliança em bases artificiais, como foi feita, e que tem talvez o seu ápice no comício do Lula na cidade de Timon(MA), naquela eleição, em 2006 [...].

No depoimento de um intérprete do movimento social, o ex-candidato a

governador pelo PSTU, na eleição de 2002, Marcos Antônio Silva do

Nascimento 97:

[...] Quando José Reinaldo foi eleito, em 2002, o pessoal do Sarney, só apoiou o Lula, em função do PSDB não aceitar a Roseana como presidente e ter tido aquela operação “Lunus”, essa foi a revolta que levou Sarney a se aproximar do PT, não foi uma aliança política, foi um descontentamento [...]. A eleição de Lula [2002] é também produto do descontentamento da população com os planos neoliberais dos anos 90, isso é que fortaleceu o Lula, as greves contra FHC [...] Toda essa mobilização, o PT conseguiu capitanear eleitoralmente, e depois do Lula disputar: 89, 94, 98, aí em 2002 ele chegou ao governo, no entanto, para que isso acontecesse, o PT precisou costurar uma aliança com parte do capital nacional e com parte

97

Entrevista concedida, no dia 05 de janeiro de 2017, realizada na UFMA. Marcos Silva. Militante histórico do movimento popular e sindical; foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Carne e Laticínios do Maranhão (1989-1995). Foi candidato a governador na eleição de 2002 pelo partido PSTU. Servidor na Companhia de Água e Esgoto do Maranhão (CAEMA). Licenciado em História e graduado em Serviço Social, e atualmente é aluno do Mestrado em Desenvolvimento Socioeconômico da UFMA.

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do capital estrangeiro, e demonstrar para as forças do capital que não iria cortar os dedos da burguesia [...].

As entrevistas de campos dão uma dimensão da consistência empírica

do objeto da pesquisa, quando confrontada a versão teórica com a percepção

de militantes sociais, políticos e intelectual-pesquisadores.

Foi necessário fazer um balanço do resultado da eleição de 2002, para

uma percepção mais clara do poder da oligarquia Sarney nessa eleição. É

quando Lula (PT) – candidato da coligação: PT-PL-PCdoB-PMN-PCB, venceu

a disputa no 2.º turno, obtendo 1.229,559 votos (58,48%); e José do Serra

(PSDB), da coligação PSDB-PMDB, com 872,880 votos (41,52%). Para a

disputa do Governo do Estado do Maranhão, concorria na época, o candidato

do grupo da oligarquia, José Reinaldo (PFL), pela coligação: PFL-PMDB-PST-

PSDC-PSL-PSD, sendo eleito com 1.076,893 votos (51,05%); contra o Dr.

Jackson Lago (PDT), da coligação: PDT-PTB-PTN-PPS-PAN, que obteve

896,930 votos (42,52%). Já o candidato do PT de Lula, em tese, ao governo do

Maranhão, foi o sindicalista Raimundo Monteiro (PT), da coligação: PT-PL-

PMN-PCdoB, que obteve 127,082 votos (6,025%), e o candidato Marcos Silva

(PSTU), este sem coligação, obteve 8.391 votos (0,398%). Prosseguindo com

a descrição do resultado eleitoral, as duas vagas de senadores, concorriam

Roseana Sarney (PFL), que teve o apoio de Lula e foi eleita com 1.314,524

votos (32,33%) e Edison Lobão (PMDB), também candidato do grupo da

oligarquia e com apoio de Lula, eleito com 1.106,151(27,21%); o candidato a

senador da coligação de Jackson Lago (PDT) era o ex-governador Epitácio

Cafeteira (PTB), que obteve 874.573 votos (21,51%), mas não foi eleito,

ficando na terceira posição; o candidato do PT a senador foi Haroldo Saboia,

que obteve 474,1991 votos (11,66%), ficando na quarta posição, entre os dez

candidatos98 ao senado que concorriam naquela eleição. O Partido dos

Trabalhadores, nesse pleito, das 42 vagas na Assembleia Legislativa, somente

conseguiu eleger dois deputados estaduais: Helena Barros Heluy obtendo

17.512 votos, e Domingos Francisco Dutra Filho, com 14.415 votos, e uma

98

Demais candidatos a senador do Maranhão na eleição de 2002: Frederico Luiz (PCB); Terezinha Rego (PSB); Manoel Veiga (PSB); Ildemar Gonçalves (PSDB) e Ramon Silva Gomes “Zapata” (PSTU).

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deputada federal das 18 vagas em disputa no estado, Terezinha Fernandes99

com 57,583 votos.

Por esse mapa eleitoral (TSE, 2002), fica evidenciada à força eleitoral

do grupo da oligarquia, e que explicita como o candidato Lula mais se

beneficiou da adesão de José Sarney do que este dele, mas que depois este

vai obter seus benefícios políticos. Com Luís Inácio Lula da Silva eleito e

empossado no cargo de Presidente, aquele que esteve em todos os governos

centrais, seja, militares ou civis, continuou mantendo os mesmos privilégios e

influenciando pelo alto com a ocupação dos altos cargos públicos estratégicos

da república, na política regional e capturando os recursos federais, isso

durante todo o período do governo do petista. E a seção do PT maranhense,

que já não se apresentava com muita força, e também nunca teve um projeto

político consequente de poder no estado, apesar de ter sido fundado proferindo

um discurso de superação do modelo de concepção política oligárquica, com a

aproximação de Lula a Sarney, foi deixada de lado, e a justificativa usada pela

direção nacional é que foi tudo em nome do “projeto nacional” petista de

governar a nação.

Nessa análise da história de adesão de Lula a Sarney e vice-versa,

trago aqui uma matéria publicada no jornal O Estado do Maranhão

(propriedade da família Sarney), no dia 24 de agosto de 2002, o que vem a

demonstrar um pouco mais a relação política pelo alto, em que todos os

partidos operam, seja de esquerda ou de direita quando estão em jogo os

interesses maiores do poder, é quando as questões locais são sub-

representadas, e as regras internas partidárias são rasgadas e

desrespeitadas100. E foi o que ocorreu em vários e estados do país,

principalmente, nos da região Nordeste, quando se tratava de fechar acordo

das alianças com as velhas oligarquias e a política tradicional, em vez, de se

99

Na época, o marido, o petista Jomar Fernandes (2001-2004), era prefeito da segunda maior cidade do Estado, Imperatriz (MA). 100

Vide o caso do Rio Janeiro que sofreu intervenção pela direção nacional do PT, em 1998, quando impôs a candidatura Antônio Garotinho contra Benedita da Silva. Levou a desfiliação do partido ex-deputado o Wladimir Palmeira, Milton Temer. O acordo foi à condição imposta por Brizola para ser o vice de Lula nas eleições de 1998. De forma autoritária, a direção interveio.

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avançar para um pacto novo de coalizão, diga-se, com o campo democrático-

popular. A tese petista, na perspectiva de uma democracia sem oligarquia,

subsumiu as alianças pragmáticas, e sem princípios ideológicos nenhuns.

A matéria do jornal da família Sarney faz referência logo em manchete

de capa101, explicitando: “Sucessão – Líder do PT na Câmara diz em São Luís

que o partido espera contar com o apoio do senador”. E Lula quer o apoio de

Sarney:

[...] Foi o que afirmou ontem o líder do PT na Câmara Federal, deputado João Paulo Cunha (PT-SP). Ele esteve em São Luís para informar a posição da direção nacional à Executiva Estadual do partido. “Temos dialogado em nível nacional com o senador José Sarney, e para nós, para a campanha de Lula, o apoio dele seria a dimensão que a candidatura do PT precisa ter — que é a dimensão de tirar o país dessa crise. Para fazer essa tarefa, é inevitável que a gente construa um arco de aliança grande, e nesse sentido estamos abertos ao senador José Sarney”, e disse o líder petista, durante entrevista coletiva da qual participaram também todos os membros da Executiva do Partido dos Trabalhadores102 no Maranhão. O líder petista declarou que as conversações com o ex-presidente José Sarney estão sendo feitas pelo próprio Lula e pelo presidente [nacional] do partido, José Dirceu. Segundo João Paulo Cunha o diálogo político envolve apenas Sarney ― os demais membros da família, a ex-governadora Roseana Sarney e o ex-ministro e deputado José Sarney Filho ainda não se posicionaram sobre o assunto sucessão presidencial...

Outro ponto importante da matéria no jornal O Estado do Maranhão:

[...] João Paulo Cunha fez que questão de ressaltar que o apoio ainda depende de uma decisão do próprio Sarney e que o papel que ele pode vir desempenhar na campanha de Lula vai ser definido pelo próprio senador. “Estamos aguardando a manifestação do ex-presidente e na expectativa que ele declare apoio a Lula, para então definir qual vai ser sua participação na campanha [...]

O dirigente nacional reafirmou de que nenhum filiado do PT pode

suspeitar da questão ética do partido:

101

Fonte: Jornal Estado do Maranhão. Data: 24/08/2002. 102

Fonte: arquivo do PT-MA. Membros da Executiva Estadual do PT-MA de 2002: Presidente: Joaquim Washington Luís, Vice-Presidente: Augusto Lobato, demais membros; Domingos Francisco Dutra Filho, Márcio Batalha Jardim, Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro, Franklin Ferreira Douglas, Luís Henrique Silva de Sousa, Helena Barros Heluy, Josélia Maria de Alencar Nogueira, Marly Pinheiro de Carvalho, Maria Benedita Freire.

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[...] O líder do PT na Câmara mandou um recado duro às alas mais radicais do PT no Maranhão que estão criticando o apoio de Sarney à candidatura Lula: “Se qualquer militante do PT deixar de considerar a direção do partido, a condução da campanha, dentro do padrão ético, ele tem que sair do PT. Se há um patrimônio que a gente não põe em discussão é a questão ética. Então, se esse militante tem qualquer divergência, é melhor ele sair do PT. Nós não admitimos que uma pessoa desconfie eticamente da condução da campanha e permaneça no partido”, destacou [...].

O fato real, do mundo real da política. Depois da mensagem que a

direção nacional enviou por meio do dirigente nacional, representado pelo dep.

Federal João Paulo Cunha (PT-SP), tendo o objetivo de convencer a seção do

PT maranhense (ago./2002) em concordar de pronto com a aliança, e sem

fazer crítica, da subordinação e aproximação com o senador José Sarney. Não

deixa de ser um marco, quando o grupo da oligarquia passou a manter uma

relação político-eleitoral, ainda não orgânica103, com o petismo nacional, e que

vai se estender por todo o período do governo Lula, seguindo, mas com menor

organicidade, no governo de Dilma Vana Rousseff (2011 a abril 2016), diga-se,

até um pouco antes da votação do impeachment pela Câmara, quando, no dia

28 de março de 2016, o PMDB anuncia em pronunciamento do seu presidente

em exercício, o senador Romero Jucá (PMDB-RR)104 a saída com entrega dos

cargos do governo Dilma, e no dia 17 de abril de 2016, a Câmara aprova o

impeachment.

Continuando com a descrição de fatos históricos que rememoram bem

a aliança cada vez mais forte de Lula e Sarney, passados três anos da

reprimenda que o dirigente João Paulo Cunha deu aos membros “radicais”

petistas e que esboçaram resistência à subordinação à oligarquia, no estado,

considerada para muitos como incoerente, depois João Paulo teve seu

mandato cassado pela Câmara, acusado de desvio ético, envolvido no episódio

da questionada Ação Processual n.º 470 conhecido por “Mensalão” (2005)105.

Em livro Mosca Azul (2006), Frei Betto, no capítulo que trata da formação do

PT, o partido repartido, e sobre os desvios éticos do petismo:

103

Isso só vai se configurar com o “Mensalão”, em 2005. Sarney era presidente do Senado. 104

O Presidente do PMDB nacional é Michel Temer (PMDB-SP), mas, como está no exercício da vice-presidência do Brasil, encontra-se afastado. 105

O relator no STF foi o ministro Joaquim Barbosa.

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[...] Aos poucos, a política de princípios cedeu espaço à política de resultados. À medida que esta ganhava corpo, os quadros do partido deslocavam-se da base social, os núcleos de base106 desapareciam, a formação política minguava, as tendências paroquializavam os espaços conquistados, e o partido deixava de ser ferramento de transformação da sociedade para tornar-se quase que somente a via de acesso de seus quadros ao poder. O pragmatismo produziu a troca da ideologia pelo marketing da campanha, e cada vez mais se debateu menos o projeto alternativo da nação. Nas eleições, a despolitização da propaganda comprovou a teoria de Michels: o PT adequou-se de tal modo ao jogo burguês, que se aproximou de adversários históricos numa política de alianças que, se de um lado possibilitou a eleição de Lula, de outro inviabilizou, na atual conjuntura, a implementação dos compromissos históricos do partido como, por exemplo, a postura crítica frente ao FMI, as auditorias da dívida pública e das privatizações, a taxação das grandes fortunas na reforma tributária, a efetivação da reforma agrária e a prevalência das políticas sociais sobre a política atrelada aos interesses do mercado. (BETTO, 2006, p. 254).

Na concepção de Frei Betto, a eleição presidencial de Lula de 2002 e

2006, não foi propriamente uma vitória do PT, e sim, de uma engenharia

política que, cacifada por pelo menos 30% do eleitorado, construiu uma

coligação partidária que aparentemente daria ensejo a um pacto social. Se bem

funcionou no período eleitoral, a coligação não obteve, no Congresso, a

representação necessária para assegurar maioria no apoio às propostas do

Executivo. E este desconsiderou, como fator importante de governabilidade,

seu maior capital político: os movimentos sociais. O frágil apoio parlamentar

abriu caminho aos operadores da política de resultados, que lançaram mão de

práticas que, trazidas à luz, macularam gravemente o caráter ético do partido.

(BETTO, 2006, p. 255).

Nos depoimentos de sujeitos engajados na militância política desse

período torna-se bastante clara a consequência da aproximação de Lula com

as oligarquias, limitando ainda mais o avanço da democracia em regiões

atrasadas. Prosseguindo com os depoimentos que dão riqueza e consistências

à tese, tem-se o relato do padre Jean Marie Van Damme107.

107

Entrevista concedida, no dia 14 de maio de 2017, na sede da Associação de Saúde da

Periferia (ASP) – em São Luís (MA). Padre, e de origem Belga, migrou para o Maranhão em

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[...] A junção de Lula com Sarney, de tal forma que depois Lula vai chamar Sarney de um “cidadão incomum”108, não é uma pessoa comum, e que é de um equívoco tremendo, e que Lula deve estar sentindo na pele que não é tão incomum, e que está agora sendo largado. [...]. Um primeiro erro histórico; e que sempre esses erros históricos mostram a disputa pelo poder, ou, se quiser, a disputa por um cargo, mas que não incide na conquista do poder, na conquista do real impacto político. Um primeiro elemento, que eu, desde o começo, já discutia, eu não concordei, foi com a postura do PT no plebiscito, em 1993 – do regime de governo: presidencialismo ou parlamentarismo do Brasil poderia ser um caminho muito mais longo, muito mais complicado para se enfrentar. Então, o PT orientou para votar no presidencialismo, eu achei equivocado, porque a centralidade do poder no presidente, ela faz com que nas eleições você vai dar mais importância à eleição do presidente e não a legislativa, ou seja, o legislativo que continua tendo uma influência na política, inclusive, no presidencialismo, a gente vê isso agora, mas nas eleições ele fica em segundo lugar [...]. Então, essa que para mim foi uma oportunidade perdida, foi um equívoco, pode ter sido, pela via do parlamentarismo, sim, o caminho que poderia ter sido mais devagar, por conta de toda a história oligárquica e centralizadora do Brasil. Mas para mim seria um caminho bem mais seguro, do que ter apostado no presidencialismo [...] E a aproximação de Lula com as oligarquias foi um grande prejuízo para o Brasil, e essa é a origem dos problemas que se apresentam [...].

Com o fragmento da matéria, tem-se uma perspectiva metodológica e

cronológica de análise empírica, quando se pode afirmar que foi no ano de

2002 quando o PT, avalizado pelo articulador principal da campanha Lula ―

Presidente, o dirigente José Dirceu, e que o candidato-operário não poderia

mais brincar de disputa eleitoral, nesse sentido, tinha que atuar no jogo político

como profissional109, e que deveria avançar para superar todas as resistências

e divergências ideológicas internas das correntes mais radicais do PT. E o

objetivo era construir uma tática e pavimentar o caminho para vencer o pleito,

1975. Militante social. Formação em Filosofia e Teologia. Trabalhou nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Em 1977, ajudou a fundar no Maranhão a Comissão Pastoral da Terra (CPT), com Dom Xavier passou ao quadro da entidade, até 1986, e depois foi acusado de ser comunista, e teve que sair da CPT. É educador popular da ASP. Em 1993 trabalhou na Plenária Popular e Sindical de Saúde, para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS). É assessor da CNBB desde a década de 90 como assessor das CEBs, das Pastorais Sociais. 108

Lula faz a defesa de Sarney, no dia 17 de junho de 2009, disse: "Sarney tem história no

Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Fonte:<https://www.cartacapital.com.br/blogs/leandro-fortes/sarney-o-homem-incomum>. Acesso em 10 /08 /2017. 109

Ver Weber (política como vocação).

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portanto as alianças também com as oligarquias, ou mesmo com o capital

financeiro, seria fundamental, o que, para muitos cientistas políticos,

historiadores, foi uma inflexão do petismo à concepção neoliberal. Segundo o

historiador Lincoln Secco (2011), que também escreveu sobre a ascensão do

PT ao governo central:

[...] O PT não precisou romper com uma “ideologia marxista”, já que nunca teve uma. Mas o aggiornamento110 do PT era condição prévia para que Lula continuasse sua busca pela presidência. Ele não queria esbarrar de novo nos 30% de apoio eleitoral histórico do partido. Antes de buscar alianças à direita era preciso enquadrar definitivamente os quadros, domesticando os grupos de esquerda que não concordassem com a mudança. Entretanto a transformação nunca se deu de modo abrupto. Nem a regulamentação do direito de tendências feita outrora ou a moderação ideológica do I Congresso lograram fazê-lo. José Dirceu conduziu com maestria (reconheceram os seus adversários internos) um processo molecular de centralização do PT e que parte provinha das bases, sindicatos, prefeituras e parlamentares de todos os níveis. Talvez por isso Perry Anderson o definisse como “o arquiteto do moderno PT e estrategista da vitória de Lula”. O que importa é que sem a capacidade de direção e o punho forte de Dirceu nas decisões mais difíceis (como a intervenção para obrigar o PT fluminense a apoiar Garotinho a fim de viabilizar a aliança com o PDT em 1998), o PT não teria chegado à vitória em 2002. Lula reconheceu isso ao dizer que Dirceu111 teria o cargo que quisesse em seu governo. José Dirceu, como já havia dito no início dos anos noventa, levava o PT a ferro e fogo para assumir-se como partido social democrata, reformista e aberto a um arco de alianças político-eleitorais. Seus métodos eram visto como autoritários pela esquerda do partido e como eficientes pela maioria. Mas, de toda maneira, se alguém foi o maior responsável por obrigar o PT a fazer o seu aggiornamento foi ele [...]. Assim, o que confere importância à unidade do PT que nunca foi ratificado por um Encontro ou um Congresso. Ela foi lenta. Em termos gramscianos tratou-se de um transformismo. (SECCO, 2011, p.199)

Na narrativa do arguto historiador, parece esquecer, ou por omissão, a

personagem Sarney. Em nenhum trecho identifiquei no seu livro - História do

PT, prioritariamente, no capítulo – PARTIDO DE GOVERNO (2003-2010), fazer

110

Termo italiano e usado por Gramsci, que traduzido ao português significa: atualização. 111

José Dirceu deixou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil (em junho de 2005), depois teve o seu mandato de deputado federal cassado pela Câmara. Portanto, tem a vida de militante político destruída. Com a Ação Penal nº 470, de 2013, é condenado e encontra-se cumprindo pena em regime aberto.

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qualquer menção, a àquele que fora um aliado de Lula por todo esse período

de governo, e na condição de Presidente do Senado Federal, naquele ano de

2005, chegou a arquivar pedido de impeachment, relacionado com o

“Mensalão”. Secco (2011) também omite a forte subordinação do petismo e

Lula a outros líderes com práticas oligárquicas do Nordeste, personagens

centrais do peemedebismo. Mais uma vez Singer (2012):

[...] No programa da Coligação Lula Presidente, divulgado no final de julho de 2002, há perceptível câmbio de tom em relação ao capital. Em lugar do confronto com “os humores do capital financeiro globalizado”, que havia sido aprovado em dezembro de 2001, o documento afirmava que “o Brasil não deve prescindir das empresas, da tecnologia e do capital estrangeiro”. Para dar garantias aos empresários, o texto assegurava que o futuro governo iria “preservar o superávit primário o quanto for necessário, de maneira a não permitir que ocorra um aumento da divida interna em relação ao PIB, o que poderia destruir a confiança na capacidade de o governo cumprir os seus compromissos [...]”. (SINGER, 2012, p. 96)

Portanto o processo de subordinação às oligarquias está relacionado

com o realinhamento do PT aos setores mais conservadores (Singer, 2012). E

outra questão fundamental: quando era aprovado algo que divergisse dos

interesses da direção nacional majoritária do PT, então havia intervenção pelo

alto para modificar as deliberações de Encontros Estaduais ou Municipais. Foi

o que aconteceu com o PT, quando passou a ocupar o cargo mais alto do

poder federal, o que na teoria de Gramsci é chamado de “Transformismo”.

A apropriação desse conceito de transformismo, e como de tantos

outros existentes nos Cadernos do Cárcere, é uma tarefa que requer cuidados.

O termo aparece em várias passagens de diferentes cadernos, e nem sempre

se pode dizer que o sentido seja exatamente o mesmo em todas elas. Isso tem

a ver com o caráter da obra carcerária de Gramsci, que reúne fragmentos de

diversas naturezas, escritos em diferentes momentos com o propósito de

subsidiar os textos de síntese expositiva final que, no entanto, jamais chegaram

a ser escritos. Em Gramsci, o transformismo pode ser definido como a

“absorção gradual, mas contínua, e obtida com métodos de variada eficácia,

dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e

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que pareciam irreconciliavelmente inimigos” (EURELINO, 2005). Em outras

palavras, o transformismo foi a expressão política dessa ação de direção. É

com essa análise da política dos moderados que Gramsci elucida que “pode e

deve haver uma atividade hegemônica mesmo antes da ida ao poder e que não

se deve contar apenas com a força material que o poder confere para exercer

uma direção eficaz” (GRAMSCI, 2010 v. 5).

É fato notório que a ascensão do PT e Lula ao governo central, não

significou uma ruptura com os grupos políticos tradicionais e as velhas

oligarquias regionais do Norte e Nordeste, aliançando-se com o PMDB e seus

líderes mais proeminentes, como: José Sarney (MA), Renan Calheiros (AL),

Fernando Collor (AL)112, Jáder Barbalho (PA), Romero Jucá (RO), etc. Há de

se considerar, o papel que Sarney exerceu no comando do Congresso

Nacional durante um largo período nos governos de Lula, que foi o canal por

onde ele manteve a sua sobrevida de dominação e soube com, maestria,

como nenhum outro político da história republicana, controlar os canais de

mediação com o governo federal, e impediu a aproximação de qualquer

governante no Maranhão com Lula. Isso aconteceu com o governador José

Reinaldo113, depois do rompimento:

[...] O Lula me chamou uma vez para fazer as pazes com o Sarney, e eu disse para ele que este assunto já tinha passado do prazo, que eu não tinha mais como fazer as pazes com Sarney, mesmo porque a briga não era basicamente com ele, era mais com a Roseana Sarney. O Lula foi engraçado, eu estava na semana santa, estava em Barreirinhas [Lençóis Maranhense] com a família descansando, isso foi no começo de 2005, estava lá quando chegou um telefonema pedindo para que no outro dia eu estivesse, às 15h lá no Palácio do Planalto [Brasília], para uma audiência com o Lula, aí eu perguntei: qual é a pauta dessa reunião? É sobre a Siderúrgica. O Lula queria conversar sobre a siderúrgica, quer

112

Nunca foi do PMDB. 113

Entrevista concedida, no dia 24 de fevereiro de 2017, em sua residência, no bairro Ponta do Farol-Calhau, em São Luís/MA. É engenheiro civil, ex-governador (2002-2006) na época era filiado ao PFL, ocupou vários cargos públicos no governo federal e estadual, foi Ministro dos Transportes, Superintende da SUDENE, DNOS, Diretor do DER, Secretário de Obras do Distrito Federal, Presidente da NOVACAP, Secretário de Viação e Obras, de Planejamento nos governos do Maranhão. Foi eleito deputado federal pelo PSB, em 2014. No processo de impeachment de Dilma (2016), votou a favor e também votou contra a autorização da Câmara (2017) para que o STF prosseguisse com o processo de Michel Temer. Em 2018, em função de divergência política rompe com o governador Flávio Dino. Agora é filiado no PSDB, e candidato senador na eleição de 2018.

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ver se está faltando alguma coisa e tal, aí peguei um avião e fui, quando cheguei à reunião já estava lá a Dilma, o Zé Dirceu e estava o ministro da Indústria e Comércio (meu amigo de Santa Catarina) e o Lula. Aí conversamos; eu digo: olha Presidente, no caso da siderúrgica está tudo indo muito bem, eu só preciso de recursos e apoio para capacitar o pessoal do Maranhão, é só isso. Terminou a reunião [...] e o Lula disse: Zé Reinaldo fica aqui. Aí eu fiquei, e ele disse: rapaz faz as pazes com o Sarney, o Sarney está velhinho, para com essa briga. Eu digo, olha Presidente, não foi eu quem procurou briga com ninguém, eu nunca cheguei a brigar com Sarney, o problema mais é com a Roseana Sarney, e eu não tenho condições hoje, mesmo com um pedido seu que dou a maior importância, mas não tem mais como voltar, vai ser uma desmoralização completa para mim. Então, eu lamento lhe dizer Presidente, mas eu não tenho essa condição de fazer o que o senhor está pedindo, isso foi em 2005. Aí, eu vim embora, e daí para frente nenhum ministro veio mais aqui [no Maranhão], eu não consegui mais nada, recurso nenhum [...] Para ver a importância do Sarney, o Lula me chama [...].

Esse cenário se manteve com a eleição de Jackson Lago, de não

aproximação do governo Federal com governos opositores à oligarquia, esses

argumentos ajudam a montar essa quadra ou quebra-cabeça dos bastidores da

política maranhense. Outro fato, não menos importante, foi um programa

eleitoral de TV do candidato do PT ao Governador do Maranhão, o sindicalista

Raimundo Monteiro em 200 — quando este havia feito uma crítica no horário

eleitoral à “Operação Lunus” gerando com isso, a reação imediata do grupo

Sarney, que, não concordando com o programa, alegando haver um acordo de

boa convivência, mas não transparente, entre as campanhas, contudo, bem

aliançada com o PT, Lula (candidato a Presidente); o senador Sarney (PMDB-

AM), José Reinaldo (PFL-MA) candidato a Governador; Roseana Sarney (PFL-

MA) e Edison Lobão (PMDB-MA), candidatos a senadores, mesmo sem ser

formal. O que pareceu foi o seguinte, somente: quem não sabia era o candidato

do PT-MA, Raimundo Monteiro, do acordo de pacto de não agressão entres as

campanhas. Como o programa de TV do candidato petista gerou desconfortos,

começaram os telefonemas por parte da coordenação da campanha do grupo

Sarney ao comando nacional da campanha de Lula, solicitando que o

programa do PT com crítica à “Operação Lunus” fosse retirado imediatamente

do ar. Então, a direção nacional do PT também disparou telefonemas aos

dirigentes-petistas-aliados no estado, autorizando a imediata retirada do

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programa. Quem descreve mais o fato é Joaquim Washington Luís114, na época

era o responsável para resolver os conflitos, na condição de Presidente do PT-

MA e Coordenador-Geral da campanha de Lula no Maranhão, em 2002:

[...] Em 2002, nós não chegamos a fazer aliança [formal], nós lançamos a candidatura do Raimundo Monteiro, com a garantia de que ele, nos discursos, não ia exacerbar com o grupo Sarney aqui, porque aquela aliança era fundamental para eleger Lula. Só que teve um programa do Monteiro que saiu o negócio da “Lunus”. O candidato a governador do PT-MA era Monteiro, e o representante do PT-MA no TRE-MA era Haroldo Saboia [nessa eleição foi candidato a senador do PT] e eu [Joaquim Washington, candidato a deputado federal] era o Presidente do PT-MA e coordenador geral da campanha de Lula no estado. Então, esse programa aqui só podia ser mexido lá no TRE-MA, só por um de nós três, e a ordem da direção nacional era para retirar o programa do ar, o programa sobre a “Lunus”, que tinha ido ao ar no horário de meio-dia [...] Então, fiz um documento, cheguei quase em cima da hora a TV Mirante (da família Sarney), e pedi para retirar e repetir outro programa [...].

Pela descrição de Joaquim Washington, parece ter havido um acordo

de cavalheiro entre as campanhas de José Reinaldo (PFL) e Raimundo

Monteiro (PT), isso feito pelo alto, e com a intermediação do senador Sarney

junto a Lula e José Dirceu, e com a veiculação do programa de TV no horário

eleitoral em 2002 fazendo crítica dura à “Operação Lunus”, ofendendo o grupo

Sarney, ficou explicito o acordo, por isso o programa foi retirado do ar.

Já é consequência do aggiornamento e transformismo, e com a falta de

um projeto político consequente e autônomo no estado, o PT-MA115 tornou-se

um partido sem força para enfrentar a imposição autoritária da direção

114

Entrevista concedida no dia 16 de fevereiro de 2017, no seu gabinete, da sede do TCE, em

São Luís (MA). Joaquim Washington Luís de Oliveira, cearense de origem, foi militante político do partido PCdoB, desde a década de 60, chegou a São Luís, 1978, com a anistia, ajudou a fundar a SMDDH, depois fundou o SINDISEP (exerceu 2 mandatos de Presidente da entidade), saiu do PCdoB, e se filiou no PT. Graduado em História. Com a captura do PT maranhense pela oligarquia, foi indicado vice-governador na chapa de Roseana Sarney (2010), tendo exercido o mandato no período de 2011-2013. Renunciou ao mandato de vice-governador e foi indicado pelo grupo da oligarquia para ocupar o cargo de Conselheiro no Tribunal de Contas do Estado (TCE). 115

Fonte: TSE (dezembro de 2016): PT/MA tem 27.944 eleitores filiados (o PT/SP tem 383.282); o PCdoB/MA tem 26.583 eleitores filiados (quase a mesma quantidade do PT-MA, já o PCdoB/SP tem 73.941); PMDB-MA tem 50.179 eleitores filiados (o PMDB/SP tem 523.148, é quase o número de eleitores de São Luís). PSDB/MA tem 34.274 eleitores filiados (PSDB/SP tem 305.000).

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nacional, o que permitiu à oligarquia capturar dirigentes partidários, e com isso

levando o partido de Lula a uma desmoralização ou descredito perante a

sociedade. Dados eleitorais demonstram a fragilidade eleitoral do PT no

estado: em 38 anos de fundação, o partido só conseguiu eleger quatros

deputados federais e nove deputados estaduais:

QUADRO 9

DEPUTADOS FEDERAIS ELEITOS PELO PT-MA

NOME CARGO PERÍODO DO MANDATO

Freitas Diniz116

Deputado Federal 1978-1982

Domingos Dutra Deputado Federal 1998-2000

Terezinha Fernandes Deputado Federal 2003-2006

José Carlos Deputado Federal 2014-2018

QUADRO 10–

DEPUTADOS ESATDUAIS ELEITOS PELO PT-MA

NOME CARGO PERÍODO DO MANDATO

Domingos Dutra117

Deputado Estadual 1990-1994

Vila Nova118

Deputado Estadual 1990-1998

Jomar Fernandes Deputado Estadual 1999-2000

Domingos Dutra Deputado Federal 2003-2006

Helena Barros Heluy119

Deputado Estadual 2002-2006

Valdinar Barros Deputado Estadual 2007-2010

Bira do Pindaré120

Deputado Estadual 2011-2014

José Carlos Deputado Estadual 2011-2014

José Inácio121

Deputado Estadual 2011-2014

Francisca Primo122

Deputado estadual 2015-2018

Nota: Joaquim Washington Luís (PT-MA) assumiu o mandato de deputado federal, em maio de 2003, na condição de suplente. O deputado federal, Remi Trinta (PL-MA) pediu licença para assumir a Secretaria Extraordinária de Coordenação de Programa Especial e Saúde Preventiva do Governo de José Reinaldo.

116

Foi membro do 1.º Diretório Nacional do PT e 1.º Tesoureiro. 117

Reeleito em 1994. Em 1998 foi eleito como segundo deputado federal do PT/MA. Desfilou-se do PT, em 2013, quando o partido REDE SUSTENTABILIDADE não obteve o registo no TSE, então, filiou-se ao Partido Solidariedade (SD), quando disputou a reeleição de deputado federal, mas não se elegeu, agora é filiado ao PCdoB, sendo eleito em 2016, prefeito do município de Paço do Lumiar (MA). 118

Desfilou-se do PT, agora é simpatizante do PSOL, sem filiação partidária. 119

Reeleita em 2006. 120

Reeleito em 2014. Desfilou-se do PT, agora é filiado ao PSB. 121

Reeleito em 2014. 122

Desfilou-se do PT, agora é filiado ao PCdoB.

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Aqui um trecho da resolução do 6.º Congresso Nacional do PT fazendo

uma espécie e meia culpa das contrações das alianças:

Embora haja diferentes e algumas vezes contraditórias apreciações nas teses debatidas no 6.º Congresso, pode-se dizer que todas apontam ser indispensável superar a adaptação do Partido ao “modus vivenvi” da política tradicional do Brasil. Algumas teses destacam como exemplo principal de “adaptação” as contradições eleitorais com partidos de centro-direita, especialmente o PMDB. Outras destacam o estabelecimento de uma relação tradicional entre partido e governo com o primeiro subordinando-se ao segundo, o que inclusive impediria o desempenho adequado e a defesa eficaz de ambos. (CADERNOS DE RESOLUÇÕES DO PT, 2017, p. 30).

José Reinado fala sobre a eleição do PT, tendo Lula como candidato a

Presidente da República, em 2002, e a declaração de apoio do Senador José

Sarney ao candidato operário?

[...] Naquele tempo [2002], eu era candidato123

apoiado pelo grupo Sarney. Então, votei no Lula, naquela ocasião

124, mas aconteceram

algumas coisas que ficaram marcadas em relação ao Lula. O Jackson Lago [PDT] sempre foi amigo do Lula aqui no Maranhão, era ele quem recebia o Lula, ele quem botava o palanque. E ele foi totalmente colocado de lado pela nova amizade do [Lula] com Sarney. E Sarney prestou para Lula um grande papel naquela eleição e, porque o Sarney convenceu grandes empresários de que o Lula não era o papão que o pessoal esperava e tal.., foi uma espécie de fiador, e Sarney também convenceu, pelo que sei, o vice-presidente, que era um empresário [José de Alencar], a aceitar também ser vice-presidente do Lula, o que deu uma certa estabilidade e uma penetração na classe empresarial, ao Lula, que eles viam com muita desconfiança, como Mario Amato, que era o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) naquele ocasião, e disse que haveria um êxodo em massa de empresários, quer dizer, quando o Lula vencesse. De forma que ficou essa coisa com o Jackson naquela ocasião

125[...] (Entrevista, José Reinaldo, em 2017).

Uma situação que foi se deparando com as entrevistas dos sujeitos

políticos (aqueles de altos cargos públicos ou mandatos eletivos), é que, nos

discursos e em suas narrativas, fica explícito que estão sempre buscando

construir um cenário favorável aos seus interesses político-ideológicos. Talvez

123

José Reinaldo era filiado ao PFL, e tinha assumido o cargo de governador com a renúncia de Roseana (PFL), para concorrer à vaga no senado. 125

Em 2002, Jackson Lago foi candidato a governador concorrendo contra José Reinaldo (que na época era apoiado pela oligarquia e se elegeu).

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aqui se exija um papel mais acurado ao pesquisar. No momento da transcrição

e das análises a fim de encontrar certa coerência e uma relativa verdade dos

dados e das informações, e nesse sentido, será necessário checar, por mais de

uma vez, as fontes, confrontar as informações, é o que se tentou fazer, e por

essa razão, o quadro de entrevistados foi se ampliando em uma quantidade

maior do que estava previsto inicialmente. De vinte entrevistas, aumentou para

trinta e cinco.

Com as entrevistas, vai-se reconstituindo a rede de relações de

maneira a diagnosticar como o grupo da oligarquia age, com uma concepção

de cultura política de base familiar e parentela. Outro elemento importante

extraída da pesquisa de campo é que, segundo o ex-governador José

Reinaldo, ele nunca tivera interesse em romper, tal episódio só aconteceu em

consequência do acaso, e da falta de habilidade política e destempero de

Roseana Sarney, o que gerou um fato político marcante, e passou a ser

definidor nas derrotas eleitorais da oligarquia, na eleição de 2006, que Jackson

venceu e que contou com o apoio decisivo do governador José Reinaldo, e

quase em 2010, com Flávio Dino (PCdoB), e que depois este se sagrou

vencedor na eleição de 2014, todas tendo José Reinaldo como o estrategista

das vitórias eleitorais dos candidatos da oposição.

Domingos Dutra é quem agora descreve mais desse fato político, e que

foi também um personagem central, já que, na condição de dirigente-petista, e

por ter exercido vários mandatos eletivos de deputado estadual e federal, todos

conquistados quando ainda se encontrava filiado ao Partido dos Trabalhadores.

Liderou, desde o princípio, e com forte protagonismo no estado, o movimento

intitulado “Resistência Petista126”, por estar no exercício do mandato de

deputado federal, o que levou a ser sua marca nas suas sucessivas disputas

político-eleitorais, o combate à oligarquia Sarney, e aliados as outros dirigentes

de correntes consideradas de esquerda do petismo regional, e que passaram a

ser rechaçado duramente pela direção nacional do partido, fundamentalmente,

pela corrente interna, na época, chamada de “Articulação Unidade na Luta”, e

126

Nasceu dos conflitos interno e contava com apoio de militantes e dirigentes contrários à aliança com a oligarquia Sarney.

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que depois mudou o nome para “Construindo um Novo Brasil (CNB)”, liderada

por Lula e José Dirceu, e no estado pelo dirigente Joaquim Washington Luís.

De acordo com Domingos Dutra:

[...] Na cartilha “O Cameleão”, explico o que significa a palavra “Camelão”: o rabo é o regime militar, que é verde oliva, representando o exército; do rabo para o meio foi o Collor, é que o Sarney quando viu que o Collor podia ganhar foi para o Collor, em seguida, os ombros do camaleão é o PSDB, que o Sarney quando viu que Collor de Melo estava entrando em decadência se juntou ao Fernando Henrique, e a cabeça do cameleão, com o chapéu, é o chapéu do PT. Sarney tem a capacidade de mudar de acordo com a cor de quem está no poder, por isso que, o nome do título da cartilha é “O Camaleão”, porque ele muda, porque é um sujeito experiente, logo ele antevê o que vai acontecer [...], e foi isso que o Sarney fez. E como Lula tinha disputado três eleições, e havia o vazio de liderança, e o Fernando Henrique já tinha dois mandatos, e não podia concorrer mais, tinha derrotado duas vezes o Lula, e no primeiro turno, o Partido dos Trabalhadores tinha uma grande consistência; tinha a maior base social, base sindical, base na igreja, o Sarney, vendo que o Lula ia ganhar, ele fez o quê? O que é outra tática do Sarney, ele divide o time dele, espalhando em todos os partidos, de tal forma que quem ganhar ele ganha, e foi o que ele fez em 2002, o deputado Sarney Filho ficou fazendo aceno para o Ciro Gomes, candidato a presidente (na época era filiado do PPS, em 2002) [...] e ele, Sarney, ficou aqui de fora fazendo declaração ao Lula [...].

A história contemporânea, narrada por diversos intérpretes, desvenda

com detalhes os bastidores da cena política. Em entrevista de membros do

grupo da oligarquia, pode-se considerar como seus intelectuais orgânicos127

(Benedito Buzar, Eliezer Moreira), elucidam bem mais o objeto em estudo.

Segundo Eliézer Moreira quando se refere ao tempo do governo MARANHÃO

NOVO com certo ufanismo: “Há que se reconhecer que José Sarney continua

127

Segundo Coutinho (1990, p. 37), “para Gramsci, o intelectual orgânico é elaborado pela classe no seu desenvolvimento, e pode tanto ser burguês quanto proletário”. Como também “pode haver o intelectual tradicional conservador e o intelectual tradicional revolucionário”. É com essa reflexão sobre a relação “orgânica” que tantos os intelectuais tradicionais quanto os orgânicos tem com o mundo da produção e com os interesses de classes a que estão vinculados, que Gramsci explicita a sua definição de intelectual. A função do intelectual se define pela conservação ou a construção de projetos hegemônicos de classe. A explicação desse contraste entre o pensar e a ação é de natureza histórico-social e está relacionada ao fato de um grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual,

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sua saga pela disputa permanente de poder, aos 87 anos de idade, e com uma

longevidade única na política brasileira. Enquanto ainda é líder político da sua

geração, muitos dos seus aliados passaram para o ostracismo, outros até

estão esquecidos. No entanto alguns continuam a reverenciá-lo e admirá-lo,

exaltando sua capacidade de liderança e inteligência”.

Outro fato importante, que aconteceu no ano de 2005, foi o caso do

“Mensalão”, Ação Penal nº 470, quando mais uma vez Sarney teve papel

importante, isso por sua condição de Presidente do Senado, e naquele

momento, aliado de Lula, o que para alguns analistas, se não fosse ele, talvez

a primeira crise ética que havia abatido o PT e o governo Lula, culminando com

a renúncia de José Dirceu do cargo de ministro da Casa Civil, tivesse tido outro

desfecho, e pior, porque Lula estava sangrando, com a oposição pedindo o seu

impeachment. Registra-se que o julgamento no Superior Tribunal Federal (STF)

do Mensalão só ocorreu oito anos depois, 2013, já no governo da presidente de

Dilma, e ela que depois vai enfrentar o processo de impeachment. Dilma, por

não contar com maioria na Câmara dos Deputados ao seu favor, e

demonstrando pouca habilidade no diálogo e na articulação com o Congresso,

diferentemente de Lula, que construiu sua coalizão conservadora, com mais

eficiência, não teve a mesma sorte; e Michel Temer que demonstrou habilidade

na relação com o Congresso Nacional (Câmara e Senado) e diálogo com a

classe política. Por isso o desfecho do impeachment da Presidente Dilma

Rousseff, pode ser comparado ao de Fernando Collor de Melo, que também

fora cassado por meio de um impeachment, em 1992, mas, por causas e

motivos diferentes, mesmo tendo renunciando o cargo de Presidente do Brasil.

Na visão de João Pedro Stédile 128, entrevistado na categoria de

movimento social:

[...] Infelizmente, os processos eleitorais levam a que se produzam todo tipo de alianças, e muitas delas espúrias e pragmáticas, e não programáticas. No caso da eleição do Lula, 2002, que foi importante para barrarmos o neoliberalismo dos tucanos, ela foi ainda mais dependente dessas alianças espúrias, porque o movimento de massas que havia projetado e criado o líder Lula, na década de 80. Agora estava em refúgio. E portanto, além do carisma e da representatividade

128

Entrevista concedia por e-mail, no dia 25 de fevereiro 2017. João Pedro, economista (PUCRS), dirigente e líder nacional do Movimento Sem Terra (MST).

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popular, Lula não tinha mais como contar com a força das massas em movimentos, e por isso fez alianças, e seu governo foi um governo de conciliação de classes [...]

No que se refere à política de alianças, o PT defendeu, por um período,

que é a base programática e ideológica que fortalece e unifica um partido, e

ainda mais quando este partido se originou com uma concepção de partido de

massa, e dos trabalhadores. É que está escrito no manifesto de fundação; por

isso a política de alianças deveria ser conforme a concepção da tese petista

original, com partidos do campo democrático-popular: PDT, PCdoB, PSB, logo,

teria que ser formada com esses partidos, como registrado está nas resoluções

do Partido dos Trabalhadores, e não com partidos ditos tradicionais, PMDB,

DEM (ex-PFL), e, em alguns casos, até com o PSDB. Talvez essa seja uma

das maiores incoerências e contradições das alianças129 do petismo. Por quê?

É que, na condição de um partido que se reivindicou sempre como

democrático, com participação ativa dos filiados nas decisões internas,

pressupõe-se que não caberia fazer intervenções em diretórios com o objetivo

de impor uma política de alianças contrárias aos princípios e resoluções de

encontros e congressos, como aconteceu no Rio de Janeiro130 e no

Maranhão131, para ficar somente nesses dois exemplos, de certa forma, com

um viés autoritário. O que Michels vai dizer é que, na busca pelo poder, seja

qual for o sentido original da ação empreendida, os partidos trilham o percurso

necessário da oligarquização: “a minoria que constitui seu corpo burocrático

autonomiza-se da maioria dos membros e define seus rumos à revelia do corpo

maior a que deveria subordinar-se” (“A lei de ferro das oligarquias”, em

Sociologia dos Partidos Políticos).

129

Não houve interesse em romper as alianças com oligarquias, que impediu decerta forma em transformar a realidade e um avanço da democracia. 130

Resoluções de Encontros e Congressos (1998, p. 671), e foi na eleição de 1998 quando o 11.º Encontro Nacional do Extraordinário do PT, 23 e 24 de maio, em SP, afirma seu compromisso com a construção de uma Frente Ampla de Oposição com os partidos: PDT, PCdoB, PSB, até com o PCB. E no Rio de Janeiro, o acordo político em 1998 passava pela candidatura única de Anthony Garotinho (PDT). Mas houve um recurso de resistência de parte do PT carioca a direção nacional criticando a decisão aprovada de apoiar Garotinho, mas por 301 votos contra o recurso do RJ, 201 votos a favor e 13 abstenções, foi mantida a decisão de apoiar o PDT no RJ. 131

Aconteceu mais diretamente em 2006 (Lula apoiando Roseana Sarney, contrário a decisão do PT local) e em 2010 (intervenção que alterou o resultado encontro estadual, levando o PT a indicar o vice na chapa de Roseana Sarney), contra o apoio a candidatura de Flávio Dino (PCdoB), o que acontece novamente em 2014 (apoiando a candidatura do PMDB, Edison Lobão Filho, contra Flávio Dino).

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4.2. Comício do munícipio de TIMON/MA (2006)

A visita de Lula ao Maranhão, na campanha de sua reeleição em 2006,

somente ocorreu na cidade Timon (MA), fronteira com o Estado do Piauí, e no

2.º turno, e muito rápida. Lula não visitou a capital maranhense, São Luís.

Para alguns, em função de a direção do PT-MA ter deliberado e aprovado em

sua instância partidária apoiar à candidatura de Jackson Lago no 2.º turno, em

função de que, no 1.º turno, o Partido dos Trabalhadores registrou candidato

próprio, sendo o ex-ministro e Presidente do Tribunal Justiça, Edison Vidigal

(PSB) e como sua a vice, a ex-deputada federal, Terezinha Fernandes (PT),

mas Lula optou por participar do comício em Timon, e lá proferiu um discurso

de solidariedade e apoio à candidatura de Roseana Sarney (PMDB). Abaixo

um pequeno trecho do discurso:

[...] Eu vim aqui para cumprir com o dever de lealdade. Em política, a gente tem de ter lealdade com quem é leal conosco. E essa mulher foi leal comigo desde a campanha de 2002. […]. A gente conhece quem é amigo quando a gente está na desgraça ou doente e não em tempo de festa e quando estamos com dinheiro no bolso (Discurso de Lula, no dia 24 de outubro de 2006).132 [...]

O Comício da cidade de Timon (MA) explicita mais uma das

contradições das alianças de Lula com a oligarquia, deixar de hipotecar apoiou

ao candidato do PDT-MA para se aliançar e apoiar a candidato do PFL-MA. O

candidato a senador do PT nessa eleição de 2006, foi o jovem petista,

advogado Bira do Pindaré, mas Lula decidiu apoiar o candidato a senador da

coligação da oligarquia, o ex-governador Epitácio Cafeteira133 e que foi eleito.

No comício de Timon contou, na comitiva e no palanque de Lula, além do grupo

132

Disponível em:<http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/ma-lula-defende-candidatura-deroseana/>. Acesso em: 12 nov. 2016.

133 Em 2002, Epitácio Cafeteira, filiado ao PDT, foi candidato a senador na coligação de

Jackson Lago – governador, portanto, na oposição ao grupo da oligarquia. Já em 2006, com o apoio de Sarney, Roseana e Lula, agora filiado no PTB (do ex-deputado federal Roberto Jeferson), ele candidatou-se a senador na coligação Roseana Sarney e foi eleito. O sobrinho e deputado estadual, Rogério Cafeteira foi filiado ao PSB, agora no DEM, foi o líder na Assembleia do governo de Flávio Dino; a filha Janaina Cafeteira Pereira é Assessora Especial da Casa Civil do governo Flávio Dino (PCdoB). Faleceu no dia 13 de maio de 2018, aos 93 anos.

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Sarney, o governador do Estado do Piauí, o petista Wellington Dias, do ex-

presidente da CUT-MA, Raimundo Monteiro e Washington Luís (ex-presidente

do PT-MA). Mas, no comício havia dirigentes e militantes petistas que faziam

parte do campo de resistência contra o apoio de Lula à candidata Roseana

Sarney, e que foram protestar no sentido de debelar Lula dessa decisão,

todavia não foi o suficiente para impedir seu apoio ao grupo de José Sarney.

Foto 1 – Comício de Timon (MA)

Fonte: arquivo pessoal do Augusto Lobato (atualmente é Presidente do PT-MA), registro do comício: Augusto Lobato (na época vice-presidente do PT-MA); Márcio Jardim (membro da Executiva Estadual), Irilene Silva Alcântara (militante do PT-MA); Antônio Brito (membro da Executiva Estadual), com faixa de protesto no comício – “O PT DO MARANHÃO NÃO É REFÉM DO SARNEY”. Data: 24 de outubro de 2006.

O comício no município de Timon (MA) tomou grande repercussão no

país, e, na época foram várias as manchetes na mídia local e nacional

criticando o apoio de Lula à filha de José Sarney, e com o partido PFL. Aqui

colecionamos algumas:

QUADRO 11

MANCHETES DA MÍDIA EM OUTUBRO DE 2006

JORNAL/SITE MANCHETA DA MIDIA DATA

Portal Terra134

Apoio de Roseana leva Lula a palanque do PFL 24/10/2006

134

Disponível em: <http://: notícias.terra.com.br/eleicoes2006>. Acesso em: 20 jan. 2017.

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176

Congresso em

Foco135

Por Sarney, Lula sobe hoje em palanque do PFL no MA 24/10/2006

Portal G1136

POR ‘LEALADADE’, LULA FAZ COMÍCIO COM ROSEANA

NO MA

24/10/2006

Jornal Pequeno PÚBLICO FRUSTRA EXPECTATIVA DE SARNEY E

ROSEANA EM TIMON

25/10/2006

Jornal Pequeno137

Aliança falseada de Lula e Roseana provoca reações no

Maranhão e no Brasil

26/10/2006

UOL Blog138

Tal PSEUDO ALIANÇA é esdrúxula, equivocada, leva o LULA

a perder votos no MA.

26/10/2006

Esse quadro de manchetes das alianças contraditórias de Lula com a

oligarquia, no pobre Maranhão, pode ser replicado para a eleição de 2002,

2010 e 2014, que será a mesma cena.

Em entrevista, Stédille narra quando pergunto: considerado o primeiro

governador no século XXI, eleito por via direta sem aliança com o grupo

Sarney, considerando que o ex-governador José Reinaldo que foi eleito em

2002 com o apoio de Sarney, mas rompeu em 2004, apoiando a eleição de

Jackson Lago, em 2006, o que representou a eleição de Jackson Lago?

A eleição de Jackson Lago foi uma verdadeira revolução política, por essas circunstâncias que você relatou. E também pelo descrédito que a oligarquia havia alcançado entre a população. No entanto Lago também se elegeu, mas baseado no seu carisma popular e na sua coerência política histórica. Porem lhe faltou um partido com ampla representação política, e lhe faltou um movimento de massas forte, que o sustentasse. Quando as oligarquias voltaram a atacá-lo, através de alianças nacionais, não houve um movimento popular forte, que se mobilizasse para defendê-lo. O que conseguimos mobilizar foi muito pouco, e apenas simbólico [...]

135

Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/por-sarney-lula-sobe-hoje-em-palanque-do-pfl-no-ma/>. Acesso em: 25 jan. 2017. 136

Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/>. Acesso em: 25 jan. 2017. 137

Disponível em: <http://edicao.jornalpequeno.com.br/impresso/2006/10/26/>. Acesso em: 10 fev. 2017. 138

Disponível em: <http://navblog.uol.com.br>. Acesso em: 20 fev. 2017.

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No final, houve a vitória de Jackson Lago, com o apoio estratégico de

José Reinaldo, impondo uma derrota histórica ao grupo Sarney. Na visão de

Beatriz Bíssio 139, na categoria de Intelectual-Pesquisadora:

Um período de esperança na possibilidade de mudar os rumos da política maranhense e uma vitória das forças populares. Mas que, ao ser frustrada da maneira como foi, deixou bem claro que, para implementar um projeto realmente transformador, não é suficiente ganhar uma eleição. Faz falta muito mais do que isso para poder governar e se manter no governo num contexto como o do Maranhão. (e do Brasil, como ficou demonstrado com o impeachment da Presidenta Dilma).

4.3 Reeleição de Lula – Eleição de Jackson Lago (Governador do

Maranhão) - 2006.

Pode-se considerar que foi um marco histórico a vitória de Jackson

Lago (PDT), mas o PT nacional140 e Lula não levaram em conta o

fortalecimento de um partido do campo democrático-popular e aliado dos

tempos das Caravanas da Cidadania de Lula (1989), então mantiveram a

continuidade da aliança iniciada em 2002, com a oligarquia Sarney, em nome

do ‘projeto nacional’ de governar o Brasil, que foi confundido com um projeto de

poder. E, em 2006, prossegue a luta de resistência dos petistas no estado,

contra o apoio de Lula à candidata do PMDB à reeleição.

Jackson Lago foi empossado no cargo de governador, no dia 1.º janeiro

de 2007. Um pouco da sua biografia: nasceu no município de Pedreiras (MA),

médico de profissão, ingressou na política, em 1994, e passou a ser um dos

militantes políticos históricos do PDT, partido de Leonel Brizola, ao lado de

Neiva Moreira, João Francisco e Reginaldo Teles. É signatário da Carta de

Lisboa, que fundou o PDT. O seu primeiro cargo político foi deputado estadual

(1974-1978), depois foi Secretário de Estado da Saúde, no governo de Epitácio

Cafeteira. Em 1988, concorreu ao cargo de prefeito de São Luís, foi eleito,

139 Entrevista concedida por e-mail, no dia 20/ 02/ 2017. Jornalista, integrou a equipe do governo Jackson Lago. Professora de Ciência Política da UFRJ. Foi Editora do Caderno do Terceiro Mundo juntamente com o dep. Neiva Moreira (de quem foi esposa). 140

Fonte: TSE, julho de 2017 – no Brasil, somente 16 milhões de eleitores são filiadas em partidos políticos (aproximadamente 12% de eleitores tem filiação partidária.). O total de eleitores no país: 145.945.932,329 milhões de eleitores.

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exercendo o mandato de 1989-1992, depois do seu primeiro mandato de

prefeito, passou a hegemonizar a disputa na capital, influenciando em todas as

eleições na ilha, de 1992 a 2008, com o seu PDT. Já em 1996 voltou a disputar

o cargo de prefeito de São Luís novamente, e venceu; em 2000, foi reeleito. No

entanto dois anos e meio no cargo, renunciou para disputar, em 2002, mais

uma vez a eleição ao cargo de Governador.

Foto 2 – Posse Jackson Lago.

Fonte: arquivo do Jornal Pequeno - Posse do Governador Jackson Lago (PDT) e transferência da faixa pelo Governador José Reinaldo (PSB), a solenidade ocorreu na Praça Maria Aragão, em São Luís, no dia 1.º de janeiro de 2007.

Aqui a ira do ex-presidente com seu ex-aliado fica explicitado em artigo

cujo título: O FIM DO FIM, publicado na Coluna do Sarney, que sai todo

domingo no jornal O ESTADO DO MARANHÃO. O autor, José Sarney

(PDMB), explicita seu ódio contra o ex-governador José Reinaldo:

“Amanhã uma data grandiosa para o Maranhão: deixa a cadeira de governador quem desonrou e vai para sua insignificância o judas José Reinaldo. Nunca na história do Maranhão viu-se um governador de tamanha miséria moral. A começar pelo exemplo de família [...]. O Sr. José Reinaldo deu exemplo de mau filho, mau esposo, mau pai, mau parente [...]” (em 1.º de janeiro de 2007).

Neste artigo, o ex-presidente demonstra seu profundo ressentimento,

em função da ruptura do ex-governador José Reinaldo (PFL) com o seu grupo,

em 2004, e que depois este passa a ser o arquiteto político que vem a derrotar

a sua filha, Roseana Sarney Murad (PMDB), em 2006, elegendo o candidato

da oposição Jackson Lago (PDT) ao governo do Maranhão, impondo a maior

derrota da história a José Sarney em uma disputa eleitoral. Sarney considerava

José Reinaldo como um filho. Mais um trecho do artigo que passa a listar todos

os cargos que deu a José Reinaldo:

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“[...] Em 1967 levei-o para o DER, em 1970, o fiz Secretário de Planejamento. Briguei com o professor Pedro Neiva [governador do Maranhão de 1971-1979] porque queria fazê-lo governador em 1974, obtive sua nomeação como diretor do DNOS, então, uma das maiores autarquias do Brasil. Com Geisel, o fiz Presidente da NOVACAP e Secretário de Obras do Distrito Federal. Presidente da República, nomeei-o superintende da SUDENE, e depois ministro dos Transportes onde me fez pagar durante anos a concorrência da Norte-Sul. Isso porque muitos, inclusive, o General Ivan de Souza Mendes, do SNI quiseram que o demitisse. Não aceitei o conselho por carinho, lealdade e afeto e para vê-lo liquidado como corrupto. Em 1990, elegi deputado federal, em 1994, vice-governador [ de Roseana Sarney], repeti a dose em 1998, embora todos me advertissem de que ele não era mais o mesmo, depois de um casamento que todos sabem o bufônico fim que tomou. Lutei para fazê-lo candidato a governador, cargo que ocupou duas vezes. Foram estes 40 anos de sinecuras por ele usufruídas pelas minhas mãos generosas que ele resolveu amaldiçoar [...]”.

Na tentativa de investigar a causa que levou a ruptura do ex-

governador José Reinaldo com o grupo de José Sarney, na versão daquele,

ele, um intérprete na categoria de político fundamental a fim de desvendar esse

período histórico:

[...] Depois do rompimento, eu não estava preparado para romper; a verdade era essa. Na verdade, não fui eu que rompi. O rompimento foi por causa do Sarney Filho, isso muita gente fica assim [...] porque, foi difundido que a causa era Alexandra Tavares (minha mulher na época), e não foi de jeito nenhum. A causa do rompimento foi o seguinte: logo que eu consegui a reeleição, que eu venci o Jackson Lago, em 2002, o Sarney me liga e disse que precisava falar comigo, eu digo está bem, era um sábado de manhã, está bem, Presidente, quando o senhor quiser [...]; como é que você quer fazer? Não, vou passar aí. Mas, quero uma conversar reservada, diz Sarney. Pode vir, vamos conversar lá nos salões [do Palácio dos Leões] que não tem ninguém, é deserto. Aí ele [Sarney] tinha um desejo muito grande de ter dois filhos governadores do Maranhão. E aí eu perguntei: quem é que o senhor quer fazer governador do Maranhão Presidente? Eu quero que o Sarney Filho seja o próximo candidato a Governador141. Eu disse, está bem Presidente, eu não tenho nada contra o Sarney Filho [...], eu disse a ele, faço o seguinte, daqui a dois anos o senhor mande ele vir ao Maranhão [Sarney Filho morava fora do Estado], vou nomeá-lo Chefe da Casa Civil [do governo do Estado] para ele

141

Já havia tido uma tentativa em lançar o dep. Sarney Filho candilado a Governador do Maranhão, na sucessão de do ex-governador Epitácio Cafeteira 1988.

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se entrosar com a classe política, e ter condição de ganhar a eleição. Tudo acertado. Aí foi engraçado, porque, ele [Sarney] não conversou com a Roseana [a filha], e a Roseana não sabia, e tinha pretensões de voltar [a governar o Estado, como acabou acontecendo], aí eu comecei a conversar com Sarney Filho, com o grupo dele, orientando e tal, e um dia o Marcos Nogueira [jornalista conhecido no Estado, já falecido], vai a um baile Vermelho e Preto [do colunista Tenório Pinheiro] que tinha aqui no período de carnaval do Maranhão, e chegou no dia seguinte, o Marco Nogueira não fazia parte do meu governo, mas era meu amigo, aí ele disse: Zé Reinaldo, não estou entendendo. Aí eu perguntei: o que foi Marcos? Eu encontrei a Roseana ontem no baile, ela disse, olha, eu acabo com esse teu governadorzinho em um mês, arrebento com ele através da TV Mirante142. O Marcos Nogueira, perguntou: o que que é isso, Zé Reinaldo? Eu digo, não sei. Não briguei com ela, não teve nada com ela de desavença, nem nada E aí, eu soube que teve uma conversa lá [do grupo Sarney] e que ela muita zangada, cobrou do pai e ele a deixou pensar que a ideia era minha [de fazer Sarney filho governador do grupo], eu acho, eu não estava presente, que a ideia era minha; aí ela partiu mesmo para cima de mim, o jornal [Estado do Maranhão, TV Mirante] entrou com tudo. Essa é a causa do rompimento, foi isso [...].

No livro da biógrafa de Sarney, Echeverria (2011), consta outra versão

da causa do rompimento de José Reinaldo, pode parecer algo simples, mas tal

fato vai traçar novos caminhos na política do Maranhão:

[...] O governador do Maranhão [...] cortou a publicidade oficial da TV e dos jornais da família, dirigido por Fernando Sarney. O rompimento foi fruto de um desentendimento entre sua mulher, Alexandra Tavares, e Roseana. “Foi uma grande surpresa, porque eu o nomeei para todos os cargos que exerceu na vida” afirmou Sarney. (ECHEVERRIA, 2011, p. 517).

Em depoimento à Echeverria, José Reinaldo disse ter se decepcionado

com Sarney. Também se queixou de sofrer perseguição por parte dos veículos

de comunicação do ex-padrinho. Todavia, já em entrevista para esta tese, e

que foi gravada (para servir de prova), disse o contrário do relato da biógrafa,

no caso, de que o rompimento foi causado em função da discordância de

Roseana Sarney em não aceitar que o irmão Sarney Filho fosse o candidato a

governador na sua sucessão, em 2006. Ela [Roseana], não concordando,

começou a criticá-lo, e bater pesado no seu governo, portanto o ex-governador

142

De propriedade da família Sarney, retransmissora do sinal da TV Globo no estado.

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negou que fosse a sua mulher Alexandra Travares a causa da ruptura: “[...]

quando a Roseana partiu para cima de mim, o jornal [Estado do Maranhão, TV

Mirante] entrou, com tudo”.

A entrevista do ex-governador José Reinaldo para a tese foi elucidativa

para colocar as ideias no lugar, e na percepção dos próprios sujeitos desse

período histórico.

Como ele insiste em falar: “[...] a causa do rompimento foi isso, o

rompimento foi por causa do Sarney Filho [...] e foi difundido que a causa era

Alexandra Tavares (minha mulher na época), e não foi de jeito nenhum [...]”.

Outro acontecimento importante que cabe registrar, descrito por João

Pedro Stedille, instado a ser um sujeito que se buscou entrevistar, em função

da sua ativa participação no projeto “SIM, EU POSSO”, com objetivo de

erradicação do analfabetismo no campo maranhense, ideia do MST em

parceria com a gestão do governo Jackson Lago (2007-2009), e também

quando esteve na articulação na agenda do presidente da Venezuela, Hugo

Chávez (2008), em visita ao Maranhão:

“[...] Participei de um episódio da política quando o então Governador Jackson Lago convidou o Presidente Hugo Chávez para conhecer e visitar o Maranhão. Sarney já tinha sido Presidente da República e mantinha ampla influência no Planalto Central. Chávez foi o primeiro Presidente estrangeiro, em toda a história do Maranhão, que teve a generosidade de visitá-lo”. (João Pedro Stedille, fev.2017).

Foto 3 – Visita do Presidente Hugo Chávez ao Maranhão.

Fonte: Instituto Jackson Lago - visita do Presidente da Venezuela, Hugo Chávez ao Governador do

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Maranhão, Jackson Lago, no dia 28 de março de 2008.

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra foi um movimento parceiro

de primeira hora do governo Jackson Lago, pois teve participação no processo

da disputa eleitoral em 2006, e depois passou a manter relação orgânica com a

gestão.

4.3.1 A cassação de JACKSON LAGO (16 DE ABRIL DE 2009).

Na eleição realizada no ano de 2006, sete candidatos disputavam no

primeiro turno o cargo de Governador do Estado do Maranhão: Antônio

Augusto Silva Aragão (PSDC) que obteve 0,06% dos votos válidos; Carlos

Saturnino Moreira Filho (PSOL), 0,23%; João Melo e Sousa Bentivi (PRONA),

0,44%, Aderson de Carvalho Lago Filho (PSDB), 3,45%; Edison Carvalho

Vidigal (PSB), 14,26%; Jackson Kleper Lago (PDT), 34,35%; e Roseana

Sarney Murad (PFL), 47,21%. 143 (SAMPAIO, 2016). Todos com o objetivo de

suceder José Reinaldo Carneiro Tavares (PSB) e que já havia governado o

Estado de 2002-2006. O candidato do partido governista era Edison Vidigal

(PSB) que ficou em terceiro lugar entre os mais votados dos setes candidatos.

No segundo turno, Roseana Sarney, obteve 1.295.745 (48,18%) milhões de

votos, e Jackson Lago obteve 1.393.647 (51,82%) dos votos válidos, Lago

sagrou-se vencedor. Mas Roseana não aceitou o resultado e apresentou um

Recurso Contra Expedição de Diploma (RECED) com registro no TSE sob o n.º

671-MA. Todavia o processo de cassação ganhou corpo, depois de encerrado

o segundo turno da eleição de 2009, uma vez que o grupo da oligarquia

levantou a possibilidade de fraude por abuso político e poder econômico.

Quem descreve a cassação do governador Jackson Lago (PDT-MA) é João

Pedro Stedille, na categoria de movimento social:

Isso foi uma tragédia política, articulada a nível nacional entre as forças conservadoras e oportunistas, e que entraram setores do senado, setores do TSE e STF, e setores do próprio governo Lula. A resenha da novela trágica é que o patriarca queria dar um presentinho para a filhota, que dizia estar

143

Fonte TSE. Acessado em 14 de agosto de 2017.

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doente, ou seja, devolver o cargo de governadora. E infelizmente conseguiu, sem que fosse respeitada nada da lei eleitoral. Já que vivemos uma correlação de forças completamente desfavorável que levou a aquele trágico desfecho, só nos resta imaginar que o inferno seja mais democrático. Muitos que lavaram as mãos e viram a tragédia se abater sobre Lago, sem nada fazer, dando uma de Pilatos, viram depois a mesma novela se repetir, com os mesmos atores, quando a família Sarney apoiou o golpe contra Dilma, também sem que tivesse cometido qualquer crime.

A cassação de Jackson Lago, de fato, não conseguiu mobilizar a

sociedade maranhense, e bem poucos movimentos sociais considerados

progressistas, ou para usar um termo clássico da ciência política, de esquerda,

e que também se reivindicavam anticapitalistas, e alguns, até de oposição à

oligarquia, também não se sensibilizaram. E pode inferir-se que a causada por

de algumas ações não populares, e que neste caso específico, a proposta da

“Lei do Subsídio”, que transformava todos os rendimentos dos servidores

públicos estaduais, e culminou na greve dos professores, logo no primeiro ano

do mandato de Lago. Recebido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o

processo, foi marcado para o dia 3 de março de 2009, o início da sessão de

julgamento no plenário da corte. Isso, depois de Lago estar no exercício do

mandato de governador por um período de dois anos e três meses. A questão

central, em uma perspectiva analítica e política, e menos jurídica, pode-se dizer

que o governador não acreditou na possibilidade de ter seu mandado cassado,

no início não montou uma equipe de juristas notáveis para atuar em sua

defesa, e nem buscou construir uma estratégia política, já que, para muitos, o

julgamento era político, somente com o simulacro jurídico, e aqui que fica

explicita a força da judicialização. No parecer do Ministério Público, assinado

pelo Vice- Procurador Geral Eleitoral, Francisco Xavier Pinheiro Filho, diz ter a

ocorrência de abuso de poder em face de convênios e transferências de

recursos financeiros no ano da eleição, o que passou a figurar como um

argumento principal para a cassação. Outro aspecto observado pelo Ministério

Público:

[...] É de que a petição expõe detalhadamente fatos e circunstâncias que há farta prova, e que havia o nítido propósito de beneficiar e fortalecer as candidaturas do recorridos (Jackson Lago e seu vice-governador, Pastor Porto) e que a recorrente, Roseana Sarney, perdeu a eleição porque não teve apoio político [...]” (SALGADO, 2016, p.140).

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No ano de 2006 era Lula o Presidente do Brasil, e concorrendo à

reeleição, com um alto índice de popularidade do seu governo, principalmente,

na região Nordeste, apoiou a candidatura de Roseana Sarney (PMDB),

participando do comentado comício em Timon (MA). No dia 16 de abril de

2009, o processo foi a julgamento final, no TSE. A sessão foi presidida pelo

ministro Ayres de Brito, o relator foi o ministro Eros Graus, e na defesa do

governador, atuaram os advogados: Daniel Leite, Francisco Rezek, José

Eduardo Alckmin. Depois de um longo debate, foi aprovada a cassação144 do

mandato de Jackson.

Na análise de Salgado (2016), o julgamento do Tribunal Superior

Eleitoral (TSE): “[...] evidencia a postura essencialmente política e a frágil

preocupação técnica com a argumentação jurídica em decisões que cassam

mandatos [...]”. O que demonstra na conjuntura é o que se convencionou

chamar de “judicialiazação da política”, com um poder dos juízes, na

democracia eleitoral. E a ideia de que o povo é o soberano, o mais forte frente

a quem estiver no poder, parece ser somente retórica discursiva. Pode-se

concluir que a cassação do mandato de Jackson Lago foi política, respaldada

pelo jurídico, logo tem-se aqui mais um exemplo de que a “Democracia dos

Políticos” é quem determinou e tem hegemonia.

Em seguida, Roseana Sarney foi empossada governadora, no dia 17

de abril de 2009, cumprindo o restante do mandato de Lago, até 31 de

dezembro de 2010. Voltou a concorrer pela quarta vez ao cargo de

governadora, e venceu, obtendo 50,07% dos votos válidos. Os candidatos mais

competitivos da oposição à oligarquia foram Jackson Lago (PDT, que concorria

pela sua quarta vez), e um novo personagem na cena política, o ex-juiz federal

Flávio Dino (PCdoB).

144

As materialidades das provas contra o governador foram organizadas por um membro orgânico do grupo da oligarquia Sarney, na época deputado federal Francisco Escórcio (PMDB-MA). É atualmente assessor de Michel Temer (2016), na Presidência da República.

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4.4 Eleição de Dilma (Presidente do Brasil) – Roseana Sarney

(Governadora do Maranhão) - 2010.

No mandato de governadora, depois da cassação de Jackson,

Roseana concorreu novamente à reeleição, com o PT indicando o candidato a

vice-governador na chapa do PMDB. Narra-se aqui um pouco mais da luta

contra a aliança com a candidata da oligarquia. Depois de 2009, da resistência

contra a cassação do mandato de Jackson, agora a resistência era causada

quando a direção nacional do PT decidiu intervir e modificar o resultado do

Encontro de delegados145 que aprovou a tática de aliança com os partidos do

campo democrático-popular: PCdoB e PSB. O PDT não estava na aliança,

porque tinha candidato a governador, era Jackson Lago. Como observador da

direção nacional do PT, estava presente o Coordenador Nacional de

Organização, Paulo Frateschi, que homologou o resultado final do encontro.

Depois ocorreu a intervenção nacional, foi quando Joaquim Washington Luís

(PT-MA) tornou-se candidato a vice-governador na chapa de Roseana Sarney

(PMDB), desrespeitando para muitos a decisão do Encontro democrático146 ,

pois dos 175 delegados, 87 votaram pelo apoio ao candidato Flávio Dino

(PCdoB), e 85 defendiam o apoio à peemedebista nas eleições de 2010.

Observa-se a forte disputa interna no PT-MA naquele ano, acontecimento que

passou a ter uma grande repercussão nacional no meio político, isso em

função da greve de fome dos petistas: Domingos Dutra, Manoel da Conceição

no plenário da Câmara, e de Terezinha Fernandes (na sede do PT estadual, em

São Luís), o que marcou o forte movimento de resistência contra a decisão

nacional do PT em fazer a intervenção. Iniciada a greve, ela ganhou

repercussão na mídia, e Manoel da Conceição, na sua condição de fundador

nacional do PT e de liderança respeitada até por organização internacional,

escreveu duas cartas à direção nacional do partido e ao presidente Lula,

enviada no dia 3 de junho de 2010, mas não convenceu nem sensibilizou os

principais dirigentes nacionais, responsáveis pela intervenção que mudou a

145 Realizado nos dias 26 e 27 de março de 2010, no auditório do SESC – Olho D’Água – São Luís (MA). 146

Neste encontro, surgiu a denúncia de compra de votos de delegados na busca de que o resultado fosse a favor de Roseana Sarney (PDMB), fato noticiado pela mídia, e que chegou a gerar apuração, mas sem resultado relevante.

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decisão do encontro. Eis um trecho da 2ª carta147 de Manoel da Conceição a

Lula:

[...]. Dirijo-me ao companheiro com a minha identidade de trabalhador rural, de sindicalista, de ambientalista, de humanista e de militante e fundador do Partido dos Trabalhadores, o qual comecei a sonhar e trabalhar na sua criação quando ainda me encontrava no exílio, [...] Na realidade companheiro Lula, minha história de luta social e política se originou aqui mesmo no Maranhão, estado do qual sou filho natural com minha matriz étnica negra e indígena. [...] Eu pessoalmente, há mais de 50 anos venho travando uma luta contra os poderes oligárquicos e contra os exploradores da classe trabalhadora neste país. [...]. Estou animado para fazer a campanha da companheira Dilma, assim como para fazer uma aguerrida campanha política em prol do fortalecimento do PT no Maranhão e para construir um projeto político alternativo à oligarquia sarneysta, juntamente com os partidos do campo democrático e popular na Coligação PT, PCdoB e PSB. Esta foi à tática vitoriosa em nosso encontro estadual realizado nos dias 26 e 27 de março, que aprovou, por maioria de votos, da forma mais transparente possível e cumprindo todos os preceitos legais, o nome do companheiro Flávio Dino para candidato dessa aliança legitimamente de esquerda e respaldada pelas mais expressivas organizações da classe trabalhadora deste estado que publicamente se manifestaram, a exemplo da Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAEMA e a CUT. Assim, penso que estamos sendo coerentes com a nossa história e identidade classista [...]. (ver integra da carta no anexo IV).

Como a greve de fome, as cartas de Manoel da Conceição enviadas a

Lula e demais dirigentes, e apelos de todas as ordens à direção nacional do

PT, não foram atendidos, os resistentes dessa luta resolverem, então, recorrer

ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a determinação do PT de apoiar a

candidatura à reeleição de Roseana Sarney (PMDB) ao governo do Maranhão,

em 2010, pleiteando a anulação da intervenção. Na ação, os recorrentes

argumentavam que a direção nacional não pode reverter uma decisão

colegiada do partido no Maranhão. Além disso, afirmaram na petição que a

aliança com Roseana Sarney vai de encontro com o que os petistas lutam no

estado.

147

Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia/130881-1>. Acesso em: 9 ago. 2017.

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Contudo todos esses movimentos não conseguiram modificar a

decisão nacional. A partir de então, os militantes e dirigentes da resistência,

deliberaram em não seguir a orientação do PT nacional, em apoiar a reeleição

de Roseana contra a candidatura de Flávio Dino, e passara a integrar a

coordenação da campanha do PCdoB. A outra parte do petismo local, liderado

pelo candidato a vice-governador Joaquim Washington, em sintonia com o

Presidente Lula e Dilma, que nesta eleição, era a candidata a Presidente da

República, foram integrar a coordenação da campanha do PMDB. No final,

Roseana é reeleita, e o PT-MA passou a ocupar o cargo de vice-governador,

secretarias148 e outros órgãos. E com toda essa problemática das alianças

políticas contraditórias que aprofundaram as divergências internas,

comprometendo a busca na radicalização da democracia, princípio sempre

defendido nas resoluções do partido de Lula, começou haver desfiliação de

militantes históricos em nível local e nacional.

Na eleição de 2012, isso se repeti, com objetivo de impedir que o

diretório municipal do PT de São Luís (MA) tivesse uma candidatura própria a

prefeito na capital maranhense, e o nome apresentado foi do deputado

estadual Bira do Pindaré. Este acabou sendo preterido, mais uma vez em

função do acordo do petismo com a oligarquia Sarney, que indicou o agora

vice-governador Joaquim Washington Luís (PT-MA), como pré-candidato a

prefeito. Esse fato gerou novamente resistência, e o PCdoB liderado, pelo

governador Flávio Dino149 e o jornalista Marcio Jerry150, dirigentes estadual e

municipal respectivamente, aguardou a decisão do PT para que pudesse definir

a tática eleitoral dos comunistas na cidade de São Luís. Findado o processo de

escolha do encontro municipal do Partido dos Trabalhadores, e conhecendo

quem seria o candidato petista a prefeito da capital, o PCdoB delibera por

apoiar o deputado federal e ex-vereador de São Luís, Edvaldo Holanda Junior,

da pequena sigla PTC, em acordo com o deputado federal Weverton Rocha,

148

José Antônio Barros Heluy: foi Secretário de Estado de Trabalho e Economia Solidária. José Rodrigo: foi Secretário de Estado de Assuntos Institucionais. 149

Na época, ele ocupava o cargo de Presidente Nacional da EMBRATUR no governo Dilma (2010-2014). 150

Presidente do Diretório Municipal do PCdoB; foi militante e dirigente do PT-MA, ex-secretário Municipal de Governo na Prefeitura da cidade de Imperatriz, gestão Jomar Fernandes (2001-2004).

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este agora o líder do PDT no estado, depois da morte de Jackson Lago151, e

que contou com anuência do Presidente Nacional (PDT), Carlos Lupi. É

perceptível que o fator mobilizador da luta política na democracia

representativa, e no processo de disputa eleitoral é a democracia dos políticos

que tem o protagonismo, o povo é personagem figurante do jogo político.

4.5 Reeleição de Dilma – Eleição de Flávio Dino (Governador do

Maranhão) - 2014.

A segunda derrota eleitoral do grupo da oligarquia Sarney, aconteceu

na eleição de 2014, quando o ex-juiz Flávio Dino (PCdoB) venceu a disputa

para o cargo de governador do Maranhão contra Edison Lobão Filho (PMDB),

elegendo também o candidato a senador da coligação, Roberto Rocha (PSB), o

seu vice-governador era Carlos Orleans de Brandão (PSDB). No exercício do

cargo de governadora, já que não se afastou para mais uma vez concorrer à

vaga de senadora, o que a maioria dos governadores sempre fizeram e fazem,

Roseana Sarney buscou montar uma estratégia que inicialmente tinha como

pré-candidato ao governo do Maranhão um membro-aliado do grupo, o atual

prefeito da cidade de São José de Ribamar (MA), Luís Fernando152, que havia

exercido o cargo de Secretário de Estado da Infraestrutura na sua gestão de

2011-2014.

Descrevendo mais esse acontecimento, nas alegações usadas por Luís

Fernando, e que repercutiu na mídia local, a causa foi não ter sido cumprido

um determinado acordo. E qual era o acordo? A governadora Roseana Sarney,

primeiro, afastaria da ordem sucessória o seu vice-governador, na época, o

petista Joaquim Washington Luís, o que realmente aconteceu, ele renunciou ao

cargo no dia 29 de novembro de 2013, e foi indicado para uma vaga de

Conselheiro membro vitalício do Tribunal de Contas do Estado (TCE), faltando

somente agora Roseana Sarney renunciar ao cargo de governadora, e neste

151

Faleceu aos 76 anos, no dia 4 de abril de 2011, no Hospital do Coração (HCor), em São Paulo. 152

Já havia exercido dois mandados consecutivos.

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caso, forçaria a convocação de uma eleição indireta na Assembleia, e o

candidato do grupo a governador passaria a ser ele (Luís Fernando).

A estratégia acabou não dando certo, Roseana se manteve no cargo

de governadora, o que levou Luís Fernando a romper com o grupo da

oligarquia, e o grupo passou a bater cabeça com o objetivo de definir quem

seria então o candidato a governador do Maranhão, para enfrentar os

candidatos da oposição: Flávio Dino (PCdoB), este muito bem-avaliado pelas

pesquisas e Jackson Lago (PDT), que era novamente candidato depois da sua

cassação, em 2009. Com a não indignação de Luís Fernando153 a pré-

candidato a governador, ele se desligou do grupo Sarney. Quem passou a ser

o pré-candidato do grupo? Edinho Lobão, suplente de senador do pai, o

senador-aliado e ex-ministro do governo Lula-Dilma, Edison Lobão. Todavia

quem sempre desejou um dia ser o candidato a governador do Maranhão e

com o apoio da família Sarney, foi o cunhado de Roseana, Ricardo Murad;

deputado estadual de várias legislaturas, presidente da Assembleia, e que

exerceu o cargo de Secretário de Estado da Saúde na gestão da cunhada de

2011-2014. Ricardo Murad154, em 2002, tentou uma candidatura, isso depois de

conflito intrafamiliar, foi quando o seu irmão Jorge Murad, casou-se de “papel

passado”, formalizando a união com Roseana Sarney, para alguns analistas,

justamente com objetivo de impedir a candidatura do irmão Ricardo, o que

acabou acontecendo, o TRE-MA impugnou e invalidou os votos dados a ele

(Ricardo) naquela eleição de 2002, só que, depois este se reconciliou com o

grupo da oligarquia, e, em 2014, tentou novamente ser o candidato, porém,

com a afinidade de parentesco, o que o tornou impedido de concorrer ao cargo

majoritário, de Governador, e mais uma vez ficou fora, mas nessa eleição

lançou a filha Andrea Murad como candidata a deputada estadual e o genro. O

153

Na eleição de 2014, declarou apoio ao candidato Flávio Dino (PCdoB). E, em 2016, fora eleito novamente prefeito (2015-2018) da cidade de São José de Ribamar, onde já havia sido prefeito por duas gestões (2004-2008) e reeleito (2009-2012). 154

Foi prefeito da cidade de Coroatá (MA), um lugar dominado por um longo período do coronelismo familiar (sua esposa, ex-deputada estadual, Tereza Murad também foi prefeita por várias legislaturas), foi presidente da Assembleia Legislativa. Atualmente sem mandato, mas sua filha é deputada estadual, André Murad (2015-2019); e seu genro (2015-2018), ambos eleitos com seu apoio. A sua esposa foi prefeita no município de Coroatá, tentou a reeleição em 2016, não foi derrotada, agora sem mandato, assim como ele, que não concorreu a cargo eletivo. Exerceu o cargo de Secretário de Saúde no governo Roseana Sarney (2011-2014)

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candidato a governador homologado em convenção da oligarquia, foi Edison

Lobão Filho (PMDB), que obteve desempenho fraco, somente 33,69%, a

considerar as sucessivas vitórias eleitorais do grupo da oligarquia no Estado.

“[...]. Não tínhamos candidato, pois o político que preparávamos há três anos, Luís Fernando Silva, desistiu, na última hora, da disputa. Lançamos Edson Lobão Filho, que, embora fosse um excelente nome, teve apenas três meses para trabalhar sua campanha”. (entrevista para tese, José Sarney, julho de 2017).

E quem se sagrou vencedor foi o candidato Flávio Dino (PCdoB), eleito

no primeiro turno, com o percentual de 63,52% dos votos válidos. Com a

derrota, Roseana voltou a pensar em renunciar ao cargo de governadora, o

que fez, mas somente faltando 20 dias para o fim do seu mandado, no dia 10

de dezembro de 2014. Como não contava mais com o vice-governador, já que

este agora exercia o cargo de Conselheiro do TCE-MA, quem assumiria o resto

do mandato de governador? Outro aliado, o deputado estadual e presidente da

Assembleia Legislativa, o médico-político Arnaldo Mello (PMDB). Para analista

da cena política, a renúncia de Roseana Sarney Murad fora tão somente para

não ter que repassar a faixa no dia 1º de janeiro de 2015, no parlatório da

sacada do Palácio dos Leões (sede do governo maranhense), ao seu opositor

Flávio Dino, quem cumpriu a missão foi o agora governador, o dep. Arnaldo

Melo.

Nesse capítulo teve somente o objetivo de fazer uma recapitulação do

PT e desvendar a origem da aliança de Lula com Sarney, identificando a

contradição da aliança, e também uma descrição da eleição de governadores

do período da pesquisa, mas sem aprofundar suas diferenças político-

ideológica; e o relato histórico do comício de Timon (MA) em 2006. Valeu-se

das entrevistas de campo, e dos referenciais bibliográficos, e nesse sentido,

situa-se o leitor de alguns acontecimentos históricos da política-eleitoral

maranhense.

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CAPÍTULO V – POLÍTICOS E MOVIMENTOS SOCIAIS NA

CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POPULAR.

Como se viu no capítulo II, estabeleceram-se os modelos de

democracias: liberal-representativa, elitista e participativa com suas principais

características. Procurou-se identificar a percepção dos sujeitos dos

movimentos sociais e políticos e como se alinham presentemente em relação a

esses modelos de democracia. Como metodologia para esse exercício, usou-

se a mesma meta-análise quando da análise da categoria oligarquia (item

1.1.3, do capitulo I, p. 86). Primeiro, elaborou-se um quadro resumo com os

fragmentos das falas dos entrevistados e, em seguida, uma tabela com as

principais características dos três modelos de democracias desenvolvidas na

pesquisa. Feito isso, o passo seguinte foi identificar a percepção dos

entrevistados no entendimento de democracia, o que será tratado no item a

seguir.

5.1 A Democracia na percepção dos movimentos sociais

Descreveu-se, na introdução da tese, que os entrevistados dos

movimentos sociais foram definidos com base em sua inserção na condição de

liderança e/ou dirigente de organizações da sociedade civil155, com certo nível

de engajamento político.

A seguir, de acordo com análise de elementos do modelo liberal-

representativo e, muito modestamente, do modelo participativo, conforme se

pode observar (ver: anexo III. Quadro A e Tabela 1), o predomínio identificado

na percepção desse segmento foi pela democracia elitista, enquanto a maioria

dos respondentes se referia, nessa concepção de democracia, a, pelo menos,

três características desse modelo: a distinção entre dirigentes (minorias) e

dirigidos (maioria); a existência de concorrência entre as elites por meio do

voto (como uma das alternativas de empoderamento por parte do povo) e a

155

Ver Gramsci: Um estudo sobre seu pensamento político. RJ: Civilização Brasileira, 1999, que chamou de “sociedade civil”: são os partidos de massa, os sindicatos, as associações profissionais, os comitês de empresa e de bairro, as organizações culturais etc.

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presença de oposição.

A situação atual do Congresso Nacional é reveladora por si só, da dicotomia que existe entre a representação real da população na sociedade, entre trabalhadores, jovens, mulheres e negros, e o que há de representação no congresso [...]. (João Pedro Stédile)..

Aí o conceito de Zygmunt Bauman, “Se não existir liberdade de pensar e de agir, como pensar em democracia”. Então não existe democracia. Se as pessoas que estão lá ‘representadas’ não têm, em momento nenhum, a condição de ir a um parlamento, de esses expressarem seus anseios, suas reclamações, suas queixas, como denominar isso democracia? (Josemar Pinheiro).

A democracia pode existir no sentido do ponto de vista formal, se você pensar pelos clássicos, judiciário, legislativo, executivo, eleição. (Emílio Azevedo).

Essas intepretações críticas de democracia são associadas à

concepção de democracia mais difundida: a liberal-representativa. Nesse

modelo, o destaque foi para a representação política, característica referida por

grande parte dos respondentes. E, em relação ao governo de maioria, foi

apontado por apenas quatro entrevistados. Quanto às características da

democracia participativa (da prevalência de uma visão da sociedade civil, de

liberdade de ação na esfera privada do indivíduo e do direito à opinião/

manifestação, de reunião), contou com apenas uma referência cada uma.

Na verdade, depois que você elege seu representante, é como se você cedesse o seu poder para eles, não está nem emprestando ele, é o dono do seu poder. (Carlos Saturnino Moreira Filho - Movimento Social.).

Assim, a democracia se dá, se a gente for observar, se dá por liberdade de expressão [...], a democracia existe quando há um interesse teu e dele; a democracia vai muito pelo “eu quero” e quanto o que eu acho que é de certa forma, há uma democracia, porque todo mundo tem o direito de pensar, de ir e vir quando quiser, essa é uma democracia. (Ângela Maria de Souza Silva).

Observou-se que, na entrevista com os integrantes da categoria de

movimentos sociais, o modelo de democracia participativa foi referenciado por

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apenas dois entrevistados, os quais fizeram referência a duas de suas

características: a participação ativa dos cidadãos e a forma semidireta. As

demais características (como sociedade civil tem canal de interlocução com

estado, controle social por meio de conferências, conselhos, ouvidoria, mesas

de diálogo e correção das desigualdades sociais) não foram identificadas.

Nesse ponto, fica explicitado que a democracia participativa ainda está muito

no plano teórico, prevalecendo os modelos liberal-representativo e elitista.

Eu não falo que é uma democracia que veio a partir dos políticos. Mas acho que a gente obrigou a abrir espaço para a sociedade desde quando a gente começou a adquirir o direito das mulheres votarem. Esse é um espaço democrático, não foi vindo assim pelo lado de lá, isso é um lado que nós construímos. (Joaquim Alves de Sousa).

Ainda na percepção dos movimentos sociais, os modelos de

democracia liberal e elitista, de certa forma, coexistem no Maranhão e as

características de cada uma delas predominam na relação entre Estado e

sociedade civil. Embora elementos de controle social (característico da

democracia participativa) tenham existência formal ou no plano das ideias e/ou

da vontade, pois estão consignados na Constituição Federal de 1988 (art. 198,

204, 206), ainda não é predominante na realidade concreta nem na visão dos

movimentos sociais.

A partir da década de 90 e depois da Constituição de 88, a força do capital começou a se mobilizar para retirar as conquistas democráticas [...] e o que se conquistou, inclusive, a questão dos conselhos populares, do controle social na Constituição vem sendo atacado constantemente, vem sendo desmontado. (Marcos Silva).

A cracia (poder) do demos (povo) quase não é encontrado nas

interpretações, principalmente, dos movimentos sociais, tudo girando em torno

de uma narrativa discursiva com enfoque mais no liberalismo156 e elitismo,

156

Ver Rancière, J. (2014, p.1994): “A palavra presta-se hoje a todo tipo de confusão. A esquerda europeia a utiliza para evitar a palavra tabu “capitalismo”. A direita europeia a transforma em uma visão de mundo em que o livre mercado e a democracia caminham de mãos dados. A direita evangelista norte-americana, para a qual o liberal é um esquerdista destruidor da religião, da família e da sociedade, lembra oportunamente que essas duas coisas são muitos diferentes. O peso que ganhou no mercado da livre concorrência e no

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centralizado no poder político e econômico e, com certa fragilidade, no que

tange à intensidade de uma democracia popular ou social. Como causa dessa

fragilidade, são apontadas as práticas oligárquicas, a cultura política de base

familiar e parentela, as desigualdades, pobreza, analfabetismo, o atraso

socioeconômico no e estado que travam o avanço para uma dada democracia

e com ativa participação popular. Contraditoriamente, também foi explicitada a

visão cética e de desilusão de parte da sociedade civil com a democracia

representativa.

Nós não temos democracia, nem econômica, no sentido de garantir direitos e oportunidades iguais para toda a população, de trabalho, terra, moradia, educação; nem política, no sentido de que a vontade das maiorias se expressa pelo voto. O voto é mera convenção, sobre controle da mídia e dos empresários. (João Pedro Stédile).

Mas, se o cidadão não tem direito a participação, ou a participação dele é meramente eleitoral, não é econômica, ele não está como unidade produtiva, ele não está como contribuinte nesse contexto de influir nas decisões, de se inserir nas decisões, então, do meu ponto de vista (eu falo isso como jurista), a democracia é apenas formal, ela não é uma concepção ainda que tenha se realizado, inclusive, aqui América Latina. (Josemar Pinheiro).

Tem democracia sem participação social? Não tem! Se no Brasil tem pouco, aqui tem muito menos. Tem sociedade civil no Maranhão? É Irrisória. Até onde a sociedade civil consegue pautar o debate aqui no Maranhão? (Emílio Azevedo).

Para nós, que lutamos do ponto de vista de militância social, e que lutamos com o aporte teórico de esquerda, é evidente que nós não estamos em um Estado democrático, na nossa concepção de poder. (Luís Antônio Pedrosa)

Nos fragmentos das entrevistas junto a esse segmento, ficou

demonstrada que o modelo de democracia que mais aparece é a elitista, de

concepção schumpeteriana, que reforça a tese da função primária do voto do

eleitor, de somente produzir o governo. E, por meio do sistema eleitoral, a

eleição, a produção do governo significa, na prática, decidir quem será o

financiamento da dívida norte americana uma China “comunista” que combina com vantagem as vantagens da liberdade e da ausência de liberdades mostra isso de outra maneira”.

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líder157, e o povo, nesse modelo, só tem protagonismo no momento de votar.

Pode-se, assim, afirmar que o modelo oligárquico e das elites são fatores que

contribuem para o impedimento de uma dada democracia com o alargamento

do demos que parte da sociedade almeja.

Em sua tese “O ódio à democracia”, Rancière, (2014), quando

passa a discorrer sua ideia de democracia e estados oligárquicos, aponta:

[...] O que queremos dizer exatamente quando dizemos que vivemos em democracia? Estritamente entendida, a democracia não é uma forma de Estado. Ela está sempre aquém e além dessas formas. Aquém, fundamento igualitário necessário e necessariamente esquecido do Estado oligárquico. Além, como atividade pública que contraria a tendência de todo Estado de monopolizar e despolitizar a esfera comum. Todo Estado é oligárquico. (RANCIÈRE, 2014, p. 91)

Ele evidencia, mais uma vez, que as desigualdades interferem no

avanço da democracia. Porém uma contradição apontada por Rancière é a

seguinte: “não se pode conceber regime que, em algum sentido, não seja

oligárquico (referência a Raymond Aron, Democracia e Totalitarismo, 1965).

Mas a oligarquia dá à democracia mais ou menos espaço, é mais ou menos

invadida por sua atividade”. Nesse sentido, as formas constitucionais e as

práticas dos governos oligárquicos podem ser denominadas mais ou menos

democráticas. Toma-se usualmente a existência de um sistema representativo

como critério pertinente de democracia.

157

Schumpeter, (1984, p.341): “Isso é apenas aproximadamente verdadeiro. O voto do eleitor, realmente, leva ao poder um grupo que, em todos os casos normais, reconhece um indivíduo como líder, mas onde há, em geral, líderes de segundo e terceiro escalões que possuem suas próprias armas políticas a quem o líder não tem escolha senão colocar nos cargos apropriados. Devemos lembrar-nos de outra coisa. Embora haja razões para se esperar que uma pessoa assuma uma posição de comando supremo possua — daí não se segue que seja sempre assim. Portanto, o termo “líder” ou “homem na liderança” não implica que os indivíduos assim designados sejam necessariamente dotados de qualidades de lideranças ou que sempre deem orientações pessoais. Ocorrem situações políticas favoráveis à ascensão de homens deficientes em matéria de liderança (e outras qualidades) e desfavoráveis ao estabelecimento de posições individuais fortes. Um partido ou combinação de partido, portanto, poderá ocasionalmente ser acéfalo. Mas todos reconhecem que se trata de um estado patológico e uma das causas típicas de derrota.

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5.2 A democracia na percepção dos políticos

Utilizando-se da mesma meta-análise, agora a percepção dos políticos

sobre democracia (ver anexo IV. Quadro B e Tabela 2). Não muito diferente do

panorama antes apontado pelos entrevistados dos movimentos sociais, a

percepção dos políticos sobre o conceito de democracia está eivada de

significados. Aqui também houve um predomínio do modelo elitista, seguido

pelo liberal e com menos ênfase à democracia participativa.

Foram apontados pelo menos dois elementos da democracia com

características elitistas (ver anexo IV, tabela 2) pelos respondentes com perfil

político, sendo a distinção entre dirigentes e dirigidos e a concorrência entre

elites por meio do voto, os mais destacados:

É importante à democracia, sim, porque ela tem uma série de fundamentos que outros modelos não têm, como por exemplo, a eletividade, os cargos como de alguns poderes como executivo, legislativo geralmente são previsíveis, enfim, a população elege, há de qualquer forma uma votação nos deputados que representam essa ideia de um parlamento organizado. (n.º 1 - Joan Botelho).

Poder do povo, distribuição de renda, de todas as classes sociais terem acesso ao poder, isso, nesse aspecto, eu não vejo uma democracia ter alguma presença marcante, ela ser objeto realmente de um paradigma, ser o símbolo, realmente do funcionamento de um poder. As classes populares são muito usadas, até demagogicamente, para a construção de determinadas coisas por aí. Os poderes? A gente pode dizer que sempre funcionaram, mas quem mandava no poder? (n.º 3 - Benedito Buzar)

A democracia é o destino da humanidade, mesmo nos países islâmicos, que são os países mais fechados, a gente viu a primavera Árabe, a população lutando para ter um mínimo de liberdade, isso vale para todos os segmentos, para mulheres, negros, índios, homossexuais, jovens e crianças. (n.º 4 - Domingos Dutra).

Primeiro, você tem um aspecto importante da luta pela democracia no Brasil, que toda a luta que houve contra a ditadura militar pelo perfil e a forte presença dos movimentos sociais e ali estiveram em disputa várias concepções de democracia, eu diria que a Carta Constitucional de 1988 termina construindo um modelo de democracia com uma série de inovações que estavam ligadas à própria dinâmica da luta

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social no Brasil. Uma dessas inovações está ligada à ideia de controle social, da participação popular [...] (n.º 8 - Francisco Gonçalves da Conceição).

No segundo modelo apontado, o liberal, foi destacado pelos

respondentes apenas duas características, a representação política e o

governo da maioria.

No Maranhão, não há uma luta constante de representação de renovação de quadro, os novos não querem saber: “política não é do meu interesse”. Termina sendo uma coisa interessante, quem não gosta de política vai ser governado por quem gosta, e muitas vezes este nem preparado para o exercício do mandato está. Não adianta ele não gostar, o outro vai e gosta, e política não tem espaço vazio. (n.º 09 - Remi Ribeiro Oliveira).

O Brasil sempre viveu uma democracia sem povo, nós temos um jogo de elites subsistindo durante os séculos, e onde isso foi posto em xeque de maneira mais, digamos assim, de maneira mais real foi na Constituinte de 1986. (n.º 12 - Luís Pedro de Oliveira).

Quanto ao modelo participativo, apenas um dos respondentes desse

segmento fez referência a uma única característica do entendimento de

democracia, que foi o controle social por meio de conferências, conselhos,

ouvidorias, mesas de diálogos.

Essa Constituinte foi que permitiu que a gente tivesse os governos populares, os governos de centro-esquerda do Lula e da Dilma, foi uma consequência direta disso, de você ter ampliado os espaços democráticos no país, criação dos conselhos, e a própria, vamos dizer assim, entrada de setores mais à esquerda no panorama nacional de forma mais efetiva. (n.º 12 - Luís Pedro de Oliveira).

Por tal análise, a democracia participativa demonstra sua fragilidade. E

mesmo no modelo da democracia liberal, podem-se enumerar, corroborando

com Rancière (p. 92), as regras que definem o mínimo necessário para um

sistema representativo se declarar democrático: mandatos eleitorais curtos, e

não acumuláveis, não renováveis; monopólio dos representantes sobre a

elaboração da leis; proibição de que funcionários do Estado representem o

povo; redução mínima de campanha e gastos com campanha e controle da

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ingerência das potências econômicas nos processos eleitorais, tudo que

inexiste em regiões oligárquicas.

Conclui-se que, na percepção dos políticos, a categoria de democracia

foi também marcadamente identificada com as características da democracia

liberal-representativa e elitista; e a democracia participativa perde força, já que

“povo” é somente convocado, ou lembrado no período sistema eleitoral. Alguns

chegam a afirmar ser a democracia representativa “boa” e estando em pleno

funcionamento: “Acho que a democracia no Brasil tem funcionando bem, e tem

provado isso, tem instituições fortes e tem conseguido passar por crises

enormes nestes tempos, mantendo a liberdade, mantendo o Congresso aberto,

funcionando livremente”. (n.º 5 - José Reinaldo Tavares), e outros que ela está

em crise, apresentando fragilidade: “A democracia é o regime em que se

trabalha, por todos, para todos. A democracia brasileira é falha, e precisa de

reformas urgentes, mas é brasileira, quero dizer, vale para todo o País” (n.º 2-

José Sarney). Fica descrita de quanto é limitada, passiva de muitos

questionamentos, portanto, não surgindo muita novidade, nada diferente do

que a Ciência Política e as bibliografias já citadas na tese apontaram.

Ao se buscar responder à seguinte pergunta: há alguma diferença da

percepção dos agentes de movimentos sociais em relação da percepção dos

agentes políticos sobre o modelo de democracia? Isso não se constatou. As

várias interpretações foram muito convergentes, esperou-se por parte dos

sujeitos dos movimentos sociais uma associação ao menos no plano teórico

com as características da democracia participativa, o que não se identificou.

Conforme os fragmentos das falas mais proferidas: “elite”, “dirigente”, “político”

“classe dominante” e “poder dos políticos”.

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5.3 O papel dos movimentos sociais na luta por democracia e

participação popular158.

Processos de lutas de resistências ocorreram no estado com breve

duração, e foram marcantes. Trazem-se aqui algumas dessas lutas: a greve

dos professores da rede estadual de educação (2007) e a resistência contra a

cassação do mandato de Jackson Lago (2009), são lutas políticas contra

governos, considerados de esquerda ou de direita que, ao conquistarem o

poder, investem contra a classe trabalhadora e os movimentos sociais. Nas

pautas difusas, e às vezes contraditórias desses respectivos movimentos,

estavam: a luta contra fraude eleitoral em governos de coronéis oligárquicos; a

luta contra a Lei do “Subsídio”, que reduzia o salário dos professores do Estado

e a resistência contra o golpe político-judicial.

Em 2007, o movimento que pode se considerar importante, foi a greve

dos professores de rede estadual de ensino, contra a proposta de subsídio,

deflagrada, logo nos primeiros meses do governo Lago, iniciada no mês de

abril (2007) e findando somente no mês de agosto do mesmo ano. Quem

descreve em entrevista para a tese é um dos líderes desse movimento,

professor Marcelo Pinto159:

[...] A greve iniciou-se em abril e terminou em agosto de 2007, quando nós tivemos a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação de Direta de Inconstitucionalidade (ADIN)160 e que foi apresentado pelo partido PMDB-MA, na época. A greve foi deflagrada por causa de uma lei que foi encaminhada pelo governo de Jackson Lago, que foi classificada como “Lei do Cão”, por alguns órgãos da imprensa. Era a chamada “Lei do Subsídio”, que transformava todos os rendimentos dos servidores públicos estaduais que se dava por vencimento em subsídio, com base no artigo 37 da Constituição Federal [...]. O subsídio foi criado para estabelecer rendimentos para os

158

Em vários estados brasileiros, aconteceram as manifestações de junho de 2013, deflagrada depois que o governador Geraldo Alckmin (SP) aumentou R$ 0,20 (vinte centavos) na tarifa do transporte no Estado. 159

Entrevista concedida, no dia 6 de julho de 2017, no seu apartamento, em São Luís (MA). Formando em História (UFMA), é professor da rede estadual de Educação do Maranhão, militante do movimento de defesa da educação pública e de qualidade, foi filiado ao PT, atualmente sem filiação partidária. 160

ADIN só pode ser usada em casos de inconstitucionalidade, ou seja, quando uma lei vai contra o que está disposto pela Constituição.

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chamados cargos de Estado. Quem seria atingido? Os rendimentos seriam para aquelas pessoas que já recebiam salários considerados altos, em relação ao salário mínimo, por exemplo: Secretários, Procuradores, Juízes; por quê? O que acontecia, muitas vezes, é que os juízes dos tribunais tinham os seus salários e ficavam criando e incorporando várias gratificações, e se aposentavam com rendimentos de R$ 200.000 e R$ 250.000 mil reais, e o seu salário era R$ 25,000 mil reais, mas eles iam ao longo dos anos criando várias gratificações e incorporando na aposentaria, e aí se aposentavam e passavam a receber R$ 200.000, isso em decorrências das gratificações. Então esse subsídio passou a existir para que essas gratificações não pudessem ser criadas. E esses cargos que tinham rendimentos muito altos, passaram a ser pagos com o subsídio, de acordo o artigo da CF 37, que não permitia nenhum tipo de gratificação. Só que o Governo do Estado tentou fazer isso para aquelas pessoas que ganhavam rendimentos muito baixos, como é o caso dos professores [...] Isso prejudicou milhares de servidores. Mas a categoria que estava mais mobilizada e já tinha um senso de organização era a categoria dos professores, tanto os professores e os trabalhadores da UEMA, quanto os professores da rede estadual de educação, e aí nós entramos em greve. [...] Começou no mês de abril e durou por 110 dias. Ela se findou com o PMDB encaminhando uma ação direta de inconstitucionalidade, ao Supremo Tribunal Federal (STF), provavelmente com a influência do Sarney, considerando a lei inconstitucional [...], somente partidos políticos é que podem entrar com ação de inconstitucionalidade, então o PMDB na época entrou com essa ação direta de inconstitucionalidade, e o relator da ação foi ministro Eros Grau161[...]. Ele acatou preliminarmente e enviou para ser julgado no pleno do STF. A liminar ia suspender os efeitos da lei, e, diga-se de passagem, só vai teve um voto contra, que foi do ministro Marco Aurélio de Melo. Quase por unanimidade ela foi considerada inconstitucional, provavelmente o Sarney, a turma do Sarney fez com que essa lei fosse pautada com a celeridade necessária para que fosse julgada pelo STF [...]162.

Agora o movimento chamado de “Balaiada no século XXI”, nome

alusivo ao movimento de resistência contra a escravidão, ocorrido no

Maranhão, no século XIX, e que teve como um dos líderes o escravo Bento

Cosme, “negro Cosme”. Ocorreu no mês de abril de 2009, e seu objetivo foi

montar um acampamento de resistência em frente ao Palácio do Governo, em

São Luís (MA), que mobilizasse a sociedade maranhense e os movimentos

161

Ministro do STF, e foi relator do processo de cassação do governador Jackson Lago, e era considerado amigo da família Sarney. 162

Coordenação da greve: Marcelo Pinto (MRP) Nivaldo Pereira (CUT), Paulo Rios (UEMA), Saturnino Raposa (UEMA), Odair José (SIMPROESSAMA), Luís Carlos Noleto (SINDSALES), representante da ASSUMA-UEMA.

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sociais antioligarquia, em favor da defesa da democracia e do mandato do

governador Jackson Lago, e contra a cassação, e contou com o apoio orgânico

do respeitado Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), representado

nas pessoas do seu líder nacional principal, o João Pedro Stedille, e local

Jonas Borges, Elias, Zaira e de outros movimentos sociais importantes, como

União por Moradia Popular, com seus dirigentes Creuzamar de Pinho1, Carlitos

Reis1, Janete Batista, Maria Serrão, José de Ribamar; da Federação dos

Trabalhadores da Agricultura do Maranhão (FETAEMA), uma das entidades de

maior representação do campo e na defesa da reforma agrária maranhense, o

seu presidente Domingos Paz163, que participou da luta de resistência, Valdinar

Barros, da FETAEMA, que fora eleito deputado estadual pelo PT da cidade de

Imperatriz (MA), e atuou como líder do governo de Jackson na Assembleia; o

movimento de mídias alternativas, o Jornal Vias de Fatos, dirigido pelo

jornalista Emílio Azevedo, Altemar, e alguns poucos secretários de governo,

com filiação no PT164, PDT165, PSB e PCdoB. Bem poucos deputados166 da

base do governo acreditaram no movimento. Na época, Jackson contava com a

maioria dos deputados da Assembleia em sua base de apoio. Contudo outros

movimentos sociais considerados representativos no estado decidiram por não

participar da resistência contra a cassação: a Central Única dos Trabalhadores

(CUT-MA). Aqui se observa mais contradição167 desse período da história, foi

163

Eleito deputado estadual, em 2006, pelo PSB-MA, depois foi convidado pelo governador Jackson Lago (PDT) a assumir a Secretaria de Estado da Agricultura, portanto afastando-se do mandato de deputado e da direção da entidade (FETAEMA), e quem assumiu o posto foi Francisco Salles. 164

Teresinha Fernandes (Secretária-Adjunta de Trabalho e Economia Solidária); Franklin Douglas (Secretário-Adjunto de Trabalho e Economia Solidária), Sílvio Sérgio Ferreira Pinheiro (Secretário-Adjunto de Igualdade Racial); Márcio Batalha Jardim (Secretário-Adjunto de Juventude); Ricardo Ferro (Secretário de Minas e Energias); Lamartine Serra (Secretário-Adjunto de Minas e Energias); João Batista Ribeiro Filho (Secretário de Cultura); Maria Mary Ferreira (Secretária Adjunta de Cultura). 165

Weverton Rocha (Secretário de Juventude); João Francisco dos Santos (Secretário de Igualdade Racial). 166

Domingos Dutra (deputado federal pelo PT-MA); Julião Amim (deputado federal pelo PDT-MA); Flávio Dino (deputado federal do PCdoB). 167

Florestan Fernando (1987, p.161), “... a modernização e a democratização como meros expedientes de privilegiamento de seus interesses e do seu destino social. De uma ponta a outra, jamais almejaram sequer a revolução dentro da ordem social competitiva, porque sempre se mantiveram medularmente presos ao antigo regime, embora combatendo-o em sua ordenação e na sua superfície. Ficaram entregues a uma obscura missão histórica, de fiadores da perpetuação crônica do “poder conservador” e dos privilégios estamentais mais odiosos, que sobreviveram ao desaparecimento histórico tanto da sociedade colonial quando da sociedade imperial”.

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quando o grupo da oligarquia Sarney percebeu e avaliou que teria que

hipotecar apoio ao movimento grevista, já que este poderia fragilizar o mandato

do governador de Jackson Lago, o que de fato contribuiu para desgastá-lo

junto à sociedade, e, assim, aumentaram as possibilidades de o processo de

cassação, já em curso, ser aceito e aprovado pela justiça eleitoral, o que

acabou acontecendo.

Para alguns, o movimento “Balaiada”, no século XXI, foi um movimento

patético; para outros, muito fraco: isso por não contar com um apoio massivo

da sociedade, e de outros movimentos sociais do estado. Mas, para os líderes,

foi um movimento necessário, porque, naquela conjuntura, o inimigo principal

ainda era o grupo da oligarquia. Para críticos daquela ocasião, foi apontado

como causa, a baixa participação da sociedade, ou da sociedade civil (no

sentido dado por Gramsci), e certo desgaste do governo naquela conjuntura,

isso antes mesmo do processo de cassação do mandato do governador.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa efetuou uma revisão da literatura, tendo avançado no

estudo sobre a democracia, ao constatar a existência de uma nova concepção

que vigora no século XXI, configurada como “Democracia dos Políticos”

(relacionada com a concepção liberal-representativa e elitista) ou, como o

próprio Saes (1993) descreveu, como a “Democracia burguesa” ou “República

do Capital”.

Também se adotou uma pesquisa de campo, com aplicação de

entrevistas com intelectuais, políticos e integrantes dos movimentos sociais,

que foram, posteriormente, objeto de meta-análise. Extraiu-se uma síntese do

pensamento exteriorizado pelos entrevistados, por contraste e relacionamento,

tendo sido verificada a predominância da concepção democrático-elitista —

tese defendida Joseph Schumpeter.

Este trabalho contribuiu ao apresentar uma perspectiva de ruptura com

modelos e práticas oligárquicas, da cultura política de base familiar e de

parentela, tendo em vista que a literatura existente não aborda como essas

categorias influenciam ou não a democracia.

Evidenciou-se que o Maranhão está atrelado, como estado dependente

em sua formação socioeconômica e sociopolítica, a modelos de mandonismo

local, oligárquico, familiar e do patrimonialismo, com forte marcador autoritário,

típico de regiões tradicionais.

Investigou-se a força e longevidade de José Sarney168 —

ultrapassados mais de 50 anos da sua posse no cargo de Governador do

168

Conquistou o governo do Maranhão aos 35 anos de idade, nas eleições de outubro de 1965, recebendo votação inédita na história do Estado: 121.062 votos, o dobro do segundo colocado, Antônio Eusébio da Costa Rodrigues, candidato do PDC. Assumiu em janeiro de 1966 seu primeiro cargo executivo. Por decisão do novo governador, a festa foi transferida do Palácio dos Leões para a Praça Pedro II. Uma multidão entusiasmada o acompanhou. Disponível em: <http://www.josesarney.org/o-politico/governador-do-maranhao/posse/>. Acesso em: 18 de set. 2017.

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Maranhão (1966)169 —, bem como que não vingaram as suas promessas de

MARANHÃO NOVO e de modernização. Constatou-se, também, que não nem

se efetivou, ao longo do tempo, o combate às desigualdades e à corrupção – o

que se tornou mera retórica e discurso de marketing, difundido com muita

ênfase e competência, eis que a situação de miséria do povo no Maranhão

continuou crescente.

Resgatou-se a trajetória de Sarney, até alçar o voo mais alto do poder,

quando assumiu a Presidência da República com a morte de Tancredo Neves,

e o Maranhão, contudo, continuou estacionado no atraso. Sarney, com

ascensão aos altos cargos da burocracia, nunca foi adversário de nenhum dos

Presidentes da República do Brasil, do período de 1966 a 2018 (agora aliado

do governo de Michel Temer). Só há um registro histórico de divergência

pontual, mas que só aconteceu no segundo mandato de Fernando Henrique

Cardoso (1999 a 2002), em decorrência da “Operação Lunus”, e impôs que seu

grupo rompesse com FHC, José Serra e PSDB, passando a fazer “oposição”

naquele período.

Analisou-se, ainda, que o Maranhão pós-oligarquias, mesmo com a

eleição de governos identificados como de oposição ou progressista, não tem

demonstrado o cenário consequente de mudança estrutural. O estado, de

acordo com dados do IBGE (2017), tem a menor renda per capita (valor

R$ 524,00), o que exibe os piores indicadores sociais do país. Leva-se em

conta, entretanto, que o grupo Sarney ficou por um curto tempo fora do poder

no estado: somente durante a intercepção do Governador José Reinaldo, em

2004, quando rompeu com grupo da oligarquia, e depois, com a ascensão de

Jackson Lago (2007-2009), e no momento presente, com a eleição do

governador Flávio Dino (2015-2018).

Com a derrota na eleição, em 2006, iniciava-se o processo de transição

do pós-Sarney; para alguns analistas, inexistente. Contudo há de considerar-se

que a eleição de Jackson Lago (PDT) pode ser registrada como um fato

169

Registro gravado como filme-documentário pelo cineasta Glauber Rocha, chamado: Maranhão 66.

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histórico, em função de ser a primeira derrota, no século XXI, do grupo da

oligarquia. Após a cassação de Lago (2009), veio a nova eleição, em 2010, que

foi vencida em primeiro turno, por 50,07% dos votos válidos, pela filha de José

Sarney. E na eleição seguinte, em 2014, evidenciou-se o maior desgaste da

oligarquia, com um sentimento por mudança por parte da sociedade local,

situação que já estava embalada desde a cassação de Lago. A oligarquia

venceu sucessivos pleitos, mas, utilizando-se do poder da máquina política

governamental e muito dinheiro, até com suspeita de fraudes nos processos

das disputas eleitorais. Porém depois usou os mesmos argumentos de “abuso

de poder econômico e político” para cassar mandatos de opositores, uma

habilidade reconhecida do grupo oligárquico.

Descreveu-se como se forjou e se consolidou a contradição da aliança

de Lula e Sarney para o pacto de coalizão da governabilidade, a partir de 2002.

Apontou-se o movimento de resistência da seção do PT maranhense, quando

militantes, fundadores e dirigentes históricos do petismo regional, que agudizou

os conflitos políticos que se acirraram na disputa interna partidária em função

da contradição da aliança de Lula com a oligarquia. Isso gerou sucessivos

embaraços para uma convivência tranquila e harmoniosa por parte de

dirigentes que se tornaram subordinados ao grupo oligárquico no plano

estadual, contando, sempre, com anuência consentida de Luís Inácio Lula da

Silva.

Todavia, apesar das contradições, é a região Nordeste o lugar onde o

lulismo continua exibindo sua principal força político-eleitoral. E o Maranhão é

um dos estados fundamentais, bastando observar o resultado eleitoral (fonte:

TSE) das eleições170 nos anos de 2002171, 2006172, 2010173 e 2014174, quando

se constata a alta votação de Lula e Dilma, candidatos petistas ao governo

central. Porém tais votos foram oriundos muito mais da base eleitoral do grupo

Sarney e menos de setores progressista ou de esquerda, ou mesmo do

170

Em todas essas eleições Lula hipotecou apoio as candidaturas do grupo oligárquico no Maranhão. E outra questão não menos importante, Lula e a direção nacional do PT não fizeram autocritica pública por ter se aliado com a oligarquia. E o PT junto com Lula tergiversou na questão da ética. Ver. Vásquez, A. S. Ética. 1995, pp.12-13. 171

Segundo turno: Lula: 1.229.559 (58,49%); Serra: 872.880 (41,52%). 172

Segundo turno: Lula: 2.228.520 (84,63%); Alckmin: 414.108 (15.37%). 173

Segundo turno: Dilma: 2.294.146 (79,09%); Serra: 606.449 (20,91%). 174

Segundo turno: Dilma: 2.475.762 (78,76%); Aécio: 667.517 (21,24%).

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petismo que nunca obtivera muitos votos, como se pode observar nos

resultados eleitorais de 2002 dos candidatos (ver descrição).

Nesse sentido, e em uma perspectiva de futuro, aponta-se que um

provável cenário de retorno do grupo oligárquico ao governo do Estado pode

significar uma regressão política, em tempos de fragilidades das democracias

representativas e a captura do Estado por empresas e a oligarquia longeva. Há

de se entender que, segundo Wanderley dos Santos, o que gradua

minimamente a democracia representativa é a alternância de gestão

governamental. Todavia, ao defender rupturas com modelos oligárquicos e lutar

pela defesa de instalação de práticas republicanas, combate ao

patrimonialismo, o autoritarismo e o clientelismo difuso, não deixa de ser uma

tese consequente e que poderá permitir certo avanço da democracia que se

almeja.

E, nesta tese, defende-se que a Democracia dos Políticos é a que

passa a ter maior protagonismo na conjuntura, em acordo e/ou associada com

a democracia representativa ou a democracia do capital. E o povo, nesse caso,

é massa de manobra, ralé, personagem figurante, às vezes espectador

desinteressado e desiludido pela política e pelos políticos profissionais, só

comparecendo no dia da eleição para votar e legitimar o processo eleitoral. E

nesse caso, Rousseau tinha certa razão: “nunca existiu verdadeira democracia,

nem jamais existirá. É contra a ordem natural que a maioria governe e que a

minoria seja governada” (ROUSSEAU, 2010, p.81).

Esta tese aborda questões de forma a contribuir para a erradicação

desse modelo, focando numa democracia com o alargamento do demos, não

da “Democracia dos Políticos”, das elites, mas na perspectiva de uma

transformação, eis que a mudança estrutural faz-se necessária em região

periférica. Com efeito, a condição de um povo com baixa consciência,

acorrentado por sua dependência, pela assimetria étnico-racial, por falta de

recursos intelectuais, culturais e materiais, causada pelo baixo nível

educacional e de renda do trabalho, que se mantém excluído e na base da

pirâmide social, é o retrato das desigualdades da sociedade maranhense

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contemporânea, com um cenário ainda sofrível de alteração.

No presente estudo, efetivou-se uma análise na área das Ciências

Sociais, centrada na Ciência Política, na Sociologia e na História, de uma

realidade concreta e contemporânea, de tal modo a suscitar novas discussões,

novas interpretações e redefinições do futuro.

Toda essa reflexão caminhou no sentido de contribuir e colocar as

ideias no lugar, quando se tratar de entender a realidade política concreta do

Maranhão contemporâneo. Com isso, não se quer afirmar que a cultura

política de base familiar e de parentela e do coronelismo será erradicada, visto

que tal modelo está estruturado nas formações periféricas e dependentes.

Afinal, as disputas ainda presentes com muita força pela posse da terra por

parte dos trabalhadores rurais e a competição eleitoral pelo voto, sempre se

deram entre famílias.

Por fim, a crítica da contraditória aliança de Lula com Sarney foi

registrada na defesa da superação da condição oligárquica. Com efeito, ela é

uma das causas do atraso maranhense e uma questão que pode determinar

uma condição socioeconômica mais positiva e menos excludente, formando

consciências, como nos ensinou Marx (1976)175, fazendo a travessia da “classe

em si”; para a “classe para si mesmo”. E em sistema de produção capitalista,

defender uma democracia com maior intensidade se faz necessário

(Boaventura, 2016), com perspectivas de superação de práticas atrasadas e

arcaicas, que muitas vezes podem se confundir com “moderna”. Nos termos

de Gramsci, deve-se pensar a “grande política”, aquela que assume como

horizonte “a fundação de um novo Estado” contra a pequena política, que reduz

os conflitos às escaramuças parlamentares e às lutas pelo predomínio “no

interior de uma estrutura já estabelecida”.

A Democracia dos Políticos tornou-se hegemônica quando Lula e o PT

privilegiaram os acordos com as oligarquias políticas e grandes empresários,

175

Ver Mark, K. Miséria da Filosofia. Porto: Publicações Escorpião, 1976.

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renunciando a toda sua estratégia de transformação aliado aos movimentos

sociais, neste caso, pensando mais na pequena política, e não na grande

política.

Conclui-se que nada mais justifica uma família dominar por tanto tempo

um estado pobre do Brasil, ainda mais no século XXI. Ademais, a velha

polarização oligarquia e democracia necessita ser erradicada.

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Jornal O Estado Maranhão. 20/05/1989. p. A8

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Jornal Folha de São Paulo.

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ANEXOS

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Anexo I QUESTIONÁRIO

176 DA ENTREVISTA DA PESQUISA DE CAMPO

Nome do/a entrevistado/a Formação: Instituição e/ou entidade: Data:

1. Como contextualiza a realidade socioeconômica do estado do

Maranhão, considerando o enfoque nacional e da região Nordeste?

2. Analistas do campo acadêmico, da política, de movimentos sociais e de

parte do cotidiano da mídia consideram que a família Sarney é uma oligarquia.

O que acha disso?

3. O que representou e/ou ainda representa a liderança da família Sarney

no plano estadual e nacional; e o que explica a sua força e longevidade na

atuação política?

4. E qual o papel dos estados ricos em relação aos interesses do

Maranhão?

5. O Brasil é uma nação que vive sob o signo da Democracia.

Considerando ser essa categoria passível de várias interpretações, qual

importância da democracia e como você descreveria o modelo de Democracia

instalada no Maranhão? O que contribui para essa condição?

PERÍODO DE 2002-2016

6. Fale sobre a eleição do PT tendo Lula como candidato a Presidente da

República em 2002, e a declaração de apoio de José Sarney ao candidato

operário?

7. Considerado o primeiro governador no século XXI eleito por via direta

sem aliança com o grupo Sarney, considerando que o ex-governador José

Reinaldo que fora eleito em 2002 com o apoio de Sarney, mas rompeu em

2004, apoiando a eleição de Jackson Lago, em 2006, o que representou a

eleição de Jackson Lago?

8. Em 2009, o governador Jackson Lago (PDT-MA) teve seu mandato

cassado ― em 17/04/2009 pelo TSE ― e quem o sucedeu foi à candidata

Roseana Sarney (PMDB/MA) que havia perdido a eleição. Fale um pouco

desse momento. Foi golpe?

176

Aplicado a José Sarney.

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9. O que dizer da eleição de Flávio Dino (PCdoB/MA) para o governo do

Maranhão, em 2014, novo personagem na cena político-eleitoral do Maranhão

e oposição ao grupo Sarney? .

10. Comente o impeachment da Presidente Dilma (PT) — aprovado na

Câmara em 17/04/2016 e no Senado em 31/08/2016 ― e a posse do seu vice-

presidente Michel Temer (PMDB/SP). Foi golpe?

11. O que você espera do futuro do Maranhão em uma perspectiva

socioeconômica, já que a ainda é um estado pobre com grandes

desigualdades?

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Anexo II

RELAÇÃO DE ENTREVISTADOS/AS PARA A PESQUISA DE CAMPO

ID NOME FORMAÇÃO DATA DA ENTREVISTA

1. Flávio Reis Intelectual-Pesquisador

Obs.: Entrevista enviada por e-mail.

Historiador e Cientista Político. Professor (UFMA)

24/05/2016

2. Joan Gabriel Botelho Político

Historiador. Professor (IFMA). Foi Presidente PT de São Luís (MA), ex-vereador de São Luís (1997-2000).

10/06/2016

3. Luís Antônio Câmara Pedrosa

Movimento Social

Advogado/SMDDH/OAB (PSOL)

09/01/2017

4. Benedito Buzar Político

Jornalista, ex-dep. Estadual (cassado por ato administrativo no período da ditadura), Presidente da Academia Maranhense de Letras.

17/01/2017

5. Josemar Pinheiro Movimento Social

Advogado, Jornalista. Militante Comitê de Defesa da Ilha (PDT).

18/01/2017

6. Haroldo Saboia Político

Economista, Advogado. Foi deputado, MDB, ex-filiado do PT, e agora está ao PSOL.

14/01/2017

7. Emílio Azevedo Movimento Social

Jornalista. Foi Secretário-Adjunto do Governo Jackson Lago. Coordenador do Jornal Via de Fatos. Foi filiado ao PCB

24/01/2017

8. José Reinaldo Tavares Político

Engenheiro, Ex-secretário, ex-ministro, Ex-Governador do Maranhão. (PSB)

24/01/2017

9. Manoel de Jesus Barros Martins

Intelectual-Pesquisador

Historiador. Professor da UFMA 25/01/2017

10. Alfredo Berne Wagner de Almeida

Intelectual-Pesquisador

Antropólogo e Pesquisador da Universidade Estadual da Amazônia. (UEA) e Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

28/01/2017

11. José Polícarpo Costa Neto Movimento Social

Engenheiro Agrônomo e Economista. Foi fundador do PDT ao lado de Neiva Moreira, do ex-governador Jackson Lago. Professor aposentando da UFMA

01/02/2017

12. Francisco Gonçalves da Conceição

Político

Jornalista. Coordenador-geral da campanha de Lula no Maranhão (1989), Dirigente do PT-MA, Professor da UFMA. É Secretário de Estado de Direitos Humanos do Maranhão (Governo Flávio Dino)

07/02/2017

13. Marcos Antônio Silva do Nascimento

Movimento Social

Graduado em História e Serviço Social. Sindicalista, foi fundador, ex-dirigente do PSTU.

05/01/2017

14. Eliezer Moreira Político

Advogado, integrou a equipe do Governo Sarney (PMDB).

09/02/2017

15. Carlos Saturnino Moreira Filho

Movimento Social

Economista. Professor (UEMA) e Sindicalista. Foi candidato a governador em 2006 (PSOL).

11/02/2017

16. Maria Mary Ferreira Intelectual-Pesquisadora

Doutora em Sociologia Professora (UFMA) Movimento do Grupo de Mulheres da Ilha (PT).

13/02/2017

17. Jonas Borges Movimento Social

Geógrafo. Coordenador do MST/MA. 15/02/2017

18. Noé Rodrigues Maciel Assentado da Reforma Agrária. Coordenador 15/02/2017

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Movimento Social do MST/MA

19. Maria Alzerina C. Monteles Movimento Social

Pedagoga. Coordenadora do MST/MA 15/02/2017

20. Joaquim Washington Luís Político

Historiador. Foi filiado ao PCdoB, e ex-presidente do PP, fundador e ex-presidente do Sindicado dos Servidores Público de Federal do Maranhão (SINDSEP). Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão.

16/02/2017

21. Beatriz Bissio Intelectual-Pesquisadora

Obs.: Entrevista enviada por e-mail

Jornalista. Professora Doutora de Ciência Política (UFRJ). Editora do Caderno do Terceiro Mundo com o ex-deputado Neiva Moreira.

25/02/2017

22. João Pedro Stédile Movimento Social

Obs.: Entrevista enviada por e-mail

Economista. Dirigente Nacional do MST 25/02/2017

23. Francisco Domingos Dutra Filho

Político

Advogado. Ex-presidente do PT-MA, ex-dep. Estadual e Federal. É prefeito do município de Paço do Lumiar (MA), filiado ao PCdoB.

01/03/2017

24. Raimundo Nonato Palhano Intelectual-Pesquisadora

Economista, Mestre e professor aposentado (UFMA), e ex-assessor do governo Jackson Lago.

14/03/2017

25. Raimundo França Dutra Movimento Social

Contador. Sindicalista e 1.º Presidente da CUT-MA, dirigente do PT.

17/03/2017

26. Joaquim Alves de Sousa Movimento Social

Foi militante deste o ano de 1978 das CEBs, foi fundador do PT ao lado de Manoel da Conceição (1986) no estado, é sindicalista da CUT, do movimento dos trabalhadores rurais, e atualmente dirigente da FETAEMA e União das Cooperativas da Agricultura Familiar-UNICAF.

03/04/2017

27. Ângela Maria de S. Silva Movimento Social

Administradora. Dirigente da FETAEMA 03/04/2017

28. Maria de Jesus Ferreira Brigel Movimento Social

Dirigente do Movimento de Quebradeiras de Coco do Maranhão (MQCB).

11/04/2017

29. Remi Ribeiro Oliveira Político

Economista. Presidente em exercício do PMDB-MA.

25/04/2017

30. João Maria Van Damme Movimento Social

Teólogo. Padre da CNBB e dirigente da ASP. 14/05/2017

31. Aderson de Carvalho Lago Filho

Político

Engenheiro. Ex-deputado estadual (PSDB). Foi candidato a Governador em 2006. Secretário-Chefe da Casa Civil do governo Jackson Lago.

14/06/2017

32. Marcelo Pinto Movimento Social

Historiador. Professor, militante na área de Educação, iniciou sua militância no movimento estudantil, foi filiado ao PT.

06/07/2017

33. Edson Carvalho Vidigal Político

Advogado. Integrou a equipe do Governo Sarney, foi candidato a Governador em 2006 (PSB). Ex-presidente do Tribunal de Justiça.

09/07/2017

34. José de Ribamar Sarney Político

Advogado. Político, escritor, ex-deputado federal, Ex-governador, Ex-Senador, Ex-Presidente da República. Integra a Academia Brasileira de Letras e a Maranhense, filiado ao PMDB.

13/07/2017

35. Luís Pedro de Oliveira e Silva Político

Jornalista, ex-deputado estadual, integrou a equipe do governo Jackson Lago (2007-2009), atualmente é Diretor-Adjunto de Comunicação da Assembleia Legislativa. Filiado ao PCdoB, PDT e agora é filiado do PT.

20/07/2017

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Anexo III

QUADRO A – Percepção dos movimentos sociais sobre a categoria oligarquia.

ID Pergunta: analistas do campo acadêmico, da política, de movimentos sociais e de parte do cotidiano da mídia considera que a família Sarney é uma oligarquia. O que você acha?

1. Entrevistado: João Pedro Stédile

(Economista pela (PUC-RS), é dirigente nacional do MST).

A família Sarney não é uma oligarquia no sentido clássico do conceito sociológico daquelas famílias que foram acumulando terras ao longo do período colonial, e exerciam seu poder político local, por meio do controle das terras e da produção, cobrando renda da terra dos camponeses. Essa é a oligarquia rural clássica em toda a América Latina. A riqueza da família e seu poder político [...] veio da esperteza e do servilismo à ditadura militar-empresarial, que fez com que a família se apropriasse do poder político na gestão do Estado no Maranhão e se transformasse numa das famílias mais ricas advindas desse vínculo com a gestão do Estado. O passo seguinte foi a habilidade da família de perceber que o controle dos meios de comunicação lhes daria um imenso poder político, no controle e na manipulação da opinião das massas, e como forma de enriquecimento. A rigor, a família Sarney, no conceito do Marx, mais que oligarquia rural, poderia ser classificada como uma lumpemburguesia que enriqueceu se aproveitando do poder político e das tetas do poder público. Uma das demonstrações mais visíveis desse comportamento lumpen da família em tratar da “coisa pública”, foi como historicamente se utilizaram do nome da família, para designar logradouros públicos. Dois exemplos patéticos e emblemáticos: o governo Roseana Sarney inaugurou um novo prédio para o TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL, que deveria fiscalizá-la, e colocaram justamente seu nome. E outro é o caso de um colégio público no interior do estado que leva o nome de uma bisneta do patriarca.

2. Entrevistado: Josemar Pinheiro (Advogado, jornalista. Integrou o Comitê de Defesa da Ilha e militante do PDT).

As características de oligarquia, que seria o mando de uma família sobre determinado estado, é uma indagação, porque o maior representante, que é José Sarney, se orgulha que foi suplente de deputado, de ter sido deputado federal, foi governador em 65, se elegeu senador por vários mandatos aqui e no Amapá. Então, do ponto de vista de que uma família que monopoliza o poder, o controle de dominação de poder que seria digamos, assim, por meio da coação, não caracteriza oligarquia. Mas, no sentido econômico, eu penso que sim, uma vez que, ao lado desse poder político, foi construído todo o poderio de natureza econômica, em que há, por exemplo, a inserção no setor de comunicações, rádio, televisão e jornal que todos nós conhecemos em todo o estado do Maranhão e várias rádios AM, FM..., uma política de mídia e também a inserção em vários setores, não diretamente, mas por meio de prepostos, como em supermercados, na área imobiliária, construtoras, incorporadoras, empresas prestadoras de serviço de fornecimento para o estado. Então, sob esse ponto de vista, você poderia caracterizar como uma oligarquia — não política, mas uma oligarquia econômica que se apodera do Estado, que patrimonializa o Estado mediante o comando político.

3. Entrevistado: Emílio Azevedo (Jornalista, militante de mídia alternativa, Jornal Vias de Fatos).

Apesar de ter tratado muito da questão do poder de Sarney no Maranhão, eu não sou exatamente um teórico para falar, teoricamente, de oligarquia. Agora se tem uma estrutura de poder montada para garantir, manter e ampliar privilégios, isso é evidente. Você tem uma minoria que controla a máquina pública, que mantém seus privilégios de diferentes formas, por meio de salários e também de corrupção. Você vê toda a economia do Maranhão, se você observar bem, quem é dono de universidade? [...] Quem é dono de hotel? Sempre gente que gravita em torno do poder de Sarney; uma minoria, gente que tem um mandato de deputado federal que tem uma construtora, sujeito que tem mandado de deputado federal que também tem um hotel, basta você dar um giro pelo bairro do Renascença, pela Ponta do Farol ou pela Península, e saber a origem do dinheiro-riqueza, que você vai ver que uma parte considerável passa pelo poder público, e esse poder público está associado a quem tinha poder. O Sarney, eu acho aqui também um equívoco nosso, quando a gente quer centralizar nele, como se ele fosse responsável por tudo, mas não é. Você tem uma elite que admite a presença desse coronelismo, que admitiu os Vitorinos Freires da vida, que admitiu os Sarneys da vida, e se curva a esse tipo de poder e fica ali debaixo daquele guarda-chuva, mamando, tentando, ora pegar uma teta, ora pegar uma migalha, esse é o comportamento da elite do estado que tem no poder sempre sua fonte maior para parasitar o dinheiro público.

4. Entrevistado: Luís Antônio Câmara Pedrosa (Advogado, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB por três mandatos consecutivos, militante

da SMDDH, onde iniciou sua formação política).

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Em primeiro lugar, um estado que, durante todo o seu período republicano conviveu com domínios oligárquicos, nós saímos de uma oligarquia do Vitorino Freire, e logo em seguida mergulhamos na oligarquia Sarney, que passou aí cerca de 50 anos funcionando, eu acho que a tessitura social do Maranhão passou a ser regulada por essa forma de gestão política e de coordenação administrativa do Estado [...]. Então, nós herdamos não só essa peculiaridade importante, resultante do processo de colonização, que já nos destaca no cenário nacional, primeiro, por esse ser um estado profundamente marcado pelas colônias escravistas, formação social escravista muito impregnada na nossa tessitura social, e por nós vivenciarmos um processo de desenvolvimento profundamente dependente do processo de colonização na área agrária, no mundo agrário. Então, nós temos um componente cultural, étnico que também nos demarca no Norte e no Nordeste, e também nós tivemos, vamos dizer assim, um período escravista muito forte que somente entrou em decadência em 1800, começo do século de 1800 [...].

5. Entrevistado: José Policarpo Costa Neto (É engenheiro Agrônomo. Foi um dos fundadores do PDT ao lado do ex-governador Jackson Lago, professor

aposentado da UFMA. Nasceu em Pinheiro (MA), foi presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Marista e depois se filiou à União Maranhense dos Estudantes Secundarista (UMES, à época presidida pelo ex-governador Luiz

Rocha), foi presidente da Associação dos Professores da UFMA - APRUMA).

É óbvio que é uma oligarquia. Só que é uma oligarquia que não se limita à família, não é uma oligarquia apenas familiar, é uma oligarquia na verdadeira acepção do termo “um governo de poucos”. O Sarney, muito inteligentemente, cooptou grande parte do resquício do vitorinismo, grandes coronéis do interior que apoiavam o vitorinismo. Ele chamou todos e continuou no mesmo ritmo que Vitorino usava aqui, fazendo política com as oligarquias. Na minha visão, criou-se até uma contradição, porque o Vitorino tocava com seus manobrados, ou manipulados, ele tocava o Estado sem a questão técnica. Sarney fez uma mudança, ele sempre colocou a questão técnica, por isso ele se cercou de técnicos, como Bandeira Tribuzi, competência inquestionável; tanto que Tribuzi era um homem de esquerda, sempre ligado a Maria Aragão, ao partido comunista. Mas então o Sarney manteve essa turma, mas, paralelamente, ele se aliou aos remanescentes do vitorinismo [...].

6. Entrevistado: Marcos Silva (Foi militante do PT, fundador e dirigente do PSTU. Formado em História e Serviço Social, Mestrando do

Programa em Desenvolvimento Regional - UEMA. Agora, sem filiação partidária).

No termo baseado nos ensinamentos de Aristóteles, o termo oligarquia cabe bem para a família. Por quê? Não é uma aristocracia (reúne os melhores, os mais qualificados) não é isso, é um grupo, que governa a partir de uma família e governa para os interesses de um pequeno grupo, não é uma tirania. E, se não é uma tirania nem uma aristocracia, então, o termo mais adequado é uma oligarquia, que é exatamente como diz Aristóteles, um pequeno grupo que se apropria do poder e começa a ter domínio sobre a vida das pessoas, sobre a economia e sobre a política. Também reafirmo que o termo mais adequado para caracterizar este grupo Sarney é oligarquia política, embora essa oligarquia esteja cambaleando, perdeu o poder do governo do Estado, tem ainda influências no Poder Judiciário, no Ministério Público, ainda existem alguns tipos de influência na economia. No entanto ela não está mais no controle do Estado, por isso está tentando retomar e vai lutar para retomar, porque, como é uma oligarquia e o que caracteriza mais uma oligarquia é aquele pensamento de perda, que o Estado é dela. Eles não se conformam vendo o povo substituir esse demônio, não aceitam, então eles vão continuar lutando, fazendo de tudo para retomar o controle do Estado, porque uma oligarquia não sobrevive sem dominar o Estado. Então reafirmo que o termo correto é oligarquia.

7. Entrevistado: Carlos Saturnino Moreira Filho (Estudou no Colégio Pedro II, em 1965, no RJ. É economista e formado em História, bancário aposentado e

professor aposentado da UEMA, sindicalista dos movimentos dos bancários e dos professores). Não tenho nenhuma dúvida, é uma oligarquia, sim, talvez não no sentido, vamos dizer assim, mais comum, que a gente associa oligarquia com proprietário rural, à democracia representativa, mas é um tipo de oligarquia. Eu vou usar um conceito aqui que é o tal do governo dos políticos. Depois que você elegem os caras, os caras que mandam, desmandam, fazem e acontecem, na melhor das hipóteses, tu vais trocá-los daqui a quatro anos, e vai trocar por outro cara do time dele mesmo, é um governo dos políticos, eles estão aí decidindo quem vai para o Supremo, quem vai presidir isso, quem vai presidir aquilo, etc., estão sempre se legitimando com o discurso de que: nós representamos a população, a até no choque com o judiciário, eventual, eles são eleitos [...]. Ou seja, na verdade, depois que tu eleges teu representante, é como se tu cedesses teu poder para ele, não está emprestando, ele é o dono do poder. É uma oligarquia em que sentido? É que nesse governo que eu chamei de governo dos políticos, Sarney foi capaz de construir o governo em torno da figura dele: ele, os filhos, os apaniguados. Mas por que foi possível fazer isso no Maranhão? Pela própria debilidade econômica do estado. É possível fazer uma coisa dessas parecida em SP? Não é possível. E por que não? São Paulo tem muitos interesses, vamos dizer assim, em jogo, o grau de dependência de SP ao governo federal em situação normal, é muito pequeno, lá tem o industrial que quer ser ouvido, e se faz ouvir, é o banqueiro que está lá e se faz ouvir, o cara das grandes companhias de serviços, telefônicas e outras que estão lá que se fazem ouvir. Aqui no

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Maranhão, não é assim, a nossa estrutura econômica de produção interna e quase nula [...]. Esses caras se constituem enquanto interesses, eles conseguem aglutinar enquanto força? Não conseguem. Então Sarney, a partir da história do lugar, a partir da cadeira de governador ele se constitui e se institui como o grande intermediário entre o poder local e o poder federal, porque essa mediação é importante; é porque, é só pegar os números, as finanças do Maranhão dependem em mais de 50% das transferências federais [...]

8. Entrevistado: João Maria Van Damme (Nasceu na Bélgica, é Padre com atuação desde 1970 no Maranhão, da CNBB e Associação de Saúde da

Periferia - ASP). Eu concordo com isso, a família Sarney é uma oligarquia. Só o fato de eles terem permanecido de 66 até hoje, porque nós temos ainda hoje gente da família dentro do governo, por exemplo, tem o ministro Sarney Filho [...]. Esse é um grupo que se forma em torno de um patriarca, que é o José Sarney. No seu estudo, você pode ver: durante esse período onde que a atuação de Sarney é impactante, no Estado do Maranhão? [...] Colocou João Castelo, o Luiz Rocha, Edison Lobão, são todos gente do seu clã, com divergências ou não, mas, eles saíram do grupo dele, o José Reinaldo, também saiu do grupo, brigou depois. Mas a gente percebe, então, que tem um núcleo que comanda aquilo que acontece historicamente, socialmente e politicamente no estado. Então, essa para mim já é uma definição clara que é uma oligarquia. Aliás, quando a gente avalia o Brasil, se diz “não, no Brasil, não se tem mais oligarquia, a não ser no Maranhão e na Bahia”. Eu acho que a gente tem que dar mais atenção a isso. Eu acho que o Brasil não é uma democracia, o Brasil é uma oligarquia, ou, se preferir, uma aristocracia, e agora está muito claro nos processos que estão acontecendo hoje, é uma casta de família, são famílias, é um grupo de famílias que não quer que tenha democracia no Brasil com participação de todas as camadas sociais, essa que é minha avaliação [...].

9. Entrevistado: Raimundo França Dutra (Do município de Caxias (MA), é sindicalista e o 1º Presidente da CUT-MA, militante do PT, já tendo exercido

várias funções de dirigente). A oligarquia Sarney teve uma característica, [...]. Eu não defendo a oligarquia viorinista, mas ele tinha outra concepção. A partir da existência da oligarquia Sarney para cá, os políticos se formam na universidade, e se tornam políticos, aí quando saem da política viram empresários porque roubaram o dinheiro público. Então, é essa concepção que reina até hoje. O que aconteceu, a partir da oligarquia, como ele ganhou com aquele discurso fácil contra o vitorinismo, até o meu companheiro Manoel da Conceição foi cabo eleitoral dele (Sarney). O companheiro Vicente Pereira [...], mais o João Gomes de Duque Bacelar (MA), candidato a senador naquele ano de 1986, foram os caras de esquerda com maior número de votos no Maranhão, foram cabos eleitorais de Sarney, que ele conseguiu enganar. Então, a questão da oligarquia Sarney passa a ser, no primeiro momento, a redenção do povo do Maranhão. Inclusive, ele foi único candidato a governador na época da ditadura militar que foi eleito pelo voto direto no estado, todos os outros foram nomeados pela ditatura. Para você ver a simbologia criada aqui com a questão da oligarquia, e que lhe deu folego, até eles arrebentaram com o Jackson Lago [...]. Mas vejamos o seguinte: a oligarquia Sarney, eles criaram um sistema de comunicação, mas a esquerda não deu tanta importância para essa coisa, e esse é o ressentimento que tenho da questão do governo do PT, que não criou as condições reais para que o próprio movimento social tivesse rádio de cunho nacional, porque ninguém consegue combater uma oligarquia, ou uma ideia com isca, com filipeta de papel [...]

10. Entrevistado: Joaquim Alves de Sousa (Joaquim das Mangabeiras) (Foi militante deste o ano de 1978 das CEBs, foi fundador do PT ao lado de Manoel da Conceição (1986) no estado, é sindicalista da CUT, do movimento dos trabalhadores rurais, e atualmente dirigente da FETAEMA e

União das Cooperativas da Agricultura Familiar-UNICAF).

De fato, Sarney é uma oligarquia ainda hoje. Nós só derrotamos a oligarquia em termo de voto, em termo de poder político. Mas continua o Sarney (oligarquia) comando o poder econômico aqui neste Estado. Ele nunca caiu, ele continua sendo o cara que mais articula a economia do Maranhão. Eu acho até que os primeiros momentos de Sarney tinha um indício de que você estava preste a discutir uma democracia, você tinha ali os movimentos sociais, as associações, as ligas camponesas toda junto com Sarney.

11. Entrevistada: Ângela Maria de Souza Silva (Agricultora familiar. Jovem sindicalista, ex-presidente da associação de mulheres de trabalhadores rurais.

Sindicalista de movimentos dos trabalhadores rurais, em 46 anos da entidade, foi a primeira mulher a exercer o cargo de Secretária de Finanças e Administração da FETAEMA).

Eu acho, assim, que, para nós, a palavra oligarquia está na cabeça de todo mundo, todo maranhense que não concorda. Por que a gente diz? Porque é um poder assim, que fica só de pai para filha, de filho para o neto, do avô para o neto, é para aquelas pessoas que eles acham que rezam na cartilha deles.

12. Entrevistada: Maria de Jesus Ferreira Bringel (Maria Dijé) (Moradora de uma comunidade quilombola, no município de São Luís Gonzaga (MA). Trabalhadora rural,

dirigente do Movimento Quebradeiras de Coco do Maranhão).

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Eu acho, assim, que, para nós, a palavra oligarquia está na cabeça de todo mundo, todo maranhense que não concorda. Por que a gente diz? Porque é um poder assim, que fica só de pai para filha, de filho para o neto, do avô para o neto, é para aquelas pessoas que eles acham que rezam na cartilha deles.

13. Entrevistado: Marcelo Pinto (Professor de História da Rede Estadual do Maranhão, militante na área da Educação, faz parte do Movimento de

Resistência dos Professores (MRP), que é um coletivo político que já vem discutindo a educação estadual há mais de vinte anos).

No conceito de oligarquia, o grupo Sarney, na verdade, se enquadra perfeitamente, agora a questão é entendermos que, para nós caracterizarmos o grupo Sarney e a atuação do grupo no Maranhão, nós temos que pensar essa atuação para além do conceito de oligarquia, apesar de nós entendermos que Sarney e o grupo ao qual ele pertence têm um vínculo oligárquico, e ele se enquadra no conceito oligárquico que caracteriza esse grupo; agora, ele não é suficiente para responder a toda representação que esse grupo tem no estado. O que existe, na verdade, é uma rede de poder no estado do Maranhão, e que ela se alimenta de uma série de relações, relações essas econômicas, relações políticas, em que o Estado é fundamental para nutrir essa rede de relação. Então, é o estado patrimonialista que alimenta esse grupo, e é a lógica política, e dinâmica dessa rede possibilita que o mesmo grupo, ou um grupo que tem interesses iguais, que tem os mesmos interesses, venham sendo mantidos aqui no Maranhão [...] nós entendermos, que esse conceito de rede de poder é o conceito que melhor pode classificar, e pelo qual melhor se podem analisar as relações políticas no estado do Maranhão nos últimos cinquenta anos.

14. Entrevistado: Jonas Borges (Geografo. Coordenação Estadual do MST).

O conceito de oligarquia que nós, enquanto MST, fomos estudando, e nós fomos tentando entender, e aqui no Maranhão fomos materializando, porque convivemos no seio deste estado, e enfrentamos todos os dias a força dessa oligarquia no Estado, personificada na pessoa do José de Ribamar Sarney, entendendo oligarquia não hoje por causa dele, mas um grupo político que se constitui, que ao seu redor você tem satélites que estão no meio na política, na economia, nas terras, na agiotagem, no sistema de comunicação, no tráfico. Então, com certeza, esses grupos que estão envolvidos com ele, estão envolvidos de uma forma mais marginal da economia, então, para manter esses grupos você tem que ter jogos de interesses econômicos por trás disso. E aí, entendendo que a oligarquia consegue jogar muito bem na política, é definitivo. Num momento, você vê Sarney com uma postura de posicionamento político, depois você vê a Roseana, que é sua filha, com uma postura diferente na mesma conjuntura, aí você vê o filho Sarney, numa mesma conjuntura política se posicionando diferente do pai e da irmã, e você tem depois o filho que está ligado diretamente cuidando dos negócios da família, ou cuidando dos interesses futebolísticos do país, então, você vê que aí há uma rede, uma teia de interesses que depois se juntam todos e que se chama de oligarquia. Então, a gente no passado personificou na pessoa Sarney, hoje essa personificação continua, mas você, quando fala oligarquia, não vê a imagem de Sarney só, você vê um grupo, a imagem de um grupo [...].

15. Entrevistado: Noé Rodrigues Maciel (Coordenação Estadual do MST. Assentado da Reforma Agrária desde 1989, na Vila Diamante, no munícipio de Igarapé do Meio/MA). Concordo com o fato de a família Sarney ser uma oligarquia. A gente afirma isso, quando observa os 50 anos de poder, que perdeu, toma duas derrotas eleitorais, mudada pelo povo, pelo voto democrático. Uma volta por meio de um golpe de estado que se restabelece e derruba um governo legítimo de Jackson Lago, e volta ao poder, e essa força é demonstrada no poder judiciário local do Estado, pelo fato de que isso transforma os prefeitos que utilizam as suas políticas voltadas aos interesses da oligarquia. Prefeitos que não concordam com a política da família Sarney são isolados, eles não conseguem acessar os recursos, eles são prejudicados, não conseguem desenvolver seus municípios [...] O segundo aspecto, é que, dentro dessa própria oligarquia, o que nos preocupa é o fato que o resultado democrático [governo Flávio Dino] que nós estamos vivendo agora, o medo que [...] essa oligarquia dê a volta por cima daqui a dois anos. Então, é possível isso, e pelo fato de que, pela via eleitoral, a gente já provou que o povo do Maranhão derrotou o grupo oligárquico duas vezes. É possível a gente impor uma terceira derrota em cima da oligarquia? A gente consegue tirar dos tribunais os desembargadores que estão lá, a serviço dessa oligarquia? Aí uma questão que a gente precisaria alterar; e isso mudaria a correlação de forças e abriria o espaço para que os governantes municipais consigam discutir uma política mais acessível para seu povo [...]. Derrotado politicamente, mas é muito forte economicamente ainda, com a concentração no Estado [...]

16. Entrevistada: Maria Alzerina C. Montele. (Formação Pedagogia. Coordenação Nacional do MST).

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A gente tem reproduzido isso nos nossos discursos, nas nossas análises de que a família Sarney se consolidou ao longo dos anos em uma oligarquia política e representativa no nosso estado, embora não represente a população. Mas, em termo de poder político, econômico, a gente tem considerado isso. E a gente percebe isso, quando você vai para as disputas eleitorais nos municípios, principalmente, nos municípios mais pobres, que é onde eles têm mais votos. E com essa geração é que você percebe como vai se compondo a estratégia política deles. A preferência política passa de pai para filho, para neto, para irmão para sobrinhos, e tudo vai girando em torno dele [Sarney] e dos aliados, que são da família, que vêm para o seio da política partidária juntos com eles, acabam se fortalecendo enquanto grupo oligárquico do nosso estado. Então, a gente tem feito essas reflexões, que eles são uma oligarquia, e que a gente não considera que está eliminada com a eleição do Flávio Dino. Em uma oportunidade, nós tínhamos conseguido derrubar a oligarquia, na época em que elegemos o Governador Dr. Jackson Lago (2006), e que depois eles mesmos conseguiram dar um golpe na democracia aqui no estado, e, mesmo agora, tendo vencido a eleição com o Flávio Dino (2014), a oligarquia Sarney no Maranhão ainda não está liquidada.

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Anexo IV

TABELA 1 – Características identificadas da oligarquia na percepção dos movimentos sociais.

TABELA 1

CARACTERISTICAS IDENTIFICADAS DE

OLIGARQUIA

ENTREVISTADO (A)

1 2 3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

1. Renda da Terra (acumulação). X

2. Apropriação do poder pelo paternalismo (clientela). X

3. Controle dos meios de comunicação. X X

4. Controle econômico. X

5. Oligarquia econômica: patrimonializa o Estado. X

6. Controle da máquina pública: cargos, salários e corrupção. X

7. Poder de classe: elite do Estado. X

8. Gestão política e administrativa oligárquica.

X

9. Governos de poucos. X X

10. Cooptação de coronéis no interior. X

11. Oligarquia Técnica (modernizada). X

12. Governo de família para poucos X

13. Oligarquia política (domínio do Estado) X

14. Governo dos políticos. X

15. Mediação entre o local e o nacional. X

16. Grupo/famílias/clã/apaniguados. X

17. Impede a participação de todas as camadas sociais.

X

18. Meios de comunicação inacessíveis ao movimento sociais.

X

19. Articulador do poder econômico. X

20. Articulação política. X

21. Poder familiar, hereditários, parentela. X

22. Rede de poder patrimonialista, rede de relações (alimentado pelo Estado).

X

23. Grupo político se constitui: na economia, na terra, na agiotagem, no sistema de comunicação,

X

24. Clientelista. X

25. Não representa a população. X

26. Poder de influência pelo alto. X

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Anexo V

QUADRO B – Percepção dos Políticos e Intelectuais-pesquisadores sobre a categoria oligarquia.

ID

Pergunta: analistas do campo acadêmico, da política, de movimentos sociais e de parte do cotidiano da mídia considera que a família Sarney é uma oligarquia. O que você acha?

1. Entrevistado: Joan Botelho - Político

(Professor de História do IFMA. Foi vereador pelo PT de São Luís (MA) de 1997-200, ex-presidente do PT municipal).

Sarney se enquadra plenamente no conceito de oligarquia. É um conceito que vem antes de Cristo ainda com Aristóteles, quando fala de governo puro e governo impuro, e a oligarquia Sarney seria um governo impuro, porque seria um governo de poucos. Levando em consideração a família Sarney, podemos nortear uma série de aspectos que respondem a essa pergunta, por exemplo, o caráter do nepotismo que caracteriza a oligarquia, quando a sua família é distribuída no poder: filhos, primos, primas, na desembargaria, primo prefeito de Barreirinhas, filhos são políticos, e tem até filho empresário que é um mandatário da CBF, quer dizer, até o futebol. Esse é um aspecto, o patrimonialismo que caracteriza a oligarquia também caracteriza a família Sarney, quer dizer, ela é dona de um patrimônio espantoso, uma família que era classe média baixa na sua origem, nos anos 50, essa família se consolidou a partir da década de 60, hoje é uma das mais ricas [...], com uma série de empresas, inclusive, as telecomunicações é um empreendimento controlado pela família, e por isso mesmo as notícias são as notícias que eles querem. A outra característica é a influência, eu acho que não há ninguém mais influente do que Sarney na nova República, considero Sarney o homem mais influente. Dos presidentes da República no Brasil, de Jânio Quadros até o Juscelino, que é quando ele [Sarney] ascende ao poder em meado de 50, o único presidente com quem Sarney não teve relação umbilical foi Fernando Henrique Cardoso, isso por conta daquele evento da Lunus, em 2002, quando Roseana Sarney ia ser candidata a presidente, e FHC mandou implodir a Lunus, e o jornalista Palmério Dória escreveu aquela obra: A candidata que virou picolé, mostrando a queda de Roseana e o que levou a família Sarney a ficar revoltada com FHC. Então, depois ele apoiou Lula, mas, mais Lula do que Dilma e Temer, ele apoia a todos, ele é aquele camaleão que muda de cor de acordo com o poder. Ele é tão influente que hoje tem um filme sobre a Lava Jato cujo começo é aqui no Maranhão com o Yusssef [sendo preso], no Hotel Luzeiros, e em nenhum momento fala o nome de Roseana e nem de Sarney, para você ter uma ideia do poder que dele. Fala o nome de outros políticos, mas não fala o nome de Sarney. Então, ele tem um poder magistral. Recentemente, articulou com Temer para colocar na Presidência da Câmara o Fufuca, que é um deputado inexpressivo nacionalmente, aqui mesmo dentro no Maranhão. Então, a influência dele é uma influência megalomaníaca, tanto que ele é político aqui, controla o Maranhão e controla parte do Amapá, ameaçando até ser candidato de novo pelo Amapá, então essa característica da influência política é terrível. Outra característica que mostra o poder de Sarney é o poder da hereditariedade, e essa ligada ao controle dos cargos. Repare que, com todos os últimos presidentes, Sarney sempre foi beneficiado, os da direita e os da esquerda. Quem recebeu os cargos nos governos Lula e Dilma? Foi Sarney, então nada você pode se espantar que ele tenha recebido com Collor e Temer que são políticos de extrema direita, então, ele consegue circular bem, se movimentar da direita à esquerda, inclusive, com os militares como em 1964. Ele foi governador em 1966 por conta da intervenção militar, que fez recadastramento, tomando 200 mil votos de Vitorino Freire, votos fraudados. Mas também enfraqueceu a disputa, aqui, perseguindo Neiva Moreira, que podia ser um candidato natural; e a própria Maria Aragão, que era uma política de esquerda que tinha uma ascensão muito interessante no Estado, além da divisão do grupo de Vitorino em dois candidatos [...].

2. Entrevistado: Jose Sarney – Político (Advogado, escritos. Foi suplente de deputado federal, governador, senador e Presidente da

República. Foi filiado na Arena, depois PFL, e agora no PMDB). Isso é um mantra fora do tempo. Remonta a 1930, quando a Revolução foi feita contra as

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oligarquias. Num tempo de comunicação em tempo real, das redes sociais, da internet, falar em oligarquia é um recurso bolorento e anacrônico de fazer política. É uma arma que não pega mais e vem sendo repetida em todas as campanhas pelos que nos combatem. Somos no Maranhão a modernização. Mudamos a mentalidade do Estado discutindo vias de desenvolvimento. Hoje somos o 17º Estado do Brasil. É o que se chama hoje nos Estados Unidos de “fake news”.

3. Entrevistado: Benedito Buzar – Político

(Formação em Ciências Jurídicas. Foi deputado Estadual no Maranhão, em 1964 (cassado por ato administrativo, no período da ditadura). Professor Aposentado de Ciências Políticas da UEM.

É Presidente da Academia Maranhense de Letras). Eu discordo dessa visão de considerar o governo Sarney como oligarquia, só porque ele demorou algum tempo no comando das ações políticas aqui no Maranhão. Mas, se você vê que..., se for se aprofundar um pouco nesse período de 50 anos que se diz que ele elegeu todos os governadores, mas pode-se observar que grande parte desses governadores se afastaram dele, e não foi porque ele quis impor alguma decisão, às vezes pelos próprios rumos da política local, na hora, sobretudo, na hora do processo da decisão, da sucessão, aí que mais houve rompimento, porque às vezes ele (Sarney) não concordava com o governador que estava no poder, não estava concordando com aquilo.., com o candidato que ele, o Sarney imaginaria, estava imaginando apoiar, e aí exatamente que se dava o rompimento. Mas essa coisa da oligarquia vem historicamente desse período da monarquia, passou pela República, e se você observa essas coisas no Brasil, o pessoal estigmatizava muito o Maranhão, por causa disso, porque ele esteve esse tempo todo. Mas você verifica, que, em quase todos os estados do Brasil, o quadro era o mesmo, esse quadro era o mesmo, as pessoas que estavam lá, esse quadro oligárquico de uma pessoa só comandando esse processo era o quadro do Brasil como um todo, teve o Vitorino Freire, depois acabou, quando veio o processo, depois da revolução de 1930, que se desencadeou, em seguida veio à redemocratização de 1945, quase todos os comandantes políticos do Brasil daquela época vinha exatamente desse período de oligarquias, quando era realmente nos anos 30[...], mas não acho que Sarney, pela própria formação dele, seja um oligarca, isso eu discordo tranquilamente, conheço um pouco a história dele, e ele tem tudo para não ser um oligarca [...].

4. Entrevistado: Domingos Dutra – Político (Advogado, foi presidente do PT-MA, exerceu vários mandatos eletivos de dep. Estadual e

Federal. É prefeito do município de Paço do Lumiar (MA) e filiado ao PCdoB).

Primeiro, um governo de poucos. Segundo, um governo de família. E aqui os sinais são muitos, o tempo que eles levaram no governo, no poder. Terceiro, a quantidade de parentes com força política. O Sarney foi governador, o filho [Sarney Filho] foi deputado estadual e é deputado federal [ministro] até hoje, a filha [Roseana Sarney] foi secretária particular dele, depois deputada federal, governadora por quatro mandatos, foi senadora. Ainda teve o período em que ele tinha dois sobrinhos na Assembleia Legislativa, fora o monte de parentes com laços de sangue, e com laços por afinidades, por casamento, na máquina administrativa [...]

5. Entrevistado: Manoel de Jesus Barros Martins - Intelectual-Pesquisador (Historiador e Professor da UFMA).

Eu penso muito como define o Flávio Reis. Ele definiu que, a partir dos anos 50 do século 19, o Maranhão passou a ser uma realidade dirigida por esses enredos políticos. E eu penso que sim, continua sendo uma oligarquia no sentido de ter um conjunto de agentes políticos que gravitam em seu entorno, ora por atração, ora por repulsão, mas em todo o estado, isso em nível regional, em todo o estado, em cada município, se articulam agentes políticos de um lado para outro, eu diria até muito, no sentido que se reproduz articula oligarquiazinhas pequenininhas em vários municípios, mas fundamentalmente gera um cenário político da seguinte natureza: quem a favor ou contra está em outra situação, então é muito comum no interior, quanto menor seja o município, os partidos políticos praticamente inexistirem enquanto tal, no sentido de que o que vige é o grupo A com ou o grupo B, às vezes até identificado com apelidos [...] como lá no município de São Domingos (MA), [...] é “Tratorzão”, olha só, subsomem os partidos, os partidos dançam, em algumas realidades municipais. Então, quero dizer assim, é muito mais o

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personalismo que impera; o personalismo de onde? A partir de famílias articuladas, de grupos articulados nos municípios que apoiam este ou aquele dependendo das conveniências, às vezes racham, a coisa não dá acordo como deveria ser, por isso eu penso, sim, que a família Sarney é uma família de tipo oligárquica que, no limite, reproduz outras. Por exemplo, Vitorino Freire não era assim uma família a engrenagem que conseguiu montar, porque Vitorino Freire era praticamente sozinho. Quem eram os filhos dele? Quem era a parentela dele? Não tem uma grande coisa, então, essa, para mim, é a questão, a questão não é família congênita, consanguínea, mas isso também tem, no caso Sarney tem, tem o quê? Roseana e Sarney Filho, o resto não apita grande coisa; Fernando Sarney, que não tem nada a ver com a política, mas ele é o gerente em outro âmbito. Os outros não têm a menor ideia do que é montar um negócio, a não ser política, como Sarney Filho e Roseana. Ele pode não saber muito bem como desenvolver uma rede política, mas não tem nenhum que faça negócio melhor do que ele [Fernando Sarney]: é o ministro da economia de Sarney, da família. Roseana é meio estourada para ser a ministra de articulação política. E Sarney Filho, por exemplo, não é. Ele às vezes traz outro de fora, de vez em quando, porque eles [os filhos] são meio estourados [...].

6. Entrevistado: Haroldo Saboia – Político (Economista, eleito deputado estadual em 1978, e 1982. Reeleição pelo MDB, 1978, e foi filiado

ao PDT, ao PT sendo candidato a prefeito, em 1992, e depois deputado Federal. filiado ao PSOL).

É uma oligarquia gerada e nutrida no regime militar. Ela nasce por imposição direta e de articulações dos militares. Primeiro, o Sarney assume o governo no Maranhão por imposição direta do Palácio do Planalto e dos generais, na eleição de 1965. No Maranhão, Sarney foi eleito em 1965 e assumiu em 66. Ele teve uma marca. Primeiro, em poucos estados do Brasil, nós tivemos eleição em 65, lembro bem: no Maranhão, no RJ (que elegeu Negrão de Lima) e talvez MG, mais ou menos uns três estados. Bom, o que determinou, qual foi o fator primordial que facilitou, e que viabilizou a eleição de Sarney em 65? Primeiro, a cassação da principal liderança ao vitorinismo que era Neiva Moreira, que foi cassado em 1964 e exilado, e não só, a divisão imposta ao vitorinismo pelo Palácio do Planalto, é fato histórico, que, por determinação do marechal ditador Castelo Branco, o seu chefe do SNI ou da casa militar na ocasião, o general Figueiredo, que veio depois a ser ele próprio general ditador, teve um encontro com o governador Newton Bello, em Belém (PA), em 1965, proibindo, mandando um recado do Planalto, dos militares, e ameaçando o governo Newton Bello, no sentido de que, se ele apoiasse o candidato natural do PSD de então, o candidato natural do Vitorino Freire, que era o deputado federal e comandante de Marinha, Renato Archer, ele seria cassado. Newton Bello cedeu à ameaça dos generais e retirou o seu apoio à candidatura do dep. Renato Archer e, para completar o serviço determinado pelos generais de plantão, para facilitar a vitória de Sarney, ele lançou como candidato pelo PSD, que controlava por ser governador, o médico que já tinha sido prefeito nomeado de São Luís várias vezes, Antônio Euzébio da Costa Rodrigues. Naquele momento, veja bem, o Vitorino Freire, o chefe da oligarquia daquele momento passou, contraditoriamente, ironicamente, a apoiar o candidato mais progressista, que era Renato Archer. O governo Newton Belo covardemente apoiou Costa Rodrigues para viabilizar a eleição de Sarney como candidato dos militares. Sarney é uma oligarquia gerada e nutrida no regime militar, ela nasce no regime militar por imposição direta, de articulações diretas de militares. Bom, veja bem, 1985 a 1986, com habilidade, o Sarney conseguiu, de um lado, se impor como representante da ditadura no estado e habilmente manter como aliado, manter sobre sua base no estado, setores que haviam sido expurgados da política pelo golpe de 64, por exemplo, setores mais importantes da base de Neiva Moreira permaneceram aliados ao Sarney no Maranhão [...]

7. Entrevistado: José Reinaldo Tavares – Político (Engenheiro Civil, exerceu vários cargos públicos por indicação de José Sarney, foi ex-

governador do Maranhão (2002-2006), rompeu com o grupo Sarney (2004). É deputado federal é filiado ao PSB).

O grupo Sarney acabou virando uma oligarquia mesmo, porque a questão hoje são os filhos, que são sempre os candidatos, e dentro do grupo pouca gente terá oportunidade de ocupar um cargo mais relevante, majoritário. Eu acredito que a influência dos filhos fez a família, fez o grupo Sarney seguir um caminho que pode até ser comparado a uma oligarquia por isso.

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8. Entrevistada: Maria Mary Ferreira - Intelectual-Pesquisadora (Doutora em Sociologia, Professora da UFMA, Movimento do Grupo de Mulheres da Ilha).

O poder de Sarney iniciou-se em 1966, quando ele se elegeu governador, apoiado em forças que o elegeram. Dessas forças, você tem até mesmo Neiva Moreira, que foi um apoiador, mas depois se deu conta do equívoco. Então ele sempre teve pessoas de muita competência intelectual apoiando, e depois ele foi se firmando a partir de articulações escusas, e usou o poder do mando, das estruturas para poder para se manter. Aí que eu digo que, nessas estruturas, ele tem a questão do jurídico, do judiciário como um poder que sustentou e sustenta Sarney até hoje. [...] Além disso, ele tem outro grande poder, que é o poder da mídia, o único jornal em que ele não manda é o Jornal Pequeno [...], o único sobre o qual ele não consegue ter domínio, e que, inclusive, ele já tentou processar e silenciar muitas vezes. Mas ele tem o poder do judiciário na mão. Nesse contexto, é bom colocar uma vírgula aí, que o Cleones Carvalho Cunha [desembargador] foi Presidente do Tribunal de Justiça, eu considere que ele tem uma visão até certo ponto independente. Mas veja bem, ele é um Presidente, ele está cercado de um conjunto de juízes, desembargadores que são todos aliados de Sarney, é muito difícil diluir esse poder. Tem coisa de que certamente ele não tem controle, eu que estou dizendo. Então, Sarney, ele tem o judiciário, tem a mídia, e, dentro do judiciário, ele tem os outros tribunais, por exemplo, o Tribunal de Contas, que é um tribunal que tem o controle sobre os municípios, que ele também controla [...].

9. Entrevistado: Joaquim Washington Luiz de Oliveira – Político (Cearense de origem, foi militante do movimento estudantil e do PCdoB. Veio para o Maranhão em 1978, com a anistia, e ajudou a fundar a Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos. Foi

presidente do PT-MA, vice-governador do Maranhão (2011-2013), e é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (MA), foi filiado no PCdoB e PT).

Olha, esse termo “oligarquia” é um termo que eu nunca gostei de usar, assim como quando se fala..., virou aqui no Maranhão quase com um chavão, tipo, uma..., o adversário empregar esse termo. O que significa oligarquia é governo de família, de pouco? É preciso analisar com mais tranquilidade esse conceito, porque, na realidade, aqui no Maranhão, oligarquia não é só governo de poucos, é um governo, são governos oligárquicos que existem nos municípios, que existem nas regiões, que existem nos estados..., se você pensar que Sarney, em 1966, governou, e eu não considero aquele governo de 66 um governo atrasado, foi um governo de modernização e de avanço ao período vitorinista. Então, em 1966, tivemos um momento importante para o Maranhão, mas logo depois vieram outros governos que seguiam influenciados, do grupo Sarney e suas dissidências, mas havia choque com Sarney, logo depois, o Vitorino ainda influenciava na nomeação por meio dos militares. Então houve essa situação aí, eu acho que essa questão do termo oligarquia, tal qual é usado aqui no Maranhão, tem muito de bandeira política da oposição, não sei se o Maranhão é isso. Houve um momento, inclusive, em que parte da oligarquia rompeu. Jackson Lago foi um momento de rompimento, mas o que aconteceu é que os mesmos continuaram, muito embora tenha havido derrota do Sarney. Por exemplo, agora o PCdoB está dizendo que elegeu 46 prefeitos no Maranhão, eu fui olhar lá a lista dos prefeitos do PCdoB, ali não tem nada de esquerda, de comunista, são os mesmos que romperam com o Sarney e com Roseana, foram para outra legenda, e, como aconteceu com o PDT, de Jackson Lago, a assembleia também foi no mesmo rumo, foi todo mundo para o partido que está lá naquele Palácio dos Leões. Na verdade, aqueles leões com a boca aberta é que elege vários. Então, eu acho que, se você falar oligarquia como a representação daquele palácio ali, o grupo que domina, a classe dominante no Maranhão, eu concordo com isso, mas personalizar em cima de uma pessoa, e eu acho que precisamos pensar mais, talvez tu nessa tese possas investigar mais isso, mas eu não tenho segurança nisso..., eu acho que o termo tem servido muita bandeira política, e não para explicar cientificamente o que significa isso para o nosso estado, essa coisa da oligarquia [...].

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10. Entrevistada: Beatriz Bissio - Intelectual-Pesquisadora (Jornalista, Professora Doutorado de Ciência Política da UFRJ, Foi Editora do Caderno do

Terceiro Mundo juntamente com o dep. Neiva Moreira de quem foi esposa).

Concordo que o grupo Sarney é uma oligarquia. Atuação baseada no uso inescrupuloso do poder, em particular do controle da mídia local e utilizando-se de todos os meios e vínculos para

evitar qualquer cerceamento às suas prerrogativas, sempre confiando na impunidade.

11. Entrevistado: Eliezer Moreira – Político (Advogado que integrou a equipe do Governo Sarney (1966-1970) exercendo vários cargos, e

depois nos governos de Edison Lobão e Roseana Sarney é filiado ao PMDB). ‘

O que é uma oligarquia? Tem que primeiro identificar essa expressão, o que significa oligarquia. Veja só, o que eu noto é que o período de Sarney governador ninguém toca, as forças mais incontroláveis dos ódios políticos do Maranhão, não conseguem tocar nessa fase, é como se ele não tivesse existido no Maranhão, fecha-se a boca, desconhece-se esse alento imenso que o quinquênio de governo Sarney deu ao Novo Maranhão. O que se fala é do pós-governo Sarney no Maranhão, são os 48 menos 5, em que ele foi o líder do Maranhão e, de certa forma responsável pelas coisas que aconteciam, porque ele era o líder, ele indicava, nada acontecia sem aprovação dele, é o que se fala, e o que se crítica é esse pós-governo estadual, que terminou em 70-71, aí entraram os delegados do líder, e se sabe que nunca esses delegados têm a mesma competência do líder, tantos que eles não foram líderes, eles foram secundários [...]

12. Entrevistado: Alfredo Wagner - Intelectual-Pesquisador (Doutor, Antropólogo e pesquisador de temas do Maranhão, desde 1972. São 45 anos

pesquisando no Maranhão, com uma vasta publicação sobre questões das comunidades tradicionais e quilombolas do Maranhão. Professor da UFAM e UEMA).

Depende do conceito que você usar de oligarquia. Aliás, o instrumento analítico que você vai usar, se você entender oligarquia como uma unidade movida por relações face a face de parentesco e afinidade em torno do poder, você poderia dizer [que é uma oligarquia]. A Fátima Gonçalves usou bem o Bourdieu no sentido de que, não tem uma característica dinástica, a casa real da dinastia tem uma relação consanguínea, ela domina a cena política, ninguém pergunta: “o que você faz?”. Todo mundo pergunta: “De que família você é?”. Então, quer dizer, esse é o modo que está funcionando e que está definindo coisas. Então, acho que depende do conceito de oligarquia que você utilizar, por exemplo, ninguém fala que o vitorinismo é oligarquia, você não usa isso, você usa isso mais para o grupo Sarney. Eu não quero dizer se é oligarquia ou não, que aí essa é a questão da ordem do dia. Eu acho que o problema central é a descrição, é a análise concreta da situação concreta de como o Sarney governa, por exemplo, a estratégia de ocupar postos no poder judiciário, ocupar o Tribunal de Contas [...]. Se você coloca pessoas no judiciário, como estratégia, quer dizer, aí tem um grupo que comunga da mesma ideia. E são só parentes, é mais amplo, quer dizer, o candidato aqui [São Luís] a prefeito [em 2016] foi Eduardo Braide, então, de família que vinha da região de Santa Luzia (MA), que era médico. Olha, então, quer dizer, essa maneira dessas pessoas se ligarem em si, o que acho que tem que ser estudado: por que essas pessoas formaram coalizão de interesses [...]. Porque o Sarneysismo para mim é uma coalização de interesses duradoura, entendeu [...], quer dizer, esse grupo que você chama de oligarquia Sarney, é o único partido político que tem no Maranhão. E a ideia de partido político não é o que é formal, é a ideia do Gramsci de partido político. É aquilo que tem a coalizão de interesses [...].

13. Entrevistado: Francisco Gonçalves da Conceição - Político (Professor de Jornalista UFMA, ex-presidente do PT-MA. Foi coordenador geral da primeira

campanha de Lula, Presidente, no Maranhão, 1989. É Secretário de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular do Governo Flávio Dino. .

Muitas vezes, quando se fala de “oligarquia” na disputa política do Maranhão, ela terminou virando um palavrão para qualificar e desqualificar adversários, o que é próprio do jogo político. Por isso, aqui, o que é importante pensar é o que nós estamos chamando de oligarquia. Aí eu

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tomo como referência a própria pesquisa acadêmica. Primeiro, observarmos o papel das oligarquias do ponto de vista do clientelismo, que é uma lógica clientelista, de apadrinhamento político. Segundo, que é de uso privado da máquina do Estado para beneficiar um determinado grupo. É importante que, muitas vezes, há uma tendência de identificar a oligarquia somente com uma família, e muitas vezes vincular com o próprio conceito de oligarquia o núcleo familiar. No caso evidente do Maranhão, há um núcleo familiar forte, vários núcleos familiares, mas nós temos que pensar a oligarquia aqui como um sistema, não só como um núcleo familiar ou um modo de governar a favor de poucos, isso de um modo predatório em relação à economia do estado, porque um dos aspectos que caracteriza o sistema oligárquico é exatamente a canalização dos recursos públicos para o setor privado. Tanto que há um aspecto que foi pouco compreendido quando o governador Flávio Dino disse que é preciso dar um choque de capitalismo no Maranhão, ele se explica por conta de uma crítica ao próprio sistema oligárquico, que não é um sistema de concorrência, é um sistema de beneficiamento dos amigos e dos favorecidos. Ora, quando tu passas a gerir de forma democrática o Estado, a licitação passa a ser um sistema de concorrência, e não um sistema de beneficiamento dos amigos e dos apadrinhados, você passa a lidar com outra dinâmica, e aqui, é claro, quando se vai lidando com essa lógica da oligarquia, deve-se adotar um modo de gestão do Estado que, ao mesmo tempo em que você precisa enfrentar aqueles que controlam o poder político local, precisa desmontar as estruturas oligárquicas que organizam o Estado [...].

14. Entrevistado: Remi Ribeiro Oliveira - Político (Economista, natural de Dom Pedro (MA), é carpinteiro de profissão, depois formou-se em

Economia. É presidente em exercício do PMDB-MA (o Presidente é o senador João Alberto, que está licenciado) é filiado ao PMDB)

Olha, isso é uma questão de quem cala, ao longo do tempo, consente. Os meios de comunicações que começam a dizer essas histórias não se desmentem, e não se faz o contrário. Porque, com a história do sarneysismo no Maranhão, não pode só chegar um governador, mandar tirar um nome da parede, tirar não sei de onde, tirar um nome do colégio, tira não sei o quê. Por conta da obra que foi feita no Maranhão, e das coisas que foram feitas no Maranhão, fazer isso significa querer negar a existência de quem passou quatro anos no governo, e a transformação que o Maranhão teve. Também tem outras coisas sobre as pessoas que assumiram, houve os interstícios de rompimento ou não? Mas foi consequência de todos os governadores afinados ou fazendo a política da oligarquia, da proteção, essa política da oligarquia existia desde o tempo do vitorinismo, havia as lideranças locais, regionais. Depois passou a quê? O próprio regime militar construiu uma nova fase na condução política, em que você era considerado um subversivo. Eu ainda votei nos anos 60 em Imperatriz como cabo eleitoral, a segurança da urna era com rifle 44, eu era da oposição, e nem meu voto foi respeitado. O primeiro voto que dei foi em 1961, votei em Neiva Moreira e para seu Sálvio Dino (pai do atual governador Flávio Dino), porque formavam as oposições coligadas, (risos) a gente brigava [...].

15. Entrevistado: Aderson Lago - Político (Engenheiro Civil, ex-diretor-presidente da CAEMA, ex-deputado estadual e candidato a

governador em 2006 é filiado no PSDB).

Concordo em gênero, número e grau. Não tenho nenhuma dúvida disso. Só o fato de ele ter sido governador quando o governador tinha 5 anos de mandato, a filha dois mandatos (8 anos), depois pegou a metade com a cassação de Jackson (2 anos), depois Roseana se reelegeu novamente em 2010 (4 anos); são 19 anos de governo da própria família, Sarney e filha, sague puro. E com exceção nesses 52 anos (1965-2017), só não foram governadores com o consentimento dele: Nunes Freire (4 anos), Jackson Lago (2 anos) e Flávio Dino (está com 2 anos), são 8 anos. Então, em 52 anos menos 8 anos, são 44 anos.

16. Entrevistado: Raimundo Nonato Palhano - Intelectual-Pesquisador

(Mestre, Economista, professor aposentado da UFMA, técnico de vários governos, integrou a equipe do governo Jackson Lago (2007-2009) no IMESC

177 e na assessoria da Secretaria de

177

IMESC - Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos

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Planejamento, é Coordenador da Escola de Formação de Governantes no Maranhão).

Sem dúvida. Não é uma oligarquia qualquer, a diferença é essa. A família Sarney está dentro de um estamento de poder do qual fazem parte as famílias, os sobrenomes que mandam no país, e, em muitos casos, estão acima do Estado. Eu vejo que, aqui no Maranhão, a gente viveu de certo modo em função da força do sarneysismo, desse poder que o sarneysismo tem. Ele, de certo modo, mobilizou as energias políticas locais para ficar ou favor ou contra, nós queimamos muitas energias no Maranhão. Ligado aos enfretamentos dos nossos problemas focados nesse enfretamento, eu creio que esse enfrentamento é problemático, porque, em alguns momentos, ele serve de reforço para esse sistema de poder, cria até um poder que ele não tem, e muitos políticos organizaram a sua biografia política focados no antissarneysismo, e ficaram nesse mundo. E é um mundo pobre isso aí. Eu vejo que a consequência disso é que a camada política, os políticos, os da antiga geração e os da nova, a rigor, nós não evoluímos, a nossa representação política é extremamente fraca. Então, eu diria para você isso, claro que é uma oligarquia, é uma oligarquia ilustrada, tem ilustração, está dentro do grupo das famílias que mandam no Brasil. Você sabe que o Brasil, apesar da gente estar no século XXI, ainda tem algumas famílias que, pelo poder que têm, ficam de certo modo fora da vida das pessoas comuns, eu acho que eles vivem isso, o grupo Sarney, o Sarney [...]. Então, é muito complicado isso. Vejo que essa é uma questão fundamental para a gente superar, vamos chamar assim, essa herança, esse determinismo, esse certo determinismo que nos coloca com esse peso enorme, e isso vão passar por outro padrão de fazer política aqui, nós fazemos política, inclusive, muitas pessoas jovens aprenderam a fazer a política só de um jeito, e às vezes veem que outras formas são difíceis de fazer, e fazem a política, como fazem as oligarquias.

17. Entrevistado: Edson Carvalho Vidigal – Político

(Foi vereador em Caxias (MA) com 18 anos de idade, pelo Partido Social Progressista (PSP). Advogado. Integrou a equipe do governo Sarney (1966-1970), Foi filiado à ARENA. Ex-

Presidente do Superior Tribunal de Justiça (TSJ). Foi filiado ao PSB e depois PDT). Não foi. Porque, eu te diria que, no governo de 1966-1970, ele não foi oligarquia, ele fez um governo participativo, um governo voltado para a população, um governo que pensou realmente no estado. Todas as bases que nós temos até hoje no Maranhão foram implantadas pelo Sarney. Depois dele, não aconteceu mais nada. Naquela época, Porto do Itaqui era para lá da “caixa prego”, então era necessário encontrar uma via de acesso, por isso foi feita a barragem do Bacanga. Nas redondezas, surgiu toda aquela população do Anjo da Guarda. O Anjo da Guarda e os bairros vizinhos são resultado de um incêndio que aconteceu no bairro Goiabal, e não tinha para onde remanejar aquele pessoal. Feita a barragem do Bacanga, Sarney remanejou para lá, e hoje é uma cidade. O bairro Itaqui-Bacanga é maior que o município de Caxias (MA). Ele criou a Escola João de Barros “de pé no chão também se aprende a ler”. Sarney foi candidato a senador pela ARENA, em 1970 [...].

18. Entrevistado: Luís Pedro de Oliveira - Político (Jornalista, ex-deputado Estadual pelo PCdoB, e PDT, foi chefe do gabinete do governador

Jackson Lago (2007-2009). Foi assessor do governo Nunes Freire e Jackson Lago. É filiado ao PT).

O Maranhão, na verdade, saiu de uma oligarquia que, em termos temporais, foi menor do que a de Sarney, que foi a oligarquia do Vitorino. Note bem que Vitorino Freire nunca foi um governador do Maranhão, mas ele, durante um período de quase vinte anos, dominou a cena política do estado. Tanto é assim que eu lembro que quando eu, por volta do ano de 1975-1976, trabalhei pela primeira vez na assessoria no Palácio dos Leões na assessoria de Nunes Freire, me mostraram lá o local no mirante onde Vitorino dormia. Mudava o governador do Maranhão, mas Vitorino continuava sendo inquilino do Palácio dos Leões. E aí, essa oligarquia vitorinista é fortemente baseada nos grandes latifundiários, nos senhores de terras do interior, os famosos coronéis [...] O grupo Sarney é uma oligarquia, sem dúvida [...] Antônio Jorge Dino era o vice de Sarney, e assumiu quando ele saiu candidato ao senado, mas, logo depois, naquele período já que a ditatura fazia a indicação de governador por forma indireta, o Pedro Neiva foi o primeiro governo nesse processo, porque Sarney ainda foi eleito no voto popular, e o Jaime Santana, que foi Secretário de Fazenda do pai, teve um papel destacado durante o governo dele. Jaime depois

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saiu do grupo oligárquico para vir..., ele costumava dizer: “Rapaz! O pessoal não sabe o que é oligarquia”. Nós conseguimos tirar o Sarney pela primeira vez com Jackson Lago, foi em 2006, mas, durante uns 10 anos, o Jaime repetia essa história: o povo não sabe o que é oligarquia... E aí, nas comemorações da vitória do Jackson, eu me encontrei com ele, aí perguntei: Jaime você não dizia que o povo não sabe o que é oligarquia? Aí ele disse: mas vocês ensinaram. Então, quer dizer, houve todo um avolumamento de pessoas que lutavam, e que se dirigiam a essa formação aqui do Maranhão como oligarquia. Explicaram que aquela história em relação ao Vitorino, ele sempre praticou o mando, até que foi substituto pelo mando de Sarney, e Sarney, de forma mais forte, porque ele tinha os generais por trás.

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Anexo VI

TABELA 2 – Características identificadas de oligarquia na percepção do políticos e intelectuais-pesquisadores.

Contundo, as várias percepções identificadas ratificam o contrário, que,

“oligarquia” ― continua uma categoria válida para caracterizar o grupo Sarney,

TABELA 2

CARACTERISTICAIDENTIFICADA DE

OLIGARQUIA

ENTREVISTADO (A)

1 2 3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

1. Governos de poucos e de família. X X

2. Caráter do nepotismo. X

3. Forte poder de influência. X

4. Poder familiar, hereditário. X

5. Governo da modernização. X

6. Fake News. X

7. Não considero oligarquia. X

X

X

X

8. Personalismo que impera. X

9. Famílias articuladas em grupos nos municípios.

X

10. Gerada e nutrida no regime militar.

X

11. Governos de filhos, grupo de poucos.

X

12. Poder e influência no Judiciário, Tribunal de Contas do Estado.

X

13. Poder e controle da mídia

X

X

14. Grupo que domina o Palácio dos Leões (sede do governo).

X

15. Atuação no uso inescrupuloso do poder.

X

16. Forte influência (ele indicava, nada acontecia sem aprovação dele).

X

17. Oligarquia Sarney, é o único partido político que tem no Maranhão.

X

18. Estratégia de ocupar postos no poder judiciário, ocupar o Tribunal de Contas, colocar pessoas no judiciário.

X

19. Clientelismo, apadrinhamento político.

X

20. Uso privado da máquina do Estado

X

21. Consequência dos governadores afinados ou fazendo a política

X

22. Longevidade no poder (em 52 anos menos 8 anos, são 44).

X

23. Está dentro de um estamento de poder de famílias e sobrenomes.

X

24. No governo de 1966-1970, não foi oligarquia.

X

25. Pratica de mando, e com apoio dos generais militares.

X

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Anexo VII

QUADRO C – Percepção dos movimentos sociais sobre a categoria democracia

ID Pergunta: o Brasil é uma nação que vive sob o signo da Democracia. Considerando ser essa categoria passível de várias interpretações, qual importância da democracia e como você descreveria o modelo de Democracia instalada no Maranhão?

1. Entrevistado: João Pedro Stédile

A democracia no Brasil é uma hipocrisia. Ela foi sequestrada pelo capital, que financia as candidaturas direta e indiretamente, e assim os empresários definem quem deve se eleger nos governos e no parlamento. A situação atual do Congresso Nacional é reveladora por si só, da dicotomia que existe entre a representação real da população na sociedade, entre trabalhadores, jovens, mulheres e negros, e o que há de representação no congresso. O que acontece no Maranhão é apenas o resultado da mesma democracia que rege o Rio Grande do Sul, mas, como no Maranhão, as condições de pobreza, de desigualdade, da população, fazem com que o poder de manipulação do capital e dos meios de comunicação seja ainda mais violento. Nós não temos democracia, nem econômica, no sentido de garantir direitos e oportunidades iguais para toda a população, de trabalho, terra, moradia, educação; nem política, no sentido de que a vontade das maiorias se expressa pelo voto. O voto é mera convenção, sobre controle da mídia e dos empresários. Daí o ceticismo que existe entre a população em geral, em todo pais.

2. Entrevistado: Josemar Pinheiro O contexto aristotélico de democracia é desmentido a todo o momento, não existe uma democracia do ponto de vista daquilo que foi pensado: governo do povo, pelo povo e para povo. E que, depois, a Revolução Francesa veio e ampliou para a questão dos direitos humanos, liberdade. O próprio norte-americano, depois com a fundação do EUA, das treze colônias, desenvolvia aquela ideia de que ninguém seria perseguido, todos seriam apoiados, enfim, a concepção de cidadania, de ser um cidadão, o cidadão é o objeto da democracia, e o objeto da democracia é o cidadão. Mas, se o cidadão não tem direito a participação, ou a participação dele é meramente eleitoral, não é econômica, ele não está como unidade produtiva, ele não está como contribuinte nesse contexto de influir nas decisões, de se inserir nas decisões, então, do meu ponto de vista (eu falo isso como jurista), a democracia é apenas formal, ela não é uma concepção ainda que tenha se realizado, inclusive aqui América Latina. E aqui no Maranhão então, como é que você pode entender? Vamos partir a Câmara de Vereadores, no caso Câmara de Vereadores de São Luís, uma Câmara que nunca fez concurso público, inclusive a Constituição de 88 diz: a forma de ingresso no serviço público é por concurso. A Câmara de São Luís tinha 380 anos nessa época, então o que ocorre? Nunca fez concurso público. A forma de ingresso das pessoas que lá trabalham é por meio de cooptação eleitoral, para poder eleger as pessoas que estão lá, e o que é pior, ela não representa exatamente nada do ponto de vista democrático, de povo ir para, salvar em alguns momentos no ano passado [...] como no ano passado, [...] Então, o povo está ausente, é um grupo, um acampamento de pessoas que defendem seus próprios interesses, e nisso aí está o quê? É o orçamento de R$ 7 milhões por mês, que é distribuído entre assessores, com pessoas que são prestadores de serviços, etc., e isso se repete no nível do Estado, na Assembleia Legislativa, que não representa a população [...]. Aí o conceito de Zygmunt Bauman, “Se não existir liberdade de pensar e de agir, como pensar em democracia”. Então não existe democracia. Se as pessoas que estão lá ‘representadas’ não têm, em momento nenhum, a condição de ir a um parlamento de esses expressarem seus anseios, suas reclamações, suas queixas, como denominar isso democracia? Isso é uma democracia entre esse grupo que aí está, entre eles é democrático, a distribuição do orçamento, a distribuição dos fornecedores do Estado, agora dos municípios dos consórcios que estão sendo estabelecidos. O Hilton Gonçalo agora é prefeito de Santa Rita; sua mulher, prefeita do município de Bacabeira (MA); e o primo, prefeito do município de São João dos Patos. Aí se estabelecem grupos familiares, bem-identificados, que exploram a suposta democracia eleitoral de 2 em 2 anos, de 4 em 4 anos, para se perpetuarem no poder, e só vão mudando os nomes dos familiares que são por eles de alguma forma representados.

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3. Entrevistado: Emílio Azevedo

No final da década passada, eu fiz uma reportagem sobre Cuba. Na época, fui chamado para muitas mesas para falar disso..., eu não vou dizer que em Cuba tem democracia, é uma tese que a gente vai passar meses discutindo. Mas se lá não tem, eu sempre achei que aqui também não tivesse, eu pensava isso no ano 2002. Nós estamos em 2017, e eu continuo pensando do mesmo jeito. A democracia pode existir no sentido ponto de vista formal, se você pensar pelos clássicos, judiciário, legislativo, executivo, eleição. Como que é que se dá a eleição no Brasil? A Eleição da Odebrecht, a eleição de Eduardo Cunha, com esse pessoal no comando, com Gilmar Mendes no comando, com Gilmar Mendes passeado de jatinho para Portugal... ele, Temer e Sarney, essa que é a nossa democracia? Então, eu acho que a gente ainda tem que avançar muito..., com essa massa de ignorância que a gente ainda tem, pessoas a quem é negada a educação, porque você só inclui pelo conhecimento. Se o sujeito não tiver conhecimento, ele pode ter até um carrão, como uma Hylux, um celular de última geração, mas ele não está incluído em nada, ele não sabe nem os quatro pontos cardeais. Então, a democracia no Brasil, acho que a gente tem um longo caminho, que por sinal em minha opinião os 12, 13 anos do PT, na questão da educação, eles conseguiram avançar muito pouco. No Brasil nos precisávamos de uma mexida nesse negócio de educação muito forte, eu acho que a gente pode ter uma democracia formal, mas real nós não temos não. E o Maranhão, por ser um estado periférico, por ser um estado de condições sociais..., que padece disso de maneira mais sofrida. Tem democracia sem participação social? Não tem! Se no Brasil tem pouco, aqui tem muito menos. Tem sociedade civil no Maranhão? É Irrisória. Até onde a sociedade civil consegue pautar o debate aqui no Maranhão? Flávio Dino se elegeu governador falando em mudança. Até onde o setor à esquerda e a sociedade civil conseguem tencionar uma agenda? A sociedade não consegue, e é facilmente cooptada, porque é frágil, porque também sua base é frágil. A esquerda não tem base social. Ela tem uma ONG, que é de esquerda, 4,5,6 pessoas, mas a base social, é ignorante, não participa. Para botar 5 mil pessoas na rua, é uma dificuldade. E aí vem a educação, você participa quando é esclarecido. O cidadão participa se ele tiver..., a participação social se dá pela cabeça, e é pela formação da pessoa. Sem formação, não tem participação social, não tem democracia.

4. Entrevistado: Luís Antônio Pedrosa .

A democracia é um conceito aberto, se você pegar um cara de esquerda do ponto de vista acadêmico, a teoria dele sobre democracia vai ser uma teoria material da democracia, vai ser uma teoria que vise, sobretudo, democratizar a riqueza, a participação popular, isso é um viés da democracia, mas se você for consultar um acadêmico da direita, da universidade de Chicago, ele vai ter uma concepção de democracia completamente diferente, democracia, mas a democracia formal, o direito da pessoa votar, escolher seu representante, é uma democracia eleitoral [...] Existe uma democracia? Aí depende da forma que você vai trabalhar com essa categoria. Para nós, que lutamos do ponto de vista de militância social, e que lutamos com o aporte teórico de esquerda, é evidente que nós não estamos em um Estado democrático, na nossa concepção de poder. A democracia só tem sentido se tiver participação popular [...]

5. Entrevistado: José Policarpo Costa Neto O conceito que tenho de democracia é o conceito que tenho de liberdade. Para mim, democracia é o governo da população, em que todos deveriam seguir regiamente o que diz a constituição: “todos são iguais perante a lei”. Então, é por ai, e ninguém vai me governar sem eu pedir. Então eu tenho oportunidade de votar. Eu sempre digo que o povo tem duas grandes oportunidades de expressar sua vontade: uma é no dia da eleição, quando ele elege seus dirigentes; a outra é por meio da participação popular, que essa até hoje o povo ainda não descobriu, o povo ainda não descobriu sequer a importância de eleger, pincipalmente aqui no Maranhão, o seu vereador, seu deputado estadual, seu deputado federal, seu senador, seu governo. Porque uma coisa que nem o Sarney e nem ninguém nunca tocou assim para valer, foi no projeto de educação para o Maranhão. A educação.., e não é à toa que o Maranhão apresenta os piores índices sociais, porque uma vez, ouvindo o Florestan Fernandes em uma palestra lá na USP de São Carlos, ele dizendo que a gente tem que aprender, principalmente nós de esquerda e que temos convicção de ser esquerda, do nosso papel, e principalmente quem é ligado com a educação, a gente tem que aprender que dados estatísticos, indicadores sociais, eles não são apenas para você publicar

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um artigo e dizer que os indicadores sociais são baixos. E tem muita gente que se equivoca, acha que, quando você conhece os dados estatísticos do Maranhão, por exemplo, são estarrecedores, e a gente se estarrece, não é isso, fica boquiaberta com isso, e a gente não se dá conta que isso é um elemento de planejamento. Então, todas as vezes que você faz qualquer política pública, você tem que partir daí, e para mim o alicerce que qualquer política pública deveria ser é esse aí. Qual é o estágio da educação em que o Maranhão se encontra? O Maranhão ostenta indicadores de educação, em todos os níveis, precariíssimos. Então, a primeira coisa que a gente tem que fazer é tentar um projeto de investimento em educação de qualidade, pagando ao professor um salário que faça com que esse professor se orgulha da profissão que ele tem. É lamentável que um professor fique atrás, eu não estou falando só desse momento de crise, é lamentável que a gente observe a quantidade de professores, aqui em São Luís e no interior, fique atrás de agiota, você já percebeu que tem uma pessoa vendendo crédito, essas financeiras aí vendendo créditos, não tenho nenhum levantamento disso, mas o que tenho de informação de que professores em grande quantidade recorrem a isso, porque o salário é muito precário. Então a gente vive em um país de fantasia, e estou falando em todos os níveis: municipal, estadual e federal. E os políticos dizem que querem valorizar, esse é o discurso que pega, valorizar a educação, e não valorizam nada. Valorizar a educação é você pagar, e hoje já tem até um piso nacional de educação, e que não se cumpre, e não é só o piso salarial, é você ver as condições das escolas. Eu não vejo democracia, não vejo a gente dar um salto para essa democracia que eu concebo como modelo ótimo, não é o ideal, mas é ótimo, se você não tiver uma ação enérgica, bem forte para quebrar isso aí. Eu diria que essa é a nossa grande razão do Maranhão, da nossa luta. Tem poucos lugares, a meu ver, no mundo, como o Maranhão, e eu não conheço todo o mundo, mas eu leio muito. Está aí uma coisa que é fácil aqui no Maranhão é você saber quais são causas do atraso, quais são as causas dessa brutal contradição, água em abundância, terras em abundância, e gente passando fome em abundância, sofrendo em abundância, é uma contradição [...]. Logo, para ter democracia, tem que ter educação.

6. Entrevistado: Marcos Silva

Sou daqueles que pensam que ainda não conseguimos estabelecer no Brasil uma democracia plena, a democracia plena que pudesse resultar que as decisões políticas fossem realmente produto da vontade da maioria de forma consciente. Isso não existe, e o Maranhão está inserido nessa questão, o que nós temos é liberdade democrática. Historicamente, o Brasil fez experiência, já a partir da Primeira República, com farsas de democracia, e não com a democracia plena, e penso que nós devemos, realmente, ser produto da vontade da maioria. Quanto ao momento que estamos vivendo, nós podemos ter liberdade mais ampla ou menos ampla. Em 1982, para a eleição do estado de São Paulo, houve mais de 10 candidatos ao governo, e todos as emissoras de televisão fizeram o debate, e não excluíram nenhum. Por quê? Porque o regime militar estava em crise, estava se gestando uma nova forma de liberdades democráticas [...]. A partir da década de 90 e depois da Constituição de 88, a força do capital começou a se mobilizar para retirar as conquistas democráticas [...] é o que se conquistou, inclusive, a questão dos conselhos populares, do controle social na Constituição vem sendo atacado constantemente, vem sendo desmontado. É um retrocesso contínuo, triste, nem com a chegada do Lula na Presidência contribuiu para que a gente pudesse revigorar as formas de controle social direto [...].

7. Entrevistado: Carlos Saturnino Moreira Filho A democracia representativa é um tipo de oligarquia. Eu vou usar um conceito aqui que é o tal do “governo dos políticos”. Depois que você elegem os caras, os caras que mandam e desmandam, fazem e acontecem, na melhor das hipóteses, tu vais trocá-los daqui a quatro anos, e vai trocar por outro do time dele mesmo, é um governo dos políticos, eles estão aí decidindo quem vai para o supremo, quem vai presidir isso, quem vai presidir aquilo, etc., estão sempre se legitimando com o discurso de que: “nós representamos a população”. E até num eventual choque com o Judiciário, eles são eleitos. Na verdade, depois que você elege seu representante, é como você cedesse o seu poder para eles, não está em emprestado ele é o dono do seu poder [...] Eu diria o seguinte: a crítica não é só ao Brasil, etc., da democracia, da minha desconfiança da democracia representativa, não é na verdade uma democracia como eu imagino, uma democracia, democratas, o demos do povo, isso não é uma democracia como eu imagino. A tal democracia representativa, na verdade, é a população abrindo mão do seu cratos (poder) para os seus

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representantes que, de legatários, se tornam os próprios legadores. Então a minha esperança é que a gente possa ir um dia além dessa democracia representativa, e quais os mecanismos? É esse o desafio para todos nós, e eu penso que isso passa, vamos dizer assim, por elementos complexos, como a própria prática, a experiência. Os sábios dizem que essa democracia não serve. Vamos fazer assim: botar as pessoas para discutir isso, para a solução vir deles, eu acho que vem deles, vem truncado, vem não sei o quê. Vem isso, vem aquilo, mas vem! Por exemplo, nós aprendemos que o tal do orçamento participativo, tal como foi feito, é uma enganação, aqui foi uma enganação (em São Luís). E você tem que ter uma mobilização de massa [...]

8. Entrevistado: João Maria Van Damme

Eu acho que o Brasil não é uma democracia, o Brasil é uma oligarquia, ou, se preferir, uma aristocracia, que agora está muito claro nos processos que estão acontecendo hoje, é uma casta de família. São famílias, é um grupo de famílias que não quer que haja democracia no Brasil com participação de todas as camadas sociais, essa que é minha avaliação [...]. Essa democracia formal não traduz o pleno conteúdo desse conceito de democracia, aquilo que a constituição diz que “o povo é a origem do poder e em nome dele será executado” não acontece. No nível nacional você vê a atitude de Temer, que não escuta a população [...]. Quando a gente vai para os municípios do Maranhão, e a gente olha as instâncias oficiais de participação popular nas políticas públicas, os conselh; conselho de saúde, segurança alimentar, criança e adolescente, praticamente em todos os municípios, é uma grande manipulação [...].

9. Entrevistado: Raimundo França Dutra Democracia, de modo geral, eu a descrevo como: não se pode falar em democracia enquanto um indivíduo ganha um salário mínimo, e o outro ganho trezentos salários mínimos. A democracia, para ser verdadeira, mesmo no sistema capitalista, no mínimo você tem que estar na igualdade de condição, a partir do ter e do ganhar. Porque, certa vez, discuti com um advogado, aí ele defendia que era proporcional, dizendo que quanto maior você receber será maior sua contribuição. Então eu disse a ele: “Até aí, tudo bem, mas vamos no poder de compra [...] e disse a ele que o imposto de renda não é proporcional. Mas ele continuou dizendo que era sim, e falei que a questão é do poder de compra, por exemplo, você é advogado, vamos dizer que ganha 30 salários por mês. Aí compare com um filho da oligarquia, que ganha R$ 500 mil por mês, o que rende as empresas dele. Aí você vai e compra mil hectares de terras, existe o ITBI, que você paga com o tamanho do seu capital. Onde é que vai sofrer o maior abalo com o ITBI? É quem ganha R$ 30 mil ou quem tem um rendimento de R$ 500 mil? O maior abalo é em quem ganha 30 mil, portanto não é proporcional. Porque, para a democracia econômica prevalecer, na hora da compra, que você vai pagar o imposto da transferência de um bem, teria que ser equivalente [proporcional] ao seu poder de compra, e não equivalente a que o Estado arbitrou. Então, quer dizer, essas questões aí são bastantes profundas que a gente não consegue transmitir isso para um cidadão que não tem um conhecimento científico mínimo, e a gente tem dificuldade de transmitir esse tipo de conhecimento científico. Na hora em que você fala assim, de uma forma geral, que a democracia econômica é proporcional na hora de pagar imposto. Quem ganha menos paga menos percentual, e quem ganha mais paga um percentual maior. Agora você transfere isso para o poder compra e veja quem é que vai sofrer o maior abalo. Aí é que está a grande questão, aí a democracia na questão da convivência do povo, você não pode dizer que o Maranhão é democrático, onde o povo não tem o poder de decisão onde o dinheiro dos impostos que ele paga vai ser empregado, porque esse poder foi transferido para as representações, e as representações são eleitas de formas escusas e representando interesses escusos, então não tem democracia. A democracia passa a ser apenas uma falácia, é uma democracia, permitida, é uma democracia que está no âmbito do permitido.

10. Entrevistado: Joaquim Alves de Sousa Eu não falo que é uma democracia que veio a partir dos políticos. Mas acho que a gente obrigou a abrir espaço para a sociedade desde quando a gente começou a adquirir o direito das mulheres votarem. Esse é um espaço democrático, não foi vindo assim pelo lado de lá, isso é um lado que nós construímos. Quando você pensa que, até pouco tempo, os governadores eram biônicos, imagine que a própria eleição de Sarney (1966) foi uma vitória para todos nós, que não foi ele quem conquistou isso sozinho, foi a esquerda, foram os movimentos sociais, as organizações, a

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Igreja, que construiu esse espaço de democracia. Eu, quando delego qualquer espaço de democracia no Brasil, eu acho que é muito importante, mas é uma democracia que vive em disputa com a ditatura o tempo inteiro [...]. Quando você falar de democracia, e não estou falando só de participação política, mas de participação econômica também [...]. Quando eles estão chamando a democracia deles, mas deixam uma camada de pobre sem participar de nada [...]. Se a gente dependesse do sistema político do Brasil nós não íamos ter democracia nunca. A nossa democracia é muita cara, a gente tem mendigar por ela, a gente tem que morrer, a gente tem que matar, mas tudo vindo de nossa parte. Qualquer ato democrático que houve neste país foi por meio de luta, disputando palmo a palmo por esse grupo dos movimentos que nunca vai se entregar, tenho certeza. E a democracia nunca se ouviu dizer que não existiu, mas vamos deixar claro, não é a democracia de quem está no comando do negócio, no comando da persistência de poder econômico que trouxe não, que para eles quando mais fechado melhor. Existe democracia, mas não é a democracia que o povo quer.

11. Entrevistado: Ângela Maria de Souza Silva

A democracia existe, e muito da democracia veio a partir das lutas, é tão certo que algumas políticas e conquistas nós tivemos a partir de 1998, com a Constituição Federal, que foi uma conquista. Se isso aí é democracia, é resultado de uma luta por direitos, e dentro da disputa, dentro dos aliados foi consistido e aprovado na Constituição Federal. Assim, a democracia se dá, se a gente for observar, se dá por liberdade de expressão [...], a democracia existe quando há um interesse teu e dele; a democracia vai muito pelo “eu quero” e quanto o que eu acho que acho que é de certa forma há uma democracia porque todo mundo tem o direito de pensar, de ir e vir quando quiser, essa é uma democracia. Mas não há democracia com relação aos direitos, como é que hoje nós estamos dizendo que há um país democrático, um país de liberdade, mas esses direitos estão sendo retirados porque dizem que nós (trabalhadores/as) estamos acabando com o próprio Brasil. Então assim, como é que fica a democracia? E aí, como é que fica a democracia se os direitos estão sendo tirados da classe mais pobre, da classe trabalhadora principalmente? Mas se existe democracia, que democracia é essa? Então assim, é democracia mas até que ponto nós estamos em um país democrático? Na democracia, ao mesmo tempo em que tenho direito, eu não tenho direito. Então qual é o direito que tenho para ser chamado de democracia?

12. Entrevistada: Maria de Jesus Ferreira Bringel

Hoje, para mim, essa democracia está falida, a gente tem.., não sei o que se vai fazer para gente ter uma democracia forte, e que defenda os direitos, e não acabem com os direitos se conquistou, hoje a democracia que está sendo usada ali está acabando com todos os direitos que se conquistou por isso não é democracia, isso é uma falsa democracia. A luta é o elemento para a gente suspender a cabeça.

13. Entrevistado: Marcelo Pinto A estrutura do estado brasileiro foi construída por meio das relações capitalistas. Nós temos a passagem da sociedade agrária para a sociedade industrial, que se deu no início do século XX de forma tardia e a partir daí nós tivemos a participação política dentro do Estado brasileiro. Até então, nós tínhamos uma república que era marcada por uma relação de interesses muito tímidos, de interesses tanto variáveis, tínhamos os interesses dos cafeicultores e os interesses dos grandes latifundiários da região centro-sul do Brasil e dos grandes latifundiários do Nordeste, esses eram os interesses que pautavam o Estado brasileiro. A partir da industrialização, nós tivemos o surgimento de vários setores da sociedade, tivemos a burguesia industrial, o operariado e vimos o alargamento das classes médias. Foi a partir daí que essa ideia de democracia estatal se tornou mais clara no Brasil. E foi a partir daí que surgiram os partidos políticos, a partir desse momento que nós tivemos o surgimento dos sindicatos. Então a ideia de democracia brasileira está muita mais relacionada ao Estado. Ela está muita relacionada à instituição, ou seja, você pensa a democracia com base na construção do Estado brasileiro. E a construção do Estado brasileiro se deu de forma mais bem-acabada baseada no processo de passagem da sociedade agrária para a sociedade urbano-industrial. Então nossa democracia é isso, nossa democracia é uma democracia elitista, é uma democracia que privilegia os interesses das camadas econômicas que têm uma intervenção maior dentro da sociedade, nossa democracia é extremamente excludente e preconceituosa, basta ver o nosso processo eleitoral,

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que, ao longo dos anos, vem mantendo uma exclusão muito grande vendo do ponto de vista da participação. Você tem pessoas pobres que votam em determinados candidatos, como se tinha no voto censitário lá do período imperial. Pessoas pobres, ou uma maioria das pessoas pobres que acabam elegendo os ricos, elegendo os setores da elite. Tem uma pesquisa recente que você vai ver o conservadorismo que está se dando no Congresso Nacional. Hoje, praticamente você não tem mais representantes dos movimentos sociais, você não tem mais... os representantes sindicais estão em menor número, assim como os ambientalistas. Você tem as bancadas dos grandes grupos econômicos. Então a sociedade referência, legitima essa estrutura cada vez mais elitista, em função de quê? Em função do poder econômico. É o poder econômico que dita as regras da democracia brasileira, e sempre foi assim, e agora isso está mais acentuado. Porque nos períodos de crises do capital você tende a ter um enfrentamento maior de luta de classes. Então, nesses períodos, as bancadas estão mais fortalecidas, e você vê com maior evidência as relações, as imperfeições da nossa democracia porque existe um processo de radicalização maior, existe um processo, ou seja, nunca os setores mais conservadores, as elites econômicas e políticas do Brasil sentiram tanta necessidade de ter seus representantes dentro do Congresso Nacional. Por quê? Porque o enfretamento é muito maior, porque agora, no período de crise, você não tem impacto entre capital e trabalho, você tem uma disputa entre capital e trabalho. Nessas disputas, você precisa fortalecer, então, o lado que pode; o lado economicamente que pode se fortalece, e o Congresso Nacional, as assembleias legislativas elas são fundamentais para garantir a manutenção dessa elite econômica.

14. Entrevistado: Jonas Borges. Vou começar utilizando a faixa que a gente [MST] usou na marcha que fizemos do município de Itapecuru (MA) para São Luís, no mês de março de 2009. A faixa dizia — MARCHA EM DEFESA DA DEMOCRACIA. E fizemos um percurso no inverno tenebroso, a gente começou a pegar chuva na saída da marcha em Itapecuru até o último dia, na chegada a São Luís, pegando chuva todos os dias. E ali na palavra de ordem estava dita “marcha em defesa da democracia” estava explícito que era o processo da cassação do mandato do governador Jackson Lago [teve início em março e foi concluído em abril de 2009]. O processo até hoje é questionável em todos os aspectos: políticos, legais, jurídicos. E a gente dizia o seguinte, que aquela marcha era uma forma da gente dialogar com a sociedade, para dizer o que estava acontecendo. Olha, o Maranhão está vivendo um golpe institucional, esse golpe institucional ameaça a democracia. E a democracia maranhense é essa democracia maranhense ameaçada, que se constitui em uma ameaça à democracia do país, porque a gente vivia naquele momento um contexto do governo Jackson Lago, que se colocava progressista, um governo de esquerda ou de centro-esquerda do governo Lula, e você tinha no contexto da América Latina dos governos de esquerda, como: Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina; e a gente entendia que ameaçar a democracia com o golpe de Estado com a cassação do governador do Maranhão podia ter explicações políticas, porque aí se constituía naquele momento um laboratório do que a gente pode apostar de limitar o exercício democrático, e o laboratório se concluiu com a cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, no dia 16 de abril, que depois consequentemente, e nada coincidente, houve o golpe no Paraguai (Fernando Lugo), depois em Honduras. Então, esse três [...], a cassação de Jackson, a cassação do Lugo e depois em Honduras, eu acho que isso se constitui em um laboratório para a gente dizer o que podia vir acontecer no futuro, ameaça à democracia. A democracia para nós é entendida como o direito de participação do povo no exercício do poder, poder enquanto das relações que se constituem na sociedade, o exercício de poder, de cobrar, de exigir política pública e do exercício de poder participar do processo de votar e ser votado, do exercício democrático da gente poder construir instrumentos que vão fortalecer o exercício da cidadania das instituições locais como: associações, movimentos sociais, câmaras de vereadores. Então, para nós, a democracia, em outras palavras, é o povo ter acesso a esses espaços políticos, mas de forma assim, sem repressão, sem censura e sem limitação. E hoje a gente vive é essa democracia representativa, e que é muito frágil. Ela foi frágil no exercício do governo estadual, ela foi frágil no exercício do governo do Paraguai e de Honduras e agora se constituiu frágil no exercício no país como o Brasil, foi o golpe da Presidente Dilma, um golpe que feriu diretamente o que a gente chama do exercício democrático do poder. A democracia é o quê? É a garantia do direito das pessoas terem acesso às políticas públicas, essas políticas públicas que vão dar qualidade de vida à população. A população vai ter condição de poder fazer o exercício de cobrar os seus direitos junto aos governos, e exigir do Estado que essas políticas públicas tenham mais qualidade. Então é uma corrente em que você começa a ter acesso ao direito [...], para que o

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Estado seja mais presente [...] é um processo, digamos assim, de constituição e acumulação de direitos [...]

15. Entrevistado: Noé Rodrigues Maciel.

[...] O Estado do Maranhão tem uma dívida com a democracia, porque nós não vimos os nossos intelectuais, não vimos os nossos partidos políticos nacionais, nós não vimos eles na defesa da democracia do Maranhão, quando a gente [MST] estava na rua dizendo – o que vai acontecer aqui é um golpe contra a democracia, então nós fizemos isso, nós acampamos, nós fizemos uma série de mobilizações em defesa da democracia, e muitos nos confundiriam como se a gente estivesse defendendo política de governo ou partidária, e não era isso. Nós estávamos em defesa da democracia, essa era nossa faixa, essa era nossa caminhada, pelo que aconteceu aqui no Estado, mais a conjuntura que aconteceu em outros países e no Brasil. Mas aqui no Maranhão, nós estávamos diante de uma oligarquia de 50 anos no poder, nós estávamos com o povo mobilizado e contra um golpe de Estado, e a gente gritava e não era ouvido, muitos setores não conseguiram enxergar o que nós estávamos denunciando, eu cheguei a dizer a Jonas: “se a gente tiver de ser torturado em defesa dessa democracia a gente vai defender a democracia”. A gente não conseguia, não é um governo, nós estamos falando de um processo democrático de derrota de uma oligarquia, que foi constituído, de liberdade [...] e a gente ficou só. Então este Estado tem uma dívida que precisa ser superada no sentido de a gente preservar toda conquista de milhões de trabalhadores que lutaram por essa democracia, mas a gente sentiu isso, isso é a coisa mais difícil da gente lidar quando se está defendendo a democracia, e que a gente não é enxergado [...] Democracia é liberdade, é direito de se manifestar é tudo isso, então não pode a gente ver o processo democrático de direito que se tem, mas também não pode ser enxergado só como políticas partidárias ou ideológicas dentro do processo de democracia. Democracia é quando você observar direitos sendo destruído? É quando você vê a classe trabalhadora sendo esmagada? Quando um sonho de mudança está sendo destruído é que você está defendendo uma democracia [...].

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Anexo VIII

TABELA 3 – Características percepção dos movimentos sociais sobre democracia

CARACTERISTICA DOS MODELOS DE DEMOCRACIA PERCEPÇÁO DOS ENTREVISTADOS (AS)

LIBERAL-REPRESENTATIVA 1 2 3 4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

1. Representação política. X X X X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

2. Governo de maioria.

X X X

X

3. Prevalência da sociedade civil.

X

4. Liberdade de ação na esfera privada do indivíduo.

X

5. Direito de opinião, manifestação, reunião, etc.

X X

ELITISTA 1 2 3 4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

1. Distinção entre dirigentes. (minorias) e dirigidos (maiorias). X X X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

2. Concorrência entre elites através do voto. X X X

X

X

X

X

X

X

X

3. Empoderamento do eleitor que decide o voto entre alternativas dadas. X X

X

X

X

4. Presença da oposição.

X X

PARTICIPATIVA 1 2 3 4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

1. Participação ativa dos cidadãos. X X

2. Forma semidireta.

X

3. Sociedade civil tem canal direto de interlocução com o Estado.

4. Controle social por meio de: conferências, conselhos, ouvidorias, mesas de diálogo.

5. Corrige a desigualdade na política.

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Anexo IX QUADRO C

178 – Percepção dos políticos sobre a categoria democracia

ID Pergunta: o Brasil é uma nação que vive sob o signo da Democracia. Considerando ser essa categoria passível de várias interpretações, qual importância da democracia e como você descreveria o modelo de Democracia instalada no Maranhão?

1. Entrevistado: Joan Botelho – Político

É importante à democracia sim, porque ela tem uma série de fundamentos que outros modelos não têm, como por exemplo, a eletividade, os cargos como de alguns poderes como executivo, legislativo geralmente são previsíveis, enfim, a população elege, há de qualquer que forma uma votação nos deputados que representa essa ideia de um parlamento organizado. Então, claro, que eu sou favorável a uma democracia, se fosse contra a democracia, eu defenderia uma oligarquia, ou um golpismo, ou uma monarquia, ou um regime absoluto ou até mesmo um anarquismo, a simpatia, mas não a modelo de poder anarquista no mundo contemporâneo que tenha pelo menos se consolidado, tentativas tiveram. Então, eu defendo a democracia, o problema é que a nossa democracia é uma democracia que chamo de manca. Ela é uma democracia que apresenta muitos vícios e que a empana, uma democracia que acaba enfraquecida [...] Então, alguma coisa está errada na nossa democracia, porque essa democracia, ela a brasileira, ela não expressa a vontade da maioria de fato que está no conceito de democracia, é uma democracia que ao mesmo tempo em que você votar no Congresso, você defende interesses escusos, e aí a gente está assistindo o tamanho da corrupção no Brasil, com a Lava Jato e com uma série de outros aparatos de corrupção que envolve Presidente da República, Presidente de Câmara, de Congresso, Deputados, ex-presidente, Senadores, então, isso tudo dentro de um sistema que é democrático, que é a democracia propícia alternância, propícia votos, propícia perspectiva e debate de participação, mas a nossa democracia ela tem deixado muito a desejar, por conta de que ela não expressa a vontade da maioria, de que as pessoas não têm hoje confiabilidade na democracia [...].

2. Entrevistado: Jose Sarney

A democracia é o regime em que se trabalha, por todos, para todos. A democracia brasileira é falha, e precisa de reformas urgentes, mas é brasileira, quero dizer, vale para todo o País.

3. Entrevistado: Benedito Buzar

Acho que as coisas aqui sempre funcionaram, as coisas que caracterizam realmente um funcionamento de uma democracia, os poderes sempre tiveram certa independência, “independência”, porque a gente sabe, que a Assembleia, aqui e alhures (em alguma parte), sempre foi dependente do poder executivo [democracia eleitoral]. Poder do povo, distribuição de renda, de todas as classes sociais terem acesso ao poder, isso, nesse aspecto, eu não vejo uma democracia ter alguma presença marcante, ela ser objeto realmente de um paradigma, ser o símbolo, realmente do funcionamento de um poder. As classes populares são muito usadas, até demagogicamente, para a construção de determinadas coisas por aí. Os poderes? A gente pode dizer que sempre funcionaram, mas quem mandava no poder? É o Governador quem manda realmente, e até hoje, quem é o maior partido? É o cargo de Governador!

4. Entrevistado: Domingos Dutra

A democracia é o destino da humanidade, mesmo nos países islâmicos, que são os países mais fechados, a gente viu a primavera Árabe, a população lutando para ter um mínimo de liberdade, isso vale para todos os segmentos, para mulheres, negros, índios, homossexuais, jovens e crianças. E aqui no Maranhão, como um Estado que tem uma economia ainda muito primária ainda baseada na economia do campo. Não é que eu esteja defendendo uma sociedade industrializada, mas a nossa agricultura é uma agricultura ainda rudimentar, é uma agricultura do toco, com tecnologia muita baixa, onde a mão de obra é camponesa e ainda braçal, onde os equipamentos são rudimentares, onde as políticas públicas são muitas frágeis, e o desenvolvimento industrial no Maranhão são bolhas, nós temos bolhas em: São Luís, um pouquinho em Imperatriz, Açailândia Caxias; nos dez municípios mais importantes. No resto, a economia é do setor primário, ainda muito rudimentar. E, no aspecto político, as nossas instituições neste momento também são muito frágeis, as nossas prefeituras ainda são muitas

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Haroldo Saboia na categoria de político, não respondeu a questão sobre a democracia.

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cartoriais, foram criados muitos municípios que não têm como se sustentar, porque não existe economia real [...].

5. Entrevistado: José Reinaldo Tavares

Acho que a democracia no Brasil tem funcionando bem, e tem provado isso, tem instituições fortes e tem conseguido passar por crises enormes nestes tempos, mantendo a liberdade,

mantendo o Congresso aberto, funcionando livremente.

6. Entrevistado: Joaquim Washington Luiz de Oliveira

A democracia aqui no Maranhão não existe, como não existe no Brasil; porque democracia, no

meu entender, é o governo do povo, e governo não é só o executivo; é o legislativo, é o judiciário,

nós não temos isso aqui, nós temos um judiciário que é isso que nós conhecemos hoje, um

legislativo em que a maioria são conservadores, talvez aqui nós tenhamos uma coisa contida”

[...].

7. Entrevistado: Eliezer Moreira Fico muito confuso com essa democracia brasileira. Parece-me que essa democracia, na feição

que nos coloca hoje, que nós herdamos do EUA, da Constituição americana, essa democracia,

eu acho que ela está se extinguindo, sua ideologia, em minha opinião, está findando, porque ela

não satisfaz mais os anseios de uma nação continente que é este país. Você vê que o Lula. Com

toda sua capacidade de articulação, ele não conseguiu colocar essa democracia no trio

permanente, tanto que ela já afundou, acabou a era Lula, apesar dos benefícios que ele fez a

essa democracia, principalmente aos pobres; a Câmara e o Senado não satisfazem mais as

nossas necessidades [...].

8. Entrevistado: Francisco Gonçalves da Conceição Primeiro, você tem um aspecto importante da luta pela democracia no Brasil, que toda a luta que

houve contra a ditadura militar pelo perfil e a forte presença dos movimentos sociais e ali

estiveram em disputa várias concepções de democracia, eu diria que a carta constitucional de

1988 termina construindo um modelo de democracia com uma série de inovações que estavam

ligadas à própria dinâmica da luta social no Brasil. Uma dessas inovações está ligada à ideia de

controle social, da participação popular, da transparência, isso, sobretudo, uma democracia que

tem com âncora os direitos sociais, esse é um aspecto importante numa sociedade como a

nossa, em que o ciclo de exclusão gerado pela escravidão, pelo sistema escravocrata ainda hoje

organiza o Estado brasileiro e as relações sociais no Brasil [...]

9. Entrevistado: Remi Ribeiro Oliveira Nós temos um presidencialismo imperial, nós não temos um presidencialismo democrático. Quem

é Presidente de alguma seção, de alguma empresa ele é uma espécie de dono, ele é um rei, um

imperador. [...] A democracia é muita relativa, porque é uma conquista da população, e o povo do

Maranhão não tem muito o hábito de lutar pelos seus direitos, pela garantia de ver funcionar a lei,

não tem esse hábito, no interior é muito comum. Então, o povo do Maranhão não tem o hábito de

lutar, por exemplo, se tem um pau que cai na estrada, ele, em vez de cortar o pau e abrir o

caminho, faz um arrodeio para ele passar; se tem uma abelha picando uma pessoa, ele diz: cala

a boca, fala baixo que tem uma abelha, isso para não mexer. Então, aprende a se acomodar,

esse comodismo do maranhense é que faz com que a gente continue tendo o estado nas

condições que temos [...] No Maranhão, não há uma luta constante de representação de

renovação de quadro, os novos não querem saber: “política não é do meu interesse”. Termina

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sendo uma coisa interessante, quem não gosta de política vai ser governado por quem gosta, e

muitas vezes este nem preparado para o exercício do mandato está. Não adianta ele não gostar,

o outro vai e gosta, e política não tem espaço vazio [...] A política do Maranhão hoje está sem

quadros, se você olhar os políticos, você está aí com homens de 70 anos e um vazio de homens

de 50 anos para ocupar os espaços, e os novos que estão vindos, estão vindos bichados, e a

mulher na política no Maranhão não é pela conquista do feminismo, a maioria das mulheres na

política é porque os maridos estão bichados e botam a mulher [...]

10. Entrevistado: Aderson Lago

É muito frágil essa democracia nossa. Porque o poder econômico, queira ou não queira, é a coisa

mais forte ainda dentro da democracia que nós vivemos, que o país vive é o poder econômica.

Um exemplo está aí nessa Lava Jato: JBS, Odebrecht, que é isso, tudo é poder econômico, que

compra e manipula a democracia ao seu bel prazer.

11. Entrevistado: Edson Carvalho Vidigal

A democracia do Maranhão ainda continua sendo miríade, algo com que a gente sonha, algo que às vezes a gente vê como uma possibilidade distante, mas possível, e não será alcançada se não for pela conscientização, e essa conscientização passa inexoravelmente pela educação. Eu não tenho informações, neste momento, da estatística do índice de analfabetismo do Maranhão, mas eu desconfio de que não mudou muito, uma vez que nós temos algo em torno de dois milhões de analfabetos. Então, se uma população segundo consta está em torno de seis milhões, sete milhões; dois milhões de analfabetos é como se uma ilha de São Luís, que tem mais de um milhão de habitantes, fosse habitada só por analfabetos. Agora, nós estamos falando aqui, como se diz no interior, de analfabeto de pai e mãe, já o analfabeto político, que é o que decide as eleições, esse precisará não só de alfabetização, mas também da conscientização, e essa conscientização ela só é possível pela pluralidade da informação, dos meios de informações, e no Maranhão continua o monopólio, mude quem mudar, continua o monopólio. Então, os meios de comunicações, que são as grandes redes do Maranhão, Rede Mirante, que pertence e ainda está sobre o controle do grupo Sarney; e a Rede Difusora, que, até onde se sabe, ainda está sobre o controle da família Lobão, e que antes já pertenceu a Luiz Rocha, que foi governador [...] e fora daí o que você tem são as paralelas, e que também estão sobre o controle, essa que reproduz a TV Bandeirante que é do Manoel Ribeiro. Na verdade, João Castelo esteve na disputa, quando o Itamar Franco era o Presidente da República, e ela acabou ficando com o dep. Manoel Ribeiro, que é aliado do grupo Sarney, a TV Ribamar..., o resultado dela é uma divergência de espólio de Raimundo Vieira da Silva e de Luiz Rocha, hoje representada pelos filhos [...]. Então é isso aí, e estação de Rádio? Tirando a Rádio que tem mês que não consegue pagar a conta de luz, você vai dar uma entrevista numa rádio dessas aí, o que vão te dizer logo de saída, não pode falar do governo, aí já você está desarmado, tu já entras no ar e te autocensurando. Então, que esclarecimento você pode dar para uma população que se embebeda na novela, se embebeda com a informação manipulada e você não tem outros meios, então esse é um trabalho, a construção da democracia do Maranhão é um trabalho hercúleo, independente ou não de você estar no governo [...]. Então, a democracia não pode ser uma dádiva, ela tem que ser uma conquista. E como conquista, ela tem que ser uma vitória todo dia, não é um sujeito na frente de barba comprida e um cajado, é uma obra coletiva, mas de todo dia. Todo dia, há conspirações contra a democracia, então nós estamos vendo que há mais conspiradores, mais antidemocratas do que alguém preocupado com a construção democrática [...]

12. Entrevistado: Luís Pedro de Oliveira O Brasil sempre viveu uma democracia sem povo, nós temos um jogo de elites subsistindo

durante os séculos, e onde isso foi posto em xeque de maneira mais, digamos assim, de maneira

mais real foi na Constituinte de 1986. Essa Constituinte foi que permitiu que a gente tivesse os

governos populares, os governos de centro- esquerda do Lula e da Dilma, foi uma consequência

direta disso, de você ter ampliado os espaços democráticos no país, criação dos conselhos, e a

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própria, vamos dizer assim, entrada de setores mais à esquerda no panorama nacional de forma

mais efetiva. Hoje a gente pode dizer o seguinte, a gente aqui comemora o fato de Flávio Dino

ser o primeiro Governador comunista do Brasil, mas a gente não lembra que já teve um primeiro

Presidente da Câmara comunista, que aqui chegou, inclusive, a assumir a Presidência da

República, que foi o dep. Aldo Rabelo (SP), então, um negócio desses era inimaginável até 1985.

Com a Constituinte, em 1986, e com a promulgação da Constituição em 1988, é que o panorama

começou a mudar, e acho que a esquerda, as forças democráticas trabalharam bem no sentido

de que essa coisa se encaminhasse por um bom tempo [...]. Então, no Maranhão, você vê aqui,

nós temos um estado em que você não pode dizer assim: você tem um deputado, senadores,

então, nem pensar, mas deputados federais eleitos pelo voto popular, de opinião; mesmo as

forças mais à esquerda, e aqui eu incluo aí, inclusive, o meu camarada Flávio Dino, que quando

se elegeu deputado federal, em 2006, se elegeu com o peso das forças conversadoras.

Comparando com outro Estado que conheço, que é o Ceará, você tem deputado que sai de uma

votação, ainda porque a grande Fortaleza representa mais de 30% do voto do Ceará, aqui na ilha

de São Luís esse índice é 17,5%. Então, você não tem aquela força de um voto de esquerda, de

um voto de opinião, pois até os votos de opinião que surgem são atrasados. Na última eleição

(2016), quem se beneficiou foi um segmento do voto dos evangélicos; foi o Edivaldo Holanda Jr.

(PDT), e a Eliziane Gama (PPS), e me arrisco a dizer que, talvez, tenhamos um fenômeno não

mais ligado às correntes evangélicas, mas, vamos dizer assim, um neossarneysismo travestido.

Acho que o Eduardo Braide (PMN) teve uma votação muito grande desse voto de opinião, mas

de uma opinião completamente sem raízes populares.

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Anexo X

TABELA 4 – Características da percepção o dos políticos da categoria democracia

CARACTERISTICAS DOS MODELOS DE DEMOCRACIA ENTREVISTADO (A)

LIBERAL 1 2 3 4

5

6

7

8

9

10

11

12

1. Representação política. X X X X

X

X

X

X

X

X

X

2. Governo de maioria X X X X X

3. Prevalência da sociedade civil

4. Liberdade de ação na esfera privada do indivíduo

5. Direito de opinião, manifestação, reunião, etc. X

ELITISTA 1 2 3 4

5

6

7

8

9

10

11

1. Distinção entre dirigentes (minorias) e dirigidos (maiorias). X X X

X X X X

2. Concorrência entre elites através do voto X X X X X X

3. Empoderamento do eleitor que decide o voto entre alternativas dadas.

X

4. Presença da oposição. X

PARTICIPATIVA 1 2 3 4

5

6

7

8

9

10

11

1. Participação ativa dos cidadãos.

2. Forma semidireta.

3. Sociedade civil tem canal direto de interlocução com o Estado.

4. Controle social por meio de: conferências, conselhos, ouvidorias, mesas de diálogo.

X X

5. Corrige a desigualdade na política.

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Anexo XI

CRONOLOGIA DE FATOS HISTÓRICOS DA CENA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA NO MARANHÃO.

NO PERÍODO DE 2002-2016

ANO FATO OBJETO

1.º de março de 2002 “Operação Lunus” Operação deflagrada pela Policia Federal, em março de 2002, na sede da empresa Lunus, em São Luís (MA), que resultou na apreensão de 1,340 milhões de reais e tornou-se o epicentro de uma crise política que modificou os rumos da campanha eleitoral de 2002. Na época, Roseana Sarney (PFL) figurava numa eficiente campanha de marketing, como exemplo de governante corajosa, determinada e, sobretudo, competente, por ter criado as Gerências Regionais de Governo.

05 de outubro de 2002

1.º turno: Luís Inácio Lula: candidato a Presidente da República, pela quarta vez (1989, 1994, 1998). Obs.: nesse eleição Lula venceu em 101 munícipios e José Serra em 116. O Maranhão tem 217 municípios.

Lula buscou o apoio de José Sarney (PMDB), e no Maranhão o candidato a governador foi José Reinaldo Tavares (PFL), na época, vice-governador de Roseana Sarney. O PT no Maranhão lançou a candidatura do sindicalista e ex-presidente da CUT-MA, Raimundo Monteiro, ao cargo de Governador, e Haroldo Saboia como senador.

Ricardo Murad (PSB), irmão do marido de Roseana Sarney estava em conflito com a família, e como seu desejo sempre foi ser Governador do Maranhão, lançou-se. Mas, como era cunhado da governadora, a legislação eleitoral indeferiu sua candidatura e anulou seus 114.640 votos (5,7% do total).

26 de outubro de 2002

2.º Turno da eleição

Resultado Eleitoral: Lula (PT) foi eleito com 52.793.261 votos (61,3%) e José Serra (PSDB) obteve 33.370.723 votos (38,7%). Total de Eleitores: 115.252,113. Comparecimento: 91.664.135 (79,53%). Abstenção: 23.589.072 (20.47%). Votos válidos: 86.163.984. Brancos: 1.727.759. Nulos: 3.772.134 Total de votos apurados: 91.663.877.

José Reinaldo (PFL) foi eleito Governador, com 1.076.893 votos (48,4%) e Jackson Lago (PDT) obteve 896.930 votos (40,3%). Fonte: TRE-MA.

1º de janeiro de 2003

Lula agora Presidente. Posse histórica: mais de 50 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Agosto de 2004 Crise Intraoligárquica

O governador José Reinaldo Tavares rompeu com o grupo da Sarney.

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Abril de 2005

Início da estratégia para derrotar o grupo da Oligarquia Sarney.

José Reinaldo continua rompeu com o grupo da oligarquia.

25 de outubro de 2006

Comício na cidade TIMON-MA – três dias antes do 2.º turno da eleição de 2006.

No comício, Luiz Inácio Lula da Silva, investido no cargo de Presidente da República e candidato a reeleição, pediu aos maranhenses que votassem em Roseana Sarney (PFL) para o governo do Estado.

O PT-MA oficialmente estava apoiando no 2º turno a candidatura de Jackson Lago (PDT).

04 de outubro de 2006

1º turno: Luís Inácio Lula: candidato à reeleição.

Lula agora concorreu contra Geraldo Alckmin (PSDB-SP).

28 de outubro de 2006

Eleição para governador, Senador, deputado federal e estadual. O grupo da oligarquia Sarney sofreu sua primeira derrota no plano político-eleitoral

Estratégia montada por José Reinaldo Tavares, foram lançados três pré-candidatos a governador: Jackson Lago (PDT), Edison Vidigal (PSB) e Aderson Lago (PSDB). Alguns analistas políticos cunharam de “cooperativas de candidatos”.

Jackson Lago (PDT) foi eleito governador no 2º turno.

1º de janeiro de 2007

Lula empossado no cargo Presidente.

Jackson Lago foi empossado na Assembleia Legislativa e foi à Praça Maria Aragão, onde fez ato público.

Abril de 2007 Jackson Lago enfrentou Greve do movimento de professores da Rede Estadual.

Conhecida com “Lei do Cão”, a Lei 8592/07 — Subsídio Salarial — foi implementada pelo governador do Maranhão, Jackson Lago.

Junho de 2007

Greve dos policiais civis. No caso dos policiais civis, a mesma crise por defasagem salarial.

28 de maio de 2008

Lançamento do Projeto PAC RIO Anil

Governador Jackson Lago lançou o Projeto PAC Rio Anil, com o objetivo de erradicar as palafitas da margem esquerda do Rio Anil (Camboa, Liberdade e Fé em Deus).

5 de outubro de 2008 Eleição municipal Governador Jackson Lago decidiu apoiar a candidatura de João Castelo (PSDB), mesmo tendo outros candidatos a prefeito na base do seu governo de coalizão: Flávio Dino (PCdoB), Clodomir Paz (PDT), este tivera apoio do prefeito da capital maranhense, Tadeu Palácio (PDT), mesmo partido de Jackson Lago.

Abril de 2009 Movimentos pró-Jackson Lago organizaram acampamento de resistência contra a cassação na frente do Palácio dos Leões.

Acampamento foi apelidado de “Balaiada” — uma forma de resistência em defesa da democracia e contra a cassação do mandato do governador Jackson Lago (2009).

16 de abril de 2009

TSE aprovou cassação do mandato de Governador de Jackson Lago.

Governador Jackson Lago teve seu mandato cassado, no dia 16 de abril 2009, pelo TSE, acusado por abuso

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de poder político e econômico: comício do município de Codó (MA).

17 de abril de 2009 Jackson Lago deixou o Palácio dos Leões – onde tentou resistir contra a cassação do seu mandato.

Roseana Sarney foi empossada no cargo de Governadora do Maranhão pela quarta vez, na Assembleia Legislativa.

9 de dezembro de 2009

Lula fez sua 1ª visita na condição de Presidente da República ao Maranhão.

Objetivo da visita: inauguração da etapa do Projeto PAC Rio Anil, no bairro da Camboa e Liberdade, com entrega de apartamentos aos Palafitados beneficiados.

Na mesma agenda, Lula e sua comitiva inaugurou a Expansão da Refinaria de Alumínio do complexo Alumar.

15 de janeiro de 2010

Lula fez sua 2ª visita na condição de Presidente ao Maranhão

Objetivo: lançamento da pedra fundamental da Refinaria Premium I no município de Bacabeira (a II era em Pernambuco a III no Ceará), o que ficou só na promessa.

10 de março de 2010

Encontro Estadual histórico de Delegados/as do PT maranhense.

Pauta do Encontro: deliberação sobre a tática eleitoral e aliança para eleição de 2010. Quem o PT-MA ia apoiar. Havia duas teses: apoiar a pré-candidatura a governador de Flávio Dino (PCdoB) ou Roseana Sarney (PMDB). Resultado: foi aprovada pelos delegados (as), por dois votos de diferença, a tese de aliança e apoio ao candidato a governador do PCdoB. Mas, por meio de uma intervenção da direção nacional do PT, foi decidido que o partido deveria apoiar a candidatura de Roseana Sarney (PMDB). Houve muita resistência, até greve de fome no plenário da Câmara dos Deputados do dep. federal Domingos Dutra (PT-MA), do líder camponês e fundador do PT Nacional, Manoel da Conceição e da ex-deputada Terezinha Fernandes (PT-MA).

5 de outubro de 2010

(1.º turno): da eleição de Dilma Presidente — candidata de Lula.

Dilma - Ministra da Casa Civil (que havia substituído o ministro José Dirceu, depois do episódio do mensalão, em 2005), concorreu contra o candidato Geraldo Alckmin (do PSDB-SP). A ex-petista Marina Silva, então filiada ao PV também foi candidata a presidente.

No Maranhão: Roseana Sarney concorria ao cargo de governadora tendo como vice o petista Joaquim Washington Luís. Foi eleita com 50,07% dos votos válidos, derrotando os seus principais opositores, o candidato Flávio Dino (PCdoB), apoiado pelo ex-governador José

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Reinaldo (PSB), e o ex-governador Jackson Lago (PDT), que ficou em terceiro lugar na eleição de 2010 (aqui não contava com o apoio de José Reinaldo). A oposição levantou a hipótese de fraude.

A coligação de Roseana Sarney 2010 elegeu os dois candidatos a senador: Edison Lobão (PMDB) e João Alberto (PMDB).

1º de janeiro de 2011 Posse de Dilma — Presidente — primeiro mandato.

Roseana Sarney foi empossada pela quarta vez no mandado de governadora do Maranhão.

janeiro de 2012

Crise no sistema carcerário de Pedrinhas

Governo Roseana Sarney sofreu sua maior crise e desgaste político com as rebeliões no sistema prisional de Pedrinhas, com repercussão na mídia nacional.

4 de outubro de 2012 Eleição municipal Flávio Dino, exercendo o cargo de superintendente da EMBRATUR do governo Dilma, apoiou a candidatura de Edivaldo Holanda Jr., um jovem deputado federal de primeiro mandado e filiado à pequena sigla partidária PTC (controlada pelo pai).

29 de novembro de 2013 Renúncia do vice-governador petista de Roseana Sarney.

Joaquim Washington Luís deixou o cargo de vice-governador para ocupar vaga de Conselheiro no Tribunal de Contas do Estado (TCE). Assim ficaria fora da linha sucessória o PT-MA.

17 de março de 2014

Alberto Youssef (doleiro) preso, em São Luís (MA).

A prisão do doleiro, que ocorreu no Hotel Luzeiros, na cidade de São Luís-MA, foi um fato que fez a Lava Jato ganhar maior publicidade na sociedade.

20 de março de 2014 Presidente Dilma Rousseff visitou o Maranhão. Visita à cidade de Imperatriz, no

Maranhão, para inauguração de fábrica de celulose da Suzano.

Na comitiva da presidência da república, estavam: governadora Roseana Sarney, os senadores José Sarney, João Alberto e Edison Lobão Filho, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o prefeito de Imperatriz, Sebastião Madeira. Além de políticos da região, executivos da Suzano Papel e Celulose.

14 de setembro de 2014

Nova rebelião no sistema Penitenciário de Pedrinhas.

Governo Roseana Sarney enfrentou pesada crise do sistema de segurança do Estado.

5 de outubro de 2014

1.º turno: Dilma concorreu à reeleição para Presidente; e

Flávio Dino, à eleição ao cargo de governador do Estado contra

o candidato da oligarquia, Edison Lobão Filho.

Flávio Dino (PCdoB) foi eleito no primeiro turno, com 1.877.064 votos (63,52%), mais uma vez sem o apoio do PT. Por orientação do PT nacional, o apoio foi dado à candidatura do suplente de senador, Edison Lobão Filho (PMDB) que obteve 995.619 votos (33,69%).

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29 de outubro de 2014

2.º turno da eleição para presidente

Dilma (PT) disputou contra Aécio. Dilma venceu o pleito com um total de 54.501.118 votos (51,64%) votos e Aécio (PSBD), 51.041.155 (48,36%) votos. Uma disputa acirrada e sobre forte acusação pelos adversários do PT-LULA-DILMA, de abuso de poder político e econômico.

1º de janeiro de 2015 Flávio Dino – eleito governador. Fez juramente na Assembleia Legislativa e foi empossado pelo dep. Max Barros (PMDB), que presidia a sessão. Depois de empossado, agora governador, Flávio Dino seguiu para o Palácio dos Leões, sede do Governo do Maranhão, e da sacada fez seu discurso. Ele foi o 2º candidato da oposição a vencer o grupo da oligarquia Sarney. O discurso do novo Governador foi de mudança e superação dos péssimos indicadores sociais, combatendo as desigualdades.

.

10 de agosto de 2015 Presidente Dilma Rousseff – visita a São Luís (MA): Minha casa, Minha Vida.

Objetivo da visita de Dilma: entrega de 3 mil casas do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, sendo 2.020 moradias de dois residenciais, em São Luís. Na companhia do govenador Flávio Dino, mas não visitou o Palácio dos Leões (sede do governo).

17 de abril de 2016

Impeachment de Dilma Rousseff.

Dilma foi acusada de crime de responsabilidade. O impeachment foi aprovado na câmara por 327 votos a favor e 187 votos contra. Foi afastada imediatamente do cargo, e Michel Temer assumiu interinamente o cargo de Presidente, até a ratificação ou não pelo Senado.

31 de agosto de 2016

Votação do Impeachment de Dilma no Senado.

No Senado, o processo foi admitido e aprovado por 68 votos a favor e 14 contra. Em seguida, na mesma seção presidida pelo Presidente do STF, Ricardo Lewandowski empossou-se Michel Temer, agora como Presidente do Brasil.

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Anexo XII

ENTREVISTA CONCEDIDA POR JOSÉ SARNEY A SÍLVIO SÉRGIO FERREIRA PINHEIRO ENVIADA POR E-MAIL NO DIA 13 DE JULHO DE 2017.

1. Como contextualiza a formação social e econômica do Estado do Maranhão,

considerando o enfoque nacional e da Região do Nordeste?

Sarney: A divisão das correntes marítimas ao chegar ao Brasil fazia com que as

comunicações entre as costas Norte e Este fossem difíceis. A colonização só chegou à

costa Norte quando os franceses tentaram se instalar no Maranhão. Daí a divisão que

tanto durou entre os Estados do Brasil e do Maranhão e Grão-Pará. O Estado do

Maranhão funcionou como um espaço predominantemente vinculado à Metrópole e por

ela mantido com uma ocupação que assegurasse a soberania de Portugal, mas sem

investimentos relevantes. Só com Pombal se pensou em termos de exploração

econômica. O estado e seus habitantes eram pobres, com uma economia restrita à

subsistência. Esse seria o nosso destino se não tivéssemos a capacidade de pensar em

soluções estratégicas, como o Porto do Itaqui e a integração Norte-Sul. E só com

propostas modernas poderemos voltar a ter um ritmo de crescimento maior que o

nacional, de maneira a que um dia possamos alcançar e superar os estados mais

desenvolvidos do País.

2. Vários analistas do campo acadêmico, da política, de movimentos sociais e do

cotidiano da mídia considera que a família Sarney é uma oligarquia?

Sarney: Isso é um mantra fora do tempo. Remonta a 1930, quando a Revolução foi feita

contra as oligarquias. Num tempo de comunicação em tempo real, das redes sociais, da

internet, falar em oligarquia é um recurso bolorento e anacrônico de fazer política. É uma

arma que não pega mais e vem sendo repetida em todas as campanhas pelos que nos

combatem. Somos no Maranhão a modernização. Mudamos a mentalidade do Estado

discutindo vias de desenvolvimento. Hoje somos o 17º Estado do Brasil. É o que se

chama hoje nos Estados Unidos de “fake news”.

3. O que representou e/ou ainda representa a sua liderança (digo, do Sarney) no plano

estadual e nacional, e de onde vem a sua força e longevidade na atuação política?

Sarney: Eu e minha geração, adolescentes durante a Segunda Guerra, tínhamos o

exemplo da luta pela democracia e, em seguida, da recuperação do Estado de Bem

Estar Social na Europa, se contrapondo ao atraso dos métodos políticos no Maranhão.

Daí nossa luta pelo estabelecimento de um novo tempo, de democracia com justiça

social. Esses objetivos eu mantive e é com eles que me tornei respeitado por amigos e

adversários.

4. Como ver o papel do governo central/federal e dos estados ricos em relação aos

interesses do Maranhão?

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Sarney: A construção da Federação, sonho de Joaquim Nabuco e alguns outros no fim

do Império, ainda não se concluiu. Assim, a União representa uma força incontrastada no

cenário administrativo, político e econômico, enquanto os estados vivem em guerra uns

contra os outros. O Maranhão — e isso vale para todos os estados brasileiros — só pode

contar consigo mesmo para o seu desenvolvimento, tendo que conquistar, a cada dia, a

parte que lhe cabe de direito.

5. O Brasil é uma nação que vive sob o signo da Democracia. Considerando ser essa

categoria passível de várias interpretações, qual importância da democracia e

como você descreveria o modelo de Democracia instalada no Maranhão? O que

contribui para essa condição?

Sarney: a democracia é o regime em que se trabalha, por todos, para todos. A

democracia brasileira é falha, e precisa de reformas urgentes, mas é brasileira, quero

dizer, vale para todo o País, e não admite sistemas particulares, no Maranhão ou em

qualquer outro estado. Infelizmente há quem não pratique suas regras e procure impor

modelos contrários às leis e à própria História.

6. Fale sobre a eleição do PT tendo Lula como candidato a Presidente da República

em 2002, e a sua declaração de apoio (Senador José Sarney) ao candidato

operário?

Sarney: considero que a eleição de Lula — a chegada de um operário ao poder, com

toda a carga simbólica e factual que isso representa — é um momento maior de nossa

vida política. Meu apoio foi tanto por compreender isto quanto porque o considerava o

melhor candidato.

7. Considerado o primeiro governador no século XXI, eleito por via direta sem aliança

com seu grupo político (digo, grupo Sarney), considerando que o ex-governador

José Reinaldo que fora eleito em 2002 com seu apoio, mas romperá em 2004,

apoiando a eleição de Jackson Lago, em 2006, o que representou essa eleição para

o Maranhão?

Sarney: na democracia não podemos recusar a alternância do poder, que faz parte de

sua essência. Devemos, no entanto, lamentar que qualquer um use de métodos que

contrariem as leis, e desejar que o cumprimento da lei seja observado, seja

espontaneamente, seja por intermédio da Justiça.

8. Em 2009, o governador Jackson Lago (PDT/MA) teve seu mandato cassado – em

17/04/2009 pelo TSE - e quem o sucedeu fora a candidata Roseana Sarney

(PMDB/MA)? Foi golpe.

Sarney: sempre segui as decisões judiciais. Quem agiu erradamente — é o veredicto da

Justiça — foi à campanha de Jackson Lago. Eu nada tive com isso, nesse tempo já

estava há mais de vinte anos afastado da política maranhense.

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9. E o que dizer da eleição de Flávio Dino (PCdoB/MA) para o governo do Maranhão,

em 2014, outro novo personagem na cena político-eleitoral do Maranhão de

oposição ao grupo Sarney? Fale um pouco.

Sarney: creio que Flávio Dino não é, nem representa, o novo na política de nosso

estado. Para dar só um exemplo, ele fora candidato a governador já na eleição de 2010.

Além disso seus ideais políticos são do fim do século XIX, bastante ultrapassados. Não

tínhamos candidato, pois o político que preparávamos há três anos, Luís Fernando Silva,

desistiu, na última hora, da disputa. Lançamos Edson Lobão Filho, que, embora fosse

um excelente nome, teve apenas três meses para trabalhar sua campanha.

10. E o impeachment da Presidente Dilma (PT) - aprovado na câmara em 17/04/2016 e

no senador em 31/08/2016 - e a posse do seu vice-presidente Michel Temer

(PMDB/SP), comente? Foi golpe

Sarney: lamentei que o País tenha tido que passar, em tão curto espaço de tempo, por

dois processos de impeachment. São imensos traumas para a Nação, que só devem ser

aceitos se não houver outra alternativa. Mas se a lei é seguida, não se deve falar em

golpe.

11. O que você espera do futuro do Maranhão em uma perspectiva socioeconômica, já

que a ainda é um estado pobre com grandes desigualdades?

Sarney: creio que o Maranhão tem potenciais estratégicos que podem ser aproveitados

de maneira a que toda a sociedade se beneficie. Isto está no campo do possível e basta

que o Estado se una para que isso aconteça.

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Anexo XIII

Carta de Manoel da Conceição ao Companheiro Presidente Lula

Imperatriz (MA), 03 de junho 2010.

Nobre companheiro presidente Lula,

É com a ternura, o carinho e o amor de um irmão, a confiança, o respeito e o compromisso de um companheiro de classe, das organizações e lutas históricas dos trabalhadores e das trabalhadoras deste país e do mundo que me sinto com a liberdade e o direito de lhe enviar esta 2ª carta, tratando de questões que compreendo ter muito a ver com a responsabilidade do companheiro, tanto como agente político das lutas em prol da justiça social para a classe trabalhadora como também na qualidade de um primeiro Presidente da República legitimamente forjado nas organizações e lutas desse povo excluído, sofrido, mas que é capaz de realizar o impossível enquanto força social e política organizada e consciente do seu projeto de libertação classista.

Dirijo-me ao companheiro com a minha identidade de trabalhador rural, de sindicalista, de ambientalista, de humanista e de militante e fundador do Partido dos Trabalhadores, em cuja criação comecei a sonhar e trabalhar quando ainda me encontrava no exílio, juntamente com honrados companheiros e honradas companheiras que haviam sido banidos do nosso país pela intolerância de um governo totalitário e de regime militar. Porém minha identidade social, política e classista se origina bem antes da criação do PT e da CUT, instrumentos classistas dos quais me orgulho de ter sido cofundador, juntamente com o companheiro e um conjunto de honrado(a)s e legítimo(a)s militantes e intelectuais orgânicos da classe trabalhadora.

Na realidade, companheiro Lula, minha história de luta social e política se originou aqui mesmo no Maranhão, estado do qual sou filho natural com minha matriz étnica negra e indígena. Agora, em julho de 2010, completarei 75 anos de idade. Quando eu era ainda jovem, vi meu pai e muitas famílias agricultoras serem massacrados e enxotados de suas posses por latifundiários, coronéis e jagunços, acobertados e protegidos por um governo oligárquico. Certa vez, presenciei um grande massacre de companheiros meus quando estávamos reunidos em uma pequena comunidade rural do interior do Maranhão. Nesse dia, fomos atacados de forma covarde por um grupo de soldados e jagunços, que, sem darem a menor chance de defesa, assassinaram cinco pessoas, entre elas, uma criança que correu para abraçar o pai caído no chão e foi pego pelas pernas e arremessado contra a parede, e sua cabeça abriu-se, espalhando os miolos, também uma velhinha, que tentou impedir a morte do filho foi cravada de punhal em suas costas, ficando rodando no chão espetada.

Eu escapei por puro milagre, com um tiro na perna, mas me tornei mais revoltado ainda com a classe latifundiária e jurei perante a comunidade lutar o resto de minha vida contra os latifundiários e suas injustiças. Presenciei um segundo massacre em 1959, quando estávamos novamente reunidos em uma comunidade por nome Pirapemas para preparar a defesa de uns companheiros que estavam sendo acusados de ter invadido uma propriedade e roubado umas frutas do sítio. Nesse dia, chegou um grupo de uns 20 policiais, soldados, tenente, cabos e um sargento. Ao chegarem ao local da reunião, o sargento perguntou quem era o presidente da associação, e como foi respondido que não havia presidente o sargento falou: pois então todos são presidentes e vão levar bala. Nesse dia, foram assassinados sete companheiros e três outros ficaram gravemente feridos. Minha primeira motivação para a luta era sustentada em pura revolta, ódio dos exploradores da minha família e das famílias camponesas da mesma região que habitávamos. Sem a menor consciência política e dominado pelo ódio, eu cheguei a acreditar que a libertação dos trabalhadores de tal estado de sujeição dependeria de um salvador da pátria, de um homem corajoso, de um herói que com o apoio eleitoral dos oprimidos iria pôr fim a tal dominação. A partir desse entendimento extremamente limitado e de um profundo sentimento de revolta pela violência testemunhada e sofrida, vi surgir na minha ingenuidade uma esperança para salvar a massa camponesa do jugo dos latifundiários apadrinhados pelo poder da oligarquia vitorinista que comandava o estado do Maranhão.

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O nome dessa esperança era José Sarney. Com um discurso muito bem-elaborado e com a radicalidade de um revolucionário, Sarney prometia exatamente o que nós, camponeses, queríamos ouvir: um Maranhão novo e livre de oligarquia, reforma agrária, punição dos crimes cometidos contra as famílias camponesas e indenização dos prejuízos a elas causados pelo gado dos fazendeiros. Eu acreditei no discurso do cidadão e me tornei um aguerrido cabo eleitoral, andando a cavalo em todas as comunidades da região fazendo sua campanha. Resultado, com uma grande adesão popular, elegemos o José Sarney em 1965 para ser o governador do Maranhão. Nessa época, eu já era presidente do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Pindaré Mirim, que congregava trabalhadores rurais de toda a grande região do Pindaré. Mesmo sem ainda ter uma sólida consciência de classe, eu já havia sido preso e espancado severamente pela polícia da ditadura militar. Foi por conta dessa perseguição que eu passei a acreditar nas promessas do Sarney, que, caso fosse eleito, seria uma força aliada dos trabalhadores contra a repressão da ditadura militar. No dia 13 de julho de 1968, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Pindaré-Mirim havia convocado uma reunião da categoria para receber a visita de um médico para tratar questões relacionadas à saúde dos associados e associadas. O Prefeito do município na época mandou informar que faria uma visita ao sindicato naquele mesmo dia. Por volta das 10 horas da manhã, chegou um pessoal dizendo que queria falar com o presidente do sindicato. Quando eu apontei na porta fui recebido por tiro de fuzil que estraçalhou minha perna. A ação e os disparos foram efetuados pela polícia militar.

Outros companheiros também foram atingidos por bala, mas, felizmente, não houve morte. Eu fui levado aprisionado e jogado na cadeia sem receber nenhum tratamento no ferimento, o que levou minha perna a gangrenar e ter que ser amputada. Sarney se encontrava em viagem para o Japão e, quando retornou, manifestou desconhecimento da questão e mandou seus assessores manter contato comigo, oferecendo apoio para a minha família, uma perna mecânica, uma casa e outras ofertas, desde que eu me tornasse um defensor do seu governo. Eu respondi que não estava preso por ser bandido, que minha perna tinha sido arrancada por bala da própria polícia militar do estado sob seu governo. Portanto minha perna era responsabilidade da classe que eu representava, minha perna era a minha classe. Desde então, eu passei a ser considerado um inimigo do Estado militar, passando a ser alvo de permanente perseguição. Fui preso 9 vezes e submetido às piores torturas que um ser humano é capaz de suportar. Vi muitos de meus companheiros e companheiras serem torturados e morto(a)s por ordem do governo militar do qual Sarney se tornou parte, num primeiro momento, como governador do Maranhão e, posteriormente, como Senador Biônico. Vale ressaltar que foi, no primeiro governo da nascente oligarquia Sarney, que foi promulgada a Lei Estadual 2.979, regulamentada pelo Decreto 4.028 de 28 de novembro de 1969, a qual facultava a venda de terras devolutas sem licitação a grupos organizados em sociedade anônima. Essa lei foi o maior instrumento de legalização da grilagem das terras do Maranhão, particularmente na região do Pindaré (ASSELIN, 1982, p. 129).

Essa grilagem promoveu a expulsão das famílias agricultoras de suas posses e a migração de milhares de famílias camponesas maranhenses para outros estados. Eu escapei com vida, embora mutilado e com sequelas físicas e psicológicas profundas, por conta da solidariedade da Anistia Internacional, das igrejas católicas e evangélicas, da AP como principal mobilizadora dos apoios e até do Partido Comunista do Brasil, que, na ocasião, fez uma ampla campanha internacional pela preservação da minha vida. Finalmente, fui exilado na Suíça de onde continuei denunciando as atrocidades da ditadura militar nas oportunidades que tive de viajar por vários países europeus. Foi também no exílio, juntamente com companheiros refugiados, que começamos a discutir a ideia, já em discussão no Brasil, de criação do Partido dos Trabalhadores e também de uma central sindical. Meu companheiro Lula, hoje vivemos um novo momento na história do Brasil; aquelas lutas dos anos 50, 60, 70, 80 e 90 não foram em vão; tivemos prejuízos enormes, pois muitas vidas foram ceifadas pela virulência dos detentores do poder do capital; porém temos um saldo expressivo de vitórias; hoje temos um partido que se tornou a maior expressão política da classe trabalhadora na América Latina; temos o melhor presidente da história desse gigantesco país, que, ironicamente, é um trabalhador operário e nordestino, que, assim como eu, quase não teve acesso a estudos escolares.

Eu confesso a você que sinto um imenso orgulho de ter participado, desde os primeiros

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momentos. da construção dessa grandiosa e ousada empreitada. Porém, companheiro presidente, ultimamente eu tenho vivido as maiores angústias que um homem com minha trajetória de vida é capaz de imaginar e suportar. Recebi a imposição de uma tese defendida pela Direção Nacional do meu partido e, até onde me foi informado, pelo próprio companheiro presidente, de que o nosso projeto político e social passa agora pelo fortalecimento da hegemonia da oligarquia sarneysta no Maranhão. Eu sei do malabarismo que o companheiro presidente tem precisado fazer para garantir alguma condição de governabilidade, porém sei do alto custo que é cobrado por esses apoios conjunturais, e que nosso governo vem pagando a todos esses ônus. Companheiro, tudo precisa ter algum limite e tal limite é a nossa dignidade. O que está sendo imposto a nós, petistas do Maranhão, extrapola todos os limites da tolerância e fere de morte a nossa honra e a nossa história. Eu, pessoalmente, há mais de 50 anos venho travando uma luta contra os poderes oligárquicos e contra os exploradores da classe trabalhadora neste país. Por conta disso, perdi dezenas de companheiros e companheiras que foram barbaramente trucidados por essas forças reacionárias.

Como é que agora meus próprios companheiros de partido querem me obrigar a fazer a defesa dessas figuras que me torturaram e mataram meus mais fiéis companheiros e companheiras. Vocês podem ter certeza que essa é a pior de todas as torturas que se pode impor a um homem. Uma tortura que parte dos próprios companheiros que ajudamos a fortalecer e projetar como nossos representantes no partido e na esfera de poder do Estado, na perspectiva de um projeto estratégico da classe trabalhadora. Estou falando do fundo de minha alma em honra à minha história e à de meus companheiros e minhas companheiras que foram assassinados pelas forças oligárquicas e de extrema direita neste país. Estou animado para fazer a campanha da companheira Dilma, assim como para fazer uma aguerrida campanha política em prol do fortalecimento do PT no Maranhão e para construir um projeto político alternativo à oligarquia sarneyzista, juntamente com os partidos do campo democrático e popular na Coligação PT, PCdoB e PSB. Esta foi a tática vitoriosa em nosso encontro estadual realizado nos dias 26 e 27 de março, que aprovou, por maioria de votos, da forma mais transparente possível e cumprindo todos os preceitos legais, o nome do companheiro Flávio Dino para candidato dessa aliança legitimamente de esquerda e respaldada pelas mais expressivas organizações da classe trabalhadora deste estado, que publicamente se manifestaram, a exemplo da Federação dos Trabalhadores na Agricultura – FETAEMA e a CUT.

Assim, penso que estamos sendo coerentes com a nossa história e identidade classista. Portanto estou fazendo este apelo ao mais ilustre companheiro de partido e confessando alto e bom tom que não aceitarei, sob nenhuma hipótese, a tese de que, nestas alturas de minha vida, eu tenha que negar minha identidade e desonrar a memória de meus companheiros e companheiras que foram caçados e exterminados pela oligarquia e os detentores do capital no Maranhão, no Brasil e no mundo inteiro. Lamento e peço desculpas se este meu posicionamento desagrada o companheiro e a Direção Nacional do PT, mas não posso me omitir diante de uma tese destruidora de nossa identidade coletiva e que representa a negação de tudo que temos afirmado nas nossas palavras e ações. Espero poder contar com a solidariedade e compreensão do meu histórico companheiro de utopias e lutas. Atenciosamente.

Manoel da Conceição Santos Membro Fundador do PT e primeiro Secretário Agrário Nacional