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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Daniela Reis e Silva EMDR como possibilidade de psicoterapia para o luto: um estudo de caso instrumental coletivo DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para obtenção do título de Doutora em Psicologia Cínica sob a orientaçãoda Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco. São Paulo 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULOPUC-SP

Daniela Reis e Silva

EMDR como possibilidade de psicoterapia para o luto:

um estudo de caso instrumental coletivo

DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Tese apresentada à Banca Examinadora daPontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, como exigência para obtenção dotítulo de Doutora em Psicologia Cínica soba orientaçãoda Profa. Dra. Maria HelenaPereira Franco.

São Paulo2019

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Silva, Daniela Reis e.

EMDR como possibilidade de psicoterapia para o luto: um estudo de caso instrumental coletivo.

São Paulo: 2019, 308f.

Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Área de concentração: Pós-Graduação em Psicologia Clínica

Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco

EMDR as a possibility for grief therapy: a collective instrumental case study.

Palavras-chave: EMDR. Luto. Luto complicado. Estudo de caso instrumental coletivo. Psicoterapia do luto.

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Banca Examinadora

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Aos participantes desta pesquisa, pela confiançaem ingressar nesse processo, emprestando suas histórias de transformação em meio aosofrimento, na esperança de que este trabalhotenha contribuído para amenizar, mesmo queparcialmente, sua dor. E apontar um caminhoadaptativo de conviver com a ausência e asaudade.

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A presente pesquisa foi realizada com o apoio do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Código do projeto: 148437/2014-1.

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AGRADECIMENTOS

À Carol, 43 páginas de agradecimento! E infinitos motivos para amar. Por ser a filhamultitarefa e parceira de todas as horas, em uma ligação indescritível, e por ser amotivação para seguir caminhando em meio a inúmeros desafios ao longo da minhavida pessoal, familiar e profissional.

A Arthur, alegria da família e exemplo de afetividade, fonte de inspiração e meupipoqueiro oficial durante as tardes de escrita, por todo o seu apoio e compreensãoao longo dessa jornada.

A Edson, pelo companheirismo e pela parceria em todas as jornadas, sem mediresforços para que eu pudesse realizar mais este desafio, em meio a ausência e amuitas viagens, com toda o incentivo, o apoio e a compreensão possíveis.

Aos meus pais, Pádua e Olga (in memorian), minha base segura para explorar omundo, que garantiram a construção de sólidos e imprescindíveis pilares para eu metornar quem sou, pelo incentivo ao estudo, à ética e ao cuidado com o ser humano.E que por meio de suas trajetórias me ensinaram a resiliência.

... Amo vocês!

À Maria Helena Pereira Franco, minha querida Lelê, com quem dei os primeirospassos nessa longa jornada de cuidados com enlutados, e que desempenha váriospapeis em minha vida, por todo o incentivo, a parceria, o cuidado, a confiança, odesafio, o acreditar, o incentivar, o apoio para aprofundar conhecimento e desbravar“mares dantes nunca navegados” ao redor do mundo. Sua maestria comoorientadora foi parte fundamental desse processo.

À Rosane Mantilla de Souza, professora e parceira, por seus ensinamentos, apoio eincentivo constantes, bem como pelas preciosas colaborações no exame dequalificação que impulsionaram esta investigação.

À Rosa Maria Stefanini Macedo, por ter aberto às portas do Programa de PsicologiaClínica da PUC-SP e por todas as contribuições ao meu trabalho em meio a muitosencontros da ABRATEF.

À Tina Zampieri, que, em meio à comunidade do EMDR, fez fortalecer o espírito dapesquisa e a certeza de que deveria continuar, passando a integrar a banca dequalificação com inúmeras contribuições.

A Gabriella Costa Pessoa, Giovana Kreuz, Elisângela Paes Lemes, Sara Cianelli.Vocês tornaram as constantes viagens de meu caminho acadêmico mais leves e

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divertidas. Sem falar dos trabalhos, congressos, preocupações, apoio mútuo. Gabi,sua linda, você é mais que filha. Amo muito!

A David Grand, que conectou minha janela da escrita em meio a bloqueios de minharede neuronal e com quem tive a agradável oportunidade de compartilhar meusanseios no trabalho com enlutados sob a perspectiva dos processamentos dememórias bloqueadas.

A Nancy Hogan, Roger Solomon, Therese Rando e Kenneth Doka, por todos os seusestudos e publicações nas áreas de minha investigação, pela disponibilidade eamabilidade com que me receberam para compartilhar seus conhecimentos eesclarecer minhas dúvidas e pelo incentivo a seguir pelas veredas desse caminhoainda pouco explorado.

A Esly Carvalho, André Monteiro, Silvia Guz e Jandira Rosa, treinadores de EMDRno Brasil, pela convivência, pela aprendizagem, pelo respeito e pela amizade. E atodos os Professores dos Cursos de Educação Continuada de EMDR no Brasil, comquem sigo aprendendo.

À Esly... sob sua orientação fiz os primeiros movimentos bilaterais e dei os primeirospassos de minha formação em EMDR e de Brainspotting. Com você, empaquei noprotocolo de luto, motivo principal para que este trabalho agora se concretize.Agradeço a confiança e o incentivo ao longo desses anos, inclusive na reta finaldesta pesquisa.

À Adri (Adriana Zanonato), mana que eu nunca tive! Tu me pegaste pelas mãos eme introduziste ao EMDR com todo carinho, sempre me incentivando e acreditandoem mim, quando nem eu mesma acreditava. Ofereceste o que tens de maisprecioso: tua família. Prado, Dani e Nanda, a todos vocês, minha família gaúcha queme acolheu nesses anos com todo amor e carinho.

À Juliana Bredemeier, queri, você foi fundamental em um dos momentos maisdifíceis de decisão, e sempre disponível e imprescindível nos momentos finais deescrita, com comentários e incentivos que tornam a rotina acadêmica “menos difícil”.

À Maria Carmen Viana, “auxílio luxuoso”, grande incentivadora, amiga, sonhadora emegaparceira.

À Gláucia Rezende Tavares, por me dar a mão para caminhar em meio aos desafiosde meu trabalho com enlutados, permitindo a criação do API/Vitória e doAPI/Domingos Martins, com parceria, profissionalismo e maestria com as palavras(amoooo), pelos projetos já realizados e os futuros.

À Livia Baumgarten Entringer, parceira de todas as horas, pelas múltiplas tarefasque desempenha com competência e profissionalismo, possibilitando irmos semprealém.

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À Sirley, minha “cuidadora oficial”, por todo apoio nesse último ano de trabalho deintegração de memórias que nem eu sabia que existiam.

À Mari, para quem a palavra gratidão não basta, pois são vinte anos de trabalhojuntas, em uma convivência harmoniosa, que me permite ir alcançar novos objetivos,fornecendo uma base segura de organização e cuidados gerais.

Ao Fernandes, meu amigo de todas as horas em São Paulo, cuja carinhosa prestezatornou a distância Vitória-São Paulo mais curta, facilitando todas as minhas ações na“selva de pedra” ao longo dos últimos treze anos.

Ao Thiago, “meu fantasminha camarada”, por toda disponibilidade e eficiência,solucionando todos os meus problemas informáticos em todos os cantos do mundo,acompanhando minhas “viagens”.

Aos meus clientes, pela paciência nessa temporada de ausência. Mas, para alémdisso, pela confiança, pela parceria, por serem meu combustível para a constantebusca de mais conhecimento e, mais ainda, por me proporcionarem ser uma eternaaprendiz.

A todos os participantes do API/Vitória e do API/Domingos Martins, que aocompartilhar suas histórias de perdas criam uma verdadeira rede de apoio baseadaem respeito, solidariedade e compaixão.

Na reta final, anjos apareceram em minha vida, para que este trabalho tomasseforma. À equipe de transcrição, que não mediu esforços para realizar essa tarefahercúlea: Carol, Edu, Gabi, Marcelha, Thais, Julia, Camilla, Denise, Graciele, Cintia.E Paula, com sua cuidadosa revisão, observando todos os detalhes que a minhaobssessividade não permitiu organizar, dando forma e integrando a escrita.

A Psi Equipamentos, pela cessão da Barra de Luz para a realização desta pesquisa.

A todos aqueles que não foram citados, mas que fazem parte dessa caminhada deforma direta ou indireta, com informações, conselhos, trocas profissionais, energiaspositivas, orações e torcida para a finalização desse desafio, incluindo diversoscolegas de associações profissionais das quais participo: Associação de TerapiaFamiliar do Espírito Santo, Associação Brasileira de Terapia Familiar, AssociaçãoBrasileira de EMDR, Associação Brasileira de Brainspotting, Associação Brasileirade Estudos e Prevenção de Suicídio, Associação Brasileira de Psiquiatria eNeurologia Infantil e Profissões Afins/Capítulo ES, Association for DeathEducationand Counseling, International Working Groupon Death, Dying andBereavement.

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Oração do Enfrentamento

Que eu tenha força para aceitar o que não tem mais voltaQue eu alcance serenidade para seguir o meu caminho

Que eu tenha garra para perseverar e fortalecer a féQue eu encontre apoio quando eu mais precisar

Que a revolta e a culpa torturantes se dissipemQue os pensamentos e lembranças ruins desapareçam

Que a dor seja substituída pela saudadePossibilitando o surgimento e o fortalecimento de boas lembranças

E a recordação de que sempre dei o meu melhorPara que eu encontre a minha paz!

Para que fique em mim a certeza do amor que eu sei que sempre vaiexistir

Pois, eu sei que vou te amar... por toda a minha vida!(Amém)

(SILVA, 2016)

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RESUMO

SILVA, Daniela Reis e. EMDR como possibilidade de psicoterapia para o luto: um estudo de casoinstrumental coletivo. 308f. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. SãoPaulo: 2019.

Esta pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, configura-se como um estudo de caso instrumentalcoletivo. Inicialmente foi realizado um consistente levantamento bibliográfico sobre a utilização doEMDR com enlutados. Diante da necessidade de aprofundar o conhecimento a respeito do tema, apesquisa foi idealizada para colaborar para o conhecimento do uso do EMDR em situações de luto.Seis participantes com idades entre 33 a 52 anos se voluntariaram a participar a partir de sua própriapercepção de que precisavam de ajuda em relação ao processo de luto por perda de ente querido há,no mínimo, dois anos. A avaliação inicial foi realizada para verificar a pertinência de sua participação,em observação aos cuidados clínicos do EMDR, bem como para estabelecer os objetivos doprocesso psicoterápico e o levantamento dos alvos a serem trabalhados por meio do plano detratamento. Como instrumentos foram utilizados Avaliação Clínica Inicial (AI), Hogan Grief ReactionChecklist (HGRC), Escala de Experiência de Dissociação – II (DES-II), Escala Beck de Depressão(BDI), Plano de Tratamento (PTr), Protocolo Básico do EMDR, Prontuários, Avaliação Clínica Final(AF), Diário de Campo e Caderno de Anotações Pessoais. Após a realização da avaliação inicial,foram levantadas as queixas com foco no luto e para o estabelecimento de um PTr individual, cadaparticipante realizou entre 8 a 10 sessões e, após o encerramento da intervenção, passou pelaavaliação final. No primeiro movimento de análise, foram estudados os casos de forma individual. Nosegundo movimento de análise, foi realizado o estudo do conjunto múltiplo de casos. As comparaçõesdas avaliações proporcionadas pela aplicação do HGRC, DES-II e BDI apresentaram-se emconcordância com os resultados qualitativos observados em todos os participantes e na redução daperturbação das memórias desadaptativas, a saber: redução ou remissão de diversos sintomasfísicos; alívio ao perceber a acomodação da memória trabalhada; surgimento de memórias positivas;organização das memórias; construção de significado e/ou crescimento pessoal; equilíbrio entre aorientação para a perda e a orientação para a restauração; surgimento de uma representação internaindicando o desenvolvimento de um vínculo contínuo. Concluindo, o EMDR mostrou-se adequadocomo intervenção psicoterápica para o trabalho com variações do luto complicado que compuserameste estudo de caso instrumental coletivo. Assim, esta investigação tornou-se uma importantecolaboração para o conhecimento do uso do EMDR como intervenção psicoterápica com enlutados.

Palavras-chave: EMDR, luto, luto complicado, estudo de caso instrumental coletivo, psicoterapia do luto.

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ABSTRACT

SILVA, Daniela Reis e. EMDR as a possibility for grief therapy: a collective instrumental case study..308f. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 2019.

This qualitative exploratory research is configured as a collective instrumental case study. A consistentbibliographic review was conducted on the use of EMDR with bereaveds. Given the need to deepenthe knowledge about the subject, the research was designed to collaborate in the knowledge of theuse of EMDR in bereavement. Six participants aged 33 to 52 volunteered to participate from their ownperception that they needed help in the bereavement after the death of a loved one for at least twoyears. The initial evaluation was performed to verify the pertinence of their participation, observing theclinical care of the EMDR, as well as the objectives of the psychotherapeutic process and the surveyof the targets to be worked through the treatment plan. As instruments were used the Initial ClinicalAssessment (AI), Hogan Grief Reaction Checklist (HGRC), Dissociation Experience Scale – II (DES-II), Beck Depression Scale (BDI), Treatment Plan (PTr), Basic Protocol EMDR, Clinical Records, FinalClinical Assessment (FA), Field Diary and Personal Notes. After the initial evaluation, complaints wereraised with a grief focus for the establishment of an individual PTr. Each participant performedbetween 8 to 10 sessions, and after the end of the intervention had their final evaluation. In the firstanalysis, the cases were studied individually. In the second analysis, a multiple case study wasperformed. The comparisons of the assessments provided by the application of HGRC, DES-II andBDI were in agreement with the qualitative results observed in all the participants, in the reduction ofthe disadaptive memory disturbance, namely: reduction or remission of several physical symptoms;relief when perceiving the accommodation of the worked memory; emergence of positive memories;organization of memories building meaning and/or personal growth; balance between loss orientationand restoration orientation; the emergence of an internal representation indicating the development ofa continuous link. In conclusion, EMDR proved to be adequate as a psychotherapeutic intervention forworking with variations of complicated grief that composed this collective instrumental case study.Thus, this research has become an important collaboration for the knowledge of the use of EMDR asan intervention with the bereaved.

Keywords: EMDR, bereavment, complicated grief, collective instrumental case study, griefpsychotherapy.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADEC – Association for Death Education and Counseling (Associação para Educação

para Morte e Aconselhamento)

AF – Avaliação Clínica Final

AI – Avaliação Clínica Inicial

API – Apoio a Perdas (Ir)reparáveis

BDI – Beck Depression Inventory (Escala Beck de Depressão)

CFP – Conselho Federal de Psicologia

CL – Crença Limitante

CM-PTSD - Escala para Transtorno de Estresse Pós-Traumático

CMC – Conjunto de Múltiplos Casos

CN – Crença Negativa

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CP – Crença Positiva

DES-II – Dissociative Experience Scale-II (Escala de Experiências de Dissociação-II)

E – Emoção

EMDR – Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Reprocessamento e

Desensibilitação por meio de Movimentos Oculares)

GM – Guided Mourning

HADS - Hospital Anxiety and Depression Scale (Escala Hospitalar de Ansiedade e

Depressão)

HGRC – Hogan Grief Reactions Checklist (Lista de Reações de Luto de Hogan)

I – Imagem

ICES – Imagem, Cognição, Emoção, Sensação

ICG – Inventory of Complicated Grief (Inventário de Luto Complicado)

IES – Impact of Events Scale (Escala de Impacto de Eventos)

IES-R - Impact of Events Scale-Revised (Escala Revisada de Impacto de Eventos)

ISTSS – International Society for Traumatic Stress Studies (Sociedade Internacional

para Estudos de Estresse Traumático)

ITG – Inventory of Traumatic Grief (Inventário de Luto Traumático)

LELu – Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC-SP

LT – Lugar Tranquilo/Seguro

MB – Movimento bilateral

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MB’s – Movimentos bilaterais

PAI – Processamento Adaptativo de Informação

PTr – Plano de Tratamento

PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

REM – Rapid Eye Movements (Movimentos Oculares Rápidos)

S – Sensação Física/Corporal

SCS-SF – Self-Compassion Scale – Short Form (Inventário de Traço de Ansiedade)

STAI – State-Trait Anxiety Inventory (Form Y) (Inventário de Traço-Estado de

Ansiedade)

SUDS –

Subjective Unity Disturbance Scale

(Escala de Perturbação)

“t” –

Pequeno trauma

T –

Grande trauma

TAC –

Tactile and Audio Scan (Aparelho Tátil e Auditivo para Estimulação Bilateral)

TC –

Terapia Cognitiva

TCCI –

Terapia Cognitivo Comportamental Integrada

TEPT –

Transtorno de Estresse Pós-Traumático

TRIG –

Texas Revised Inventory

(Inventário Revisado Texas)

TIR –

Traumatic Incident Resolution

(Resolução de Incidente Traumático)

VoC –

Validity of Cognition Scale

(Escala de Validação Cognitiva)

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Resultados da Revisão Sistemática de Literatura em 2014 ...... 58Quadro 2 – Dados demográficos dos participantes .......................................... 104

219Quadro 3 – Contextualização da perda ........................................................ 105Quadro 4 – Plano de Tratamento P1 ............................................................ 125Quadro 5 – Plano de Tratamento Inicial P2 .................................................. 137Quadro 6 – Plano de Tratamento Desdobramentos I P2 .............................. 139Quadro 7 – P2 Plano de Tratamento Desdobramentos II P2 ....................... 143Quadro 8 – Plano de Tratamento P3 ............................................................ 162Quadro 9 – Plano de Tratamento Desdobramentos P3 ................................ 168Quadro 10 – Plano de Tratamento P4 .......................................................... 177Quadro 11 – Plano de Tratamento Desdobramentos P4 .............................. 179Quadro 12 – Plano de Tratamento Desdobramentos II P4 ........................... 181Quadro 13 – Plano de Tratamento P5 .......................................................... 190Quadro 14 – Plano de Tratamento P6 .......................................................... 203Quadro 15 – Contextualização da Perda ...................................................... 218Quadro 16 – Informações de Recomendações aos Ps ao término da

intervenção ................................................................................................... 224Quadro 17 – Participação no API/Vitória ...................................................... 230

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Desenho Gráfico do Estudo de Caso Instrumental Coletivo ..... 95Figura 2 – Elemento Participantes do Desenho Gráfico do Estudo de CasoInstrumental Coletivo .................................................................................... 121Figura 3 – Elemento Sequência de Ações do Desenho Gráfico do Estudode Caso Instrumental Coletivo .................................................................... 122Figura 4 – Elemento de Análise do Conjunto de Caso Instrumental Coletivo ......................................................................................................... 218

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Epígrafe .................................................................................. 8Imagem 2 – Aparelho de estimulação visual .............................................. 109Imagem 3 – Aparelho de estimulação tátil e auditiva ................................. 110Imagem 4 – Desenho de P2 representando o tratamento ............................ 147

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Conjunto dos Estudos de Caso – Número de Sessões ................ 222Gráfico 2 – Conjunto de Estudos de Caso – Registro do Grau de Satisfação com os Resultados do EMDR como Abordagem Psicoterápica para o Luto 224Gráfico 3 – Conjunto de Estudos de Caso – Registro do Medidas de Perturbação (SUDS), para a queixa Inicial estabelecido .............................. 226Gráfico 4 – Conjunto de Estudos de Caso – Alvos Relacionados ao Luto do Plano de Tratamento Todos os Participantes – AI/AF .................................. 227Gráfico 5 – Conjunto de Estudos de Caso – Registros de Medidas de DES-II Todos os Participantes – AI/AF ......................................................... 228Gráfico 6 – Conjunto de Estudos de Caso – Registros de Medidas de BDI Todos os Participantes – AI/AF .................................................................... 228

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 21

1 LUTO ......................................................................................................... 27

1.1 CONCEITO DE LUTO ............................................................................ 28

1.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS COMPLICAÇÕES DO LUTO ......... 31

1.3 ASSISTÊNCIA AO LUTO ....................................................................... 38

2. EMDR ....................................................................................................... 42

2.1 A HISTÓRIA DO EMDR .......................................................................... 43

2.2 AFINAL, O QUE É O EMDR? ................................................................. 47

2.3 A PRÁTICA DO EMDR ........................................................................... 50

3. EMDR E LUTO ......................................................................................... 56

3.1 REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA – PRIMEIROS PASSOS .. 57

3.2 PEÇAS DE UM QUEBRA-CABEÇAS ..................................................... 59

3.3 PESQUISAS ........................................................................................... 69

3.4 EXEMPLOS DE CASOS CLÍNICOS ....................................................... 77

3.5 NÚMERO DE SESSÕES E TEMPO DE DURAÇÃO .............................. 79

3.6 QUANDO COMEÇAR ............................................................................. 81

3.7 PROTOCOLO DE LUTO EM EMDR ...................................................... 82

3.8 SUMARIZANDO AS INFORMAÇÕES .................................................... 85

4. OBJETIVOS ............................................................................................. 89

4.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................. 90

4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................... 90

5. MÉTODO .................................................................................................. 91

5.1 TIPO DE PESQUISA .............................................................................. 92

5.2 INSTRUMENTOS ................................................................................... 96

5.3 LOCAL .................................................................................................... 101

5.4 PARTICIPANTES ................................................................................... 101

5.5 PROCEDIMENTOS ................................................................................ 105

5.5.1 Coleta de material .............................................................................. 110

5.5.2 Análise de material ............................................................................ 111

5.6 CUIDADOS ÉTICOS ............................................................................... 116

6 CONFLITO DE INTERESSE ..................................................................... 118

7 APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS ............................................ 120

7.1 PARTICIPANTE 1 ................................................................................... 123

7.1.1 Relato do caso ................................................................................... 123

7.1.2 P6 e o EMDR ....................................................................................... 125

7.1.3 Sessões .............................................................................................. 125

7.1.4 Avaliação final ................................................................................... 130

7.2 PARTICIPANTE 2 ................................................................................... 133

7.2.1 Relato do caso ................................................................................... 134

7.2.2 P2 e o EMDR ....................................................................................... 137

7.2.3 Avaliação final ................................................................................... 148

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7.3 PARTICIPANTE 3 ................................................................................... 155

7.3.1 Relato do caso ................................................................................... 155

7.3.2 P3 e o EMDR ....................................................................................... 162

7.3.3 Avaliação final ................................................................................... 168

7.4 PARTICIPANTE 4 ................................................................................... 174

7.4.1 Relato do caso ................................................................................... 174

7.4.2 P4 e o EMDR ....................................................................................... 177

7.4.3 Avaliação final ................................................................................... 181

7.5 PARTICIPANTE 5 .................................................................................. 185

7.5.1 Relato do caso ................................................................................... 185

7.5.2 P5 e o EMDR ....................................................................................... 190

7.5.3 Avaliação final ................................................................................... 194

7.6 PARTICIPANTE 6 .................................................................................. 198

7.6.1 Relato do caso ................................................................................... 198

7.6.2 P6 e o EMDR ....................................................................................... 203

7.6.3 Avaliação final ................................................................................... 210

7.7 ANÁLISE DO CONJUNTO DE MÚLTIPLOS CASOS ............................ 217

7.7.1 Participação na pesquisa .................................................................. 229

7.7.2 Situações de confronto com instituições de saúde e de segurança ....................................................................................................

231

7.7.3 Disparadores ...................................................................................... 231

7.7.4 Temas em comum .............................................................................. 232

7.7.5 Atravessando a tempestade ............................................................. 233

7.7.6 O que recomenda para quem for se submeter ao EMDR ............... 233

7.7.7 A pesquisadora .................................................................................. 234

8 DISCUSSÃO .............................................................................................. 238

8.1 LUTO + TRAUMA = LUTO TRAUMÁTICO? ........................................... 241

8.2 REFLEXÕES ACERCA DO LUTO TRAUMÁTICO COMO

CATEGORIA

244

8.3 INTEGRIDADE DO TRATAMENTO PSICOTERÁPICO ......................... 250

8.4 AVALIAÇÃO DA PESQUISA .................................................................. 253

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 259

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 264

ANEXO A – Termo de Consentimento de Utilização de Dados ................... 281

APÊNDICE A – Avaliação Clínica Inicial ...................................................... 282

APÊNDICE B – Avaliação Clínica Final ....................................................... 285

APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE ......... 286

APÊNDICE D – Carta-convite ....................................................................... 288

APÊNDICE E – Informações sobre EMDR ................................................... 289

APÊNDICE F – Fluxograma para encaminhamentos ................................... 290

APÊNDICE G – Notificação para encaminhamentos necessários ............... 291

APÊNDICE H – Notas sobre a leitura do relato do estudo de caso ............. 292

APÊNDICE I – P1 Sessões de EMDR – P1 ................................................. 293

APÊNDICE J – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI

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e AF de P1 .................................................................................................... 294

APÊNDICE K – P2: sessões de EMDR ........................................................ 295

APÊNDICE L – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P2 ....................................................................................................

298

APÊNDICE M – Sessões de EMDR P3 ........................................................ 299

APÊNDICE N – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P3 ....................................................................................................

300

APÊNDICE O – Sessões de EMDR P4 ........................................................ 301

APÊNDICE P – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P4 ....................................................................................................

302

APÊNDICE Q – Sessões de EMDR P5 ........................................................ 302

APÊNDICE R – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P5 ....................................................................................................

305

APÊNDICE S – Sessões de EMDR P6 ........................................................ 306

APÊNDICE T – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P6 ....................................................................................................

308

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INTRODUÇÃO

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INTRODUÇÃO

Eventos estressores e seus efeitos emocionais e comportamentais nos seres

humanos têm sido objeto de intensa investigação científica, de acordo com a

Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2004). A morte de alguém querido,

embora intrinsecamente entrelaçada na natureza humana (MORIN, 1997), é

considerada um dos eventos estressores mais significativos e provocadores de

mudanças no indivíduo, na família e em sua comunidade, com reflexos na sociedade

e na cultura (PARKES, 1998, 2009).

Profissionais e pesquisadores de diversas áreas (PARKES, 1998, 2009, 2011;

RANDO, 1993; WORDEN, 2013; FRANCO, 2010, 2016), em especial da medicina e

da psicologia, têm reconhecido o impacto do luto na saúde física e emocional nos

seres humanos que, segundo Rando (2016), sofre influências multidimensionais tais

como: circunstâncias da morte, fatores psicológicos e fisiológicos, fatores sociais e

culturais passados e presentes. Este impacto também tem efeitos na família, na

comunidade e na sociedade, indicando a necessidade de envolver diferentes

disciplinas para um cuidado integral ao enlutado.

Lidar com a vulnerabilidade de pessoas enlutadas sempre foi preocupação

desta pesquisadora (SILVA, 2009; SILVA, 2010), e aumenta a responsabilidade

desta na hora de desenhar esta investigação. Neimeyer (2015) reforça que mesmo

diante dos esforços para apoiar os enlutados que sofrem com a intensa e disruptiva

mudança em sua vida após uma perda significativa, muitas práticas não têm sido

compartilhadas entre os profissionais de maneira formal, o que destaca a

necessidade de se ampliar as pesquisas a respeito da eficácia de diversas

abordagens psicoterápicas e de apoio, que tem sido praticadas, realidade

experienciada no Brasil. Neimeyer (2015) afirma ainda que grande parte dos

pesquisadores dá mais ênfase ao impacto do luto do que ao estudo documentado de

procedimentos terapêuticos para aliviá-lo, com parca descrição e documentação de

métodos da psicoterapia do luto.

A partir de 2004, com o primeiro treinamento em português no Brasil (EMDR

TREINAMENTO & CONSULTORIA, 2016), o Eye Movement Desensitization and

Reprocessing (EMDR) passou a ser uma das abordagens psicoterápicas

emergentes para situações traumáticas, cuja tradução autorizada para o português é

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Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares (SHAPIRO, 2007).

Essa abordagem foi criada nos Estados Unidos em 1987 por Francine Shapiro em

sua busca por proporcionar a melhora da saúde mental de seus clientes, tendo

como base uma difícil experiência pessoal. Shapiro (2007) relata que esta

abordagem surgiu a partir de sua própria observação clínica, com a contribuição de

terapeutas treinados por ela e, por conseguinte, com o desenvolvimento de estudos

científicos sobre processamento de informações, tendo crescido consideravelmente

em todo o mundo.

O EMDR tem como base um formato singular da prática diagnóstica e

terapêutica. Consiste em uma avaliação criteriosa do problema apresentado por um

indivíduo que busca ajuda psicoterápica por meio da construção de um plano de

tratamento sob medida. Esse plano inclui alvos que serão abordados por meio de

um protocolo de oito fases a partir do qual se torna possível tratar as experiências

com base em três etapas: passado, presente e futuro (SHAPIRO, 2007).

As estimulações bilaterais que são utilizadas no EMDR permitem o

reprocessamento de uma ou mais memórias armazenadas de maneira não

adaptativa. Para Shapiro (2007), o EMDR possibilita a conexão neurofisiológica

entre várias partes do cérebro e do corpo humano, integrando todos os elementos

da memória. Esse processo permite que a pessoa mude a forma como percebe o

que aconteceu, como também seu próprio papel naquela situação crítica.

Por ser a psicoterapia do luto um importante campo de trabalho desta

pesquisadora, diversos questionamentos a respeito do uso do EMDR com pessoas

enlutadas foram surgindo em sua prática cuidadosa e em seus estudos

aprofundados, desde sua própria formação como terapeuta de EMDR, entre eles:

como e em que circunstâncias o EMDR tem sido usado em situações de luto,

incluindo o tempo decorrente da perda? Existem indicações ou contraindicações

para o uso do EMDR durante o processo de luto? Quais decisões clínicas devem

pautar o uso do EMDR com enlutados? A busca dessas respostas e novas

perguntas reverberaram na elaboração deste trabalho em curso, prontamente

acolhido pela orientadora, com o objetivo de colaborar para o conhecimento do uso

do EMDR em situações de luto.

Embora seja indicado para o tratamento do luto a partir do Nível 1 do

Treinamento Básico (EMDR INSTITUTE, 2015), em função das novas contribuições

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no campo do luto e seus desdobramentos, ainda não há consistência científica para

a sua utilização, gerando diferentes opiniões em relação à aplicação do protocolo

básico, ou de protocolos específicos, em situações de luto. Esta afirmação está

baseada no escasso material encontrado na revisão sistemática de literatura

realizada em 2014, 2017 e 2018, para compor o referencial teórico desta pesquisa,

cujo objetivo era determinar o escopo inicial da pretendida investigação por parte

desta pesquisadora.

A escassez do material encontrado torna urgente pesquisar as aplicações

desta nova abordagem com enlutados, de maneira a proporcionar reflexões sobre

quando, como e com quem aplicá-la, a partir de conhecimentos sólidos a respeito do

luto.

A pergunta de Franco (2010), ressoa na motivação de realizar esta pesquisa,

pois “[...] diz respeito às razões para o estudo do luto, que vão da necessidade de

construir conhecimento com base no que se sabe sobre ele, considerando os

desafios que emergem nesse campo, até a preocupação com aquele que poderá se

beneficiar dele” (p. 18). É justo o caminho do futuro apontado por essa autora, que

intensifica o desejo de aprofundar o conhecimento sobre a assistência aos

enlutados, e proporcionar a aplicação dos resultados desta pesquisa na formação de

profissionais. Isso possibilitará também a chamada educação sobre a morte, não só

daqueles que atuam diretamente com o luto, pois ampliará o conhecimento

produzido para a sociedade em geral. Os questionamentos gerados nessa

investigação serão sempre pautados pela ética, que para Franco (2010), é

imprescindível em pesquisas e intervenções com enlutados.

O EMDR é uma abordagem nova e em franco desenvolvimento, e são poucos

resultados encontrados a respeito de EMDR e luto, pois a maior parte dos clínicos

que o utiliza não tem o hábito de publicar. Assim, o referencial teórico desta pesquisa

será constituído de três grandes temas: Luto, EMDR e EMDR e Luto. Essa escolha

permite a continuidade dos estudos desta pesquisadora na área da assistência ao

luto em indivíduos e suas famílias (SILVA, 2005, 2008a, 2008b, 2009, 2012, 2015,

2016).

Portanto, nesse trabalho apresenta-se, no Capítulo 1, a fundamentação

teórica a respeito de luto, apresentando a visão da pesquisadora a respeito de

conceituações contemporâneas e sobre a assistência psicológica aos enlutados. No

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Capítulo 2, será apresentado o EMDR, sua conceituação histórica, sua prática

clínica e suas possibilidades de aplicação. No Capítulo 3, apresentar-se-á o

entrelaçamento do trabalho do EMDR em situações de luto, tendo como ponto de

partida a revisão sistemática da literatura, realizada em 2014, refeita em 2017 e

2018, para buscar e analisar o material publicado já disponível. O levantamento a

respeito do uso do EMDR com enlutados foi determinante para a elaboração dos

Objetivos, constantes do Capítulo 4, e do Método, apresentado no Capítulo 5. A

seguir , a Apresentação e Análise dos Estudos de Casos , que correspondem ao

primeiro movimento de análise dos dados no Capítulo 7, serão sequenciadas pelo

segundo movimento de análise . No Capítulo 8, a Discussão , finalizando com as

Considerações Finais.

Aplicar uma abordagem psicoterápica com enlutados requer a consciência a

respeito de sua possível fragilidade e vulnerabilidade e, por conseguinte, é

fundamental o conhecimento a respeito do luto e sua complexidade. A psicoterapia

precisa ser construída a partir da demanda inicial, com uma detalhada avaliação,

para ir ao encontro do que o paciente precisa, e não do “que o psicoterapeuta

propõe ou compreende como saudável” (FRANCO, POLIDO, 2014, p. 42). Esta

consciência tem como base o estudo exaustivo do trabalho de Stroebe et al (2001,

2008a), obras consistentes que oferecem uma visão ampliada sobre a pesquisa

sobre luto em sua relação com a prática, identificando trabalhos atualizados nesta

área, discutindo e debatendo as controvérsias existentes e propondo novas

pesquisas sobre esse tema.

Parkes (2011) considera que existem significativas diferenças culturais no

enfrentamento do luto, e a perda de alguém significativo é a que apresenta maior

estresse. No entanto, a maior parte das pessoas vivencia este processo sem tanto

sofrimento físico ou psíquico, dependendo da vulnerabilidade e do mundo

encontrado, fundamentando a observação de Silva (2009) de que nem todos os

enlutados precisarão receber tratamento. Torna-se imprescindível, portanto, dar voz

aos enlutados em sua necessidade de cuidados em uma construção responsável da

assistência.

Cabe aqui ressaltar que a pesquisadora possui a titulação de Terapeuta

Certificada, Supervisora e Facilitadora em EMDR, possibilitando um cuidado maior

em relação à condução da pesquisa sobre a abordagem psicoterápica em questão.

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Também possui a titulação de Pesquisadora, Clínica e Professora em Tanatologia

pela ADEC (Fellow in Thanatology – Association for Death Education and

Counseling), sendo integrante do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o

Luto (LELu) da PUC-SP, o que proporciona também o conhecimento adequado em

relação ao luto, seguindo as recomendações de Worden (2013) de que profissionais

que utilizem a psicoterapia do luto recebam treinamento adequado.

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LUTO

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28

1 LUTO

1.1 CONCEITO DE LUTO

No Brasil, tem sido observado o crescimento na atuação do psicólogo em

situações de perda e luto, como exposto no trabalho de Silva (2010), por meio de

pesquisas, publicações e intervenções

É preciso discutir quais as dimensões de cuidado que um enlutado requer,

pois, em função do processo de patologização da morte discutido por Morin (1997),

é possível também dizer que houve a patologização do luto. Essa patologização tem

raízes em discussões acirradas sobre o caráter normal e patológico do processo de

morrer, sendo a maior função da ciência, em especial da Medicina, a cura de

desordens e doenças (MORIN, 1977).

Essa vertente do positivismo da ciência médica é observável no grande

empenho de estudiosos em categorizar o normal e o patológico do luto, como

ressaltam Parkes (1998), Rando (1993), Stroebe et al. (2008b) e Worden (2013).

Esses autores criticam o excesso de tentativas de classificação do luto e a forte

tendência de afirmar que ele próprio também passaria pelo processo de cura. Isso

parece estar ligado ao fato de que os primeiros estudos sobreluto tiveram como

base modelos médicos, que serviram como ponto de partida para diagnosticá-lo e

tratá-lo, sem considerar outros fatores, trazendo um alto risco para a medicalização

do luto (PARKES, 2011).

As questões de apego (BOWLBY, 1997) são preponderantes para a

compreensão do luto, complementadas no trabalho de Parkes (2009), que aponta a

correlação de transtornos psiquiátricos e os tipos de apego. Mas é também

fundamental considerar o amplo contexto que envolve os caminhos percorridos no

processo de luto (SILVA, 2009). E, embora as dificuldades apresentadas pela

humanidade em lidar com as perdas pareça universal, existem diferenças culturais

significativas no percurso do luto (PARKES, 2011; SILVA, 2014).

Franco (2010) afirma que os principais pesquisadores do luto estão de acordo

em relação à sua existência como reação advinda de uma perda, mas apresentam

divergências entre as variações das reações emergentes, propondo diversas

nomenclaturas, como será visto adiante no referencial teórico desta pesquisa.

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Antes de abordar o conceito como tal, é necessário apresentar uma questão

de tradução do termo “luto”, que também pode ter contribuído para as distorções em

relação à sua compreensão no Brasil, pois tomamos como base os trabalhos

publicados primariamente em língua inglesa. De acordo com Stroebe et al. (2008b) e

Worden (2013), há, em inglês, três termos distintos: (a) bereavement, empregado

para mencionar uma situação objetiva de alguém que tenha sofrido uma ou mais

perdas significativa são longo do ciclo vital, associada com grande sofrimento para a

maior parte das pessoas; (b) grief, termo empregado para se referir às reações

emocionais advindas de uma perda que podem se manifestar em variados aspectos

psicológicos (cognitivos, sociais e comportamentais) e físicos (fisiológicos e

somáticos); (c) mourning, que se refere à apresentação pública da perda,

expressões ou atos sociais moldados por crenças e práticas de uma sociedade ou

cultura, sendo importante diferenciá-lo do termo anterior. Ciente das diferenças, é

fundamental informar que estes se influenciam mutuamente. Além disso, grief e

mourning são apresentados como termos similares e intercambiáveis no campo

psicanalítico (STROEBE et al., 2008b), o que pode gerar ainda mais confusão. Isso

ocorre, em especial, porque em língua portuguesa todos os três termos são

traduzidos por um único: luto, o que pode ter influenciado algumas das distorções

em relação ao conhecimento do luto no Brasil.

Dessa maneira, para fins de organização de conceitos, neste trabalho, utilizar-

se-á processo de luto como equivalente ao termo bereavement, e enlutados como

equivalente ao termo bereaved. Para falar sobre grief, será utilizada a locução

“reações de luto”, sempre levando em consideração o contexto relacionado à perda.

As críticas feitas por Neimeyer (1998) em uma importante revisão de literatura

a respeito dos estudos iniciais do processo de luto parecem condensar as principais

dificuldades aqui apresentadas: a insistência de enquadrar o processo de luto em

fases ou estágios, sem considerar significados e ações construídos pelos enlutados;

a ênfase do luto como processo individual, sem levar em consideração o contexto; e,

por fim, o objetivo da tarefa psíquica da resolução do luto é se desvincular de quem

morreu, abrindo caminhos para novos relacionamentos. A ausência de disciplinas

sobre a morte e o morrer em cursos de graduação das profissões relacionadas à

saúde colabora para que os profissionais não saibam o que fazer diante do

sofrimento humano. Existe um grande risco de uma intervenção realizada de forma

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inadequada possa ter efeitos devastadores no percurso dos enlutados (SILVA,

2010).

Essa discussão é crucial quando o foco é a assistência ao luto. No Brasil, há

a “psicologização do luto”, que faz com que a própria sociedade e, por conseguinte,

os profissionais de assistência distorçam a necessidade de cuidados com os

enlutados,como já havia sido apontado por Rangel (2008) e confirmado por Silva

(2009). Bromberg (2000) traz importante reflexão a respeito do aumento da rapidez

dos rituais funerários no Brasil nos últimos anos. Este pode ser um fator dificultador

para o luto, na medida em que aumenta as chances de a despedida não acontecer

de uma forma adequada. Silva (2016) pondera que a expressão social do luto, por

meio da tristeza e compartilhamento de sua dor, tem sido impedida, e isso pode

trazer consequências para o apoio oferecido e percebido.

Na percepção desta pesquisadora, no Brasil, as distorções em relação ao

conhecimento do luto ainda são observáveis com frequência não só na população

em geral, mas também entre os profissionais de assistência, grande parte pela visão

reducionista da interpretação extremamente popular do trabalho de Kübler-Ross

(1969) a respeito do morrer. Franco (2016) ressalta que é inegável a contribuição do

trabalho dessa autora por ter dado destaque à voz dos pacientes em processo de

morte e à função primordial dos profissionais de ouvi-la. Acrescenta, ainda, que a

realidade multicultural do viver, do morrer e da morte é a proposta da Tanatologia

contemporânea, em uma conjunção de saberes e práticas, concluindo que “cuidar

de pessoas à morte e enlutadas, dentro da diversidade cultural, nos proporciona o

grande privilégio de aprender com elas” (FRANCO, 2016, p. 318)

Cabe aqui definir o conceito de luto no qual se baseia este trabalho. Esta

definição abrange uma compilação de ideias significativas e complementares de

alguns autores (SHAPIRO, 1994; BOWLBY, 1997; WALSH; MCGOLDRICK, 1998;

PARKES 1998, 2009, 2011; SILVA, 2009; 2014, 2015, 2016; WORDEN, 2013;

FRANCO 2016), que juntos representam a compreensão desta pesquisadora a

respeito deste tema, condensada no trabalho apresentado por Silva (2010), a saber:

luto é uma resposta ao rompimento de um vínculo significativo para o indivíduo,

constituindo-se em uma resposta após uma perda simbólica ou concreta que

envolve uma gradual transição de ajustamento a uma alteração significativa do

mundo e apresenta infinitas variações de respostas culturais, familiares e individuais.

É imprescindível, portanto, levar em consideração o caráter relacional do luto, bem

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como observar os efeitos do luto em toda a família, gerando uma necessidade de

uma nova organização familiar, entrelaçando o processo individual com o processo

familiar.

Parkes (2011) referindo-se a pesquisas recentes, afirma que que luto é uma

experiência dolorosa da qual a maior parte das pessoas irá se recuperar com ajuda

mínima. Segundo o autor, fatores que influenciam de forma negativa no curso do luto

são características do apego do enlutado e circunstâncias da morte, enquanto o

apoio social, crenças religiosas e espirituais, e rituais podem influenciar o luto de

forma positiva. Também influenciam o curso do luto: características psicossociais

únicas a cada perda, tais como dificuldades de apego assinalados pela ausência da

pessoa que morreu e a luta para manter o vínculo com sua memória, entre outros

(NEIMEYER ; HOGAN , 2001). Rando et al. (2012) mencionam também outras

influências que concernem ao próprio enlutado , como a relação perdida , as

circunstâncias da perda, variáveis sociais e fatores físicos.

1.2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS COMPLICAÇÕES DO LUTO

Segundo Worden (2013), a diversidade de termos empregados para

classificar o luto pode dificultar o trabalho de uma pesquisa. Assim, e expressão “luto

complicado” proposta apor Rando (1993) é a escolhida por esta pesquisadora por

possibilitar considerar o processo de luto a partir da influência de diversos fatores,

bem como avaliar as reações a uma perda de acordo com o contexto e as

circunstâncias nos quais ela ocorreu . Tem como referência o tempo decorrido da

perda e a existência de um comprometimento em aspectos que considera

preponderantes no processo de luto (RANDO , 1993 ), bem como aspectos

idiossincráticos do enlutado e seu funcionamento (RANDO, 2016).

Stroebe et al. (2008b) apresentam uma adequada discussão sobre luto

normal e o luto complicado, considerando uma importante definição que está de

acordo com a proposta por Rando (1993), aprofundando este conceito. Para esses

autores, as reações de luto se apresentam como uma síndrome emocional

complexa, que engloba mudanças permanentes e diferenças culturais e diferem

nesses dois conceitos importantes mencionados acima.

As reações de luto normal após uma perda recaem em normas esperadas

culturalmente de acordo com suas circunstâncias e suas implicações, bem como

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fatores de risco, condições de comorbidade e outros elementos associados

(RANDO, 2013). Essas normas dizem respeito ao tempo decorrido desde a perda

e/ou à intensidade dessas reações, que Stroebe et al. chamam de sintomas (2008b),

mas não significa que sejam patológicos.

Para Rando (2013), é possível considerar dois critérios para identificação de

sintomas provenientes do luto, a saber, terem surgido ou piorado significativamente

após a perda e estarem associado a algum compromisso, distorção ou falha em um

dos processos de luto. Para avaliar o comprometimento do processo de luto, pode-

se utilizar as tarefas propostas por Worden (2013), os processos dos “Rs” da própria

Rando (1993) ou de qualquer outro autor com quem se tenha familiaridade.

Worden (2013) postula quatro tarefas do luto, a saber: aceitar a realidade da

perda; processar a dor do luto; ajustar-se ao mundo sem a pessoa querida, tarefa

essa que envolve ajustes internos, externos e espirituais; e encontrar uma conexão

duradoura enquanto segue uma nova vida.

Para Rando (1993, 2013, 2016), os objetivos do processo do luto são: a)

desfazer laços psicológicos originais para uma mudança na relação de forma a se

tornar possível amar mesmo na ausência; b) adaptar-se à perda em relação ao

mundo presumido e à própria identidade, ambos impactados pela perda; c) aprender

a viver no mundo sem a pessoa amada. De forma breve, o modelo apresentado por

Rando (1993) envolve os processos dos “6 Rs”: reconhecer a perda, reagir à

separação, recordar e reexperimentar o morto e a relação, abandonar os antigos

apegos em relação a quem morreu e ao mundo presumido, reajustar de forma a se

adaptar ao novo mundo sem se esquecer do anterior e, por fim, reinvestir. Dessa

forma, considera que a existência do luto complicado quando há dificuldades ou

fracassos em, pelo menos, um dos “Rs”1. Contudo, considera ser importante

observar o tempo decorrente da perda, bem como outros fatores que podem

influenciar na experiência e na resposta do luto, como circunstância da perda,

conflitos anteriores com quem morreu, entre outros.

Aqui cabe mencionar a grande atenção que se tem dado à inclusão de um

diagnóstico relacionado ao luto na área de psiquiatria, especialmente no DSM-5 e no

CID-11, e de como ele deveria ser. Duas propostas apresentadas por Horowitz et al.

(1997) e Prigerson et al. (1999) foram consideradas. Esse segundo grupo de

1

Em inglês, todas as afirmações começam com a letra “R”.

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pesquisadores foi escolhido, e o termo inserido no DSM-5 foi Persistent Complex

Bereavement Disorder [Transtorno de Luto Complexo Persistente] (APA, 2013) e, no

CID-11, Prolonged Grief Disorder [Transtorno de Luto Prolongado] (WHO,

2018). Para os interessados em conhecer essas atualizações , sugere-se consultar

as fontes citadas, pois ao mencionar esse panorama mundial de discussão, pretende

- se apenas indicar sua existência , sem adentrar no mérito de cada uma das

vertentes , o que fugiria do propósito deste trabalho . Ressalta -se o perigo de

considerar esse diagnóstico como a única forma de luto complicado , que não foi a

intenção dos autores ao desenvolver esse estudo (RANDO , 2016). Por isso a

preferência em acatar a proposta de Rando (1993, 2013, 2016) naquilo que se refere

a uma definição mais abrangente a respeito do luto complicado.

Apresenta-se, pois, o apelo de Rando et al. (2012) aos envolvidos nessas

discussões e inclusões para ampliar a compreensão do luto, que é também

relacionado a outros tipos de perda que não somente aquela por morte. Os autores

reafirmam que luto complicado é um assunto complexo e que o diagnóstico inserido

é apenas uma síndrome de suas diferentes formas. Assim, recomendam pesquisas

para a futura inclusão de outras formas, tais como: luto adiado, luto inibido, luto

distorcido, luto traumático, entre outros. Para eles, existe uma ampla variedade de

sintomas e questões entre o luto normal e o luto complicado que merecem atenção

clínica.

As reações de luto complicado também estão sujeitas à variação cultural e

são de difícil diferenciação no que tange outros transtornos relacionados, como

transtorno depressivo, transtorno ansioso ou transtorno de estresse pós-traumático

(TEPT), ainda sem acordo em relação aos critérios diagnósticos e diferenciais,

apesar dos esforços dos pesquisadores na contemporaneidade. Então, Stroebe et.

al (2008 b) apresentam a proposta de considerar os papéis de funcionamento e

desempenho para a definição desta categoria conceitual : desvio significativo da

norma cultural em relação à duração e à intensidade de sintomas específicos ou

gerais do luto e o nível de desajustamento social e/ou ocupacional em outras áreas

importantes de funcionamento. Essa definição se aproxima com a apresentada pela

pesquisadora em outras ocasiões (SILVA, 2008b, 2009), considerando questões da

disfuncionalidade do luto e foram de extrema valia ao longo desta pesquisa.

Rando (2016a) propõe um interessante modelo visual que contempla diversos

fatores para a compreensão de seu conceito de luto complicado e permite observá-

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lo de forma operacional. A partir de uma perda, respostas e questões individuais que

são influenciadas por teorias explanatórias e fatores multidimensionais

(circunstâncias da morte, fatores psicológicos, fatores sociais e culturais e fatores

fisiológicos de saúde) geram formas de enfrentamento com duas funções principais:

de evitação e de conexão. Todos esses elementos determinarão se o luto correrá

sem complicações ou apresentará uma de suas quatro formas: sintomas, síndromes,

transtornos mentais ou físicos e morte. Dessa maneira, tem-se a oportunidade de

operacionalizar a definição de luto complicado em suas diferentes formas e funções

em um novo e compreensivo modelo conceitual. Não foi possível obter permissão

para a reprodução desse modelo neste trabalho, por estar em fase de publicação

oficial.

Nessa compreensão global do luto complicado, considera-se fundamental

apresentar três importantes ideias contemporâneas acerca do processo de luto.

Vínculos contínuos (KLASS et al., 1993), o Modelo Dual do Processo de Luto

(STROEBE; SCHUT, 1999) e a Construção de Significados (NEIMEYER, 2001).

O trabalho de Klass et al. (1999) se tornou conhecido e aceito quase por

unanimidade entre os clínicos e pesquisadores da área do luto, ao abordar o

conceito de “vínculos contínuos”. Nessa vertente, os autores afirmam que a

imposição da desvinculação em relação ao morto, tal como preconizada nos estudos

iniciais a respeito dos desdobramentos do luto, foi substituída pela percepção de que

o enlutado transforma o relacionamento com quem morreu no sentido de uma

continuidade, mantendo um vínculo ativo e contínuo por toda a vida. Algumas

manifestações podem ocorrer por meio de sonhos, cheiros, sensação de presença,

conversas, entre inúmeras outras. Essa continuidade pode ser observada como um

desenvolvimento de uma nova relação, na qual se observa a construção de uma

representação interna do ente querido, em substituição à presença física, em um

laço de afeto e de memórias.

Stroebe e Schut (1999) desenvolveram o Modelo Dual do Processo do Luto

como uma possibilidade de melhor descrever a diversidade das experiências

estressantes em meio ao processo de luto. Baseando-se na impossibilidade de focar

nas experiências de perda e de reorganização ao mesmo tempo, observam uma

oscilação entre as duas dimensões, que possui uma função regulatória adaptativa,

considerada uma forma de enfrentamento saudável do luto. Essas duas dimensões

foram cunhadas como orientação para a perda e orientação para a restauração, cuja

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flexibilidade garantem um ponto de equilíbrio em meio ao processo de luto. Dessa

forma, os autores indicam que os problemas advêm quando um enlutado pende para

uma das duas orientações, ou seja, fica voltado para a perda ou orientado para a

restauração.

Embora vários autores tenham mencionado a Construção de Significados

como um importante aspecto ao longo do processo do luto, tais como Walsh e

McGoldrick (1998), Nadeau (1998), Mazorra (2009), Parkes (2009), o trabalho de

Neimeyer (1998) acabou se tornando referência sobre esse assunto. A construção

de significados apresenta dois construtos principais, que são fazer sentido na perda

e achar benefício a partir dela, e está associada à diminuição das complicações do

luto. Para Nadeau (1998), constituir significado permite construir uma explicação

para o que aconteceu, possibilitando a construção de novas visões de mundo.

Assim, esse aspecto do luto se tornou um importante fator de adaptação à perda.

Manter o vínculo com a pessoa amada, equilibrar a orientação para a perda e

para a restauração, bem como construir significados após uma perda, são

elementos que favorecem o crescimento pessoal, tal como definido por Calhoun e

Tedeschi (2004), que possibilita o enlutado a construir um sentido na vida e se

reconciliar com ele. O conceito de crescimento pessoal também tem recebido

destaque entre os clínicos e os pesquisadores dessa área.

Alguns fatores que podem trazer complicações em relação ao luto são as

características da perda, com destaque para o inesperado de situações violentas e

traumáticas, se a morte ocorreu após longo período de adoecimento, se está

relacionada à perda de um filho e se há a percepção do enlutado de que ela poderia

ter sido evitada (RANDO, 1993, 2013, 2016; WORDEN, 2013).

O crescimento no número de mortes violentas e mortes em massa traz um

aumento na demanda por cuidados e no desencadeamento de transtornos

psiquiátricos a partir do trauma. Por conseguinte, deve-se considerar a discussão

concomitante ao aumento da demanda, sobre “... se o transtorno de estresse pós-

traumático, pela perda inesperada e violenta, assim como o luto complicado

necessariamente serão traumáticos” (FRANCO, 2010, p. 19-20).

Independentemente do modelo teórico adotado a respeito do luto, da

intervenção recebida, do tempo decorrido da perda ou mesmo do curso do processo

de luto vivenciado de forma única, pode ser benéfico para o enlutado compreender a

resolução do luto como a possibilidade de vivenciar um ponto de equilíbrio. Para

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Neimeyer e Cacciatore (2016), esse equilíbrio deve envolver a aceitação de uma

nova realidade e dos novos propósitos de vida, com a sensação de algum

crescimento por meio da escuridão do luto, como uma transição no

desenvolvimento.

Esses dois autores apresentaram recentemente a perspectiva do luto como

um processo de desenvolvimento, bem como uma transição psicossocial e até

mesmo espiritual (NEIMEYER; CACCIATORE, 2016). Portanto, consideram que uma

perda exige um ajustamento que inicialmente se apresenta tumultuado, como um

luto agudo, até um período de relativa estabilidade. Essa perspectiva é observada

na prática clínica e no grupo de apoio que compõe a realidade desta pesquisadora,

bem como atende à perspectiva do paradigma sistêmico ao qual está vinculada

(SILVA, 2016, 2008a, 2008b, 2009, 2014, 2015).

Dessa forma, o luto não deve ser reduzido a sintomas psicológicos,

diagnósticos psiquiátricos ou papéis sociais determinados pela cultura –ou, ainda, à

transição entre fases ou estágios, que leva em consideração apenas aspectos de

funcionamento psicológico individual. Esse modelo desenvolvimental de luto

(NEIMEYER; CACCIATORE, 2016) possibilita observar diferentes aspectos do

processo de luto e, portanto, as diversas demandas que podem surgir a partir dos

desafios ou crises que a perda dispara, fornecendo importantes contribuições para a

avaliação e para a prática clínica com enlutados, que serão objeto de estudo desta

pesquisa.

De acordo com Mazorra (2009), é fundamental distinguir as reações

esperadas diante de uma perda daquelas associadas às complicações do luto, de

forma que se possa identificar as pessoas que têm potencial risco para desenvolver

luto complicado e promover a assistência adequada. Vários autores (PARKES. 1998;

RANDO, 1993; SILVA, 2009; PARKES, 2009; WORDEN, 2013; STROEBE et al,

2008b; FRANCO, 2016) ponderam que a linha entre o luto considerado normal e o

complicado seja tênue, havendo necessidade de avaliação adequada que leva em

consideração a intensidade e a duração das reações de luto. Afinal, o luto é tão

devastador que algumas pessoas podem percebê-lo como doença (PARKES, 2011).

Neimeyer e Cacciatore (2016) propõem que os maiores desafios estão

relacionados a crises de isolamento, insegurança e falta de sentido. O primeiro é

uma característica do que seria um período de luto inicial, relacionado às primeiras

semanas após a perda e envolvendo reações imediatas; o segundo, vinculado ao

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luto intermediário, é relativo aos meses seguintes à perda, em que o enlutado está

desafiado a reconstruir sua própria vida; e por último, aquele relacionado a anos

após a perda, o luto posterior, caracterizado por ações de reorientação.

Este pode ser o foco a guiar uma abordagem psicoterapêutica, revelando a

importância de uma adequada avaliação da demanda do enlutado que busca ajuda;

em especial por trazer à luz a compreensão de que o modelo apresentado por esses

autores têm como base outras capacidades desenvolvimentais, cujos resultados

aparecem de forma gradual e incerta em um determinado período de tempo,

facilitados por um sistema psicossocial que dá apoio às suas aquisições

(NEIMEYER; CACCIATORE, 2016), isentando-se de rótulos ou padrões pré-

determinados.

Desta feita, qualquer avaliação com vistas à organização de uma intervenção,

deve levar em consideração os desafios desencadeados com a perda, de acordo

com a perturbação percebida pelo próprio enlutado, que pode impedir o movimento

espontâneo de desenvolvimento e trazer complicações ao processo, segundo

Neimeyer e Cacciatore (2016). De acordo com esses autores, essas complicações

podem acontecer por transações problemáticas no ou entre qualquer um dos níveis

do sistema epigenético.

Como já indicado em outros trabalhos desta pesquisadora (SILVA, 2008a,

2008b, 2009, 2010), há a concordância com a afirmação de Parkes (1998),

corroborada por Franco (2016), de que a maior parte dos enlutados será capaz de

estabelecer um funcionamento adequado após a perda nos múltiplos aspectos de

sua vida individual, familiar, social e espiritual.

Shear, Boelen e Neimeyer (2011) trazem à tona a observação de que a maior

parte dos enlutados consegue integrar as reações agudas de luto em suas vidas

diárias ao longo do processo e apenas cerca de 10% dos enlutados desenvolvem

luto complicado. Esses enlutados lutam sem sucesso para reconstruir uma vida sem

a pessoa que morreu, com sintomas tais como sentimento persistente de intensa

busca ou preocupação excessiva com a pessoa amada, choque, incredulidade e

raiva em relação à morte. Podem apresentar dificuldade de cuidar de ou confiar em

outras pessoas, e também demonstrar comportamentos de evitação em relação à

morte ou para se sentir mais próximo de quem se foi, além de aspectos da

ruminação. Esses autores, em sua compilação sobre o tratamento do luto

complicado, afirmam ainda que seus fatores de risco estão associados à

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vulnerabilidade psicológica, às circunstâncias da perda e ao contexto da morte. Para

eles, o luto complicado faz com que o enlutado perceba a morte como se fosse algo

que tivesse acontecido recentemente, mesmo após muitos anos, indicando um

bloqueio da transição esperada em todo processo.

1.3 ASSISTÊNCIA AO LUTO

Worden (2013) afirma que, por um lado, as pessoas que se submetem a

tratamento para situações de luto podem procurar um serviço especializado

autorreferindo o sofrimento em relação à perda. Por outro, segundo ele, algumas

pessoas que buscam ajuda psicoterápica não percebem a correlação entre uma

perda e o início de sintomas. Assim, buscam um profissional para o alívio desses

sintomas. A correlação só será observada pelo próprio profissional ou pelo paciente

no período de avaliação ou no decorrer do próprio tratamento.

É por isso que qualquer assistência ao luto precisa ser pensada a partir das

questões culturais que envolvem a pessoa enlutada, incluindo reflexões do que é

considerado normal e esperado como reação a uma perda significativa. Para Franco

(2016), ser sensível culturalmente significa um olhar ampliado para além das

questões comumente observadas, para as diferenças de cada família, de cada

região de um país e até mesmo para questões de gênero. E, por que não dizer, da

própria pessoa que irá prestar a assistência.

Esse aspecto também deve ser levado em consideração quando se organiza

uma intervenção, seja individual, familiar ou comunitária, pois, como afirma Worden

(2013), existem pessoas que tendem à adaptação após uma perda, não

necessitando de qualquer tipo de intervenção, dependendo de múltiplos fatores de

risco e de proteção, tanto individuais quanto sociais, em um amplo contexto. Essa

afirmação também é corroborada por Stroebe et al (2008b) e por Gamino e Ritter

(2009, 2011) quando reiteram a informação de que a maior parte dos enlutados

atravessará um intenso período de sofrimento e alguma disfunção, mas conseguirão

ultrapassar esses momentos sem qualquer indicação profissional.

Para Schut et al. (2010), o termo intervenção em luto é muito amplo e

abrange a ajuda oferecida por familiares, amigos e vizinhos após a perda de alguém

amado. Por isso consideram importante distinguir esse apoio informal como apoio

social. Seguindo adiante na discussão da intervenção em situações de luto,

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portanto, apresentamos uma importante distinção sobre a prática profissional com

enlutados.

Worden (2013), em suas grandes contribuições para o campo do trabalho

com enlutados, apresentou uma distinção entre aconselhamento de luto e

psicoterapia de luto. A primeira se refere à facilitação por meio do aconselhamento

do processo do luto normal ou não complicado para aliviar o sofrimento ou ajudar os

indivíduos e suas famílias a se ajustar bem em um período adequado. A segunda

consiste em técnicas especializadas de intervenção que guiam as reações de luto

complicado até um processo de enfrentamento normal. Na prática, afirma que é

difícil distinguir entre os dois.

São várias as possibilidades de intervenção em situações de luto, tanto para o

aconselhamento como para a psicoterapia de luto, tais como apresentadas por

Neimeyer em duas de suas obras (2012, 2016), apenas para citar como exemplos.

São apresentados o enquadramento do trabalho, a modulação das emoções, o

trabalho corporal, as transformações do comportamento, reestruturação da

cognição, o endereçamento das resistências, a construção de significados, a

reescrita de narrativas de vida, o emprego das artes, a renovação dos laços, os

rituais, o trabalho em grupos, para citar alguns. Nessa compilação, também há

menção a técnicas específicas, inclusive o EMDR (KOSMINSKI; MCDEVITT, 2012).

Refletindo a respeito da distinção entre aconselhamento e psicoterapia do

luto, podemos deduzir que esta segunda deve ser aplicada apenas para aqueles

indivíduos identificados como portadores de luto complicado.

Para Cordioli (2018), a psicoterapia pode ser considerada um método de

tratamento interpessoal que tem como objetivo a intervenção em problemas

emocionais, cognitivos ou comportamentais. Deve ser realizada por um profissional

treinado para atuar em relação a princípios psicológicos. Por meio de uma atividade

colaborativa, a pessoa busca ajuda para cuidar desde queixas simples a transtornos

mentais complexos. Cordioli (2008) e Leonardi e Meyer (2015) consideram a

avaliação inicial como processo primordial em uma psicoterapia. Segundo eles, é

essa avaliação que permitirá a escolha da intervenção de acordo com o quadro

clínico apresentado, a partir da própria experiência e formação do profissional. Para

que uma psicoterapia seja efetiva, é fundamental que seja um processo

individualizado, de acordo com a decisão clínica do profissional e baseada em três

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componentes: evidências de pesquisa, repertório do profissional e idiossincrasias do

cliente (LEONARDI; MEYER, 2015).

Considerando as questões cruciais acima destacadas, que permitem

estabelecer a psicoterapia como uma das formas de assistência ao luto, será

apresentado o enquadramento do trabalho de Worden (2013) como referência de

uma psicoterapia breve voltada para questões de luto.

Alguns aspectos das recomendações de Worden (2013) para o

estabelecimento da psicoterapia de luto indicam a necessidade de uma avaliação

criteriosa, identificando o que impede a resolução dos conflitos de separação e a

adaptação à perda, de acordo com os critérios por ele apresentados para a

resolução das tarefas de seu modelo. Nesta avaliação inicial, ele inclui a importância

do rastreamento de comorbidades para melhor segurança do cliente, que podem

interferir no processo de psicoterapia, em especial se esta se pretende a ser breve.

Caso sejam identificados outros problemas adjacentes, deve-se endereçar o

paciente aos cuidados necessários, incluindo o encaminhamento a profissionais de

psiquiatria.

Para Worden (2013), é imprescindível o desenvolvimento de uma aliança

terapêutica entre profissional e paciente, incluindo um contrato inicial no qual é

explicado ao paciente o objetivo da terapia e o foco nas questões relacionadas à

perda. Ele recomenda que o período estipulado seja de 8 a 10 sessões, geralmente

semanais, nas quais serão explorados a perda e o sofrimento presentes. Embora

apresente algumas experiências positivas de psicoterapia em grupo, grande parte de

seu trabalho se concentra em estruturar atendimentos individuais, abrangendo,

eventualmente, a família.

Tendo como paradigma a complexidade do processo de luto (SILVA, 2009),

que envolve aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais, tem-se a certeza

de que existem mais variações de experiências de luto em sua forma e

apresentação do que a mera tentativa de categorizar fases, etapas e sintomas pode

prever.

Essa é também uma observação de Neimeyer e Cacciatore (2016), quando

abordam a realidade não linear do luto no contexto clínico, afirmando que as

variações são a regra, e não a exceção. Deve ser então tarefa de uma adequada

intervenção terapêutica, avaliar as dificuldades em um processo de luto, a partir de

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um contexto ampliado que possa cuidar dos impasses que surgem em seu

desenvolvimento adaptativo.

É pertinente trazer à tona a discussão sobre como avaliar as reações

advindas de uma perda não só na vida cotidiana, mas no âmbito de pesquisas sobre

luto, pois nem sempre os instrumentos são capazes de capturar as nuances das

respostas relacionadas ao luto (NEIMEYER; HOGAN; LAURIE, 2008). O quanto os

instrumentos de avaliação indicam dos recursos dos enlutados para os profissionais

que lidam com essa realidade? Como as escalas medem os resultados mais

significativos das práticas psicoterápicas e provam sua eficácia? Retomaremos este

tema ao tratar do método.

Para fins da proposta desta pesquisa, será apresentado o enquadramento do

trabalho de Worden (2013) como referência de uma psicoterapia breve voltada para

questões de luto. Alguns aspectos das recomendações de Worden (2013) para o

estabelecimento da psicoterapia de luto indica a necessidade de uma avaliação

criteriosa identificando o que impede a resolução dos conflitos de separação e a

adaptação à perda, de acordo com os critérios por ele apresentados para a

resolução das tarefas de seu modelo. Em sua avaliação inicial, inclui a importância

do rastreamento de comorbidades para melhor segurança do cliente, que pode

interferir no processo de uma psicoterapia, em especial se ela se pretende a ser

breve. Caso sejam identificados outros problemas adjacentes, endereçar aos

cuidados necessários, incluindo o encaminhamento a profissionais de psiquiatria.

A ideia da psicoterapia breve para o tratamento de luto também é considerada

por Parkes (1998) ao fazer uma compilação de trabalhos que utilizam esse viés. Ele

considera uma fonte importante de recurso que pode ter estratégias amplas de

maneira a adaptar-se às necessidades de cada enlutado. Parkes (1998) ressalta que

o luto é considerado uma crise, momento que requer uma abordagem psicoterápica

mais ativa e adaptativa, com foco nos objetivos estabelecidos e em um tempo

delimitado.

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EMDR

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2. EMDR

2.1 A HISTÓRIA DO EMDR

A abordagem psicoterápica do EMDR foi inicialmente desenvolvida por

Francine Shapiro (SHAPIRO; FORREST, 1997; SHAPIRO, 2007, 2015, 2018a) como

um protocolo psicoterápico para lidar com memórias traumáticas. Ao longo dos anos,

desenvolveu terminologia própria, bem como compilou um arcabouço de conceitos e

protocolos diversos, em uma complexidade ímpar. Por isso alguns termos serão

apenas citados, mas não explicados, de maneira a não fugir do escopo deste

trabalho.

Para Shapiro (2007), nos primórdios do EMDR, inicialmente intitulado apenas

EMD, portanto, sem o elemento do reprocessamento, os movimentos oculares eram

aparentemente a parte mais importante do método promovendo a dessensibilização.

Ao longo do desenvolvimento dessa nova abordagem, por meio de pesquisas e

aperfeiçoamento clínico, foi incluído o elemento do processamento de memória e

aprendizagem, e adicionada a letra R no nome.

Contudo, o nome EMDR pode limitar a compreensão e a aplicação dessa

abordagem nos dias atuais, pois outros estímulos também são utilizados. Assim,

Shapiro (2007) considerou renomeá-la de Terapia de Reprocessamento,

nomenclatura mais próxima do que representa hoje, “uma nova forma de pensar a

patologia e o tratamento terapêutico” (p. 15), mas decidiu manter o nome e a

abreviatura originais por seu valor histórico. Como complementa Guz (2017), a sigla

foi importante para a consolidação e o reconhecimento internacional dessa

abordagem. Atualmente, para além de uma técnica ou uma ferramenta

psicoterápica, tem sido considerada como uma abordagem integrativa, que pode

também ser incorporada a outros paradigmas psicoterápicos (SHAPIRO, 2002,

2007)

Luber (2009) impressiona-se com o desenvolvimento do EMDR como um

modelo de tratamento psicológico desde seus primórdios, que foi pesquisado

exaustivamente e registrado como efetivo no tratamento do trauma, por diversas

instituições internacionais. Dentre essas, podemos destacar que o EMDR foi

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trauma, o modelo de Processamento Adaptativo de Informação (PAI), a estabilização

do cliente, a metodologia básica e mecanismos de ação do EMDR e a conceituação

dos casos, bem como as melhores práticas em populações diversas, incluindo

protocolos especiais (EMDR INSTITUTE, 2017). No Brasil, apenas psicólogos,

psiquiatras ou médicos com formação comprovada em psicoterapia podem se tornar

terapeutas de EMDR.

Embora a formação básica seja um bom começo, o profissional que se dedica

ao trabalho com EMDR precisa ir além na aquisição de conhecimento, habilidades e

manejo clínico por meio de cursos de educação continuada. Como exemplos dos

temas de aprimoramento já existentes no Brasil, citam-se: EMDR com crianças,

Estados de Ego, Transmissão Transgeracional de Traumas, EMDR e Pesquisa, EMDR

com Famílias, EMDR com Casais, Apego, Trauma e EMDR, Entrelaçamentos

Terapêuticos em EMDR, EMDR para Compulsões e Adições e EMDR em Traumas

Complexos, entre outros (EMDR BRASIL, 2019).

Por meio de interlocução com esta pesquisadora, em 2011, o CRP-16/Espírito

Santo solicitou ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) um posicionamento em

relação ao EMDR. Apenas em 2012, durante uma Assembleia de Políticas da

Administração e das Finanças (APAF), houve um posicionamento formal, por meio de

Nota Técnica, para esclarecer a posição do Sistema Conselhos sobre o EMDR. Nessa

nota, o CFP esclarece que o EMDR é uma técnica reconhecida em âmbito

internacional, e ressalta que reconhecer práticas não é atribuição do Sistema

Conselhos, o que deve acontecer por intermédio do desenvolvimento de pesquisas e

prática clínica (CFP, 2013). Finaliza esse documento informando que o EMDR é uma

técnica complementar à atividade do profissional de psicologia, cuja prática deve estar

de acordo com o Código de Ética.

O treinamento básico em EMDR já tem sido divulgado por alguns Conselhos

Regionais de Psicologia em território brasileiro, tais como CRP-01/Distrito Federal,

CRP/02/Pernambuco, CRP-04/Minas Gerais, CRP-06/São Paulo, CRP-08/Paraná,

CRP-16/Espírito Santo.

Existem tantas pesquisas publicadas a respeito das aplicações do EMDR em

diversas populações, patologias e sintomas diversos, que seria injusto citar apenas

algumas. Brunnet et al (2014) informam que os estudos em todo o mundo têm

crescido a cada ano. Desse modo, citá-las parcialmente representaria apenas uma

fração desse complexo universo. Braga, Provin e Alves (2019) registram que

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recomendado para tratamento de vítimas de terrorismo pelo Israeli Council for

Mental Health (BLEICH ; KOTLER ; KUTZ ; SHALEV ; 2002 ). Ao lado da Terapia

Cognitivo Comportamental , foi indicado como tratamento de escolha para Transtorno

de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em adultos, pelo Northern Ireland Department of

Health , Social Services and Public Safety (CREST , 2003 ), pelo Dutch National

Steering Committee Guidelines Mental Health Care (HUTSCHEMAEKERS ,2003) e

pelo National Institute for Clinical Excellence (NICE, 2005). A International Society for

Traumatic Stress Studies (ISTSS ) recomendou o EMDR como um tratamento

apoiado empiricamente para o tratamento de TEPT (FOA et al., 2009). Em recente

publicação , a ISTSS apresentou o EMDR como um tratamento psicológico fortemente

recomendado para o tratamento de TEPT com adultos , adolescentes e crianças .

Enquanto intervenção psicossocial precoce , o EMDR em sessão única

foi recomendado

como intervenção com emergente evidência , e também em múltiplas sessões

com

recomendação standard , ambos para os três primeiros meses após

a ocorrência

de

um

evento traumático (ISTSS, 2018).

Tendo sido referendada como abordagem baseada em evidências científicas

para o tratamento de TEPT, segundo o Registro Nacional de Programas e Práticas

baseadas em evidências dos Estados Unidos (NREPP, 2010), o EMDR recebeu

recomendação da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2013) e da Associação

Norte-Americana de Psiquiatria (APA, 2004).

Desde 1999, o Treinamento Básico em EMDR é oferecido no Brasil, tornando-

se cada vez mais conhecido em território nacional, com um crescente interesse por

parte de profissionais e de clientes (EMDR TREINAMENTO E CONSULTORIA,

2016). A formação de novos profissionais possibilitou a criação da Associação

Brasileira de EMDR em 2008, cujo empenho para divulgar e consolidar a abordagem

permitiu a organização do Congresso Brasileiro de EMDR, que em sua quarta

edição, em 2017, na cidade de São Paulo, contou com quase 300 profissionais e

estudantes e com a apresentação de inúmeros trabalhos e lançamento de livros. Os

Congressos Brasileiros de EMDR representam a oportunidade de congregar a

comunidade de EMDR em torno do que tem sido feito em território nacional, em

termos de prática, teoria, pesquisa e supervisão, fortalecendo essa abordagem cada

vez mais.

O treinamento básico em EMDR consiste em, no mínimo, 40 horas de

teoria/prática e 10 horas de supervisão de casos. São abordados conceitos básicos de

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algumas dessas referências podem ser identificadas em publicações de Shapiro

(2007, 2018a), bem como nas de Luber (2009, 2016) e de Guz (2017).

Inicialmente utilizado para tratamento de sintomas de Transtorno de Estresse

Pós-Traumático (TEPT), a partir de defensores dessa abordagem, o EMDR teve sua

utilização ampliada para diversas outras indicações e intervenções (LUBER, 2009).

Algumas das aplicações com resultados terapêuticos positivos em uma variedade de

situações, tais como: veteranos de guerra com sequelas de TEPT; pessoas com

trauma agudo e TEPT; pessoas portadoras de fobias, transtornos de pânico e

transtornos de ansiedade generalizada; vítimas de crime, violência sexual ou

desastres naturais ou provocados pelo homem; situações de perda e luto;

trabalhadores da área de segurança ou saúde com sintomas advindos de trauma;

pessoas com sintomas somáticos ou somatoformes tais como migrâneas, dor

crônica, dor no membro fantasma, eczema crônico, problemas gastrointestinais,

entre outros; transtornos dissociativos; dependência química e outras compulsões;

entre outros. Ansiedade de performance ou desempenho, bem como situações

difíceis na escola ou no trabalho, podem também ser alvos de tratamento2.

Apesar de grande parte das publicações de artigos sobre EMDR estar

disponível na Biblioteca Francine Shapiro, algumas outras publicações significativas

podem já ser encontradas fora deste ambiente virtual, como por exemplo, os

trabalhos de Tarquinio (2009), McGuire, Lee e Drummond (2014), Coubard (2016), e

até mesmo no Brasil: Zanonato e Carvalho (2009); Brunnet et al. (2014); Braga,

Provin e Alves (2019). Existem diversos livros publicados no Brasil sobre o EMDR

(SHAPIRO, 2007; LESCANO, 2007; ZAMPIERI, 2010; GOMEZ, 2012; GRAND,

2013; BERGMAN, 2014; CROITORU, 2014; GOMEZ, 2014; MANFIELD, 2014;

SHAPIRO, 2016), bem como publicações de autores nacionais (TOLEDO; SHIASHI,

2019; CARVALHO, 2013; LOPES; CARVALHO; BARBOSA, 2014; CARVALHO,

2015; CARVALHO, 2016; SALOMONI, 2017; PONTES, 2017; CARVALHO, 2017;

ZAMPIERI, 2017; PONTES, 2019). Algumas compilações de trabalhos de autores

brasileiros apresentam parte do que tem sido realizado no Brasil com relatos de

casos e experiências da prática profissional (MONTEIRO, 2012; MONTEIRO, 2015;

SOBREIRA, 2017).

2

Para acesso a grande parte dessas referências, consultar a Biblioteca Francine Shapiro, localizada em ambiente virtual: https://emdria.omeka.net/.

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A publicação de pesquisas no Brasil sobre o uso do EMDR ainda é escassa,

informação confirmada por uma revisão sistemática publicada por Brunnet et al.

(2014). No entanto, é possível mencionar duas teses de doutorado (BRUCK, 2007;

RABONI, 2010; MOTTA, 2017), pesquisas em andamento (GUIMARÃES;

CASTELLO; SOBREIRA, 2018; STIPP, 2018; MESQUITA, 2018), a publicação de

Zampieri e Tognola (2018) e a apresentação de pesquisas indicando bons resultados

do uso do EMDR para diferentes demandas durantes as edições dos Congressos de

EMDR (CASTELLO, 2012; ZAMPIERI, 2012; PANGEIRO et al., 2012; RODRIGUES,

2012; SOUZA, 2012; ZAMPIERI; ZAMPIERI; ZAMPIERI, 2012; ZAMPIER;

ZAMPIERI; GODOY; ZAMPIERI, 2018). Observa-se ainda o início de pesquisas com

imagens eletromagnéticas que comprovam como o EMDR modifica o funcionamento

do cérebro. Apresenta-se também a pesquisa realizada em território nacional por

Carvalho et al. (no prelo), já encerrada e em fase de publicação. Há, portanto, muito

caminho a ser percorrido.

2.2 AFINAL, O QUE É O EMDR?

O EMDR caracteriza-se como um método clínico, tal como o conceito

explicitado por Rudge (2012), sendo, ao mesmo tempo, um tratamento e um sistema

de investigação, visando a diminuir o sofrimento psíquico. Assim, o EMDR construiu

suas bases em uma forma clínica na escuta e na atenção do que é singular da

prática diagnóstica e terapêutica e, segundo Shapiro (2002), incorpora princípios,

protocolos e procedimentos. Pode ainda ser definido como uma forma de

intervenção e, também, um modo, em constante evolução, de compreender e

conceituar um caso clínico (SHAPIRO, 2002, 2007).

Para Guz (2017), o EMDR está apoiado em bases neurocientíficas para o

trabalho com experiências traumáticas. Em sua amplitude, pode ser formulado como

uma psicoterapia breve focada em situações pontuais, para traumas únicos, ou

tomar uma forma mais abrangente, ao considerar problemas desenvolvimentais por

histórico de traumas precoces, que interferem na esfera individual ou relacional de

uma pessoa.

Ao longo do ciclo de vida de alguém, a partir de sua convivência com sua

família de origem, sua família constituída, seu círculo social, atividades de vida

cotidiana e até mesmo na escola ou no trabalho, experiências podem ser

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vivenciadas como positivas ou negativas, e armazenadas como memórias, positivas

ou negativas (SHAPIRO, 2015).

Assim, para Shapiro (2015), desde a mais tenra idade, cada experiência

vivenciada por um indivíduo é parte de um quebra-cabeças que forma o mundo

interior e determina as reações em relação às experiências posteriores. Todas essas

peças são armazenadas fisicamente nos neurônios, redes de células cerebrais, que

constroem a forma como vemos o mundo e como reagimos a eles. Para essa

autora, as memórias armazenadas de forma apropriada constituem a base para a

felicidade e para a saúde mental. Contudo, os sintomas são originários desse

sistema de memória, mesmo que não consciente, pela existência de memórias não

processadas (SHAPIRO, 2015).

Lang (1979) completa que esse sistema de memória possui uma estrutura de

informação que inclui diversos elementos interligados (entradas sensoriais,

cognição, emoções, reações psicofisiológicas, comportamentos). E, segundo ele,

quando a memória perturbadora vem à tona, acaba por ativar respostas fisiológicas

tais como as vivenciadas no momento da experiência difícil.

Shapiro (2002, 2007, 2015) propõe como guia para o EMDR o modelo de

Processamento Adaptativo de Informação (PAI), que pressupõe que o sistema

fisiológico do cérebro seja capaz de processar as experiências em um caminho de

saúde e equilíbrio, salvo se houver bloqueio ou trauma contínuo. Caso essas

memórias permaneçam sem processamento, congeladas de forma paralisante,

fornecem a base para reações disfuncionais (SHAPIRO, 2002, 2007, 2015).

Portanto, o EMDR tem como foco essas memórias não processadas que contêm

imagens, pensamentos, emoções e sensações físicas que provocam reações que

podem se tornar crônicas.

Essas memórias não armazenadas de forma correta fazem com que a pessoa

fique presa em uma interpretação particular da realidade, que faz com que interaja

com a situação presente a partir das memórias perturbadoras anteriores (SHAPIRO,

2002, 2007, 2015). Sendo assim, a pessoa reage de forma disfuncional em

situações do presente por conta de eventos anteriores que ficaram codificados

fisiologicamente.

Para Shapiro (2015), essas memórias podem estar relacionadas a um

acontecimento único, também conhecido como trauma grave (T), ou a experiências

que podem ser classificadas como pequenos traumas (t), os quais, isoladamente ou

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em seu conjunto, podem acarretar memórias não adaptativas (SHAPIRO,

FORREST, 1997; SHAPIRO, 2002, 2007). Eventualmente, o fato perturbador é algo

que não aconteceu, por exemplo, em situações de negligência, quando a criança

deveria ter sido protegida (SHAPIRO, 2015).

Contudo, para Shapiro (2002), não há clareza sobre as razões de indivíduos

responderem de forma diferente a eventos semelhantes e a melhor definição de

trauma é: qualquer evento que deixe efeitos negativos, não importando a

intensidade ou duração do evento ou dos efeitos. Para ela, a pressão da interação

bioquímica entre natureza, nutrição e meio ambiente, que impede o processamento

de informação alterando a percepção do indivíduo por décadas, requer mais

investigação.

O EMDR tem como base o pressuposto de que a pessoa se prende a uma

memória traumática porque a própria natureza do trauma sobrecarrega o cérebro,

que não consegue processar esta informação de maneira adaptativa. Esta forma de

responder ao trauma é considerada uma resposta desadaptativa, alvo do tratamento

EMDR (SHAPIRO, 2007).

Assim, a partir do PAI e dos procedimentos estabelecidos para o EMDR, a

memória disfuncional é acionada e, com todos os seus elementos acionados, o uso

dos movimentos bilaterias (MB’s) ajudam o cérebro a digerir essas memórias

negativas, conscientes ou não, até sua armazenagem adaptativa (SHAPIRO, 2007,

2015). Os MB’s utilizados no EMDR podem ser visuais, auditivos e táteis.

Os procedimentos facilitam o acesso à rede de memórias e promovem

revelações, conexões e mudanças, bem como permitem que padrões negativos de

se comportar ou de reagir possam ser rompidos (SHAPIRO, 2015). Dessa forma,

permitem a integração de novas informações, levando a um crescimento psíquico

em direção a um novo senso de identidade, para além da redução dos sintomas.

Além disso, proporcionam uma mudança em como a pessoa percebe o evento,

assim como seu próprio papel no evento (SHAPIRO, 2002, 2015).

Para Braga, Provin e Alves (2019), portanto, o objetivo do EMDR é reativar o

PAI de maneira a processar a memória disfuncional, proporcionando a conexão com

redes adaptativas de memória. E, dessa forma, a principal função do terapeuta é

permitir que o cliente acesse o caminho do PAI (BRAGA; PROVIN; ALVES; 2019).

De acordo com Shapiro (2002, 2007) e Solomon e Shapiro (2008), é durante

o reprocessamento que estas conexões neurofisiológicas são retomadas,

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possibilitando a reativação funcional da memória e dessensibilizando as situações

negativas armazenadas junto às crenças negativas que as sustentam. Este

reprocessamento da memória possibilita o surgimento de crenças e sensações

positivas, considerados recursos positivos tanto neurofisiológicos quanto

psicológicos do paciente.

Essas ferramentas fundamentais para o enfrentamento de futuras situações

de vulnerabilidade emocional e corporal parecem ressoar com o trabalho de

Solomon e Shapiro (2008) sobre o mecanismo de reconsolidação da memória.

Dessa maneira, o cliente reagirá de forma diferente às situações semelhantes, que

antes lhe disparavam uma série de reações perturbadoras e pensamentos negativos

sobre si mesmo.

Por ser um processo complexo e com muitas variáveis, ainda não há a

explicação de porque o EMDR funciona e, segundo Shapiro (2015) várias pesquisas

estão em andamento. Segundo ela, uma das explicações possíveis é de que os

movimentos bilaterais (MB’s) utilizados parecem estimular o mesmo tipo de

conexões biológicas observadas durante o período do sono que apresenta

movimentos rápidos dos olhos (REM), período em que o processamento das

memórias acontece de forma adaptativa (SHAPIRO 2007, 2015).

2.3 A PRÁTICA DO EMDR

O EMDR pode ser usado em qualquer etapa do ciclo vital (SHAPIRO, 2007,

2015, 2018; GOMEZ, 2012, 2014) e aplicado de forma individual (SHAPIRO, 2007,

2015 , 2018 ) com casais (ZANONATO ; CARVALHO , 2009 ; SALOMONI , 2017 ;

ZAMPIERI , 2012 ), com famílias (ZANONATO ; CARVALHO , 2009 ; SHAPIRO ;

KASLOW ; MAXFIELD , 2016) e em grupos (ARTIGAS et al., 2014 ; JARERO ;

ARTIGAS , 2014b). Pode haver indicações para seu uso logo após a ocorrência de

uma situação crítica, como uma intervenção precoce, com a utilização de protocolo

de evento recente (SHAPIRO , 2007), ou ainda de protocolos apresentado , por

exemplo , por Jarero e Uribe (2014), Jarero e Artigas (2014a), Luber (2014) entre

outros.

A indicação massiva e consistente em relação ao uso do EMDR é em relação

ao tratamento de TEPT, conforme mencionado no início desse capítulo e

corroborado por Braga, Provin e Alves (2019). Esses autores ressaltam que não

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existem estudos em quantidades significativas para garantir a efetividade do uso do

EMDR em diferentes condições clínicas. Ao mesmo tempo, não localizaram na

literatura científica contraindicações a respeito do EMDR, mas referiram que a

prática clínica indica limitações com clientes resistentes e que há especulação de

que o uso de benzodiazepínicos interfere no processamento de memórias.

De acordo com o EMDR Institute (2017), algumas condições de saúde,

incluindo epilepsia, labirintite, dor nos olhos e trauma físico na cabeça requerem

maiores cuidados e precisas habilidades terapêuticas. É recomendável que se

consulte o médico assistente para juntos definirem a prontidão para o tratamento, e

quais cuidados precisam ser tomados, como, por exemplo, não usar os MB’s visuais.

A mesma recomendação deve ser seguida no caso de gestantes ou pessoas em uso

de medicação psiquiátrica.

A abordagem do EMDR prevê a realização de uma avaliação criteriosa do

problema apresentado por um indivíduo que busca ajuda psicoterápica e da

consequente elaboração de um plano de tratamento individual (PTr), de acordo com

o pedido de ajuda. Este plano consiste no cuidadoso estabelecimento de alvos,

baseados nas redes de memória das situações traumáticas, e no conhecimento

apropriado dos protocolos, levando em consideração também a estrutura do

paciente. Exige também o estabelecimento de um confortável relacionamento

terapêutico (SHAPIRO, 2007).

Seria restringir a abrangência do EMDR a visão simplista de que ele foi

talhado para apenas reduzir sintomas, o que pode até ocorrer quando há o

processamento de memórias disfuncionais. O objetivo é abordar o cliente como um

todo, em busca de um tratamento abrangente de acordo com o planejado. Assim é

possível favorecer o funcionamento global do cliente nos aspectos individuais,

familiares e sociais, de forma a experimentar afetos e emoções, inclusive a

possibilidade de vivenciar vinculações saudáveis.

O protocolo básico é formulado com três etapas – passado, presente e futuro

– que se interconectam nesse plano de tratamento, a partir do PAI, e dependem de

uma boa avaliação clínica compreendendo o cliente como um todo. No passado, o

terapeuta busca identificar as redes de experiências que contribuem para a

disfunção a ser trabalhada, elencando-as por ordem cronológica de ocorrência,

podendo também determinar a primeira, a pior e a última experiências a serem

processadas. No presente, o PTr inclui os chamados disparadores, ou gatilhos,

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situações ou pessoas que reativam aquela memória não adaptativa, provocando

algum grau de perturbação. A avaliação do futuro inclui habilidades e recursos que

precisam ser incorporados. Como afirma Guz (2017), o EMDR prepara o cliente para

os desafios em potencial, cuidando de possíveis ansiedades antecipatórias, e

colabora para identificar aprendizagens necessárias para respostas adaptativas.

O processamento durante a utilização do EMDR requer que o cliente mantenha a

atenção dual, observando simultaneamente o presente e o passado, motivo pelo

qual é importante incluir a avaliação de presença de dissociação na história

preliminar. Independente do quadro clínico apresentado, não são solicitados os

detalhes da memória perturbadora, e ela é enquadrada a partir dos elementos

primordiais do EMDR, que fazem parte do ICES.

Para um melhor aproveitamento do PAI, o EMDR Institute (2017) recomenda

manter o cliente em um moderado nível de estresse emocional, de forma a modular

o processo. Também conhecida como janela de tolerância (SIEGEL, 1999), essa é

uma zona de ativação ideal das emoções na qual um indivíduo consegue receber,

processar e integrar novas informações (GUZ, 2017).

Isso significa manter um nível ideal de emoção e manter o processamento

acontecendo, a partir de estratégias diversas, como variação dos MB’s ou nas

medidas de SUDS, uso de metáforas, entre outros. Ou ainda o entrelaçamento

cognitivo e o trabalho com crenças limitantes, bastante úteis em situações em que o

processamento é interrompido (SHAPIRO, 2007, 2018a).

A seguir, serão apresentadas as oito fases do protocolo básico, conforme

Shapiro (2007):

Fase 1. História Clínica – Essa fase tem como objetivo conhecer o problema

apresentado, colhendo informações sobre a história do cliente de forma a rastrear

sua prontidão para se beneficiar dessa psicoterapia, bem como identificar os alvos a

serem trabalhados. Nesse período também são avaliadas as estratégias de

enfrentamento do cliente, por meio de seus recursos, suas experiências positivas e

sua rede de apoio. Nessa etapa, apresentam-se os elementos do EMDR e obtém-se

o consentimento do cliente. É também o momento de estabelecer os objetivos da

psicoterapia, por meio da construção do PTr.

Fase 2. Preparação – Objetiva preparar o cliente para que ele processe as

memórias perturbadoras, de maneira a oferecer segurança e estabelecer uma boa

relação terapêutica. Essa etapa também visa o treino em habilidades de

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enfrentamento e técnicas de autocontrole, para que o cliente se mantenha na janela

de tolerância ótima para um processamento efetivo das memórias. Técnicas como

Lugar Tranquilo, de respiração e imagem guiada são algumas das que podem ser

utilizadas, dentre muitas outras que podem vir do repertório do próprio profissional,

de abordagens anteriores.

Fase 3. Avaliação – A partir do PTr, terapeuta e cliente identificarão o primeiro

alvo a ser trabalhado envolvendo os diferentes elementos da memória. Então,

estabelecem-se os componentes específicos do alvo, a saber, Imagem (I), Crença

Negativa (CN), Crença Positiva (CP), a validade dessa CP por meio da Escala de

Validação da Cognição (Validity of Cognition Scale – VoC), Emoção (E), a avaliação

do desconforto pela Escala de Unidades Subjetivas de Perturbação (Subjective

Units of Disturbance Scale – SUDS) e a Sensação Física (SF). Por convenção, o

conjunto desses componentes é também conhecido por uma sigla, ICES, que

representa os elementos imagem, crença, emoção e sensação corporal. É

importante destacar que o SUDS mede a perturbação em uma escala de 0 a 10,

onde 0 é nenhuma perturbação e 10 a máxima perturbação que se possa imaginar.

O VoC mede a validade da CP em uma escala de 1 a 7, onde 1 representa

completamente verdadeira e 7 representa completamente falsa.

Fase 4. Dessensibilização – Aqui os MB’s são utilizados para o

processamento do alvo escolhido. Observa-se possíveis mudanças na rede de

memórias, até que a perturbação alcance o SUDS zero, o que pode acontecer em

uma única sessão ou várias sessões.

Fase 5. Instalação – Voltando à CP escolhida, avalia-se sua adequação,

vinculando-a à memória que está sendo trabalhada. Mantêm-se os MB’s na mesma

quantidade/intensidade/velocidade anterior, até alcançar-se o VoC 7.

Fase 6. Escaneamento Corporal – ao acessar a memória e à CP, solicita-se

ao cliente que escaneie o corpo em busca de perturbação. Caso haja perturbação,

os MB’s são retomados até não haver mais sensações físicas que perturbem.

Fase 7. Fechamento – Aqui é possível observar se a sessão foi completa ou

incompleta. Considera-se sessão completa aquela que chegou à fase 6

satisfatoriamente, para então se passar para a fase seguinte, quando a anterior for

encerrada. Independente do resultado, é o momento de se certificar da estabilidade

do cliente, utilizando alguns dos elementos já estabelecidos na fase 2. Relembrando

o PAI, o cliente deve ser informado de que elementos da rede de memória podem

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continuar emergindo entre as sessões, recebendo instruções sobre o que fazer. O

cliente é incentivado a manter anotações a respeito de experiências positivas e

negativas que surgirem até a próxima sessão.

Fase 8 – Reavaliação. Essa fase acontece na sessão seguinte para avaliar o

que aconteceu desde a sessão anterior, se surgiram novas memórias ou se foram

observadas mudanças. O alvo trabalhado na sessão anterior é reavaliado, sendo

medido o SUDS. Caso ainda apresente perturbação, volta-se à fase 4 de

reprocessamento. Caso o alvo tenha sido processado, passa-se ao processamento

de novo alvo, ou reafirmação dos resultados alcançados, de acordo com o PTr.

A partir do PAI promovido pelo EMDR, observa-se a dessensibilização,

mensurável pela redução da perturbação (SUDS), surgimento de insights e

mudanças nas respostas físicas e emocionais, novas aprendizagem possíveis

dentro do contexto atual, além do crescimento pessoal e do desenvolvimento da

resiliência (SHAPIRO, 2015; EMDR INSTITUTE, 2017).

O risco do que pode acontecer ao se acessar essas memórias perturbadoras,

é a maior justificativa para que apenas profissionais licenciados e treinados

conduzam tratamentos de EMDR. O treinamento básico fornece ao terapeuta

iniciante informações sobre onde focalizar a atenção e como proceder caso o

processamento seja bloqueado ou caso surja material por demais perturbador

(SHAPIRO, 2015; EMDR INSTITUTE, 2017).

Portanto, o terapeuta EMDR deve estar preparado para receber desde

queixas relacionadas a evento único como a um TEPT Complexo, oriundo de

múltiplos eventos traumáticos na vida do cliente, com sinais severos de problemas

dissociativos e/ou de personalidade. É necessário conhecimento aprofundado de

psicopatologia, bem como formação profissional contínua, para que a intervenção

seja desenhada de acordo com cada cliente.

A partir da teoria do apego (BOWLBY, 1997), a qualidade das relações

humanas que transmitem segurança podem afetar o desenvolvimento de um

indivíduo. E caso existam situações críticas vivenciadas na mais tenra idade, essas

memórias remanescentes não processadas podem gerar graves sintomas.

Dificuldades de apego moldam a forma de um indivíduo interagir com o mundo.

Assim como as psicoterapias baseadas no apego, que lançam luz para as relações

precoces, o EMDR coloca suas lentes no passado de maneira a organizar o

presente e possibilitar uma liberdade futura. O PAI propõe que essas experiências

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mal armazenadas é que são disparadas nas relações do presente, como se

estivessem acontecendo novamente, fazendo emergir emoções e até sensações

físicas. Esse processo não permite controle por parte de quem sofre algo dessa

natureza, permanecendo, por vezes, fora da consciência (SHAPIRO, 2002).

Situações complexas disfuncionais como a mencionada acima podem estar

na base de transtornos de personalidade ou de quadros dissociativos. Crianças com

múltiplos traumas crescem sem confiar em si mesmas ou no outro, e podem também

não confiar em suas próprias percepções, apresentando dificuldade nas relações

com o mundo externo. De acordo com Shapiro (2002), clientes com histórico de

abuso e negligência têm recursos internos ou experiências positivas insuficientes

para transformar suas experiências negativas, motivo pelo qual requerem cuidados

adicionais e, provavelmente, receberão tratamentos prolongados com EMDR.

Braga, Provin e Alves (2019), apresentando a prática clínica com EMDR,

informam que uma sessão de EMDR não difere de outras práticas psicoterápicas, e

tem a duração média de 60 minutos. No entanto, a depender da forma do

processamento do cliente e da disponibilidade do terapeuta, pode chegar a 120

minutos.

De acordo com Shapiro (2002, 2007), foram incorporados o desenvolvimento

de recursos e a instalação de procedimentos que possam determinar se o cliente

tem força de ego e resiliência para adentrar no processamento. Caso seja

observado que isso ainda não acontece, a fase 2 pode durar meses ou anos até que

o cliente esteja pronto para ser submetido ao EMDR. Nessa etapa a relação

terapêutica deve ser aprofundada para que o cliente tenha segurança suficiente para

enfrentar aspectos dolorosos de sua vida.

O tempo de tratamento e o número de sessões é variável e depende da

avaliação inicial e do PTr , da gravidade dos sintomas e da estrutura do cliente ,

podendo ser utilizado em uma sessão única ou por anos. Desta maneira, conclui-se

que o EMDR é uma abordagem que deve ser utilizada sob medida para cada cliente.

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EMDR E LUTO

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3. EMDR E LUTO

3.1 REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA – PRIMEIROS PASSOS

A construção da fundamentação teórica deste capítulo teve início durante uma

das disciplinas do doutorado em Psicologia Clínica da PUC-SP, com o desafio de

realizar uma revisão sistemática da literatura em meios eletrônicos sobre o tema

investigado.

A revisão inicial foi realizada em 2014 na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) –

Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), que engloba os seguintes bancos de

dados: MEDLINE, LILACS, IBECS, Biblioteca Cochrane e SciELO.

Como critérios de inclusão, foram selecionados artigos empíricos e teóricos,

estudos de casos, opiniões e comentários, dissertações e teses em inglês,

português e espanhol, durante os meses de setembro a novembro de 2014. Os

descritores incialmente utilizados na busca foram: EMDR and grief, EMDR and

bereavement, EMDR and duelo, EMDR and luto, EMDR and loss, EMDR and perda,

EMDR and perdida. Após a busca inicial, foram excluídos os artigos repetidos em

outro idioma ou que constavam em outra base de dados. Quatro artigos foram

selecionados para leitura do resumo e, em seguida, para leitura na íntegra, e apenas

dois puderam ser aproveitados. Os dois artigos excluídos mencionavam o luto de

maneira superficial, apenas indicando sua existência, sem, contudo, falar sobre

intervenção no luto. Além disso, tinham como foco principal o tratamento do trauma.

Assim, apenas os artigos de Sprang (2001) e Solomon e Rando (2007)

permaneceram para utilização posterior.

O pequeno resultado se torno um motivo para seguir a sugestão de Creswell

(2010) de expandir a busca procurando por artigos com alguma similaridade ao tema

proposto, a partir de termos citados nos artigos avaliados. Então, os seguintes

descritores adicionais foram incluídos em nova busca: EMDR and Transtornos

Dissociativos , EMDR and Transtornos de Apego , EMDR and Novas Abordagens ,

Terapias de Reprocessamento and Luto , também em inglês e espanhol . Foram

selecionados sete artigos para leitura do resumo , mas todos foram identificados

como não sendo correlacionados ao tema pesquisado , motivo pelo qual não

restaram artigos para leitura integral . O processo da revisão sistemática de 2014

pode ser conferido na Tabela 1.

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Quadro1 – Resultados da Revisão Sistemática de Literatura em 2014.Fonte: Silva e Franco (2015, 2016)

Esses resultados foram apresentados por Silva e Franco (2016) junto com

uma nova revisão de literatura, realizada em 2017, utilizando os mesmos critérios e

procedimentos, com resultados semelhantes. Nessa segunda revisão, os mesmos

dois artigos seguiram como únicas referências (SPRANG, 2001; SOLOMON;

RANDO, 2007). O estudo preliminar realizado explicita a escassez de artigos

científicos que abordem com profundidade o uso do EMDR em situações de luto.

Ao longo do tempo remanescente até o encerramento desta investigação,

ampliar a busca em outras fontes eletrônicas e impressas (CRESWELL, 2010)

revelou-se como estratégia mais eficaz. Nessa perspectiva, foram consultadas as

referências bibliográficas do Treinamento Básico de EMDR (EMDR INSTITUTE,

2015, 2017), e da Biblioteca Francine Shapiro (HENSLEY, 2018). Também foram

realizadas frequentes buscas não sistemáticas nas bases eletrônicas Journal of

Medical Association (JAMA), PubMed e Google Scholar, sempre usando os mesmos

descritores . A busca também se deu por meio das referências citadas no material

encontrado , incluindo alguns capítulos de livro. O resultado dessa busca será

apresentado no conjunto desse capítulo.

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3.2 PEÇAS DE UM QUEBRA-CABEÇAS

Shapiro (2007) enfatiza a importância de desenvolvimento de novas

pesquisas, incluindo a integração do EMDR a conhecimentos aceitos por diferentes

especialidades clínicas, em busca da consolidação de sua aplicação em caráter

científico, colaborando paraa diminuição do sofrimento humano e acrescentando

mais informações ao conhecimento.

Em um sensível texto, Shapiro e Forrest (1997) afirmam que uma pessoa

traumatizada pelo luto não pode receber o diagnóstico de TEPT, salvo se a morte

tiver sido violenta ou não esperada. Segundo eles, “em face de tamanha tristeza,

rótulos diagnósticos não têm qualquer sentido” (SHAPIRO; FORREST, 1997, p. 148

– tradução nossa).

O texto deles abre uma questão relevante, que é a da nomenclatura em

relação ao luto. Parte dessa discussão já foi realizada no capítulo anterior. Mas é

preciso retomá-la. Shapiro e Forrest (1997) empregam o termo “luto não resolvido”

(unresolved grief) e, em seguida, “luto não complicado” (uncomplicated grief), ambos

em tradução livre. Afinal, de que luto estamos falando quando se trata do EMDR

relacionado ao luto?

Ao confrontar os diversos textos que compõem este estudo, observou-se o

comentário de Worden (2013), mencionado anteriormente, a respeito da diversidade

de termos empregados para classificar o luto. Basta observar nas publicações... luto

normal (MURRAY, 2012), luto não resolvido (SOLOMON; RANDO, 1997), luto

prolongado (SOLOMON; RANDO, 1997) luto excessivo (SHAPIRO, 2007;

SOLOMON; RANDO, 1997; LUBER, 2009, 2012; SHAPIRO, 2018), luto traumático

(SOLOMON; RANDO, 2007; TARQUINIO et al., 2008).

Luto complicado aparece também no trabalho de Solomon e Rando (2007), e

na atualização de Shapiro (2018), mas esta autora, em seguida, volta a utilizar

novamente o termo luto excessivo. Van Denderen et al. (2018) utilizam o termo luto

complicado de Prigerson et al. (1995), enquanto Sprang (2001) tem como referência

o termo luto complicado, tal como postulado por Rando (1993). Esse último termo foi

o escolhido por esta pesquisadora como mais adequado em relação à integração de

seu conhecimento de luto.

Traçar uma profunda discussão a respeito dessas terminologias seria tentar

colocar ordem na panaceia de classificações e nomenclaturas, o que não é o

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propósito desse trabalho. Seria preciso entender qual o arcabouço teórico e de onde

vem a terminologia que cada autor emprega, informações que não constam nas

publicações, com exceção de duas (SPRANG, 2001; VAN DENDEREM et al., 2018),

cujos autores foram cuidadosos ao registrar esse “pequeno detalhe”.

Para Shapiro (2007), a perda pode ser uma experiência traumática, sendo

que o sofrimento desencadeado por ela tem intensidade e duração variáveis. Ainda

segundo ela, as pessoas podem superar sozinhas o pesar produzido por uma perda

em um processo de ajustamento. Os casos por ela apresentados são relatados em

fragmentos e com poucos detalhes, não informando, por exemplo, o tempo decorrido

desde a perda. Há, porém, destaque para a informação/afirmação de que o EMDR

não dissolve as emoções adequadas do luto, mas colabora para que o enlutado

caminhe em direção à aceitação da perda, removendo obstáculos. Sua

recomendação é de que o EMDR possa ser utilizado a qualquer momento do

processo de luto de acordo com o julgamento do clínico.

Solomon e Rando (1997), desbravadores clínicos e principais autores na

abordagem de EMDR em situações de luto, nessa primeira de muitas publicações,

afirmam que o EMDR pode ser utilizado em reações de luto no que tange ao trauma

relacionado à perda. Com o propósito de resolver questões de responsabilidade,

segurança e controle, mencionam a importância do tempo para o processo do luto.

Sugerem que o EMDR seja utilizado no tratamento do que chamaram de “luto não

resolvido” (SOLOMON; RANDO; 1997, p. 231), relatando sua aplicação em alguns

exemplos clínicos. Nesse mesmo artigo, utilizam o termo luto excessivo, tal como

Shapiro (2007), o qual pode durar por décadas.

Solomon e Rando (2007) afirmam que, embora a perda de um ente querido

seja algo comum à existência humana, provoca sofrimento com efeitos na mente e

no corpo, podendo ser uma experiência traumática. Além disso, traumas

considerados grandes (testemunhar a morte de alguém) ou pequenos (ter uma

pequena discussão logo antes da morte) podem povoar a mente de um enlutado,

impedindo o acesso a memórias positivas, fator que pode complicar o processo de

luto (RANDO, 1993). Para eles, o EMDR pode ser usado para trabalhar qualquer

situação perturbadora que tenha impacto no indivíduo, mesmo que não atenda aos

critérios do que é considerado cientificamente uma situação traumática, podendo

incluir o que seria considerado como uma reação normal diante de uma perda.

Solomon e Rando (2016a) completam mais adiante que o EMDR deve ter como foco

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o enfrentamento das reações agudas de luto e questões relacionadas ao processo

de luto.

Para Shapiro e Forrest (1997), as imagens relacionadas ao momento crítico

tendem a desaparecer com o tempo, mas quando o processo paralisa, por algum

motivo, o EMDR pode ser utilizado. Esses autores consideram que uma situação

particularmente difícil que surge como demanda do trabalho com o enlutado é a

culpa, que pode advir de coisas difíceis que foram feitas ou de coisas que não foram

feitas, os conhecidos “ses” (SILVA, 2009): “se eu tivesse feito isso, se eu tivesse feito

aquilo...” Alguns enlutados também podem se sentir responsáveis pelo que

aconteceu e sem rumo após terem tido seu senso de controle rompido (SHAPIRO;

FORREST, 1997).

Shapiro e Forrest (1997) citam também o trauma vicariante, como possível

demanda para o trabalho com EMDR. Os autores explicam que esse fenômeno

acontece com pessoas que não estavam presentes na hora da morte, mas que

ouviram falar dela e acabam afetadas de forma intensa, imaginando a cena

perturbadora, com pensamentos e imagens recorrentes. Outro aspecto possível de

ser trabalhado com o EMDR, segundo eles, é a situação de alguém que se sente

invadido de medo em relação à sua segurança pessoal ou, ainda, do medo de

receber algo ou demonstrar para o outro as suas necessidades

Solomon (2012) apresenta mais um aspecto que pode ser trabalhado com

EMDR: o rompimento do mundo presumido, conceito explorado por Parkes (1971,

2009), Rando (1993). Esse conceito envolve todos elementos que fazem interpretar

o mundo com base nas experiências anteriores, de uma outra maneira de

compreender. Dito de uma outra maneira, é o que Vasconcellos (2002) apresentou

como paradigma, ou seja, a forma de ver o mundo. Para aqueles que percebiam um

mundo justo, previsível e controlável, um evento que contradiz isso, como a perda

de alguém querido, pode ser traumático. Nesse processo, podem surgir diferentes

CNs. Além disso, se o enlutado possuir uma história com traumas precoces, o

mundo presumido dele, já estabelecido, cheio de CNs, acabará por ruir, podendo

trazer quadros dissociativos.

Shapiro e Forrest (1997) citam Rando (1993), que descreve um modelo de

três estágios para ser usado em situações de luto a fim de lidar com eventuais

bloqueios ou complicações. O primeiro estágio é lidar com a morte, o segundo,

aceitar a morte, e o terceiro, integrar a ausência da pessoa no futuro. Todos os

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trabalhos subsequentes de Solomon e Rando identificados nesta pesquisa

mencionaram esses três desafios que o enlutado tem pela frente (1997, 2007, 2012,

2016a, 2016b).

Embora Solomon e Rando (1997, 2007, 2012, 2016a, 2016b) não tenham

desenvolvido pesquisa sobre este tema, sua ampla experiência clínica confirma que

a aplicação do modelo de oito fases do EMDR em situações de luto pode trazer

benefícios clínicos substanciais após uma perda. Em todas as publicações, esses

autores mencionam casos clínicos como forma de ilustrar o uso do EMDR em suas

diversas fases. Desde então, recomendam que o clínico comece a usar o EMDR a

qualquer momento para proporcionar alívio para o cliente, sem se questionarem por

quanto tempo o sofrimento deve acontecer. O “pequeno detalhe” que passa quase

desapercebido é em relação ao tempo e ao ritmo para o uso do EMDR com

enlutados. Estes devem ser sempre determinados por meio de avaliação adequada

das necessidades do cliente e da situação na qual está envolvido.

Em uma dessas publicações mencionadas, estes autores (SOLOMON;

RANDO, 2007) indicam que a morte de alguém amado, onipresente ao longo de

toda a vida, não deixa de ser angustiante, ou mesmo traumática, concordando com

a ideia de Parkes (2011) apresentada no capítulo anterior. Nesse artigo, apresentam

uma outra linguagem mais alinhada com os paradigmas contemporâneos do luto, a

partir de uma compreensão conceitual a respeito do luto vinda do trabalho de Rando

(1993), ao indicar o EMDR para o tratamento de luto complicado.

Desta feita, Solomon e Rando (2007) observam as grandes consequências

psicológicas, comportamentais, sociais e físicas em diferentes e complementares

esferas da vida de um enlutado. De forma a provocar reflexões, ponderam que há

uma tendência a não fazer interferências no processo de luto sem que seja

necessário. Por conseguinte, relatam que as avaliações de processos de luto têm

sido cada vez mais frequentes. Consideram, portanto, que existem poucas situações

em que o uso de técnicas específicas para aliviar a dor, reduzir a disfuncionalidade,

trabalhar com os conflitos e promover a adaptação que devam ser utilizadas.

Começam aqui a indicar o caminho de se aprofundar no conhecimento a respeito do

luto.

Como demonstração do constante aprimoramento, Solomon e Rando (2007)

propõem, aparentemente pela primeira vez, usar o “modelo dos 6 Rs” de Rando

(1993), enquadramento da autora para o tratamento do luto complicado, de forma a

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facilitar a avaliação e a intervenção, bem como o monitoramento dos resultados. O

modelo dos 6 “Rs” os acompanha em todas as publicações posteriores (SOLOMON;

RANDO, 2007, 2012, 2016a, 2016b; SOLOMON, 2018).

Solomon e Rando (2007, 2016a) prosseguem afirmando que o objetivo de

enquadrar o EMDR nos “Rs” é o mesmo: processar memórias armazenadas de

maneira disfuncional e obstáculos ao acesso de memórias agradáveis em meio a

reações de arrependimento, tristeza e culpa, que podem resultar em memórias

intrusivas e pesadelos. Assim como preconiza o trabalho do EMDR, pode-se

processar as emoções adjacentes, disparadores no presente que interferem no

processo de luto, desenvolver recursos e projeção de futuro. Nesse trabalho, os

autores dão maior ênfase à importância de se avaliar o quão preparado o cliente

está para ser submetido ao EMDR, bem como de se fornecer a preparação

adequada, tal qual o recomendado por Shapiro (2007), e anunciam que o EMDR se

adequa ao tratamento do luto traumático, que depende de circunstâncias da morte.

Rando (1993) diferencia reações de luto e processo de luto, termos já

apresentados no primeiro capítulo “Luto”, e usa o termo mourning, de forma

sinônima ao que foi estabelecido para o uso neste trabalho como “processo de luto”

(bereavement). O processo de luto envolve a reorientação e a adaptação à ausência

em relação ao mundo interno, com representações internas, e ao mundo externo.

Solomon e Rando (2012), além de mencionar vários casos clínicos ao

descrever cada fase do protocolo de EMDR, chamam a atenção para a importância

de manter a atenção dual com os clientes enlutados. O que significa manter um pé

no presente, enquanto observa o passado. Caso o cliente não consiga manter a

atenção dual, é imprescindível ensiná-lo técnicas de autocontrole e habilidades de

relaxamento, bem como incrementar a estabilidade e aumentar a fonte de recursos e

de controle.

Neste artigo também é destaque a projeção do futuro, que permite que o

cliente imagine quais serão os desafios e processe qualquer tensão, resistência ou

bloqueio presente em relação ao mundo sem seu ente querido (SOLOMON;

RANDO, 2007).

Em recente publicação, Solomon e Rando (2016a) aprofundam o trabalho da

abordagem em EMDR em situações de luto, ressaltando que o processo de luto

envolve não só as reações advindas da perda, mas também seu enfrentamento ativo

por meio de reajustamento pessoal necessário ao mundo sem o morto, acomodar a

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perda e seguir de forma saudável no novo mundo, corroborando afirmações de

trabalho sobre EMDR e luto citados anteriormente (SOLOMON; RANDO, 1997,

2007, 2012).

Retomando o trabalho de Solomon e Rando (1997, 2007, 2012, 2016a, 2018),

há a referência ao PAI, com destaque à informação de que a perturbação em relação

à perda é o resultado de informação armazenada disfuncionalmente, seja por

memórias relacionadas à perda em si ou por emoções disparadas de forma

esporádica ou contínua ao longo do processo de adaptação, como angústia, dor,

medo, culpa, entre outros.

Os autores afirmam também que o cliente deve possuir a habilidade de se

autorregular, estar presente mesmo com emoções e pensamentos perturbadores,

bem como ter uma situação psicossocial estável interna e externamente. O clínico,

por sua vez, precisa saber integrar o EMDR em enquadramento terapêutico por

meio de estabilização apropriada, de educação psicossocial relacionada à perda e

de dinâmicas relacionadas às reações de luto e ao processo de luto (SOLOMON,

RANDO, 2012).

Por conseguinte, os enlutados podem apresentar diversos aspectos de

memória disfuncional: imagens, pensamentos, crenças, emoções, sensações e

percepções. Estas memórias podem interferir no acesso às redes de memórias

positivas. Solomon e Rando (2007) prosseguem dizendo que o EMDR pode facilitar

a assimilação dessa experiência assim como o processamento de emoções e

pensamentos necessários para o luto saudável; além de poder tratar o luto

complicado, conforme já ponderaram em publicação anterior). As memórias positivas

que surgem com o EMDR desempenham papel vital na acomodação da perda e

ligam o mundo com e sem a pessoa que morreu, construindo tijolos de uma

representação interior adaptativa (SOLOMON; RANDO, 2016a).

Solomon e Rando (2016a) propõem que na sessão inicial sejam discutidos os

motivos que trazem o enlutado à terapia em uma criteriosa avaliação. Recomendam

que o cliente esteja em condições de perceber o impacto da perda (quando o

entorpecimento houver se dissipado), de estar presente com suas emoções e

dearticular e refletir sobre o impacto da perda, tendo em foco a frase “devagar e

sempre” (p. 234 – tradução nossa). Indicam começar pela memória/assunto mais

perturbador, dominante ou intrusivo e afirmam que, habitualmente, esse é o

momento em que a pessoa toma conhecimento da morte, momento esse circundado

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por choque e descrença; também lembram que a resposta do cliente ao

processamento e o que dali surge são o que vai determinar o próximo passo da

terapia. Dessa maneira, a sequência de alvos é determinada pelo progresso dos

processos “Rs”.

Os autores destacam a importância de se ater a problemas relacionados ao

apego, de forma a serem cuidados apropriadamente (SOLOMON; RANDO, 2016a).

Além desse tema, podem haver questões relacionadas ao trauma, conflitos com o

ente querido logo antes da perda ou em passado remoto, funcionamento atual e

passado não saudável que pode apresentar agravamento após a perda. Esses

problemas exigem uma avaliação inicial na fase 1 para a identificação de questões

pessoais, de problemas anteriores, de habilidades de enfrentamento e de memórias

relevantes que precisam ser cuidadas, uma vez que a maior parte das pessoas que

busca tratamento tem outros problemas pessoais que se agravam a partir de uma

perda significativa, necessitando lidar com esses problemas, primeiro.

Na publicação, Solomon e Rando (2016a) propõem ao profissional conhecer o

contexto da perda por meio da investigação das circunstâncias da morte, a natureza

da perda e o significado para o cliente, as reações de outras pessoas na vida do

enlutado, história anterior de perdas, assuntos do presente e outras dificuldades

anteriores à perda. Ressaltam a importância de conhecer a história de apego com a

pessoa que morreu e possíveis assuntos não resolvidos e/ou conflitos, bem como

eventuais perdas secundárias. Esses aspectos colaboram para a ideia de o clínico

ser prudente na fase 2, observando a prontidão do cliente para o início do uso do

EMDR, a estabilização e a instalação de recursos (podendo incluir estratégias de

autorregulação e treinamento de habilidades), e a inserção de educação

psicossocial a respeito do processo de luto e suas reações.

O PTr requer o uso da sequência de alvos das memórias e dos disparadores

para avançar nas fases 3 a 7. Os autores referendam o estabelecimento desses

alvos baseado no enquadramento conceitual de Rando (1993) e lembram que as

crenças e negativas estabelecidas nessas etapas podem estar relacionadas à

responsabilidade e/ou culpa, segurança, controle, podendo ainda mesmo, não haver

qualquer crença. Todavia, Solomon e Rando (2016a) indicam o uso do protocolo

básico para o processamento dos alvos estabelecidos. A reavaliação prevista na

fase 8 é o que determinará o curso do PTr e, por conseguinte, da sessão, o que

reforça a complexidade da abordagem EMDR.

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Pontos positivos já elencados por Solomon e Rando (1997) indicam que o

EMDR é uma abordagem altamente interativa e individualizada de acordo com cada

cliente, envolvendo diversas medidas, ou seja, o movimento bilateral é apenas

pequena parte do processo. Permite, portanto, avaliação constante dos efeitos do

processo psicoterápico ao longo de cada fase, trazendo maior segurança para o

manejo clínico. É fundamental que o profissional tenha o conhecimento sólido e

habilidades clínicas para a adequada utilização do EMDR, com capacidade para

estabelecer rapport, eliciar uma completa história clínica, dar assistência ao cliente

para acessar memórias traumáticas e inclui o conhecimento de dinâmicas de

personalidade e psicopatologia para identificar as crenças e questões autorreferidas

por trás dos sintomas apresentados. Aqui é fundamental acrescentar o

conhecimento a respeito do processo de luto e suas reações para o uso apropriado

do EMDR em situações de luto.

Solomon e Rando (2016a, 2016b) sistematizaram um roteiro que pode ser

bem útil para o trabalho com enlutados, pois descreve cada passo da avaliação com

foco no luto e sugere como montar o PTr, para cada elemento dos 6 “Rs”. No

entanto, utilizá-lo na íntegra pode ser um equívoco e se tornar exaustivo para

ambos, terapeuta e cliente. Uma possível forma de utilização é identificar em qual

dos “Rs” o cliente apresenta dificuldades e só então avançar nas perguntas

específicas do tratamento para aquele “R” específico. Após esses passos iniciais,

prossegue-se com o uso do protocolo básico, com as oito fases, em todas as etapas

de presente, passado e futuro.

A pesquisadora recomenda que os clínicos que desejarem seguir as

recomendações de Solomon e Rando (2016a) aprofundem o estudo do trabalho de

Rando (1993) para se tornarem familiarizados com o modelo proposto para o

enquadramento do processo de luto. A preocupação se deve ao risco de engessar a

prática clínica ao seguir à risca o roteiro sugerido por Solomon e Rando (2016b),

tirando a flexibilidade e a interação do processo psicoterápico. É preciso ter a

clareza de que o roteiro oferecido por eles é uma ótima oportunidade de exploração

do tema da perda, e que o PTr deve ser estabelecido de forma única, de acordo com

a demanda do cliente.

Kosminski e McDevitt (2012) afirmam, a partir de sua prática profissional, que

o EMDR pode ser usado para o tratamento de trauma agudo e prolongado, quando

o alívio experimentado pelo cliente funciona para fortalecer o vínculo terapêutico e

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facilitar o trabalho . Na publicação de Neimeyer (2012 ) a respeito de diferentes

técnicas para a psicoterapia do luto, os autores referidos acima descrevem para

quais clientes o uso do EMDR é apropriado : em situações de luto que envolvam

traumas relacionados à perda ainda não elaborados , trauma relacional precoce ,

culpa incessante , raiva ou outra emoção que comprometa o desdobramento do

processo de luto (KOSMINSKI; MCDEVITT, 2012).

Para eles também, o EMDR pode ser usado em situações em que o trabalho

com o luto parece estar paralisado, nos momentos em que o cliente parece estar

travado em sua própria experiência ou crença, contaminando o próprio terapeuta

com sentimentos relacionados à impotência. O uso de EMDR facilita a resolução do

trauma relacionado à perda e permite o acesso a memórias positivas que ficaram

bloqueadas pelo trauma, dissolvendo as emoções não adaptativas inerentes a ele. O

EMDR não apaga o evento da memória, mas faz com que a pessoa se lembre do

que aconteceu sem a parte negativa que a assolava. Pode ser usado para

ruminação constante, ou seja, pensar constantemente a respeito do morto ou sobre

a morte e, com isso, ajudar na resolução do trauma e colaborar para um luto

saudável (KOSMINSKI; MCDEVITT, 2012).

Solomon e Rando (1997) ilustram as ideias de Kosminski e McDevitt (2012)

com a apresentação de um caso clínico em que sentimento de culpa, pesadelos e

imagens intrusivas indicavam a presença de um luto prolongado de uma jovem após

a morte de sua irmã mais nova em um acidente de carro. Os sintomas apresentados

eram compatíveis com depressão moderada e ansiedade. Sua forma de

enfrentamento foi evitar pensamentos e lembranças em relação à situação

traumática, com indícios de dissociação no momento do acidente. Além disso,

apresentava generalização do medo de perder outras pessoas queridas, afetando

sobremaneira suas relações afetivas. Em uma sessão de duas horas de duração, as

imagens vívidas do acidente se dissiparam, bem como a culpa, criando um

distanciamento do acidente, que alcançou o patamar de uma memória no passado.

Os autores destacam o potencial de generalização dos efeitos do tratamento para

outros sintomas relacionados, cuja remissão total foi registrada.

Solomon (2018), em mais uma publicação, retoma o tema do tratamento de

EMDR em situações de luto, atualizando a contribuição com relação ao seu

conhecimento. Acrescenta aos já mencionados processos dos6 “Rs” a teoria do

apego como forma de compreender o processo de luto e o processo de como uma

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perda pode disparar reações semelhantes a experiências do enlutado quando ainda

criança, diante do afastamento da figura de apego. Solomon (2018), inova com a

proposta de observar, a partir do trabalho de Kosminski e Jordan (2016),como o

estilo de apego apresenta o Modelo Dual do Processo de Luto que se refere à

oscilação entre orientação para a perda e orientação para a restauração como

forma do enfrentamento saudável do luto, bem como a teoria dos Vínculos

Contínuos que apresenta o desenvolvimento de uma nova relação com quem

morreu, em um laço de afeto e de memórias que duram a vida inteira.

Essas contribuições, segundo o autor, auxiliam na conceituação do caso e a

organização do PTr, por conseguinte, na seleção das memórias disfuncionais que

podem estar como raízes das complicações do luto. No artigo, Solomon (2018)

menciona que, na medida em que o EMDR desbloqueia as memórias promovendo a

reconexão da rede neuronal, o surgimento das memórias positivas em relação a

quem morreu – fato recorrente em todos os trabalhos citados neste capítulo –

promovem a conexão com o ente querido, fazendo parte da adaptação saudável do

processo de luto. Para Klass et al. (1996), a partir de sua teoria dos Vínculos

Contínuos, no momento em que o enlutado consegue internalizar a representação

interna da pessoa amada, a proximidade passa a poder substituir, então, a

proximidade física. Solomon (2018) afirma que as memórias positivas que surgem

com o EMDR são os “tijolos dessa representação interna” (tradução nossa).

A partir desses acréscimos, e adaptando o trabalho de Rando (1993) e

Kosminsky e Jordan (2016), para a fase 1 do EMDR, Solomon (2018) sugere uma

investigação que inclua não só elementos do cliente e do contexto de sua perda,

mas também elementos que possam ser a base de uma relação terapêutica segura.

Na fase 2, caso seja observado que o cliente tende a se manter na orientação para a

perda, recomenda a realização de intervenções que possam colaborar nesses

aspectos, como regulação da emoção e estratégias de enfrentamento da vida diária.

Recomenda também psicoeducação e estratégias de enlutamento para os recém-

enlutados, que podem sofrer com o desconhecimento de reações intensas nunca

antes experimentadas (SOLOMON, 2018).

A realização de psicoeducação com enlutados parece ter se tornado tema

recorrente em seu trabalho (SOLOMON; RANDO, 2007; SOLOMON; RANDO,

2016a, 2016b), inclusive abordando sintomas de luto complicado.

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Quando menciona que os aspectos relacionados à perda em si sejam

trabalhados em primeiro lugar (SOLOMON, 2018), é possível inferir que este seja o

PTr. Para Solomon (2018), essa escolha só não se justificará caso esses aspectos

intensificarem o sofrimento em demasia. Para essas ocasiões, a recomendação de

Solomon (2018) é a de trabalhar primeiro com questões do passado e ter em mente

que passado e presente estarão sempre intercalados no trabalho de luto.

Ao falar sobre o trabalho da psicoterapia de luto, Worden (2013) menciona o

EMDR como abordagem útil para o tratamento de imagens negativas permitindo que

o paciente possa lembrar da pessoa que morreu de forma positiva e confortável. Em

especial para perdas violentas, quando os aspectos do trauma se tornam

perturbadores com a presença de sentimentos negativos e estressantes. Não

menciona, porém, o uso do EMDR para outras situações como o trabalho com a

raiva, a culpa, o desamparo e outros afetos negativos que possam surgir. Mas

reforça o benefício da utilização de monitoramento de perturbação utilizada no

EMDR, quando de sua utilização para fins de psicoterapia de luto. Assim,

recomenda o uso do SUDS, que mede a perturbação de 0 a 10, em que 0 é

nenhuma perturbação e 10 a máxima perturbação que a pessoa possa

experimentar. Esta escala permite mensurar a percepção do grau de desconforto, o

que possibilita o seguimento do protocolo, seu redirecionamento quando necessário,

bem como avaliar os avanços na psicoterapia e a conclusão do PTr.

3.3 PESQUISAS

A maior parte das investigações publicadas sobre EMDR e luto são ensaios

clínicos randomizados para avaliar sua eficácia, em comparação (SPRANG, 2001;

MEYSNER ; COTTER ; LEE, 2016; COTTER ; MEYSNER ; LEE, 2017) ou em

combinação (MOROZOW , 2014; LEFERINK et al., 2017; VAN DENDEREN et al.,

2018) com outras abordagens psicoterápicas, em sua maior parte, Terapia Cognitivo

Comportamental (TCC ). Entretanto , foi possível localizar um estudo exploratório

(TARQUINIO et al., 2009) e um trabalho de Traumatic Incident Resolution (TIR) com

EMDR para trabalhar com situações traumáticas, inclusive com enlutados (DESCILO ,

1999 ). Duas revisões sistemáticas de literatura foram também relacionadas por

levantarem questões fundamentais ao paradigma da assistência ao luto e ao

trauma, a partir do uso do EMDR (

EHNTOHLT ; YULE, 2006;PFEFFERBAUM et al.

2014).

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Uma outra pesquisa também selecionada aborda a eficácia dos movimentos

oculares (HORNSVELD et al., 2010), tema de interesse do EMDR, ao se tratar sobre

a avaliação dessa intervenção com enlutados. Para fins de organização do material

selecionado , esses estudos serão apresentados por ordem cronológica de

publicação.

O primeiro trabalho publicado se refere ao caminho utilizado por Descilo

(1999) para mostrar o TIR e o EMDR como duas ferramentas efetivas para alívio dos

sintomas relacionados ao trauma em diferentes populações, inclusive com o luto.

Segundo a autora, o TIR é um procedimento de imagens cognitivas guiadas

baseadas nos procedimentos dos primórdios da dessensibilização cognitiva. O

estudo apresenta como avaliar o cliente nas duas abordagens, aspectos do manejo,

evidências de eficácia e exemplifica com um caso clínico. A autora apresenta uma

interessante abordagem das regras da Traumatologia Clínica que guiam os cuidados

com clientes traumatizados. Além disso, proporciona um roteiro para treinamento de

Habilidades de Comunicação e Traumatologia Clínica, que pode até ser bem útil

para clínicos em treinamento para o uso do EMDR.

Sprang (2001) conduziu o que parece ter sido a primeira pesquisa sobre a

aplicação do EMDR ao luto, comparando EMDR e Guided Mourning (Luto Guiado,

tradução nossa – GM) para o tratamento de luto complicado. Cinquenta participantes

divididos em dois grupos foram avaliados em relação a sintomas psicossociais e

comportamentais relacionados à perda, antes de iniciar e ao finalizar o tratamento, e

em um período de nove meses após o término da intervenção. Não há informação

em relação ao tempo passado entre a perda e a pesquisa. Os participantes eram

enlutados por morte de natureza traumática com mais de dezoito anos de idade.

Foram utilizados os seguintes instrumentos nas avaliações inicial e final, além

de nove meses após o encerramento do tratamento: CM-PTSD para medida de

TEPT, Texas Revised Inventory (TRIG), Escala de Impacto de Eventos (Impact of

Events Scale – IES), State – Trait Anxiety Inventory (Form Y) (STATE) e ISE para

avaliar autoestima.3 A fidelidade do tratamento foi garantida por medidas de um

protocolo específico (SPRANG, 2001).

Os dados das medidas comportamentais revelaram achados similares para os

dois grupos de participantes. Entretanto, quatro das cinco medidas psicossociais, a

3

O significado das palavras cujas iniciais compõem a sigla não foi informado pelos autores.

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saber, estado de ansiedade, escala de impacto de evento, índice de autoestima e

TEPT apresentaram diferenças significativas entre os tratamentos aplicados, com o

grupo de EMDR tendo redução significativa nos sintomas de TEPT (SPRANG,

2001).

Em relação à comparação dos resultados do TRIG, na avaliação do processo

de luto, não foram observadas diferenças entre os dois grupos de tratamento, EMDR

e GM. Sprang (2001) conclui que o benefício do EMDR para os enlutados recai na

redução da sintomatologia do estresse traumático. A emergência de memórias

positivas aconteceu apenas com o EMDR, indicando a eficácia dessa abordagem

psicoterápica no tratamento de memórias traumáticas que interferem no processo de

luto.

Observa-se algumas interessantes colocações nesse estudo (SPRANG,

2001). Para ele, qualquer abordagem psicoterápica é mais efetiva quando são

estabelecidos alvos dos problemas do processo de luto que funcionam como

barreiras para o seu percurso saudável. Considera que o foco inicial deve ser no

tratamento da sintomatologia do trauma de forma a permitir que o luto siga seu curso

e afirma que muitos enlutados sofreram traumas em diferentes momentos de suas

vidas. Conclui que o EMDR pode ajudar nas interferências que o trauma faz para

que o luto siga seu curso normal. Sprang (2001) utiliza o conceito de luto

complicado, tal como postulado por Rando (1993) e considera que não há um tempo

adequado antes de iniciar o EMDR com enlutados.

De maneira a testar o uso do EMDR como parte do cuidado com luto

traumático, um estudo exploratório foi realizado por Tarquinio et al. (2008). Oito

participantes foram selecionados entre familiares das vítimas de uma colisão de trem

na França, maiores de dezoito anos, cinco a sete meses após o acidente. Como

critério de exclusão, não seriam aceitos participantes que tivessem antecedentes

psiquiátricos, incluindo depressão e ansiedade. Foram realizadas cinco avaliações,

antes do tratamento, após seis sessões, ao fim do tratamento e, após três e doze

meses do encerramento dos atendimentos. Segundo os autores, os resultados

indicam a efetividade da abordagem do EMDR para o tratamento do luto traumático,

com redução dos índices de depressão, ansiedade, luto e SUDS que permaneceram

estáveis, pelo menos, por um ano.

Os instrumentos de avaliação, excetuando-se as medidas de SUDS ao longo

das sessões, ficaram a cargo de outros profissionais que não os clínicos

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responsáveis pela aplicação do EMDR. Os instrumentos utilizados foram Hospital

Anxiety and Depression Scale (HADS), Inventory of Traumatic Grief (ITG – Inventário

de Luto Traumático) e as medidas de SUDS. Esse parece ser o primeiro estudo que

considera o SUDS como um instrumento à parte, que também auxilia na avaliação

da conduta do terapeuta.

O EMDR aparece na revisão de literatura realizada por Ehntohlt e Yule (2006)

a respeito das dificuldades relacionadas à saúde mental em crianças e adolescentes

refugiados, que também aborda fatores de risco e proteção, bem como intervenções

efetivas para reduzir os efeitos do TEPT. Os autores impressionados com os

resultados do único estudo encontrado confirmando a redução dos sintomas de

TEPT veem com ressalvas o fato de esse não ter contado com um grupo-controle e

de ter utilizado uma amostra reduzida (ORAS; CANCELA DE ESPELETA; EHMAD,

2004 apud EHNTOHLT; HUPE, 2006). Embora Ehntolt e Yule (2006) tenham se

preocupado com o luto traumático nessa população, não foram localizados artigos

sobre intervenções para a assistência ao luto, indicando um excelente campo de

pesquisa.

Hornsveld et al. (2010), embora não tenham pesquisado o EMDR como

intervenção, realizaram um ensaio clínico randomizado avaliando a eficácia dos

movimentos oculares para reduzir a emoção de memórias relacionadas à morte de

um ente querido. Essa pesquisa compara o ato de lembrar de uma memória

negativa relacionada à perda em um grupo de sessenta participantes divididos em

três grupos, um grupo controle, um com música relaxante e um com movimentos

dos olhos. Os resultados indicaram uma redução significativa na emoção e na

concentração em relação à memória perturbadora no grupo que utilizou os

movimentos oculares. Esse achado é um suporte para os movimentos oculares

bilaterais utilizados em EMDR para o trabalho com memórias relacionadas à perda.

Outra revisão sistemática de literatura foi realizada com vistas a avaliar

intervenções de saúde mental em crianças sobreviventes de desastres

(PFEFFERBAUM et al., 2014). Os autores informam que o ensaio clínico

randomizado é o método mais utilizado entre os pesquisadores como forma de

estabelecer evidências para as intervenções para trauma. Embora a maior parte dos

estudos avalie o emprego da TCC sozinha, combinada ou comparada com outra

abordagem, dois estudos foram localizados a respeito do EMDR (CHEMBO et al,

2002 apud PFEFFERBAUM et al., 2014; FERNANDEZ, 2007, PFEFFERBAUM et

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al., 2014), mas não estavam relacionados ao luto. Apenas um estudo se referia à

intervenção do luto (BROWN et al. apud PFEFFERBAUM et al., 2014), o que indica

que as reações e o processo de luto não parecem perpassar as pesquisas

relacionadas ao TEPT em crianças vítimas de desastres, mesmo muitas delas tendo

perdido entes queridos.

Visando a avaliar a efetividade do uso do EMDR comparado à TCC Integrada

(TCCI), Morozow (2014) realizou um ensaio clínico randomizado com 19

participantes que se identificaram como tendo dificuldades com o luto. Cada grupo

recebeu sete semanas de terapia. Como instrumentos foram utilizados o IES, o

Inventory of Complicated Grief (Inventário para Luto Complicado – ICG). Resultados

indicam melhoras nos dois grupos, pelas medidas do IES e do ICG. A qualidade de

vida aumentou apenas no grupo da TCCI. Em avaliação de follow-up, apenas IES

permaneceu com mudanças significativas. Morozow (2014) conclui que os

resultados preliminares corroboram o uso do EMDR com enlutados.

Meysner, Cotter e Lee (2016) publicaram um ensaio clínico randomizado

avaliando a eficácia do EMDR no luto, em comparação com TCCI. Dezenove

participantes foram alocados randomicamente nas condições de tratamento em dois

grupos distintos. Cada participante ficou em lista de espera por sete semanas,

recebendo a seguir sete semanas de terapia, de acordo com o grupo no qual foi

alocado. Os instrumentos utilizados foram a IES, a Dissociative Experiences Scale-II

(Escala de Experiências Dissociativas-II– DES-II), a Dissociative Disorders Interview

Schedule (Entrevista para Desordens Dissociativas), a ICG, Depression Anxiety

Stress Scales (Escalas de Estresse, Depressão e Ansiedade – DASS), a Quality of

Life Scale (Escala de Qualidade de Vida – QOLS) e uma Entrevista de Follow-Up.

Em relação ao EMDR, foi utilizado o protocolo de Luber (2012).

Os resultados não apresentaram alteração significativa em qualquer medida

no período de lista de espera e nem em medidas de qualidade de vida para ambas

as abordagens. Por outro lado, após o período de tratamento houve melhora para os

dois grupos nas medidas de luto, nos sintomas de trauma e na perturbação, sem

revelar diferença quantitativa significativa entre as duas abordagens. Os autores

apontam várias vantagens que confirmam a pesquisa como sólida, tais como

randomização da condição de tratamento, múltiplos terapeutas, avaliação formal da

fidelidade do tratamento e avaliação pré e pós-tratamento por pesquisadores cegos.

Ambas as abordagens demonstraram ser eficazes com redução das medidas de

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trauma e sintomatologia do luto, e os participantes que apresentaram maiores

índices de perturbação e menores índices de funcionamento na avaliação inicial

foram os mais beneficiados com as intervenções (MEYSNER, LEE, COTTER, 2016).

Para Meysner, Cotter e Lee (2016), o EMDR pode ser considerado tão efetivo

quanto outras intervenções para o luto.

Ainda sobre a pesquisa de Meysner, Cotter e Lee (2016), houve variação em

relação ao tempo decorrido da perda – entre seis meses a cinco anos e meio – sem

que tivessem sido estabelecidos critérios rigorosos de exclusão ou de inclusão,

exceto as contradições para o uso do EMDR, como epilepsia e uso de

benzodiazepínicos. Assim foram aceitos como participantes quaisquer indivíduos

que quisessem se beneficiar de terapia para o tratamento de luto. Os procedimentos

de recrutamento dos participantes, bem como informação qualitativa do processo

psicoterápico e da relação entre terapeuta e participante estão relatados na

publicação dos resultados de um segundo estudo advindo deste (COTTER,

MEYSNER, LEE, 2017).

Nesse novo estudo, Cotter, Meysner e Lee (2017) investigaram em caráter

exploratório as experiências de enlutados com as duas abordagens psicoterápicas

recebidas na investigação antecedente, a saber, TCCI e EMDR. Os dezenove

participantes alocados randomicamente em dois grupos, duas semanas após o

término da psicoterapia, foram avaliados em uma entrevista com um pesquisador

adicional, diferente dos que conduziram o processo psicoterápico. O instrumento de

avaliação usado foi uma entrevista semiestruturada, que foi transcrita e passou por

uma análise temática.

Como resultados, as duas abordagens proporcionaram o desenvolvimento de

treze temas, categorizados em cinco grandes categorias: insights, mudança positiva

de emoções, aumento de atividade, melhora na autoconfiança e melhor relação

mental com quem morreu, autoconfiança e níveis de atividades. A investigação

apresenta um achado único em relação a ambas abordagens. Os participantes

submetidos à TCCI relataram a aquisição de ferramentas de regulação emocional, e

a mudança de estar em um estado contínuo de luto pela sensação de que estão em

nova etapa de suas vidas. Por outro lado, os participantes submetidos ao EMDR

relataram que as memórias perturbadoras estavam menos claras e se tornaram

mais distantes ao longo do tratamento (COTTER, MEYSNER, LEE, 2017).

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Mais um ensaio clínico randomizado multicêntrico, mesmo que ainda não

apresente os resultados por estar em andamento, sobressai-se pelo cuidado no

planejamento do estudo (LENFERINK et al., 2017). Os participantes serão

recrutados entre os familiares, colegas ou amigos de pessoas que morreram um

acidente aéreo de 2014, que apresentam níveis clínicos significativos de luto

prolongado, TEPT e/ou depressão. Neste estudo, haverá a combinação do emprego

de Terapia Cognitiva (TC) e EMDR com um grupo de tratamento e um grupo controle

de lista de espera. Os autores ressaltam que almejam desenvolver tratamento cujos

alvos são questões relacionadas ao luto e ao trauma, e examinar os mecanismos de

ação da combinação das abordagens psicoterápicas. Como critérios de exclusão,

postulam a presença de transtorno de qualquer substância química, de psicose, de

dificuldade mental ou de alto risco de suicídio. Os participantes também não

poderiam estar em qualquer outro tipo de tratamento psicossocial.

Os instrumentos de avaliação serão o Traumatic Grief Inventory Self Report

version (TGI-SR) para os registros relacionados ao luto, PTSD Checklist for DSM-5

(PCL-5) que avalia o TEPT, Quick Inventory of Depressive Symptomatology (QIDS-

SR) para o rastreamento da depressão. Como forma de avaliar os mecanismos de

mudanças proporcionados pelo tratamento, serão utilizados Experienced Unrealness

Scale, Grief Cognitions Questionnaire (GCQ), Depressiveand Anxious Avoidance in

Prolonged Grief Questionnaire (DAAPGQ), Trauma Memory Questionaire (TMQ).

Utilizarão ainda Brief Traumatic Grief Questionnaire (B-TG) e um questionário para

levantamento de características sociodemográficas (LENFERINK et al., 2017).

Van Denderen et al. (2018) realizaram um ensaio clínico randomizado para

avaliar a efetividade de um tratamento combinado entre TCC e EMDR para

enlutados por homicídio de nacionalidade holandesa, cuja perda tivesse acontecido

há, no mínimo, seis meses. Como requisito para inclusão, os participantes devem

ser maiores de idade. Nessa investigação, compararam mudanças nos sintomas de

luto complicado e de TEPT entre o grupo controle e o grupo de intervenção. Como

critérios de exclusão, estabeleceram: a) assassinato não intencional; b) assassinato

em contexto de violência pública; c) ter sido condenado por homicídio; d) apresentar

problemas psicológicos que pudesse, interferir na participação do tratamento.

Foram recrutados 365 participantes e, após rigorosa avaliação, 85 iniciaram o

tratamento. Destes, apenas 57 o completaram (VAN DENDEREN et al., 2018). A

motivação de deixar o tratamento, o que ocorreu entre as sessões de 1 a 8, foi perda

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de motivação, tratamento não atendeu as expectativas do cliente, ocupação com

eventos da vida não relacionadas ao tratamento.

Os autores escolheram usar um protocolo de EMDR holandês, que referem a

De Jongh e Broenke (2003 apud VAN DENDEREN et al., 2018) com MB’s visuais.

Como instrumentos, foram utilizados Questionário de Dados Demográficos, ICG, IES

e Moderador Potencial de Variáveis, o qual buscava examinar o efeito da ordem do

tratamento (TCC seguido de EMDR e EMDR seguido de TCC), gênero dos

participantes e estratégia de recrutamento. A fidelidade da pesquisa foi garantida

com o acesso aos prontuários dos participantes por parte do pesquisador/supervisor

(VAN DENDEREN et al., 2018).

Van Denderan et al. (2018) apresentam os seguintes resultados: a eficácia do

tratamento na redução de sintomas de TEPT e luto complicado em relação ao grupo-

controle; esses efeitos não variaram em relação ao gênero do participante,

estratégia de recrutamento e tempo decorrente da perda; a redução de luto

complicado e TEPT foi similar, sendo que os sintomas de TEPT se mantiveram na

mesma medida após seis meses, enquanto os escores do ICG aumentaram após

esse período, embora não de forma clinicamente significativa. Consideram que a

combinação das modalidades possa não ser efetiva para mudanças a longo prazo

ou, talvez, que o tempo de tratamento não foi o bastante para provocar essas

mudanças. Para esses autores, o EMDR dessensibiliza as memórias traumáticas

que bloquearam as memórias positivas.

Os dois estudos realizados com a combinação de TCC e EMDR (LENFERINK

et al., 2017; DENDEREN et al., 2018) afirmam que o tratamento combinado entre

EMDR e TCC é de grande valia em situações de entrelaçamento entre luto e trauma,

independentemente do temo decorrido da perda.

As pesquisas de campo foram realizadas com um terapeuta de EMDR

(MOZOROW, 2014), dois terapeutas de EMDR (MEYSNER; COTTER; LEE, 2016;

COTTER; MEYSNER; LEE, 2017) e vinte e seis terapeutas de EMDR (DENDEREN

et al, 2018) indicando que múltiplas configurações podem ser planejadas. As

informações das outras pesquisas a respeito do número de terapeutas de EMDR

não foram localizadas.

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3.4 EXEMPLOS DE CASOS CLÍNICOS

Nas publicações localizadas, observa-se um grande número de relatos de

caso (SHAPIRO; FORREST, 1997; SOLOMON; RANDO, 1997, 2007, 2012, 2016a;

KNOX, 2002; KOSMINSKI; MCDEVITT, 2012; MURRAY, 2012; BEAUMONT;

MARTIN, 2013; SOLOMON, 2018). Alguns desses casos clínicos serão brevemente

apresentados a título de ilustração do que está sendo descrito neste capítulo de

forma a dar um pequeno indicativo da variedade de situações que envolvem os

enlutados que buscam ajuda profissional.

Knox (2002) apresenta um caso fictício de forma a demonstrar como a

abordagem do EMDR poderia ser efetiva no trabalho com luto, em especial, em

situações como o ataque terrorista ao World Trade Center. A apresentação se refere

à história de um rapaz de 21 anos enfrentando o desaparecimento de um tio por

ocasião do ataque. Relutante em buscar ajuda, e apresentando reações de TEPT,

sua preocupação era com o desempenho acadêmico e não se permitia abordar o

tema do luto. A autora segue na suposição do que deveria acontecer em cada etapa

do protocolo do EMDR, desde os cuidados que o terapeuta deve teraté o

estabelecimento do alvo inicial relacionado a imagens e pesadelos com o tio e a

sequência de fases do tratamento até a resolução do luto.

Murray (2012) apresenta, em uma releitura do trabalho de Sprang (2001),

uma interessante aplicação de sua prática em três relatos de caso. Dessa forma, a

autora confirma que o reviver intrusivo de sintomas, a ausência de memórias

positivas, em conjunto com os negócios inacabados relacionados a quem morreu

são os sintomas mais perturbadores para clientes enlutados. Sendo assim, propõe o

uso precoce do EMDR com enlutados, destacando que o tratamento não remove o

luto normal, mas deve ser focado nos sintomas de TEPT, incluindo memórias,

imagens, conversas e pesadelos que interferem no processo de luto adaptativo. Ao

relatar sua própria experiência no atendimento de três casos clínicos de mulheres

enlutadas, apresenta importantes nuances de cuidados ao iniciar o uso do EMDR.

No primeiro caso apresentado (MURRAY, 2012), uma mulher que perdeu um

filho por suicídio busca psicoterapia após três meses de sua perda, e a autora utiliza

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quatro sessões de avaliação, planejamento do tratamento, estabilização e instalação

de recursos. Com três sessões para trabalhar o alvo estabelecido como o momento

quando a mãe soube da perda, houve redução completa da perturbação e o

surgimento de memórias positivas sobre o filho, completando-se o protocolo básico.

No segundo caso apresentado, Murray (2012) se refere auma cliente já em

tratamento que perdeu a mãe após uma longa doença e retornou para a psicoterapia

duas semanas após sua perda, quando então a terapeuta utilizou o protocolo de

eventos recentes, e toda a perturbação adjacente (intrusões, pesadelos e outros

sintomas) foi dissolvida em três sessões.

A terceira experiência de Murray (2012) envolve uma cliente que voltou para a

psicoterapia após dez anos da perda de seu filho recém-nascido apresentando um

diagnóstico atual de câncer de mama. Ao processar o câncer, a experiência da

perda do filho foi relembrada ao associar as cicatrizes de ambas as cirurgias

(mastectomia e cesárea). Foram necessários meses de aplicação de EMDR em

relação ao câncer até ser possível o reprocessamento da memória específica da

perda em apenas duas sessões, liberando não só memórias positivas, mas o

processo de maternagem.

Beaumont e Martin (2013) apresentam um estudo de caso utilizando o

Treinamento de Mente Compassiva (Compation Mind Training – CMT – tradução

nossa) como um recurso de entrelaçamento cognitivo durante as sessões de EMDR.

De fato, o tratamento iniciou com TCC e CMT por quatro sessões sem muitos

resultados. Embora o cliente tenha procurado tratamento para resolver uma fobia de

assinar o próprio nome, iniciada após um acidente automobilístico, o EMDR revelou

que esse sintoma estava relacionado com a morte precoce de sua irmã e

sentimentos de vergonha e luto. Foram utilizados instrumentos de avaliação de

HADS, Impact of Events Scale-Revised (IES-R), Self-Compassion Scale – Short

Form (SCS-SF) e DES-II, antes, durante e no final do tratamento, bem como em

sessão de follow-up nove meses após o encerramento da terapia.

Os autores enfatizam a importância da utilização do PTr a partir da

modelagem da terapia de forma a atender às necessidades do cliente. Incentivam

também o uso de medidas para avaliar a efetividade das intervenções. Para

Beaumont e Martin (2013), a comparação entre duas abordagens foi possível

considerando que o TCC, primeiro tratamento oferecido, não foi bem-sucedido,

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revelando, com isso, ter sido o EMDR mais efetivo. As memórias traumáticas

relacionadas à morte da irmã foram integradas com outras informações adaptativas

e houve remissão dos sintomas. Consideram que relatos de caso como esses,

apresentados com consistência, também provém contribuições a respeito de

intervenções, não só os estudos de caso randomizado.

Usta, Abamor e Yasar (2016) relatam um caso clínico com uso de apenas

duas sessões em uma paciente com diagnóstico de Transtorno de Luto Prolongado,

após testemunhar a morte da irmã em um acidente de carro, e sintomas de dores de

estômago, ansiedade e evitação social, além de culpa. Segundo os autores, os

instrumentos de avaliação para ansiedade, depressão e TEPT, revelaram redução

nos escores e os sintomas inicialmente apresentados desapareceram.

3.5 NÚMERO DE SESSÕES E TEMPO DE DURAÇÃO

Foi observada uma variedade no número de sessões utilizadas em cada

publicação, o que indica que não há uma regra em relação a esse item importante

quando pensamos em oferecer assistência a enlutados. Como está sendo visto ao

longo deste capítulo, é importante que o clínico desenvolva habilidades de avaliação

para desenvolver a psicoterapia “feita sob medida para o cliente”. Essa medida

depende de uma variedade de fatores cuidadosamente descritos anteriormente.

Novamente a título de ilustração, alguns exemplos serão apresentados.

Solomon e Rando (1997) relatam um caso clínico em que apenas uma sessão

de duas horas foi suficiente para processar a culpa que uma mulher adulta sentia

pela morte da irmã. Usta, Abamor e Yasar (2016), por exemplo, relatam um caso

clínico com uso de apenas duas sessões.

Solomon e Rando (2007) relatam um caso de uma mãe que perdeu o bebê

em um ataque terrorista que recebeu tratamento com EMDR dois meses após a

perda, tendo sido utilizadas duas sessões para tratar da imagem vicariante (formada

com o relato do que aconteceu com o corpo do filho), que impedia seu processo de

despedida. Quatro meses depois, essa cliente voltou ao tratamento para trabalhar a

raiva focada em quem provocou a explosão. Segundo relato dos autores, esta

segunda etapa durou um ano e meio.

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Murray (2012) relata um caso de uma nova cliente enlutada por suicídio, que

o procurou três meses após a perda. Foram utilizadas sete sessões, quatro de

avaliação/preparação, correspondentes às fases 1 e 2 do EMDR, e três de

processamento. Para outro caso, de uma paciente que já atendia, usou apenas três

sessões para processar a morte da mãe, tendo iniciado o trabalho duas semanas

após a perda. Há a informação de que cada sessão contava com duração de 90

minutos.

Outro caso relatado por Solomon e Rando (2007) refere-se a uma mulher cujo

marido morreu em acidente automobilístico, que procurou a psicoterapia dois meses

após a perda. Duas sessões de avaliação foram sucedidas por três meses de

sessões semanais que a ajudaram a lidar com as imagens do acidente.

Onze meses após perder o filho assassinado, um homem foi avaliado em três

encontros e submetido a nove sessões de EMDR (SOLOMON; RANDO, 2017).

Foram trabalhados como alvos o momento em que recebeu a notícia, cenas dos

rituais funerários, imagens vicariantes relacionadas ao que o filho poderia ter sentido

quando foi morto e culpa.

Um outro caso clínico apresentado por Solomon e Rando (2007) conta a

busca de ajuda psicoterápica de um homem dois anos após a morte de sua esposa

por câncer. Após três sessões de avaliação, três sessões de EMDR foram

realizadas. O alvo inicial foi o momento em que a esposa morreu.

Tarquinio et al (2006) estabeleceram entre três e quatro encontros de

avaliação com fins de anamnese e estabelecimento de um vínculo terapêutico de

confiança. Os tratamentos tiveram duração entre oito a quinze sessões.

Meysner, Cotter e Lee (2016), no que tange o EMDR, informam a realização

de sete sessões no total, sendo que, nas sessões 5 e 6, estabeleceram como foco a

projeção de futuro em marcos significativos como aniversários e outras datas

comemorativas, de maneira a fortalecer a crença de que o participante poderia

enfrentar estes momentos difíceis sem a pessoa amada. A sétima e última sessão

focava na conclusão do tratamento, no planejamento de desafios futuros, como um

novo relacionamento e o encerramento da relação terapêutica.

Leferink et al (2017) e van Denderen et al (2018), autores de pesquisas,

fazem referência ao uso de oito sessões para o uso de EMDR em situações de luto,

com resultados considerados satisfatórios.

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Beaumont e Martin (2013) relatam um caso em que oito sessões foram

suficientes para eliminar a fobia de um cliente para assinar o próprio nome, que

estava relacionada ao processo de luto pela perda da irmã décadas antes do

tratamento.

Nas pesquisas de Tarquinio et al (2006), Meysner, Cotter e Lee (2016) e

Cotter, Meysner e Lee (2017), as sessões de EMDR tiveram 90 minutos de duração.

Nas outras pesquisas mencionadas, a informação sobre o tempo de duração das

sessões não foi localizada.

Sprang (2001) não menciona o tempo decorrente da perda em sua pesquisa.

Mosorow, Meysner, Cotter e Lee (2016) e Cotter, Meysner e Lee (2017), Denderen et

al. (2018) estabeleceram o mínimo de seis meses após a perda como critério de

inclusão. Nas outras pesquisas apresentadas, a informação a respeito do tempo

decorrente da perda não foi localizada.

3.6 QUANDO COMEÇAR

Solomon e Rando (2007), assim como Murray (2012), ressaltam uma

preocupação que vai ao encontro do que pensa esta pesquisadora naquilo que se

refere à investigação em curso, ao recomendarem cuidado no uso precoce do

EMDR, logo após uma perda, quando o enlutado pode estar em estado dominante

de entorpecimento, negação ou dissociação. Ressaltam que existem defesas

psicológicas que precisam ser respeitadas e não processadas. Iniciar uma

intervenção precoce pode estimular emoções excessivas que o enlutado pode não

estar preparado para enfrentar. Nesse período, indicam primeiros socorros

psicológicos, apoio, amigos, família e “chá com bolinhos”, em vez de uma

psicoterapia intervencionista. Recomendam, portanto, usar o EMDR quando o

impacto emocional começar a ser sentido, quando o cliente estiver dentro da janela

de tolerância de afeto, estabilizado interna e externamente.

Shapiro (2018) menciona em suas atualizações sobre o protocolo para luto

que o clínico deve ser livre para usar o EMDR a qualquer momento com enlutados, e

ressalta que nenhuma abordagem psicoterápica pode predizer, com certeza, qual o

melhor tempo de recuperação para o cliente. Segue dizendo que o clínico também

não consegue ter a dimensão da dor que o cliente está sentindo.

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Para ela, estabelecer qualquer tempo arbitrário antes de iniciar o

processamento pode ser até considerado “antiético do ponto de vista da validade

ecológica do processo de autocura do cliente” (SHAPIRO, 2018, p. 234 – tradução

nossa). Conclui que se a emoção sentida e sua intensidade for apropriada para o

enlutado, ela permanecerá apesar do EMDR, assim como em qualquer outra

população clínica.

Contudo, Shapiro (2018) pondera que imediatamente após a morte de alguém

querido, a pessoa pode vivenciar inicialmente um intenso choque acompanhado de

entorpecimento, que a protege de vivenciar a dor emocional. Menciona o trabalho de

Solomon e Rando (2007) de que os primeiros socorros psicológicos devem ser

oferecidos. No momento em que esse impacto emocional tenha cedido, Shapiro

(2018) considera que não existem motivos para esperar o início do EMDR, desde

que o cliente consiga manter a atenção dual e a habilidade de estar presente com

sua dor.

Murray (2012), apesar de reconhecer o valor de intervenções precoces com

EMDR em situações de luto, recomenda prudência para o início do

reprocessamento, pois no início de sua aplicação pode haver um aumento

significativo dos sintomas e das reações desagradáveis; motivo pelo qual Murray

(2012) recomenda o uso de recursos e sua instalação, além de outras intervenções

durante a fase 2 do protocolo básico na preparação para o reprocessamento de

memórias relacionadas a uma perda.

Shapiro (2007) menciona, ainda, a importância da flexibilidade do tempo

disponível e necessário para o tratamento, pois, mesmo havendo um trauma único

identificado, não é possível saber a quais alvos remotos ele está vinculado. Ao

processar memórias mais recentes, portanto,é possível que memórias de fragilidade

extrema envolvendo situações adversas na infância sejam eliciadas, motivo pelo

qual o terapeuta de EMDR deve ser cauteloso a cada passo de forma a garantir a

segurança do cliente.

3.7 PROTOCOLO DE LUTO EM EMDR

Considera-se de extrema valia destacar que, durante anos, tem sido

propagada a existência de um protocolo de luto em meio à formação básica de

EMDR (EMDR INSTITUTE, 2015), também referido em alguns outros trabalhos

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(SHAPIRO, 2007, 2018; LUBER, 2009, 2012; SOLOMON; RANDO, 2016a, 2016b),

em algumas traduções para o português, chamado de protocolo para pesar

excessivo ou luto excessivo.4

O treinamento básico de EMDR no Brasil apresenta o protocolo de luto como

um protocolo especial inicialmente apresentado no nível 1 da formação, pelo menos

até o ano de 2015 (EMDR INSTITUTE, 2015, p. 106). Na apresentação deste

protocolo, não há clareza de como utilizar o EMDR em situações de luto.

O principal objetivo de sua utilização, de acordo com Luber (2009) e Shapiro

(2018), é proporcionar ao cliente a aceitação da perda e pensar em aspectos da vida

com seu ente querido com uma ampla gama de experiências e sentimentos positivos

compartilhados com ele (SHAPIRO, 2007, 2018; LUBER, 2009, 2012). Dessa forma,

o trabalho do EMDR com enlutados não elimina as emoções saudáveis e

apropriadas advindas desta perda, incluindo o pesar, e permite aos clientes

experimentar o processo de luto com uma sensação de paz interior (SHAPIRO,

2007; LUBER, 2009, 2012).

Shapiro (2007, 2018) menciona que o protocolo de pesar excessivo é

recomendado para quando há a presença de sofrimento, comportamento de

denegrir-se e falta de esperança de que as coisas possam se reorganizar algum

tempo após a perda de um ente querido.

Como possíveis alvos a serem reprocessados, Shapiro (2018) acrescenta

dois novos itens à lista anterior (SHAPIRO, 2007) e descreve todos de forma mais

compreensível:

1. O momento de realização da perda, que geralmente é o momento em que

o enlutado recebeu a notícia da morte. Mas pode circundar momentos

anteriores.

2. Outros acontecimentos reais, incluindo o sofrimento ou a morte de seu

ente querido, ou outros eventos perturbadores que acontecem após a

perda.

3. Imagens intrusivas, inclusive imagens vicariantes.

4. Imagens de pesadelos.

5. Disparadores no presente.

4

Para questões de tradução, consultar capítulo anterior.

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84

6. Questões de responsabilidade pessoal, mortalidade ou perdas anteriores

não elaboradas.

7. O Abraço de Borboleta.

Complementa, informando que caso surja sentimentos de culpa relacionados

a ter sido duro e cruel com quem morreu, também deve ser tomado como alvo

(SHAPIRO, 2018). Nesse sentido, Shapiro (2018) propõe que os clientes sejam

questionados em relação a possíveis perturbações no período entre as sessões,

particularmente pensamentos sobre ferimentos pessoais, mortalidade de outros

integrantes da família. Caso algum elemento seja identificado, segundo ela, deverá

ser apropriadamente transformado em alvo.

Luber (2009, 2012) e Shapiro (2018) afirmam que o referido protocolo é

similar ao protocolo básico utilizado para tratamento do trauma. E ao ter a

possibilidade de examinar com afinco todas essas publicações, o que se observa

não é um protocolo novo ou distinto do protocolo básico.

O grande destaque é a realização de uma criteriosa avaliação das reações do

processo de luto, como propôs Luber (2009), de forma a organizar um PTr baseado

em alvos adequados à história clínica do enlutado. O que permitirá que o EMDR

atue no processamento das memórias disfuncionais, com a utilização do protocolo

básico, proporcionando alívio de algumas das diversas e possíveis reações ao luto.

De forma mais clara, o trabalho apresentado por Luber (2009, 2012), que tem

como base o protocolo para luto excessivo apresentado pela própria Shapiro (2007,

2018) facilita a compreensão de que ele em si não é um protocolo específico para

luto. Mas o protocolo básico com foco em alvos relacionados à perda, observando

memórias do passado, disparadores do presente e projeção do futuro. Para todos os

momentos de identificação dos alvos, recomenda perguntas específicas. No entanto,

após a identificação dos alvos, todos eles recebem a indicação de serem

trabalhados com o protocolo básico de EMDR (LUBER 2009).

Para Luber (2009, 2012), as memórias do passado envolvem os momentos

adjacentes à morte, incluindo o sofrimento do ente querido até o momento da morte,

imagens intrusivas e pesadelos. Em relação aos disparadores, Luber (2012, 2018)

sugere trabalhar o que quer que o cliente perceba como gatilho para sofrimento e

questões relacionadas à responsabilidade, mortalidade ou perdas anteriores não

resolvidas. Assim, propõe perguntar ao cliente algo como “Que situações, eventos

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ou estímulos você observa como disparadores?” Cada incidente relatado deve ser

considerado um alvo a ser trabalho. Ao completar cada um desses alvos, recomenda

perguntar se restam outros alvos.

Para verificar questões relacionadas a responsabilidade, mortalidade ou

perdas não anteriores, Luber (2012) sugere a utilização da Técnica de Flutuar para o

Passado e/ou Escaneamento Emocional (SHAPIRO, 2007, 2018). Todas as

questões sobre esses temas devem ser trabalhadas antes de ir para a próxima

etapa, que seria a verificação do futuro. Contudo, de acordo com Luber (2012), no

protocolo para luto excessivo estabelecido por Shapiro (2007), não há menção de

como executar essa tarefa em termos da criação de uma projeção, como é previsto

no protocolo básico. Mas subentende-se que é desejável completar todo o ciclo

previsto. A questão da projeção do futuro no referido protocolo de luto não é

mencionada na atualização de seu “livro base” (SHAPIRO, 2018).

Solomon e Rando (2007) e Solomon (2018) também mencionam a utilidade

de usar a técnica da flutuação para localizar memórias alimentadoras de

perturbação com memórias ou a representação interna de quem morreu.

Experimentar, pois, ansiedade, conflito, depressão, raiva ou culpa quando dessas

lembranças, pode ser indicativo de luto complicado. Isso reforça a importância de

uma boa história clínica.

3.8 SUMARIZANDO AS INFORMAÇÕES

Embora a revisão sistemática inicial não tenha rendido tantos achados, a

persistência e a determinação dessa pesquisadora trouxeram à tona diversos

registros do uso do EMDR em situações de luto ao longo dos anos, sob a forma de

artigos e capítulos de livro. Sendo assim, é possível afirmar o interesse crescente no

tema e alguns avanços no sentido de clarear quais as contribuições do trabalho do

EMDR com enlutados. Por falta de informações adequadas para referenciar os

trabalhos sob a forma de comunicação oral que foram encontrados nesse processo

de busca, eles não foram inseridos. Ademais, as informações encontradas no

material disponível dessas apresentações (slides e/ou resumos) não acrescentariam

novos elementos ao que aqui foi registrado.

Curiosamente, existem referências a respeito do uso do EMDR em situações

de luto não muito tempo depois de o EMDR ter sido descoberto (SOLOMON,

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RANDO, 1997; DESCILO, 1999) que, talvez por estarem localizadas em publicações

relacionadas à Traumatologia do Luto (FIGLEY, 1997, 1999), tenham permanecido

desconhecidas em meio aos terapeutas de EMDR.

A experiência clínica da pesquisadora encontrou eco nos trabalhos aqui

apresentados, ressaltando a importância de seguir com essa investigação. Com

consistente experiência na utilização do EMDR com enlutados, Murray (2012)

considera o EMDR uma elegante intervenção após uma perda. E se torna

importante oferecer a quem sofre a perda de um ente querido a possibilidade de

escolher sentir alívio em relação a qualquer elemento que bloqueie ou perturbe o

processo de luto.

Há uma grande concentração de publicações de artigos no Journal of EMDR

Research and Practice que suscita algumas questões: existe uma barreira da

comunidade científica em relação ao EMDR? Será que o método utilizado em EMDR

apresenta dificuldade de passar pelo escrutínio rigoroso da ciência tradicional? Ou o

fato de apenas profissionais treinados em EMDR poderem utilizar a abordagem

psicoterápica limita o campo de pesquisa na medida em que a maior parte dos

profissionais está mais envolvida na área clínica do que na de pesquisa?

Realidade que tem mudado com um perceptível aumento de interesse a esse

respeito em todo o mundo em função do recente aumento de referências

encontradas em diversas fontes. Embora a grande referência de publicações sobre

EMDR continue sendo o Journal of EMDR Research and Practice, materiais já

podem ser encontrados em publicações por diferentes fontes, como Research on

Social Work Practice, Brief Treatment Crisis and Intervention, European Journal of

Psychotraumatology, L’Evolution Psychiatriche, Revué Européenne de Psychologie

Apliquée, Clinical Neuropsychiatry, Anadolu Psikiyatri Derg, Clinical Psychology &

Psychoterapy, Journal of Child Psychology and Psychiatry, Disaster Health,

European Journal of Psychotraumatology.

Mesmo que o material consultado não ofereça respostas a todas as questões

relacionadas ao uso do EMDR com enlutados, como, por exemplo, quão cedo deve

ser seu início ou se existem (e quais são) as contraindicações de seu uso nessa

população, existem vários indicativos de que o EMDR traz o equilíbrio necessário

para que o processo de luto siga seu curso.

Referendando a expectativa de Silva e Franco (2015, 2016), espera-se que

novos estudos sejam iniciados de forma a incrementar a relação recursiva entre

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pesquisa, teoria e prática clínica para a intervenção com EMDR nessa referida

população. Os estudos devem incluir a interface do luto complicado com o trauma,

incluindo as reações observadas no TEPT. Bem como a influência da teoria do

apego no desenvolvimento dessas duas complicações após uma perda. O que

permitirá intervenções cada vez mais eficazes.

Já existem evidências da eficácia do EMDR em sua aplicação em situações

de luto (SPRANG, 2001; TARQUINIO et al., 2008; MEYSNER; COTTER; LEE, 2016,

LENFERINK et al., 2017; VAN DENDEREN et al., 2017), e de achados qualitativos

na experiência de ser tratado com o EMDR (COTTER; MEYSNER; LEE, 2017). Além

de incontáveis relatos clínicos de enlutados que tiveram a oportunidade de seguir o

curso de seu processo de luto de forma equilibrada e serena.

Para o momento, considera-se que o tratamento do EMDR não se dá em

relação ao processo de luto, mas às reações de luto, em especial àquelas

consideradas disfuncionais, provocadas por reações ao trauma, no aspecto do PAI,

como descrito anteriormente. É importante lembrar que as reações à perda são

esperadas e não lineares, o que pode confundir o clínico ou o pesquisador em

relação ao que tratar do luto. Afinal, existe, de fato, um grande sofrimento após uma

perda de um ente querido.

Há uma unanimidade entre todos os autores aqui citados nesta pesquisa

bibliográfica de que o EMDR não suprime as emoções esperadas e saudáveis

adequadas que surgem após uma perda. Também há consenso de que o EMDR

possibilita o processamento de memórias, de acordo com o modelo PAI, de forma a

processar aspectos congelados ou bloqueados de uma experiência disruptiva de

perda ou de traumas anteriores associados a ela. É preciso proporcionar ao cliente

um caminho seguro em meio ao sofrimento para possibilitar o surgimento de

memórias e emoções positivas relacionadas à pessoa que morreu, de forma a

favorecer o surgimento de uma representação interna dessa pessoa para o

enlutado, transformando a relação interrompida por vínculos contínuos.

Assim, pode-se afirmar que o EMDR permite ao enlutado vivenciar o período

de ajustamento de uma forma mais suave. Sumarizando nas palavras de Solomon e

Rando (2007), facilita a cura adaptativa e a resolução de padrões que são inatos aos

seres humanos, possibilitando o que alguns enlutados consideram um “bom luto”: a

habilidade de lembrar e pensar sobre quem morreu com emoções positivas, e isso

torna mais fácil a adaptação à perda.

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Recomenda-se um conhecimento adequado em relação ao luto que possa

guiar de forma apropriada qualquer investigação ou intervenção com essa

população vulnerável. Recomendações também referendadas por Solomon e Rando

(2012), e Solomon (2018).

É desejável, portanto, que clínicos e pesquisadores tomem consciência da

importância do treinamento continuado e da supervisão para a aquisição e o

aprimoramento de habilidades e competência.

Pelo aqui exposto, concluindo, o EMDR pode apresentar as condições

indicadas por Worden (2013) para ser utilizado com enlutados, tomando-se os

devidos cuidados necessários no uso de abordagens próprias ao luto, bem como ao

próprio EMDR.

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OBJETIVOS

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4. OBJETIVOS

4.1 OBJETIVO GERAL

o Colaborar para o conhecimento do uso do EMDR em situações de luto.

4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

o Compreender o processo psicoterápico do EMDR com pacientes

enlutados por morte de ente querido.

o Contribuir para a avaliação e a prática clínica com enlutados na

utilização do EMDR.

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MÉTODO

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5. MÉTODO

5.1 TIPO DE PESQUISA

Esta é uma pesquisa de natureza qualitativa de caráter exploratório

(CRESWELL, 2010), definição que é endossada pela afirmação de Berthoud (2000)

e por Stake (2010) de que o encontro entre pesquisador e pesquisado promove uma

investigação única e contextualizada. Essa afirmação encontra-se em acordo com o

paradigma sistêmico utilizado em pesquisa qualitativa (MACEDO; KUBLIKOWSKI,

2004), que também permeia o trabalho desta pesquisadora, como apresentado em

trabalhos anteriores (SILVA, 2005, 2008a, 2008b, 2009, 2010, 2014, 2015, 2016).

Elegeu-se o estudo de caso instrumental coletivo (STAKE, 1994) não

simplesmente como uma escolha metodológica, como afirma Stake (1994, 2006),

mas como objeto de interesse da investigação em curso. Instrumental, pois a

pesquisa possibilita o conhecimento referente à utilização do EMDR em situações de

luto, incluindo aspectos da teoria e da prática. Coletivo, por se propor a estudar mais

de um caso, cada qual observado de forma individual, bem como entre eles, em um

conjunto, com suas semelhanças e diferenças. Essas escolhas foram

fundamentadas no objetivo principal deste trabalho, como será visto a seguir.

Alves-Mazzotti (2006), entre outros autores (BAXTER; JACK, 2008; PERES;

SANTOS, 2005; STAKE, 1994, 2005, 2006), valoriza o estudo de caso, aceito na

comunidade científica, como investigação de uma unidade específica a partir de um

contexto, o que proporciona uma visão holística do fenômeno em estudo. Segundo

Stake (1994), o estudo de caso é recomendado quando se tem interesse em

aprender com o caso em si, considerando-o um sistema integrado. E complementa

afirmando que o caso é tanto o processo como o produto da aprendizagem

Em sua complexidade, a partir de um contexto (BAXTER; JACK, 2008), o

estudo de caso é também um valioso recurso tanto para a execução de uma

pesquisa científica quanto para o desenvolvimento de práticas em Psicologia. Se

bem conduzido, é tão válido e fidedigno quanto outras estratégias metodológicas

(PERES; SANTOS, 2005). Baxter e Jack (2008) colaboram com a informação de que

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é um método valioso para desenvolver teoria, avaliar programas e desenvolver

intervenções.

Segundo Stake (1994), o estudo de caso coletivo pode ser traduzido como

estudo instrumental estendido a vários casos, como em uma coleção que pode, ou

não, apresentar características em comum. O autor abordou exaustivamente a

análise de múltiplos estudos de caso em uma de suas obras (STAKE, 2006). Após

leitura de parte da obra de Stake (1994, 2005, 2006 e 2010), esta pesquisadora

tomou como semelhantes os termos por ele utilizados que podem se intercambiar na

presente investigação: estudo de caso coletivo, estudo de caso instrumental e

múltiplos estudos de caso.

Para Alves-Mazzotti (2006) e Stake (1994), o estudo de caso instrumental

pode facilitar a compreensão de um contexto mais amplo, e a utilização de mais

casos possibilita melhor compreensão ou até melhor teorização do fenômeno

estudado. Stake (2006) relata que esse desenho metodológico permite a construção

de um enquadramento sobre o tema de forma contínua, na medida em que o estudo

se desenvolve.

O delineamento escolhido possibilita dar voz aos enlutados com a escuta e a

prática qualificadas, com o objetivo de possibilitar a construção de um percurso

psicoterápico adequado. Contribuindo, portanto, para o conhecimento a respeito do

uso do EMDR em situações de luto, incluindo temas como a avaliação e a prática

clínica.

Para que os objetivos desta pesquisa fossem alcançados, houve a

necessidade de avaliar tanto o processo de luto em si quanto o desenvolvimento e

os resultados do processo psicoterápico, bem como levar em consideração fatores

de risco e de proteção dos enlutados postulados por Neimeyer e Hogan (2012). Em

função de seu caráter qualitativo e exploratório, os eventuais resultados numéricos

advindos das avaliações e do referido processo não possuem o objetivo de

generalização e foram avaliados à luz de um contexto qualitativo.

Assim sendo, foi investigada a utilização da abordagem psicoterápica do

EMDR como tratamento para a categoria geral do luto, tal como se apresenta na

prática clínica, quando um enlutado busca tratamento. O encaminhamento para a

pesquisa foi baseado na percepção do próprio enlutado de que precisava de ajuda

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profissional, como será visto a seguir, na seção sobre os participantes e os

procedimentos.

Não houve restrição ao tipo de luto por meio de classificações prévias tais

como luto complicado, luto traumático, luto adiado, luto inibido, luto prolongado,

entre tantas outras. Não houve restrição ao grau de relacionamento em relação à

pessoa que morreu. Também não houve restrição de sintomas, levando em

consideração o conceito de luto complicado tal como abordado no início deste

trabalho, tendo como base o modelo desenvolvimental de luto (NEIMEYER;

CACCIATORE, 2016).

Assim, o percurso metodológico esteve o mais próximo possível da realidade

clínica do atendimento psicoterápico com enlutados. A dinâmica

pesquisador/pesquisado foi observada considerando a melhor conduta para cada

participante de acordo com evidências de pesquisa, com o repertório da

pesquisadora como clínica, com o conhecimento sobre o processo de luto, com

diretrizes do EMDR como abordagem psicoterápica, e com idiossincrasias do

participante. Desta feita, ficou em evidência o caráter qualitativo das avaliações,

intervenções, análise e discussão.

O método foi delineado seguindo alguns cuidados sobre a integridade da

intervenção planejada, mais comumente conhecida no meio da comunidade médica

pelo conceito de fidelidade (SANETTI; KRATOCHWILL, 2014), para que ela fosse

implementada de forma a se adequar ao que se propôs. Esse tema será discutido na

discussão dos dados, de forma a considerar o que foi desenvolvido ao longo desta

investigação.

Para facilitar a compreensão do exposto acima, apresenta-se a seguir uma

forma gráfica (Figura 1) que representa o desenho metodológico acima comentado.

Construído a partir de sugestões observadas no trabalho de Stake (2006, 2010),

deve ser imaginado de forma dinâmica em constante movimento entre seus diversos

elementos.

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Figura 1– Desenho Gráfico do Estudo de Caso Instrumental ColetivoFonte: Autora

A partir do paradigma sistêmico, a pesquisa foi desenvolvida com base na

prática clínica da pesquisadora e na fundamentação teórica por ela organizada no

escopo deste trabalho. Esse primeiro nível, representado pelo segundo círculo de

fora para dentro, dá consistência ao objeto da pesquisa, que é colaborar para o

conhecimento do uso do EMDR em situações de luto, como representado no

círculo mais interno do gráfico. Os múltiplos casos estudados estão representados

no círculo fatiado em diversas cores, cada um representando um dos participantes

da pesquisa. A estrutura da utilização da abordagem psicoterápica do EMDR com

cada participante segue os passos dos círculos adjacentes ao círculo menor central

(EMDR e luto), a saber, avaliação inicial, uso de instrumentos, que inclui o próprio

plano de tratamento seguido, as sessões de EMDR e a avaliação final. O estudo de

cada caso de forma individual proporcionou o estudo do conjunto dos seis casos, o

resultado deste estudo gerou conhecimento, apresentado sob a forma narrativa ao

final do processo.

A partir do desenho gráfico acima (Figura 1), é possível observar a

complexidade e a dinamicidade do estudo de caso instrumental. Esta, por sua vez, é

tão intensa, que Stake (2005) propõe que o método-tema seja abordado no relato

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final ou, ainda, em apêndice. Contudo, por questões de formalidade junto à

Universidade e ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), aos quais esta pesquisa foi

submetida, a opção foi de mantê-lo nessa ordem.

5.2 INSTRUMENTOS

Uma das estratégias para dar credibilidade aos resultados de estudos de

caso, de acordo com Baxter e Jack (2008), é o uso de uma variedade de

instrumentos como se fossem peças de um quebra-cabeças, de tal maneira que

cada uma dessas peças contribua para a compreensão do fenômeno como um todo.

Paralelamente, Cunha (2016) afirma que o uso associado de mais de um

instrumento fornece elementos fundamentais para a avaliação clínica de maneira a

proporcionar uma adequada intervenção terapêutica.

Assim, em função da possível vulnerabilidade dos participantes e de forma a

lhes garantir o cuidado, bem como proporcionar elementos que possam contribuir

para o estudo instrumental de caso coletivo, optou-se por utilizar os seguintes

instrumentos nesta pesquisa.

a) Avaliação Clínica Inicial

b) Escala Beck de Depressão (BDI)

c) Hogan Grief Reaction Checklist (HGRC)

d) Escala de Experiências de Dissociação (DES-II)

e) Plano de Tratamento

f) Protocolo Básico de EMDR

g) Prontuários

h) Avaliação Clínica Final

i) Diário de Campo

j) Caderno de Anotações Pessoais

A Avaliação Clínica Inicial (AI) (APÊNDICE A) teve o intuito de verificar os

critérios de inclusão e exclusão que são encontrados na seção “Participante”.

Adaptada por esta pesquisadora para o propósito desta pesquisa e a partir da

História Clínica Preliminar do Treinamento Básico de EMDR (EMDR INSTITUTE,

2017), ela é autoaplicável, com perguntas fechadas e abertas. Esta avaliação

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também teve como propósito estabelecer uma aliança terapêutica e permitir

conhecer a história de perdas, a relação com o morto, a história da morte, e o curso

do luto de cada participante.

Como forma de avaliar possíveis transtornos psiquiátricos, bem como

elementos de risco que atendam aos critérios de exclusão, a Escala Beck de

Depressão (BDI) foi aplicada em sua versão brasileira, traduzida, adaptada e

padronizada por NCS Pearson, Inc. (CUNHA, 2016)5. Esse instrumento se tornou um

dos mais confiáveis para avaliar a variedade de sintomas depressivos em diversas

faixas de idade de populações clínicas e não clínicas (BECK; STEER; BROWN,

2014). Por ser o transtorno depressivo um possível elemento presente no luto

complicado e este, por sua vez, um fator de risco para comportamento suicida

(SILVA, 2009), sua escolha é uma segurança adicional aos participantes.

A maior parte dos pesquisadores no campo do luto confia nas medidas

genéricas de sintomas psiquiátricos, em oposição às escalas criadas sob medida

para avaliação do luto (NEIMEYER; HOGAN, 2012). Contudo, apenas a aplicação

da BDI não é suficiente para o propósito desta pesquisa. Embora apresente

informações que dizem respeito a grupos psiquiátricos, não oferece respostas

específicas sobre luto. Não inclui respostas psicossociais únicas a cada perda, tais

como dificuldades de apego assinalados pela ausência da pessoa que morreu e luta

para manter o vínculo com sua memória, entre outros (NEIMEYER; HOGAN, 2001).

Outrossim, de acordo com Neimeyer e Hogan (2012), a avaliação

proporcionada pelos instrumentos citados anteriormente não colabora para a

compreensão de reações secundárias à perda e, por conseguinte, do próprio evento

deflagrador. Relembrando, portanto, os questionamentos de Neimeyer, Hogan e

Laurie (2008), é imprescindível escolher também um instrumento adequado que

possa indicar resultados qualitativos de uma prática psicoterápica voltada para

enlutados.

Elegeu-se o Hogan Grief Reaction Checklist (HGRC) como instrumento para a

avaliação clínica de elementos fundamentais relacionados ao processo de luto

(NEIMEYER; HOGAN, 2001; NEIMEYER; HOGAN; LAURIE, 2008). O HGRC é

considerado um instrumento adequado para esse propósito, uma vez que avalia

5

Com a pesquisa já em andamento e os primeiros BDIs aplicados, a pesquisadora tomouconhecimento de que esse instrumento havia sido considerado desfavorável pelo CFP, masdevidamente autorizado a ser utilizado em pesquisas. A versão utilizada atualmente é o BDI-II.

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respostas adaptativas ou não adaptativas específicas do luto (NEIMEYER; HOGAN,

2001).

O HGRC apresenta bons critérios de confiança e confiabilidade, estando em

processo de validação no Brasil no Laboratório de Estudos e Intervenções em Luto

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (LELu/PUC-SP). Desenvolvido

com base em dados empíricos obtidos com adultos enlutados por morte de um ente

querido por diferentes causas, utiliza seis fatores para a análise da trajetória e da

natureza multidimensional do processo de luto: desespero, comportamento de

pânico, culpa e raiva, desapego (indiferença/desinteresse), desorganização e

crescimento pessoal (HOGAN; GREENFIELD; SCHIMIDT, 2001; NEIMEYER;

HOGAN; LAURIE, 2008).

De acordo com Hogan, Greenfield e Schimidt (2001), o HGRC revela achados

psicométricos substantivos sobre luto traumático, luto antecipatório, bem como nas

mudanças do esquema pessoal do enlutado, além de seu crescimento pessoal e

existencial. Por esses motivos mostra-se um instrumento adequado para a avaliação

qualitativa dos objetivos propostos nessa pesquisa.

Com o intuito de avaliar a adequação da aplicação do EMDR aos

participantes, foi adicionado um dos instrumentos habituais utilizados na avaliação

padrão do Treinamento Básico de EMDR (EMDRIA, 2016), a Dissociation

Experience Scale II, (DES-II), em português, Escala de Avaliação de Dissociação

(CARLSON; PUTNAM, 1993). Essa escala avalia a presença de possíveis aspectos

dissociativos que requerem maiores cuidados de preparação do cliente antes do

início da utilização do EMDR, além de indicar a presença de TEPT e outras

dificuldades cognitivas. O instrumento possui a adaptação transcultural para o

português realizada por Fiszman et al (2004), apresentando consistência interna

satisfatória, segundo Maraldi e Zangari (2016).

De acordo com o planejamento da pesquisa, caso o possível participante

apresentasse algum dos critérios de exclusão, seria comunicado para os devidos

cuidados e encaminhamentos. Em caso de alta pontuação no BDI e/ou presença de

comportamento suicida, seria encaminhado imediatamente para o tratamento

correspondente, de acordo com o fluxograma apresentado no Apêndice F, seguido

de preenchimento da notificação para encaminhamento (APÊNDICE G).

O Plano de Tratamento (PTr) tem como objetivo orientar a ordem do trabalho

a ser realizado com cada participante (SHAPIRO, 2007; EMDR, 2017) a partir da

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demanda inicial relacionada ao luto. Apresenta elementos do Presente, do Passado

e do Futuro, respectivamente, Disparadores, História e Desempenho, de maneira a

elencar os alvos/eventos-chave a serem trabalhados com EMDR. Ele é a espinha

dorsal para que a sequência do tratamento aconteça, a partir da queixa inicial, e

permite a avaliação dos possíveis resultados, devendo ser elaborado

cuidadosamente.

O Protocolo Básico de EMDR foi estabelecido como a base das sessões de

EMDR, tal como preconizado pelo Treinamento Básico em EMDR (SHAPIRO, 2007;

EMDR, 2017). Por meio dele, foram realizados os reprocessamentos dos eventos,

de acordo com o PTr estabelecido para cada participante. Apresenta medidas como

SUDS e VoC (SHAPIRO, 2007; EMDR, 2017), elementos importantes para a análise

dos dados, bem como permite a observação de suas 8 fases sequenciais, portanto,

os procedimentos de cada sessão. O avanço a cada fase indica a resolução dos

alvos estabelecidos em uma coreografia entre pesquisadora e participante, para que

a sequência do tratamento possa avançar.

O registro documental referente a prestação de atendimentos psicológicos é

obrigatório por determinação do CFP (2009), sob a forma de Prontuário. Para além

da exigência do órgão responsável pela fiscalização do trabalho do profissional de

Psicologia, o registro de informações no Prontuário foi de suma relevância para essa

investigação. Nele, foram registradas as informações obtidas na interface com cada

participante, registrando o processo psicoterápico do início ao fim, incluindo

avaliações, objetivos do trabalho, evolução das sessões, observações e impressões

da pesquisadora sobre o processo em curso. Também foram registrados

comportamentos apresentados e eventuais mudanças, expressões faciais, medidas

das escalas usadas, sequência dos alvos trabalhados, sequência das séries de

movimentos bilaterais (MBs), relatos a respeito do processo, entre outros elementos

cruciais para o desenvolvimento e acompanhamento dessa abordagem

psicoterápica. É importante instrumento para a realização da psicoterapia EMDR de

forma individualizada para cada participante, de acordo com a demanda inicialmente

apresentada. Desta feita, esse instrumento tornou-se importante fonte documental

para consultas durante a elaboração desse trabalho.

A Avaliação Clínica Final (AF) (APÊNDICE B), foi criada como forma de seguir

a sugestão de Shear, Boelen, Neimeyer (2011) de revisar o encerramento do

processo psicoterápico e o desenvolvimento de planos para o futuro, verificando,

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inclusive, a necessidade de continuidade desse processo. Inclui também a sugestão

de Worden (2013) de avaliar o processo em relação a três aspectos: mudanças na

experiência subjetiva, nos comportamentos e alívio dos sintomas.

Além disso, esse instrumento tem também como objetivo avaliar os alvos

iniciais estabelecidos no PTr, de forma a verificar o quanto cada um está ou não

resolvido. Por isso, nessa entrevista, foi incluída a revisão dos alvos, trabalhados ou

não durante as sessões de EMDR e a respectiva medida do SUDS, seguindo os

parâmetros do trabalho com EMDR. Dessa forma, foi possível verificar os benefícios,

as críticas e as dificuldades encontradas pelo próprio participante ao ser submetido

a essa abordagem psicoterápica.

Durante toda a pesquisa, foram registradas informações em Diário de Campo,

tal como sugerido por Minayo (2010), que funcionaram como memórias que

poderiam contribuir para o desenvolvimento da pesquisa, em especial, para a

análise dos dados. Baxter e Jack (2008) e Stake (2010) recomendam o uso desse

instrumento para registrar o que acontece com o pensamento do pesquisador, desde

informações de contato ou referências bibliográficas a observações, referências e

reflexões pessoais.

O Diário de Campo ressalta a característica do pesquisador como participante

por meio de sua observação e de reflexões a partir da interação com a pesquisa

(CRESWELL, 2010). As anotações foram realizadas em um arquivo à parte e são

complementares ao registro nos prontuários, nos quais também foram registradas

conversas informais, mensagens ou recados ao longo de toda a investigação,

cabendo à pesquisadora a liberdade para registrar também impressões pessoais

sobre o processo psicoterapêutico, dúvidas, indagações com foco em seu objeto de

estudo (MINAYO, 2010).

Em função de o processamento do EMDR ser contínuo mesmo após o

término de uma sessão, foi estabelecido o uso do Caderno de Anotações Pessoais,

para que cada participante pudesse registrar por escrito os acontecimentos entre as

sessões, caso assim o desejassem. O registro não era obrigatório. Cada participante

recebeu uma caderneta padronizada, junto com a orientação de nela registrar

sonhos, pesadelos, insights, mudanças de comportamento, disparadores e tudo o

mais que pudesse surgir entre as sessões, de acordo com a orientação do

Treinamento Básico (EMDR INSTITUTE, 2017).

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A variedade de instrumentos pode ser um risco mediante a quantidade de

informações geradas, de acordo com Stake (2006). Contudo, esse risco pode ser

minimizado por intermédio da organização de todo o material coletado, segundo ele,

contribuindo para a compreensão do caso como um todo ou do conjunto de casos a

partir do relato final da pesquisa. Tal organização seguiu o Desenho Gráfico do

Estudo de Caso Instrumental Coletivo, ora apresentado.

5.3 LOCAL

O local da pesquisa foi o consultório privado da pesquisadora, em Vitória-ES,

de fácil acesso na cidade. A escolha se deu pela conveniência para a pesquisa, por

ser local totalmente adaptado e preparado para a prática psicoterápica, favorecendo

um ambiente agradável, seguro, acusticamente isolado e confortável para os

participantes. Além disso, proporcionava a privacidade e a ausência de interferência

externa, com ar-condicionado, além de outras condições adequadas para a

realização das gravações em áudio e vídeo.

5.4 PARTICIPANTES

Após a aprovação deste projeto pelo Comitê de Ética, os participantes foram

recrutados entre os integrantes do grupo de apoio a enlutados Apoio a Perdas

Irreparáveis da cidade de Vitória/Espírito Santo (API/Vitória), identificado como único

serviço de referência para enlutados disponível em todo estado do Espírito Santo.

O convite foi direcionado a enlutados que perderam uma pessoa significativa

há no mínimo dois anos, período em que Neimeyer e Cacciatore (2012) consideram

já haver uma estabilidade no processo de luto. Poderiam ser de qualquer sexo, com

idade entre 18 e 65 anos, portanto, na fase adulta.

Foram definidos como critérios de inclusão: ter idade entre 18 a 65 anos; ter

sofrido uma perda por morte há mais de dois anos, sem restrição de causa ou de

grau de parentesco; estar enfrentando dificuldades por seu processo de luto por

autorrelato; falar e compreender bem o português, para que seja possível a

utilização de instrumentos autoaplicáveis; anuir com o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido (TCLE) tal como estabelecido no projeto, aprovado pelo CEP sob

o número 2.572.702. (APÊNDICE C).

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Já como critérios de exclusão: apresentar transtorno depressivo ou

comportamento suicida; apresentar dissociação ou transtorno psiquiátrico grave não

estabilizado e/ou possuir critérios diagnósticos para transtorno afetivo bipolar,

esquizofrenia ou transtorno psicótico, conforme história clínica colhida na Avaliação

Clínica Inicial e nos instrumentos; ter doença médica grave ou instável, incluindo

derrame, convulsões ou doenças cardíacas não estabilizadas; ser portador de

epilepsia; ter história de lesão cerebral traumática moderada ou grave; no caso de

mulheres, estar gestante; ter participado de processo psicoterapêutico nos últimos

seis meses ou já ter se submetido à psicoterapia com uso de EMDR em qualquer

tempo; ter participado, estar em participação ativa ou ter agendamento futuro em um

tratamento formal para adição, conforme autorrelato; ter sofrido alteração na

medicação psicotrópica no mês anterior ou estar em uso terapêutico de

benzodiazepínico em dose maior do que 40 mg de Diazepam no momento do

tratamento.

Todas essas exclusões se fazem necessárias por serem condições clínicas

que requerem cuidados adicionais para a aplicação do EMDR, desviando-se do

escopo desta pesquisa, por exemplo, uso de protocolos específicos. Além disso,

seguem as recomendações de Worden (2013), mencionadas na parte teórica inicial,

de rastreamento de comorbidades para maior segurança do participante, em

especial em psicoterapias breves. Prosseguindo com as ideias de Worden (2013)

para o desenvolvimento de uma psicoterapia do luto, que visam a que o paciente

não esteja pior do que quando chegou para o tratamento, considera-se, ainda, que

muitos enlutados podem reprimir afetos relacionados à perda os quais podem eclodir

durante qualquer tratamento.

Por conseguinte, os critérios de exclusão foram avaliados pelos instrumentos

AI, BDI e DES-II, apresentados em seção anterior. De acordo com o planejamento

inicial da pesquisa, caso houvesse alguma situação de exclusão, foram

estabelecidos o fluxograma de encaminhamento (APÊNDICE F) e a notificação para

encaminhamentos necessários (APÊNDICE G).

Fleming (2012), ao discutir a intervenção em enlutados que experimentam

sintomas relacionados a um trauma, corrobora o cuidado da escolha dos

participantes, afirmando que o risco de suicídio ou condições severas de

comorbidade psiquiátrica devem ser cuidados em primeiro lugar. Para que sejam

identificados, recomenda o uso de avaliação psicométrica. Complementando a

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justificativa para critérios de exclusão tão amplos, Kosminsky e McDevitt (2012), em

seu trabalho sobre o uso do EMDR em situações de luto, reiteram que o EMDR é

tolerável para a maior parte dos clientes, mas que há que se ter cautela se houver

presença ou história de problemas cardíacos, convulsões ou derrames, quando o

médico assistente deve ser consultado. Estes indicam o suporte adequado para

pessoas que apresentam adição antes de serem submetidas ao EMDR, além de

recomendar que os clientes que experimentam dissociação sejam tratados apenas

por profissionais que utilizam o EMDR e que sejam experientes com esse tipo de

população. Worden (2013) também já mencionava os cuidados acima adotados para

o desenvolvimento de uma adequada psicoterapia de luto.

No desenho metodológico inicial, pretendia-se a presença de três

participantes em função da viabilidade e da conveniência, além de esse ser o

número de participantes utilizado de acordo com pesquisa sobre número de estudos

de caso realizada na base de dados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (MAZORRA, 2009; CARDINALLI,

2011; COLOSSI, FALCKE, 2013; MARTINS, FRIZZO, DIEHL, 2014; JAGER, DIAS,

2015; HISPAGNOL, 2017). Esta pesquisa observou a existência do estudo de caso

como método empregado em investigações qualitativas e foi encontrada uma

variação entre um e 130 casos avaliados , com justificativas diversas , encontrando

uma maior ocorrência na escolha de três estudos de caso.

Contudo, ao aprofundar o conhecimento no estudo de casos múltiplos, ou

estudo de caso coletivo, definiu-se por seguir as indicações de Stake (2006) de ter

entre quatro a dez casos para aumentar os benefícios desse tipo de estudo. Os

procedimentos para o convite aos participantes, bem como sua seleção, serão

descritos a seguir quando se abordará os procedimentos desta investigação.

Como afirma Stake (2006), embora haja uma seleção prévia de critérios de

estudo, e, portanto, escolha dos casos, por vezes, são os casos que selecionam o

pesquisador, de forma a aumentar a compreensão em relação ao fenômeno

estudado. Dessa feita, após o convite, onze integrantes do API/Vitória contataram a

pesquisadora, a partir de sua percepção de que precisariam de ajuda para enfrentar

seu processo de luto.

Ao final, a pesquisa recebeu seis participantes com idade variando entre 33

e52 anos, com apenas um participante de sexo masculino, sendo os demais do sexo

feminino, com variação de religião, estado civil, renda familiar, grau de instrução e

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profissão (ver Quadro 2). Cinco participantes trouxeram como demanda uma perda

única, e um participante trouxe três perdas como demanda inicial. As relações de

parentesco dos participantes variaram de genitor, filho e irmão. A idade da pessoa

que morreu variou de 41 semanas de gestação a 39 anos de idade. As causas da

morte foram autorrelatadas como suicídio, doença e negligência, com o tempo de

luto variando entre 2 anos e 28 anos e 3 meses. Para melhor visualização das

informações demográficas, ver quadros 2 e 3.

Quadro 2 – Dados demográficos dos participantes

Fonte: Autora

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Quadro 3 – Contextualização da perdaFonte: Autora

5.5 PROCEDIMENTOS

O convite foi feito aos participantes do API/Vitória por meio de encontro

presencial durante duas das reuniões mensais e por intermédio de envio de e-mail

para a lista de endereços dos participantes cadastrados, bem como de um grupo de

WhatsApp. Nessas ocasiões, apresentou-se a Carta Convite (APÊNDICE D), de

acordo com o TCLE (APÊNDICE C).

O API é uma rede voluntária de apoio a enlutados iniciada em Belo Horizonte,

em 1998, por Gláucia e Eduardo Tavares, após a perda de uma filha em acidente

automobilístico (TAVARES, 2005; TAVARES; TAVARES, 2016). O API/Vitória foi

fundado em 2005 por iniciativa desta pesquisadora, em apoio ao luto de Alzira e

Paulo Davel após a perda de sua única filha (SILVA, 2016) e, atualmente, é o único

serviço conhecido de cuidados a enlutados no Espírito Santo. Ao longo desses anos,

o grupo capixaba reúne-se mensalmente no acolhimento a enlutados por diversos

tipos de perda, sem restrição ao grau de relacionamento, a crenças filosóficas,

políticas ou religiosas. Nessas reuniões presenciais, os participantes são convidados

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a compartilhar suas experiências, em um espaço aberto para a expressão dos mais

variados sentimentos e emoções, de modo a proporcionar uma linha de cuidado com

o enlutado, visando o compartilhar. Nesses encontros também são realizados

orientações e encaminhamentos relacionados ao processo de luto, quando

necessário, pela pessoa responsável pela coordenação da reunião.

O encontro dos “amigos que eu gostaria de nunca ter conhecido”, como os

integrantes do grupo se intitulam, é apresentado por Silva (2016,p. 233) e marcado

como “uma rede solidária de apoio tecida de forma lenta, mas sólida” em torno do

luto. Além dos encontros presenciais, os participantes têm a oportunidade de

participar do grupo de WhatsApp, responsável por troca de mensagens e apoio mais

frequente, para além das reuniões. A participação nas reuniões não é obrigatória,

mesma regra que vale para o grupo do WhatsApp, sendo a frequência dos

participantes de uma ampla variação, desde uma única participação, a participações

mensais/anuais ou, ainda, esporádicas. Também são realizados encontros

científicos, palestras, reportagens, dentre uma série de outras atividades nas quais o

tema do cuidado com o enlutado fica evidente.

O encaminhamento para a pesquisa, por conseguinte, teve como base a

percepção do próprio enlutado integrante do API/Vitória de que precisava de ajuda

profissional, uma vez que o convite foi enviado a todos os integrantes cadastrados.

Essa escolha determinou que chegassem os casos que pudessem oportunizar a

melhor forma de aprendizagem, que vieram a formar o conjunto de casos múltiplos,

como primeiro critério proposto para o estudo do tema inicialmente definido (STAKE,

1994).

A partir do convite inicial, quatro pessoas manifestaram interesse em

participar da pesquisa, por mensagem de WhatsApp e via e-mail, mas observaram

estar fora dos critérios de inclusão, seja por motivo de idade ou de tempo decorrente

da perda. Duas fizeram contato telefônico, pedindo ajuda, mas também não

atendiam aos critérios de inclusão, de acordo com o critério de tempo. Após contato

da pesquisadora com todos, quando indagou de forma adequada sobre a demanda

de cuidados, apenas dois deles foram encaminhados para atendimento psicológico

entre profissionais, apoiadores do API/Vitória, que compõe sua rede de

encaminhamentos. Uma outra integrante do API/Vitória confundiu-se em relação ao

critério de inclusão e, mesmo após esclarecimentos, não retomou o contato para

agendamento presencial, inclusive por estar atarefada com atividades acadêmicas.

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Outros seis integrantes do API/Vitória que atendiam aos critérios de inclusão e

que manifestaram interesse em participar, tiveram encontros presenciais agendados

para a apresentação do projeto, quando receberam informações sobre os objetivos e

propósitos da investigação em curso. O EMDR também foi apresentado formalmente

via documento próprio (APÊNDICE E), bem como por explicação verbal da própria

pesquisadora a respeito de seu funcionamento, seus potenciais benefícios e riscos,

de acordo com as características individuais, sociais, econômicas e culturais. Logo

após, cada participante recebeu o TCLE, que permite o encerramento da

participação, a qualquer momento do processo, tomando conhecimento de seu

conteúdo e dando seu aceite formal.

Em seguida, iniciou-se o processo de avaliação, tal como previsto no projeto

aprovado, com flexibilidade para se adequar às necessidades de cada participante.

Em continuidade, foram aplicados os instrumentos relacionados ao rastreamento

dos critérios de exclusão, a saber, AI, BDI e DES, para só depois ser aplicado o

HGCR. O período de avaliação apresentou variação de um a dois encontros,

conforme será relatado no estudo de cada caso, e observou o rastreamento da

pertinência da participação na pesquisa com o mínimo de risco programado de cada

participante.

Nenhum dos seis participantes preencheu critérios de exclusão, motivo pelo

qual todos esses foram aceitos na pesquisa. Consequentemente, o fluxograma de

cuidados estabelecido, bem como a notificação para encaminhamentos necessários

(APÊNDICES F e G, respectivamente), em caso de não participação em qualquer

momento da pesquisa após o encontro presencial, não foram utilizados.

Para fins de organização das informações, o critério utilizado para a

numeração dos participantes foi a data de assinatura do TCLE, pois mesmo o

contato inicial tendo sido feito no mesmo período, o encontro presencial para

avaliação foi postergado com P4 e P5, por motivos que serão abordados

posteriormente.

Encerrado o período avaliativo, foi estabelecido um PTr para cada participante

estabelecendo os alvos a serem trabalhados nas sessões de EMDR, tendo sido

utilizados prioritariamente o protocolo básico de EMDR, em um processo

psicoterápico feito sob medida.

A previsão inicial era de ocorrerem 8 a 10 sessões semanais, tal como

recomendado por Worden (2013), de acordo com o objetivo estabelecido a partir das

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queixas (demanda) relacionadas à perda, coletadas no período de avaliação e

contempladas no PTr.

Em função de cada participante ter seu próprio percurso individual nesse

processo psicoterápico, variações infindáveis foram observadas e são impossíveis

de serem relatadas como procedimentos padronizados. Decorrente das

especificidades de cada caso, por exemplo, houve uma variação no número de

sessões de EMDR, entre 8a 10 sessões.

Portanto, ao final do número de no máximo 10 sessões de EMDR, foi

realizado um encontro presencial de finalização da pesquisa e, por conseguinte,

desse processo psicoterápico. Seguindo o roteiro da entrevista semiestruturada

construída para esse fim, à AF (APÊNDICE B), adicionou-se uma nova aplicação

dos instrumentos BDI, DES-II e HGRC, para que os resultados fossem integrados ao

material de análise. A ordem de aplicação dos instrumentos dependeu dos

resultados e do ritmo de cada participante, tendo sido incluídos alguns

procedimentos do próprio EMDR para a finalização desse processo

psicoterapêutico, de acordo com o PTr de cada um. A inclusão teve por objetivo a

consolidação dos resultados psicoterápicos alcançados.

Os prontuários foram elaborados registrando-se cada etapa do processo

psicoterápico, desde o momento inicial do primeiro contato, bem como os

instrumentos de avaliação inicial e final devidamente preenchidos, sendo as sessões

de EMDR registradas por escrito de acordo com o PTr. Foram registradas

observações e impressões da pesquisadora, bem como dúvidas, raciocínios clínicos,

próximos passos, entre outros itens que compõem o trabalho do EMDR com

enlutados. Nos registros escritos de cada prontuário, constaram todas as anotações

de acordo com o protocolo de EMDR em suas diversas fases, os movimentos

bilaterais (MB’s), bem como as escalas de medidas utilizadas em cada fase para

avaliar a evolução do tratamento para cada sessão, como é habitual nessa

abordagem psicoterápica.

Para fins de esclarecimento, durante as sessões de EMDR, durante a

estimulação bilateral, foram utilizados equipamentos específicos para esse fim, de

forma a garantir uma maior padronização dos MB’s. Os equipamentos utilizados são

os mesmos da prática profissional da pesquisadora e selecionados por oferecerem

maior número de funções e praticidade.

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Para a estimulação visual, foi utilizado como instrumento a Barra de Luz6.

Esse equipamento é produzido no Brasil e substitui a ação humana dos MB’s

visuais. Como facilidades, possui controle remoto, contador de MB’s e regulação de

velocidade lenta e rápida, atendendo às necessidades da pesquisadora. A imagem

desse equipamento pode ser conferida abaixo.

Imagem 2 – Aparelho de estimulação visual

Fonte: site da empresa

Para a estimulação bilateral tátil e/ou auditiva foi utilizado o equipamento

AdvancedTac/AudioScan, de propriedade da pesquisadora, fabricado pela empresa

americana Neuro Tek Corporation. Ele apresenta como vantagem a utilização

separada ou em conjunto dos MB’s táteis e/ou auditivos, com variedade de

intensidade, velocidade, volume e tons, diferentemente dos modelos similares

nacionais, que apenas possibilitam o uso de MB’s táteis. Possibilita também a

reposição dos pulses e o uso de qualquer fone de ouvido. A imagem desse

equipamento pode ser conferida abaixo.

6

O referido equipamento foi cedido pela empresa Equipamentos Psi para fins de utilizaçãonesta pesquisa.

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Imagem 3 – Aparelho de estimulação tátil e auditiva

Fonte: site da empresa

5.5.1 Coleta de material

Os itens de a) a j) dos instrumentos produziram registros escritos.

As AIs e as AFs, bem como todas as sessões foram gravadas em áudio MP3

para registro em voz do material coletado, uma vez que as anotações da

pesquisadora nos prontuários não corresponderiam ao registro fidedigno de todos os

encontros, em todos os detalhes.

Foram registrados um total de 71 encontros presenciais com os seis

participantes. Todas as sessões foram transcritas de forma literal para que

pudessem servir de consulta e conferência das informações registradas pela

pesquisadora, bem como material de ilustração da análise realizada. Nas

transcrições, foram registrados os diversos graus de entonação da voz, expressão

das emoções (tais como choro ou riso), diferentes ritmos de respiração, pausas ou

silêncios, entre outros elementos do discurso. Todos os nomes e outros dados que

pudessem identificar o participante foram substituídos para garantir o anonimato.

Apenas as sessões de psicoterapia utilizando o EMDR foram também

filmadas para garantir fidedignidade de registro em relação à entonação de voz,

expressões faciais e outros sinais físicos do participante de fundamental importância

durante o processamento. Esse registro foi auxiliar na análise do material coletado.

O registro duplo em áudio e vídeo, que pareceu exagerado no início da

investigação, mostrou-se bastante útil. Garantiu o backup de dados, por ocasião de

problemas técnicos observados após os encontros presenciais. Por exemplo,

quando um áudio de P2 não foi registrado, foi possível fazer a transcrição da sessão

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por intermédio da gravação em vídeo; bem como em alguns momentos da

transcrição, em que o áudio estava inaudível, foi possível resgatar o diálogo por

meio do registro em vídeo; ou, ainda, quando algumas das sessões em vídeo foram

gravadas sem o registro do som, foi possível recuperá-lo por meio da gravação em

áudio.

5.5.2 Análise de material

A proposta de análise do material coletado é de fazer de uma forma

compreensível, de forma que essa investigação possa ser replicada, seguindo

sugestão de Stake (2005) e considerando alguns dos elementos relacionados à

integridade do tratamento psicológico (SANETTI; KRATICHWILL, 2014).

A análise qualitativa tem como base a literatura pesquisada de forma a

estabelecer uma relação entre o conteúdo expresso no conjunto de informações

obtidas de cada participante, a experiência da pesquisadora e suas observações na

interação com essas informações, bem como com o material publicado por

pesquisadores ou profissionais que trabalham com o tema investigado. Como nos

ensina Stake (2000), esse tipo de análise qualitativa permite a apreensão do

fenômeno a partir de seu contexto.

Mais do que uma receita pronta, o sistema de análise qualitativa proposto por

Stake (2005, 2010) serviu como um suporte para a realização da análise de todo o

material obtido ao longo dessa investigação, realizada em duas etapas que serão

chamados movimentos de análise. A análise de todo o material obtido foi organizada

em torno do Desenho Gráfico do Estudo de Caso Instrumental Coletivo, figura 1, que

permite examinar os diferentes casos e o conjunto deles, como uma instância única,

nomeada por Stake (2005) de the quintain. Como não foi encontrada

correspondência desse termo na língua portuguesa, optamos por usar a expressão

“conjunto de estudos de caso” ou “conjunto de múltiplos casos”.

Seguindo a sugestão de Stake (1994, 2005, 2006, 2010), no primeiro

movimento de análise, optou-se por apresentar cada estudo de caso

individualmente, de forma a organizar os dados de cada participante e contar a vida

única de cada um. Segundo esse autor, os dados devem ser analisados de forma a

compreender o caso como um todo, não como as muitas partes do caso (STAKE,

2006).

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Voltando a observar o referido desenho gráfico, destaca-se individualmente,

no primeiro movimento de análise, cada fatia do círculo colorido, representado cada

participante e levando em consideração a “flor” que é formada no centro do círculo.

Desta feita, cada caso foi relatado de forma cronológica e narrativa em

relação aos acontecimentos do processo psicoterápico registrado das mais

variadas formas, como forma de explicitá-lo e às suas vicissitudes. Peres e Santos

(2005) argumentam que o pesquisador pode incluir novos elementos no estudo e

recomendam não deixar a análise para o final da coleta de material. Isso é o que foi

feito nesta pesquisa, pois foram realizadas avaliações a cada sessão para

direcionar o processo psicoterápico.

Assim, cada caso foi apresentado com informações do participante, seguidas

da história clínica baseada na história de perda e luto, foco dessa pesquisa. Essa

história clínica corresponde à Fase 1 do tratamento com EMDR, acrescida de

informações relevantes colhidas durante a AI. A seguir, foi apresentado o PTr e a

sequência das sessões realizadas, com o registro de se a sessão foi completa ou

incompleta e o sequenciamento das fases de 2 a 8, seguindo o padrão do Manual

Clínico e de Capacitação em EMDR (EMDR INSTITUTE, 2017).

Durante o processo psicoterápico, seguiu-se a recomendação de Peres e

Santos (2005), para executar recortes e focalizar aspectos de maior relevância para

a organização dos dados obtidos durante as sessões, de acordo com a própria

estrutura do PTr (ANEXO A). Para Alves-Mazzotti (2006), a utilização de múltiplas

fontes de informações é o que possibilita uma visão holística do fenômeno estudado.

Os dados numéricos registrados pelos instrumentos, bem como os obtidos a

cada sessão por meio do registro do SUDS e do VoC (SHAPIRO, 2007; EMDR

INSTITUTE, 2017), foram também tomados como elementos de observação de

cada caso individualmente. Em seguida, serão apresentadas as informações

obtidas na avaliação final por AF, bem como os resultados comparativos dos

instrumentos utilizados nessas duas etapas avaliativas. Essa comparação objetiva

observar possíveis mudanças. A ênfase, porém, será dada às informações

qualitativas obtidas durante o processo psicoterápico com EMDR e ao seu final.

Quando necessário, foram acrescidas informações do Diário de Campo da

pesquisadora e do Caderno de Anotações Pessoais, assim como material advindo

de contatos por meio do WhatsApp entre pesquisadora e alguns dos participantes.

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Algumas ilustrações das análises realizadas foram obtidas a partir do material de

áudio transcrito.

Como moldura para a análise, foram observados o próprio processo

psicoterápico, bem como as mudanças de experiência subjetiva, mudanças de

comportamento e/ou alívio de sintomas, incluindo os físicos. Também foram

observados informações qualitativas constantes e os pontos críticos encontrados

em todos os registros, em especial, nos de cada AF.

As perguntas realizadas no processo avaliativo indicam a interação da

pesquisadora com os pesquisados e se basearam em sua bagagem experiencial e

nos pressupostos que orientam sua própria forma de abordar o tema proposto

(MACEDO; KUBLIKOWSKI; SANTOS; 2004). As conversações e interações entre

pesquisadora e pesquisados também foram interpretados em significados a cada

encontro e coconstruídos.

Dessa forma, foi possível a existência de um movimento constante, segundo

Stake (2000), entre as questões propostas para a realidade, da realidade para a

literatura, desta para os dados, até que se atingissem pontos de uma

compreensível organização.

A intenção é de que o foco no estudo de cada caso oportunizasse a

observação de características específicas ao examinar a unicidade, a

complexidade e a interação com condições prévias e presentes (STAKE, 2006).

Segundo Stake (2005), o pesquisador deve manter as informações em mente em

uma dança de aproximação e distanciamento de cada caso. Portanto, ao final de

cada estudo de caso individual, seguindo as instruções e o modelo desse autor nas

folhas de trabalho para a análise do estudo de caso instrumental (STAKE, 2006),

foram registradas as principais informações que colaborariam para a compreensão

do conjunto dos múltiplos casos estudados. O modelo desse registro, totalmente

adaptado por esta pesquisadora para a presente investigação, encontra-se no

Apêndice H, intitulado “Notas sobre a leitura do relato de caso”. Um processo

subjetivo que tem como base sua experiência prévia e o senso do que vale a pena

ser destacado.

O segundo movimento de análise se inicia a partir da revisão dos casos,

propõe a observação dos temas em comum entre eles, mas também o que tem

particular em cada um deles. O objetivo é obter a narrativa do conjunto dos casos

múltiplos, compreendendo que o todo é maior do que a soma das partes (STAKE,

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2006), tal como preconiza o paradigma sistêmico (VASCONCELLOS, 2002). Para

Stake (2006), esse todo é apreendido pela revisão dos casos, de onde são

retirados os temas e as questões, para que possam ser formadas as suposições

sobre o conjunto, compreendido um todo em seu contexto.

O conceito do conjunto dos casos estudados (STAKE, 2006) pode parecer

um pouco confuso em uma primeira leitura. Contudo, essa confusão parece

decorrer da complexidade da análise do material obtido. Após o estudo de cada

caso, Stake (2006) apresenta alguns passos adicionais que incluem folhas de

trabalho, que, além de facilitar a sequência da análise do conjunto, funcionam

como modelos de enquadramento para a compreensão desse conjunto.

Dessa maneira, o foco final do presente estudo é o conjunto formado por

todos os casos apresentados individualmente e, segundo Stake (2006), cada caso

precisa ser compreendido em profundidade, para só então dar atenção ao

conjunto. Questões que atravessam os casos contribuem para a compreensão do

todo, na observação do que é diferente e do que é similar a respeito de cada caso.

Nesse processo, observou-se mais a forma como os problemas foram

manejados, do que a eficiência ou a produtividade dos resultados. O que Stake

(2006) considera como conjunto possui vida própria, e o estudo instrumental

coletivo é a observação dessa vida em situações múltiplas. Por conseguinte, esse

conjunto foi descrito subjetivamente e interpretado a partir do paradigma sistêmico

e da fundamentação teórica (ver segundo círculo de fora para dentro do desenho

gráfico). No segundo movimento de análise, não há o objetivo de comparar os

casos entre si, mesmo quando isso é inevitável por parte do leitor (STAKE, 2006),

mas de compreender o seu conjunto.

O enquadramento da análise do material do conjunto de casos estudados

nesse segundo movimento foi sendo desenvolvido e completado na medida em

que o estudo progredia e as relações entre os diferentes elementos emergiram na

análise dos dados (STAKE, 2006).

Para Stake (2000), é fundamental em um estudo de caso instrumental

indicar reflexões de pesquisadores e teóricos relativas aos casos estudados,

questões críticas conhecidas que permitam o exame das complexidades de cada

caso para uma compreensão sistêmica. Berthoud (2000) também afirma que

“pesquisador e objeto pesquisado, em muitos momentos, durante o processo da

pesquisa, confundem-se e influenciam-se mutuamente na dinâmica dialética de

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conhecer e se dar a conhecer [...]” (p. 106). Sendo assim, a relação terapêutica

estabelecida também foi considerada na análise dos resultados.

A análise das informações obtidas ao longo dessa investigação em cada

uma de suas etapas seguiu também o paradigma sistêmico, tal como proposto por

Macedo, Kublikowski e Santos (2004). Segundo essas autoras, o paradigma

sistêmico permite observar a experiência por meio da complexidade,

intersubjetividade e imprevisibilidade. Coadunam com a proposta de Stake (2006)

da investigação de caso coletivo, ou de múltiplos casos, para que os estudos de

caso sejam observados em seu contexto individual e no contexto ampliado ao final.

Dessa forma, a pesquisadora deu seu próprio significado nos movimentos da

análise dos dados com o objetivo de transformá-la em narrativa desse conjunto de

casos selecionados para essa investigação. Sem qualquer pretensão de considerá-

la correta ou verdadeira, mas como compreensão do fenômeno investigado.

Embora Stake (2006) não recomende a transcrição como parte fundamental

para a análise de casos múltiplos, optou-se por transcrever todos os 71 encontros

presenciais realizados durante essa investigação. De acordo com Macedo,

Kublikowski e Santos (2004), a transcrição colabora no processo de clarificação

dos dados obtidos, e esse material foi consultado de forma eventual, não como

objeto de análise em si. Essa consulta visou a reproduzir a fala literal do

participante ou da pesquisadora, na análise dos casos individuais ou no conjunto

deles.

Para a análise do material que compõe o conjunto dos casos estudados,

houve a busca de temas principais e a consequente formulação de afirmações que

podem indicar a particular importância desse estudo, segundo Stake (2006). Ao

final do segundo movimento de análise, foi possível construir uma narrativa a

respeito desse estudo de caso instrumental coletivo, que indicou o que se

aprendeu nesse percurso e corresponde ao capítulo de Discussão deste trabalho.

Ao final, organizou-se os dados analisados em uma espécie de síntese

interativa do que foi feito para apresentar algumas das respostas e destacar quais

considerações podem ser traçadas com alguma confiança, além daquilo que mais

precisa ser estudado. Mesmo quando um estudo é bem-feito, as perguntas da

pesquisa não serão respondidas em sua totalidade (STAKE, 2006) e novas

questões vão aparecer.

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5.6 CUIDADOS ÉTICOS

Em função de enlutados apresentarem vulnerabilidade, como afirma Franco

(2010), este estudo seguiu estritamente as exigências éticas de pesquisa

envolvendo seres humanos. O projeto de pesquisa após ser submetido ao Comitê

de Ética e Pesquisa da PUC-SP foi aprovado pela Plataforma Brasil, sob o número

do parecer 257702, de acordo com o registro CAAE 85379318.0.0000.5482.

Tais princípios éticos estão baseados nas Resoluções 466/12 e 510/16 do

Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (MS, 2012, 2016). Também

estão de acordo com as exigências do Código de Ética do Conselho Federal de

Psicologia (CFP, 2005), garantindo-se o sigilo em relação aos dados de cada

participante, inclusive no que tange o uso de imagem e voz. Em função do tema

pesquisado com os participantes estar relacionado a conteúdo que envolve

sofrimento, esta pesquisa foi avaliada como tendo risco mínimo.

Além disso, todos os cuidados necessários foram implementados para não

fomentar a maleficência da pesquisa. A pesquisadora se comprometeu a prestar

toda e qualquer assistência que se fizesse necessária no decorrer da investigação,

sem custo para o participante. Ao encerramento de cada processo psicoterápico foi

realizada avaliação sobre a necessidade de sua continuação, tendo sido realizados

todos os encaminhamentos necessários.

Considera-se que o conhecimento produzido por meio desta pesquisa implica

potencial benefício para o uso do EMDR como abordagem psicoterapêutica em

situações de luto, tanto para os pacientes quanto para a comunidade profissional de

EMDR e de luto, no Brasil e no mundo. No entanto, a pesquisa poderia desencadear

reações significativas nos participantes em função de acessar memórias difíceis em

relação a uma perda. Esse risco foi minimizado em função de a pesquisa envolver

uma psicoterapia específica para cuidar desse tipo de memória, com comprovação

de seus efeitos benéficos na redução ou completa extinção dos aspectos não

adaptativos de uma memória traumática, com resultados significativos de redução

de sofrimento. Além disso, a ampla e robusta formação da pesquisadora possibilitou

o manejo de situações de maior vulnerabilidade que surgiram durante o processo

psicoterapêutico, com habilidades adequadas para o manejo clínico das mesmas.

As decisões tomadas nesta pesquisa se apoiam em Beck e Konnert (2007),

que investigaram os efeitos da participação de enlutados em pesquisas que

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abordam suas experiências. Esses autores concluem que estas apresentam efeitos

benéficos mais significativos do que os riscos potenciais, desde que respeitados os

princípios e cuidados adequados em relação à ética da pesquisa. Esses efeitos

benéficos também puderam ser observados por Silva (2009) e Pessoa (2017),

mesmo com as dificuldades encontradas para o recrutamento dos participantes.

Por ocasião da avaliação final da pesquisa, os participantes que tiveram

indicação técnica de continuidade do processo psicoterápico relacionado ao luto,

bem como aqueles que manifestaram vontade de continuar o trabalho com outros

objetivos, receberam encaminhamento para atendimento por profissionais treinados

e habilitados que compõem a rede de trabalho da pesquisadora, de forma gratuita,

pelo período de um ano, em periodicidade semanal.

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CONFLITO DE INTERESSE

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6 CONFLITO DE INTERESSE

A pesquisadora registra conflito de interesse por ser psicoterapeuta de EMDR

praticante, dedicada à formação e ao treinamento de profissionais nesta área.

Também declara conflito de interesse por ser coordenadora do API/Vitória, onde os

participantes serão recrutados. Contudo, essa atividade não interferiu nos resultados

da pesquisa, pois o grupo não tem caráter psicoterápico, sendo uma rede de apoio

ao luto, o que facilita o acesso aos dados e às informações necessárias para o

convite dos possíveis participantes. Para tornar este processo mais transparente,

tomou-se o cuidado de solicitar a autorização para o acesso e a utilização dos dados

dos participantes à coordenadora nacional do API, Gláucia Rezende Tavares

(ANEXO A).

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APRESENTAÇÃO

DOS CASOS CLÍNICOS

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7 APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

De acordo com o planejamento metodológico, cada caso será apresentado

individualmente, de acordo com o Desenho Gráfico do Estudo de Caso Instrumental

Coletivo apresentado no capítulo sobre o Método. Todos os casos serão

destrinchados a seguir. Assim, cada fatia do círculo deste desenho gráfico,

representadas na imagem abaixo (Figura 2), será apresentada na sequência de P1 a

P6, como parte do planejamento metodológico.

Figura 2 – Elemento Participantes do Desenho Gráfico do Estudo de Caso Instrumental Coletivo

Fonte: Autora

A seguir serão apresentados a sequência de ações, que corresponde à “flor”

que compõe o desenho gráfico (Figura 1– Desenho Gráfico do Estudo de Caso

Instrumental Coletivo), imaginando-a girar para cada caso. Isso quer dizer que, após

consentir em participar da pesquisa, cada participante passou pela Avaliação Inicial,

na qual foram usados os Instrumentos para avaliar possíveis critérios de exclusão,

bem como subsidiar o estabelecimento dos objetivos do tratamento com EMDR para

a elaboração do PTr. Seguindo a sequência das “pétalas da flor” da Figura 1, que

representam a estrutura do tratamento, foram realizadas entre 8 e 10 sessões de

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EMDR com cada participante e, uma vez encerrado o processo, foi realizada a

Avaliação Final.

Figura 3 – Elemento Sequência de Ações do Desenho Gráfico do Estudo de Caso Instrumental Coletivo

Fonte: Autora

Cada caso tem uma mesma sequência de apresentação, iniciando-se com o

Relato de Caso, o participante e o EMDR, para encerrar com a Avaliação Final. Na

sequência, registram-se algumas informações acerca do participante, a demanda

inicial, as principais informações coletadas no período de avaliação inicial, o PTr, um

breve relato das sessões e as observações registradas no período de avaliação ao

final do processo psicoterápico.

Com objetivo de dar maior fluidez ao estudo de cada caso, as informações

relacionadas ao uso de EMDR, incluindo a sequência das sessões, aquilo que foi

trabalhado em cada uma, informações como ICES, SUDS, VoC, assim como todos

os elementos pertinentes, em um formato conhecido dos terapeutas de EMDR,

estão compilados em apêndices referidos em cada caso.

Por ser um estudo de caso clínico, sem o objetivo de comparação

quantitativa, os registros das informações obtidas nos instrumentos aplicados nas

avaliações inicial e final estão compilados também no formato de um arquivo à parte,

no qual o leitor poderá avaliar eventuais mudanças. Esses resultados referem-se à

aplicação do HGRC, BDI, DES-II. Essas informações estão disponíveis nos

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apêndices criados para esse fim, cujas referências estão inseridas em cada estudo

de caso.

7.1 PARTICIPANTE 1

7.1.1 Relato do caso

P1, 52 anos, divorciado, microempreendedor, com pós-graduação, procurou

ajuda pela morte do único filho aos 19 anos por suicídio por arma de fogo em 2016.

Segundo ele, o filho não deu quaisquer sinais de que estava em sofrimento.

Participou de uma única reunião do API no final do mesmo ano de sua perda,

relatando que essa não foi uma boa experiência, pois ouviu muitos outros relatos

tristes. No entanto, continua participando do grupo do WhatsApp, observando os

comentários, e foi por meio dele que tomou conhecimento da pesquisa.

Na AI não apresentou quaisquer contraindicações que o excluíssem da

pesquisa. Pelo contrário, chamou a atenção a normalidade de suas respostas. Em

todo esse instrumento, relatou apenas o surgimento de dores de cabeça após a

morte do filho e a presença de sonhos. Muitos sonhos e pensamentos

persistentes/obsessivos/intrusivos, difíceis de se livrar e relacionados aos

pensamentos constantes em relação ao filho.

Segundo ele, o objetivo de ter decidido ingressar na pesquisa é se livrar da

dor, bem como compensar a oportunidade de ter ido à reunião do API. Refere-se

também a esquecer um pouco da situação, pois tem pensamentos recorrentes da

hora em que acorda à hora em que dorme. O principal é a saudade.

Nascido em Portugal, foi criado no Rio de Janeiro com os pais, onde se

casou. Viveu em outros países e voltou para o Rio, mas, não tendo se acostumado

mais a viver lá, mudou-se para Vitória há dezoito anos. Um dos maiores motivadores

era porque o Rio de Janeiro era uma cidade muito violenta e queria um lugar mais

tranquilo para criar o filho, que tinha dois anos de idade quanto se mudaram para cá.

O divórcio aconteceu quando o filho tinha entre dois e três anos e afirma que

depois desse período perdeu contato com a mãe dele e acredita até que ela nem

saiba da morte do filho. Contou com o apoio da própria mãe para criar o filho.

“Não percebi que isso ia acontecer, então, a culpa é constante.”

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Relata que, quando tinha onze anos de idade, viu uma pessoa assassinada e

que não esqueceu do fato até hoje. Contudo, na avaliação de alvos do passado,

nega qualquer perturbação em relação a essa memória.

No início do processo de luto, sentia remorso por estar se divertindo. Traz

coisas positivas, mas não muda o resultado. Em relação a isso, refere “pô, eu tô de

luto, eu não tenho de ficar me divertindo. Eu sentia muito essa... essa... essa

angústia, né?”

Quando indagado a respeito de como ficou com o processo de avaliação,

relata que saiu do consultório mais triste, com mais lembranças.

Como estratégias que funcionam para lidar com situações difíceis, relata que

costuma pensar antes de agir e que exerce o controle de suas emoções. Essa

informação pode ser retratada pelos resultados de DES-II e BDI.

Durante o período de avaliação, demostrou autocontrole emocional,

informação também observada pelo HGRC, no qual a subescala de Desorganização

não o representa praticamente em nada, apenas com um item assinalado, referente

à memória, aparentemente, nada significativo. O item que mais chama atenção na

subescala de Desespero é o fato de ele se sentir incapaz de enfrentar essa

experiência, ao mesmo tempo em que indica um Crescimento Pessoal não muito

representativo. Também chama a atenção o escore de DES-II, de tão baixo que é,

indicando que está no presente, aqui e agora.

Como qualidades que o ajudam a lidar com a raiva, informa ser calmo e

ponderado. Refere receber apoio da mãe, da namorada e dos irmãos.

Como estratégias que funcionam para lidar com situações difíceis, informa

pensar antes de agir e controlar as emoções. Como qualidade que ajuda a lidar com

a raiva, informa ser calmo e ponderado. Pessoas que lhe dão apoio nos momentos

difíceis, mãe, namorada, irmãos.

O procedimento de apresentação da pesquisa, concordância e assinatura do

TCLE, bem como avaliação inicial com todos os instrumentos previstos no método

foram realizados em dois encontros presenciais, seguidos de 10 sessões de EMDR.

O PTr foi construído na sessão 1, oportunidade em que foi realizada a instalação do

Lugar Tranquilo (LT) e dado início do trabalho de processamento do primeiro alvo.

Os três alvos identificados foram trabalhados nas sessões de 1 a 7, sendo que na

sessão 8 foi realizada a projeção de futuro e a instalação dos resultados da terapia

por meio de um desenho, que se seguiu da AF.

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7.1.2 P6 e o EMDR

Durante a fase de preparação, conseguiu fazer a instalação do lugar tranquilo

de forma satisfatória. Produziu saudosismo e relaxamento. A metáfora escolhida foi

TV e os MB’s foram os táteis, seguidos dos visuais.

Quadro 4 – Plano de Tratamento P1Fonte: Autor

7.1.3 Sessões

Sessão 1

Como foi o primeiro participante, a decisão tomada relaciona-se à utilização

dos MB’s visuais. Traz uma sensação maior de controle para a pesquisadora em

relação ao que está acontecendo, bem como permite conhecer mais a fundo a

experiência do participante em relação ao processamento.

Relatos entre a série de movimentos alternam de pensamento concentrado na

memória disfuncional no fato a não se concentrar, o que faz parecer que ele está se

adaptando ao processamento. Entre uma das séries de MB’s, mencionou que “talvez

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eu pudesse ter conversado com ele, embora ele fosse muito fechado. Deveria ter

obrigado”. Apresentou relaxamento ao final da sessão.

Último SUDS medido 9. Chegou em 8. Ao final da sessão, mencionou

relaxamento.

Sessão incompleta.

Sessão 2

Relata ter saído mais triste do último encontro e que não sonhou ao longo da

semana, “sempre fica mexendo num assunto que realmente me é doloroso”,

segundo P1. Retomando o processamento, recorda-se de que ninguém percebeu

que havia alguma coisa errada. Entre uma das séries, disse: “É... ah, eu... acho

assim, me surgiu... Um pouco mais forte, é, um sentimento até meio que ele foi até

meio ingrato”,com o desejo de que fosse tudo diferente.

Em seguida, relata que surgiram algumas outras recordações do período final,

da vida dele, de quando ele era criança, e um pouquinho mais da vida adulta.

Refere-se à dificuldade de acessar essas memórias, chegando a verbalizar que

prefere não tê-las. Lembra do sofrimento que foi causado em todo mundo, em

especial na mãe.

É muito difícil lembrar...É...Vou te falar que é muito doloroso. (voz chorosa).[...]Não tem memória...Agradável. Tem situações boas, claro, lógico, mas,não é agradável lembrar, porque... (voz chorosa). [...] Porque tem a perda.

Segundo P1, não consegue sentir esses momentos como positivos em função

da perda. Mas chega ao final da sessão com um pouco mais de tranquilidade e sem

a sensação física na garganta, embora cansado.

Menciona, com pesar na voz, que o filho é um projeto de vida que foi

abandonado.

Sessão 3

Na reavaliação, informa que sonhou com ele naquele dia e depois, que

acordou um pouco emocionado e está bem doído como antes. A ambivalência entre

a presença e a ausência se faz marcante.

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É que fica uma briga entre o consciente e o subconsciente. O conscientesabe que não tá mais ali, mas o subconsciente vê ele, como se tivessemesmo... Como se realmente, ele tivesse ali. Então, fica aquela briga, e euacabo acordando, porque acho que fica brigando.

Relata a imagem de quando o encontrou, “sinto até cheiro de sangue”. Não

consegue concentrar tanto na imagem e o processamento foi para o hospital,

indicando que este está acontecendo. Daí veio uma sequência de desastres. Relata

que a parte mais difícil do hospital foi quando me chamaram para doar os órgãos.

Dores físicas surgem, no ombro e na garganta, saindo do pensamento, procurando

outras coisas. Relata uma acomodação do sentimento, vindo a seguir para o dia a

dia. A imagem está lá, quieta. Menciona que parece ter uma proibição de sentir as

coisas, inclusive, de ter alívio.

Entre esta e a próxima sessão, a pesquisadora ponderou usar o

entrelaçamento cognitivo, mas ele só deve ser usado quando o processo está

paralisado, o que não era o caso. Muita dificuldade pela dor e de testemunhar esse

sofrimento.

Sessão 4

Relata ter saído na última sessão muito mexido e teve sonhos brincava: “eu,

ele e minha mãe, brincadeira boba, aí acabei acordando depois. Percebe o coração

disparado quando viu um garoto na rua ‘igualzinho ao filho’”. Pensamentos

recorrentes continuam, pois a lembrança dele é constante.

Ao retomar o processamento, o pensamento fica solto, e menciona que o que

sente não é no corpo. “Não é dor física, é dor mental”. Em algum momento

expressa, que

me sinto culpado, mas... É, mas não tão culpado. Porque eu não sabia, foiuma, como é que vou te falar... Foi uma surpresa. [...] Porque se eu tivesseoportunidade, eu teria feito, com certeza, alguma coisa, mas, eu não tiveoportunidade.

E relata que a culpa “limita a minha alegria”. Ao final, apresenta SUDS6, sinal de que

o processamento de fato está caminhando.

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Sessão 5

Na semana passada,

Acho que foi a primeira vez que consegui chegar no carro, sem... Sem pararpra respirar um pouco. [...], respirar um pouco que eu digo, é chorar mesmotá? (riso).”

Outra coisa também, um pensamento que tem me surgido... De formarecorrente, eu não acho que seja muito agradável, não gosto muito,mas...Eu tô achando assim, é mô culpado de tudo mesmo, foi o [filho]mesmo. [...]Ele era o único que podia impedir.

Antes de retomar o processamento, P1relata que “no dia a dia tá menos

barulhento”. Retomando o processamento, as memórias o levaram de volta “ao que

ele fez, ao hospital, ao necrotério.”

Sessão 6

Na última sessão, refere-se ter sido muito difícil, tendo ficado sonolento em

demasia. Relata ter tido uma semana tranquila, mas com SUDS residual 9,5,

embora relate que “talvez eu não lembre tão frequente... e quando eu lembro, eu

não fico tão agarrado aquele... no pensamento. Diz que no último sábado foi a um

evento e até se divertiu “um pouquinho!”

Dra. [T], eu nunca tive expectativa de que ah, resolvi o meu problema. [...] Épor toda a vida. Era só uma, é qualquer alívio, qualquer coisa eu possadizer, poxa melhorou um pouco… Pra mim tá excelente. [visivelmente umacrença limitante].

Ao longo do processamento, foi sentindo um pouco mais de calma, com o

pensamento solto.

Sessão 7

Relata ter experimentado uma semana tranquila, referindo-se à penúltima

como muito difícil, tendo demorado um pouco a se estabilizar. O que hoje mais o

perturba é a ausência. E expressa que,

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Eu não, até não penso muito mais sobre o...Aquele momento do, dachegada em casa, em ter encontrado a situação. O que me...Perturba maisé o, a saudade, é o dia a dia, é eu ir numa festa e ele não tá junto... Oencontro não tá, e no restaurante não.

Eu, ele era um menino normal... Eu tenho foto dele, uma hora vou trazer pravocê, se vai ver um menino normal.

Me incomoda. Não ter percebido, talvez não ter conversado um pouco mais,não ter insistido em conversar, não ter assim, eu falava com ele, euconversava, mas ele “não, tá tudo bem, tá tudo tranquilo.” A frase dele, “não,tá tudo tranquilo pai”. Então, eu, quando ele tava assim meio triste, euachava que era problemas é...Dá adolescência, relativos a adolescência,crescimento, é, normal né, todo mundo tem

Sessão 8

Na sessão 8, menciona a passagem de Finados, sempre uma data

complicada. Segundo ele, tem “percebido uma mudança lenta, tão suave que não

consegue dimensionar”, e considera que o momento em que chegou em casa “está

pacificado, tá resolvido”.

Nessa viagem ao Rio, visitou o cemitério, o qual frequenta de seis em seis

meses. Considera ir lá em Finados foi um ritual, um momento de juntar a família.

Em algum momento da sessão, P1 pergunta: “Deixa eu te perguntar uma

coisa: sempre que você lidou com pessoas que… tentaram com suicídio, elas

sabem o que tão fazendo ou não?” e conversa um pouco sobre o assunto antes de

retomar o processamento, comentando que a memória está em um nível bem mais

suportável, SUDS5. Ao final da sessão, lembra-se de uma frase “Que a dor é

proporcional ao amor que a gente tinha pela pessoa [voz chorosa]”. Mesmo assim,

diz sair tranquilo da sessão.

Sessão 9

Relata que a semana foi “dentro da normalidade” e segundo ele,

Eu acho que assim, tá melhorando. É, já, já... Foi mais difícil, é... Acho queeu tô me acostumando mais a viver com essa situação”. [...] Eu consigo nãoficar tão focado naquela, na angustia da perda, eu consigo é... É, desviar ospensamentos para outros assuntos.

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Observa que tem ficado mais paciente no dia a dia, inclusive para escutar

problema dos outros.

Embora o SUDS tenha sido o mesmo nas últimas sessões, é evidente que

mudanças continuam acontecendo. Durante o processamento dessa sessão,

observa sentimentos conflitantes de “raiva, tristeza, peso de não ter feito nada, de

não ter conseguido evitar”. Sempre com a presença da ausência.

É... É muito difícil, aceitar. Aceitar não, tem de aceitar, né. Mas, é muitodifícil conviver com essa situação. Então, é difícil pra mim, não teralternativa.

Na última sessão menciona que a semana foi tranquila e que está lembrando

um pouco menos do filho. Em contrapartida, já está preocupado com o Natal, data

difícil para ele.

Ao longo da semana foi em um aniversário e foi abordado por um conhecido. !

fiquei surpreso dele falar, porque normalmente as pessoas não falam.

A sequência de MB’s prossegue e, em um entrelaçamento terapêutico,

quando é perguntado [e o que você precisa para aprender a conviver com isso?] “ A

esperança. Estar aqui já é um passo!”

O processamento segue P1 até se acalmar.

7.1.4 Avaliação Final

Embora não tenha sido possível avançar no plano de tratamento deste

participante, tendo permanecido as 10 sessões na mesma memória-alvo, relativa ao

momento em que ele encontrou o corpo do filho, foram constatadas mudanças

qualitativas significativas. Ele mesmo observou que foi diminuindo o uso de lenço de

papel, que, em ritual próprio, colocava no bolso após o uso. Disse, de forma bem-

humorada, ter se surpreendido quando em casa não encontrou nada para jogar fora.

Em sua avaliação, informou que sempre foi cético em relação à psicologia,

por desconhecimento, e que se surpreendeu com os resultados. Após a quinta ou

sexta sessão, conseguiu ver resultados mais claros, considerando-se bem satisfeito

com o processo psicoterapêutico.

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Em relação ao filho, observa que passou a dividir a culpa com ele e aprender

a conviver, que foi uma escolha dele e que fez o melhor que pode. Assim, precisa

levar a vida da melhor forma para si mesmo.

Como alguns exemplos de mudanças observadas, ter conseguido conversar

com a irmã sobre a morte do filho foi bastante significativo para ele, mesmo tendo a

clareza de preferir não fazê-lo por perceber que causa muito sofrimento para ela.

Nessa avaliação, constatou que tem sonhado menos do que antes, o que lhe

dá um grande alívio. Mesmo quando tinha sonhos bons com o filho, acordava

bastante emocionado em função da ausência. Também percebeu que tem dormido

melhor.

Percebe que, em sua vida diária, as lembranças estão mais afastadas,

mesmo que ainda não por todo o tempo, referindo-se à redução do desespero que

sentia. De acordo com suas palavras, passou a sentir “a dor domada!” Com isso,

consegue se divertir mais em eventos sociais, momentos em que se percebia

“bastante deprimido”.

Também na esfera social observou uma mudança da aspereza que

desenvolveu logo após a morte do filho, quando ficou impaciente para ouvir outras

pessoas, observando-se agora mais calmo e de forma mais sociável.

Claramente, ainda há questões para serem trabalhadas, e a recomendação

da pesquisadora é que ele dê seguimento ao tratamento. Ele concorda com essa

recomendação, afirmando que o principal para ele é trabalhar ainda com a saudade

e a ausência que o atormentam diariamente. Contudo, naturalmente, explana que

precisa de um tempo para ver o que se consolidou dessas mudanças.

Na avaliação final, foram observadas redução de perturbação em relação aos

pensamentos recorrentes (SUDS 7) e no alvo de não ter percebido alguma coisa de

errado (SUDS 6). Em relação ao momento em que encontrou o filho, relata SUDS 5,

informando que “está beeeem mais leve”. Mantém perturbação máxima para as

outras memórias levantadas, com exceção das mortes que testemunhou na infância,

que permaneceram com SUDS 0, deixando claro que não são memórias

alimentadoras.

P1 encontrou uma forma bastante peculiar de avaliar os resultados de seu

processo psicoterápico: o número de papéis que levava no bolso para casa após

cada sessão. Uma forma prática e objetiva de relatar sua percepção de melhora.

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Pode ser que focar na questão da saudade traga-lhe resultados ainda

melhores.

Ao mesmo tempo em que as dificuldades remanescentes apresentadas por

ele estiveram relacionadas à ausência, alvo que se manteve no mesmo nível de

perturbação do início do tratamento, trabalhar com a memória mais difícil, e sem

dúvida alguma traumática, possibilitou inúmeras mudanças qualitativas em sua vida;

mudanças observadas também nos registros dos instrumentos, conforme o

Apêndice I.

Ao revisar as sessões, observa-se que houve uma concentração da SF

descrita como “nó na garganta”, em contraste com uma sensação generalizada

descrita na Sessão 1 de EMDR.

Para ele, o maior desconforto, além da ausência,

eu sempre saí daqui muito cansado. Principalmente, no início. Eu não sei seé por causa da terapia, ou por causa do assunto, mas realmente causa...[...] Sono e vontade de ir pra casa dormir. Não sei se acontece com todomundo (risos), mas comigo acontece.

Em relação aos gráficos comparativos das avaliações iniciais de P1, podem

ser consultados no Apêndice J.

Embora não atendesse a qualquer critério de depressão, o resultado de BDI

final foi três vezes menor do que o inicial, sendo que o resultado do DES-II atingiu

níveis mínimos, que podem ser desconsiderados.

Em relação ao HGRC, na subescala de Desespero, os itens “eu tenho pouco

controle sobre a minha tristeza”, em nível de que o descreve pouco bem, e “sofro

com a minha solidão”, em nível de descrevê-lo bem, permaneceram inalterados.

“Parece que estou em choque”; “Eu sinto um peso no meu coração”; “Acredito que

nunca mais vou ser feliz de novo”; “Tenho dificuldade em aceitar a permanência da

morte”, “Sinto-me sem esperança em diferentes níveis iniciais”, todos eles passaram

a não representá-lo. Trata-se de um bom indicativo do surgimento da esperança,

confirmado pela redução da afirmação. Houve redução significativa do sofrimento

relacionado à morte do filho, embora ainda não tenha “zerado” e mesmo diminuindo

um pouquinho que seja, ainda chora com frequência.

Na subescala Desinteresse/Indiferença, a afirmação que ele evita carinho já

foi mais verdadeira no início, passando para o nível de descrevê-lo apenas um

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pouco bem. Todas os outros itens que ainda indicavam um certo desinteresse

chegaram nos níveis de inexistência do comportamento, o que indica uma grande

melhora/mudança.

Em relação à subescala de Comportamento de Pânico, esta também

apresentou diminuição da representatividade da maior parte dos itens que a

representam. Sentir-se abalado deu uma reduzida, mas o descreve razoavelmente

bem, ainda refere preocupação excessiva e cansaço frequente. Os outros itens

relacionados à taquicardia tensão muscular de dores de cabeça, medo e susto

deixaram de existir.

A subescala de Culpa e Raiva apresenta ainda apenas amargura e mágoa em

níveis que o descrevem pouco bem, e pelo que foi registrado, a raiva não estava

presente no momento da avaliação.

A subescala de Desorganização, não o descreve em nada atualmente.

Em relação ao Crescimento Pessoal, considera-se uma pessoa tolerante

consigo mesmo e que perdoa facilmente, nos mesmos níveis iniciais de descrevê-lo

razoavelmente bem. Atualmente, apresenta uma vida com mais perspectivas agora,

com mais esperança no futuro e com mais dias bons do que ruins, em níveis quase

máximos, representando uma mudança visível em relação à avaliação inicial. Com

menor intensidade, sente-se como uma pessoa melhor, bem como se preocupa com

os outros.

A partir dessas informações coletadas, é possível afirmar que, em termos

qualitativos, o EMDR levou a P1 uma série de mudanças em seu comportamento,

inclusive físicas, com um bom crescimento pessoal. Contudo, o sofrimento em

relação à ausência deve ser melhor investigado.

7.2 PARTICIPANTE 2

7.2.1 Relato do caso

P2, 38 anos, viúva, ensino superior completo, tem duas filhas de seu

casamento com o marido que morreu por suicídio em 2012 por precipitação de lugar

elevado. P2 participa das reuniões do API desde então, com frequência intermitente

ao longo desses anos. Sua experiência com psicoterapia se deu logo após a perda,

quando buscou auxílio profissional para enfrentar as dificuldades apresentadas na

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ocasião. Foi um processo curto, que envolveu a família, a saber, as filhas, a sogra e

a cunhada, possibilitando a reorganização familiar naquela ocasião. Razões

financeiras e sobrecarga de trabalho acabaram impedindo-a de seguir esse cuidado

consigo mesma. Ao longo desses mais de seis anos, pediu ajuda esporádica para si

mesma ou para as filhas, sem continuidade no processo psicoterápico pessoal.

Recentemente, retomou o atendimento das filhas com uma das profissionais da

equipe do API/Vitória, para conversar sobre o suicídio com elas, em especial, com a

mais velha. Aos 17 anos, ela agora se prepara para o vestibular. A filha mais nova,

de 10 anos, estuda e, recentemente, iniciou a terapia a pedido dela mesma para

tratar da morte do pai, após ter descoberto que ele morreu por suicídio.

Antes do primeiro encontro presencial, enviou mensagem via WhatsApp sobre

nova colocação profissional, pedindo que mudássemos o horário. Chega muito feliz

com essa conquista, esperada há muitos anos, que representa uma mudança

salarial e uma melhoria no estresse de trabalho. A única dificuldade é que vai ter que

viajar em breve e ficou combinado de fazer ajustes no horário para garantir os

atendimentos semanais.

P2 apresenta três perdas em diferentes etapas do seu ciclo vital, a mãe por

motivos de doença, há mais de 32 anos, o marido por suicídio há seis anos e meio,

e o pai por longo processo de adoecimento há dois anos e meio. Durante a

avaliação, chegou a minimizar seu sofrimento dizendo que acha que não precisa de

ajuda, dizendo querer deixar a vaga para quem precisasse mais do que ela.

Registrou por meio do instrumento AI o que gostaria de trabalhar na

psicoterapia com EMDR, em relação ao luto:

Acredito que o que me traz aqui não é somente a ajuda para aceitar a perdado meu marido, mas o que esse conjunto de perdas reflete na minha vida. Aperda de minha mãe há mais de 30 anos me deixa insegura, a do meumarido me fez ‘gente’ provedora e a do meu pai... foi onde eu senti maissolidão.

Ao ser questionada o que a motivou a procurar ajuda psicoterápica

relacionada ao luto nesse momento da vida, em especial em meio às mudanças

positivas em sua vida profissional, P2 fala de sua motivação em relação a cada uma

delas. Em relação à morte da mãe quando era ainda muito pequena diz ter gerado

“[…] muita da minha insegurança, ansiedade [...] de não ter um porto seguro em

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casa. Nunca tive.” Em relação à do marido, acredita que já o perdoou, dando a

entender que hoje não é um de seus maiores problemas, em especial, por sentir que

essa perda a fez crescer como pessoa, mãe e profissional. Em relação ao pai, relata

ter sido “...a hora em que senti mais solidão. Tipo assim, ‘caramba, minha mãe não

tá aqui, meu marido não tá aqui, meu pai não tá aqui, e agora?’” Nesse momento,

lembra-se de que próximo à perda do pai, perdeu também um tio. Por isso reafirmou

que seu problema atual em relação ao luto é o conjunto das mortes.

Durante a AI, P2 menciona ter apresentado pensamentos suicidas logo após

a morte de seu marido e relata que os seus maiores problemas surgiram depois

dessa perda, a saber: sobrepeso, excesso de atividades físicas, ansiedade

excessiva e insônia. Nessa ocasião, informa que faz uso de bebida alcóolica de

forma esporádica nos fins de semana. Como estratégias que a ajudam a lidar com

situações de estresse, informa que há variação entre excesso de comida ou de

atividades físicas, dependendo do momento.

[...] desconto tudo na comida, se eu fico nervosa, começo a transpirar, medá fome, eu pego um doce [...].

[...] à noite... começo a planejar um monte de coisas que às vezes eu nãovou conseguir fazer.

[...] principalmente depois que [marido] morreu... que eu não sou mesmapessoa! Assim, eu não me vejo diferente... é... não me acho feia, não é nadadisso não. Mas eu, eu não consigo reconhecer os traços de mim... de... seteanos atrás.

Ao final do preenchimento da AI, revela um de seus principais disparadores–

se sentir sozinha – ao ter que responder a informação a respeito do contato de

emergência, dizendo de forma bastante emocionada “[choro] eu tenho pavor,

assim... [pausa]. Nunca sei quem colocar aqui! [...] sempre me incomoda, porque eu

sempre acho que eu tô sozinha”. Esse sentimento de solidão é reiterado quando fala

sobre suas três irmãs, com as quais sente que tem um contato superficial:“...todo

mundo fala, as quatro irmãs... serve pra nada! [...] pra que serve? Pra tirar foto, botar

no Facebook e falar que tudo é lindo?” e cantarola um trecho da música de Cazuza

“a solidão é pretensão de quem fica escondido fazendo fita”. Em algum momento,

menciona que essa solidão surgiu após a morte do pai, considerando um sentimento

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curioso, uma vez que o pai nunca foi protetor, próximo ou exemplo de

comportamento. “Pelo contrário, eu é que tinha que tomar conta dele”.

Um outro disparador mencionado por P2 foi a respeito de uma situação

atípica que vivenciou quando há pouco tempo foi a um banco e precisou apresentar

uma certidão de óbito do marido, documento esse que não foi recebido, provocando

uma reação desproporcional de choro, que a deixou estarrecida e sem entender o

que se passou. Sua reflexão trouxe a seguinte fala:

Aí fiquei pensando, não sei se é porque era a certidão de [marido] aí mexeaquilo tudo de novo, eu fico pensando muito se ele tivesse aqui, né, seriatão bom... [...] eu tô muito feliz, mas eu tô também com essa saudadeassim, que se ele tivesse aqui ia ser bem mais legal.

Ao preencher os instrumentos que faltavam para a avaliação, a emoção foi

tomando conta de P2 ao perceber o quanto está com “os nervos à flor da pele”,

ansiedade intensa e dificuldades de memória e atenção. Atribui esse comportamento

às muitas madrugadas de trabalho. Afirmou que sua percepção é de que isso

acontece há dois ou três anos, relatando não se sentir a mesma pessoa desde

então, tendo, inclusive, afetado seu trabalho. Lembrou que “papai morreu e não

pude me despedir dele”, deixando clara a conexão dessa perda com o início esse

segundo conjunto de sintomas relatados.

Segundo ela, as qualidades que a ajudam a lidar com a raiva são resiliência e

aceitação, e conta com sua sogra como grande apoiadora nos momentos difíceis.

Também menciona sua fé como importante fonte de recurso.

Conforme o identificado nesse período de avaliação, P2 relata três perdas

para serem trabalhadas, identificadas com as seguintes perturbações:

Morte do pai (2015) – SUDS 8

Morte do marido (2012) – SUDS 4

Morte da mãe (1986) – SUDS 6

O procedimento de apresentação da pesquisa e da concordância, a

assinatura do TCLE, bem como avaliação inicial com todos os instrumentos

previstos no método foram realizados em dois encontros presenciais, seguidos de 8

sessões de EMDR. O PTr foi construído na sessão 1, oportunidade em que foi

realizada a instalação do Lugar Tranquilo (LT) e dado início do trabalho de

processamento do primeiro alvo. Os três alvos identificados foram trabalhados nas

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sessões de 1 a 7, sendo que na sessão 8 foi realizada a projeção de futuro e a

instalação dos resultados da terapia por meio de um desenho, que se seguiu da AF.

7.2.2 P2 e o EMDR

O número de perdas apresentadas e a mobilização que cada uma poderia

despertar no momento de construção de um PTr integral de todas elas, dado o

número limitado de sessões para a realização dessa investigação, pareceu prudente

à pesquisadora que elaborasse um plano passo a passo, para cada um dos alvos.

Mesmo levando em consideração que o PTr envolve as três perdas, esse

procedimento evitaria o levantamento de possíveis memórias disfuncionais e

perturbadoras que não pudessem ser endereçadas durante o tratamento no curto

período de tempo disponível, trazendo riscos para P2.

Assim, foi dado início às sessões de processamento, na sessão 1,

começando pela construção do PTr, relacionado à morte do pai, conforme pode ser

conferido no Quadro 5 abaixo. Ressalta-se que em comum acordo com a

pesquisadora, P2 escolheu trabalhar na ordem de perturbação com que percebia

cada morte, começando da maior perturbação para a menor.

Quadro 5 – Plano de Tratamento Inicial P2Fonte: Autora

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P2 não apresentou dificuldades para a instalação do Lugar Tranquilo/Seguro

(LT).

Ao iniciar o trabalho relacionado à morte do pai, P2 declara uma grande

cobrança porque estava trabalhando e não estava com ele no momento em que

morreu. Ao montar o ICES, P2 observa uma elevação do SUDS e uma intensa

reação corporal, sentindo o corpo tremer, “...esse bolo assim [...] no peito, parece

que tá, que tem alguma coisa presa”. Ao longo das séries de MB’s relata várias

imagens do pai em outras situações da vida, inclusive de quando P2 era criança, às

quais atribui afetos negativos, como se justificassem sua ausência. Também

menciona como justificativa todo o esforço que fez em torno da doença do pai e de

cuidar dele. Reconhece que o pai também deve ter tido dificuldades por ter ficado

viúvo, sem nenhum tipo de estrutura, e em uma cascata de flashes de memórias foi

observando o cessar das sensações corporais desagradáveis e a certeza de que fiz

o melhor que pude.

Dentro até da consideração e dedicação que ele tinha mesmo, com a gente,comigo, eu acho até que assim eu fiz mais do que, assim uma pessoa como mesmo tratamento que teve dele faria. Eu nunca tinha pensado por esselado.

Ao final dessa sessão, observa com surpresa a ausência de perturbação ao

falar do pai, situação que antes lhe causava bastante desconforto, e completa com

uma certa incredulidade: “Nossa eu tô mais leve, não tem como eu ter pensado em

papai em tudo que a gente viveu e eu ter ficado mais leve [...]. E eu achava que não

tinha nada pra trabalhar [risos].”

Na sessão seguinte, relata ter se sentido muito bem após a sessão anterior,

rindo à toa e, nos momentos ao longo da semana em que lembrou do pai, percebeu-

se sem cobrança. Observou também que está um pouco mais “egoísta”, fazendo as

coisas mais voltadas para si, sem tanta preocupação com o outro. P2 nega qualquer

perturbação residual em relação à memória trabalhada, ao alvo da morte do pai, aos

disparadores e à projeção de futuro;

Portanto, após o encerramento do trabalho do primeiro dos alvos, com

apenas uma memória relacionada à morte do pai, sem outros alvos adicionais, foi

elaborado um desdobramento do plano inicial, com foco no segundo alvo, com duas

memórias-chave iniciais, acrescidas de mais uma ao final do processamento da

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primeira, escolhida por P2 como a pior, de acordo com a Quadro 6. P2 escolheu

trabalhar primeiro a morte da mãe, mesmo tendo percebido um aumento da

perturbação em relação ao marido, avaliada na sessão 2, com SUDS 8, dizendo

“[…] acho que não quero mexer nele agora”.

Quadro 6 – Plano de Tratamento Desdobramentos II P2Fonte: Autora

Em relação à morte da mãe, relata que o que mais a incomoda é não saber

ser mãe. P2 tinha apenas cinco anos quando a mãe morreu. Relata também que

não tem muitas memórias em relação a isso, com primeiro destaque ao comentário

de uma de suas tias, quando a viu se aproximar do caixão sorrindo “‘ah, ela riu

quando viu a mãe no caixão’... Como se eu tivesse rindo daquela situação brincando

ali”, fala indignada.

Uma outra situação que lembra é a maneira como soube a notícia da morte

da mãe. O pai contou para as irmã se ela percebeu que havia algo errado por ver

todo mundo chorar, quando então uma de suas irmãs mais velhas contou para ela.

Então, “ninguém me contou, eu descobri ali no meio da choradeira”. P2 não

participou dos rituais funerários, ficou na casa de uma amiga e, quando voltou para

casa, vivenciou muitas situações difíceis, incluindo o pai em outro relacionamento já

nos primeiros momentos do luto. Relata ter sofrido violência física por parte do pai

por ser uma “criança arteira”.

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No momento de enquadrar a memória de acordo com o protocolo de EMDR,

relata um desconforto físico diferente às sensações físicas relacionadas à morte do

pai, referindo pressão na cabeça/na testa, associada à tristeza. Desde a primeira

sequência de MBs surgiram outras memórias na cadeia associativa relacionadas a

ter se sentido jogada de um lado para o outro, sem um lugar próprio, chegando à

conclusão de que essas experiências a tornaram insensível, refletindo no

relacionamento com as filhas: “[...] e aí isso me traz muito o meu relacionamento

com as meninas, né, de ter passado por tudo isso [...]”

Percebeu que naquela época não era insensível e que vivia um alto grau de

sofrimento, pois o pai logo casou novamente, período em que enfrentou vários

problemas com a madrasta. Morou com a avó por um tempo, e só depois foi morar

com todos os integrantes da família, incluindo essa nova mulher do pai. P2 tinha que

obedecer regras diferentes das de suas irmãs, sendo obrigada a dormir mais cedo,

quando ficava do quarto ouvindo todos conversarem, sentindo-se excluída. Nesse

período, pensava em como fugir desse sofrimento. Relata como se tornou

obediente, sem questionar e sem falar o que pensava, o que acredita que pode ter

colaborado para que ninguém soubesse o que se passava com ela.

Em uma das memórias emergentes do processamento, relatou uma complexa

relação com a comida na casa do pai.

[...] ela tinha uma geladeira no quarto dela, então a gente não podia pegarnada que tinha lá. Papai comprava qualquer coisa pra gente... dentro doquarto dela só ficavam as coisas gostosas que criança quer comer e quemtivesse com ela, fazendo as coisas pra ela no quarto deles... enfim... papaitrabalhava muito e não via esse tipo de coisa. E, e, e isso é acho que foime... me congelando mesmo (choro).

Ao final, a perturbação cessou e as palavras sou capaz se tornaram bastante

verdadeiras, em uma espécie de retrospectiva relâmpago em uma das sequências

de MB’s com a mesma alegria observada ao final da sessão anterior. P2 menciona

também uma mudança em relação a conseguir expressar suas vontades nos últimos

tempos, após o primeiro processamento e, além de capaz, sentindo-se

“vitoriosa”[sic].

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Porque de tanta coisa que eu vivi lá no passado aí fui, casei com [marido] agente tinha uma vida bacana, uma família bacana, mas aí aconteceu o queaconteceu, eu fui lá no chão de novo, hoje eu tô, minhas filhas bacana, agente tá morando no apartamento, então assim, é claro que eu sou capaz,não tem como não...

No intervalo desde a última sessão, na sessão 3, P2constata ter ficado brava

consigo mesma por ter sido boba, ao fazer tudo para agradar os outros, tendo

explodido inclusive com o namorado ao longo dos últimos dias. Traz uma

observação interessante de que não consegue mais beber, tendo um limite físico,

quando antes ficava até o final de qualquer festa. Observou ao longo desse intervalo

algumas imagens da mãe e se viu afirmando “sou capaz”, “tenho coragem”. Veio

também uma memória positiva com a mãe, o que chamou de “memória 1”.Essa

memória positiva surgiu com muita riqueza de detalhes, em cores vívidas:

[...] eu sentada no colo eu peguei um daqueles prato Duralex, daquele ver...abóbora! Aí eu falei assim, ‘mãe é verdade que esse prato não quebra?’. Aíela falou assim ‘não sei, vamos ver? ’E tá! [imita o barulho do prato caindono chão] no chão, e o prato não quebrou, aí ela falou, ‘tá aí então, nãoquebra’.

Apesar de negar qualquer perturbação em relação à memória trabalhada na

sessão passada, P2 relata um extremo desconforto que não sabia de onde era.

Enquanto, em algum momento, comenta que acabou indo parar no lugar onde o

corpo do marido fora encontrado por pescadores, o que a deixou bastante

perturbada. Mas relata que o mal-estar que estava sentido naquele momento não

estava relacionado a ter estado nessa praia ou em relação à morte do pai, dando a

entender que seria algo relacionado à morte da mãe. Após alguns momentos de

conversa, conseguiu-se chegar em mais uma memória-alvo, relacionada ao fato de

ela se sentir excluída na casa do pai, onde morava com ele, a madrasta e as irmãs.

Memória que já tinha surgido durante o último processamento, tendo passado

novamente pela falta de lugar que sentia, mesmo quando morou na casa da avó por

algum tempo, quando se acomodava entre três almofadas para dormir à noite.

Memórias que lhe parecem ser muito dolorosas.

Com a memória-alvo identificada, iniciou-se mais um ciclo de processamento

no qual P2 fez uma ligação do sentimento de solidão que essa lembrança lhe trazia

em relação a como se sentia após a morte do pai, ficando intensas ao final da

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sessão a CP posso me defender e, junto a ela, a CP sou capaz. Ao final, parece ter

aceitado o que vivenciou, chegando a brincar com o tema “aceita, que dói menos?”

Encerrando a sessão 3, percebeu a mesma sensação da praia, para a qual recebeu

reforço com MB’s lentos.

No início da sessão 4, P2 relata que ficou bem, sem pensar muito no assunto,

também por ter viajado a trabalho, em lugar novo, com tarefas novas. Observa uma

mudança em relação às irmãs, passando a ver a situação com “outros olhos” (sic),

pois quando recebe notícias delas, não está “mais humana, mais calorosa” (sic),

mas já não sente raiva. Sem qualquer perturbação residual em relação à situação

trabalhada, ou em relação à morte da mãe, relatou não perceber nada a ser

trabalhado. Contudo, teve um insight em relação à compulsão alimentar,

relacionando-a à restrição que passava na casa do pai, mencionando “o frigobar da

madrasta”: “Eu não sei se tá atrelado ao fato do que me incomodava muito

[ênfase]era a gente ter essa limitação dentro de casa, né, de limitação não financeira

de não poder ter, mas de não poder ter acesso”.

Com isso, começou a compreender os momentos em que teve vontade de

comer por impulso e não por fome, conseguindo se controlar ao longo da última

semana. Acredita também que pode ser em função do processo vivenciado na

psicoterapia, por perceber que tem se observado mais. Inclusive, reitera que “eu

nunca mais fiquei de fogo de beber, de nada. É uma tarde de vinho, é uma

cervejinha... Aí... eu não quero mais não”.

Em relação ao que nomeou de compulsão alimentar, relata que passou a

acontecer após a morte do marido. Acatou a sugestão de observar esse

comportamento e passar para o próximo tema, uma vez que, segundo ela, não

percebe mais nada para trabalhar em relação à morte da mãe. Assim, focando na

terceira perda, surgiu o desdobramento do PTr para esse alvo, inicialmente

identificado com o de menor SUDS, segundo P2, como sendo aparentemente a de

menor relevância. Verifica-se um maior número de memórias perturbadoras

identificadas, no PTr, em comparação aos outros alvos, como pode ser conferido na

Figura 4. Nesta figura, o PTr desse alvo é apresentado completo, com todas as

memórias relacionadas a esse tema que surgiram nas sessões em que foi

trabalhado. A mobilização apresentada por P2 ao falar sobre a morte do marido, não

permitiu avaliar a projeção do futuro do PTr.

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Quadro 7 – Plano de Tratamento Desdobramentos II P2Fonte: Autora

O trabalho com a primeira memória relatada por P2, elegida a ser trabalhada,

mostrou-se bastante difícil em função da intensidade das reações, bem diferentes

das que tinham surgido nas sessões anteriores. Emocionada desde que começou a

falar do assunto, P2 pareceu ter sido inundada pelas memórias relacionadas à perda

do marido, às quais ela mesma mencionou estarem vindo em flashes, após ter sido

indagada sobre qual era a primeira, a pior e a última.

De fato, é difícil até mensurar a intensidade de cada uma, pois pareciam estar

interligadas, como em um filme, mesmo após seis anos e meio. Dois aspectos

merecem destaque, a saber: a forma como recebeu a notícia por meio de um policial

que estava com seu marido, e como foi acolhida no Instituto Médico Legal onde foi

reconhecer o corpo dele, logo em seguida. Esses fatos parecem ter sido

determinantes de uma situação compatível com uma espécie de choque/trauma, que

permaneceu com intensidade máxima até o início do processamento. Detalhes que

só um sobrevivente sabe o que significam. Por cuidados com P2 e toda sua família,

em especial as filhas, os detalhes que surgiram durante esse trabalho não serão

aqui expostos.

Em meio a um choro intenso, foi necessário mudar para a estimulação tátil,

para que o processamento não fosse interrompido, pois as imagens vinham com

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violência nos estímulos visuais, segundo ela, que em algum momento sentiu como

se não estivesse em seu próprio corpo. Além de muito sono, o que poderia ser um

sinal de dissociação. Passando por questionar os motivos, e lembrar da vida que

tinham, observa a diferença em relação ao trabalho com outras perdas, quando

conseguia encontrar uma explicação. Ao finalizar a sessão, encontrava-se mais

calma, embora um pouco zonza, com a certeza de que a cabeça continuava

processando, e preferiu encerrar utilizando o LT.

Ao voltar na semana seguinte, chega com 30 minutos de atraso e relata que

saiu da sessão anterior muito angustiada e ainda chorou muito, com reações físicas

como em espasmos que as pessoas têm durante o sono. Ao longo da semana,

sonhou muito, o que não é habitual. E, como diz, “não foi sonho, foi pesadelo” com o

marido falando com ela e com a imagem identificada na sessão anterior. P2 disse

que nunca sonha, mas nessa semana “foi punk” (sic). Além de muitas memórias

daquela época, com as meninas ainda pequenas.

Questionada sobre mudanças ao longo da semana, responde que em relação

às irmãs percebeu uma mudança muito grande, sem nenhum mal-estar. Mas, em

relação ao marido, o que percebeu foi ter conseguido identificar o local no corpo.

E aí... diferente de todas as outras, né?... meu pai, aquela angústia no peito,minha mãe é a cabeça. Dele não! Eu sinto... eu falo agora... eu posso sentiré tipo uma facada no coração. Assim, meu coração dói... mas não é opesado de angústia.

Nesse período, percebeu muitas lembranças da casa e das filhas pequenas,

além de terem surgido duas memórias anteriores ao suicídio do marido, conforme

identificadas no PTr. Com foco na emoção e na sensação corporal, o SUDS residual

foi processado, tendo redução gradativa até chegar a 0, mantendo a mesma CP

posso lidar com isso. P2 relata que no processo sentiu bastante sono e que acabava

focando na dor, mesmo quando alguns flashes das cenas vinham na cabeça.

Ao final da sessão “confessa” que teve vontade de desistir, mencionando a

intensidade de sua experiência na sessão anterior, oportunidade em que a

pesquisadora explica a respeito da memória, inclusive reiterando para avisar no dia

seguinte como ficará. Sempre que for necessário, informa ela, a sessão poderá ser

antecipada.

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Na sessão 7, P2 chega mais animada, relatando ter saído bem da última

sessão e que o processamento continuou um pouco. Passou uma semana

trabalhando fora de casa e conseguiu controlar a alimentação assim como iniciar um

processo de emagrecimento, mesmo que ainda não tenha iniciado atividades físicas.

Nesse período, P2 concluiu que “a vida pode seguir e a gente ficar bem, assim”.

Ao longo da semana, sentiu-se mais leve e quando “[...] tentava pensar no

assunto, eu num... eu num pensava. Eu... eu pensava em outra coisa”, afirmando

que a memória nem voltou nesse período. Contudo, teve uma percepção especial

em relação ao marido:

Todo mundo quando morre vira santo. Né, então... era tudo maravilhoso,tudo no passado é maravilhoso. E aí eu comecei a me lembrar de coisasque... num novo relacionamento novo eu não quero pra mim... que eramcoisas que aconteciam no dia a dia, coisas que eu deixei, por ser muitonova e ele também...

Com perturbação residual apenas no corpo, relata um processamento

diferente, sem imagens, apenas com a sensação corporal que vai cedendo pouco a

pouco, “como uma bexiga de ar, as coisas vão saindo” (sic). As imagens da foto

dele, a memória do dia anterior e quando ele acordou vieram, e ao focar em cada

uma aparecia um “choquinho e aí... processava e saía [...] elas apareceram pra sei

lá.... acho que pra fechar logo esse ciclo”.

Ao seguir com o protocolo, houve mudança de CP quando afirma “...que

posso lidar com isso é muito... é... é... pra ser uma palavra positiva... não sei... ela

não teria nem que ser... ela ter que ser normal, né?” escolhendo mereço viver para

finalizar o processamento desse alvo. Ao final de tudo, percebe um “calor de fora

para dentro” (sic) como se tivesse realizado atividade física, provocando bem-estar

físico.

Em seu retorno, P2 relata que passou a fazer testes consigo mesma para

verificar onde ainda sentiria alguma perturbação, pensando nas memórias

trabalhadas até conseguir falar de forma serena para uma colega de trabalho o que

havia acontecido com seu marido. Nesse processo, passou todos acontecimentos

em ordem cronológica e percebeu que ainda faltava trabalhar a memória

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perturbadora de contar para as filhas o que tinha acontecido com o pai delas, que se

tornou o alvo da Sessão 7.

Contar para as filhas, ainda mais por ser suicídio, foi muito difícil para P2, e

para cada uma houve uma especificidade em função das diferentes idades. Durante

o processamento, percebe que “mais vitimizo as meninas do que elas mesmas [...]

Fico pensando nas conquistas delas, nas coisas que elas...elas fazem, como elas se

comportam... Isso tá mais em mim do que nelas...” (sic). Surgiram memórias de

momentos juntas, fazendo coisas, da confiança da filha 1 em P2, na presença

constante na vida das duas, do seu próprio jeito. Ao final do processamento,

sentindo aquele calor relatado na sessão anterior, conclui que “não sou uma mãe

perfeita, mas sou uma boa mãe! (risos)”.

E embora não tenha havido uma projeção do futuro no PTr em relação à

morte do marido, ao final desse atendimento, revelou-se o mesmo relacionado à

morte da mãe, ser uma boa mãe.

Ao retornar para a sessão 8, P2 relata que saiu da última sessão se sentindo

“[…] a melhor mãe do mundo” (sic), e investigando o que mais restava para trabalhar

dos temas e alvos identificados pelo PTr, ela e a pesquisadora surpreenderam-se

com a ausência de perturbação total para os três alvos inicialmente identificados.

Assim sendo, a AF foi realizada nesse encontro com a reavaliação de todos

os alvos do PTr, incluindo a projeção do futuro. Por ser esse um procedimento

clínico, o pesquisador deve estar atento às oportunidades de melhor prática com o

participante.

Dessa forma, como finalização das sessões, foi pedido que P2 fizesse um

desenho que representasse todo o bem-estar por ela relatado em meio às

mudanças ao longo do tratamento. Após realizar a projeção de futuro em forma de

vídeo, nenhuma perturbação foi relatada, apenas a preocupação corriqueira de uma

mãe dedicada. “Eu vejo aquelas coisas de mãe, que não sabe o que o filho vai ser

quando crescer” (sic). Na conversa, foi possível constatar a quantidade de CPs que

surgiram por entre os processamentos. Então, a pesquisadora solicitou a P2 que

fizesse um desenho que representasse tudo o que foi trabalhado em relação ao luto.

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Figura 4 – Desenho de P2 representando o tratamento Fonte: P2

Em relação ao desenho, relata:

Eu vejo assim... vou explicando, eu vejo esse trabalho, esse luto, e comoque eu tô hoje... Como as coisas voltaram a clarear a minha vida. Assim, omar... Porque aqui é o mar (risos)... O mar é o meu lugar de conforto.

E o sol é bem, é de indicar luz assim... Indicar como é que tava escuro,como que as coisas estavam negras e como as cosias ficaram mais claras.

E a cruz aqui né, eu acho que até antes de começar aqui... Deus sempreolhou por mim. E considerou tudo pra que esse tratamento tivesse sido nahora mais especial, mais propícia que tivesse que ser. Porque eu acho queum conjunto de coisas aconteceram pra esse tratamento acontecer nessemomento.

Nesse momento, a pesquisadora solicita que se recorde de todas as CPs e

pergunta se surge mais alguma, ao que P2 responde... “elas estão comigo”. Fiz o

melhor que pude, sou capaz, posso me defender, posso lidar com isso, posso

confiar nas minhas decisões, sou uma boa mãe foram reforçadas com MB’s lentos e

poucas séries. Esse procedimento adotado é uma forma de reforçar e instalar o

aprendizado de todo o processo, em conjunto com uma sensação corporal positiva

com a qual já havia chegado na sessão e que a tem acompanhado nos últimos dias.

Estou muito forte tentando buscar o que eu era antes[...] Não sei se chega aser uma palavra positiva, mas essa pessoa aqui que eu vejo no espelho,que eu não me reconhecia como eu... Eu não preciso ser assim e eu possoser eu de novo.[...] quando eu penso naquela luz que taí... ela tá agora... elatá aqui dentro [...]. Aquela sensação boa ficou melhor ainda, parece que temuma camada da minha pele assim...

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7.2.3 Avaliação Final

A pergunta na AI “será que eu tô usando o espaço de alguém que pode usar

melhor do que eu?”, no sentido de minimizar o sofrimento pelas perdas, quando

duvida se tem algo do luto pra trabalhar, reflete uma das preocupações dos

profissionais que estudam as modalidades do luto complicado e os programas de

assistência, como Rando (2013, 2016). Mas como fazer diferente, tendo que dar

conta da vida como ela teve que fazer? Sem queixas intensas de forma aparente, é

um bom exemplo das muitas variações do luto complicado que podem assolar um

enlutado: “Porque... eu não sou aquela pessoa que fica chorando o tempo todo, pela

falta da minha mãe ou do pai ou de [marido], eu não fico eu não fico... chorando o

tempo todo por causa deles, eu não fico pensando”.

Seu desenvolvimento foi impactado pela perda precoce da mãe, sofreu

inúmeras dificuldades em meio à adaptação familiar, tendo crescido com um intenso

sofrimento de exclusão e solidão. Essas dificuldades fizeram com que P2 crescesse

insegura e sem confiar em suas capacidades, com dificuldades de demonstrar suas

próprias emoções e de dizer não. A morte do marido por suicídio deixou marcas

traumáticas em sua memória, reveladas ao longo do tratamento com EMDR, com

diversos comportamentos disfuncionais no seu rastro. Com a morte do pai, o

sentimento de solidão aumentou, tendo também aumentado os problemas de sono,

concentração e memória.

Ao preencher as avaliações formais, espontaneamente comenta “quanta

diferença, preencher isso no início, preencher isso agora...” e brinca que em uma

das avaliações, o BDI, não tem respostas que se adéquem a como ela está se

sentindo naquele momento.

Você sente falta aqui... Cadê o totalmente feliz? [...] Não estou totalmentedesanimado para o futuro... Cadê o estou animado pro meu futuro? [...]Essa do prazer... Tem tanto prazer em tudo como antes? Sim. Eu não tinhaprazer pra fazer as coisas [...] Eu tenho um prazer maior que antes. [...]Posso trabalhar tanto quando antes? Que nada, agora só quero mandar...Achei ótimo esse negócio de mandar... Não quero trabalhar tanto quantoantes.

Essa impressão destacada por P2 pode também ser conferida nos registros

dos instrumentos, como pode ser visto nos gráficos disponíveis nos Apêndice J.

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Na avaliação inicial do BDI, não há registro de depressão. Contudo, após a

aplicação do EMDR com foco nas três perdas vivenciadas por P2, observa-se uma

redução importante nesse registro, bem próximo do 0, sendo compatível com todas

as mudanças relatadas em termos de tristeza, autoconfiança e determinação, bem

como a leveza por ela experimentada.

Além disso, esse resultado é compatível com a mudança na avaliação do

HGRC na escala de desespero, nos itens de “não tenho esperança, eu tenho pouco

controle sobre a minha tristeza e choro com frequência”. Esse último item foi o único

dessa escala em que se manteve com a descrição “descreve-me um pouco bem”.

Os outros dois foram para o nível de “não me descreve em nada”, confirmando a

redução dos índices de tristeza avaliados no BDI.

Houve também redução nos índices do DES-II que são compatíveis com as

melhoras referencias na área de memória e de concentração, que costumam ser

afetadas após um trauma.

Reduções essas também observadas nos registros de HGRC na escala de

comportamento de pânico que avalia sintomas físicos relacionados ao luto. Dessa

maneira, pode-se afirmar que a redução dos itens dessa escala indicam a redução

da reação ao trauma. No gráfico, é possível conferir a redução de eu me preocupo

excessivamente, às vezes meu coração bate mais forte do que o normal,

frequentemente tenho dores de cabeça, frequentemente tenho tensão muscular, eu

me sinto abalado, frequentemente me sinto com medo, tenho falta de ar, estou

frequentemente cansada, eu me assusto facilmente. Com exceção da primeira e da

última afirmação que ainda mantém, para P2, o sentimento de descreve-me um

pouco bem, todas as demais alcançaram o nível de não me descreve em nada.

As variações na escala de desorganização também são compatíveis com os

registros observados nos resultados do DES-II, com uma diminuição no escore final,

bem como são descritas por P2, espontaneamente na AF.

Assim, outros itens do HGRC assinalados em relação ao Comportamento de

Pânico, eu esqueço coisas facilmente..., tenho dificuldade de lembrar do passado,

tenho dificuldade em aprender coisas novas, tenho dificuldades com pensamentos

abstratos, que inicialmente variavam de descrevê-la muito bem a descrevê-la pouco

bem, chegaram ao nível de não descrevê-la em nada. Portanto, esses fenômenos

pararam de acontecer. A dificuldade de concentração permanece, mas em um nível

mais baixo.

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É possível conferir essas informações ao observar que P2 mencionou

espontaneamente na AF que a memória melhorou muito: “De esquecer as coisas, de

me perder no meio de alguma coisa, de tá no carro e não saber pra onde tá indo, de

não lembrar de onde tá vindo... Não senti mais nada disso. Desde que a gente

começou, nunca mais senti.”

Também se referiu a melhoras no sono, indo dormir mais cedo, tendo

percebido sonhar em algumas noites, de forma normal, como não acontecia antes.

Observou também estar chegando a viver em “um ritmo de vida de gente normal” e

mudanças nas sensações físicas, que antes nem percebia vivenciar: “Tá muito

melhor. Tá muito melhor, de não ser... de não ter sempre aquela dor no peito, aquela

dor na cabeça, aquela pressão que a gente não sabe de onde é. E eu... E eu não

senti mais.”

Quanto à escala de Desinteresse e Indiferença do HGRC, a maior variação foi

a preocupação de se sentir inútil, que foi do máximo de identificação, para nenhuma

identificação dessa realidade. Os demais itens, estou confuso em relação a quem eu

sou, perdi minha confiança, sinto-me incapaz de enfrentar essa experiência e sinto

como se não me conhecesse, percepções que P2 tinha, mas não com tanta

intensidade, todas essas passaram a não descrevê-la em nada após o tratamento.

Uma interessante observação no item eu evito carinho: P2 registrou na AF que evita

carinho. É provável que essa percepção tenha surgido a partir do trabalho em

relação à memória da morte da mãe, quando ficou claro que P2 passou a não

expressar as emoções, bem como pelas consequências da dinâmica familiar, pela

falta de segurança que o pai lhe transmitia e as dificuldades com a madrasta. Para

maiores considerações, seria interessante ter mais elementos para investigar P2 em

relação ao seu padrão de apego.

Para o tema Culpa e Raiva, também avaliado pelo HGRC, observa-se no

gráfico pertinente ao tema que pouco a representava na avaliação inicial, passando

a não representá-la em nada após a finalização das sessões.

Em relação ao Crescimento Pessoal, o HGRC, várias mudanças foram

observadas, com exceção dos itens eu aprendi a enfrentar melhor a vida e estou

tendo mais dias bons do que ruins, com os quais P2 já apresentava o nível máximo

de concordância.

P2 relaciona essa atual visão de si mesma de forma diferente também como

crescimento pessoal, “acho que todo mundo, assim, fica maduro...”, deduzindo que

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outras pessoas também passem por esse movimento de crescer a partir de uma

perda. Dessa forma, credita o próprio crescimento ao excesso de tarefas e

responsabilidades com o qual se sentiu obrigada a cumprir, uma vez que ele é quem

cuidava de tudo, inclusive dela. “Então eu, eu, eu me... (pausa) eu renasci, né, da

perda dele. Eu pude saber quem eu era. Eu fui trabalhar, eu fui estudar, eu posso

cuidar as minhas filhas.”

Segundo P2, “[...] Eu acredito que isso foi necessário para eu me tornar como

que eu tô hoje. Eu não tô infeliz comigo. Minha casa tá bacana [...]. Então, de um

ano pra cá as coisas parecem que estão, tão... no lugar, né?” Essa fala indica que

várias adaptações já aconteceram no curso de sua vida em relação à perda, o que

também faz com que duvide de sua real necessidade de terapia, chegando a

minimizar seu sofrimento.

Por outro lado, o HGRC indica que nos itens tenho mais compaixão pelos

outros, sou uma pessoa que perdoa facilmente, sou mais tolerante com os outros

apresentaram um decréscimo em relação a como ela se via, ao que pode ser

atribuído pelas mudanças que P2 percebeu em relação a ser mais segura de si, não

precisar mais agradar o outro.

P2, na AF, relata uma mudança na vida pessoal, indireta e espontânea, ou

seja, que não foi alvo do tratamento, referindo-se ao fato de aprender a dizer não, a

partir da incorporação das CPs eu posso lidar com isso e eu sou capaz,

abandonando anos de submissão em seus relacionamentos afetivos e em seu

ambiente de trabalho, aprendendo a “confiar nessa pessoa que eu sou” (sic): “É uma

autoconfiança que eu não tinha, embora eu corresse atrás de tudo, fosse

determinada aquela coisa toda, mesma coisa você ser determinado e estudar pra

fazer uma coisa, outra coisa é aquilo vir de dentro.”

Outra mudança indireta e espontânea que P2 atribui à vida social e que surgiu

após a primeira sessão de EMDR, está relacionada a se relacionar com o mundo de

uma forma diferente, respeitando os próprios limites físico, o que também afetou

positivamente a relação com as filhas. P2 relata uma grande mudança na dinâmica

familiar entre ela e as duas filhas, com mais diálogo e companheirismo.

Ainda na escala de Crescimento Pessoal do HGRC ao final do tratamento,

assinala que a afirmação de que a perda não é importante, não a descreve em nada,

revelando a total consciência adquirida em relação a todas as perdas.

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A aprendizagem que P2 apresentou por meio da psicoterapia com EMDR foi a

de identificar gatilhos no seu dia a dia, tendo incluído alguns dos termos em seu

vocabulário, como gatilho (disparador), que observava por meio de testes que fazia

por iniciativa própria para avaliar sua evolução. E também pode se refletir nas

seguintes falas:

Ah, fiquei emocionada, chorei no carro, a [filha 1] indo fazer prova, mas não foi nada de gatilho...

vamos ver se eu tô sentindo alguma coisa mesmo.

as coisas foram... é clareando mesmo... as sensações eu aprendi muito, euaprendi que o meu corpo dá sinais das coisas, porque eu não percebia. [...]isso eu aprendi no tratamento. E aí aprendi até pro meu dia a dia, de falar“isso aqui tá doendo aqui, isso tá doendo”.

É bem possível que a memória trabalhada em relação à morte da mãe, em

que P2 foi julgada por expressar algo inerente a uma criança de cinco anos,

provocou um bloqueio em relação a expressão de emoções e sentimentos genuínos,

impedindo-a de exercer seu papel maternal com naturalidade, bem como com outros

relacionamentos afetivos, por exemplo, com o próprio marido. Além de se referir a

não ter um exemplo de mãe para seguir. Contudo, ao longo das sessões em que

esse tema foi trabalhado, surgiu uma lembrança de sua mãe que se tornou a

lembrança-chave de sua vida, em um símbolo de cuidado, afeto e muito amor. O que

ela batizou de “Memória1”. A CN sou insensível contaminou as outras áreas da vida

junto com outras tantas, como não sou suficientemente boa, não posso falhar....

P2 afirma que o limite no uso de bebida alcoólica também colaborou para

essa mudança na família, pois tem se percebido mais presente na vida das filhas.

Com a certeza de que “dentro do conhecimento que eu tenho, dos recursos que eu

tenho, tudo o que eu posso, eu sei que eu sou uma boa mãe”, e antes se sentia

devedora, como se nunca o que fizesse fosse bom o suficiente. P2 consegue ter

certeza de que sabe tomar boas decisões.

Em relação à organização das memórias percebe o surgimento de memórias

positivas em relação às três perdas:

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o meu pai ficou uma lembrança no lugar que ele devia estar.

Engraçado, eles se tornaram umas lembranças boas, eu tenho aquelaúltima lembrança da minha mãe, lá no sofá e tudo [referindo-se à “Memória1”].

Fiquei pensando no nosso dia a dia, como elas me amam, como elas tão domeu lado... como a gente sempre faz tudo pra tá junto... é... como às vezesa gente pinta um negócio diferente do jeito que realmente é...

Uma fala de P2 que representa parte de seu movimento de organização de

memórias, bem como um exemplo do que pode ocorrer durante um processamento,

pode ser conferida por meio desse registro:

Nesse último processamento, eu acho que eu fiz uma retrospectiva, assim...desde a primeira sessão e das imagens ruim... e... aliado a... a essesentimento físico, ao coração e as emoções com... não sei... minha cabeçafoi voltando em tudo isso... né... nesse resumo.

Em relação ao suicídio do marido, que inicialmente achava não a perturbar

tanto, nessa conversa final, acabou considerando o quanto o assunto mexia em

todos os aspectos, sem que ela percebesse: “[…] era uma coisa que rodeava minha

cabeça todas as semanas, pelo menos uma vez por semana passava alguma coisa

daquela ali.”

No início da avaliação, P2 parecia já ter elaborado em grande parte a perda

do marido, inclusive com a construção de significado positivo em meio a tragédia

pessoal e familiar que vivenciou, como declarou durante AI: “eu acho que eu já

entendi [ênfase] que eu precisava virar alguém.”

O trabalho com as memórias relacionadas à perda do marido, porém, foram

distintas das outras, e visivelmente mais dolorosas, indicando um conteúdo

traumático. Contudo, P2 relata:

[...] aquilo ali foi um divisor de águas completamente na minha vida, claroque da minha mãe foi um pouco menos, do meu pai foi um pouco menos.Assim, não menosprezando a importância dos outros. Mas aquelesofrimento, aquilo que eu senti aqui, de doer muito e do meu corpo sair, deeu sentir muito sono e de eu ver eu me vendo… Foi muito forte aquilo ali.Foi... Eu falo que foi transformador aquela semana ruim, com aquelespesadelos, aquela coisa toda.

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É bem provável que pela intensidade das reações que essas memórias

provocavam em P2, ela tenha passado todos esses anos minimizando esse

sofrimento; ou, mesmo, que essas tenham sido memórias armazenadas

disfuncionalmente, a ponto de precisar esquecer dela para sobreviver. Segundo ela,

“eu acho que até inconscientemente eu deixei aquilo por último, embora eu achava

que o meu pai era o mais difícil, mas talvez eu deixei por último por causa disso,

sem saber. E aquilo foi muito difícil”.

A mudança foi tão grande em relação a essas lembranças que P2 foi capaz,

inclusive, de mexer em várias recordações junto com as filhas, sem sentir

perturbação:

E eu ainda falei, esse negócio vai mexer comigo... Não chorei, não sentiaperto, não senti uma coisa ruim [...] “meu Deus, o que será que pode meperturbar ainda disso?”[pensava enquanto manuseava fotos antigas], maseu não consegui achar alguma coisa que pudesse me perturbar.

Tendo observado diversas mudanças diretas e indiretas, como cada uma das

mortes afetou a sua vida, relatadas aqui em ordem cronológica.

Em relação a minha mãe, a perda dela foi tudo o que desencadeou depois,aquela... aquela falta de ter mãe pra me ensinar.

O meu pai, além do luto, era uma relação que vinha antes do luto por causada minha mãe [...], a morte dele mais me fazia sofrer pelo que eu não tinhafeito por ele do que a morte em si.

Entendendo o que tinha feito, o que podia fazer com ele, pra ele, né, dentrode todas as limitações que eu tinha na época, eu sei que eu fiz [...]. E eraaquilo que mais me doía quando pensava nele, a culpa.

P2 considera a leveza como a principal mudança relacionada ao conjunto de

perdas, sensação que adquiriu ao longo de sua participação na pesquisa:

a maior mudança que eu percebi nos três... Acho que os três aindaafetavam alguma coisa no meu dia-a-dia. E essa minha... eu me sentiapesada, eu me sentia triste, eu me sentia... é... que as coisas não iam darcerto. Eu me sentia coitada também.

como é que eu tô mais leve, acho que é o maior ganho, essa claridade naminha vida e essa leveza...

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E, para ela: “É... ter mudado de trabalho, associado ao tratamento, eu acho

que foi... assim... um gol pra... pra eu ficar melhor.”

Não resta dúvidas dos benefícios experimentados por P2 ao longo dessa

experiência. Basta ver as mudanças nos registros entre as avaliações inicial e final

dos instrumentos, bem como nas mudanças qualitativas, desde o primeiro

processamento. A diminuição do uso do álcool, o emagrecimento, a redução da

ansiedade, a regularização do sono e da alimentação, a melhora dos problemas de

memória e atenção, as mudanças em sua vida social e familiar refletem suas

conquistas. Aprendendo a dizer não, a tomar suas próprias decisões e conviver em

família, principalmente, sentindo-se realizada como uma boa mãe para suas filhas.

Então eu fui... é... tomando consciência... da minha vida, eu pude florescer.

[...] sou muito grata a Deus mesmo por tudo que aconteceu, que euconsegui virar gente, né[...] demorou um pouco, mas estou saindo do outrolado.

7.3 PARTICIPANTE 3

7.3.1 Relato do Caso

P3, 40 anos, casada, fez faculdade de administração com pós-graduação em

logística e atualmente trabalha como artesã. Enfrenta o luto pela morte de sua única

filha, ocorrida dois anos e seis meses antes da avaliação inicial.

Nascida em outro estado, veio para o Espírito Santo aos 19 anos, para morar

na casa de uma tia de tronco materno, mãe do marido, sendo P3 e marido primos de

primeiro grau.

Com experiência anterior de participar em pesquisa, menciona claramente

sua vontade em ajudar o outro e ser ajudada ao responder ao convite de

participação.

Na avaliação inicial, comenta sobre não saber exatamente o que se passa

com ela no presente momento, indicando estar vivendo uma confusão em relação a

seus sentimentos. Passado, presente e futuro se misturam em seu relato. Mas já no

início observa que não esquece a data da morte da filha, indicando a importância do

evento em sua vida. “Engraçado a gente não esquecer da data, né?”

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Antes de a filha nascer, tinha um sonho. Hoje alega não ter perspectiva. A

filha nasceu com uma síndrome genética rara – apenas duas crianças identificadas

no mundo – mas P3 nunca se lamentou do fato. Acredita que talvez por ter

consciência de que isso pudesse acontecer. Mas sente culpa por não ter conseguido

mantê-la saudável, relatando um processo intenso e cansativo de cuidados, em

especial em seus últimos seis meses de vida. Esse processo de cuidados levou P3a

uma exaustão tal, que a fez sentir um grau de alívio quando a filha morreu,

sentimento esse também alimentador de sua culpa.

“Quando ela nasceu, eu já passei a viver só para ela, sem saber o amanhã,

então você já não tem uma perspectiva do que é daqui a vinte e quatro horas, né?”

Conta que sua filha era ativa e saudável, dentro das limitações. Não usava

aparelhos, apenas a sonda. “A criança sai, anda, andava com a garrafinha direto

pendurada não estava nem aí”

Quando [apelido de filha] nasceu eu nunca lamentei, nunca. Eu abracei acausa, deixei minha vida. Nunca, de coração. E não foi por não querer falar,foi por não sentir necessidade de lamentar ela ser como era, né? Só queuma das coisas que eu lembro que eu falava assim “não tem problema elaser especial, mas não podia ser um problema mais leve que não levaria aóbito, né?”

Os últimos meses de vida foram particularmente difíceis, pois sabia que ela

estava enfraquecendo, e queria fazer algo diferente, mas ao mesmo tempo não

sentia apoio. “Porque criança especial para médico tinha que estar morto! eu ouvi

isso de uma pediatra da domiciliar... ‘que o Brasil só está criando um bando de

neuropata por causas dessas...’”. Essa falta de apoio profissional percebida em uma

situação em que foi necessária uma intervenção cirúrgica em sua filha, bem como

nos momentos finais da internação dela, quando tinha que sair “esperneando,

procurando um, procurando outro, procurando um, procurando outro, até achar

alguém que me desse apoio e tentasse alguma coisa”.

O relato dessa via crucis da última semana de vida da filha que martirizava a

mãe ao lembrar do sofrimento da filha torna difícil até encontrar quais os piores

momentos para estruturação do PTr, pois todos aparecem como piores... “‘Ai, filha,

você está sofrendo tanto agora né. Se você tiver um lugar melhor e quiser ir, pode ir’.

Eu não aguentava mais, só a gente esperneando para tudo quanto é lado, sendo a

mãe chata, porque vigia, briga, busca, quer o melhor.” A falta de atenção que lhe foi

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dada por parte da equipe médica em relação aos procedimentos de

antibioticoterapia prescritos pela médica assistente da criança, bem como seu

anseio como mãe foram marcantes: “‘...quem estudou foi a gente, a gente sabe o

que está fazendo’. E você vendo, conhecendo a sua filha, e sabendo que não era

aquilo”. Sem mencionar a observação do agravamento do quadro de sua filha,

alertando a equipe constantemente quando “na véspera da minha filha morrer eu

falei para a pediatra ‘se vocês não fizerem alguma coisa a minha filha vai morrer’”.

Realidade dura. E como não ser traumática?

Aos cinco anos e meio, em meio a um difícil período de hospitalização, a

criança morreu dentro da UTI de um hospital particular.

Nesse período de hospitalização, P3 teve apenas o apoio do marido, pois sua

mãe, que tinha ficado uma longa temporada para ajudar no cuidado da neta, tinha

voltado para sua cidade dia aproximadamente vinte dias antes da menina morrer.

Em relação à perda, relata que o alívio que sentiu inicialmente trazia também

uma liberdade, pois chegou à conclusão de que foi o melhor para a filha. Considera

que os momentos iniciais do processo do luto foram muito tranquilos. Mas percebe

que, com o passar do tempo, houve uma grande piora em seu estado geral.

Atualmente pensa que preferia que a filha estivesse aqui de qualquer jeito, mesmo

em uma situação pior. “Sempre falei com Deus que se fosse pra deixar ela numa

condição pior do que aquela que ela já tinha que ele podia colher- que eu não

achava justo [...] Só que eu não achava justo, falava que não aceitava ela mais

debilitada”.

Contudo, tem sentido muita falta dela. Em busca de respostas, questiona-se

agora se sua piora está relacionada ao fato de ter deixado de fazer algumas coisas,

como ir no cemitério diariamente. Atualmente só vai visitar a sepultura de sua filha

uma vez a cada mês: “talvez por isso eu sinta essa necessidade de tê-la, de não ter

acontecido o que aconteceu”. Acredita que a falta de atividades a impede de ter

aquela paz que tinha. “Engraçado que o tempo vai passando, ao invés da gente

melhorar, vai piorando... eu pelo menos tenho sentido isso.”

Eu não sei se é culpa porque no início eu falei assim... até por isso eu tiveum luto mais tranquilo, porque o que eu pude eu fiz por ela, o que estava nonosso alcance foi feito, o que eu pude deixar da minha vida pra ela por ela,o que a gente pode buscar de alguma coisa que desse resultado e revertero quadro dela... Nunca tinha carregado culpa, apesar de sempre carregaraquele peso de que não tinha feito o suficiente. Hoje já é o contrário, já é se

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sentir culpada realmente – às vezes até de achar que tudo, às vezesalgumas coisas que eu possa ter feito que levou e culminou a piora.

Pondera que talvez seja “...frustração que eu devia ter tido lá atrás está

batendo agora”.

Com tristeza, compartilha os pensamentos recorrentes que a levam à culpa,

“...a culpa foi minha em que deixei acontecer, a sensação de que o que eu queria,

ah! Você queria que sua filha morresse?”. Culpa essa que se ramifica para a forma

de ter vivenciado seu luto, “...a forma que eu lidei com a morte dela na época que foi

muito tranquila pra mim, só eu sei o que eu passei por dentro, mas não houve

aquele desespero”. O que traz atualmente uma cobrança enorme, tendo sido

invadida pelos “ses”.

[...] nunca tinha carregado culpa, apesar de sempre carregar aquele peso deque não tinha feito o suficiente, hoje já é o contrário, já é se sentir culpadarealmente [...] às vezes algumas coisas que eu possa ter feito que levou eculminou a piora.

Observa pensamentos intrusivos/obsessivos/persistentes em busca de

encontrar um sentido real para viver. Esses pensamentos diários também estão

relacionados à culpa, “...a culpa foi minha em que deixei acontecer, a sensação de

que o que eu queria...”, como se tivesse desejado à morte da filha.

Porém, P3 não consegue identificar quando começou a perceber a falta de

paz, deduzindo que foi a partir de janeiro desse ano, após ter passado uma

temporada na terra natal, de onde não queria ter voltado.

Relata que foi um processo gradativo de mudança, e “só foi acontecendo,

porque no início, você tem assim... No início você tem mais pessoas perto, também

tudo, com o tempo você vai ficando sozinha mesmo, não adianta, a gente vai ficando

sozinha com o luto da gente”, referindo-se à falta de apoio percebido. “...como se

nunca mais pudesse falar no nome da pessoa ou na situação – e para mim é normal

falar dela, das lembranças dela” e percebe que passou a se policiar para não falar

da filha, por sentir que constrange as pessoas ao redor. Esse processo faz com que

se sinta sozinha em seu luto, uma vez que também não conversa sobre a filha com

o marido, por saber que ele também sofre, “...se a gente ficar martelando nessa

história pelo resto da vida como é que vai viver né?”

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[...] eu sei que ele sofre também por tudo que aconteceu, ele era muitoapegado, a gente evita ficar falando sobre até para evitar, né, porque se agente ficar martelando nessa história pelo resto da vida como é que vaiviver, né?

Essa impossibilidade de falar da filha a afeta sobremaneira, pois sente que as

pessoas se sentem constrangidas em ouvir seu relato. “Aí a gente começa a tentar

se policiar, para não falar, para não passar de doido. Aí fica doida de verdade, aí

acaba ficando doida de verdade”.

A continuidade da vida no futuro ainda é uma incógnita, não consegue

encontrar satisfação pessoal e se sente pressionada para ter mais filhos, pelo

marido e pela família. Tem a sensação de que, se tiver outro filho, ele vai morrer de

novo. Aliás, segundo ela, sua sensação é de que a morte está sempre às espreitas.

Esse é um aspecto de destaque em seu comportamento, pois tem medo

também de perder o marido e outras pessoas. Segundo P3, “a morte parece que

está às espreitas”. Essa preocupação parece ter piorado após a descoberta de que

o marido é portador de diabetes, o que fez com que ela intensificasse seus cuidados

com ele.

Percebe que passou a viver as mortes de outras pessoas de uma forma

complexa, impactando-a diretamente e amplificando a experiência do momento a

partir das experiências que vivenciou nos momentos finais de sua filha.

Nossa, para mim é como se eu tivesse enterrando a minha filha de novo. Aíeu falei assim “gente, será que cada um que morrer na minha vida eu vouter que viver isso, como se eu tivesse enterrando a minha filha de novo,esse sofrimento?”

No primeiro encontro, menciona um vínculo afetivo com uma menina que

mora em um abrigo, também portadora de uma síndrome, indicando sentimentos

paradoxais em relação à ela, que incluem a possibilidade de ela morrer sob seus

cuidados. Além disso, percebe uma pressão social para adotá-la, mas relata achar

que não vai saber cuidar, ter “...aquele travamento de que eu não vou saber cuidar,

de que eu vou perder, ainda mais ela sendo especial”.

P3 já trabalhou em empresa, com muita responsabilidade, viagens

constantes, carga horária desgastante mas parou de trabalhar para cuidar da filha.

Voltou a trabalhar na mesma empresa, mas não se adaptou ao ambiente de

estresse e competição, e decidiu se dedicar ao artesanato, itens de festas infantis.

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Quando saiu da terra natal foi por ter o propósito de não se tornar dona de casa com

a casa cheia de filhos, que percebe ser sua presente condição, fazendo com que se

sinta inútil e fracassada. Mesmo tendo sua atividade atual, com a qual sente prazer,

“hoje o que eu sou é dona de casa mesmo, apesar de eu ter meu trabalho ali, mas

nos últimos anos é dona de casa mesmo”, em franca referência aos cuidados com a

filha.

E depois que ela faleceu, que eu achava “agora eu tenho como correr atráse ver alguma coisa”, foi cada dia mais se fechando, se fechando, sefechando, sem muita perspectiva. [...] A última vez que eu me lembro que euainda estava me sentindo inteira foi o ano passado, de lá pra cá eu tenho...

Mesmo continuando perfeccionista, relata uma baixa de energia significativa

nos últimos tempos, que vem mudando aos poucos, pois “já não tenho mais aquela

vontade, aquela garra de fazer nada [...], não é preguiça.”

O marido está desempregado desde o início do ano, e após ter comprado

alguns equipamentos, ambos têm trabalhado juntos cotidianamente. P3 relata ter

uma relação difícil com marido, a quem direciona os ataques de nervoso, que foram

avaliados por um dos instrumentos. Segundo ela, o problema não é o casamento em

si, que está bom. Claramente é o impacto da perda sendo reverberado na relação

conjugal, como relatado por Silva (2009). Mas a fase atual inclui a cobrança por

terem outro filho.

Ao mesmo tempo em que acha que o nervoso vem da sensação de se sentir

inútil e não valorizada, deve estar correlacionada ao fato de sentir que “não fui feita

para ser dona de casa e hoje o que eu sou é dona de casa, apesar de eu ter meu

trabalho ali, mas nos últimos anos é dona de casa mesmo”. P3 relaciona esse

desconforto também ao perceber “aquela sensação de ainda não estar no meu

lugar, mas isso eu tenho pra todo lado que eu vou”.

Para P3, “É mais relacionamento mesmo, depois que a gente perdeu a

[apelido de filha] essas coisas, às vezes perturba, você tenta você ama, mas às

vezes você tem a impressão que quer explodir.”

Após o primeiro encontro da avaliação, P3 chorou três dias por qualquer

coisa, ao mesmo tempo em que sentia alívio por ter conversado, mesmo ainda

mantendo os pensamentos direcionados à filha. Inclusive menciona ter tido um

pesadelo com ela, quando “tentava chegar até ela e não conseguia chegar, não

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deixavam, me impediam de chegar até ela [...] tentando pegar, tentando abraçar e as

pessoas não deixavam”. Esse pesadelo pode ser a porta de entrada para memórias

não armazenadas de forma adequada, pois P3 relata que, após a morte da filha, só

teve outros dois sonhos com ela, ambos positivos.

Menciona ter tido pensamento suicida na época de faculdade, quando não

estava muito bem na relação afetiva com o marido. Desde a morte de sua filha nega

pensamentos suicidas embora mencione mais de uma vez a vontade de se reunir a

ela. Em uma clara oscilação entre os pensamentos, P3 relata que “seria tão mais

fácil se eu morresse, se eu fosse logo para o outro lado, que assim eu matava

saudade, acabava com esse sofrimento desse mundo, aí na hora que você vê a

morte de perto você já não quer mais morrer, esses pensamentos que vão e vêm.”

Ao mesmo tempo em que vem o pensamento oposto: “ah, Deus, não me deixa

morrer jovem, não, eu queria viver pelo menos até os meus sessenta anos, queria

ver o que é ser idosa”.

Essa sensação de que a saída é a morte, P3 relata como estando associada

à sensação de não pertencer, item da AI, atribuindo à falta de sentido. Essa “vontade

de sumir” ainda é frequente, mas não sabe se é em relação ao luto ou se às

dificuldades no casamento, sendo bem possível uma associação de ambos os

fatores.

Ao preencher os instrumentos, observa que está com um importante

problema de memória e concentração, mencionando que chega a esquecer o que

vai falar.

Em relação à imagem corporal não observa nenhuma distorção, embora sua

mãe diga que ela esteja gorda. Acredita que é por sempre ter sido magra e ter

engordado bastante nos últimos anos. Desde o nascimento da filha, relata ter

engordado uns dez quilos e, após sua morte, outros dez.

Afirma que utiliza a fuga como estratégia de enfrentar situações difíceis ou de

estresse, e que a qualidade que a ajuda a lidar com a raiva é a paciência. Como

pessoas de apoio, menciona o marido e uma das irmãs, referindo-se a eles como os

mais próximos. P3 afirma que não tem experiências anteriores com psicoterapia.

Com P3, no primeiro encontro presencial foi realizado o procedimento de

apresentação da pesquisa, concordância e assinatura do TCLE, bem como a

avaliação inicial com aplicação de AI. No segundo encontro de avaliação foram

aplicados o BDI, o DES-II e o HGRC, tendo sido estabelecido também o PTr. No

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total, foram realizadas 10 sessões de EMDR. Após a última sessão de EMDR, como

procedimento estabelecido, foi realizada a avaliação final com P3.

7.3.2 P3 e o EMDR

P3 não apresentou dificuldades na instalação do Lugar Tranquilo.

Durante a construção do PTr de P3 ainda na fase de avaliação inicial foram

estabelecidos os alvos de acordo com o Quadro 7, estabelecendo-se a culpa como

primeiro alvo a ser trabalhado.

Quadro 8 – Plano de Tratamento P3Fonte: Autora

Na sessão 1 para a montagem do ICES, enquadramento da memória a ser

trabalhada, P3 conversa bastante sobre aqueles momentos difíceis vivenciados por

ela junto à filha, tendo delimitado a última semana como ponto crítico. Para ela, o

mais difícil foi “já desejar que acontecesse como forma de descanso pra nós todos”,

segundo ela, “chegar num ponto de achar melhor parar de lutar e correr igual a uma

louca”. Nesse momento refere-se à segunda-feira anterior ao óbito, quando ainda

estavam em casa, com memórias muito vívidas.

O processamento até SUDS zero se deu em poucas séries de MB’s. Relata a

percepção de vários detalhes dessas memórias, mas bem rapidamente começaram

a vir memórias boas daqueles momentos, como “já conseguiu ver coisa boa até!

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Carinha... abracei mais... deitei do lado”. Contudo, sua sensação de inúmeras falhas

permaneceram intensas, pensando que poderia ter feito muitas coisas diferentes,

duvidando de suas escolhas, em especial aos tratamentos que impôs à filha. Mas

conseguiu ficar tranquila com esse alvo, alcançando o que se chama de sessão

completa, passando pelas fases 3 a 7 do processamento.

Na sessão 2, menciona ter se sentido um pouco mais calma, sem outras

mudanças, mas sem perceber memórias espontâneas em relação à filha.“...vinha

exatamente a cena lá das paradas cardíacas, do velório, da hora do enterro. Vinha

tudo na cabeça né. E essa semana eu não tive esses insights não, ficou bem focado

mesmo no dia a dia.”

Ainda com SUDS residual, o processamento é retomado, surgindo raiva e os

momentos finais no quarto da UTI, entre as reanimações e as visitas. No intervalo

até a sessão 3, observa que ficou mais nervosa, com choro fácil e mais ansiosa,

percebendo que o trabalho do EMDR está mexendo com o conteúdo interno.

Percebe-se mais raivosa, “brava com tudo e com todos”. Relata que teve a filha de

uma amiga internada ao longo dessa semana em uma UTI também, e tocar nesse

assunto deixou-a perturbada. Lembra que, no dia em que saiu da última sessão,

passou em frente à maternidade onde a filha nasceu e lembrou de várias situações

de memória relacionadas a atividades com a filha. Ou seja, observou vários

disparadores.

Menciona também a raiva que sente do hospital onde a filha sempre era

internada e onde morreu, trazendo a memória relacionada à mudança de protocolo

de antibióticos. Atribui o sentido de falta de cuidado e de desrespeito pelo

conhecimento que tinha de sua filha, percebendo descaso por parte da equipe

médica. “E minha única resposta foi: a senhora pode ter estudado, mas quem

conhece minha filha sou eu”, o que gerou uma confusão entre os integrantes da

equipe. Resumindo os muitos detalhes, foi chamada para uma conversa no dia

seguinte, na qual chamaram sua atenção por estar questionando os procedimentos,

para depois a médica dizer “a sua filha está lá dentro, pois teve três paradas

cardíacas e eu não sei realmente o que está acontecendo, mas pela minha

experiência que eu tenho, ela não vai resistir”.

Provavelmente essas memórias apareceram na cadeia associativa da

memória inicial, gerando alto desconforto, motivo pelo qual o processamento foi

retomado. Ao final, relata uma ardência no peito, informando que irá no cardiologista.

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Seguindo com os MB’s... “Passou. Interessante.” E relata que essa ardência

aumentou quando estava chegando no consultório.

Menciona também o aparecimento de lembranças boas relacionadas à filha,

inclusive da fluidez da comunicação entre elas, demonstrando um vínculo forte e

muitos cuidados com ela.

Só aumenta a saudade né? Gostoso de novo. De como ela se faziaentender... pensa a bichinha conseguia se comunicar só com gestinhos.Conhecia já. Sabia até quando ela estava de caquinha. O jeitinho que ela semexia era diferente. Isso é legal né? Sorrisinho de agradecimento, sempreque fazia alguma coisa que ela... tipo, tá com calor... e você entendia econseguia refrescar, aquele sorriso de “ahhh que coisa boa que você meentendeu”.

Na sessão 4, menciona ter tido pensamentos, mas nenhum que a

perturbasse, e que “vi muitas falhas, mas elas não me acusaram”.

Eu fiquei mais anestesiada, essa semana, me senti mais ou menos igual nafase que ela faleceu, fiquei assim um tempão, sem saber o que sentia, nãosentia nem angústia, nem desespero. Era aquela sensação fria, parada,anestesiada.

Segundo ela, essa fase de anestesia durou aproximadamente 40 dias após a

perda da filha, ocasião em que não sabia o que sentia. Mas a semelhança é pela

ausência de desespero, também vivida naquele período. Refere não ter sentido

perturbação ao longo da semana. “Estou com essa sensação de que estou mais

tranquila, que nada abala, nem as lembranças, do que foi, de como foi, do que

falaram, não abala mais.” Mesmo os pensamentos de que poderia ter feito algumas

coisas diferentes não causam desconforto. Também não sentiu dor de cabeça.

As memórias relacionadas ao hospital não estão perturbando tanto, por ter

corrido muito atrás, mesmo as coisas não acontecendo, e relata que conseguiu

voltar a ver borboletas, que para P3 tem um sentido de conexão com a filha.

Em novo rastreamento, a memória a ser trabalhada foi escolhida como o

último momento em que percebeu a filha viva, sorrindo. Só de enquadrar a memória

por meio do ICES a cabeça de P3 voltou a doer. No processamento, memórias com

a criança do abrigo, com velório e enterro, e também as “coisinhas do dia a dia, das

bobeirinhas, das carinhas e bocas”. Destaque especial para a lembrança da única

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vez que a filha emitiu um som, em um passeio de família. Assim, P3 encerra essa

sessão com uma CP fui uma boa mãe totalmente verdadeira.

Já sem os flashbacks recorrentes e sem angústia, com dor de cabeça bem

reduzida, conta que não sente mais a ardência no peito. “Então, tenho ficado bem.

Não tenho mais aquelas... doideiras na cabeça não. Eu lembro dela e tudo, lembro

de alguns episódios, mas nada que me deixe perturbada.”

Inclusive foi capaz de estar com uma das profissionais que cuidou da filha,

que precisou colocar uma sonda, e achou que iria entrar em desespero ao vê-la. Ao

contrário, “estive com ela, vi o ferimento, ajudei no curativo, porque eu fui junto pra

ajudar”.

Relata sonhos tumultuados, sem pé nem cabeça, mas sem qualquer

perturbação. E, nessa semana em especial, houve uma noite que dormiu doze horas

seguidas, algo incomum.

A ideia era trabalhar com o alvo o dia anterior quando, segundo P3, a filha

teve a “melhora da morte”, no mesmo dia em que houve o problema com a médica,

quando eles mudaram o protocolo e a forma de lidarem com a situação, “passando a

culpa pra mim”. Contudo, a memória escolhida para trabalhar foi diretamente com a

filha na UTI, ajudando em alguns procedimentos com ela, e durante o

processamento.

Só a canseira que eu fiquei. E eu querendo ficar acordada pra poder fazeralguma coisa diferente. Mesmo assim eu dormi. E quando eu acordei ela játava já... já tava já mal e me pediram pra sair, porque aí tinham que entubarela.

Outras lembranças surgiram em turbilhão, destravando o pensamento de que

foi o melhor, uma vez que ela ficaria cheia de aparelhos e raiva de ter que se

consolar, “que foi o melhor, porque a vida inteira eles são taxados como especiais. A

condição é essa, não tem o que fazer.” Segundo ela, toda a luta de cinco anos com

ela, por ela ser especial, e agora deve ficar “esperando a hora de [ela] morrer”.

Aparece também uma outra fala da médica, de que não era isso que ela

queria, mas a cabeça tem dificuldade de aceitar. Nesse momento observa um alívio

na dor de cabeça até finalizar como sessão completa.

Na sessão 6 menciona o retorno do medo de tudo, a dor no peito bem

pequena por um dia e mais pensamentos, que atribui à ociosidade no trabalho.

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Relata ter recebido um comunicado do cemitério para retirar as coisas da sepultura

(cata-vento, borboleta, muitas flores) e conseguiu contornar, sem ter ficado

perturbada.

O trabalho realizado com a lembrança da fala da médica representava a

forma como a filha foi tratada no hospital, em especial por terem tentado jogar a

culpa em P3. Novamente as cenas “ficaram martelando”. E, observando essas

lembranças, veio o pensamento do porquê não ficou em casa. Assim, teria evitado

todo o sofrimento da filha naqueles últimos momentos, com seis paradas cardíacas

e seis reanimações. Ao final, as palavras fiz o melhor que eu pude se fortaleceram.

Após uma semana “sem muito drama”, mais uma sessão foi necessária para

finalizar o trabalho com essa memória, processando a raiva, dando oportunidade de

trabalhar mais um alvo que pode ser trabalhado, a filha entubada. Com a maior

perturbação de todos as memórias, esse processamento surge como uma

negociação por estar muito difícil ver a filha sofrer daquela maneira. “Só consegue

vim na cabeça, não é um desejo do que aconteceu, mas uma sensação de que eu

não queria que fosse pior do que está.”

Sempre acreditei que ela fosse superar todos os “probleminhas de saúde”,

mas estava visivelmente insuportável ver sua filha sofrer.

Eu sempre acredito que fui uma boa mãe, apesar de algumas coisascutucarem para não. Tem hora que me vem assim... Não fui uma vez só.Que foi meio uma negociação de espíritos que aconteceu. Porque eu nãofalei nada, eu elevei o pensamento com aquele sentimento, até quando? Jádeu! Não pode piorar mais que isso. […]Aí, as vezes eu tenho essasensação que foi uma despedida, assim...É, pra você tá difícil, realmente,então, deixa ir.

Nesse momento, P3 percebe a emoção daquela segunda-feira, “a última vez

que ela acordou em casa... aí, vai lembrando dos detalhes [...] A bichinha sorria o

tempo inteiro, mesmo internada. Só sorriso. Só saudade mesmo que fica.”

A semana subsequente foi tranquila, mas teve um episódio de dor disparada

pela ligação de uma amiga, contando os problemas da filha que também é especial,

fazendo com que se lembrasse do que viveu e associando ao trabalho que tem sido

feito com o EMDR.

Mais uma cena da filha na UTI é trabalhada, e P3 percebe uma mudança no

padrão do processamento por não conseguir focar nas memórias perturbadoras. “Só

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consigo pensar em alma, algo mais espiritual. [...] Só consigo pensar na alma. Não

consigo pensar no corpo. É por isso que eu acho que... que eu não foquei tanto lá.

Só me vem na cabeça a alma e o espírito, só. Não o físico”. Em seguida vem um

pensamento de que “já tinha acabado”. Focando em eu posso seguir, P3 se

tranquiliza.

No próximo encontro, sessão 9, P3 relata ter passado uma semana tranquila,

estar se sentindo muito bem, tendo conseguido mexer em fotos antigas de todas as

fases da filha, sem questionamentos, sem perturbação, sem flashbacks. Apenas

com a saudade.

O alvo para essa sessão foi relacionado aos rituais funerários. Mencionando

um cuidado com o qual não estava acostumada, ainda no hospital, pediram “Vou

pedir licença pra senhora, que esse momento é muito difícil pra família”. Em uma

das cadeias que surgiram, veio a sensação de que “eu ia ter ela sempre pertinho de

mim, independente de ela tá aqui viva, em carne ou espírito, ela ia tá sempre

pertinho”.

Ao longo da semana, percebe-se mais irritada, com vontade novamente de

sumir, e, na conversa, revela que foi contatada pela psicóloga do abrigo, que

ofereceu a adoção da criança de lá, sobre quem sempre comenta. E “abri a boca e

chorava no meio da sala de psicologia da doutora”.

Uai, gente, como que eles vão... mesmo que eu quisesse adoção, como queeles vão me liberar uma criança, eu com o psicológico todo abalado assimpor causa dos cuidados e tudo mais com a [apelido da filha]. E isso aindamexe comigo, assim de eu pensar no futuro né, responsabilidade de cuidarde uma vida, independente se essa vida está saudável ou não.

Nessa última sessão, relata que, em relação à filha, não é “nada que me

maltrata tanto igual maltratava, mas quando eu penso nela eu sinto, claro, eu sinto

saudade, normalmente, se fala muito, eu acabo chorando, não tem jeito”. Então, o

alvo foi o disparador de outras crianças, e a cena escolhida para o trabalho foi a da

sogra (que também é sua tia) acamada há muito tempo. Essa memória foi finalizada

com a CP sou realista, confiante em sua decisão de não adotar a criança, por

motivos racionais, inclusive relacionados a dinheiro.

Ao final de 10 sessões, pode-se juntar os desdobramentos das memórias-

chave registradas no Quadro 9.

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Quadro 9 – Plano de Tratamento Desdobramentos P3 Fonte: Autora

7.3.3 Avaliação final

Embora P3 tenha mencionado alguns itens durante o período de avaliação

inicial que acabaram sendo incorporados ao respectivo PTr, reavaliando todo o

processo psicoterápico e as memórias processadas, fica óbvio que as memórias

pertubadoras estavam todas relacionadas ao período circundante à morte de sua

filha. Os alvos que foram identificados na queixa inicial podem ser agora

identificados como sentimentos e emoções advindos desse período crítico

vivenciado. Em especial, à semana que antecedeu a morte. Isso traz a reflexão

sobre importância dos cuidados ofertados pelas equipes de saúde nas situações

críticas, assunto que será retomado mais adiante.

Um desses alvos é a síndrome da coitadinha, compreendida posteriormente

como a sensação de nada mais fazia sentido.

No momento da avaliação final, P3 percebe que foi relatando as mudanças

gradativamente a cada sessão, informando que começou a sentir diferença já nas

primeiras sessões, em relação ao agir e ao reagir em algumas situações,

conseguindo lidar com elas de forma não mais traumatizante. Além disso, ao

preencher os documentos de avaliação, comenta como está totalmente diferente,

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tecendo o seguinte comentário: “Nossa! Eu estou bem demais, estou me

surpreendendo”. Durante esse momento também foi registrado o emagrecimento ao

longo do processo psicoterápico, com menos seis quilos em relação a seu peso

original.

Os resultados comparativos de BDI e DES-II são extremamente significativos

para P3 e compatíveis com as mudanças apresentadas ao fim do tratamento,

indicando um alívio geral dos sintomas. Mesmo que ela não apresentasse um

quadro depressivo no início da investigação, a redução nos escores do BDI indicam

a redução da tristeza. Todos os resultados de P3 estão compilados em gráficos

apresentados no Apêndice N para melhor visualização.

A redução observada no DES-II, por sua vez, é compatível com as mudanças

relatadas em relação a memória e atenção. Em um dos itens do questionário, relata

“esse quatorze aqui, de viver intensamente como se estivesse lá, não tem

acontecido mais”.

Ao comparar os registros do HGRC nas avaliações inicial e final,

impressionam as alterações que indicam mudanças em todas as áreas da vida de

P3 quanto ao luto, sejam na experiência, nos comportamentos, ou no alívio dos

sintomas.

Comentado cada subescala do HGRC, no quesito desespero, os itens

assinalados no início, a saber “não tenho esperanças”, “eu tenho pouco controle

sobre a minha tristeza”, “parece que estou em choque”, “eu acredito que eu devia ter

morrido e ela vivido”, “acredito que nunca mais vou ser feliz de novo”, “eu sofro

muito pensando em sua morte”, “choro com frequência”, que a descreviam

razoavelmente, passaram a não descrevê-la em nada. A afirmação “parece que

estou em choque” é compatível com a hipótese levantada de que, após um período

decorrente de seu luto, as manifestações iniciais do choque foram por ela

percebidas, com todas as reações das memórias que não foram adaptadas. As

afirmações “eu sinto um peso no meu coração”, que indica também um sintoma

físico, e “sinto-me sem esperança”, por ela indicadas como as que melhor a

descreviam, foram completamente modificadas, e seu registro após o tratamento é

de que não a descreviam em nada. A conclusão é de que não existem mais registros

do desespero em P3.

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Na subescala de desinteresse/indiferença, “eu me preocupo quando me sinto

inútil”, “sinto como se não me conhecesse”, afirmações de maior representação

antes do uso do EMDR, representam bem como P3 se sentia em relação à falta de

atividades após a morte de sua filha, sem saber que rumo tomar na vida profissional

e na pessoal, com inúmeras dúvidas que a assolavam, como foi visto inicialmente.

Também ficou claro, durante a apresentação, que ela não havia se adaptado aos

novos papéis deflagrados com a ausência da filha e a necessidade de se adequar a

ela. Essa dificuldade também está associada à afirmação “estou confuso(a) sobre

quem sou eu”, que inicialmente sentia que a descrevia bem. As afirmações “perdi

minha confiança”, “sinto-me incapaz de enfrentar esta experiência” e “tenho medo de

perder o controle” pareciam estar relacionadas à intensidade das reações, inclusive

físicas, que sentia. A culpa incessante também inicialmente a descrevia bem. Por

fim, nesta subescala, “sinto-me desapegado dos outros”, afirmação que poderia

estar atrelada até mesmo ao medo de perder alguém novamente por algo que

fizesse de errado. Todas as afirmações dessa escala foram assinaladas como não a

descrevendo em nada ao final do tratamento, registro de suas mudanças.

Em relação ao comportamento de pânico, compatível com os sintomas físicos

que podem advir de uma situação traumática, apresentava, na avaliação inicial, de

forma integral as seguintes afirmações: “às vezes meu coração bate mais forte do

que o normal”, “frequentemente tenho tensão muscular”, “eu tenho ataques de

pânico por nada”, “estou frequentemente cansada”. Como a descrevendo bem,

assinalou as afirmações “frequentemente tenho dores de cabeça” e “frequentemente

me sinto com medo”. Além disso, “eu me sinto abalado” e “tenho falta de ar” a

descreviam bem. P3 ainda apresentava preocupação excessiva, queimação no

estômago, tontura e dores nas costas. À avaliação final, P3 assinalou estar

completamente livre de todos esses sintomas.

A respeito dessas reações, P3 faz um interessante depoimento:

Porque antes dava realmente uma resposta no corpo que era incrível, subia,descia, dava peso na cabeça, parecia que tinha uma tonelada e nosfinalmente mesmo, nos últimos três, quatro sessões, eu já nem sentia maisdor de cabeça, peso na cabeça, nada. [...] E assim, no dia a dia, tambémaquela dor no peito constante eu já não sinto mais, porque era constante,ela era vinte e quatro horas, de manhã de tarde de noite aquela ardência,aquela dor no peito.

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Além disso, as mudanças em relação à dor de cabeça foram significativas

para ela. “Aquela questão da cabeça pesando, pesando, a sensação que eu tinha

era que a minha cabeça estava uma melancia de enorme, de pesada. E, aos poucos

[...], você ia sentindo aquele alívio na cabeça.”

Na subescala de desorganização, também houve mudança em todos os itens

observados por ela antes do tratamento: dificuldade de concentração e dificuldade

com pensamentos abstratos nos níveis mais altos do HGRC, dificuldade de lembrar

de novas informações, com grande representação, seguida de dificuldades de

lembrar de coisas do passado, com menor intensidade. Todos esses itens estavam

ausentes da avaliação final.

Em relação à culpa e à raiva, inicialmente, mágoa e vingança a descreviam

muito bem, seguidas de amargura, sentimentos hostis e, com pouca intensidade,

manifestava raiva. Apenas a raiva se manteve no mesmo nível de descrevê-la pouco

bem. Os demais não foram registrados.

Por fim, a subescala de crescimento pessoal também apresentou alterações

visíveis, variando de uma vida sem perspectiva e sem esperança no futuro, com

nenhuma tolerância consigo mesma, alcançando níveis máximos na avaliação final.

Algumas afirmações que já a descreviam razoavelmente bem, como “eu aprendi a

enfrentar melhor a vida”, “eu me sinto como se fosse uma pessoa melhor”, “tenho

mais compaixão pelos outros”, “estou mais forte devido ao luto que passei”, “sou

mais tolerante com os outros”, “estou tendo mais dias bons do que ruins”, “eu me

preocupo mais com os outros” alcançaram também os níveis máximos da subescala

de crescimento pessoal. Apenas o item relacionado ao perdão se manteve sem

alteração, continuando no patamar de descrevê-la razoavelmente bem. E o item da

falta de importância da perda em sua vida passou a não descrevê-la em nada, o que

permite a interpretação de que ela acomodou a perda de uma forma mais adequada,

provavelmente a partir da clareza que surgiu, ao longo do tratamento, sobre o

aspecto traumático da perda.

Uma das mudanças observadas por P3 está relacionada a não se incomodar

mais com postagens nas redes sociais relacionadas à filha ou a outras lembranças.

E me incomodava, doía, me fazia chorar, e essa semana mesmo foramduas repostagens que alguém fez, e, para mim, foi algo até bacana, foi umalembrança bonita, foi um momento de lembrar coisas boas que aconteceu enão de se amargurar pelo que aconteceu, né?

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Só de ver uma imagem dela, já me transtornava, já me deixava mal, já mefazia chorar, já mudava todo o meu dia, já me estressava porque quandovocê está com a cabeça cheia e tudo ao lado parece que te explode. E issotambém melhorou bastante.

Relata também que os pensamentos considerados improdutivos de relacionados a

não ter perspectiva de futuro começaram a se modificar.

E hoje a gente já consegue ter uma perspectiva, uma visão de futuro,desejos de coisas futuras que eu já não tinha mais, né? Pensar em algodiferente para mim, querer voltar a ser tudo o que um dia eu realmente fui enão simplesmente um reflexo daquele trauma que eu passei né. Que era oque estava sendo quando eu me inscrevi e pedi socorro, estava sendoassim, minha vida toda girava em volta de ai porque eu tive que passar portudo isso, ai que perdeu o sentido de tudo, ai que frustração por isso.

Não vou falar que eu vou saltar de alegria por causa do que aconteceu,porque eu acho que isso nunca vai acontecer, mas que eu lido de maneiraextraordinariamente diferente [...] até os sintomas que eu sentia aquidurante o processo foi deixando de existir.

Parece também haver uma aprendizagem em relação ao processamento de

memórias, quando P3 menciona o que acontecia com os disparadores.

[...] sintomas que eram totalmente, você via que era por causa de algo quevocê ouviu ou por causa de algo que você viu e o seu corpo respondiaautomaticamente. E... e eu não tenho mais esses sintomas.

A percepção que o participante teve da correlação entre as memórias não

adaptativas, os sintomas e as reações apresentadas, podem ser conferidas em “...eu

estava vivendo muito presa as coisas ruins que aconteceu e isso estava frustrando”.

Isso inclui as dificuldades de se adaptar à sua vida sem a filha, pois não mais

precisando cuidar dela diuturnamente, sentia que sua vida havia perdido a função.

Em relação aos benefícios percebidos, P3 se manifesta: “hoje eu me sinto

mais capaz, mais fortalecida para isso, com certeza. Foi uma ajuda e tanto, valeu a

pena pedir socorro”.

P3 hoje se percebe capaz de conviver com a morte da filha, sem ter vontade

de desistir do mundo. Segundo ela, “desistir não é só tirar a própria vida, desistir é

se acomodar, e era o que estava acontecendo comigo”. Comisso, a vontade de se

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desenvolver reapareceu, acompanhada de pensamentos bons, de futuro, de querer,

“de vida mesmo”.

Outra mudança significativa para ela é a decisão pessoal de não querer ter

mais filhos ou assumir aquela menina do abrigo, a quem pretende apadrinhar. Essa

decisão está pautada em uma avaliação racional a respeito de sua vida atual e a

opção de não querer novamente abrir mão de si mesma para cuidar do outro. Com

tranquilidade afirma que fez tudo pela filha, até além do que acha possível para um

ser humano, e que não tem mais porque se culpar. Que é lícito também se

preocupar com o sofrimento da filha.

Não é só o fato de você privar da sua vida profissional, física, não é só essefato. É o fato do ser humano que está ali do outro lado também, né? Então,assim, tudo isso foi se encaixando na minha cabeça e vendo que é algo queé um sentimento meu e não tem porque eu me culpar por causa disso.

Ao falar sobre essa criança, com quem tem um bom vínculo, pergunta a opinião da

pesquisadora sobre se para ela, menina, é bom manter visitação. Devolvendo a

questão, esclarece-se de que P3 aprendeu a cuidar de si mesma e respeitar seus

limites. Com isso, P3 afirma “é ser egoísta também pensar em mim” e traz um trecho

de Padre Fábio de Melo:

A gente pode pensar na gente em primeiro lugar, até para receber o amorde Deus a gente tem que antes se amar, né? Antes querer se cuidar e nãopensar só no que está ao lado, no que os outros vão pensar.

Nesse momento, P3 percebe algumas mudanças em sua relação com o

marido, com quem tem divergência de gostos e ritmos, pois passou a sair e fazer

coisas de que gosta, em uma maior adaptação social, alegando “eu estou sabendo

lidar com isso”. Mesmo ainda com estresse no relacionamento, atribuído aos vinte e

quatro anos de convivência e a todas as dificuldades enfrentadas, “enquanto o amor

for maior do que essa intolerância a todos os anseios que eu tenho pra uma vida, a

gente está ali firme”. Afirmação feita com clareza e sem dúvidas.

E, com bom humor, considera outra mudança afetiva em relação ao marido...

Eu tenho uma responsabilidade eterna com essa pessoa. A gente teve umafilha, uma filha que está enterrada. E isso pesa também... pesava, né? Hojeeu sei que não é isso. Hoje eu sei que, apesar de todos os problemas,realmente é você amar e querer estar junto, né, apesar de todas as

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dificuldades. Eu acho que eu estou normal, doutora, mas o laudo é dasenhora!

Menciona a vivacidade das memórias e as mudanças experimentadas com o

processamento.

“...tinha momentos que parecia que eu estava ao vivo lá acho que até aminha cara mostrava né, queria assistir o vídeo de novo para poder ver,porque tinha momentos que você tinha a sensação de que você estava lá,que isso aqui tinha virado um centro de UTI.”

“Não vou falar que eu vou saltar de alegria por causa do que aconteceu,porque eu acho que isso nunca vai acontecer, mas que eu lido de maneira

extraordinariamente diferente.”

Atualmente P3 refere-se a uma saudade consciente de que os traumas

passaram, uma saudade minimizada, considerando a perspectiva do PTr em relação

ao futuro, que era justamente que essas memórias difíceis ficassem no passado.

Segundo ela, “ver o futuro baseado no que eu já não quero é um bom pensamento”.

Não há dúvidas, portanto, das mudanças proporcionadas pelo EMDR para o

processo de luto de P3, com visíveis mudanças na experiência subjetiva, nos

comportamentos e na redução dos sintomas. Mantendo com sua filha, a maior

mudança de todas, a possibilidade de sentir uma saudade genuína: “Me fez lembrar,

me fez lembrar com carinho, me fez lembrar dos detalhes dela, me fez nossa como

ela era bonita, gente, me fez ter saudade. Com certeza, isso eu vou ter o resto da

vida.”

O EMDR, para P3, possibilitou surgir, em meio ao horror das memórias da

última semana de vida da filha, a frase que coroa sua memória: “você foi e sempre

será o anjo de nossas vidas”.

7.4 PARTICIPANTE 4

7.4.1 Relato do Caso

P4, com 34 anos, casada, agnóstica, exercendo a atividade de representante

comercial da qual está gozando de licença maternidade, após o nascimento do

segundo filho dois meses antes de se oferecer para participar da pesquisa, enfrenta

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o luto pela perda de seu primogênito em função de negligência. Ela estava na 41ª

semana quando o bebê parou de mexer e foi obrigada a se submeter a um parto

cesáreo, que se tornou um de seus piores pesadelos. A perda ocorreu exatos dois

anos antes do início de sua participação na pesquisa.

Ao chegar para o primeiro encontro, traz o bebê praticamente recém-nascido

e surpreende a pesquisadora. O bebê nasceu na semana em que iria participar de

sua segunda reunião no API/Vitória, onde foi em busca de auxílio para enfrentar o

luto por seu primeiro filho.

Seu pedido de ajuda nesse processo é para aprender a conviver com o luto.

“Eu não tenho como deixá-lo, né? O luto eu acho que é para vida toda”. Nesse

sentido, tem afirmações muito fortes, como “A morte é o fim!.... A morte é o fim da

vida dele como se fosse o fim da minha vida. Então ela não é uma vírgula. É um

ponto final!”

Após o nascimento do segundo filho, abriu uma ambivalência, por antes ter

todo o tempo do mundo para vivenciar esse luto.

Agora o tempo tá, tá, tá sendo preenchido, né?... tem as necessidades dele,né? Eu não consigo pensar 24 horas como eu pensava antes. De... quasenem dormir pensando, né? Então agora [...] a vida e a morte tão convivendoali, né?

Contudo, relata que o luto diminuiu após o nascimento. Segundo ela, não teve

gestação e “conheci [filho 2] no dia que ele nasceu [...] não me sentia grávida, minha

barriga só tava grande. Minha gravidez foi fisiológica, não foi psicológica”.

Atualmente sente falta da rede de apoio que existia nos primeiros momentos

do luto, em especial porque após nascimento do [filho 2] as pessoas começaram a

cobrar atitudes, o que a fez afastar-se de todo mundo. O único que respeitava seu

ritmo era o marido.

Fez uns dez meses de psicoterapia convencional (da fala), que foi

abandonando até parar de vez.

Quando eu fui para a terapia, eu achava que havia um caminho, e que eunão sabia qual caminho que era. Que havia uma saída. Eu fui com esse,com essa... com esse intuito. E aí, eu acho que a gente trabalhou... tudoque podia ter trabalhado, e quando foi chegando próximo a um ano eucheguei à conclusão de que não, não tinha mais nada para fazer. Não... Era

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aquilo o luto e não tem caminho! (ênfase) Era o ponto final mesmo. Entãodaí eu desisti.

Nesse momento, queria ser melhor para o filho recém-chegado, mais inteira,

porém duvida se irá conseguir.

Relata ter muitos pensamentos recorrentes relacionados ao que aconteceu,

que acontecem diariamente como que em flashbacks e repetecos na cabeça.

Apresenta pesadelos frequentes e dificuldades com o sono. Relata ter tido

pensamentos suicidas, apresenta nervoso/ataques de fúria, dificuldades para sair de

casa e se vê diferente no espelho.

A perda do primogênito deixou-a em uma situação de impotência, e chegou a

abandonar o trabalho. Logo no início do luto, os pensamentos suicidas se

manifestaram. Fez tratamento psiquiátrico para depressão com uso de medicação,

tendo passado por vários médicos.

Embora a chegada do segundo filho tenha tornado a vida mais fácil, as datas

comemorativas a deixam muito para baixo. “Uma angústia! Uma angústia! Uma

angustia! Uma raiva! Vontade de... sabe? Vontade de... Chorar, de gritar, de

desabafar, e tendo de conter tudo isso [...] uma clausura dentro do próprio corpo”.

Informa que, após o luto, passou a fugir de todas as situações difíceis ou de

estresse. Relata não saber como lidar com a raiva, contudo imagina que pode ser

com a explosividade. Conta apenas com o marido como apoio nas horas difíceis.

O procedimento de apresentação da pesquisa, concordância e assinatura do

TCLE, bem como a avaliação inicial com todos os instrumentos previstos no método,

foram realizados em dois encontros presenciais, seguidos de 9 sessões de EMDR.

O PTr, construído durante a AI, pode ser identificado logo abaixo no Gráfico. Foram

realizadas 9 sessões de EMDR, seguidas de uma avaliação final. Toda a sequência

das sessões de EMDR podem ser acompanhadas no apêndice XXX

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7.4.2 P4 e o EMDR

Quadro 10 – Plano de Tratamento P4Fonte: Autora

A instalação do Lugar Tranquilo foi difícil, tendo sido necessário acrescentar

alguns outros recursos de regulação emocional, incluindo o Abraço de Borboleta.

O primeiro alvo a ser trabalho foi justamente a reprise, ou flahsbacks

constantes, em uma sessão de processamento intenso, surge o LT, alternado com

parte do cemitério, o dia em que tiraram fotos da barriga na praia e diálogo sobre o

que era culpa da médica e o que era culpa dela mesma. Alternando intensidades de

dores de cabeça, finaliza a sessão de forma estável.

A sessão seguinte traz o relato de angústia, tristeza e choro constantes, e o

LT apresenta agora um mar revolto. Até o [filho 2] está agitado. Com SUDS residual

de 8, segue o processamento, de onde chega o dia “em que ele partiu”, “o vazio que

foi”, a busca de sentido, solidão, falta de interesse nas coisas. Acha que não vai dar

conta do segundo filho e, ao falar isso, observa o tremor nas pernas. Várias

memórias chegam, bem como a descrença, “acho que nunca vou melhorar”.

Na sessão 3, observa piora, sentindo-se em ebulição e chorando muito, e

percebe em pequenas coisas que está desestabilizada. Durante a sequência desse

processamento surgem sintomas físicos junto à sensação de impotência com a

afirmação de que “queria ficar louca”. Ao final da sessão, relata redução dos

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sintomas físicos e a percepção de estar bem. Por segurança e precaução, solicitei

que ela procurasse o psiquiatra que estava na retaguarda caso algo assim surgisse.

Contudo, na sessão seguinte, apresenta grande piora após “um pouquinho

melhor, mas foi só um pouco e só!” Foi ao psiquiatra, que prescreveu medicação

para depressão, diagnóstico dado por ele. P4 iniciou o tratamento imediatamente.

Segundo ela, ao longo da semana, a falta de controle ficou mais intensa. Em uma

sessão de reenquadramento para definir novos rumos de intervenção, são

observadas outras crises concomitantes. P4 deve voltar a trabalhar nos próximos

dois meses e ainda não se sente preparada, mas o marido está desempregado há

algum tempo e então ela não terá outra opção.

Outro fator “gatilho” é a presença da mãe com câncer. Segundo P4, não

consegue acompanhar a mãe nos tratamentos, o que faz com que se sinta

sobrecarregada ao mesmo tempo que desamparada. A última crise da mãe

corresponde ao período em que P4 apresentou a piora de todo o quadro.

Em relação à infância, tem muitas lembranças positivas, mas também muitas

situações críticas vivenciadas com seus pais. O pai tinha quadro depressivo e com

frequência dizia que a culpa de algo que desse errado era de P4. Sempre muito

nervoso, o pai xingava muito. Com 17 anos, P4 teve uma crise depressiva quando

saiu de casa para estudar, ocasião em que fez apenas tratamento medicamentoso.

Todas essas memórias estavam associadas ao sentimento de desamparo, muito

semelhante ao que tem vivenciado na medida em que sua mãe não pode ampará-la

por estar enfrentando ela própria uma situação bem difícil. Mesmo com as

dificuldades do pai, relata que era muito próxima dele, e que suas piores dificuldades

com ambos começaram no período de sua adolescência.

Toda a família de tronco materno tem histórico de câncer e, por conseguinte,

de muitas perdas. Mas ainda é muito unida, tendo tido afastamento maior após a

morte de sua avó materna.

Conheceu o marido na faculdade, e mantiveram um relacionamento por dez

anos antes de casarem. Pensava,

E eu ficava com muito medo de ter um filho logo, porque nossa famílianenhuma é daqui. Nem a minha nem a dele. Então eu pensava assim: e seprecisasse e viesse uma criança que tem alguma necessidade... como quea gente, né, sem uma estrutura mínima a gente vai conseguir, passar poressa... Então eu tinha essa preocupação.

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Após a morte do filho não se sentiu apoiada, e cada um tinha uma teoria para

explicar o que tinha acontecido.

Eu acho que foi negligência da médica, foi negligência nossa. E que podiater sido diferente. E eles achavam não, que não podia ser diferente [...]Porque eu tive sintomas de que ele tava com insuficiência placentária. E eufui lá e ela desdenhou. Então ela falou que eu tava muito nervosa. E euachei que fosse, porque eu tava mesmo. Tava envolvida com um monte decoisa. 39 e seis, [nome diminutivo de T]! Ele começou, ele parou de mexer com 39e quatro. E eu fui na médica com 39 e cinco. Ele tava vivo. Ela escutou ocoração dele. (silêncio) e aí 39 e seis eu fui fazer o exame. Podia... Se eutivesse feito no dia que saí do consultório, talvez a gente conseguiria...

Não percebe qualquer possibilidade de apoio com outras pessoas e não

conversa com o marido para não deixar ele mal. Assim, retoma como chegou até

aqui. “Se pudesse ficava deitada”. De posse de todas essas novas informações, um

PTr é construído um PTr expandido a partir dos objetivos originais, conforme o visto

no quadro.

Quadro 11 – Plano de Tratamento Desdobramentos I P4Fonte: Autora

Na sessão seguinte, veio com o [filho 2] e uma nova babá, demosntrando

uma interação com ele diferente do que foi observado no encontro inicial. Com a

terapuetia ciente de todas as dificulades, um novo plano de ação é colocado em

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prática por meio de um PTr voltado para o desenvolvimento de recursos no gráfico

abaixo. Foram aplicados o Procolo de Pilares da Vida (EMDR INSTITUTE, 2017),

exercício do container e novamente exercícios de respiração. Todos com difícil

acesso, mas com perseverança, os resultados começaram a ser observados. Após

esses cuidados, é estabelecida uma atividade de processamento da crença limitante

por meio da qual ela acredita que não vai melhorar.

Por meio de um desenho onde se posiciona deitada, estabelece como CN

sou esquisita.

P4 – Me lembrei de uma situação... uma colega sua, uma psicóloga, nocaso do [filho 1] ainda que... não lembro o que aconteceu, se ela meperguntou alguma coisa, e se ela esperava que a resposta seria… fosseboa e foi ruim, ou ao contrário! E ela virou e: você é esquisita! [risos]Lembrei exatamente disso!

Na continuidade do processamento, a respiração começou a melhorar, em

meio a pensamentos como “me sinto uma deficiente”, “não vou conseguir aprender a

viver sem ele”. Ao final da sessão, estava aparentemente mais tranquila.

Nas últimas duas sessões, o processamento desse mesmo alvo foi seguido

por redução gradativa da perturbação, enquanto P5 vai circulando entre memórias

de morte e de vida. Seu estado geral começa a melhorar.

Uma das coisas muito difíceis que surgiram, é que o único lugar onde P5

levou o [filho 1] foi o cemitério, e que uma de suas dificuldades é que não

apresentava memórias dele vivo. No entanto, ao final dessa última sessão, após um

entrelaçamento terapêutico questionando sobre memórias de quando ele ainda

estava na barriga, P5 menciona.

P4 – Uns quinze dias antes dele nascer, eu cismei que eu precisavacomprar uma roupa bem bonita, pro primeiro dia, para o dia que elenascesse [...] Tinha comprado pra ele sair da maternidade [...] A primeiraroupa dele. [...] Fui e comprei (quase inaudível). Uma roupa bem bonita praele. [...] Foi a única roupa que ele usou... T – Você tá com essa imagem?P4 – Uhum.T – E é uma imagem... de carinho com [filho 1], né? Que mostra toda a suapreocupação, de fazer o seu melhor pra ele. Tudo bem se a gente encerraraqui com essa imagem?

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Quadro 12 – Plano de Tratamento Desdobramentos II P4Fonte: Autora

O fato de P4 não ter memórias com o filho, pois quando o pegou no colo ele

já estava sem vida, pode ser um fator complicador para o luto.

Além disso, outras crises concomitantes estavam acontecendo: o nascimento

de seu segundo filho obrigou-a a deixar seu próprio processo de luto para cuidar da

nova vida, movimento que traz enorme ambivalência, pois, ao mesmo tempo em que

cuida do novo rebento, imagina as oportunidades que perdeu, por não ter podido

maternar o primeiro filho. Segundo P4, ela mesma o levou nos braços para a

sepultura, o que é uma memória muito dolorosa.

7.4.3 Avaliação final

Em relação aos resultados do HGRC, Os gráficos (APÊNDICE P) indicam que

a mudança mais fácil de ser observada encontra-se relacionada à subescala do

Comportamento de Pânico, embora exista um movimento em todas elas, mesmo

que pequeno. Em trabalhos com enlutados, o objetivo principal é dar os primeiros

pequenos passos em direção à adaptação à perda, ainda que seja um longo

caminho, como parece ser para P4.

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Apresentando os dados das subescalas, na relacionada ao Desespero, três

subitens ainda preocupam e podem ser também remanescentes do quadro

depressivo observado durante essa intervenção. Então, as afirmações,

“eu acredito que eu deveria ter morrido e ele vivido”, “eu sofro muito pensando

em sua morte” e “tenho dificuldade em aceitar a permanência da morte” apresentam-

se em sua máxima representação. A afirmação “não tenho esperanças” aumentou

bem pouco, mas pode também ser resquício do quadro depressivo. O item “quero

morrer para ficar com ele” não tem relevância no momento, o que tranquiliza em

relação à ideação suicida, mas não minimiza a importância de rastrear os riscos de

suicídio em todos os encontros. Esse cuidado é presente em função da preocupação

da pesquisadora em relação a esse risco e foi redobrado quando P1 apresentou

sintomas compatíveis com depressão. Os outros itens apresentados, “eu me

preocupo excessivamente”, “Parece que estou em choque”, “Eu sinto um peso no

meu coração”, “Acredito que nunca mais vou ser feliz de novo”, “Sinto como se

estivesse sonâmbula”, “Sinto-me sem esperança”, “Choro com frequência”, “Sofro

com a minha solidão” apresentaram alguma redução, o que permite afirmar que a

intervenção está no caminho de atingir seu objetivo de favorecer a adaptação após a

morte de um ente querido.

Em relação à subescala Desinteresse/Indiferença, quatro de suas afirmações

mantiveram-se inalteradas, em nível máximo de representatividade, a saber, “Estou

confuso(a) com quem sou eu”, “perdi minha confiança”, “Sinto-me desapegado dos

outros”, “Sinto como se não me conhecesse”. Talvez a crise de isolamento social

seja seu cartão de visitas, observado aqui neste gráfico. A grande mudança é que

ela passou a se sentir mais capaz de enfrentar essa experiência. Uma mudança em

menor grau, mas de grande importância em função de seu quadro geral, é a

afirmação de se preocupar quando se sente inútil, indicando um movimento inicial

para a orientação à restauração. Os demais itens apresentaram discreta redução.

Quanto ao comportamento de pânico, duas afirmações permaneceram

inalteradas, “Às vezes meu coração bate mais forte que o normal” e “eu me assusto

facilmente”, que acrescidas da informação “Eu me preocupo excessivamente” e de

ter medo frequente, permite inferir que há ainda muito incômodo no sentido de P4

ficar ainda sobressaltada, mesmo com as outras reações físicas tendo diminuído,

com destaque para o desaparecimento da dor nas costas. Além disso, reduziram-se

os ataques de pânico e os outros sintomas físicos.

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No que diz respeito à desorganização, à dificuldade de concentração, de

aprender coisas novas, dificuldade em relação a pensamentos abstratos, bem como

dificuldade em lembrar-se de novas informações, permanecem em seu nível máximo

na avaliação final. Pode ser um sinal de que seu cérebro ainda esteja

sobrecarregado com as memórias disfuncionais, pois as outras afirmações, embora

menos verdadeiras, ainda se fazem representar.

Na subescala Culpa/Raiva, a presença de sentimentos hostis permanece

inalterada. Observa-se redução de “culpar os outros” de descrevendo-a muito bem,

para descrevendo-a pouco bem, isso permite afirmar que parte de sua culpa está

sendo digerida. A amargura, a mágoa, vingança e raiva parecem ter começado a se

dissolver.

Por fim, a observação em relação ao Crescimento Pessoal é de que houve

melhora em aprender a enfrentar a vida, em relação à avaliação anterior. Em

contrapartida, a afirmação a respeito de se sentir mais forte com o luto que passou,

decresceu a ponto de não descrevê-la, “ser tolerante consigo” e “perdoar facilmente”

mantiveram-se no mesmo patamar, e P4 apresenta mais compaixão e tolerância em

relação aos outros, tendo discreta melhora em relação a ter esperança para o futuro.

Houve também redução na escala de DES-II, mas que não se coaduna com a

questão de memória e concentração apresentada no Hogan. Então não há certeza

do que isso representa.

Em relação ao BDI, sem depressão identificada no início da intervenção, após

a terceira sessão, apresentou reações exacerbadas.

Por constatar que P4 apresentava história clínica com tratamento para

depressão após a morte do filho, a pesquisadora optou pelo caminho da prudência,

encaminhando-a a um psiquiatra para a realização de diagnóstico diferencial, de

forma a auxiliá-la na decisão em relação à conduta para a continuidade do

tratamento. Confirmado o diagnóstico por parte do psiquiatra e dado início ao

tratamento medicamentoso, na sessão seguinte, a decisão tomada era de não

realizar nenhum processamento, até para tentar coletar mais informações que

pudessem respaldar as próximas decisões clínicas. Como este procedimento não

estava dentro do planejamento metodológico, assim como não havia a previsão do

fluxo da pesquisa apresentado no Apêndice VI para exclusão do participante por

motivos de mudança do quadro apresentado, isso exigiu uma flexibilidade da

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pesquisadora visando o melhor interesse da participante, pensando no seu bem-

estar. Como ela se sentiria se fosse excluída da pesquisa? Não seria uma forma de

perder o resto de esperança que ainda apresentava? Essa suspeita foi confirmada

em seguida, quando, em algum momento, ela mencionou que o tratamento era a

última esperança. Caso ela fosse dispensada, até reiniciar todos os procedimentos

com outro profissional, haveria um risco alto.

Em uma de suas falas durante a avaliação inicial, quando perguntada se tinha

mais alguma dúvida em relação ao EMDR, responde: “Não. Eu confio 100% em

você.”

A AF aconteceu logo depois do Natal, e P4 surpreendeu-se por ter ficado bem

nesse período.

Tentei colocar na minha cabeça que era um dia comum, e a gente era sóuma reunião de família como tantas outras que a gente, né, poderia fazerdurante o ano. E tentei trabalhar dessa forma, mais um dia comum. É sóuma reunião de família, que vai passar.

As lembranças... é como se elas tivessem vindo numa caixinha assim, cheiade slides de fotos, mas aí ela viesse pra abrir... e aí ela ficava ali. Eu nãoforçava, né, deixava... (pausa) as coisas, tentei não forçar né?

P4 relata perceber uma reestruturação geral em sua vida.

Eu cheguei completamente tomada por tudo que tinha acontecido, né? E... aquestão do [filho 2], por exemplo, a presença dele me representava mais afalta do [filho 1] do que a presença dele. Agora, as coisas já, eu já consigoolhar pra ele como pra ele mesmo e não vendo a falta do irmão, a ausênciado irmão. Então, teve essa inversão aí que nem eu tinha me dado contana... Agora fica, tá ficando mais claro a cada dia como que foram essescinco meses aí né, da chegada dele.

Uma das dificuldades percebidas por ela é que não tem memórias em relação

ao [filho 1] fora da barriga. Não teve a oportunidade de ser feliz com ele, tendo sido

tudo muito devastador.

Em relação às memórias perturbadoras, informa que elas vêm, mas... “não tá

causando aquele estrago todo que fazia. Então, é como se tivesse, como se eu

tivesse agora a possibilidade de deixar ali, de não deixar... É como se eu visse lá de

longe, né?”

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Percebe também mudanças em relação ao [filho 2], conseguindo estabelecer

um vínculo, cantando para ele, construindo uma história junto com ele. Por outro

lado, ainda não conseguiu exercitar a vida social, mesmo quanto faz algumas

tentativas. Nem o trabalho a motiva, mas pensa em voltar a trabalhar pelo filho, a

quem está relacionado, por enquanto, todo o prazer de fazer coisas. Observa uma

melhora na prostração e no cansaço, pois atualmente seu sono está regularizado.

Nota também um maior controle na utilização dos recursos da respiração,

observando-se mais equilibrada de forma geral. Também não tem sentido a

dormência no braço.

Com redução nos níveis de perturbação em relação aos alvos trabalhados, ao

final da avaliação, P4 recebe a recomendação de seguir com ambos os tratamentos:

o psicológico e o psiquiátrico. E finaliza com a afirmação:

Enfim, comecei de uns dias pra cá a experimentar umas coisas que euachei que nem... que eu achei que fosse impossível. Mas enfim, espero queseja né.... quem sabe esse 5 que era a minha [risos].

7.5 PARTICIPANTE 5

7.5.1 Relato do caso

P5, 33 anos, noiva no início do tratamento, espírita, fisioterapeuta trabalhando

com programa de emagrecimento. Decide participar da pesquisa para enfrentar de

forma mais tranquila a perda do irmão de 37 anos por suicídio, por enforcamento, há

dois anos e sete meses antes do período da avaliação.

Uma das primeiras a responder ao convite para participar da pesquisa, em

função da dificuldade de agendas, demorou um pouco mais para marcar o primeiro

encontro presencial, deixando claro, desde o primeiro contato, seu desejo de que

sua irmã se tornasse uma participante. Sua preocupação se dá por ter sido a irmã a

encontrar a cena do suicídio, e P5 se coloca no lugar dela para tentar dimensionar o

sofrimento, inclusive em relação aos disparadores. Como moram no mesmo prédio,

todos os dias ela faz “exatamente o mesmo trajeto que fez quando o encontrou.

Imagina a dor?”

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Com isso, afirma que se não tiver a vaga, que cede a sua para a irmã. Desde

o início, a interferência entre a possível participação da irmã recebeu os devidos

limites para que não houvesse problemas de qualquer espécie.

Após a morte do irmão, participou de um processo de aconselhamento

familiar junto com os pais e a irmã, iniciando, em seguida, um processo

psicoterápico com uma das psicólogas do API/Vitória. Relata ter ido ao psiquiatra

após a morte do irmão, mas a medicação prescrita foi a mesma do neurologista,

para tratar transtornos graves de sono, pois sofre de insônia desde criança. Há

poucos meses, realizou um trabalho de coaching com objetivos profissionais.

Depois de começar um tratamento para a tireoide, relata que se sente “outra

pessoa. Consigo acordar, consigo fazer atividade, consigo pensar melhor, a tireoide

acho que não tava muito deixando eu ficar muito concentrada. E a paz de ter uma

pessoa tranquila do meu lado”, referindo-se ao noivo.

Para ela, o problema do sono faz parte dos pensamentos

persistentes/obsessivos/intrusivos, “tipo eu sou assim, eu nasci assim, eu tenho

esse problema desde sempre, eu não vou mudar”, afirmando a importância de

compreender sua própria participação para obter uma possível melhora nesse

quesito.

Considera que está na melhor fase da vida e que só falta a presença do

irmão, concluindo que “isso aí também não tem jeito”, e o objetivo da terapia é

“consertar aquilo que a gente acha que ainda está ruim, né?”

Relata que há aproximadamente dez meses estava muito confusa, sem saber

aonde ir, já que,além de vivenciar o luto em casa junto à sua família e ter ao seu

lado uma pessoa que não lhe ajudava em nada, referindo-se ao ex-namorado,

vivenciou uma crise adicional relacionada ao aspecto financeiro/profissional.

Atualmente, considera-se mais calma e até tem fumado pouco.

Em relação às cenas difíceis que ficam voltando, o que a incomoda é

justamente não tê-lo visto, pois “por muito tempo eu quis dividir a dor com ela, não

me deixaram ir lá, lá na casa dele, onde ele estava ainda”,algo que a martiriza até o

presente momento. Porém, essa não é a única memória que a incomoda,

os dois dias que a gente ficou aguardando a liberação do corpo, o própriovelório dele, o velório dele foi péssimo, óbvio, né, que velório que seria bom,né? Mas eu vendo a [cunhada] ali em cima dele, né, me dava uma raiva, medava vontade de socar a cara dela na parede.

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Por ocasião da visita ao psiquiatra, informa que conseguiu levar a irmã e o pai

para consulta com o mesmo profissional, o que indica preocupação com ambos, à

semelhança do incentivo à irmã para participar deste trabalho, o que, segundo ela,

oferece tratamento gratuito, um grande motivador.

Ao chegar atrasada para o primeiro encontro, já mostrava uma de suas

“marcas registradas”, pois não conseguiu chegar no horário nenhuma vez. Como

aparente displicência, encerrou o tratamento dizendo que este era um problema real

em sua vida, para o qual precisava de ajuda e que não está relacionado à morte do

irmão. Esses atrasos foram dificultadores ao longo do processo.

Após a apresentação da pesquisa, já relata espontaneamente grande parte

do seu problema quando se refere a ter sonhado com irmão.

Cara, você soube que eu tava vindo, eu sonhei com ele? Tinha um tempãoque eu não sonhava com ele, um tempão. [...] Mas eu falava para ele queeu ia apagar, ia voltar no tempo pra mudar o que ele tinha feito. Aí ele falavaque me amava, né?

Acredita que um grande motivador para sua decisão de participar é a

proximidade de seu casamento, pois toda vez que lembra disso também lembra que

o irmão não estará lá. Isso a motivou a fazer uma “solicitação formal da cadeira

vazia, vai ter que ter”, como forma de ter a presença dele. Considera que um dos

motivos de sua tristeza é em função de o noivo ser tudo o que o irmão sempre

sonhou para ela. Por isso pede ajuda para lidar melhor com a saudade, aceitar a

escolha dele e lembrar mais das cenas felizes que passaram a integrar o PTr

apresentado no Quadro 13.

Em relação ao casamento que acontecerá ao longo do período programado

para as sessões da intervenção, há a discussão dos prós e dos contras, e P5

decidiu tentar se beneficiar do EMDR. Afirma que “não quero ficar toda borrada no

dia do meu casamento. Chorando, porque ele não tá aí”, lançando um grande

desafio para ela mesma e para a investigadora.

E ele não está aqui. Dói pra caramba [choro]. [Silêncio] Eu não sei o que eugostaria de representar nele, dele. Eu sei que eu não quero passar um diafeliz sem que ele... não sei nem se é querer que as pessoas saibam que eleestá ali.[...] Porque é difícil, porque parece que todo mundo vai esquecer eleum dia, a gente não vai, né [voz embargada].

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Acredita que nesse momento “é a grande questão que fica martelando aqui

na minha cabeça”, sua ausência no casamento, pois considera que ele estaria muito

feliz.

Eu sinto falha, talvez ele poderia ter conversado. Mas daí era escolha delenão conversar antes. Mas eu podia ter ligado pra ele, ou batido lá na portadele, mesmo que ele fosse me dar uma... Porque quando ele queria seisolar, a gente também ficava com medo de ir atrás.

Com uma característica peculiar, P5 lê os questionários em voz alta e

responde para si mesma, o que vai contribuindo para um número maior de

informações.

Relata que sempre foi católica, mas que, em dado momento de sua vida,

deparou-se com o espiritismo após a perda do irmão, considerando-se, atualmente,

mais espírita do que católica, que pode ser representado pela fala:

Então quando uma coisa está perturbando a cabeça, hoje eu vejo muito olado espiritual, então quando eu deixo sensações ou cosias ruins seaproximarem eu sinto que tenho mais pesadelos. Ou então quando estoupassando por algum problema aquilo ali leva mais para a minha mente.

A questão do espiritismo também influencia no curso do seu luto:

O que que ele deve tá passando do outro lado pra poder ficar bem [...] ele távivo, em algum lugar ele tá vivo. Mas eu faço as orações pra que ele nãosofra tanto do lado de lá, porque ele é um suicida, né?

Ele provavelmente não tava forte, não tava bem acompanhado, tinha ali ascoisas dele. Eu acredito num mundo espiritual que ele chamou pra pertodele, não tô falando que tinha capeta nem nada lá, mas que às vezes elenão tem a percepção do que é, do que é obsessor.

Ao longo da avaliação menciona um terrível disparador de suas memórias

não processadas quando foi ver um filme no cinema que apresentou um homem

muito parecido com o irmão pensando em se enforcar, o que provocou uma semana

péssima, inclusive tendo aumentado o consumo de cigarro. Também relata que,

Essa semana foi mais difícil, acordo várias horas mais cedo que eucostumava e não consigo voltar a dormir. Eu tive pesadelo, sonhei com ele,

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eu acordava, mas também...Eu me sinto triste, eu tô sempre triste e nãoconsigo sair disso, eu estou tão triste e infeliz que não consigo suportar, eume sinto triste, esta última semana eu me senti triste.

Ainda no processo de avaliação, percebe que se sente uma pessoa melhor

por ter aprendido a enfrentar mais a vida. Percebe também que tem mais

“compaixão pelos outros que passam por essa situação de luto porque antes eu não

tinha me visto no lugar deles”, considerando-se mais forte em função do luto.

Como qualidades que a ajudam a lidar com a raiva, percebe-se paciente e

compreensiva, e como estratégias de enfrentamento de situações difíceis e

estressantes relata que “respiro fundo, oro, choro, mas não me desespero”. Se a

raiva ajuda a lidar com situações difíceis, então também é um bom mecanismo de

enfrentar o luto: “Tipo, dá uma raiva às vezes ter ido desse jeito”, embora não seja

possível observar como.

Seus pais, sua irmã e seu noivo são as pessoas que lhe dão apoio nos

momentos difíceis. Em algum momento da avaliação, menciona que tem muitas

lembranças relacionadas à infância. “Algumas coisas eu revivo bastante, como as

coisas do meu pai, quando ele bebia, eu lembro perfeitamente, como se eu tivesse

vendo aquilo ali.”

Embora se perceba calma, relata um terrível episódio que teve com a irmã

quando “sentei porrada nela, quebrei a unha [...] coisa de irmão, né? Não vou me

julgar por isso”. Menciona que o gatilho para a briga foi algo relacionado ao irmão.

O procedimento de apresentação da pesquisa, concordância e assinatura do

TCLE, bem como avaliação inicial com todos os instrumentos previstos no método

foram realizados dois encontros presenciais, seguidos de 8 sessões de EMDR. O

PTr foi construído durante a sessão 1 de EMDR, oportunidade em que foi realizada a

instalação do Lugar Tranquilo e dado início do trabalho de processamento do

primeiro alvo. Os três alvos identificados foram trabalhados nas sessões de 1 a 8,

No último encontro foi realizada a AF.

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7.5.2 P5 e o EMDR

Quadro 10 – Plano de Tratamento P5Fonte: Autora

Escolhendo como alvo inicial de trabalho o fato de ter recebido a notícia

dentro do carro em frente ao local de trabalho, e reclamando que a forma como esta

foi dada não foi adequada, já no momento do ICES menciona sentir culpa e tristeza,

embora o que a mobiliza mais é a saudade. Na medida em que as séries de MB’s

acontecem, gradativamente P5 percebe uma redução da perturbação, como se a

cena estivesse indo para mais longe. Apresenta uma reação de sono que se torna

frequente em todas as sessões de EMDR, precisando, inclusive, a pedido dela

alterar os estímulos visuais para os auditivos em sessão posterior. Segundo ela,

fechar os olhos lhe permitia observar mais imagens. A seguir, surgiu uma imagem

nítida de “ele sorrindo para mim”, a qual acredita ter sido a última imagem que eu

tenho dele. Começa a pensar que não poderia ter feito nada, afinal, “Como eu ia

fazer algo se ele não deixou?” “Ele não deixava ninguém se aproximar”. Em uma

próxima sequência, percebe que talvez tenha se sentido culpada em função de o

irmão ter sido sempre protetor com ela e ter acontecido sua morte fez com que se

sentisse decepcionada consigo mesma. Surge um pensamento forte de que “ele só

queria se livrar da dor”.

Na sessão 2, relata ter passado a semana com muita vontade de fumar.

Informa que enfrentou uma situação difícil em relação à uma postagem da cunhada

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que a fez se sentir mal, fazendo com que sentisse muita raiva dela. Nesses

momentos, fez uso de elementos do LT, como a palavra calma. Retomando o

processamento da sessão incompleta, P5 diz que para que a CP fique totalmente

positiva, falta aceitar a escolha dele. Em seguida relata lembranças de coisas boas

intercaladas com o que aconteceu com o irmão, com os detalhes que imagina, pois

não presenciou a cena.

Na sessão 3, relata ter ficado muito bem após o último processamento e

passa a falar do casamento que aconteceu no último fim de semana de forma

antecipada, pois o que estava programado era o casamento no civil. O importante é

que durante a cerimônia programada de improviso, percebeu a presença do irmão.

Senti que ele tava lá, que eu tava fazendo a coisa certa. Teve respostas deum monte de gente pra lá de espiritualizada, que tinha mais um monte degente ali. É engraçado quando é ecumênico, né? Resposta de evangélicoque vê, resposta de espírita que vê, que sente.

Antes da cerimônia fez um ritual próprio em homenagem a ele:

Botei um vestido, uma flor no cabelo, que inclusive comprei na porta docemitério, fui, levei e levei pro irmão, conversei com ele, não vou emcemitério. Fui lá e falei, ó, comprei aqui a florzinha pra você, mas tô levandopro sítio, vou arrancar a flor, botar na cabeça. [gargalhada] E você… ela ésua, mas vou levar.

Ao longo da semana, lembrou o tempo todo da palavra calma, instalada junto

com o LT.

Ao avaliar o que foi trabalhado, relata que sabe “que não sou culpada. Mas

[pausa], eu não sei se eu fiz o melhor que eu pude [voz embargada]. Porque, muito

jovem... queria bagunça. E ele se incomodava muito com isso”.

Na retomada do processamento, o mesmo padrão se repete ao ser invadida

pelo sono. Mas o processamento prosseguiu, pois relata:

Aquele foi o primeiro impacto. Eu não consigo mais pensar nele como algoperturbador, tanto quanto era antes. Mas agora é como se eu sentisse anecessidade de ir para os próximos eventos. Como se eu tivesse fazendouma história na minha mente, quando eu paro pra pensar nisso, né?

Na sessão seguinte, com um intervalo um pouco maior em função da lua-de-

mel, relata a experiência do casamento e a viagem.

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Eu não estou sentindo a dor. É como se eu tivesse é aceitado, algo que eunão posso fazer nada, não posso mudar. Não sei, é estranho. E eu sei que afrase é real. [...] fiz tudo o que eu podia. Eu fiz tudo o que eu podia ter feito,eu sei disso.

Inicia-se o processamento dos rituais funerários e, de forma verborrágica,

refere-se à cunhada novamente e em todo o mal-estar provocado ao longo dos anos

de convivência. Contudo, foca na imagem do irmão no caixão para que novo

processamento ocorra. Lembranças da carta que recebeu de um médium, sonhos

com ele nos quais se sentia culpada, os quais, segundo ela, eram pesadelos. Na

medida em que o processamento seguia, a saudade aumentava. Mas, novamente,

experimenta “pescadas” de sonolência e fica falando para si mesma calma, tendo

ficado, de fato mais calma. “Sinto nitidamente que tá fazendo alguma coisa lá

dentro”; e conclui:

sinto que o que você tá fazendo aqui tá mexendo em várias coisas. Mas porum lado bom.

[...] é como se eu tivesse folheando um livro. Acho até a história que vocême falou no começo, do trem passando ou da televisão, parece real assim,como um livro. Aí a gente passou por algumas páginas e aquelas páginas alitão lá grudadinhas. Tipo, tá tudo bem. As próximas páginas que eu vejo sãoa minha irmã [silêncio]. Porque eu não sei se hoje assim, a minha mãe e omeu pai parecem estar superbem, superbem na medida do possível, né?Mas a irmã, não.

Ao longo do processamento, relata que

a irmã já tinha os problemas dela antes de o irmão se matar. E parece quepiorou.

Não sei, tô variando... entre pensar nela [bocejo], que me perturba menosdo que pensar que um dia eu vou encontrar a [cunhada], perturbaçãodaquela física. Mas quando eu penso nela na situação difícil, preparando ovelório, né, que ela foi, ter que resolver tudo sozinha, né? Ela tavacatatônica assim. E aí eu não sei o que pensar mais.

Na sessão 6, a perturbação está com força total em relação à cunhada e o

processamento é retomado. Vêm imagens das quais P5 não consegue se lembrar;

após nova série de MB’s, surge a fala das pessoas de que ela não é uma boa

pessoa [a cunhada]. A seguir, surge um medo de encontrá-la, com medo da própria

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reação. Só de pensar nela, a perturbação aumenta, algo que consegue interromper

para o encerramento dessa sessão.

Na sessão 7, a partir de uma metáfora que ouviu na reunião do API/Vitória,

percebe que a perturbação em relação à cunhada diminuiu. A cada sequência, relata

um porção de situações relacionadas ao ex-namorado e sua possível influência em

relação ao seu irmão, pelo fato de o irmão já estar deprimido. E surgem várias cenas

do relacionamento com esse ex-namorado de situações muito difíceis que viveu,

alternando com a perturbação relacionada à cunhada.

Em meio a um turbilhão de lembranças, surge a pergunta: “será que poderia

ter sido evitado mesmo ou ninguém teve culpa? [...] Será que alguém poderia ter

evitado... [...] Alguma coisa que a gente pudesse ter mudado. [...]Ou ninguém teve

culpa mesmo?”

Na sessão 8, no momento de reavaliar,

Pensar em encontrar com ela, ainda me incomoda. Mas com relação aomeu irmão, estava até conversando isso com a [irmã] ontem. Não vou falarque é magiquinha, mas faz efeito, as coisas estão diferentes, eu me sintodiferente. Não... Eu sei que eu fiz tudo o que podia, a frase é 100%verdadeira.

Uma outra mudança que observou ao longo da semana, mas que não sabe

se está relacionada ao trabalho do EMDR, é que junto do marido decidiu ser mãe.

Segundo ela, surgiu a vontade de formar uma família. Ao mesmo tempo em que “era

um real problema o [irmão] não estar aqui e não fazer parte de tudo isso, mas que

escolha eu tenho?”

Em relação ao irmão, informa que a perturbação permanece em 0, com a

certeza de que fez o melhor que pode. Em relação à cunhada, o único incômodo

remanescente está relacionado à possibilidade de encontrar com ela.

Já quanto à irmã, não sente mais qualquer incômodo por estar vendo-a bem.

Eu convivo com ela. Coisas novas estão acontecendo pra ela também, maseu vejo que ela também está olhando pra ela, decidindo também coisasnovas. Porque antes eu achava que talvez ela não fosse superar isso.Vendo ela hoje, positiva. Com os problemas dela, como todo mundo tem,mas ela também está bem melhor. Então, isso não está me machucandomais, porque eu sei que ela vai superar.

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Restando a perturbação com a cunhada, P5 segue a proposta da atividade de

projeção do futuro que lhe traz duas saídas para o encontro, ser boazinha de forma

sarcástica ou a indiferença, e escolhe essa segunda saída. Seguindo o

processamento P5, entra em um estado de sonolência e consegue completar a

sessão sem qualquer perturbação.

7.5.3 Avaliação final

P5 chegou ao período final da pesquisa tendo cumprido 8 sessões de EMDR,

apesar de seus atrasos, e tendo clareza de que essa falta de organização não é algo

saudável em sua vida, colocando-se o propósito de modificar esse comportamento.

O intervalo de uma semana em função da viagem após o casamento não

pareceu atrapalhar o ritmo do PTr. Pelo contrário, é possível afirmar, por meio do

testemunho de P5, que foi uma decisão acertada trabalhar as memórias

relacionadas ao irmão, pois lhe permitiu vivenciar o casamento de forma leve, com a

certeza de sua presença em meio à ausência. Alguns relatos sobre esse tema

puderam ser conferidos anteriormente.

P5 chega ao final de sua participação nesta pesquisa com todos os alvos do

PTr com SUDS – 0, incluindo a projeção do futuro. As modificações do

comportamento são visíveis nessa etapa, bem como a redução dos pensamentos

recorrentes de lembranças que não haviam sido processadas. Algumas mudanças

subjetivas também foram observadas, da mesma maneira que a redução nos

sintomas físicos. Essas mudanças são compatíveis com as diferenças que podem

ser conferidas nos gráficos comparativos dos instrumentos aplicados, encontrados

no Apêndice J, durante as avaliações inicial e de encerramento dessa investigação.

Os escores de BDI e DES-II, que inicialmente se propunham apenas a

observar os critérios de exclusão no período de recrutamento de participantes,

sofreram alterações com redução em ambos instrumentos. Essas variações para

menor indicam a diminuição da tristeza, assim como a redução de sintomas

compatíveis com o TEPT, avaliados por DES-II.

No que se refere ao HGRC, as variações podem ser observadas nos próprios

gráficos. De forma geral, P5 apenas assinalou quatro dos doze itens da subescala

de Desespero, o que talvez possa corroborar a impressão por ela passada na etapa

avaliativa inicial de que estava vivenciando o melhor momento da vida, inclusive no

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quesito de tranquilidade. Assim, o item de maior intensidade nessa subescala é

“tenho dificuldade em aceitar a permanência da morte”, indicando ter conseguido

uma discreta melhora nesse sentido. Houve também a redução do choro frequente

para um nível que a descreve razoavelmente bem. A maior alteração foi no item “eu

sofro muito pensando em sua morte”, que inicialmente a descrevia bem, passando a

não descrevê-la em nada, o que corresponde à cessação da perturbação

relacionada às memórias disfuncionais iniciais. Por fim, o que já não tinha uma

representação grande, “eu tenho pouco controle sobre a minha tristeza”, foi reduzida

a nenhuma representatividade em sua vida no momento dessa avaliação. Os

demais itens dessa escala permaneceram sem qualquer significado para P5.

Em relação à subescala Comportamento de Pânico, as afirmações “eu me

sinto abalado” e “frequentemente me sinto com medo” passaram de descrevê-la

bem, para nenhuma representação, o que também aconteceu com a afirmação “eu

me assusto frequentemente”. Em menor intensidade na avaliação inicial, mas um

pouco frequente, “eu me preocupo excessivamente” e “tenho dores nas constas com

frequência”, também passaram a não descrevê-la em nada, indicando que estava

livre. Apenas “às vezes meu coração bate mais forte do que o normal” e “estou

frequentemente cansado” não sofreram alterações, mantendo-se em um baixo nível

de não descrevê-la bem. A afirmação “sinto-me doente com frequência” teve um

pequeno aumento em sua representatividade; contudo, não é possível afirmar de

onde essa resposta vem.

Nada subescala Desinteresse e Indiferença, já com baixos indicativos na

primeira avaliação, o item “eu evito carinho” deixou de descrevê-la um pouco bem

para nada, e o item “sinto-me desapegado dos outros” decresceu em um patamar

das afirmações, passando a descrevê-la pouco bem.

De acordo com a conversa final com P5, a subescala Desorganização, de

fato, sofreu poucas alterações, indicando que ainda há muito o que ser trabalhado, o

que é compatível com a própria percepção desta participante. Os itens “eu esqueço

coisas facilmente, como números de telefone, endereços” e “tenho dificuldade de

lembrar coisas do passado” reduziram em um patamar, tendo como referência a

avaliação inicial, passando a descrevê-la bem e não descrevê-la em nada,

respectivamente. “Eu tenho dificuldade de concentração”, “eu tenho dificuldade com

pensamentos abstratos” e “tenho dificuldade em me lembrar-me novas informações”

permaneceram inalterados. O que chama a atenção é o discreto aumento da

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representatividade da afirmação “tenho dificuldade de aprender coisas novas”,

passando a descrevê-la razoavelmente bem”. Para interpretar esses resultados, P5

deveria ser consultada, pois não há explicações aparentes nas informações

coletadas no momento de AF.

Na subescala Culpa e Raiva, com poucas afirmações na primeira avaliação,

apenas para os itens “sinto-me magoado”, “tenho sentimentos hostis” e “fico com

raiva frequentemente”, descrevendo-a pouco bem, passou a não descrevê-la em

absoluto.

Na subescala Crescimento Pessoal, seis dos itens já estavam na mais alta

representatividade, na qual permaneceram. São eles: itens 2, 12, 19, 24, 45 e 50.

Compatíveis com o que P5 relata desde o início da pesquisa, esses itens

alcançaram nível máximo no sentido de descrevê-la, demonstrando de fato que

aprendeu o exercício do perdão, sentindo-se uma pessoa melhor. Esses itens são

“eu me sinto como se fosse uma pessoa melhor”, “sou uma pessoa que perdoa

facilmente” e “sou mais tolerante com os outros”, com alguns exemplos durante os

encontros. Na contramão, passou a ser um pouco menos tolerante consigo mesma,

talvez por estar se observando mais, em especial nos comportamentos que

considera inadequados, como atrasos e desorganização, ao mesmo tempo em que

passou a se preocupar um pouco menos com os outros. Esse último item pode ser

reflexo de estar mais tranquila em relação à irmã, sem ter que se preocupar tanto

com ela, como quando chegou para a avaliação inicial.

A percepção de P5 em relação às próprias mudanças refletem em vários

aspectos da vida dela, pois relata, em importante depoimento que,

Eu não tô sofrendo. Eu acho que depois que a gente conversou, eu nuncamais chorei... de... dor. Eu sinto a saudade, óbvio! Eu sinto falta dele, mas écomo se essas gavetas tivessem real… mente... é, no lugar delas assim! Euvejo que eu fiz tudo que eu podia. É real. Eu realmente fiz tudo que eupodia... (respiração profunda). É... Acho que a gente cresce na dor. A dor foi,foi válida.

Percebe que fala do irmão com mais naturalidade, inferindo que fez nessas

oito sessões o que foi feito em dois anos, ou seja, “o que a gente cresceu em dois

anos equivaleu a essas sessões”.

No último dia em que completou mais um mês da morte do irmão, dia que

corresponde a essa última vez, foi bem diferente, sem qualquer dor.

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Em meio a gargalhadas, diz que ainda sente dor de estômago ao lembrar da

cunhada, mas que se sente preparada para encontrá-la. Nesse momento, lembra da

última reunião do API/Vitória, quando a coordenadora nacional usou uma bela

metáfora para representar os piores medos. Essa metáfora foi incorporada por P5

para tratar desse tema que ainda lhe desperta sentimentos negativos, mas de forma

bem controlada. Embora considere a cunha insignificante, afirma que “talvez ela é a

única perspectiva de socar alguém. Tipo, descontar a raiva? Talvez um pouquinho a

raiva dele?” (primeira vez que menciona esse sentimento em relação ao irmão).

Não preciso aceitar também, como... um santo. Que ele decidiu aquilo ali[...] eu sei que é uma doença, eu sei... eu consigo ter empatia pelas pessoasque eu nunca [ênfase]tinha pensando em relação ao suicídio, à depressão,à doença, até meu trabalho[suspiro].Eu, antes, como terapeuta, eu não... iaindicar... é, não... reconheceria um suicida como uma pessoa comdepressão. Então mudou também a minha forma de ver a vida.

Percebe mudanças em outros elementos de rever a notícia, como o fato de

ex-namorado ter dado a notícia “daquele jeito”, em frente à clínica. Isso, segundo

ela, também mudou. Assim, não consegue mais pensar na situação como ruim,

observando apenas o presente e sentindo a falta dele, conseguindo “entender que a

presença dele não vai morrer”.

Atribui essa construção de um novo conceito sobre a presença do irmão à sua

participação na referida reunião do grupo de apoio, que indica a importância de

participar de momentos como esses para o enfrentamento do luto.

Porque naquela reunião... duas coisas... fixaram na minha cabeça depoisdas sessões daqui. O monstro, que eu criei em relação à [cunhada], quepodia estar bem maior do que é real, te falar. Não tenho que me preocuparcom ela. E... [pausa] a presença!

Entender que a presença dele não vai desaparecer também foi importante

para o marido, uma vez que ele não sabia lidar com a falta que ela sente do irmão.

Um outro fator interessante abordado nesse último encontro foi o fato de ter

recebido a notícia, que depois soube que era falsa, da morte do irmão quinze anos

antes. Para P5, aquele foi o momento da real despedida, o que faz com que não

sinta agora qualquer perturbação em relação a esse acontecimento, passando a

nutrir um sentimento de gratidão por ter tido essa experiência.

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Disse a ele o quanto eu amava. Ele ficou... me... me acalentou. Sentei nocolo dele. Falou “calma [apelido de P5] eu não morri, eu tô aqui”. Eu falei... eeu falei pra ele que aquela era a pior dor que eu havia sentido até aquelemomento na minha vida, que era como se tivesse arrancado um pedaço domeu coração. [...] Ele sempre soube o quanto a gente se amava... e ama,né?

Em relação à preocupação com a irmã, percebe que não precisava mesmo ter

dividido essa luta e fica extremamente gratificada, porque ela está muito consciente,

“acordada para a vida”

Percebe mudança física em relação às memórias trabalhadas, porque agora,

“quando eu falo dele, não... não vem aquela coisa... entalada”. Atualmente,

consegue falar dele sem chorar. E, com isso, até a oração para o irmão mudou, pois

antes

o rezar pra ele era com muita dor, sabe?” Tipo, era como se eu tivesse querezar pra ele, pra ele sair de algum lugar ou estar em algum lugar comosuicida, sei lá... e doía. Hoje quando eu faço oração pra ele eu tenho mais,mais calma. [...] Eu só sinto saudade. Mas eu não sinto mais dor.

Segundo P5, agora precisa trabalhar a organização pessoal por considerar

que não consegue fazer gestão do próprio tempo e para parar de fumar, o que deixa

para ela a recomendação de retornar para a psicoterapia quando tiver vontade e

pronta para essas mudanças essenciais.

Considera que as mudanças aconteceram em muito pouco tempo e que outro

benefício é sentir-se “mais adulta hoje. Mais mulher. Eu acho que fez total parte do

processo, assim”.

7.6 PARTICIPANTE 6

7.6.1 Relato do caso

P6 tem 41 anos, casada, evangélica, arquiteta, e tem uma filha de quatro

anos. Seu irmão morreu por suicídio aos 37 anos, há dois anos e sete meses, por

enforcamento. P6 foi quem o encontrou e tem vivenciado uma série de dificuldades

desde então.

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Na ocasião da morte do irmão, ela e a família receberam aconselhamento em

sessões de família e foram encaminhados para o API/Vitória. Ao final do período de

aconselhamento, recebeu indicação de seguir em psicoterapia individual, mas não o

fez. Há aproximadamente um ano e meio, procurou um psiquiatra que também lhe

indicou psicoterapia. Usou medicação por quatro meses e, mesmo percebendo

melhoras, interrompeu o tratamento.

A busca pelo tratamento medicamentoso se deu “[...] porque estava sem

condição, meu marido não sabia o que fazer comigo.... Estava muito difícil. É uma

tristeza, uma tristeza [ênfase] muito grande, muito grande”.

Tomou conhecimento da pesquisa por intermédio da irmã, grande entusiasta

do EMDR, com o objetivo de “organizar imagens negativas, pois eu o encontrei”. O

processo decisório de se permitir ser ajudada teve grande influência dessa irmã,

pois segundo P6, sente que tem uma “certa dificuldade em olhar para si mesma”.

[...] porque parece que quando eu vou tirar um tempo pra mim, parece queestou fazendo alguma coisa errada pra mim. É um negócio incrível isso.Mas, a [irmã] conversou comigo, até choramos juntas, eu falei assim: “Porque não fazer?”

Ao chegar para o primeiro encontro de avaliação, em um dia chuvoso,

P6,ainda na sala de espera, menciona o cheiro da grama em função da chuva e

espontaneamente relata uma situação de violência sexual que vivenciou ainda

quando criança. “Nossa, e pra muita gente é um cheiro gostoso. Pra mim é uma

catinga, pra mim é uma catinga”. A investigadora aproveita o exemplo fornecido por

ela para explicar sobre o armazenamento de memórias e o trabalho do EMDR.

Demonstrando total compreensão, P6 relata um disparador importante que

vivencia com muita intensidade e alguma frequência, que é abrir a porta da

garagem, tendo o último episódio acontecido há um mês,.

E... normal... estou chegando com a minha bolsa, tal, normal. A [filha] lá emcasa com a minha mãe lá em cima, minha mãe estava dando janta para a[filha], quando eu abri a porta do portão, me veio a cena aí eu tive que...[choro] [...] Parece que você sai daquilo ali e você vê tudo, por isso, até aroupa que eu tava, eu lembro de tudo, sabe? [...] Dos mínimos detalhes. [...]as imagens elas vêm, vêm! Mas é a sensação que... que incomoda, né?”

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Em forma de horror, P6 tomou conhecimento da morte do irmão e

imediatamente soube o que era. Motivo pelo qual decidiu aceitar ajuda nesse

momento de sua vida, compreendendo ser essa abordagem, por intermédio de sua

irmã, uma importante fonte de cuidado.

P6 informa que durante investigação de dores de cabeça frequentes e

intensas, durante a realização de exames, há duas semanas, descobriu um tumor

benigno no hipotálamo. “Eu acho que o psicológico mexe com muitas coisas, não é?

[...] Vários problemas de pele que também foram tratados, mas é tudo, tudo, tudo

pelo que passou, pelo que eu passei, né?” Todos os médicos consultados foram

unânimes em afirmar que as dores de cabeça e a falta de ar são psicológicas.

As dores de cabeça já são antigas companheiras, mas pioraram muito “e

aumentaram depois do que aconteceu com o [irmão]. E aí quando vem forte, dói até

aqui assim. Dói tudo, dói tudo, o pescoço, dói tudo”. Essa dor intensa aparece a

cada duas ou três semanas, no máximo. Em conjunto com os sintomas físicos,

apresenta muita dificuldade de sair, com vontade apenas de ficar em casa sentada,

quieta.

Sofre com ansiedade excessiva e relata ataques de fúria que “faz eu lembrar

do [irmão]”. Segundo ela, os ataques de fúria estiveram focalizados com a irmã, logo

após a perda de ambas, pois a casa vivia cheia, e P6 se sentia invadida, “a [irmã]

ficava na minha orelha, todo mundo ficava na minha orelha”.

Teve pensamentos suicidas logo no início de seu processo de luto, por um

período longo, segundo ela, de aproximadamente três meses. Sentia uma

ambivalência de ter o pensamento, ao mesmo tempo em que sentia que não poderia

tê-lo ou fazê-lo, em função de tudo o que a família passou. A partir desse momento,

passou a sentir uma tristeza muito grande, a grande responsável por não permitir

que saia de casa. “Ah, a vida é ruim”; “Viver não é fácil”. Tanto é que tem aí uma

pergunta: “pra sair de casa? Gente, pra sair de casa é uma luta!” Atrelado a isso,

houve ganho de peso, o que também se tornou um impeditivo.

Segundo P6, o que a ajudou a sair do estado crítico em que se encontrava foi

o marido ter ido morar fora do Brasil há quatro meses. Isso a obrigou a se

movimentar em torno das tarefas da casa e com a filha. Em relação a ele, menciona

várias dificuldades que também habitam seus pensamentos, em função de ter se

sentido enganada por ele. Além disso, relata que o marido não a apoiou no período

inicial do luto, e a obrigou a fazer coisas que não queria, como tirar a foto do irmão

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da bíblia, não respeitando o seu tempo. Com problemas invertidos, atualmente P6

se sente sobrecarregada com a questão financeira da família, sendo proativa em

relação a isso. Contudo, percebe uma mudança nos últimos tempos, fazendo com

que se sinta mais acolhida.

Em relação ao casamento, relata uma situação difícil, em função de

problemas financeiros do marido, bem como atitudes dele que P6 percebe como

falta de companheirismo.

Por ocasião do preenchimento de AI, P6 menciona ter trauma em função do

que testemunhou, que atribui a serem lembranças somáticas e pensamentos

recorrentes. Ao pensar sobre esses dois sintomas acaba se lembrando também que,

aos oito anos de idade, um cachorro a derrubou, ocasião em que sangrou muito e

levou dez pontos na testa, fato do qual não se lembrava.

Alguns dos disparadores identificados é chegar no portão e passar por uma

avenida próxima ao Instituto Médico Legal, e comenta que foi muito pesado fazer

tudo sozinha. Sua sobrecarga era maior, porque pretendia poupar toda a família

desses detalhes, motivo pelo qual não comenta sobre isso com nenhum deles, e

cuidou de cada detalhe. Em relação a essas duas situações, afirma que a deixam

triste, “... não pelo que eu vi em si. Mas pela, pelo que tá acontecendo. Não

aconteceu. Continua acontecendo”. Além disso, encontrar pessoas com

semelhanças ao irmão faz com que dispare em P6 um comportamento de busca.

P6 apresenta pesadelos, com água, sangue, carne, incluindo o que denomina

de “pesadelos premonitórios”.

[...] igual na semana em que aconteceu tudo o que aconteceu com ele, agente sonhou que a gente tava cortando carne, aquele sangue pingando,sabe? Então, às vezes eu tenho sonho, como se fosse um aviso, entende?Uma conexão que eu não sei te explicar.

Um detalhe interessante que ela destaca é que sonha com o irmão só da

cintura para baixo.

Ela e o marido são evangélicos, e a fé parece exercer um importante papel na

vida de P6. Inclusive tem o hábito de conversar com Deus e fazer alguns

combinados. “‘Ai Senhor, não deixa acontecer nada de ruim não ’Porque a gente tem

um acordo aqui em casa, tem que viver 30 anos no mínimo cada um. [risos].”

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Desde o início, deixa transparecer que exerce a função de filha parental e

cuidadora dos pais, sendo posicionada em meio às dificuldades conjugais, como

confidentes de ambos. “Porque vem tudo assim: Caramba! Eu tô, nós estamos

passando por tudo isso”, de forma sempre a querer minimizar o sofrimento dos pais

em especial. Apresenta alguns conflitos com a irmã, situação que tem mudado nos

últimos tempos, pois a tem percebido mais calma e mais leve. Toda a família

apresenta expectativas em relação à participação dela nesse processo, o que

parece ser pelo grau de sofrimento por ela apresentado.

Nossa! E aí minha mãe quando a gente chega em um lugar que, as vezes tem umrapaz pra recepcionar, ou sei lá, parecido... ela já [suspiro] respira e olha pra mim.Eu só abraço, entendeu? Eu abraço, beijo. Falo: “parecido, né, mãe?” Tipo assim,eu falo, né: “parecido, né, mãe?” E aí ela: “Nossa... Muito parecido!”

Essa avaliação inicial trouxe vários elementos importantes para o

estabelecimento do PTr ao mesmo tempo em que percebeu o quanto que já

avançou em seu processo de luto. O fundamental para ela é: “Eu queria ver [os

disparadores] e não ficar assim”.

O mal-estar com disparadores é tamanho, que acabou interrompendo uma

pós-graduação após um professor ter exibido um filme em sala de aula com cenas

de um enforcamento.

Ao final da avaliação, menciona algo relacionado a barulhos altos que a

incomodam sobremaneira, o qual apelidou de “tric-tric”.

papai no telefone, televisão, criança do meu lado, agarrada e tal e eu tendo queresponder cliente, aquela confusão. Aí, porque assim, eu até falei com a minhafilha ontem: “Filha, a mamãe vai chegar em casa, vai desligar o telefone, eupreciso de um tempo”, eu não tenho tido tempo assim, um tempo, né? Eupreciso... eu não sei o que fazer, mas eu já durmo cansada, acordo cansada. E...essa questão, quando eu falei com meu pai: “Nossa filha, o que você tem?” Aí eufalei: “ai pai, tô cansada”. Mas às vezes não é que eu estou cansada. Eu tôagoniada com aquela barulheira , com aquela televisão, ele no Whats no celulardele, minha mãe no celular dela, aquela confusão. Ai, aquilo ali me irrita.

Em função de P6 ter se apresentado para participar já com um prazo mais

exíguo para seu encerramento, em comum acordo, o procedimento de apresentação

da pesquisa, a concordância com o TCLE e sua assinatura, bem como avaliação

inicial com todos os instrumentos previstos no método, foram realizados em um

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encontro presencial. O segundo encontro de avaliação foi utilizado para esclarecer

perguntas remanescentes a respeito dos registros dos instrumentos, e já iniciar com

a elaboração do PTr e o EMDR propriamente dito. Assim, P6 teve um encontro

individual de avaliação inicial, seguido de 9 sessões de EMDR e uma avaliação ao

final do tratamento.

Como qualidades que ajudam a lidar com a raiva, considera pensar em quem

ama. Costuma lidar com situações difíceis ou estressantes por meio de isolamento e

respiração e, segundo ela, as pessoas que lhe dão apoio nos momentos difíceis são

a mãe, o pai, a filha e o marido.

7.6.2 P6 e o EMDR

Um aspecto interessante a ser observado é que P6 estabeleceu como alvo

apenas um e, em termos de memórias do passado, também apenas a cena principal

estava presente. Contudo, várias reações compatíveis com sintomas de trauma

apareceram como incômodo.

Quadro 14 – Plano de Tratamento P6

Fonte: Autora

Para dar início aos preparativos para o início do processamento, objetivou-se

a instalação do Lugar Tranquilo. A realização de tal tarefa se mostrou um pouco

difícil, pois aparece um sentimento de solidão. Em uma memória bem antiga, surge

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o irmão e brincadeiras na infância, ambos brincando sem preocupação. E todo o

recurso instalado é a partir de sensações físicas agradáveis sentidas em seu corpo,

a partir de memórias com a família na praia, em especial o irmão.

é como se, é como se eu tô me vendo... nesse momento... é como seestivesse atrás me vendo adulta, olhando para aquela cena. Sabe? Eucriança, com ele, com minha mãe e com meu pai. Eu tô ali, olhando.

Sendo capaz de entrar em contato com essa memória e resgatando as

sensações agradáveis, P6 realiza vários exercícios de respiração e aprende o

Abraço de Borboleta. Essas atividades fizeram com que sentisse conexão em todo o

corpo, trazendo calma e tranquilidade.

Claramente, em alguns momentos, a ambivalência se fazia presente, pois,

afinal, essa memória trazia a tristeza de sua morte. Contudo, a conexão com o irmão

se sobressaiu, ficando bastante forte.

Relata sentir-se bem na sessão seguinte, conseguindo conversar com os pais

e falar da ideia de comprar uma churrasqueira, advinda da atividade de instalação

de recursos. Comenta que esse fato, fez com que pedisse ajuda para eles, mesmo

deixando clara a sua posição de cuidadora com preocupação intensa com eles.

Aprendi a pedir ajuda pra eles, exatamente. Porque assim, eu não gosto depedir nada pra ninguém, nada! Absolutamente nada!!![ênfase] Mas eu...eu ... eu... eu pedi porque sei também que de alguma maneira vai ajudar aeles.

No trabalho com o primeiro alvo, ter encontrado o irmão, chama atenção à CN

estabelecida de tenho que ser perfeita, indicando como é importante para ela

agradar a todos, com o foco em minimizar o sofrimento do outro. Isso se reflete em

todas as situações de proteção à cena, ao irmão e à família, nas memórias que se

seguem, alternando a garagem, o IML, o enterro, com muitos detalhes, em especial

a homenagem que os amigos de bicicleta fizeram.

Também relata memórias do dia anterior e da falta de paciência que ele

estava ao longo da última semana. Essas memórias vêm acompanhadas de choro

intenso. Todos os cuidados para finalizar os procedimentos a fim de não permitir o

sofrimento da família vieram entremeados com a reação bem intensa da mãe ao

receber a notícia.

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Começaram a surgir outras memórias do irmão, de ele brincando com a filha

de P6 e relações de carinho como irmãos entre eles. Em algum momento, surge um

sonho que teve na noite anterior relacionado a acontecer alguma coisa ruim com ele.

E finaliza com uma memória dele ajudando a resolver um problema em sua casa.

porque eu fui lá na cena, depois é como se... eu tiro o pé de lá e... e... ecomeça a vir outras coisas, sem eu buscar... começam a vir, lembrançasboas, assim, né? Coisas boas que eu nem lembrava, do dia da enchente etal.

No retorno à próxima sessão, P6 relata que viveu uma semana muito difícil,

tendo feito algumas anotações no caderno relacionadas a se sentir como se

estivesse lá mesmo, no momento.

A sensação... Eu tinha até... até que escrever, desse jeito aqui. A sensação comose fosse no mês que aconteceu. A gente fica assim, dormente...

Parece que você fica meio lerdo, você fica esquisito demais. É muito estranho...

Teve várias crises de choro ao longo da semana, teve herpes e deixou “cair

uma tigela de feijão [ênfase], mas assim, explodiu o negócio”. Teve mau humor,

“meu semblante caiu completamente, mesmo eu me esforçando pra não deixar”, e

até o marido percebeu algo estranho. Além de observar reflexos na filha dela, pois a

percebeu mais triste também por tê-la visto chorar, bem como por estar longe do pai,

que está morando fora do Brasil há algum tempo.

Aí eu fiquei olhando “filha, o que que foi...” “mãe, estou vendo o tio [apelidodo irmão de P6], estou conversando com o tio que está no céu” eu falei “ah,tá bom, minha filha, deixa a mamãe também ver”. Aí fiquei assim,debruçada na janela com ela e tipo despistei, chamei a atenção pra outracoisa, e saímos daquilo ali. Mas eu lembrei, como é que eu refleti a minhatristeza [pigarro]... Refletiu diretamente nela...

Menciona tristeza no dia 24, data que antecede o dia da morte dele. E novas crises

de choro até o dia 28, quando então se percebeu melhor: “tive uma crise de choro

muito grande, minha filha me viu chorar e logo após ela, ela também chorou muito. A

minha tristeza, é como se esbarrou nela”.

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Em um momento que foi abrir o tal portão, falou para si mesma: “‘você não

está naquele momento, você tá nesse momento agora, entrando no portão com seu

pai, sua filha, sua mãe e não é aquele momento.’ E aí eu me controlei e não chorei”.

Seguindo com o processamento da memória-chave, P6 percorre a cena, o

velório, o enterro, situações de tristeza da filha na mesma semana, voltando para as

cenas iniciais com muitos detalhes. Lembra-se de uma situação em que o irmão a

ajudou em meio a uma enchente em que sua casa foi afetada.

Devido à intensidade do processamento, utiliza-se a metáfora do trem.

Eu me vi, no vagão, do trem, olhando pela janela, mas eu não vejo imagens,eu vejo só um clarão assim...

E nesse vagão que eu estou, tem meu marido, a minha enteada, a minhafilha. É como se ali fosse o mundo deles. Eles estão brincando, estão rindoe eu tô ali, né? E no vagão da frente, tem o meu pai e minha mãe, sentadosde costas pra mim...

Percebe vontade de estar próxima do marido, como não tinha sentido até

então. Parece que começa a olhar para si mesma, deixando um pouco os pais de

lado. “Eles estavam ali, mas eu estava olhando o que estava sentindo”.

A seguir, vieram imagens dele sorrindo, brincando, com vontade de voltar no

tempo. Segundo ela, “a gente era feliz e não sabia”. Vontade mesmo era de voltar no

tempo e fazer diferente do que fez, mas ressalta que naquele momento não tinha

consciência.

Desse processamento, resultaram sonhos como flashes

Percebe que sofre com a pressão familiar. Tal fato ficou visível no casamento

da irmã, ao perceber que o pai não ficou bem, tendo chorado a noite inteira. “É como

se o luto que a gente passou naquele mês que aconteceu, parece que aconteceu

pra ele esse mês. Entendeu?” Foi no cemitério com a mãe e com o pai. “Eu fiquei

vigiando um vigiando um e outro e fiquei com muita falta de ar [risos]”.

Refere-se à dor de cabeça e percebe o disparador com os acontecimentos

familiares e a pressão que se põe de resolver tudo para eles, percebendo as

conexões entre seu mal-estar físico e a necessidade de cuidar.

Gente, é isso mesmo! Eu estava parecendo que eu tinha bebido. Pareciaque estava assim lerda, e uma dor na nuca. A dor na nuca era mais que ador da cabeça. Só que aí é tudo ligado assim...

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Eu absorvo muito [ênfase] as coisas dos outros. É... me prejudico, meprejudico... E tenho reparado, tenho entendido que essa falta de ar...

Novamente, teve a oportunidade de avaliar a situação do portão, percebendo

que “eu entrei lá no portão aquele dia e falei pra mim mesma, esse não é o

momento que você viveu aquele dia. Então eu, eu... eu tive uma... Eu entendi

[ênfase] e me dominei naquele momento.”

Em mais uma sessão de processamento da memória traumática, P6 percebe

que precisa continuar dando atenção para os pais. Vem o dia, mas sem desespero.

“Na verdade, não é uma... pertur... per-tur-ba-ção. Mas é a... é uma tristeza”. Com

mais detalhes para, em seguida, surgirem mais memórias positivas, em especial da

relação dos dois. Também se dá conta da compreensão do que o irmão sentia: “que

não era preguiça. Era um estado que você não suporta mais muita coisa. Hoje eu

entendo ele”, por achar que está nesse estado.

Aos poucos, a memória difícil vai cedendo: “É aquela, aquela situação, de

lembrar do dia, né? Eu tenho consciência que aquele dia, ele ficou pra trás. Ele

ficou pra trás, era aquele dia. Então, hoje, eu entro naquele portão, mas é um outro

dia né?

A conexão entre seu mal-estar físico e a preocupação com os pais fica clara

nessa sessão. “E quando eles começam a conversar... ó, só deu falar [indicando

falta de ar]. Eu fico falando ‘não, mãe, não fica pensando nisso’. Então, eu também

tenho que saber lidar com isso...”

Relatando o que aconteceu após a sessão 3, menciona uma reação imediata.

é como se tivesse um... um cão bravo na minha frente. E cada passo que eudava até o carro era como se eu... tava ficando forte, olha que engraçado![gargalhada]. E como se, eu tava enfrentando aquilo, entende? E cadapasso que eu dava eu...eu...eu botava ele pra... pra andar pra trás,entendeu? Pra ele afastar de mim.

Ao longo da semana, teve sonhos e um episódio de dor de cabeça. E em uma

importante decisão, começou a fazer dieta. “Então eu ontem eu ‘para tudo, eu

preciso olhar pra mim’”. Assim, decidiu se cuidar.

Em relação ao irmão, conseguiu ver foto sem chorar, embora ainda perceba

uma tristeza.

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Posteriormente ao processamento da mesma memória, surgem imagens da

esposa dele seguidas de memórias do dia do acontecido, com sequências de

situações de que não lembrava, parecendo que uma cadeia associativa fluida estava

se movimentando; finaliza a sessão com a CP eu aprendi com isso. Antes de

terminar, fez uma associação de memória do dia, em que percebeu que o irmão não

estava bem com a resolução de cuidar da saúde emocional da enteada “[...] não

posso maquiar uma situação e fazer de conta que tá tudo bem, porque se eu tivesse

esse entendimento que eu tenho hoje...” E ao final da sessão...

eu também não posso me culpar por isso. Aí sim, me dá um pouco detristeza pelo que aconteceu [pigarro], mas eu não tenho aquela dor dentrode mim no sentido que eu tenho culpa. Hoje eu tenho consciência que, seeu tivesse as informações que eu tenho hoje [ênfase], as coisas seriamdiferentes.

Na sessão 5, comenta no início um grave problema com uma cliente que

contornou com tranquilidade e firmeza. Menciona algumas anotações no Caderno de

Anotações Pessoais relacionadas a sonhos com pessoas que não vê há algum

tempo e outros com conteúdos diversos. Em um dos sonhos, alguém falava do

irmão. Relata ter tido dor de cabeça uma única vez na semana. Ao longo desta,

entrou duas vezes na garagem, quando lembrou, mas de forma bem controlada,

sem esperar que a perturbação surgisse. Não há perturbação em relação ao alvo

anterior.

Pelo PTr, não há outras memórias identificadas, o que tornou necessário uma

reavaliação do processo até aqui para o replanejamento, pois embora a memória-

chave esteja aparentemente solucionada, P6 ainda apresenta alguns sintomas. No

rastreamento de possibilidades, ela menciona o ritual funerário da cremação, o

sonho com ele da cintura para baixo e a saudade. Nesse momento, observa a

dificuldade de organização que tem e se manifesta no carro, na casa, e que acha

que é reflexo de tudo o que tem vivido. Esse problema de organização é anterior à

morte do irmão.

Em função de pesadelos de perseguição, avalia-se a memória do jardineiro,

que, segundo P6, apresenta SUDS 6. Nessa avaliação, ela é questionada em

relação ao que sente que ainda precisa trabalhar em relação ao luto, ao que ela

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responde imediatamente: a tristeza e a saudade, embora com uma importante

mudança.

Mas olha que engraçado, eu choro hoje é pela ausência dele, pelas coisasboas que eu lembro. Engraçado, eu não consigo chorar agora pelo dia mal.Eu choro, agora, pela ausência dele, pela coisa boa que nos falta.

Na sessão 6, observa que no intervalo entre as sessões não apresentou falta

de ar ou dor de cabeça, bem como se percebe sem ansiedade. Além disso,

emagreceu três quilos. Revela situações em que defendeu seu direito de forma

tranquila e firme. “Então, eu consegui, eu estou conseguindo fazer as coisas.”

Escolhido o tema do ritual da cremação, por ser remanescente à morte do

irmão. “Não vou ver ele nunca mais. Como se fosse dessa porta para lá. Não vou

ver ele nunca mais. E vamos ter que lidar com isso daqui para cá.”

Ao estabelecer o ICES em relação à CN escolhida, deveria ter feito alguma

coisa, relata apenas tristeza e não culpa, “porque eu não tinha as informações. Eu

tenho que ter isso na minha mente, que eu não tinha as informações, hoje eu tenho”.

Ao tentar localizar a CP mais adequada, faz uma interessante observação em

relação às palavras escolhidas: sou forte, pois quem é forte “às vezes aceita coisas

que não quer. Na verdade, eu faço o melhor que eu posso dentro da minha

possibilidade”.

Na sequência de MB’s, surgiu que não tem mesmo como ter culpa, pois “nos

últimos dias ele estava se isolando. Não estava agressivo, estava zonzo, lento. O

tempo que eu tive foi muito curto para perceber”.

Ele estava de um jeito que ele não deixava ninguém se aproximar. Eu,minha mãe, meu pai, a gente tinha medo de conversar com ele edesapontar, desagradar de alguma maneira e ele ficar bravo. Porque antesveio uma agressividade que vinha por muito tempo.

Mais uma vez, o processamento a leva a refletir sobre não precisar agradar

ninguém, relata um sonho com guarda-roupa bagunçado sendo arrumado e induz a

crer que as memórias estão sendo organizadas.

Por fim, o último processamento se dá com o foco da “crise de pânico”, onde

se vê no meio de muito barulho.

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7.6.3 Avaliação final

P6 apresentou melhora significativa no decorrer das sessões de EMDR

compatíveis com os resultados apresentados nos registros dos instrumentos

aplicados por ocasião da avaliação de encerramento dos atendimentos. Esses

registros estão dimensionados sob a forma de gráficos no Apêndice J.

Inicialmente, P6 queixou-se de tristeza intensa, mesmo não atingindo os

critérios de BDI para o diagnóstico de transtorno depressivo. Após o encerramento

das sessões de EMDR, é possível observar a diminuição da pontuação nas 21

afirmações relacionadas à tristeza mensurável por esse instrumento, que coaduna

com as afirmações de P6 em relação à redução de sua tristeza.

O mesmo pode ser observável nos resultados do DES-II, que indicam que P6

está mais centrada no presente, sem tantos relatos de problemas de memória e

concentração, indicando um maior equilíbrio geral de si mesma.

Nos registros relativos ao HGRC, na subescala de desespero, por um lado,

apenas o item “eu tenho pouco controle sobre a minha tristeza” se manteve no

mesmo patamar, descrevendo P6 razoavelmente bem. Por outro lado, os itens

relacionados a pensamentos suicidas ou à reunião com o morto, mantiveram-se sem

descrevê-la em nada, o que corresponde ao seu autorrelato em AI e AF. Nesse

processo psicoterápico, parece ter aceitado um pouco mais a permanência da morte

que caiu do nível máximo de identificação, para descrevê-la razoavelmente bem. Eu

sofro muito pensando em sua morte e choro com frequência, tiveram uma redução

passando a descrevê-la pouco bem, em contrapartida ao que era antes. A crença de

que nunca mais seria feliz de novo, que a representava integralmente, reduziu até

não descrevê-la em nada, indicando a esperança de uma vida equilibrada, também

observável na mudança do item 47 e 1. O item “sofro com a minha solidão” a

descrevia razoavelmente bem e, em consonância com as demais mudanças, deixou

de representá-la. As mudanças em suas reações físicas são compatíveis com a

redução da afirmação “eu sinto um peso no meu coração”, a nível de não descrevê-

la bem. A sensação de estar sonâmbula não a representa em nada.

Já na subescala de Comportamento de Pânico e “me assusto facilmente”,

manteve-se inalterada, e o aumento da identificação com as afirmações “às vezes

meu coração bate mais forte do que o normal” e “eu tenho ataques de pânico por

nada” com um pequeno aumento, levam à hipótese de que esses comportamentos

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de pânico possam estar correlacionados ao sintoma identificado no último encontro,

diferenciando o “tric-tric” inicial do susto que leva quando alguém a chama em voz

alta. Inicialmente, compreendia essa reação como sendo relacionada à morte do

irmão, do fato de ter recebido a notícia.

“Frequentemente tenho dores de cabeça” e “sinto meu estômago queimar”

aqui assinalados com frequência total no início do tratamento, reduziram apenas a

descrevê-la razoavelmente bem, enquanto que na avaliação por meio de perguntas,

P6 mencionou que não havia mais perturbação em relação às dores de cabeça. As

dores nas costas tiveram apenas uma pequena redução. As preocupações

excessivas e o cansaço permanente, bem como as tensões musculares que antes

foram registrados em nível máximo, reduziram apara descrevê-la bem, de forma

compatível com a avaliação verbal sobre esses dois problemas inicialmente

apresentados.

As afirmações “me sinto abalada” e “sinto-me doente com frequência” que

inicialmente a descreviam bem, passaram a não descrevê-la em nada, bem como os

sintomas de falta de ar e tontura desapareceram. “Frequentemente me sinto com

medo” passou a descrevê-la pouco bem, indicando também uma redução.

Passando para a subescala de Desinteresse/Indiferença, com exceção de “eu

evito carinho”, que se manteve sem representação de suas reações em ambos os

registros. As afirmações: “eu me preocupo quando me sinto inútil”, “tenho medo de

perder o controle” variaram de descrevê-la bem para descrevê-la pouco bem. Todas

as demais – desde descrevendo-a razoavelmente bem no caso de “sinto-me incapaz

de enfrentar esta experiência”, “sinto como se não me conhecesse” e descrevendo-a

bem, como “estou confusa sobre quem sou eu”, “perdi minha confiança” e “sinto-me

desapegado dos outros ”foram reduzidas ao patamar de não descrevê-la em nada.

Em relação à subescala de Desorganização do HGRC, apenas a afirmação

“tenho dificuldade de lembrar coisas do passado” permaneceu descrevendo-a pouco

bem. As demais todas apresentaram variações de redução dos registros. Assim,

todas as afirmações a seguir, como “tenho dificuldade em aprender coisas novas”,

que antes a representavam muito bem, sofreram alterações e passaram a descrevê-

la razoavelmente bem; “tenho dificuldade de concentração e dificuldade com

pensamentos abstratos”, passou a descrevê-la pouco bem; e, por fim, a afirmação

de que “realizar tarefas parece impossível”, não é mais a realidade de P6, que,

inclusive, tem se mostrado ativa em todas as esferas de sua vida. Por essa

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subescala, houve pouca diferença em relação à melhora da memória, à semelhança

do item de sua dificuldade de lembrar de novas informações.

A seguir, avaliando os registros da subescala do HGRC de Culpa/Raiva, os

únicos itens que a descreviam bem, “tenho sentimentos hostis” e que a descrevia

pouco bem “sinto-me magoada”, passaram a não descrevê-la em nada. O que talvez

possa ser um indicativo de aceitação da perda.

Por fim, apenas o item “cheguei a um ponto que essa perda não é tão

importante para mim” não a representou em nenhuma das duas avaliações,

enquanto os itens “eu aprendi a enfrentar melhor a vida” e “sou uma pessoa que

perdoa facilmente” a representaram muito bem em ambas avaliações, na subescala

de Crescimento Pessoal do HGRC. A preocupação com os outros teve uma pequena

diminuição, bem como o item sobre compaixão pelos outros, redução corroborada

por suas ações de se colocar em primeiro lugar em diversas situações cotidianas.

O processamento de memórias trouxe a P6 o benefício de sentir -se uma

pessoa melhor , item que mais se desenvolveu nessa subescala . Os itens que

mencionam esperança também passaram a representá -la mais, de acordo com os

itens compatíveis na subescala de desespero , indicando a visão de novas

perspectivas de futuro. Percebe-se, ainda, mais forte em relação ao luto que passou,

mais tolerante consigo mesma e com os outros , todos em níveis máximos de

representação. E, por último, e em especial, reflete que está tendo mais dias bons do

que ruins em sua totalidade.

Algo novo parece ter surgido após a última sessão relacionada ao que chama

de crise de pânico, e P6 relata que tem tentado esconder isso das pessoas, mas é

um comportamento que já foi percebido por sua mãe.

Por exemplo, eu tô aqui... tô aqui fazendo alguma coisa aqui, estou distraídadaqui a pouco a pessoa fala assim “[P6], você podia...” quando a pessoafala isso... eu... eu gelo, eu gelo toda e assim... Que eu acho que a pessoavai falar algo ruim, entende? Aí eu falei “não mãe, não é nada, não.” “Nadanão? Não. Olha o seu estado”. Aí eu falei assim... eu falei “ai, mãe, peloamor de Deus, quando você for falar comigo...” aí eu conversei com ela“quando você for falar comigo, você fala assim... você fala devagar,entende? Mas, assim, quando você for falar comigo, não... não me assusta.”Ela falou: “não, mas eu não te assustei, não falei nada demais”.

Indagada se esse tema estava relacionado ao alvo trabalhado na última

sessão, a respeito das vozes, P6 afirma que são duas coisas diferentes, na sua

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percepção. Que inclusive, em relação às vozes, ao “tric-tric” teve um grande teste ao

viajar de carro para um outro estado, pois estavam...

Aí, papai falando alto, mamãe falando alto, som. Aí eu, de boa, fiquei...Aquilo me incomoda, mas aquilo não me causa um... falei “gente, como elesconseguem conversar alto, o som não abaixa e tipo o pau quebrando” eeu... aquilo ali me... me incomoda, maaas não é aquele ‘tric-tric’, eu nãotenho ‘tric-tric’...

Ou seja, segundo ela, esse “tric-tric” não existe mais, mesmo não sendo uma

situação confortável, já consegue ficar bem nesse tipo de situação. Relata que essa

nova situação observada é como se alguém fosse dar uma notícia ruim.

Em uma retrospectiva espontânea de como chegou para os atendimentos,

muitas coisas aconteceram positivamente depois que eu iniciei com você.Eu fiz uma retrospectiva de como eu vim [...]. Eu lembro até da expressão,minha expressão... mesmo, me olhando no espelho, sabe? E... eu comeceia olhar mais para mim, acabaram a falta de ar, acabou [ênfase]a falta de ar,eu não tenho mais falta de ar.

Relata que a dor de cabeça só tem quando toma o remédio para o

“tumorzinho”, alegando que antes as dores de cabeça eram diárias. Também

aprendeu “[...] me aceitar mais... é... me ouvir mais, e não fazer mais nada forçado”,

negociando alternativas que se adequem à sua própria necessidade. Essa mudança

é observada por não sentir a obrigação de agradar as pessoas, o que a permite

sentir-se livre para agir como quiser.

Entendi que, primeiro eu preciso eu [ênfase] estar bem, para eu ajudar ooutro. Porque, antes, eu maquiava a situação pra deixar o outro bem, edepois eu me regaçava. Agora não. Agora eu sei que eu preciso estar bemprimeiro para depois [ênfase] eu cuidar do outro.

Uma outra mudança observada é que passou a brincar mais com a filha, “a

olhar no olhinho dela mesmo, ver o que ela tá querendo expressar”. Além disso,

percebe-se ativa no trabalho, entregando diversas obras. Percebe, ainda, redução

na ansiedade, expressa de forma substancial no buraco da fome que “nada

tampava”. E essa ansiedade gerava... a falta de ar e essa comilança e... e agora

não, iniciou os cuidados em relação ao peso no programa de reeducação alimentar

tantas vezes oferecido por sua irmã.

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Segundo ela,

Tudo parece que deu uma... tudo assim... cessou, se aprumou, né? O quemais me incomodava, dor de cabeça, falta de ar e essa comilança, foiembora... nossa, de 100%, meu Deus do céu, ficou 2% assim.... Umnegócio assim... Acabou! Não tenho mais aquilo. Muito... muito equilibradanisso.

A organização pessoal advinda da redução da ansiedade, que permitiu que

P6 já emagrecesse alguns quilos ao longo do período em que esteve em tratamento,

também foi percebida em outras esferas, no trabalho e em casa.

Igual, ficava na bancada um monte de parafernália, em cima, no escritório,nãnãnã... Dei dez dias pra ela, aí falei: quer saber? Eu vou eu, quando elachegar vai ver a mudança. Ela está mantendo, tá mantendo. Mas para elafoi assim... tava acostumada, tipo assim, a não tirar poeira, “deixa lá meiobagunçado mesmo”.

Em relação às memórias perturbadoras por ter encontrado o irmão, “aquele

dia ficou pra trás”.

Aquele momento... de entrar na garagem, também, eu passei a entender[ênfase] que aquele momento que eu estou entrando ali, não é [é] aqueledia.

E quando eu lembro... e, na verdade, de um tempo pra cá, eu nem lembromais... do... do... do ato, do jeito... Tô lembrando agora, porque estoufalando com você, né?

Avaliando os disparadores, no dia da avaliação, viu um rapaz muito

semelhante ao irmão e ficou impactada. Contudo, ao contrário de suas reações

anteriores, em que era necessário parar o carro e chorar, apenas ficou remoendo um

pouco, mas saindo daquele momento.

Outra mudança é que começou a entender que cada um tem um tempo, e

que não há o que fazer por ser esse um momento da mãe. Uma mudança muito

importante pelo lugar que ocupa na família, de cuidadora, o que a obriga estar

sempre atenta e preocupada com os pais.

Então mamãe tem o tempo dela, de tristeza ela, não é o meu. [...] Ele erafilho dela, era meu irmão. Eu sou irmã! Então, não querendo falar qual a

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maior tristeza. Mas ela tem o momento dela... [...] Então, não posso ficartriste por ela, vou ficar ... vou ficar triste, alguns momentos pelo meu, né?

Estar mais tranquila em relação a tudo o que testemunhou, também permite

que P6 tenha uma atitude mais serena em relação à sua filha, aprendendo a lidar

com ela de forma mais adequada. Um exemplo é quando houve uma situação

familiar em que a percebeu-a chorando com saudade do tio.

Porque eu vi ela chorando, mas eu não chorei. Se fosse outra época, [somde imitar choro], eu ia chorar junto, aí eu ia envolver a criança, já ia cair nochão... [risos]. A gente ia rolar... as duas chorando.

P6 percebe uma grande mudança na organização consigo mesma.

Checando todos os alvos, queixas e reações apresentadas no início do

tratamento, P6 negou qualquer perturbação, salvo a situação recém-surgida de

achar que receberá notícia ruim.

Em relação aos pesadelos como disparadores, incomodam, mas não

paralisam: “Como eu tenho uma superstição que quando eu sonho com isso é que

alguém vai morrer... Deus me perdoe! Sabe assim?” E brinca com um acordo com

Deus em que ninguém de sua família pode morrer nos próximos trinta anos.

eu falei “ai, mãe, não gosto de sonhar essas coisas...” “minha filha, todomundo tem um tempo aqui, então... de repente, se a gente sonhar é umaviso e tal...” ela fala assim... ela leva de boa. Aí falei “ah, mãe, é, tá bom,só tem que repreender e pedir a Deus pra cuidar de tudo e pronto!” Então,assim vou que... vou falar 0.

Segundo P6, ela sonhou umas três vezes com o irmão e, nessa AF, relata que

no sonho o viu de corpo inteiro, uma das conquistas mais comemoradas por ela.

Sonhei com o [irmão], mas é como se eu estivesse assim, aqui, como sefosse essas paredes, mas como se fosse tipo um... um voil... E aí eu falavaalguma coisa, que eu queria alguma coisa, ele... ele tava lá conversandocomigo, mas assim ainda... entende?

E em relação ao sonho, ele parece ter vindo significar aqueles momentos

terríveis que ela vivenciou e que surgiam como se estivessem acontecendo

novamente.

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Sou grata [ênfase]a Deus por isso. Tinha que ser eu, pra não... ter a cabeçade não deixar ninguém ver, não deixar tirar foto, não entrar no portão [...]. Eaconteceu aqui [ênfase], acho que te falei isso, que veio como se fosseaquele momento, assim, como se ele fosse... falando pra mim aqui“obrigado, porque você teve esse cuidado comigo”, né?

Em relação ao irmão, percebe o quanto eram amigos e “que... dentro da...

dentro do possível”, como diz [P6], “é uma pessoa, né? Dentro de tudo o que eu vivi

até hoje, eu fiz o melhor pra... pra ele”.

Eu não tinha as informações, eu não posso me... Hoje eu sei que eu nãoposso me culpar, porque eu não tinha as informações, eu não sabia o queera depressão, eu não sabia o que que ele estava passando.

Então, eu não posso. Ele... ele nunca chegou pra mim e falou assim “irmã,me ajuda aqui que eu tô...” uma vez ele virou pra mim, bateu numa mesa:“você tem depressão”.

Aí eu olhei pra ele: “você está louco?”. Hoje eu saberia: “opa, ele tá falandodele, não tá falando de mim, tá falando dele”. Entendeu?

Ao final, mesmo não estando no PTr relacionado ao luto, P6 é questionada se

houve alguma mudança em relação ao jardineiro e percebe que tem lembrado

menos e, quando lembra, não tem acesso à fisionomia do indivíduo. Segundo ela,

essa lembrança, no momento da avaliação, não a estava perturbando. Perguntada

em relação ao corte na cabeça, ao sangramento, ocasião em que precisou levar

pontos, também não apresenta perturbação. Esse talvez seja um indicativo do

potencial de cura das redes neuronais quando há o trabalho direcionado em um

foco, mas que beneficia outras situações a ele interligadas.

Talvez o que P6 chame de pesadelos com carne e sangue estejam vinculadas

ao trauma que sofreu quando precisou levar dez pontos na testa. Outros temas

como o papel de cuidadora e a exigência de si mesma foram considerados como

possibilidades para o futuro, bem como o comportamento que passou a observar

após a última sessão de EMDR. Será algo relacionado ao luto ou à sua infância? Ou

talvez relacionado aos dois. Não há como responder isso agora.

Não restam dúvidas das grandes conquistas de P6 ao longo desse período de

trabalho de suas memórias perturbadoras. Embora aparentemente não haja mais

nada para trabalhar em relação ao luto, é preciso que ela se observe para ver como

seguirá daqui em diante.

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Ao final dos atendimentos, sugere-se a P6 que observe seus comportamentos

e sintomas, para ver como eles reagirão. Além disso, fica aberta a opção de seguir

trabalhando outros temas não relacionados ao luto, como, por exemplo, as

dificuldades vivenciadas na infância que lhe trouxeram o rigor e a cobrança em

relação a si mesma. Talvez essa reação esteja associada ao momento em que a

mãe recebeu a notícia...

Dessa forma, fica estabelecido que há indicação de seguimento da

psicoterapia, aparentemente para outros alvos não relacionados ao luto.

7.7 ANÁLISE DO CONJUNTO DE MÚLTIPLOS CASOS

Nessa etapa, será realizada a análise do conjunto de múltiplos casos, a partir

das informações coletadas nos estudos de cada caso individualmente, seguindo as

sugestões de Stake (2006) adaptadas para essa investigação. Essa adaptação se

faz necessária por ser um estudo inédito, requerendo a flexibilidade da autora de

forma a congregar o maior número possível de informações.

Como forma de observar esse conjunto, as informações serão organizadas a

partir do enquadramento oferecido na Figura 4, de forma a obter uma narrativa

compreensível. Essa narrativa leva em consideração os elementos do círculo do

meio, a saber, a fundamentação teórica arregimentada ao longo deste trabalho, o

paradigma sistêmico e a prática clínica. Dessa maneira, será possível observar as

características específicas do conjunto revelando a unicidade, a complexidade e as

condições prévias e nele presentes, de acordo com o proposto por Stake (2006).

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Figura 4 – Elemento de Análise do Conjunto de Caso Instrumental Coletivo

Fonte: Autora

Embora o convite para a participação da pesquisa tenha sido enviado para

todos os participantes do API/Vitória, seis interessados foram selecionados no final

do processo de recrutamento para participar dessa investigação e passaram a

compor o conjunto estudado . Esse conjunto é único, e mesmo que o método seja

replicado em nova investigação, ele jamais será replicado.

A seguir , serão apresentados um quadro que fornece um panorama do

contexto de quem é cada participante deste conjunto e um outro com o histórico de

suas perdas. A disposição das informações nessa forma de apresentação facilita a

apreensão do todo do conjunto e também para avaliar quem estamos apresentando.

Conjunto

de múltiplos casos

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Quadro 15 – Contextualização da PerdaFonte: Autora

Nesse CMC, temos seis participantes com perdas pelas mais diferentes

causas, com idades variando de 41 semanas de gestação a 39 anos de idade, com

diferentes graus de relacionamento. O tempo de perda varia de2 anos e 1 mês a 2

anos e 8 meses, uma coincidência importante, pois supostamente os enlutados

poderiam se encontrar nos mesmos movimentos em relação ao luto, oque não se

verifica na prática. P2 procura ajuda pela perda mais recente, de seu pai, mas no

decorrer da avaliação percebe que precisa de ajuda para aprender a lidar com todas

as perdas por ela vivenciadas. Então, as perdas anteriores chegam a um período

bem longo de 28 anos e 3 meses.

As causas da perda são motivos de atenção, pois, dos seis, quatro enfrentam

uma morte por suicídio, que pode acarretar uma série de situações especiais,

incluindo aspectos traumáticos. As perdas de P3 e P4 apresentam algumas

similaridades, entre elas, a percepção de ambas as mães, de que os filhos morreram

por descuido e negligência médica. Para mais informações, consultar os respectivos

estudos de caso.

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Embora com tanta diversidade entre eles, os participantes vêm em busca de

ajuda para enfrentar seu processo de luto.

P5, por exemplo, relata que gostaria de “sentir saudade sem dor”, enquanto

P1 precisa aprender a lidar com a ausência em meio a uma dor intolerável. P6 pede

ajuda para organizar as memórias “daquele dia ruim”. O pedido de ajuda de P2 se

relaciona a aceitar o conjunto de perdas, enquanto P3 precisa se livrar da culpa. P4

menciona dificuldades na convivência com o luto

Quadro 2 – Dados demográficos dos participantes

Fonte: Autora

Com uma variação de idade entre 32 a 52 anos, os participantes estão em

uma mesma etapa do ciclo vital relacionada à vida adulta. Todos eles já casaram,

incluindo P5, indicada no gráfico como solteira, mas que recebeu os laços do

matrimônio durante a sua participação na pesquisa. Com exceção dela, todos já

possuem filhos.

Contando com certa estabilidade financeira e social, todos possuem curso

superior completo (dois deles, com pós-graduação), mesmo que não trabalhem em

sua área de formação. A colocação profissional só aparece como uma questão para

P3 e P4. P3, em função de sua falta de perspectiva de vida, após longo tempo de

dedicação exclusiva à sua filha portadora de necessidades especiais, apresentava

dificuldades com a perspectiva do futuro, uma vez que não conseguia se sentir bem

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como dona de casa, ao mesmo tempo em que já não conseguia voltar para a

atividade profissional anterior.

Evitando controvérsias em relação a critérios diagnósticos para o luto7, dois

focos podem ser observados neste conjunto:

a) Em relação ao modelo desenvolvimental do luto (NEIMEYER;

CACCIATORE, 2016): os participantes, pelo tempo decorrente da perda,

poderiam ser classificados como estando no período intermediário do luto,

em meio ao desafio de reconstruir a vida. Ao mesmo tempo, todos

apresentavam reações ainda no período do luto inicial, em especial no que

concerne aos sintomas físicos, compatíveis com reações ao trauma.

b) Embora esperado que o equilíbrio em relação ao luto aconteça entre dois

a três anos após a perda, e considerando que esse foi o período médio do

tempo decorrente da perda para todos os participantes (excetuando P2,

que, além da perda do pai nesse período de tempo, acumulava duas

outras perdas anteriores), todos os participantes se encaixavam na

definição de luto complicado de Rando (1993, 2013, 2016a). Dá-

seespecial destaque para o fato de apresentarem algum comprometimento

nas esferas física, pessoal, familiar, social, profissional e espiritual. Outra

forma de observar esse comprometimento seria usar os elementos dos

processos dos “6 Rs” (RANDO, 1993) ou as tarefas do Worden (2013).

Não foi necessário usar critérios diagnósticos para selecionar os participantes,

e o método de recrutamento utilizado permitiu que eles próprios identificassem a

necessidade de ajuda para trabalhar aspectos de seu luto. Essa forma de constituir

esse conjunto de múltiplos casos (CMC), permite chegar mais próximo à realidade

clínica, em detrimento das pesquisas em amplas populações, como vistas no

capítulo sobre EMDR e Luto.

Para Gamino e Ritter (2009), essa talvez seja a forma mais condizente com a

prática clínica diária com enlutados, quando eles são capazes de identificar se

precisam de ajuda e demonstrar interesse em procurar um profissional que trabalhe

com luto. Afinal, independentemente de critérios diagnósticos ou instrumentos de

7

Essa discussão pode ser conferida no Capítulo de Luto.

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medida, a melhor avaliação é aquela que advém do próprio enlutado, o maior

conhecedor de sua realidade.

Talvez essa forma de recrutamento também auxilie na aderência ao

tratamento, item observado entre esses participantes que se mantiveram assíduos e,

para aqueles que enfrentavam alguma dificuldade em relação ao horário agendado,

faziam contato para remanejamento.

É bem provável que esses fatores tenham alguma influência em relação aos

resultados alcançados ao longo dessa investigação.

A seguir, no Gráfico1, um gráfico comparativo entre os participantes em

relação ao número de sessões de EMDR realizadas.

P1 P2 P3 P4 P5 P60

2

4

6

8

10

12

PARTICIPANTES

Núm

ero

de S

essõ

es

Gráfico 1 – Conjunto dos Estudos de Caso – Número de SessõesFonte: Autora

As variações entre o número das sessões realizadas apresentou mudanças

de acordo com o PTr individual , os resultados alcançados e a disponibilidade para

participação da pesquisa . Dessa forma, P1 e P3 receberam o número máximo de

sessões de EMDR estabelecidas na pesquisa . P2 e P5 receberam o número

mínimo, enquanto P4 e P6 receberam o número intermediário de sessões de EMDR

planejadas.

É preciso observar as diferentes justificativas para cada quantidade recebida

de sessões.

P1, embora não tenha chegado ao fim de seu PTr, alcançou o número

máximo de intervenções. E, mesmo observando algumas mudanças importantes em

relação ao seu processo de luto, finalizou a avaliação recebendo a recomendação

de seguir com o tratamento.

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P2, em 8 sessões, conseguiu atingir todos os objetivos do PTr individual,

motivo pelo qual recebeu alta com a recomendação de observar os resultados e,

caso necessário, contactar a pesquisadora. No processo de P2 foi observada a

generalização dos efeitos do processamento em memórias que não chegaram a ser

processadas, mas que chegaram a SUDS 0.

P3, que recebeua intervenção em 10 sessões, alcançou todos os objetivos do

PTr, recebendo alta com a recomendação de observar os resultados e, caso

necessário, contactar a pesquisadora. No processo de P3, foi observada a

generalização dos efeitos do processamento em memórias que não chegaram a ser

processadas, mas que chegaram a SUDS 0.

P4, em decorrência de algumas viagens por motivos particulares não

previstas inicialmente, alcançou 9 sessões de processamento e, embora tenha

observado um equilíbrio, não chegou ao final do PTr por motivos discutidos no

estudo de caso individual. Recebeu a recomendação de seguir com a psicoterapia

do luto, bem como o tratamento psiquiátrico iniciado durante a intervenção.

P5 alcançou o número mínimo de sessões, 8, tendo finalizado o PTr, e não

identificou nenhuma outra queixa ou memória para ser trabalhada em relação ao

luto. Entretanto, solicita continuidade da psicoterapia para resolver questões de

organização e situações outras que vivencia desde a infância.

P6 encerrou o trabalho de luto em 9 sessões, concluindo todos os objetivos

do PTr individual. Por um comportamento que emergiu ao longo dos

processamentos, recebeu a recomendação de seguir com uma psicoterapia para

tratar o “susto com voz alta”. No processo de P6, foi observada a generalização dos

efeitos do processamento em memórias que não chegaram a ser processadas, mas

que chegaram a SUDS 0.

Para Shapiro (2002), é desnecessário mapear todas as memórias

disfuncionais, para que se tornem alvos do plano de tratamento. No conjunto de

casos estudados, isso ficou claro, bastando ter como focos os alvos relacionados ao

luto. Contudo, em outras situações, caso o enlutado tenha sofrido vários eventos

traumáticos separados e não similares, não é possível esperar generalização e cada

evento precisa ser trabalhado separadamente.

Para P2, no entanto, ao ter três perdas significativas, o trabalho realizado

permitiu observar a interligação entre as três, como, por exemplo, uma das

memórias trabalhadas em relação à morte do marido, que foi dar a notícia para as

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filhas, tinha conexão direta com a memória da forma como ela soube da morte de

sua própria mãe. Ao final, todas as memórias não apresentavam qualquer

perturbação.

Efeitos positivos do tratamento são esperados mesmo quando apenas alguns

alvos são trabalhados (SHAPIRO, 2007).

Todos os processos de luto trabalhados com EMDR fizeram emergir algumas

memórias positivas em relação ao ente querido. Para P1, essas memórias são

percebidas como extremamente dolorosas, motivo pelo qual faz com que sofra mais,

pois percebe um aumento da dimensão da ausência.

Quadro 16 – Informações de Recomendações aos Ps ao término da intervençãoFonte: Autora

O quadro a seguir apresenta o grau de satisfação em relação aos resultados

da intervenção realizada com o EMDR para as situações de luto apresentadas

durante a AF.

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225

P1 P2 P3 P4 P5 P60

2

4

6

8

10

12

Grau de Satisfação com os Resultados do EMDR

PARTICIPANTES

Níve

l de

Satis

façã

o

Gráfico 2 – Conjunto de Estudos de Caso – Registro do Grau de Satisfação com os Resultados doEMDR como Abordagem Psicoterápica para o Luto

Fonte: Autora

Há uma crítica a ser feita a esse registro, pois ela foi solicitada pela própria

pesquisadora, o que pode, indubitavelmente, alterar os resultados. O ideal é que

qualquer avaliação a respeito da satisfação com o resultado de uma intervenção

seja feito por um pesquisador independente para maior fidedignidade.

Embora este não seja um estudo quantitativo, todos esses gráficos foram

construídos para melhor sistematizar os elementos oriundos dos diversos

instrumentos de avaliação e facilitar a visualização dos mesmos. Todas as

informações devem ser interpretadas à luz de uma análise qualitativa, tal como

proposto no escopo desa investigação.

No quadro acima, apresentado estão dispostos lado a lado, todas as

queixas/demandas identificadas durante a avaliação inicial, por meio da medida

comum ao EMDR do SUDS, que registra o grau de perturbação de cada item em

uma escala de 0 a 10, onde 0 é nenhuma perturbação e 10 a máxima perturbação

que se pode imaginar. Todas essas barras aqui representadas, podem ser

encontradas nos PTrs individuais de cada participante.

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Gráfico 3 – Conjunto de Estudos de Caso – Registro de Medidas de Perturbação (SUDS), para a queixa Inicial estabelecido

Fonte: Autora

Surpreende a observação de que dos seis participantes, quatro tiveram todos

os objetivos estabelecidos alcançados, o que pode ser percebido na comparação

das barras azuis, que representam a perturbação avaliada por ocasião da AI, e as

laranjas, que registram as informações de AF. P2, P3, P5 e P6 tiveram suas queixas

“zeradas”.

Quanto a P1 e P4, os estudos de casos individuais apresentam as vicissitudes

de cada percurso da intervenção e o significado dos dados aqui registrados.

De forma breve, ambos apresentaram ao final da intervenção algumas

melhoras do quadro inicial relacionado ao luto. P1, ao registrar perturbação máxima,

indica o quanto a ausência do filho ainda o incomoda. O que não significa que o

processo de luto ficou estagnado. Basta observar o quadro seguinte, relacionado

aos alvos que compõe o PTr, que a redução do SUDS será notada. Ampliando a

discussão, para ele, apenas a dor intensa entremeada com a ausência e a saudade

permanece em nível máximo. Os pensamentos recorrentes e a culpa apresentam

decréscimo no grau de perturbação.

Em relação à P4, a pretensão de conviver de forma mais amena com o luto

obteve algum resultado, como pode ser observado no gráfico acima. Contudo, ao

observar os registros dos alvos, os pensamentos recorrentes alcançaram um alívio

suportável, enquanto a culpa permaneceu da mesma forma.

Com P4 ao longo dos processamentos, a mesma teve um quadro depressivo

desencadeado por múltiplos fatores e iniciou um tratamento psiquiátrico

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concomitante. Nesse momento houve uma parada estratégica no trabalho com as

memórias e a história clínica de P4 foi aprofundada. Assim, um novo PTr foi

desenvolvido para que . Contudo, houve ainda uma terceira modificação para

adequar a intervenção à necessidade de instalar recursos para que fosse possível o

seguimento do trabalho dentro da janela de tolerância, além de terem sido

trabalhadas as CL.

Os outros participantes, P2, P3, P4 e P5, apresentaram redução drástica de

todos os alvos estabelecidos em cada PTr, de acordo com o gráfico abaixo.

Os participantes P1, P2, P3, P5, P6 foram rastreados apenas em relação ao

histórico de perda, para que esse fosse o foco, de acordo com a literatura

apresentada no capítulo de EMDR e luto.

Gráfico 4 – Conjunto de Estudos de Caso –Alvos Relacionados ao Luto do Plano de TratamentoTodos os Participantes - AI/AF

Fonte: Autora

Embora esta não seja uma pesquisa quantitativa, a variedade de instrumentos

e o planejamento de sua utilização permitem que se observe por diferentes registros

os resultados alcançados, como, por exemplo, nos gráficos comparativos dos

escores de BDI, nos gráficos 5 e 6, ambos abaixo.

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Gráfico 5 – Conjunto de Estudos de Caso –Registros de Medidas de DES-II Todos os Participantes – AI/AF

Fonte: Autora

P1 P2 P3 P4 P5 P60

5

10

15

20

25

30

35

40

45

12 13

17

28

12

17

42

4

17

14

41

AIAFSESSÃO 4

PARTICIPANTES

Regi

stro

s Med

idas

BDI

Gráfico 6 – Conjunto de Estudos de Caso - Registros de Medidas de BDI Todos os Participantes – AI/AF

Fonte: Autora

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Mudanças significativas foram observadas pela pesquisadora ao longo das

sessões de EMDR e confirmadas pelos participantes na Avaliação Final, e de acordo

com os gráficos apresentados acima, com mudanças que ocorreram nas áreas

pessoal, social, física.

Como diz P2 “Eu costumo dizer que foi como tirar com a mão” a facada do

coração”.

Aparentemente, no HGRC, as subescalas de Comportamento de Pânico e

Desespero parecem ter sido as com maiores variações. Embora todas as outras

tenham sido contempladas, em sua maioria para respostas mais adaptativas em

relação à perda.

7.7.1 Participação na pesquisa

Destaca-se o aspecto terapêutico, quando além dos resultados observados, a

pesquisa torna-se um importante espaço de escuta. P4, por exemplo, sequer tinha

noção do quanto suas perdas, em especial a do marido, influenciava a sua vida.

“aquela de [marido] doeu demais, eu nunca senti uma coisa daquela [...] Mas aquele

sofrimento, aquilo que eu senti aqui, de doer muito e do meu corpo sair, de eu sentir

muito sono e de eu ver eu me vendo... Foi muito forte aquilo ali”.

Franco, Tinoco e Mazorra (2017) também mencionam que o benefício de

participar de uma pesquisa suplanta a dor de entrar em contato com o sofrimento,

bem como na motivação encontrada por ajudar outras pessoas. Ideias também

encontradas no trabalho de Silva (2009) e de Pessoa (2017).

acabei sendo o grande beneficiado nessa situação e... me ajudou muito,muito mesmo. [...] Eu penso que isso aqui foi o início de uma... recuperação.(P1)

Eu me ofereci... porque traumatizada eu já sou de natureza, vivendo tudo oque eu vivi, e de certa forma ajudar também... participar... sei lá! (P3)

objetivo de ter decidido ingressar na pesquisa é se livrar da dor, bem comocompensar a oportunidade de ter ido à reunião do API (P2)

Tá tudo, sonhei duas vezes com o [filho], sonhei com a gente aqui, que setava falando que… Já tinha 70% do teu estudo tava completo. Então...E quea gente tava encerrando (P2)

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Cada participante decidiu recrutar-se para participar por motivos diversos.

Entretanto, no decorrer do tratamento, algumas revelações foram feitas em relação à

dificuldade de pedir ajuda.

Já P3, por sua vez, já tinha experiência prévia com outra pesquisa, segundo

ela, também inovadora, que proporcionou benefícios para si e para sua filha para

obtenção do diagnóstico dela.

Três dos seis participantes haviam tido contato profissional com a

pesquisadora em seu consultório particular, por ocasião imediata da morte de seus

entes queridos, quando foi feito um trabalho de orientação familiar. Isso pode ter

afetado os resultados. É muito difícil por ser até então a única referência profissional

nesse tipo de atendimento. Mas também possibilitou o estabelecimento e o

fortalecimento do vínculo terapêutico de forma mais rápida. Além disso, todos os

participantes, com exceção de P4, já conheciam a pesquisadora por meio do

trabalho do API.

Abaixo, é possível conferir a participação de cada integrante em termos de

frequência e atividade. Ser passivo no grupo de WhatsApp significa não se

manifestar, apenas acompanhar as mensagens. A categoria esporádica se aplica

àqueles participantes que se manifestam no grupo de tempos em tempos e, por fim,

a categoria ativa corresponde àqueles que são frequentes nas postagens de

mensagens.

Quadro 17 – Participação no API/VitóriaFonte: Autora

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7.7.2 Situações de confronto com instituições de saúde e de segurança

Duas das participantes, P3 e P4, ambas mães que perderam filhos quando

estavam em cuidados médicos, carregavam marcas relacionadas à inadequação

dos cuidados por parte dos profissionais de assistência, em ambos os casos,

médicas que deixaram sequelas na vivência da morte de seus filhos.

P3 menciona, além das situações com a hospitalização da filha, o descaso

médico.

P2 menciona a dificuldade no IML, ambiente considerado insalubre, vindo de

lá a pior memória.

Além disso, P1, P2 e P6 relataram experiências difíceis em relação ao

Instituto Médico Legal, em especial, na hora do reconhecimento do corpo.

P6:“É, lá dentro! Você tem que entrar, você tem que ver a pessoa que você...

que você ama tá lá daquele jeito lá, né... eu sei que ele não está mais lá. Né?

Mas.... é o corpo que ele viveu que está ali, né?”

7.7.3 Disparadores

E também passei por isso, de um professor botar um filme, e que tinha um

negócio do cara se enforcar lá, de um caixão lá, não sei o que. Então assim,

isso é ruim pra caramba porque vem tudo na hora. Quando eu vejo alguém

parecido eu fico assim como eu estou agora, eu vim de lá até aqui

chorando, entendeu? (P5)

Eu não precisei, né, por enquanto. Mas eu aprendi uma coisa ótima pra

você viajar que é aquela parte assim “em caso de urgência contatar quem”

que eu chorava... já chorei pra preencher aquilo. E nas companhias aéreas

têm “não quero contatar ninguém, não contatar ninguém”. Você marca

aquilo ali e sai livra pra onde você quiser. Então, num, num... não... não...

não pensei, pulei essa de Porto Seguro, não precisei. Então, acho que mais

aquela época difícil de você precisar de um suporte. Então, não precisei. E

quando vi que tinha que colocar alguém, já botei “aquele não marcar

ninguém ali”. (P2)

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7.7.4 Temas em comum

Neste CMC foram observados alguns temas recorrentes em todos os

participantes, como dificuldades apresentadas ou alvos estabelecidos: o momento

em que recebeu a notícia e os momentos imediatamente anteriores e posteriores,

dependendo do participante; a) a culpa presente em todo o processo, mesmo para

aqueles que não declararam essa emoção no PTr, e foi frequente a escolha de CN –

deveria terfeito alguma coisa ou sou culpado (a) para o trabalho com os alvos

definidos nos PTrs.; b) também foram observados pensamentos e comportamentos

relacionados à perda de sentido na vida e a dificuldade em encontrar um novo

caminho; c) presença de pensamentos recorrentes e/ou lembranças somáticas,

representando as memórias perturbadoras e as lembranças, como se o cérebro

tivesse tentando processar aquela situação difícil; d) reações físicas também

estiveram presentes no relato de todos os participantes; e) a forma como soube da

notícia e/ou tomou conhecimento do que aconteceu, como pedra fundamental de

todos os trabalhos, mesmo que não fosse a queixa e/ou alvo escolhidos, bem como

diferentes aspectos dos rituais funerários; f) pensamento suicida em diversos níveis,

em especial, no início do processo do luto, que é um fator a ser observado entre

enlutados, uma vez que o luto é um fator de risco para a ocorrência de suicídio; g)a

quantidade de sintomas que se iniciaram após a perda.

Neste CMC foram observados algumas consequências comuns aos

participantes do uso do PAI nas memórias disfuncionais relacionadas ao luto: a)

redução ou remissão de diversos sintomas físicos; b) surgimento de memórias

positivas; c) construção de significado e/ou crescimento pessoal; d) equilíbrio entre a

orientação para a perda e a orientação para a restauração; e) o surgimento de uma

representação interna indicando o desenvolvimento de um vínculo contínuo; f) alívio

ao perceber a acomodação da memória trabalhada; g) psicoeducação em relação ao

luto; h) a organização das memórias.

Alguns outros temas/aspectos surgiram com maior frequência: reações de

aniversário; aprender a lidar com a saudade; aprendizagem com o próprio EMDR,

incorporando alguns termos, fazendo testes de situações, aprendendo a observar o

próprio corpo e observando os gatilhos/disparadores

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7.7.5 Atravessando a tempestade

Muitos enlutados podem reprimir afetos relacionados à perda, que podem

eclodir em qualquer tratamento (WORDEN, 2013), visto em P2, claramente, mas em

P3, P4, P5 e P6. P1 dizia que era como no dia a dia

[...] e quando você começa a trabalhar isso que é muito difícil... Eu sentia océrebro assim, porque normalmente quando fazia o processamento eraassim, uma fotografia, outra fotografia, que trazia, que trazia outra, quetrazia outra lembrança, que trazia outra lembrança, mas muito fotográfico...mas nessa, parece que caiu tudo assim vum de uma vez só. As coisas nãoforam tendo uma ordem... depois... depois que teve a ordem, mas naqueleprimeiro momento, parece que.... sabe? Que você pegou o balde cheio depapel e jogou tudo no chão? Essa foi a sensação que eu tive ali e que eunão ia aguentar, era tanta coisa, que ficou ruim... mas depois que organizouaquelas três... Eu nem sabia qual eram as três mais perturbadoras, aquelasde [marido] e organizou a mim. (P2)

Difícil, foi quando trabalhei aquela lembrança de [marido] [...] Foi... foi. Masera... não no tratamento, mas era uma lembrança que eu tinha. E aí eu tiveque juntar força pra atravessar, e falar “eu vou” “não vou parar” “voucontinuar”, te liguei, tive pesadelo, um monte de coisa, falei “não, voucontinuar”.[...] Mas eu teria parado, eu quase parei, deu medo. Mas assim“não pode parar, não pode parar. (P2)

Esse desconforto vale a pena pelo resultado [...] é um tratamento que causador, mas que... que busca a cura. Então, essa parte é assim, cansativa [...]mas você tem que piorar o que já tá ruim, pra depois melhorar. Vai ter quemexer numa coisa que tá ruim, pra procurar ficar melhor depois.(P1)

7.7.6 O que recomenda para quem for se submeter ao EMDR

Com certeza, foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida.

Depois de tudo o que eu passei, eu acho que... Eu costumo falar isso, que

eu agraço a Deus a tudo que eu passei, porque senão eu não ia me tornar

quem eu me tornei... Ela me trouxe uma organização das coisas... Em mim,

interior, uma organização interior, de motivação, de autoconhecimento, de

descobertas, que foram essenciais pra eu melhorar. E eu acho, agora não

só pra luto, que a gente fala do luto, mas a gente fala de várias outras

coisas aqui... E por isso eu indico, porque todo mundo tem alguma coisa

que perturba. Todo mundo tem alguma coisa que lembra, o coração não sei

o que, a cabeça não sei o que, assim... Tem uma reação física em relação a

isso, uma reação de perturbação. E foi isso que eu achei fantástico, que é

você tirar com a mão, sair daqui, na primeira consulta, sair daqui rindo na

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rua como se fosse uma menina de 12 anos que deu o primeiro beijo. Das

coisas mudarem, de você mudar sua opinião sobre determinado assunto...

Não mudar de opinião, você ver que sua opinião estava errada, não é só

trocar, mas você ver que sua opinião estava errada, ver que o sentimento

estava errado daqui. Então, não tem como não ajudar, não tem como não

fazer né. Não só comigo. Mas todo mundo tem que fazer. (P2)

Então, quando você se entrega o resultado vem, você não precisa ficar

preocupado se o resultado vai vir, senão vai...Não, vai... vai que vai dar

certo. Se entrega que vai dar certo. Então assim, eu procurei fazer isso

todas as vezes, quando eu tô aqui, eu falo “tenho que aproveitar todos os

momentos, minutos que eu tô aqui”. Porque depois, lá fora eu não vou

conseguir fazer. Então, aqui é... a gente focar se tem alguma coisa

perturbando, prestar atenção, deixar processar e às vezes sair daqui com o

negócio processando na cabeça... [risos]

Então, no início eu senti bastante dificuldade em relação a me colocar no

local lá, do que aconteceu e realmente sentir. A minha mente no início ela

voava muito pela minha vida atual, que está acontecendo isso está

acontecendo aquilo, eu estou sem dinheiro, tem a Criança, tem isso. Então

assim no início, para mim entregar foi a partir da segunda sessão. E o que

eu indicaria era isso a pessoa realmente se desligar do que ela está vivendo

e focar no que a gente está trabalhando (P6)

Em sua opinião, recomendou o EMDR para outras pessoas, e aconselha a

ter força de vontade, porque é um processo às vezes difícil. (P2)

7.7.7 A pesquisadora

Embora exista uma necessidade de adequação ao método de estudo, o que

pode ser confundido com rigidez, a conduta do pesquisador em um trabalho desta

magnitude traz um pouco de angústia e muitas dúvidas em relação ao caminho

correto. Essa solidão só não foi pior, porque houve a possibilidade de conversar com

outros profissionais, realizar supervisão, bem como as próprias orientações.

Realizar esta pesquisa exigiu flexibilidade de horários, explicações adequadas

não só no TCLE, mas em todo o momento da pesquisa, recorrendo ao uso de

psicoeducação a respeito do luto, tempo extra (para os contatos telefônicos e via

WhatsApp) e disponibilidade de cuidado integral. Portanto, o relato desta pesquisa

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espera oferecer a devida continência, a fim de contribuir para a integração das

experiências de cada etapa e de cada desafio.

Importante salientar toda a dificuldade com a tecnologia e o quanto isso pode

ter atrapalhado o andamento da pesquisa. Foram muitos equipamentos envolvidos e

muito volume de material coletado.

A obstinação em encontrar material que pudesse subsidiar o trabalho, pela

falta de referências que esmiuçassem o uso do EMDR com enlutados, privilegiar o

uso do protocolo básico, utilizar as crenças limitantes para vencer obstáculos

durante o processamento, refletir a cada atendimento, rever os PTrs, checar

constantemente. A utilização de outros recursos, como o desenho em substituição a

uma imagem de futuro (com P2), ou o trabalho com instalação de recursos (com P4)

por meio de diversas tentativas; a supervisão necessária para o trabalho com P1; o

uso de entrelaçamentos terapêuticos em alguns momentos do processamento; o

encaminhamento de P4 ao psiquiatra e a decisão de mantê-la na pesquisa, por

privilegiar o cuidado com ela em primeiro lugar, entre outras coisas, demonstram

toda a preocupação em adequar o EMDR a cada um dos enlutados. Talvez este seja

um dos elementos que colaboraram para os resultados alcançados, pois o

pesquisador é parte integrante da pesquisa, motivo pelo qual também faz parte do

CMC.

Em todos os momentos de dúvidas, foi privilegiada a atenção ao participante,

então, alguns materiais audiovisuais acabaram sendo perdidos, mesmo com toda a

preparação anterior, os testes e tudo de acordo com o planejado.

A decisão, por exemplo, de aceitar duas irmãs como participantes, uma vez

que não havia critérios que impedissem que isso acontecesse, e observando a

dinâmica relacional entre elas, talvez se tornasse um bom objeto de estudo, um

subconjunto dentro do CMC. Alguns aspectos foram observados. Mas é impossível,

com todo o material produzido, conseguir esgotar todas as observações em relação

aos diversos elementos apresentados.

Ao final desta análise, é possível concluir que, independentemente do autor

referência para avaliar as informações obtidas por meio desse conjunto de múltiplos

casos, os resultados são evidentes e puderam ser conferidos por diferentes

registros.

Neimeyer (2011) propõe uma sensível metáfora em relação à mudança de

modelos conceituais em relação ao luto, propondo que o modelo de enlutados como

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seguidores de estágios/fases (stage followers) seja suplantado por sobreviventes

como diretores de palco/de cena (stage managers). Nessa útil metáfora, o enlutado,

de forma ativa, lançará mão de recursos para a performance da vida no rastro da

perda, tanto no fundo do palco de suas emoções, pensamentos, orações e ações

pessoais, quanto na frente do palco do mundo social.

A profissão de diretor de palco requer múltiplas habilidades e um complexo

manejo de diversas ações concomitantes, inclusive lidar com emergências. No

mundo do luto, indivíduos e famílias são convocados a exercer novos papéis em

meio a críticas circunstâncias, momentos em que precisam agir de forma

orquestrada uns com os outros. O objetivo de Neimeyer (2011) ao oferecer essa

metáfora é de apontar caminhos para que o enlutado seja visto como ativo em todo

o processo de desempenhar um novo papel, o qual ele não desejou. Essa nova

visão traz algumas implicações para os profissionais que trabalham com luto.

E é justamente essa posição de ação alcançada ao final da intervenção

aquela que pode ser observada em cada participante, que traz a dimensão do

intenso trabalho realizado para o estudo do conjunto de múltiplos casos do qual

fazem parte todos os participantes e também a pesquisadora, todos em papel ativo e

interativo. Ideia parcialmente representada pela Figura 4, uma vez que é estático.

Espera-se que a descrição deste CMC possibilite ao leitor a ideia do movimento, da

unicidade e da complexidade experimentada por todos os integrantes.

Os resultados observados no CMC permitem aferir que o conjunto de

instrumentos escolhidos foi adequado para avaliar o processo de luto e quais as

indicações terapêuticas precisas para o trabalho, cujo foco estava nas indicações

clínicas para a intervenção (FRANCO, 2016).

Mesmo os participantes que registraram na AI estarem passando por um bom

momento na vida, como alegaram P2 e P5 ao decidir ingressar nesta investigação,

alguns aspectos de suas memórias disfuncionais em relação às perdas drenavam

energia, trazendo comportamentos não desejados e sintomas intensos, fazendo com

que surgissem bloqueios em diversas esferas. Para os outros participantes, havia

uma falta de perspectiva na vida, falta de energia para a realização de ações,

isolamento social, entremeados de choque, culpa, pensamentos recorrentes e

sintomas intensos, sendo alguns dos temas em comum observados ao longo das

intervenções.

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Gamino e Ritter (2009) propõem que os maiores desafios estão relacionados

a crises de isolamento, insegurança e falta de sentido. O primeiro, característica do

que seria um período de luto inicial, relacionado às primeiras semanas após a perda,

envolvendo reações imediatas, o segundo, vinculado ao luto intermediário relativo a

meses após a perda, em que o enlutado está desafiado a reconstruir sua própria

vida, e, por último, relacionado a anos após a perda, luto posterior, caracterizado por

ações de reorientação.

Contudo, a variedade de reações e sintomas impede de classificar cada participante

por esses período, pois todos eles já estariam no que Gamino e Ritter (2009) propõe como

luto posterior. O que se observa nesse CMC é uma verdadeira “montanha russa” com altos

e baixos e com todos esses desafios sendo alternados diuturnamente. Parece que todos

os participantes apresentavam crises de isolamento, insegurança e falta de sentido,

mesmo tendo a morte acontecido há mais de dois anos. Citando Neimeyer e Caciattore

(2016), a partir de seu modelo desenvolvimental do luto, o desconforto causado

pelas memórias adjacentes à perda e o papel que elas desempenham no curso do

luto parecem ser um dos aspectos sobre esse tema ainda pouco estudados

Então, pode-se pensar que as memórias não integradas na rede neuronal

conforme o pressuposto de Shapiro (2001, 2007, 2013, 2018) mantêm o enlutado

parcialmente nesse período de luto inicial, na medida em que revive imagens,

sentimentos, pensamentos e sensações físicas em maior ou menor grau. Mesmo

que o enlutado consiga seguir para outros desafios, como lidar com a insegurança e

a falta de sentido, parece que esse caminho não é linear e todos os desafios

acontecem ao mesmo tempo, sobrecarregando o enlutado em todas as suas áreas

de funcionamento.

Os resultados apresentados por meio do processamento das memórias

disfuncionais relacionadas ao luto podem trazer a reflexão de que esse trabalho

favorece a transição no desenvolvimento. Assim, não só as memórias são

armazenadas de maneira adequada, mas o desenvolvimento também é

desbloqueado, permitindo novas ações, emoções e pensamentos em meio à

harmonia neurofisiológica.

Luber (2012) considera que o EMDR é uma oportunidade de o enlutado

vivenciar o processo de luto de uma forma mais equilibrada, deixando claro que o

EMDR não tira as reações normais e apropriadas como a tristeza e, como ficou

visível a partir dos resultados desta pesquisa, a saudade.

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DISCUSSÃO

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239

8 DISCUSSÃO

Tendo como objetivo colaborar com o conhecimento do uso do EMDR em

situações de luto, essa investigação em todo o seu processo, desde sua

fundamentação teórica, com o garimpo de novas publicações a respeito do tema, até

seu encerramento, foi apontando caminhos possíveis para a consolidação dos

benefícios e dificuldades em relação ao tema proposto.

Vários estudos já indicam a eficácia do uso do EMDR com enlutados,

conforme citado em capítulo anterior e referendado no Apêndice A, mostrando

resultados semelhantes nos ensaios clínicos randomizados que compararam TCC e

EMDR (SPRANG, 2001; MEYSNER; COTTER;LEE, 2016; COTTER; MEYSNER;

LEE, 2017) ou apresentaram uma combinação de ambos (MOROZOW, 2014;

LEFERINK et al., 2017; VAN DENDEREN et al., 2018), sendo o TCC já consagrado

mundialmente como abordagem efetiva para enlutados. No estudo de Sprang

(2001), comparando EMDR e GM, o primeiro apresentou resultados superiores

como intervenção para os enlutados. No caso de estudos qualitativos, bem como

nas publicações com relatos de caso (SHAPIRO; FORREST, 1997; SOLOMON;

RANDO, 1997, 2007, 2012, 2016a; KNOX, 2002; KOSMINSKI; MCDEVITT, 2012;

MURRAY, 2012; BEAUMONT; MARTIN, 2013; SOLOMON, 2018), os resultados são

impressionantes. Em todas essas publicações, além da redução dos sintomas e/ou

reações do luto observadas, o EMDR possibilitou a emergência de memórias

positivas em relação a quem morreu, sendo aparentemente, uma característica

própria dessa abordagem.

Mesmo com várias publicações apresentando fragmentos de casos clínicos,

não foram localizados estudos que avaliassem o processo realizado com cada

cliente, o que parece ser um dos aspectos a serem destacados nesse trabalho em

curso. O desenho metodológico de estudo de casos instrumental coletivo mostrou-se

adequado aos propósitos desta pesquisa. Pode-se observar o passo a passo, desde

o momento da chegada, em especial à montagem do PTr e o percurso individual que

cada participante teve. Cada caso foi um caso. Embora com algumas semelhanças,

cada um teve um PTr único, com inúmeras variações.

Para proceder à discussão de todo o trabalho realizado, considera-se toda a

análise realizada em dois movimentos distintos, que possibilitou o aprofundamento

na compreensão a respeito do uso do EMDR por meio de cada estudo de caso

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individual, bem como do estudo do conjunto de múltiplos casos. Todo esse percurso

instrumentaliza os terapeutas de EMDR e os terapeutas de luto na intersecção

dessas duas áreas, com importantes contribuições para a avaliação e a prática

clínica com enlutados.

Conclui-se, pela análise dos casos, individual e coletivamente, que o EMDR

como intervenção para o luto pode proporcionar diversos benefícios. O respaldo

dessa afirmação está no relato dos participantes em relação às mudanças

apresentadas em diversas esferas. Algumas observações em relação à

implementação dessa intervenção com enlutados serão feitas logo a seguir.

Retomando afirmações apresentadas no capítulo inicial, Gamino (2011)

retoma de forma atualizada um de seus trabalhos anteriores (GAMINO; RITTER,

2009) para abordar alguns dos aspectos pelos quais a maior parte das pessoas que

sofre uma perda consegue adaptar-se após perder alguém muito especial. Com

destaque à resiliência, explica que a maior parte dos enlutados encontra caminhos

próprios, e apenas 15% dos enlutados apresentam problemas em seu

funcionamento e precisam de ajuda. Bonnano (2009) afirma reiteradamente que

nem todos os enlutados terão um sofrimento prolongado ou terão que se submeter a

um tratamento para o luto.

Aqueles que encontram em seu percurso complicações no que se refere ao

processo de luto parecem se deparar com uma das duas funções do luto

complicado, tal como propõe Rando (2013, 2016): negar, reprimir ou evitar aspectos

da perda e dar-se conta da morte ou manter a forte conexão, sem mudanças.

A tentativa de diagnosticar diferentes patologias do luto durante gerações de

profissionais de diversas áreas acaba por levar à compreensão equivocada de que

há uma falha ou resistência do enlutado nessa tarefa de enfrentar a morte de

alguém querido (NEIMEYER, 2011).

De maneira clara, o EMDR apresenta uma nova forma de ver o sofrimento

mental, sob a perspectiva de memórias não processadas, tirando o peso do

indivíduo em sofrimento, ao apresentar a perspectiva do Processamento Adaptativo

de Informação. Essa perspectiva permite compreender que os eventuais

travamentos ocorrem no sistema nervoso. As memórias disfuncionais relacionadas

ao luto parecem circundar os momentos da morte, mas é provável que tenham

algumas bases em memórias precoces, em especial para os enlutados com

transtornos de apego (KOSMINSKI; JORDAN, 2016).

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241

Na primeira função do luto complicado acima apontada por Rando (2013,

2016), parecem estar presentes nas disfunções apresentadas por todos os

participantes da pesquisa no início desta investigação. Após avaliar as mudanças de

comportamento geral nas experiências subjetivas relacionadas à perda, bem como

no alívio dos sintomas de cada participante, depois da intervenção direta nas

memórias disfuncionais, uma pergunta ecoa: qual o papel das lembranças não

armazenadas de forma adaptativa no luto complicado?

Worden (2016) menciona a existência de luto sem trauma, trauma sem luto e

luto traumático. Parece, então, razoável explorar um pouco a respeito desse tema.

8.1 LUTO + TRAUMA = LUTO TRAUMÁTICO?

Não é preciso passar por um grave trauma para apresentar sintomas por muito

tempo. Para Shapiro, “[...] se houver sintoma, há normalmente alguma experiência

que o tenha causado ou contribuído para seu surgimento” (2015, p. 11). Pode ser

algo simples e depende da atribuição do significado que se dá determinado evento.

Contudo, é sabido também que a sobrecarga do sistema nervoso central pode fazer

um indivíduo demorar para digerir um trauma por meio de reações automáticas de

luta, fuga ou congelamento.

Para Shapiro (2002), o desenvolvimento do EMDR teve como uma de suas

funções demonstrar a presença de TEPT nos problemas que permeiam a maior

parte das patologias psíquicas, lançando luz à discussão do impacto de um trauma

no ser humano.

De acordo com o DSM-5 (APA, 2013), a definição do TEPT inclui exposição a

ameaça ou ocorrência de morte, ferimento grave ou violência sexual, seja por

testemunhar, seja por experimentar um e/ou outro acontecimento. Alguns dos

sintomas compatíveis com TEPT são sintomas intrusivos, evitação a qualquer

estímulo relacionado ao trauma, alterações cognitivas ou de humor, estado de alerta

e sintomas reacionais. Os sintomas devem estar presentes após um mês do fato

traumático e atrapalhar o funcionamento geral em decorrência da perturbação

experimentada, e que não estejam relacionados a nenhuma outra condição médica.

Em relação a testemunhar um trauma, o DSM-5 (APA, 2013) também engloba

testemunhar a ocorrência de algo com outra pessoa, tomar conhecimento que um

familiar ou uma pessoa bem próxima foi morto ou gravemente machucado, e

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relacionado à exposição de detalhes aversivos de eventos traumáticos por meio do

trabalho, por exemplo, conhecido como fadiga de compaixão (MARICH, 2014).

Mesmo um indivíduo não tendo testemunhado uma situação traumática, ele pode

desenvolver trauma vicariante. Situação esta que é frequente entre os enlutados,

como por exemplo, a experiência relatada por P5.

Marich (2014) ressalta as reações fisiológicas como lembretes do evento

traumático, com componentes somáticos tais como: dores gastrointestinais, dor no

peito, dor de cabeça, dores musculares, as quais estão claramente ligadas a

disparadores emocionais, conceito conhecido entre os terapeutas de EMDR.

Alguns dos comportamentos disfuncionais, segundo a autora, tais como

isolamento emocional ou físico, podendo chegar a comportamento de adição, seja

comportamental (jogo, trabalho, comida), seja as substâncias químicas (álcool e

drogas), dissociação, fuga de lugares e pessoas que ativam as reminiscências

(MARICH, 2014).

Contudo, nem todas as memórias negativas estão necessariamente ligadas a

um grande trauma (T), podendo advir de experiências cotidianas que a pessoa

experimenta. Existem os “pequenos traumas”, que Shapiro (2001, 2007, 2018)

nomeou de “t”, eventos de vida marcantes que podem ser difíceis de integrar na

experiência de vida maior. Situações como discriminação racial ou étnica, abuso

verbal, bullying, sobreviver ao divórcio, experimentar uma crise médica, abuso

espiritual, entre inúmeros outros eventos em que não há uma ameaça à vida, como

nos critérios estabelecidos para o TEPT, ainda que não se tratem de um “T”, podem

afetar a vida inquestionavelmente. São coisas da vida, e experimentar um trauma

não é patológico por si. O problema é quando eles não são resolvidos. Pessoas

com “ts” sem processamento, ou seja, com memórias não adaptativas, também

devem ter direito a tratamento. Afinal, podem ser tão significantes quanto um “T”.

Para Kosminski e Jordan (2016), história prévia de perdas traumáticas ou de outras

experiências traumatizantes são fatores de risco para o desenvolvimento de TEPT.

A alteração cognitiva e o humor associados ao evento traumático trazem uma

visão diferente do mundo e, como avaliação adequada, averiguar se há bloqueio ou

esquecimento de aspectos importantes do trauma, bem como a presença de

crenças negativas em relação a si mesmo, aos outros e ao mundo. Pode haver

culpa distorcida em relação a si mesmo ou ao trauma, estado emocional negativo

persistente, diminuição do interesse e/ou participação em atividades, sentimento de

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desapego ou estranheza em relação a outras pessoas e inabilidade persistente de

experimentar emoções positivas. Dificuldade em ver o futuro, hipervigilância,

dificuldades de sono, comportamento de irritabilidade ou de agressividade,

problemas de concentração, comportamentos imprudentes ou autodestrutivos,

estado de alerta permanente. Não são esses exatamente as reações e os sintomas

apresentados pelos integrantes do conjunto de múltiplos casos?

O grande desafio é distinguir entre sintomas de luto na esfera física,

emocional, cognitiva, social e espiritual e os de TEPT, por haver uma estreita

similaridade entre eles. De acordo com Fleming (2012), é frequente que os

enlutados sofram com sintomas similares aos sintomas característicos do TEPT, tais

como sonhos, pesadelos e perturbação diante da exposição de lembranças do

trauma, evitação e entorpecimento emocional, bem como agitação que pode ser

observada por vigilância constante, dificuldades com o sono, irritabilidade e raiva,

dificuldades de concentração e sobressaltos.

Lindemann (1944) parece ter sido o primeiro pesquisador a apresentar as

reações de luto agudo, que apresenta sintomas fisiológicos e somáticos, que podem

aparecer imediatamente após uma perda ou pode aparecer mais tarde no processo

de luto. Destaca cinco pontos que com frequência sofrem alterações: perturbação

somática, preocupação com a imagem do morto, culpa, reações hostis e perda dos

padrões de conduta nos aspectos sociais. Um destaque que se sobressai são as

queixas de cansaço ou de peso, frequentes nos enlutados. Nessa época, o autor já

recomendava técnicas específicas para endereçar esse tipo de sintoma. Na leitura

de seu artigo, vários dessas reações e desses sintomas estavam presentes no

conjunto dos casos múltiplos estudados. Será que as memórias não processadas,

mesmo após dois anos decorrentes da perda, mantêm as reações de luto agudo

presentes, impedindo que a esta seja acomodada de forma apropriada?

Horowitz et al. (1997 ), na abordagem do luto traumático , definindo -o como

uma síndrome de resposta ao estresse bem similares aos sintomas do TEPT, tais

como descrença, raiva, choque, evitação, entorpecimento, sensação de futilidade em

relação ao futuro , fragmentado senso de segurança , confiança e controle .

Segundo eles , os critérios para identificar o luto traumático são: saudade ,

pensamentos intrusivos , comportamentos de esquiva , solidão e vazio , perda de

interesse em atividades pessoais, critérios similares aos notados por Parkes (1998).

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8.2 REFLEXÕES ACERCA DO LUTO TRAUMÁTICO COMO CATEGORIA

Prigerson e Jacobs (2010) apresentam importante discussão sobre luto

traumático como uma entidade clínica distinta , abordando vantagens e

desvantagens no estabelecimento de critérios para isso. Para elas, luto traumático

não é isomórfico ao TEPT pela diferença de que o trauma do luto é resultado da

separação e causa mais sofrimento em virtude desta do que o resultado da

exposição a uma experiência horrível.

Ainda segundo as autoras, os sintomas de luto traumático se encaixam em

duas categorias: sofrimento pela separação e sintomas de perturbação traumática. A

primeira categoria se refere à preocupação com quem morreu, manifestando-se em

memórias perturbadoras sobre o morto, uma busca intensa por aquele que se foi,

saudade do ente querido e solidão após a perda. A segunda abrange sentir

descrença em relação à morte, falta de confiança, raiva e desapego em relação a

outras pessoas, o choque da perda e a experiência de sintomas somáticos do morto

(PRIGERSON E JACOBS, 2010).

Prigerson e Jacobs (2010) preferem a denominação “luto traumático” por

considerarem a palavra luto complicado abrangente demais. Privilegiam destacar o

trauma desse tipo de luto como sendo “trauma de separação”, lado a lado com o

sofrimento relacionado ao trauma, e distinguem as reações de luto normal das do

luto traumático.

Nesse conjunto de múltiplos casos apresentados anteriormente, com tantas

variações da forma da perda, grau de parentesco, idade de quem morreu, algumas

reflexões surgem em contrapartida ao trabalho apresentado por Prigerson e Jacobs

(2010).

Os autores mencionam que o principal comportamento no luto traumático é a

busca por lembranças de quem morreu ou, ainda, que a hipervigilância está

relacionada à busca de pistas de seu ente querido. Citam também um estudo em

que um exame de eletroencefalograma não detectou hiperatividade durante o sono

em participantes diagnosticados com luto traumático (MCDERMOTT et al., 1997,

apud PRIGERSON; JACOBS, 2010). No conjunto de participantes aqui apresentado,

de diversas origens em seus lutos e que vieram participar da pesquisa por

autorreferência, como estando com algum sofrimento em relação ao luto, todos eles

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mencionam as circunstâncias da morte. Esse foi o principal alvo trabalhado, com

diferentes nuances, é claro.

Ao contrário do apresentado por Prigerson e Jacobs (2010), no caso dos

participantes desta pesquisa, as lembranças de seu ente querido lhes traziam mal-

estar justamente por estarem associadas aos momentos dolorosos por ele

vivenciados, parecendo bem mais compatíveis com um comportamento de evitação.

Talvez esse seja um dos motivos pelos quais a maior parte dos participantes

apresentasse dificuldades com a questão da ausência, pois não puderam ter as

memórias dolorosas adaptadas à rede neuronal, de forma que pudessem surgir as

lembranças positivas que permitem o surgimento de uma representação interna de

quem morreu, numa menção à continuidade do vínculo (KLASS et al., 1999),

amenizando, assim, a saudade.

Todos apresentaram alterações no sono, ansiedade e uma importante

intensidade nos sintomas físicos, como dor de cabeça e no peito/coração. O

“guarda-chuva” da terminologia de luto complicado (RANDO, 1993, 2013, 2016a)

ajuda nessas horas. Não resta dúvidas de que todos estavam sofrendo de luto

complicado e, quando examinados de perto, apresentaram diversas semelhanças e

diferenças. Dessa maneira, mesmo preferindo utilizar o termo “luto complicado” em

detrimento do termo “luto traumático”, é imprescindível levar em consideração os

aspectos traumáticos da perda.

O fato de Prigerson e Jacobs (2012) serem firmes ao apontar o caminho do

luto traumático por meio do trauma da separação parece ser apenas uma visão do

mesmo fenômeno ampliado, tal como postula Rando (2013, 2016a). Os resultados

apresentados ao longo desta investigação indicam muitas semelhanças com

sintomas do TEPT.

Claro que este estudo é limitado pelo número de participantes, e não se tem

aqui a pretensão de expandir os resultados no sentido de serem a verdade absoluta.

Ocorre que o EMDR parece ser uma luz em meio a essas discussões sobre luto

traumático . Para Prigerson e Jacobs (2010), ao avaliar os resultados de algumas

pesquisas , concluem que há diferenças entre a fisiologia do luto traumático e a da

depressão. Afirmam porém, que a diferença entre a fisiologia do luto traumático e do

TEPT ainda requer pesquisas para fazer afirmações com alguma clareza . Pelo

observado ao longo desta pesquisa, pelos resultados apresentados, tanto nos

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estudos de caso únicos quanto no conjunto deles, é possível pensar o EMDR como

uma possível lente para a realização de investigações sobre essa correlação.

No entanto, as informações observadas no estudo dos múltiplos casos

apresentam uma consonância das memórias trabalhadas relacionadas às memórias

da experiência de horror para cada um de seus participantes. Mesmo em situações

em que o tema escolhido para trabalhar foi algo relacionado ao luto de forma

genérica, como, por exemplo, em “eu deveria ter percebido alguma coisa”, como

aconteceu com P1, no momento de montar o ICES da memória, o que surgiu foram

justamente as cenas dolorosas de encontrar o filho.

Para Fleming (2012), quando se trata de uma morte traumática, algumas

complicações adicionais podem aparecer. Para Worden (2013), algumas

características de morte traumática incluem alguns fatores como morte inesperada,

fora das etapas do ciclo vital, em especial a morte de um filho, mortes que envolvem

violência e mutilação, múltiplas mortes, mortes aleatórias ou mortes percebidas

como passíveis de prevenção.

Mas de que trauma estamos falando, afinal? O que realmente está por trás do

luto traumático? Em que proporção as circunstâncias da morte, independentemente

de ser considerada um trauma ou não, impactam o enlutado? Pois trauma é definido

individualmente. O que pode ser traumático para uma pessoa, pode não ser para

outra. E é sabido que quando várias pessoas vivenciam o mesmo trauma, elas terão

consequências em suas vidas e depende também da neurofisiologia e da adaptação

de memórias. Esse é um assunto que requer muito mais estudos.

Para Kosminski e Jordan (2016), mortes repentinas, não esperadas e

violentas, tais como suicídios, homicídios, acidentes e advindas de desastres

naturais, usualmente resultam em luto traumático. Mas, para esses autores,

dependendo da experiência do enlutado, outras perdas também podem ser

traumatizantes. Prosseguem afirmando que as respostas do luto traumático ocorrem

de maneira independente da relação com quem morreu.

Trabalhar com sobrevivente de uma perda traumática ou diante de alguma

comorbidade que pode complicar a adaptação à perda, requer do clínico prudência

para a realização de uma avaliação compreensiva da personalidade para obter o

diagnóstico mais preciso de forma a possibilitar estratégias de intervenção direta

(FLEMING, 2012).

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No trabalho com enlutados traumatizados, caminhamos por duas avenidas ao

mesmo tempo, segundo Fleming (2012), a adaptação à perda e o trauma. Ele

recomenda que seja realizada ampla avaliação psicométrica, uma sólida relação

terapêutica e um treinamento adequado com níveis de habilidades para tratamento

do trauma.

Fleming (2012) recomenda o uso de ferramentas psicométricas para avaliar a

presença de sintomas de TEPT em meio ao luto. Segundo ele, a sobreposição de

um trauma no caminho de um enlutado é tão perturbador que ele pode evitar pensar

ou falar em quem morreu, o que pode impedir o aparecimento da tristeza e das

lembranças. Essa evitação é uma das funções do luto complicado, tal como

explicitados por Rando (2013, 2016a). Segundo o autor, quando existirem sintomas

de TEPT, estes devem ser tratados antes de ter como alvo o impacto da perda.

Embora não tenha sido designado um instrumento específico para a

mensuração da presença do TEPT em cada enlutado, tanto o DES-II quanto o

HGRC apresentam itens relacionados ao TEPT, permitindo observar decréscimo em

seus registros, antes e depois da intervenção programada. Esse decréscimo indica

que memórias traumáticas para aquele participante foram trabalhadas, resultando

em redução dos sintomas fisiológicos, como pode ser observado na análise dos

dados.

A segunda função do luto complicado, que é manter uma conexão inalterada

com quem morreu (RANDO, 2013, 2016a), parece ser lentamente dissolvida durante

os processamentos de EMDR. Ao permitir a reconexão com memórias positivas,

possibilita uma construção de uma outra dimensão relacional do enlutado com seu

ente querido, de forma a reduzir a distância física por meio de uma proximidade

emocional. Esse processo experimentado pelos participantes ao longo do trabalho

com as memórias também colocaram-nos no equilíbrio entre a orientação para a

perda e a orientação para a restauração, permitindo, ainda, uma construção de

novos significados adaptativos em relação à perda. De acordo com essas

abordagens correspondentes, citadas no Capítulo de Luto, são elementos que

proporcionam ao enlutado adaptar-se à perda de forma saudável.

Aqueles que encontram em seu percurso as complicações no luto parecem se

deparar com uma das duas funções do luto complicado, tal como propõe Rando

(2013, 2016): negar, reprimir ou evitar aspectos da perda e de dar-se conta da morte

ou manter a forte conexão sem mudanças.

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O EMDR possibilita a conexão neurofisiológica entre várias partes do cérebro

e do corpo humano, integrando pensamentos, memória sensorial, emoções e

sensações físicas que são considerados elementos indissociáveis da memória. Para

Zampieri, “[...] pessoas com problemas pós-traumáticos poderão ter dificuldades

para realizar estas conexões.” (2010, p. 296).

Uma vez que as memórias apropriadas são acessadas e o sistema de

processamento é estimulado, as memórias não adaptativas são transformadas em

uma resolução adaptativa (SHAPIRO, 2001, 2007, 2018).

A prática do EMDR reconhece a ligação indissolúvel entre mente e corpo.

Desta feita, o cliente, guiado pelo terapeuta de EMDR, processa as memórias que

alimentam os sintomas/transtornos/patologias e incorporam à sua rede neuronal de

memória novos aprendizados, habilidades e perspectivas para seu futuro

(SHAPIRO, 2015).

Já existem estudos a respeito dos índices de funcionamento no luto, como a

revisão sistemática de literatura apresentada por Hall e Irwin (2010), de forma a

avaliar os impactos do luto no corpo, para além dos efeitos no bem-estar emocional

e no funcionamento social. Os estudos por eles levantados avaliam as medidas do

funcionamento neuroendócrino, da competência do sistema imunológico e do sono,

no que consideram uma desregulação fisiológica, e podem ser um bom caminho

para novas investigações a respeito dessa discussão a respeito do entrelaçamento

do luto e do trauma.

Como forma de apresentar um passo em direção ao futuro nessa discussão,

para Amen (2018), de forma geral, há um consenso a respeito da falta de certeza em

relação às causas de um transtorno psiquiátrico. Segundo ele, elas giram em torno

da combinação de fatores genéticos, química cerebral anormal, experiências

relacionadas à parentalidade tóxica ou experiências dolorosas na infância e padrões

negativos de pensamento. Esse autor reforça a importância dos estudos de

neuroimagem para conhecer o órgão mais complicado (AMEN, 2018) de todos: o

cérebro. Concordando com Amen (2018), seria interessante desenvolver estudos e

pesquisas de imagem com enlutados, as quais poderão lançar luz a respeito dos

efeitos de uma perda e seu impacto no indivíduo em diferentes aspectos de sua

vida, trazendo respostas sobre quais as áreas do cérebro são afetadas. Isso

colaboraria de forma determinante para a discussão a respeito do luto x trauma.

Para esse tipo de avaliação, a tomografia computadorizada SPECT é o instrumento

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mais indicado para examinaras funções cerebrais que sempre precedem os

problemas estruturais nos estágios avançados das diversas doenças (AMEN, 2018).

Esse tipo de pesquisa complementaria os achados clínicos de pesquisas e

publicações nacionais e internacionais, e seria de grande valia nos trabalhos

envolvendo o EMDR.

Para finalizar esta etapa da discussão, far-se-á breve menção ao trabalho de

Kosminski e Jordan (2016)e a respeito das questões de apego para a psicoterapia

do luto, na inovação da intervenção apresentada por eles, cujo foco é o trabalho com

enlutados a partir de problemas crônicos de apego.

O trauma na infância tem um impacto profundo no funcionamento emocional,

comportamental, cognitivo, social e físico da criança. Verificam-se, nesta fase,

respostas mentais e físicas ao trauma, incluindo hipersensibilidade fisiológica e

dissociação. Uma vez que o cérebro em desenvolvimento organiza e interioriza nova

informação de forma idiossincrática, existe uma maior probabilidade de

desenvolvimento de sintomas neuropsiquiátricos após o trauma (PERRY et. al,

1995).

Os estudos de Schore (2001) sugerem uma relação direta entre vinculação

traumática, funções de regulação do hemisfério direito ineficazes e saúde mental

desadaptativa na infância e na idade adulta. Sabe-se, igualmente, que o trauma na

infância se encontra associado à comorbidade e cronicidade de perturbações

ansiosas e depressivas na idade adulta (HOVENS et al, 2012).

Esses problemas relacionados ao apego, além da estrutura de funcionamento

do enlutado e, por conseguinte, seu percurso no luto, também trazem influências ao

significado dado à perda e ao possível trauma dela advindo. Ademais, indivíduos

com dificuldades de apego são desafiadores para a prática clínica, em especial com

enlutados (KOSMINSKI; JORDAN, 2016), uma vez que o propulsor das mudanças é

uma separação. A forma como o enlutado vai reagir à separação depende

diretamente das experiências ao longo de seu desenvolvimento responsáveis pela

sensação de segurança e conexão. Essas experiências moldam a forma como

indivíduo maneja seus estados internos e suas experiências corporais, e determinam

sua capacidade na regulação das emoções, aspecto fundamental na psicoterapia

EMDR.

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[...] Tanto o luto está ao lado da morte, como evento, quando está do ladoda vida, no processo. Importa que a alegria volte a ser possível, pelomenos. O trabalho do luto é o que permite. Não há receita, e que cada qual,em face do horror, se vire como puder. Pode-se superar sem esquecer –aceitar sem trair. (NASCIMENTO, 2001, p. 92).

8.3 INTEGRIDADE DO TRATAMENTO PSICOTERÁPICO

Uma importante questão a ser discutida é a respeito da integridade de uma

intervenção psicoterápica, definida por Sanetti e Kratochiwll (2014) como a extensão

até que ponto componentes fundamentais da intervenção são aplicados de maneira

competente tal qual foram planejados, ao mesmo tempo em que os procedimentos

inadequados são evitados, de forma orquestrada pelo responsável pela intervenção.

Para esses autores, precisão e controle são imprescindíveis para o teste empírico da

eficácia de um tratamento.

Mas como fazer isso com pesquisas qualitativas em que as variações e a falta

de controle são mais difíceis? Inclusive pela presença do pesquisador de forma mais

próxima ao objeto estudado. A pesquisa aqui em tela manteve o rigor científico

concernente ao tema investigado, considerando que qualquer intervenção em luto

deve seguir padrões de cuidados adicionais em função da vulnerabilidade dessa

população.

A avaliação da integridade do tratamento oferecido nessa investigação pode

ser realizada observando a forma como ele foi delineado por meio do método.

Segundo Sanetti e Kratochwill (2014), uma definição operacional de um tratamento

deve oferecer a) um descrição clara dos procedimentos, estratégias e atividades a

serem implementadas, bem como aquelas que devem ser evitadas; b) a

especificação da duração da intensidade dos procedimentos ; e c) definição da

população-alvo. Acredita-se que o formato planejado para a pesquisa, com o passo

a passo bem detalhado, garante a clareza de todos os itens apontados pelos autores

de forma a poder inferir a integridade do trabalho realizado ao longo da investigação.

Por ser o EMDR uma abordagem psicoterápica baseada em procedimentos e

protocolos bem delimitados, que deve seguir o Manual de Treinamento Básico

(EMDR INSTITUTE, 2017), sua aplicação por si só proporciona a redução da

variabilidade na implementação do tratamento. A formação da investigadora como

Terapeuta Certificada, Facilitadora e Supervisora em EMDR também colabora para

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essa redução de variabilidade bem como para o fortalecimento da integridade da

aplicação do EMDR.

O treinamento de um profissional no manejo do EMDR requer a compreensão

dessa abordagem em si, não apenas de uma ferramenta a mais, pois considera-se

que o EMDR é uma nova forma de entender um comportamento disfuncional por

meio da compreensão dos efeitos das memórias disfuncionais na saúde mental de

um indivíduo. Dessa forma, o terapeuta de EMDR deve conhecer o paradigma do

EMDR e suas bases teóricas enquanto desenvolve espontaneidade, empatia e

genuinidade, ao mesmo tempo em que se mantém fiel ao protocolo. Obviamente,

respeitando as idiossincrasias do seu cliente. Por esse motivo, há o incentivo à

formação continuada do terapeuta de EMDR, para além do treinamento básico, de

maneira a permitir um manejo construído sob medida para cada demanda. A

propósito, a realização dos atendimentos exigiu grande flexibilidade por parte da

pesquisadora, para que as diversidades de cada situação clínica apresentada

pudessem ser endereçadas de forma adequada. De acordo com Sanetti e

Kratochwill (2014), flexibilidade e criatividade do terapeuta são características

importantes para o quesito da integridade.

Além disso, o registro das sessões em vídeo e em áudio possibilitou a

checagem da adequação ao manual. Pode-se considerar que a constante avaliação

realizada a cada sessão de cada participante, em observância ao PTr de cada um,

direciona à reflexão de que os elementos do tratamento foram utilizados de forma

apropriada, bem como foram evitados os procedimentos que não seriam adequados.

A própria utilização das medidas de SUDS e VoC, bem como a formatação do

protocolo em fases, permite a verificação desses procedimentos em todo o processo

aqui apresentado. Toda a psicoterapia de EMDR oferecida a esse grupo de

enlutados foi ofertada de forma privada, construída de acordo com cada demanda e

adequando os procedimentos de maneira particular.

A observação que aqui se apresenta é da própria pesquisadora e de sua

orientadora, foi realizada de forma qualitativa, o que não garante que outros

observadores, ao olhar para o conjunto da obra, tenham outra opinião. Revendo

todos os procedimentos ao longo da análise dos dados obtidos, conclui-se que o

tratamento com EMDR foi aplicado conforme pretendido, observando consistência

entre as fases do tratamento, as situações, as sessões e os casos, como pode ser

observado na análise do conjunto de múltiplos casos.

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Contudo, considerando que a qualidade da implementação do tratamento está

relacionada aos resultados positivos apresentados, então, é possível afirmar que

essa investigação está com uma alta integridade.

Para futuras pesquisas a respeito do tema, em especial de caráter qualitativo,

de forma a ultrapassar o limiar da ciência baseada em evidência, a padronização e

a aplicação dos procedimentos do tratamento, como parte do método, podem

colaborar para a obtenção de verbas para financiamento da pesquisa. Acrescentar

medidas formalizadas da integridade do pesquisador, como é frequente em alguns

ensaios, pode proporcionar uma maior abrangência para a criação de programas de

trabalho para enlutados usando o EMDR. Essas medidas seriam relacionadas a

habilidades, conhecimentos, atitudes ou intenções, o que sabemos que não é fácil

em se tratando de pesquisa qualitativa com o objetivo de colaboração do

conhecimento, sem querer provar nada.

É provável que algum outro profissional trabalhando com os mesmos

participantes escolhesse caminhos diferentes para o tratamento e, por isso,

obtivesse resultados diferentes , nem melhores ou piores . O EMDR , apesar de

usar protocolos , é considerado uma abordagem que requer sensibilidade do

terapeuta para elaborar o plano de tratamento a partir da própria relação terapêutica.

Quanto mais avançado o treinamento do terapeuta, mais ferramentas e recursos terá

na obtenção dos resultados.

O trabalho de Gamino e Ritter (2009), tendo observado o trabalho de

Allumbaugh e Hoyt’s (1999), deixa claro que os clientes que buscam ativamente

ajuda profissional para o luto são aqueles que mais se beneficiaram do processo

psicoterápico, seja ele aconselhamento ou psicoterapia, informações confirmadas

por estudos de Currier et al. (2008) e Schut et al. (2001), incluindo o

encaminhamento por parte de médicos. Esse fator pode ser um dos elementos pelos

quais o conjunto de casos estudados demonstrou resultados positivos, uma vez que

os participantes foram recrutados por autorreferência para o trabalho com o luto.

Rando (2013) considera que a maior parte dos clientes da prática clínica são os que

que chegam espontaneamente para o tratamento ou aqueles que são encaminhados

por seus médicos.

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253

8.4 AVALIAÇÃO DA PESQUISA

Schut et al. (2010), em seu trabalho sobre a eficácia das intervenções em

luto, excluem descrições de intervenções e estudo de casos, mesmo reconhecendo

sua importância, pois o foco da atenção é nos testes empíricos. Considera-se que

esse procedimento de desvalorização da investigação qualitativa, embora frequente,

exclui importantes categorias de recursos na ajuda aos enlutados.

Ao contrário de problemas apresentados por Schut et al. (2010), em relação à

aderência de participantes na pesquisa, com alto grau de evasão, pesquisas

desenhadas como esta em curso indicam uma alta aderência ao tratamento, talvez

até pela proximidade com o terapeuta.

Os participantes que procuram por autorreferência a ajuda em intervenções

terciárias apresentam resultados que permitem concluir de que essa intervenção é

útil (SCHUT et al., 2010)

Para Schut et al. (2010), pesquisas qualitativas representam problemas

metodológicos em função de amostras pequenas e critérios de inclusão

inconsistentes. Geralmente, indicam resultados favoráveis, porém, apresentam

conclusão não tão é substancial quanto a dos estudos empíricos. Uma possível

explicação para as diferenças de intervenção é o recrutamento. As pessoas que

procuram ajuda tendem a ter maior motivação e maior confiança no profissional

assistente. As pessoas que pedem ajuda, provavelmente, são aquelas que dela

precisam mais. E é o que se vê na prática clínica, e o que parece ocorrer em relação

aos participantes desta investigação.

Conforme o planejamento dessa pesquisa, o uso de múltiplos instrumentos

para avaliação colaborou para a riqueza do material observado no estudo de caso

instrumental coletivo, uma vez que as informações de seus registros no início e no

fim do processo psicoterápico se entrecruzavam, complementando-se

A avaliação inicial, tal como formulada, permitiu levantar a história pregressa

com foco no luto, mesmo que não tenha entrado em detalhes da infância, pois os

dados coletados foram suficientes para tratar os seis com bons resultados. Permitiu

conhecer a história de perdas, a relação com o morto e a história da morte, bem

como o curso de luto de cada participante, com variações.

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O BDI foi inicialmente inserido apenas como critério de exclusão e se mostrou

importante por permitir a observação entre os estágios inicial e final da terapia, com

redução para todos os participantes.

O DES-II, da mesma forma. Apesar de habitualmente ser usado na

comunidade EMDR apenas para verificar a adequação e os cuidados adicionais

para com o cliente, no caso de dissociação, por exemplo, sua aplicação ao final do

tratamento verificou a redução dos registros de iniciais, em especial as de

dificuldades de atenção e memória. Esse mesmo achado de redução nos escores do

DES-II foi registrado por Wong (no prelo) ao pesquisar o uso de um protocolo

intitulado flash technique, sem tradução para o português, o que pode se tornar uma

inovação entre os terapeutas de EMDR para avaliar sua intervenção com qualquer

população.

O HGRC como forma de avaliar as reações secundárias à perda e ao evento

deflagrador permite observar o enlutado em diversas áreas, por meio de suas

subescalas, permitindo uma boa avaliação qualitativa dos resultados alcançados

com a intervenção. Os gráficos dos participantes apresentados nos Apêndices J, L,

N, R, P e T, analisados nos estudos de caso realizados no primeiro movimento de

análise dessa intervenção, indicam bons resultados qualitativos no que concerne o

EMDR como prática psicoterápica para enlutados. Avaliando respostas adaptativas e

não adaptativas, revelou ao final um aumento das respostas adaptativas em todos

os participantes, e os itens que não sofreram alteração foram justificados em função

de características idiossincráticas dos enlutados. Aquelas que foram registradas na

contramão da adaptação, foram justificadas por um conhecimento aumentado de si

mesmo, em um movimento de aprender a dizer não, como observado em nas

avaliações finais de P2 e P3. No caso de P6, a única resposta não adaptativa estava

relacionada a um sintoma remanescente, que parece estar ligada a memórias

anteriores à morte do irmão, provavelmente, ligadas às brigas dos pais.

O HGRC facilita o detalhamento das queixas apresentadas no momento

inicial de avaliação, oferecendo informações importantes do ponto de vista clínico

individual e também como parte da discussão teórica e clínica sobre o enlutado. Tem

oferecido segurança nas decisões sobre as abordagens a empregar diante de

diferentes demandas (FRANCO, 2016) e foi um elemento imprescindível na hora de

observar as diferenças e semelhanças.

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A seleção de casos dependeu de critérios previamente estabelecidos, visando

especialmente à segurança do participante. A partir do momento em que o

participante passou a integrar o conjunto de casos estudados, cada caso se tornou

relevante por si só, de forma a apresentar sua unicidade e sua diversidade nesse

contexto do conjunto. Esse recorte da realidade formado pelo conjunto de múltiplos

casos, com certeza, não representa a população enlutada que busca ajuda, mas

representa uma parte da população integrante do API/Vitória. Os integrantes do

API/Vitória podem ser considerados como indivíduos que ativamente buscam ajuda

sob a forma de apoio mútuo, independentemente da frequência assídua às reuniões.

Para representar a população que busca ajuda, a oportunidade desses seis

casos pode parecer pequena, mas espera-se que o percurso apresentado, com os

procedimentos detalhados, possam colaborar para o conhecimento da utilização do

EMDR em situações de luto. Stake (2006) pondera que o percurso metodológico do

estudo instrumental de caso coletivo é, por si só, um aprendizado em relação ao

conjunto. Na investigação em tela, os benefícios registrados por meio dos

instrumentos, bem como os relatos dos participantes, percorreram um caminho

possível de ampla aprendizagem.

É preciso considerar que a prática ética no trabalho com enlutados, tal como

preconizada por Gamino e Ritter (2009), foi observada em todos os passos dessa

investigação. Dessa maneira, é possível observar nesse conjunto de casos

estudados uma importante intervenção que colaborou para a construção de um

equilíbrio de todos os participantes. Integridade pessoal, responsabilidade, formação

profissional, atenção aos passos. Mas é sabido também que todos os profissionais

que trabalham com o ser humano são sujeitos aos seus próprios pontos cegos.

Suspiros, momentos de observar possíveis pontos cegos. Bem como durante a

avaliação de cada caso...repensar a prática.

Embora os resultados desta pesquisa possam ser vistos como um grande

avanço para o conhecimento a respeito da utilização do EMDR em termos

qualitativos, também devem ser vistos com humildade e crítica. Nesse contexto do

caso instrumental coletivo, o EMDR foi eficaz, reduzindo os sintomas inicialmente

apresentados, tal como observa Worden (2013) em seus critérios de avaliação de

resultados.

Segundo Hall e Irwin (2010), os possíveis benefícios clínicos de intervenções

com enlutados incluem melhorias no funcionamento fisiológico, resultado esse

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observado no uso do EMDR com enlutados. Portanto, pode-se aferir que o EMDR

tem a possibilidade de potencializar a redução dos riscos médicos nessa população.

As decisões tomadas nesta pesquisa se apoiam em Beck e Konnert (2007),

que investigaram os efeitos da participação de enlutados em trabalhos que abordam

suas experiências. Esses autores concluem que a experiência apresenta efeitos

benéficos mais significativos do que os riscos potenciais, desde que respeitados os

princípios e cuidados adequados em relação à ética da pesquisa. Esses efeitos

benéficos também puderam ser observados por Silva (2009) e Pessoa (2017),

mesmo com as dificuldades encontradas para o recrutamento dos participantes.

De acordo com as recomendações de Worden (2013), para o

desenvolvimento de psicoterapia do luto, é preciso garantir que o enlutado não fique

pior do que quando chega para o tratamento. Nesse sentido, os resultados da

pesquisa apontam que nessa intervenção junto ao conjunto de múltiplos casos o

EMDR se mostrou satisfatório.

Em consonância com as observações de Rando (2013) entre a observação

clínica e as pesquisas empíricas, essa pesquisa, por seu caráter clínico e

exploratório, parece ser uma forma de integrar o melhor de cada uma dessas áreas.

Desta feita, mantém o rigor científico ao mesmo tempo em que permite conhecer o

que ensina a prática clínica de EMDR com enlutados.

Essa pesquisa permitiu reconhecer diferente roteiros no caminho comum das

complicações no processo de luto e, principalmente, cuidar do que não estava

funcionando bem, colaborando, como nos diz Worden (2013), para a adaptação à

nova realidade.

O trabalho de Franco, Tinoco e Mazorra (2017) respalda a relevância desta

pesquisa por estudar o luto por meio da experiência de quem é impactado por uma

perda nos vários níveis de sua existência. Estar frente à frente com os enlutados

possibilita conhecer a sua realidade ao mesmo tempo em que permite construir uma

intervenção adequada, sempre em observância a seus riscos e benefícios.

Os resultados podem ter sido influenciados pela presença de apenas uma

terapeuta; e uma fraqueza do estudo pode estar no fato de a avaliação final ter sido

feita pela mesma pesquisadora e não por pesquisadores cegos, como na pesquisa

de Meysner , Cotter e Lee (2016 ). Naquele estudo , a avaliação inicial também foi

feita por pesquisadores “cegos”, em contrapartida, esta investigação considerou que

a parte inicial realizada pelo mesmo profissional que realizaria a intervenção

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proporcionaria também um melhor desenvolvimento dos plano de tratamento e alvos

a serem focalizados, bem como ao desenvolvimento e fortalecimento do vínculo

terapêutico, que também faz parte da abordagem do EMDR.

Ao longo de toda a análise dos elementos apresentados, observa-se a

ausência da estratégia de follow-up, como ponto crucial para a avaliação dos

resultados a longo prazo. Pois há a curiosidade de saber o que acontecerá com

cada enlutado e como a intervenção alterou o percurso de seu luto, para além da

redução da perturbação de cada alvo e extinção das crenças negativas.

Os estudos identificados por Hall e Irwin (2010) indicam grandes chances de

alterações após uma perda e vários fatores parecem induzir o tempo, a extensão e a

vulnerabilidade das mudanças relacionadas ao luto. Segundo os autores, para

prevenir sintomas de estresse e depressão, na qualidade de fatores protetores estão

associados ao uso de estratégias efetivas de enfrentamento, rede de suporte social

e perfil de sono saudável. Recomendam estudos longitudinais para avaliar o

funcionamento fisiológico, a morbidade e a mortalidade associada à perda. O maior

desafio aqui é construir um estudo longitudinal qualitativo que pudesse observar

esse período maior após a intervenção.

Não restam dúvidas de que o uso do EMDR atinge os critérios de avaliação

de Worden (2013) em relação aos resultados de uma psicoterapia para enlutados,

como exaustivamente identificado ao longo deste trabalho: mudanças na experiência

subjetiva, nos comportamentos e alívio dos sintomas.

É preciso expandir esse conhecimento e identificar, por exemplo, se existem

contraindicações no uso do EMDR com enlutados e quando começar sua aplicação.

O EMDR é compatível com um crescente campo de pesquisas sobre o luto e suas

complicações, e deve ser avaliado em comparação com outras abordagens

psicoterápicas. Sugere-se observar quais são as limitações deste estudo. Além

disso, deve-se encorajar outros pesquisadores a enveredar pelo caminho do EMDR

com enlutados, de forma a trazer ainda mais conhecimento prático. Não se pretende

provar que é melhor do que outras abordagens, mas apresentar suas possibilidades.

Ao adentrar no segundo século de desenvolvimento formal da psicoterapia do

luto, observa-se que os modelos de fases ou etapas a serem seguidos de forma

passiva perderam relevância, como nos diz Neimeyer (2011). Para ele, a

colaboração entre teóricos, pesquisadores, clínicos e os próprios enlutados em

posição ativa enfrenta o desafio duplo da perda e da restauração, dos aspectos

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biopsicossociais e relacionais, bem como da construção do significado no caminho

do luto. E é esse caminho que é preciso observar na utilização do EMDR em

situações de luto: de uma psicoterapia possível, integrada à amplitude do trabalho

com enlutados, aliviando o sofrimento de uma perda. Isso porque,

independentemente das circunstâncias, sempre haverá impacto para o enlutado e

sua família.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o EMDR não tenha sido inicialmente talhado para o trabalho com

enlutados, seu desenvolvimento por meio da prática clínica de outras pesquisas

qualitativas ou empíricas, assim também como o encerramento dessa investigação,

indicam a adequação do EMDR como intervenção possível e desejável para

enlutados.

A partir deste estudo, tem-se clareza de que, mais do que uma técnica ou

uma ferramenta para o trabalho com enlutados, o EMDR é uma abordagem

integrativa, por meio da qual deve ser feita a avaliação e o enquadramento

necessários para o levantamento dos objetivos da intervenção e a elaboração do

plano de tratamento.

Como outras intervenções no luto, a manutenção de um foco traz resultados

rápidos por meio de mudanças significativas nos aspectos pessoal, familiar, social e

físico. Assim, observa-se redução dos índices de perturbação relacionados aos alvos

do plano de tratamento, bem como indicativos de redução do isolamento social,

alívio dos sintomas físicos, melhor qualidade do sono, redução de ansiedade,

redução dos comportamentos compulsivos, além do surgimento de memórias

adaptativas.

A redução nos índices avaliados pelo BDI e pelo DES-II são compatíveis com

a redução da tristeza e com a mudança positiva a respeito da perspectiva de futuro,

bem como na melhoria da memória e da concentração. As avaliações

proporcionadas pelas medidas de SUDS e de VoC também indicam a direção para o

cumprimento de cada objetivo estabelecido no processo psicoterápico. As

avaliações proporcionadas pelas subescalas do HGRC indicam melhora nos

comportamentos relacionados ao Desespero, à Desorganização, a Culpa e Raiva,

ao Comportamento de Pânico e ao Desinteresse/Indiferença, em contrapartida com

o aumento de Crescimento Pessoal coadunam com todas as respostas que indicam

que o luto foi levado ao seu curso normal.

Tendo como base os resultados e a discussão apresentados, tanto dos casos

individuais quanto de seu conjunto, é possível considerar mais aspectos positivos do

que negativos em todo o processo. De acordo com o relato dos participantes, o

maior desconforto percebido foi lidar com memórias perturbadoras, mas que não

trouxeram maiores dificuldades do que as vivenciadas em seu cotidiano. Ao

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perceberem o alívio ao longo do processamento dos alvos estabelecidos, este logo

se tornava o combustível necessário para seguir adiante em busca de uma melhor

adaptação. Por unanimidade recomendam a intervenção para outros enlutados.

O EMDR como abordagem psicoterápica para enlutados pode proporcionar,

por meio do Processamento Adaptativo de Informação, estratégias de

autorregulação, manejo da ansiedade, regulação do afeto e do pensamento, a

construção de significado, o equilíbrio entre a orientação para a restauração e a

orientação para a perda, bem como a representação interna do ente querido,

proporcionado a continuidade do vínculo.

Considerando o estudo do conjunto de múltiplos casos, pode-se afirmar que a

variedade apresentada, embora em pequeno número de participantes, pode

representar o EMDR como uma intervenção adequada para enlutados em função

dos resultados apresentados.

Embora com um pequeno quantitativo de participantes, os resultados

apresentados nesta pesquisa demonstram a eficácia do EMDR em todos os casos, o

que é motivo de celebração. Contudo, há que se ter parcimônia, pois os resultados

são limitados à quantidade, ao curto período, à ligação anterior com a pesquisadora,

o que pode ter influenciado os bons resultados. Esses resultados imediatos podem

sofrer alteração a médio e longo prazo, motivo pelo qual em replicação futura será

de fundamental importância monitorá-los.

O método proposto proporcionou uma visão direta do processo psicoterápico

do EMDR com enlutados, por meio da fundamentação teórica que o compõe. No

passeio oferecido por entre a apresentação do caso de cada participante, com o

detalhamento das avaliações, da construção do plano de tratamento, do

sequenciamento de cada sessão, bem como nos resultados apresentados,

oportuniza a reprodução da avaliação e da prática clínica com enlutados.

Um dos benefícios deste trabalho foi concluir que não há um protocolo de luto

propriamente dito, mas uma abrangente avaliação do processo de luto para a

determinação do que será trabalhado e de que forma. Um convite aos terapeutas de

EMDR para que conheçam mais desse universo tão grande. Em contrapartida, fica

também o convite para que os terapeutas de luto conheçam as grandes

contribuições do EMDR com enlutados.

Esta investigação indica, em meio ao crescimento do EMDR no Brasil e no

mundo, ao mesmo tempo em que já existe um crescente interesse em intervenções

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com enlutados que possam ser consideradas efetivas, importantes contribuições

para a utilização do EMDR em situações de luto. E propõe de forma inovadora um

novo enquadramento para olhar o luto sob a perspectiva do EMDR.

Em função de as memórias trabalhadas estarem correlacionadas aos

momentos circundantes da morte, faz-se mister que trabalhadores de saúde, bem

como profissionais de segurança pública, recebam treinamento adequado para

fornecer o apoio apropriado aos enlutados nos momentos mais críticos de sua vida.

A partir de alguns dos resultados alcançados, é possível afirmar que cuidar de

situações traumatogênicas e de potencial risco para o desencadeamento de luto

complicado é disseminar os cuidados em relação à vida e à morte, para que o

indivíduo receba assistência adequada, evitando possíveis traumas. A morte será

sempre um possível trauma. Por que não minimizar seus efeitos?

Embora tenha sido adotado o mesmo procedimento para todos os

participantes, observa-se resultados diferentes. Isso indica a necessidade de

compreender os diferentes casos de luto em suas vicissitudes e a complexidade

para qualquer tipo de intervenção a ser programada e efetivada com enlutados.

Pode ser valioso refinar o conhecimento em relação ao uso do EMDR com

enlutados, o que requer uma complexidade em futuras investigações. Essas podem

colocar em tela as reações individuais ao luto e ao trauma, bem como ao

entrelaçamento desses dois elementos interdependentes, como forma de

compreender a natureza do luto, para além dos estudos já existentes a respeito do

apego.

A integridade do tratamento conferida à presente pesquisa possibilita a

disseminação dos resultados para seu uso na prática clínica. Dessa forma, espera-

se que este estudo possa ter funcionado como um grande incentivo para novas

pesquisas no futuro, quantitativas e/ou qualitativas. Essas novas investigações

podem incluir um número maior de participantes e de terapeutas, variações do

protocolo básico, protocolos específicos para luto já existentes, questões específicas

do processo do luto, o momento adequado de iniciar o EMDR com enlutados, quais

as indicações e contraindicações, bem como os cuidados necessários, entre muitas

outras.

Espera-se também que essa pesquisa abra novos caminhos para os

profissionais que utilizam EMDR em sua prática clínica com enlutados, a partir da

compreensão da complexidade do complexo do luto e de sua adequada abordagem.

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A abordagem psicoterápica do EMDR demonstra ser uma intervenção adequada e

eficaz para preencher a lacuna das necessidades da saúde mental dos enlutados,

reduzindo os sintomas do sofrimento psíquico e colocando o processo de luto em

seu curso saudável.

Não se pretende que esta pesquisa seja um ponto final a respeito da

utilização do EMDR como abordagem psicoterápica com enlutados. Ao contrário, os

resultados encontrados e a discussão realizada indicam que foram dados os

primeiros passos para compreender esse complexo processo. Contudo, é provável

que a própria releitura do trabalho, bem como críticas e colaborações de outros

colegas que tenham interesse pelo tema, assim como novas investigações, tragam

novas contribuições.

Essas novas contribuições aliadas à riqueza do material obtido ao longo

dessa investigação tornaram todo o processo de verdadeiro testemunho de

crescimento e resiliência de cada participante. Desta feita, sobra motivação à

releitura de todo o conteúdo em futuro próximo. Como um incentivo para que sejam

elaboradas diferentes publicações para a comunidade de profissionais que trabalha

com EMDR e a comunidade de profissionais que trabalha com enlutados. É preciso

encerrar esses primeiros passos. Contudo, espera-se que tenham sido o começo de

uma longa jornada.

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ANEXO A – Termo de Consentimento de Utilização de Dados

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APÊNDICE A – Avaliação Clínica Inicial

Nome:______________________________________________________________ Data de Nascimento: ____________Data da Avaliação:________________________ Sexo:___________Etnia:____________Renda familiar:_______________________

Data da Perda:___________________________________ Causa: ( ) doença ( ) acidente ( )homicídio ( ) suicídio ( ) outro ____________ Relacionamento: ( ) Filho ( ) Filha ( )Pai ( ) Mãe ( ) Irmão ( )Irmã ( ) Avô ( ) Avó ( ) Cônjuge ( ) Amigo (a) ( ) outro membro da família (qual?) ____________________ Nome:____________________________________________________________________ Idade: ______________________ Descreva, brevemente, os motivos que o trazem aqui, ou o que você gostaria de trabalhar na psicoterapia com EMDR, relacionadas ao seu processo de luto:

a.__________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ b._____________________________________________________________________________________________________________________________________________________ c._____________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 1. Você terá alguma reunião ou algum compromisso importante nos próximos dias? ( ) não ( ) sim 2.Você vai viajar ou tirar férias nos próximos dias ou semanas? ( ) não ( ) sim

3.Se você é mulher, você está grávida? ( ) não ( ) sim

4.Psicoterapias anteriores com poucos resultados? ( ) não ( ) sim

5.Já usou EMDR? ( ) não ( ) sim Quando: 6.Você considera estar com boa saúde? ( ) não ( ) sim Se “não”, que tipo de problemas de saúde você está enfrentando? ___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________ 7.No presente, você faz uso de alguma substância química (álcool, drogas, medicações psicotrópicas, entre outros.)? ( ) não ( ) sim . Em caso afirmativo, descreve o que está usando, em que quantidade e

frequência:___________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

__

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Assinale, a seguir, os itens que se aplicam a você (presente e passado): 8. ( ) Epilepsia 9. ( ) Dores nos olhos/problemas visuais 10.( ) Dores de ouvido/perda de audição 11.( ) Danos cerebrais/ traumas______________________________________

12.( ) Problemas neurológicos_______________________________________

13.( ) Problemas cardíacos _________________________________________ 14.( ) Uso de anfetaminas 15.( ) Uso de cocaína 16.( ) Uso de benzodiazepínicos ( Diazepan, Valium, Rivotril, etc. ) 17.( ) Doenças que os médicos não conseguem diagnosticar 18.( ) Dores de cabeça que não respondem a medicamentos/tratamentos 19.( ) Lembranças somáticas 20.Relacione os medicamentos que você está tomando

atualmente:__________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___

Médico/Especialidade: _____________________________________________

Telefone: _______________________________________________________ Você tem história de:

21. Tentativas de suicídio? _________________________________( ) não ( ) sim

22. Pensamentos suicidas?________________________________( ) não ( ) sim

23. Automutilação (ferir-se propositalmente)? ____________________( ) não ( ) sim 24. Transtornos de alimentação Anorexia ( ) não ( ) sim Bulimia ( ) não ( ) sim Sobrepeso ( ) não ( ) sim 25. Transtornos do sono? Insônia? Pesadelos?__________________( ) não ( ) sim

26. Pressão alta?________________________________________( ) não ( ) sim

27. Crise de pânico?______________________________________( ) não ( ) sim

28. Ansiedade excessiva? __________________________________( ) não ( ) sim

29. “Nervoso”? “Ataques de fúria”?____________________________( ) não ( ) sim

30. Dificuldades para sair de casa?____________________________( ) não ( ) sim

31. Vê-se “diferente” no espelho?_____________________________( ) não ( ) sim

32. Sensação de não pertencer?______________________________( ) não ( ) sim

32. Ouve vozes ou diálogos dentro da cabeça____________________( ) não ( ) sim 33. Pensamentos persistentes/obsessivos/intrusivos, difíceis de se livrar? ( ) não ( ) sim 34.Como você costuma enfrentar situações difíceis ou de estresse? (estratégias que

funcionam)___________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________ 35.Cite algumas das suas qualidades que ajudam a lidar com a raiva:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________ 36.Quem são as pessoas que lhe dão apoio nos momentos difíceis?

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___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_____________________________________________________________________ Se necessário, quem poderia chamar? Nome: _________________________________________________________

Grau de parentesco: _______________________________________________

Telefone: _______________________________________________________

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APÊNDICE B – Avaliação Clínica Final

Nome: ________________________________________ Data: ________________ Relate sua experiência em relação ao trabalho realizado numa escala de 0 a 10, qual o nível de satisfação com os resultados alcançados? Quando você pensa agora no que foi proposto trabalhar neste processo de psicoterapia, o que percebe de mudanças em relação ao problema inicial apresentado? O que mudou? Em relação a pessoa que morreu Em sua vida pessoal Em sua vida social Em seu físico O que não mudou? O que ainda falta? Ou o que você gostaria ainda de trabalhar em psicoterapia? Você indicaria essa psicoterapia para alguém? Quais recomendações faria? ALVOS TRABALHADOS (a partir do plano de tratamento): SUDs atual (de cada alvo) Encaminhamentos:

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APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE

Título da Pesquisa: EMDR como possibilidade de psicoterapia para o luto: um estudo de caso instrumental coletivo

Você está sendo convidado a participar desta pesquisa. Ela está sendo realizada por mim,

Daniela Reis e Silva, CRP 16/517, sob orientação da Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, respectivamente pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenção em Luto da PUC-SP (LELu), como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Psicologia Clínica, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP.

A pesquisa tem como objetivo analisar os resultados da utilização da abordagem psicoterápica do EMDR (EyeMovementDesensitizationandReprocessing, em português, Dessensibilização e Reprocessamento Movimentos Oculares) em pacientes enlutados por morte de um ente querido.

O EMDR é uma abordagem psicoterápica utilizada com bons resultados para diversos tipos de problemas psicológicos, mas ainda não existe no Brasil uma pesquisa de sua aplicação em situações de luto. Você está recebendo maiores informações sobre o EMDR em anexo.

O estudo será desenvolvido com pessoas enlutadas, convidadas a partir de sua participação no API/Vitória – Apoio a Perdas Irreparáveis, grupo de apoio a enlutados. Compreende uma pesquisa quanti e qualitativa com enlutados que queiram se submeter a uma psicoterapia com foco em seu processo de luto.

A partir da aceitação ao convite, será realizado um encontro de avaliação, com a aplicação de um questionário com perguntas semiestruturadas, com perguntas gerais e específicas para obtenção de informações para avaliar os critérios de seleção para participação na pesquisa. Os dados formais serão registrados por escrito, pelo próprio participante, e a pesquisadora irá proceder a realização de outras perguntas pertinentes nessa avaliação clínica Inicial. Caso você atenda aos critérios de inclusão da pesquisa, serão agendados os próximos encontros presenciais, no total de 10 a 14, que consistirão em avaliação, sessões de psicoterapia e encerramento. Durante o processo de avaliação e no encontro de encerramento você será convidado a preencher alguns questionários. Os momentos de contato com a pesquisadora serão registrados por escrito pela mesma, e gravados em vídeo e áudio para garantir maior fidelidade do que acontece nos diferentes encontros presenciais. As informações coletadas serão utilizadas para os objetivos desta pesquisa, quais sejam: a elaboração da Tese de Doutorado e publicação dos resultados obtidos. Apenas a pesquisadora terá contato com este material, sendo garantido o total sigilo a respeito de seu conteúdo e de sua identidade. Essas informações ficarão disponíveis para os participantes a qualquer momento do desenrolar da investigação. Cada encontro terá em torno de uma hora a uma hora e meia de duração e acontecerá no consultório da pesquisadora, situado à Rua João de Souza Lima, 11 – Mata da Praia, Vitória-ES. Todos os encontros serão registrados em áudio e vídeo para maior fidelidade das informações, bem como a pesquisadora tomará notas pessoais tal como o faz durante seu atendimento clínico. O maior desconforto para você é o tempo que participará das avaliações e dos atendimentos psicoterápicos, bem como a lembrança de aspectos que podem ter sido difíceis e seus efeitos ainda presentes. Considera-se que o EMDR tem o potencial de oportunizar uma diferença positiva na sua relação com o processo de luto. Embora haja um risco mínimo em sua participação, todos os cuidados éticos foram realizados, bem como avaliações constantes durante todo o processo para reduzir qualquer possível efeito negativo. Caso ocorra algum tipo de dano à saúde física ou psíquica ou quaisquer que sejam as situações identificadas de desconforto, a pesquisadora se responsabiliza por cuidar dos mesmos e fazer todos os encaminhamentos necessários para minimizá-los. Sua participação é opcional e voluntária, sem qualquer custo, e caso você não queira participar do presente estudo ou apresente algum critério durante a avaliação que impeça sua participação na pesquisa e seja identificada a necessidade de acompanhamento profissional, você será encaminhado para o tratamento psicológico em uma Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua residência ou para um profissional de psicologia que participe do API/Vitória para acompanhá-lo, de acordo com sua preferência. Este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido representa sua concordância em participar desta pesquisa, podendo deixá-la a qualquer momento, sem penalização ou prejuízo. Caso isso ocorra, haverá a possibilidade de continuidade da psicoterapia, caso assim o queira, e os registros das sessões psicoterápicas acordadas por meio deste documento serão excluídos da pesquisa.

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Caso tenha alguma pergunta a fazer antes de se decidir, sinta-se à vontade para fazê-la pessoalmente ou por meio dos contatos abaixo. Caso surjam dúvidas em relação à pesquisa a qualquer etapa da mesma, você tem a liberdade de fazer contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP por meio dos dados informados abaixo. Solicito, portanto, sua autorização para a participação na pesquisa, inclusive para o registro dos encontros presenciais e a publicação dos dados. O presente documento apresenta-se em duas vias, uma das quais ficará com você a outra, com a pesquisadora responsável. Desde já agradeço a atenção, colocando-me à inteira disposição para o que se fizer necessário.

Daniela Reis e Silva CRP 16/517

Pesquisadora Fone (27) XXXXXXXXXX

Email: [email protected] Declaro que recebi de forma clara e detalhada os devidos esclarecimentos a respeito do presente estudo, e ciente de que a minha participação é voluntária, e que minha aceitação ou recusa não acarretará nenhum prejuízo, e que mesmo aceitando posso, a qualquer momento, desistir de participar, eu___________________________________________________________________, RG__________________________, CPF:____________________,concordo em participar da pesquisa. Vitória, ___de _________________de 20___.

_________________________

Assinatura

Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP Rua Ministro de Godói, 969 – Perdizes Edifício Reitor Bandeira de Mello, sala 63-C São Paulo – SP - CEP 05015-001 Tel: (11) 3670-8466 Email: [email protected]

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APÊNDICE D – Carta-convite

Título da Pesquisa: EMDR como possibilidade de psicoterapia para o luto:

um estudo de caso instrumental coletivo

Eu, Daniela Reis e Silva, psicóloga, CRP 16/517, sob orientação da Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, convido você que faz parte do API/Vitória – rede de Apoio a Perdas Irreparáveis para participar desta pesquisa do Laboratório de Estudos e Intervenção em Luto da PUC-SP (LELu), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP.

A pesquisa, parte da minha tese de Doutorado, tem como objetivo analisar os resultados da utilização da abordagem psicoterápica do EMDR (EyeMovementDesensitizationandReprocessing, em português, Dessensibilização e Reprocessamento Movimentos Oculares) em 3 pessoas enlutadas por morte de um ente querido. Ou seja, você receberá uma psicoterapia com foco em seu processo de luto.

Para participar é preciso ter entre 18 e 65 anos e ter sofrido uma perda por morte há mais de dois anos, independente da causa ou do grau de parentesco, estar sem psicoterapia no mínimo há seis meses e nunca ter feito sessões de EMDR antes.

Caso seja de seu interesse, será agendado um primeiro encontro onde você receberá maiores informações sobre a pesquisa. Após aceitar sua participação, serão agendados os próximos encontros presenciais e individuais que consistirão em avaliação, sessões de psicoterapia e encerramento, em um período não superior a seis meses.

Frequência: os encontros serão semanais e podem ter duração máxima variando entre uma a uma hora.

Local: os encontros acontecerão em meu consultório, na Mata da Praia, região metropolitana de Vitória, em local de fácil acesso por diferentes meios de transporte.

Horários e datas: serão estabelecidos de acordo com a disponibilidade e conveniência de cada participante.

É importante informar que todos os dados que você fornecer serão mantidos sob sigilo, respeitando todos os cuidados éticos de acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos, conforme a Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. O maior desconforto para você é o tempo que participará das avaliações e dos atendimentos psicoterápicos, bem como a lembrança de aspectos que podem ter sido difíceis e seus efeitos ainda presentes. Caso tenha alguma pergunta a fazer antes de se decidir agendar nosso primeiro contato pessoal, sinta-se à vontade para usar as formas de comunicação indicadas abaixo. Desde já agradeço a atenção, colocando-me à inteira disposição para o que se fizer necessário.

Daniela Reis e Silva

Fone (27) XXXXXXX Email: [email protected]

Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP Rua Ministro de Godói, 969 – Perdizes Edifício Reitor Bandeira de Mello, sala 63-C São Paulo – SP - CEP 05015-001 Tel: (11) 3670-8466 Email: [email protected]

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APÊNDICE E – Informações sobre EMDR Tratamento de Memórias Traumáticas por meio de Dessensibilização e Reprocessamento por

meio de Movimentos Oculares (Eye Movement Desensitization and Reprocessing)

No final dos anos 80, a doutora em Psicologia Francine Shapiro observou, a partir de uma experiência pessoal, que seus pensamentos perturbadores começaram a perder a intensidade durante uma caminhada, enquanto fazia movimentos oculares bilaterais ao acaso. Ao experimentar o procedimento com outras pessoas também observou a redução do desconforto. Depois de mais experiências, observou haver um reprocessamento por meio da atribuição espontânea de novo significado positivo a experiências traumáticas. Em vez de a pessoa pensar: “a culpa foi minha”, ao pensar na mesma situação surgia o pensamento: “fiz o melhor que pude; era apenas uma criança”. Por isso batizou o método de Reprocessamento e Dessensibilização por Movimentos Oculares.

Várias reformulações teóricas e práticas, bem como a ampliação de pesquisas científicas, tem permitido ao EMDR tornar-se uma abordagem psicoterápica mais ampla e inclusiva, que permite o tratamento de situações traumáticas recentes e passadas, bem como transtornos de ansiedade (pânico, fobias, transtorno de estresse agudo e pós-traumático), depressão, distúrbios psicossomáticos (fibromialgia, enxaqueca, fadiga crônica), situações que envolvem luto e, mais recentemente, pacientes com transtornos de personalidade e psicóticos.

Um dos princípios fundamentais da psicoterapia com EMDR reside na tendência humana ao equilíbrio físico e mental. O objetivo do EMDR é o de remover o bloqueio causado pelas imagens, crenças negativas, sentimentos e sensações corporais perturbadores provenientes em geral de traumas de infância, e permitir que a recuperação de seu estado normal de saúde emocional, possibilitando à pessoa viver o presente, bem como planejar e organizar o futuro.

Às vezes a pessoa afirma não ter um trauma de passado. Esclarecemos que o trauma pode ser conceituado como uma lembrança, a memória de um evento que deveria ser percebida como se estivesse no passado distante, mas que ainda é percebida como algo recente, mesmo após transcorridos vários anos. Um trauma não precisa ser algo trágico. Pequenas humilhações podem provocar efeitos de longo prazo e terem impacto tão profundo quanto uma catástrofe.

Atualmente são utilizados diferentes estímulos bilaterais (visual, auditivo ou tátil) que promovem melhor integração de informação nos hemisférios cerebrais, reorganizando e ressignificando conteúdo emocional e racional. Com o EMDR auxiliamos o cérebro a retomar o que deveria desempenhar normalmente. A estimulação bilateral ritmada ativa o sistema de relaxamento e o indivíduo sai do estado crônico de alarme mais rapidamente.

Após uma fase de preparação onde é elaborado um plano de tratamento, inicia-se o reprocessamento das lembranças que estejam direta ou indiretamente relacionadas à queixa atual. A memória perturbadora que parecia ter ocorrido há pouco tempo deixa de incomodar quando é acessada, podendo surgir memórias positivas ligadas à situação traumática.

O profissional, psicólogo ou médico, que emprega o método do EMDR deve ser certificado por meio do EMDR®Institute, nos Estados Unidos e requer treinamento ministrado por treinadores credenciados pelo EMDR®Institute ou EMDR Iberoamérica.

Para informações adicionais, conferir os sites:

Associação Brasileira de EMDR www.emdr.org.br EMDR Treinamento & Consultoria www.emdrtreinamento.com.br O que é o EMDR https://www.youtube.com/watch? v=RhCwNZQbet0 Aspectos Fundamentais do EMDR https://www.youtube.com/watch? v=hhfxPvhJ76k Demonstrações de sessões de EMDR: https://www.youtube.com/watch? v=U8P869yjg8I https://www.youtube.com/watch? v=5q2vOpGTqsY

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APÊNDICE F – Fluxograma para encaminhamentos

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APÊNDICE G – Notificação para encaminhamentos necessários

Prezado Sr. (a) _________________________________________________

Durante a sua participação na Pesquisa de Doutorado intitulada “EMDR como possibilidade de psicoterapia para o luto: um estudo de caso instrumental coletivo”, conduzida por Daniela Reis e Silva, sob orientação da Profa. Dra. Maria Helena Pereira Franco, os seguintes motivos impedem sua participação na presente investigação e podem exigem cuidados adicionais: ( ) a avaliação dos resultados de um dos questionários observou a presença de sintomas depressivos que podem indicar a presença de depressão, que necessita de uma maior investigação ( ) a avaliação dos resultados de um dos questionários observou a presença de sinais de dissociação que reque cuidados adicionais para a psicoterapia ( ) quaisquer outros critérios de exclusão ( ) não interesse em participar da pesquisa ( ) desligamento por interesse próprio a qualquer momento da pesquisa Recomenda-se, portanto: ( ) Avaliação por um médico ________________________ (especialidade) ( ) Encaminhamento para outro profissional de psicologia que possa dar seguimento ao seu tratamento OBSERVAÇÕES ADICIONAIS: ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Esta avaliação para posterior atendimento pode ser feita na rede pública por meio de uma Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, ou em algum outro local onde já esteja recebendo tratamento. Caso haja dificuldades com a marcação no serviço público de saúde, é possível fazer a referência para profissionais que possam conduzir esta avaliação de forma gratuita. Para quaisquer esclarecimentos, favor contactarDaniela Reis e Silva no telefone (27) 3225-1776 ou por [email protected]

Vitória, _______ de ___________________________ de ________

DANIELA REIS E SILVA

CRP 16/517

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APÊNDICE H – Notas sobre a leitura do relato do estudo de caso Identidade do Caso – Px

Resumo

Achados I – II – III – IV –

Unicidade do caso para o conjunto de múltiplos casos

Relevância do caso para os temas cruzados Tema 1 Tema 2 Tema 3 Tema 4 Tema 5 Tema 6 Tema 7 Tema 8... Possíveis exemplos para o relato cruzado dos casos

Influências gerais

Fatores situacionais

Comentários

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APÊNDICE I – P1 Sessões de EMDR – P1 Sessão 1 Instalação LT Metáfora - MB’s Memória Alvo - não ter percebido nada I - quando chegou em casa e o viu agonizando CN – eu deveria ter feito alguma coisa CP – fui um bom pai VoC - 7 E – tristeza/Impotência SUDS – 10 S – dor de cabeça, cansaço no corpo todo, resfriado, desânimo, desalento Sessão incompleta Sessão 2 SUDS residual - 9,5. Relata que não teve sonho. E – tristeza/impotência/angústia SF - nó na garganta Sessão incompleta Sessão 3 SUDS residual - 10 SF - Nó na garganta Sessão incompleta Sessão 4 SUDS residual – 6 CL – se sente culpado por se divertir Sessão incompleta Sessão 5 SUDS residual – 10 E - angústia/sofrimento/tristeza SF – nó na garganta Sessão incompleta Sessão 6 SUDS residual – 9,5 E – saudade/tristeza/perda SF – nó na garganta Sessão incompleta Sessão 7 SUDS residual- 9,5 (ausência)/ 9 (cena) E – impotência/incapacidade SF - nó na garganta Sessão incompleta Sessão 8 SUDS residual – 6 SF - ombro Sessão incompleta Sessão 9 SUDS residual – 5 SF – ombro Sessão incompleta Sessão 10 SUDS residual - 5 SF – cansaço/aperto na garganta/ombros Sessão incompleta

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APÊNDICE J – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P1

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APÊNDICE K – P2: sessões de EMDR Sessão 1 Instalação Lugar Tranquilo Metáfora: TV MB’s - visuais Memória Alvo – Morte do pai I- no hospital, ele naquela mesa fria, só de fralda. CN- deveria ter feito alguma coisa CP- fiz o melhor que pude VoC- 2 E- angústia/cobrança SUDS- 9 SF- tremor no corpo, falta de ar, bolo no peito, como se tivesse alguma coisa presa Sessão completa Sessão 2 Reavaliação SUDS 0 Memória Alvo – Morte da mãe I- ela no caixão e eu vendo ela. Fala da tia repreendendo-a: ela está sorrindo CN- sou insensível CP- sou capaz VoC- 1 E- tristeza SUDS- 7 SF- pressão na cabeça/na testa Sessão completa CP – sou vitoriosa – reforço com MB’s lentos Sessão 3 Reavaliação – SUDS - 0 Memória Alvo – dificuldade com as irmãs I- eu no quarto ouvindo todo mundo na cozinha CN- sou sozinha CP- posso me defender VoC- 7 E- angústia/raiva/decepção SUDS- 7 SF- cabeça Sessão completa Alívio + CPssou capaz, não mereço sofrer - sensação positiva da praia reforço com MB’s lentos Sessão 4 Reavaliação – SUDS - 0 Memória Alvo – Morte do marido 1ª. memória I- eu olhando a fotografia CN- eu deveria ter feito alguma coisa CP- posso lidar com isso VoC- 3 E- tristeza enorme SUDS-10 SF- vontade de chorar incontrolável (não consegue localizar no corpo) Sessão incompleta Última medida de SUDS 4. LT

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Sessão 5 SUDS residual 8 Memória Alvo – mesma E- tristeza SF – dor no peito Sessão completa Sessão 6 SUDS residual 2 SF – “facadinha no coração” CP mudou – mereço viver Sessão completa Corpo melhor que praia – reforço com MB’s lentos Sessão 7 Reavaliação – SUDS 0 Memória Alvo – contando para [filha 2] I-filha chorando e colocando a cabeça no travesseiro CN- não sou suficentemente boa CP- posso confiar nas minhas decisões VoC- 4 E- tristeza SUDS- 8 SF- pressão na cabeça Sessão completa CP final– sou uma boa mãe – reforço com MB’s lentos Sessão 8 Reavaliação – SUDS - 0 Projeção futuro – desenho CP – sou a melhor mãe do mundo – reforço com MB’s lentos + AF

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APÊNDICE L – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P2

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APÊNDICE M – Sessões de EMDR P3 Sessão 1 Instalação LT Metáfora – trem MB’s – visuais diagonal/AUD+tátil Memória Alvo - culpa I – em casa, olhando a filha e pensando CN – sou insensível CP – fiz o melhor que eu pude VoC- 7 E – arrependimento/tristeza/raiva SUDS - 7 SF – peito/fadiga Sessão completa Sessão 2 SUDS residual – 7 E – angústia/tristeza/impotência SF – peito Sessão incompleta Sessão 3 SUDS residual – 8 E – raiva SF- peito Sessão completa Sessão 4 SUDS residual – 0 Memória alvo – última semana no hospital I – ela intubada sorrindo pra mim CN – sou egoísta CP – fui uma boa mãe VoC- 5 E – raiva/arrependimento SUDS - 8 SF – cabeça/nuca Sessão completa Sessão 5 SUDS residual – 0 Memória alvo – dia anterior I – aspirando a filha CN – sou negligente CP – fiz o melhor que eu pude VoC - 1 E - culpa SUDS - 8 SF – cabeça/pensamento Sessão completa Sessão 6 SUDS residual – 0 Memória alvo – fala da médica I – ela falando CN - sou insignificante CP – posso aprender a lidar

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VoC – 3 E – desprezo SUDS 7 SF – na nuca Sessão completa * fiz o melhor que eu pude Sessão 7 SUDS residual – 3 E – angústia SF – no peito Sessão completa Memória alvo – ela com os tubos I – olhando para ela e pensando CN – sou egoísta CP- fui uma boa mãe VoC - 3 E – angústia/tristeza SUDS – 10 SF - peito/falta de ar Sessão completa Sessão 8 Memória alvo – filha com os tubos I – quando entrou, escutou a respiração, de costas para ela CN – sou fraca CP – sou corajosa VoC- 1 E - angústia SUDS - 4 SF - pé Sessão completa *eu posso seguir Sessão 9 SUDS residual – 0 Memória alvo - necrotério I – na hora que pediram para sair CN – sou impotente CP – posso seguir VoC - 1 E – ansiedade/angústia SUDS - 8 SF – fadiga/generalizada Sessão completa Sessão 10 SUDS residual – 0 Memória alvo – disparador/outras crianças I – sogra na cama CN – sou egoísta CP – sou realista VoC - 6 E - preocupação SUDS - 5 SF - peito Sessão completa

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APÊNDICE N – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P3

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APÊNDICE O – Sessões de EMDR P4 Sessão 1 Instalação do Lugar Tranquilo Metáfora – TV MB’s – tátil/visual Memória Alvo – reprise I – no centro cirúrgico (pior) CN – sou culpada CP – não sou culpada VoC - 1 E – raiva, desprezo, nojo SUDS - 10 SF- dor de cabeça/aperto no peito/tremor no corpo Sessão incompleta Sessão 2 SUDS residual – 8 Sessão incompleta Sessão 3 SUDS residual – 10 SF – dor no estômago, arcada dentária Sessão incompleta Sessão 4 Retomada do PTr e história clínica CL Sessão 5 Protocolo Pilares da Vida (adaptado) Container Desenvolvimento de recursos Sessão 6 Alvo – CL/presente I – desenho CN sou diferente/sou esquista CP – posso ser normal VoC – 1 E – impotência SUDS – 10 SF – cabeça/peito Sessão incompleta Sessão 7 SUDS residual – 9 (com um pouco de esperança) SF – peito Sessão incompleta Sessão 8 SUDS residual 7/8 Em relação à CL – 2 (desenho) SF – corpo trêmulo/taquicardia Sessão 9 SUDS residual 7 SF – “tava no corpo. Tá no sentimento” Sessão incompleta

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APÊNDICE P – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P4

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APÊNDICE Q – Sessões de EMDR P5 Sessão 1 Instalação do Lugar Tranquilo Metáfora – TV MB’s – visual/tanto faz Memória Alvo – receber a notícia I – eu recebendo a notícia CN – deveria ter feito alguma coisa CP – fiz o melhor que eu pude VoC- 6 E- culpa/tristeza/saudade SUDS- 10 SF- coração Sessão incompleta Sessão 2 SUDS residual – 0 CP – fiz o melhor que eu pude VoC – 5 Sessão incompleta Sessão 3 SUDS residual – 0 CP – fiz o melhor que eu pude VoC – 5 Sessão completa *não sou culpada Sessão 4 SUDS residual – 0 Memória alvo – velório I – ele no caixão CN – sou culpada CP – eu fiz tudo o que eu pude VoC – 7 E – saudade SUDS – 7 SF – peito Sessão completa Sessão 5 SUDS residual – 0 Memória alvo – cunhada/rituais funerários I – ele falando que ia ficar com ela CN – fiz algo errado CP - fiz o melhor que eu pude VoC – 7 E – saudade SUDS – 2 SF – peito Sessão completa Sessão 6 SUDS residual 8 SF – cabeça Sessão incompleta Sessão 7 SUDS residual – 3

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SF – peito Sessão incompleta Sessão 8 SUDS residual -0 CP – fiz tudo o que pude VoC 7 SF – 0 Futuro – 3 Sessão completa

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APÊNDICE R – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P5

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APÊNDICE S – Sessões de EMDR P6 Sessão 1 Metáfora – trem MB’s – visual/tátil Instalação do Lugar Tranquilo/Respiração/ Abraço de Borboleta Sessão 2 Memória Alvo – encontrar o corpo I – a cena CN – tenho que ser perfeita CP – sou forte VoC - 7 E- tristeza/medo SUDS- 8 SF- cabça/coração Sessão incompleta Sessão 3 SUDS residual – 1 E – tristeza SF – peito Sessão incompleta Sessão 4 SUDS residual – 1 E tristeza SF – nuca/peito Sessão completa *eu aprendi com isso/*fiz o melhor que pude Sessão 5 SUDS residual – 0 Reavaliação do PTr Sessão 6 Alvo – ritual funerário da cremação I – caixão entrando CN – deveria ter feito alguma coisa CP – Faço o que eu posso VoC – 7 E – tristeza SUDS – 5 SF – peito Sessão completa Sessão 7 SUDS residual - 0 E - tristeza SF – peito I – ver a mãe triste CN – não posso falhar CP – eu faço o melhor que eu posso VoC 7 E – ansiedade SUDS – 10 SF – peito Sessão completa Sessão 8 SUDS residual – 2

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SF – no peito Sessão incompleta Sessão 9 SUDS residual – 0 CP – sou uma boa filha VoC – 7 * reforço MB’s lentos SUDS residual – 0 Memória alvo – crise de pânico I – se ver no meio das vozes CN – tenho que ser perfeita CP- eu sou equilibrada VoC – 5 E – medo SUDS – 3 SF – peito Sessão completa *posso ser quem eu sou

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APÊNDICE T – Gráficos Comparativos dos Instrumentos Aplicados em AI e AF de P6