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PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE COMUNICAO E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO SOCIAL
PAPEL DO SERVIDOR PBLICO NA INTERAO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE:
uma anlise sob o prisma de redes
Lidiane Ferreira Sant Ana
Belo Horizonte 2011
Lidiane Ferreira Sant Ana
PAPEL DO SERVIDOR PBLICO NA INTERAO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE:
uma anlise sob o prisma de redes
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao em Comunicao Social: Interaes Miditicas, da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Comunicao. Orientadora: Profa. Dra. Ivone Lourdes de Oliveira
Belo Horizonte 2011
FICHA CA TALOGRFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais
SantAna, Lidiane Ferreira
S232p Papel do servidor pblico na interao entre Estado e sociedade: uma anlise sob o prisma de redes / Lidiane Ferreira SantAna. Belo Horizonte, 2011. 137f. : il. Orientadora: Ivone Lourdes de Oliveira Dissertao (Mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social. 1. Servidores pblicos. 2. Comunicao na administrao pblica. 3. Democratizao. 4. Rede de relaes sociais. 5. Redes de informao. I. Oliveira, Ivone Lourdes de. II. Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social. III. Ttulo.
CDU: 35.081.71
Lidiane Ferreira Sant Ana
PAPEL DO SERVIDOR PBLICO NA INTERAO
ENTRE ESTADO E SOCIEDADE: uma anlise sob o prisma de redes
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao em Comunicao da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Comunicao.
Profa. Dra. Ivone de Lourdes Oliveira (Orientadora)
Profa. Dra. Maria ngela Mattos - (PUC Minas)
Profa. Dra. Ana Maria Cardoso - (PUC Minas)
Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2011.
minha famlia, pelo incentivo e compreenso. Aos professores da PUC Minas, pelos atenciosos e dedicados ensinamentos.
Aos colegas da PBH, pelo imenso apoio e disponibilidade.
RESUMO
Esta dissertao reflete acerca da relao entre Estado e sociedade sob o prisma da
comunicao pblica e da estrutura de redes. Foi analisado o fluxo interno das
demandas e sugestes que os cidados apresentam nos guichs da Central de
Atendimento BH Resolve, criada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em
2010 como modelo de relacionamento presencial com os cidados. Por meio de
entrevista em profundidade, observao direta e questionrios com questes
abertas e fechadas foram obtidos dados que possibilitaram fazer anlises
qualitativas e quantitativas na perspectiva da Anlise de Redes Sociais (ARS). A
metodologia utilizada permitiu traar a estrutura da rede de relacionamento
intrainstitucional da Prefeitura, mapear os fluxos formais e informais das informaes
e analisar as relaes estabelecidas entre os servidores. O objetivo da pesquisa foi
avaliar a possibilidade de os cidados contriburem para a adequao ou elaborao
de polticas pblicas, a partir das demandas, crticas, sugestes e elogios que
apresentam aos atendentes. Foram identificados os servidores que mais enviam e
recebem informaes e a forma como se relacionam. Levou-se em conta que a
utilizao integrada das informaes relativas ao processo de relacionamento com o
cidado pode prover a Prefeitura de conhecimentos novos, importantes para ampliar
sua efetividade e legitimidade. Os resultados mostram que o contato direto e
individual entre o cidado e o Estado tem restritas possibilidades de influenciar a
execuo e elaborao das polticas que regem os servios. A unilateralidade e a
baixa densidade das relaes entre os servidores apontam que a permeabilidade da
rede influncia do cidado reduzida. Apesar de a Central de Atendimento BH
Resolve ser fruto de um projeto focado em metas e resultados, as relaes tendem a
seguir um padro burocrtico, pois quem mais acessa as informaes so aqueles
que ocupam cargos de maior destaque hierrquico. Diante disso, a efetividade da
participao individual requer primeiramente a democratizao das relaes dentro
do prprio Estado. A reconfigurao estrutural da rede de interaes pode resultar
na democratizao das relaes dos servidores entre si e com o cidado.
Palavras-chave: Servidor Pblico. Comunicao Pblica. Democratizao. Anlise
de Redes Sociais. Fluxo de Informao.
ABSTRACT
Reflections on the relationship between State and society under the light of public
communication and network. The internal flow of requests and suggestions
presented by citizens at the attendance desks of BH Resolve [Belo Horizonte
Solves your Problem] created by the Local Government of Belo Horizonte in 2010 as
a face-to-face relationship with citizens model is analyzed. Through in-depth
interviews, direct observation and questionnaires with open and multiple choice
questions, data that enable qualitative and quantitative analysis used in the
perspective of the Social Networks Analysis (ARS in Portuguese) were assessed.
The employed methodology enabled not only the sketching of the relationship
network within the Local Government, but also the formal and informal flows of
information, and the analysis of the relationship established among the public
servants. The objective of this research is to examine the possibility of the citizens to
add to the adequacy or development of public policies by means of the requests,
criticism, suggestions and commendations presented to the attendants. The
methodology searched for the identification of the servants who mostly send and
receive information, and the way they relate. It was taken into account that the
integrated use of information related to the relationship process with citizen may add
new knowledge to the Local Government, which is important to broaden its
effectiveness and legitimacy. The results point out that the direct and individual
contact between citizen and State has limited possibilities to influence the
performance and development of the policies that rule services. The one-sided
relationship between the servants and the low density indicate the reduced
permeability of the network to the citizens influence. Although the attendance desks
named BH Resolve are the outcome of a project focused on aims and results, the
relationships tend to follow a bureaucratic pattern because those who mostly access
information are the same who occupy the top posts. Therefore, the effectiveness of
individual participation requires, in the first place, the democratization of the
relationships within the State itself. The restructuring of the interaction network may
result in the democratization of the relationships of the servants among themselves
and with the citizen.
Key words: Public Servant. Public Communication. Democratization. Social
Networks Analysis. Flow of Information.
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
FIGURA 1 Modelos de Comunicao dos rgos Pblicos Federais.......................36
QUADRO 1 Mtricas Bsicas ....................................................................................78
QUADRO 2 Cliques da Rede de Interaes..............................................................87
TABELA 1 Funo dos entrevistados........................................................................81
TABELA 2 Recebimento e envio de informaes (degree centraly measures).........89
TABELA 3 Recebimento e envio de informaes entre coordenadores....................91
TABELA 4 Intermediao de informaes (betweenness centrality measures)........92
TABELA 5 Resumo dos indicadores das redes.........................................................98
GRFICO 1 Rede de Interaes ...............................................................................85
GRFICO 2 Rede de Interaes (Funo)................................................................86
GRFICO 3 Rede de Conscincia de Competncias............................................... 95
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AERP - Assessoria Especial de Relaes Pblicas
ANT - Actor-Network Theory
ARS - Anlise de Redes Sociais
CETIC - Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informao e da Comunicao
DASP - Departamento de Administrao do Servio Pblico
DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda
e-Gov Governo Eletrnico
NetDraw - Graph Visualization Software
PBH Prefeitura de Belo Horizonte
PDRAE - Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado
SECOM - Secretaria de Comunicao do Governo
SAC - Servio de Atendimento ao Cidado
SIASP - Sistema de Administrao de Solicitaes e Processos
SMARU Secretaria Municipal Adjunta de Regulao Urbana
TICs Tecnologias da Informao e da Comunicao
UCINET Software for Social Network Analysis
SUMARIO 1 INTRODUO........................................................................................................10
2 COMUNICAO PBLICA NA LEGITIMAO DO ESTADO BRASILEIRO........14 2.1 Trajetria recente do Estado brasileiro................................................................16 2.1.1 Formas de participao democrtica................................................................18 2.1.2 Reformas administrativas..................................................................................22 2.1.3 Administrao baseada na comunicao e na confiana.................................26 2.1.4 Comunicao nos governos federais do Brasil.................................................30 2.2 Para entender a Comunicao Pblica................................................................36 2.2.1 Agentes da Comunicao Pblica....................................................................42 2.2.2 Estado: de emissor isolado a interlocutor atento..............................................43 2.2.3 A sociedade sob a tica da cidadania... ...........................................................45
3 REDES DE POLTICAS PBLICAS: O ESTADO COMO INTERLOCUTOR.........52 3.1 Redefinio das relaes.....................................................................................52 3.2 Rede.....................................................................................................................54 3.2.1 Redes de Polticas Pblicas como estruturas de governana..........................57 3.3 O servidor na interao entre o Estado e a sociedade........................................63 3.4 Anlise de redes sociais na comunicao organizacional...................................69
4 BH RESOLVE: O RELACIONAMENTO COM O CIDADO SOB NOVA PERSPECTIVA..........................................................................................................72 4.1 Percurso metodolgico.........................................................................................75 4.1.1 Anlise de Redes Sociais..................................................................................76 4.1.2 Universo pesquisado....................................................................................... 80 4.1.3 Coleta de dados................................................................................................82 4.1.4 Sistematizao dos dados ...............................................................................83 4.1.5 Anlise dos dados.............................................................................................84 4.2 Anlise da Rede de Interaes............................................................................85 4.2.1 Centralidade de Grau (indegree e outdegree centrality)...................................89 4.2.2 Centralidade de Proximidade (closeness centrality).........................................91 4.2.3 Centralidade de Intermediao (betweenness centrality).................................92 4.2.4 Centralidade de Informao (information centrality).........................................93 4.2.5 Centralidade de Fluxo (flow centrality)..............................................................94 4.3 Anlise da Rede de Conscincia de Competncias............................................94 4.3.1 Centralidade de Grau (indegree e outdegree centrality)...................................95 4.3.2 Centralidade de Proximidade (closeness centrality).........................................96 4.3.3 Centralidade de Intermediao (betweenness centrality).................................97 4.3.4 Centralidade de Informao (information centrality).........................................97 4.3.5 Centralidade de Fluxo (flow centrality)..............................................................98 4.4 Conscincia de Competncias na Rede de Interao ........................................98
5 CONSIDERAES FINAIS..................................................................................105
REFERNCIAS ...................................................................................................... 110
APNDICE ..............................................................................................................128
10
1 INTRODUO
A administrao pblica tem dado sinais de que procura adequar-se s
mudanas sociais e mercadolgicas, substituindo a centralizao pela
descentralizao, o modelo rgido de trabalho pelo flexvel, abrindo novos espaos
de participao e adotando a intersetorialidade como resposta s presses externas
da sociedade, cada vez mais apta a cobrar direitos e servios de qualidade.
Se para as empresas privadas lucrativo criar formas de interao com a
sociedade, para as instituies pblicas, este um dever constitucional,1
pressuposto bsico para cumprir sua funo. Alm disso, o novo padro de
accountability exigido pela sociedade requer que o Estado atue de forma mais
dialgica. Nessa perspectiva, a governabilidade deve ser mantida por meio de
relaes que possibilitem maior acesso dos diversos segmentos sociais e
econmicos s informaes, discusses e decises do governo. Como instituio
movida pela poltica, mais ainda que as demais instituies, o Estado precisa gerir
com competncia o relacionamento com os diversos grupos de atores sociais. Afinal,
a negociao a base da democracia e para que ela seja promovida so
necessrios fluxos relacionais que possibilitem o dilogo entre os atores sociais.
No cenrio governamental, observa-se uma crescente ateno para a
comunicao com a sociedade. A disponibilizao de informaes sobre servios e a
prestao de contas via sites oficiais, ampliao das equipes e da estrutura das
assessorias de comunicao, alm de permanentes aes de assessoria de
imprensa e anncios publicitrios na grande mdia, somados produo de
impressos prprios, destinados a divulgar servios ou rgos, so exemplos do
interesse do setor pblico em comunicar. A questo saber at que ponto a busca
pela visibilidade oferece abertura ao dilogo.
O fato que, sobretudo, aps a aprovao e consolidao do Cdigo de
Defesa do Consumidor e do voto direto, o cidado assume uma postura cada vez
mais questionadora, no mais compatvel com a perspectiva do comunicar, como
prtica de produo de informao.
1 De acordo com o artigo 5, inciso XXXIII, da Constituio Federal, os cidados tm o direito de ser informados de tudo que se relaciona com a vida do Estado, e que, por conseguinte de seu peculiar interesse. Esse direito de informao faz parte da essncia da democracia.
11
A circulao da informao indispensvel, mas insuficiente na tica da
comunicao pblica. Nesse novo cenrio, preciso pensar e utilizar a comunicao
como forma de relacionamento. (ZMOR, 1995). Segundo Duarte (2003) estar em
relao implica a emergncia de uma superfcie comum de troca, ou uma zona de
encontro de percepes dos emissores e receptores. Em concordncia com tais
entendimentos, esta pesquisa foi estruturada sob a luz dos ideais da comunicao
pblica. O eixo terico do estudo delineado em torno dessa perspectiva percorre os
processos de modernizao administrativa do Estado, a consolidao de novas
formas de participao democrtica, a concepo de cidadania comunicativa, bem
como a perspectiva das redes sociais.
A definio do objeto de estudo e da forma de abordagem terico-
metodolgica, partiu do pressuposto de que as instituies pblicas buscam
continuamente estabelecer processos comunicacionais e interacionais que as
legitimem. Ao mesmo tempo, porm, no obstante os requisitos legais a cumprir, as
instituies so compostas por pessoas com vises e interesses particulares
diversos. Ideia corroborada por Pierre Bourdieu (1983), para quem o Estado uma
instituio ambgua, isto , possui uma funo manifesta universalista, mas uma
funo latente particularista, podendo agir favorecendo e sendo influenciado por
saberes e poderes de classes ou de grupos especficos.
A motivao para este estudo consiste em saber se possvel que as
informaes que acessam a administrao pblica pela porta do atendimento
individual influenciem na adequao e formulao de polticas pblicas. Busca-se
avaliar a possibilidade de as demandas, crticas, sugestes e elogios dos cidados,
captados nos guichs de atendimento, contriburem para subsidiar a adequao ou
elaborao de novas polticas pblicas, condizentes com suas expectativas e
necessidades.
O estudo acerca de tal questo foi realizado na Central de Atendimento BH
Resolve, criada pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) em 2010, com o
objetivo de democratizar sua relao com o cidado e ampliar a satisfao com os
servios.
Busca-se analisar se a relao que entre si estabelecem o servidor que atua
na Central de Atendimento BH Resolve e o cidado por ele atendido constitui uma
possibilidade de participao. Para entender como os servidores envolvidos no
atendimento direto e indireto ao cidado interagem entre si foi utilizada a
12
metodologia de Anlise de Redes Sociais (ARS). Alm de fornecer elementos para a
anlise da comunicao interpessoal cotidiana, a ARS verifica as influncias do
comportamento comunicacional e analisa, de forma integrada, os determinantes e os
efeitos da participao de cada um.
Os dados foram obtidos por meio de pesquisa documental, entrevistas,
observao e questionrios. O software UCINET forneceu mtricas relativas
estrutura do grupo, bem como posio e influncia de cada ator na troca de
informaes.
Traar essa rede possibilitou identificar os servidores com maior probabilidade
de enviar e receber informaes, o nvel hierrquico no qual as demandas so
discutidas e o tipo de deciso que podem influenciar. Leva-se em conta que a
utilizao integrada das informaes relativas ao processo de relacionamento com o
cidado pode prover a Prefeitura de conhecimentos novos, importantes para ampliar
sua efetividade e legitimidade.
Nessa perspectiva, o ambiente institucional abordado sob o enfoque
neoinstitucionalista, destacando que grupos burocrticos estabelecem padres de
vnculos especficos com atores externos ao Estado. Tais grupos no so mera
correia de transmisso, pois tambm tm interesses e influenciam diretamente a
execuo das polticas.
Considera-se, portanto, o Estado, no como um ente distante e impessoal,
mas composto por pessoas com interesses, perspectivas e ligaes sociais
diversas. Em funo dos contatos que estabelecem e das informaes que
acessam, os servidores so considerados atores-chave para o funcionamento do
Estado e dos princpios democrticos.
Com base em tais aspectos, esta dissertao foi estruturada em trs eixos
principais. Aps esta breve introduo, o Captulo 2 retoma os antecedentes
histricos da configurao do Estado brasileiro. Consideram-se as tentativas do
Estado de aprimorar sua estrutura administrativa, bem como as mudanas nas
formas de participao popular. Destaca-se a importncia de ambos os movimentos
para a legitimidade do Estado em um cenrio marcado pela reconfigurao do seu
papel. Um breve relato sobre as estratgias de comunicao utilizadas pelos
governos federais do Brasil busca identificar suas tendncias e contribuies para o
estreitamento das relaes entre o Estado e a sociedade. Por fim, a comunicao
13
pblica apresentada como possibilidade de comunicao democrtica e promotora
da cidadania.
A relao modificada no processo de formulao de polticas, baseada em
relaes mais horizontais que privilegiam a diversidade e o dilogo, converge para a
perspectiva de redes sociais, abordada no Captulo 3. A contribuio do conceito de
interconexo providencial para entender que a elaborao e a implementao de
polticas pblicas decorrem de processos complexos de interaes e relaes de
interdependncia entre indivduos e instituies. A rede tambm apresentada como
uma forma de abordar a comunicao no contexto intrainstitucional do Estado como
processo relacional e informal.
Aps apresentar o objeto do estudo emprico, o Captulo 4 apresenta a
metodologia de Anlise de Redes Sociais (ARS). A coleta, sistematizao e anlise
das mtricas e dos grafos demonstram a adequao do mtodo anlise das
relaes existentes entre os servidores.
No Captulo 5 so apresentadas as consideraes finais da pesquisa. Os
resultados obtidos por meio da ARS so articulados com o percurso terico
desenvolvido nos demais captulos. Apresentam-se a tambm algumas propostas
para novos estudos em torno da temtica.
14
2 COMUNICAO PBLICA NA LEGITIMAO DO ESTADO BRASILEIRO
As inovaes tecnolgicas e a globalizao econmica mudaram
sensivelmente as interaes sociais, desterritorializando os interlocutores e
possibilitando instantaneidade e interatividade sem precedentes. O fluxo global e
virtual de influncias, poder e decises e a diversidade de movimentos sociais, que
se disseminam e se institucionalizam na defesa de interesses cada vez mais
especficos e diversos, impossibilitam o Estado de decidir sozinho. Sob o risco de
perder sua legitimidade, ele se v obrigado a rever seu papel e se reposicionar.
O contexto de reconfigurao do mercado e das instituies sociais e polticas
constitui uma base emprica vasta para se repensar as relaes entre Estado e
sociedade sob o prisma da comunicao. Isso porque ele marcado pela ocupao
do espao pblico por atores privados com finalidade pblica, pela democratizao
da vida pessoal e da esfera poltica, abertura participao cidad,
responsabilizao e accountability e pelo descontentamento com a democracia
representativa.
Exemplo bem-sucedido dessa adaptao, as organizaes sem fins
lucrativos, pari passu com as empresas privadas, se destacam na diversidade e
complementaridade das estratgias de comunicao utilizadas em favor de suas
causas. Se por um lado, pautam a mdia com eventos miditicos, produzidos sob
medida para as cmeras, sempre com boa dose de senso de oportunidade,
criatividade e ineditismo, por outro lado, demonstram maestria em lanar mo de
estratgias de comunicao dirigida2 para gerar e manter vnculos de identificao e
corresponsabilidade. (SIMEONE, 2004).
Na contramo desse amplo leque de possibilidades comunicativas, as
instituies pblicas pouco tm evoludo na diversificao e adequao das
estratgias de comunicao s demandas sociais.
() quando se observa o Estado, se verifica o quanto atrasado o tratamento dispensado comunicao, quer no mbito federal, quer nos mbitos estaduais e municipais, especialmente se abordados como emissores de informao de interesse pblico. A demanda existe: no ambiente externo, parte substancial do contedo informativo dos meios de comunicao de massa ocupada com assuntos que envolvem os rgos pblicos estatais. (...) No meio interno, as informaes se perdem em meio
2 Comunicao direta e segmentada com pblico especfico. KUNSCH, 2003.
15
aos meandros da burocracia, no circulam entre os funcionrios que, nos balces e nos terminais telefnicos, no sabem o que dizer aos cidados. (HASWANI, 2006, p. 27).
Neste cenrio, abordar a comunicao sob o prisma da relao entre Estado3
e sociedade no s uma tentativa de motivar reflexes acerca do potencial
estratgico da comunicao nesse mbito, como tambm um desafio que implica
considerar uma complexa rede de relaes.
Discusses e implementaes de reformas administrativas demonstram que o
Estado no permaneceu inerte s mudanas socioeconmicas ao longo dos anos.
Mas, embora as reformas do Estado passem pelo debate acerca de governabilidade,
isto , do equilbrio entre as demandas e a capacidade do governo de atend-las, e
de governana, entendida como a capacidade do Estado de planejar, formular e
implementar polticas pblicas de forma efetiva e eficiente (DINIZ, 1997), a
correlao de tais propostas com os processos de comunicao tem sido, via de
regra, negligenciada.
A democratizao do Estado diz respeito a todas as medidas voltadas para a mudana nas suas relaes com a sociedade (...) Essa dimenso a grande esquecida nos processos de reforma. Alm das poucas iniciativas voltadas para a melhoria do atendimento em algumas reas do servio pblico, como os SACs ou os shoppings ou casas do cidado, quase nada se faz nesse sentido. (COSTA, 2000, p. 268)
Diante disso, o conceito de governana vem sendo ampliado. Caminha-se no
sentido de abrir cada vez mais espaos para participao da sociedade nas
decises da administrao pblica. O novo padro de accountability requer que o
Estado, enquanto instituio poltica, mais ainda que as demais instituies sociais,
altere seu modo de administrar e mantenha relao prxima com os diversos grupos
de atores sociais.
Embora democratizar at mesmo o simples acesso informao ainda seja
um desafio para a administrao pblica, diante das possibilidades de interao e
cidados cada vez mais aptos a reivindicar seus direitos, no cabe mais apenas
disponibilizar informao. A democracia participativa surge, ento, como proposta de
deliberao constante, que amplia a participao poltica para muito alm do voto. A 3 Compreendido aqui como o conjunto das instituies ligadas ao Executivo, Legislativo e Judicirio, incluindo empresas pblicas, institutos, agncias reguladoras, rea militar e no deve ser confundido com governo, entendido como o gestor transitrio do Estado.
16
democracia se legitima, assim, por meio da permanente negociao, que qualifica os
atores sociais cada vez mais para o exerccio da cidadania.
Diante disso, a proposta lanar um olhar atento sobre os servidores pblicos
e suas formas de interao, na tentativa de visualizar como encaminham as
demandas que o cidado lhes apresenta de forma direta e pessoal. Nesta mesma
perspectiva de utilizar a comunicao de forma estratgica para aproximar os atores
sociais da esfera de deciso do Estado, Martn-Barbero (2000) aborda o papel da
comunicao na sociedade contempornea:
Hablar de comunicacin significa reconocer que estamos en una sociedad en la cual el conocimiento y la informacin han entrado a jugar un papel primordial, tanto en los procesos de desarrollo econmico, como en los procesos de democratizacin poltica y social. (MARTIN-BARBERO, REY; RINCON, 2000, p. 54).
Construir relacionamento requer predisposio de todos os envolvidos, mas a
rigidez estrutural e cultural das instituies pode ser um obstculo. A implementao
de processos de comunicao inovadores e democratizantes requer uma
remodelagem que formate as estruturas da administrao pblica para a
contemporaneidade. Se o servio pblico ruim, a comunicao no vai consertar a
imagem da administrao. (REGO, 2002, p. 84).
2.1 Trajetria recente do Estado brasileiro
Nas ltimas dcadas, a reconfigurao do papel do Estado passa pelo
fortalecimento de diversas outras fontes de poder numa rede de fluxos e conexes
econmicas, polticas, culturais e sociais em nvel mundial. Diante da proliferao de
comunidades transnacionais, geradoras de influncias ideolgicas e econmicas, o
Estado tende a ceder parte de sua soberania para aliar-se a blocos supranacionais.
Mais que uma unio cultural e social, eles buscam fortalecimento para negociaes
internacionais. Por outro lado, no mbito nacional, presses de uma imensa
diversidade de grupos de interesse cada vez mais fragmentados geram demandas
por servios e polticas pblicas especficas, levando o Estado a descentralizar seus
servios e a buscar parcerias privadas e com instituies sociais.
17
(...) o Estado encontra-se submetido a uma rede de fontes de autoridade da qual apenas um dos ns, sofrendo uma concorrncia de vrias formas de poder: ONGs, redes criminosas, movimentos tnicos, redes de capital e de produo, religies, mdia, mercado financeiro etc. Passa, portanto, de sujeito soberano a ator estratgico, permanecendo a exercer influncia considervel, mas sem o poder de, por si s, buscar solues isoladas da coordenao com macroforas supranacionais e de microprocessos subnacionais. (NEVES, 2006, p. 14).
Nesse contexto, que intensifica e concilia o intercmbio de vivncias que
superam fronteiras e nacionalidades, emerge uma relao de interdependncia entre
uma cidadania nacional e outra cidadania mundial, que segundo Habermas (1995)
formam um continuum. Essa abordagem dialgica de cidadania global desafia as
instncias democrticas, propondo novas formas de participao e legitimao que
promovam uma renovao da vida pblica e da democracia, pois
uma vez que a posio do Estado-nao na ordem mundial est mudando, e paralelamente h novas formas de organizao local e internacional proliferando, de se esperar que novas formas de envolvimento, de arranjos participativos e de participao em polticas pblicas tendam a crescer. (FERRAREZI, 2007, p. 96).
A reduo do poder de uma instituio que teve como origem justamente a
avocao a si do direito de impor regras e determinar a ordem em um certo territrio
resulta em verdadeira crise. (BAUMAN, 1999). H uma tendncia de migrao do
debate poltico para fora dos canais tradicionais da democracia representativa. Tal
fenmeno apresentado por Gramsci (1971) como crise de hegemonia,
caracterizada pela incapacidade do Estado de lidar com a ruptura da passividade
poltica de certos grupos sociais, e em Habermas (1980) entendido como crise de
legitimao, deflagrada quando o Estado se v impotente diante dos conflitos da
sociedade e no consegue se justificar perante o eleitorado.
A reeducao do cidado para a integrao multicultural requer a superao
da desigualdade, por meio da participao democrtica, na defesa de interesses
coletivos. Diante disso, parece inevitvel que a discusso sobre o novo papel do
Estado e dos cidados passe pelo entendimento da atuao da sociedade civil4 na
4 Conjunto de sujeitos que tematizam novas questes e problemas, que clamam por justia social e que organizam e representam os interesses dos que so excludos dos debates e deliberaes polticas. (LUCHMANN, 2002, p. 10).
18
esfera pblica5 e pelo fortalecimento da democracia participativa. Antes, porm, um
sucinto resgate dos estudos acerca dos ideais democrticos parece fundamental
para subsidiar esta proposta.
2.1.1 Formas de participao democrtica
A ideia de democracia representativa como forma de organizao poltica tem
pouco mais de um sculo. De modo geral, as teorias polticas caracterizam a
democracia como o regime da soberania das leis e da participao poltica,
entendida de formas diversas em cada modelo de democracia (elitista, pluralista,
participativa e deliberativa). Embora tenha sido precedida pelo menos por dois
sculos pela concepo moderna de direito, o exerccio da democracia depende
tambm de uma cultura poltica democrtica que lhe d sustentao.
(...) o direito ao voto, consagrado nos direitos polticos, no existia de fato na medida em que preconceitos de classe intimidavam efetivamente os eleitores da classe trabalhadora. Mesmo aps a conquista do voto secreto e da universalizao do direito de voto, houve um longo caminho a percorrer at que a classe trabalhadora deixasse de acreditar que os representantes do povo e os membros do governo deveriam ser recrutados nas elites. Essa quebra de monoplio de classe na poltica exige tambm uma transformao na cultura poltica da sociedade que no resulta somente do estabelecimento de novas leis. (NOBRE, 2004, p. 26).
Tendo em vista que as eleies podem registrar o bruto e bvio da opinio
pblica, mas no podem, de outra forma, representar a vontade popular (DRYZEK,
2004, p. 53), o povo passa a lutar por uma participao que v alm da escolha
eleitoral. A Constituio Federal de 1988 foi o grande marco dessa luta. Um amplo
movimento de Participao Popular na Constituinte elaborou emendas
Constituio Brasileira dando relevncia democracia participativa. A Constituio
cidad, j em seu artigo 1, declara que Todo poder emana do povo, que o exerce
indiretamente, atravs de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituio e no artigo 14 prev a participao direta dos cidados, por meio
dos chamados institutos de democracia direta ou semidireta como o plebiscito, o 5 Esfera ou espao pblico um fenmeno social descrito como uma rede adequada para a comunicao de contedos, tomadas de posio e opinies; nela os fluxos comunicacionais so filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opinies pblicas enfeixadas em temas especficos. (HABERMAS, 1997, p. 92).
19
referendo, a iniciativa popular de lei, as tribunas populares, os conselhos e outros
canais institucionais de participao.
Desde ento, os aspectos discursivos do processo poltico tm sido cada vez
mais destacados nos estudos da teoria democrtica. H uma clara tendncia de
compreender a vontade geral e articul-la com as instncias de tomada de deciso
por meio da comunicao, ideia evidenciada na proposta da democracia deliberativa.
(CARVALHO, 2003).
Apesar de possuir razes mais antigas, a democracia deliberativa fortemente
baseada nas ideias de Joshua Cohen e Jrgen Habermas. Cohen (1989) foi o
primeiro a definir em detalhe as caractersticas de um procedimento deliberativo para
a tomada de deciso poltica, atravs das suas teorias do espao pblico e
comunicao. Eles estabelecem uma relao direta entre participao e
argumentao, de modo que a tomada de posio baseada na fora no coercitiva
do melhor argumento, defendido publicamente por cidados livres e iguais.
(COHEN, 1989; HABERMAS, 1997).
Habermas (1995) acentua a importncia da esfera pblica no projeto
democrtico, sob o prisma de que a construo conjunta do entendimento d
legitimidade poltica. Para ele, o processo histrico que levou ascenso da
burguesia permitiu o estabelecimento de uma nova forma de relao com o poder.
No pensamento habermasiano, a possibilidade de reconstruo democrtica da esfera pblica, numa perspectiva emancipatria, contempla o implemento de procedimentos racionais, discursivos, participativos e pluralistas, que permitam aos sujeitos, no enfrentamento das conflitualidades sociais, desenvolver mecanismos de coordenao da ao social com base nos princpios tico-normativos da racionalidade comunicativa, resgatando e ampliando os espaos interativos de comunicao pblica, potencialmente democrticos, livres dos imperativos sistmicos, isto , dos controles burocrticos do Estado e das imposies econmicas do mercado. (GARCIA, 2007, p.1).
Nessa perspectiva de centralidade do momento argumentativo, formao da
opinio e da vontade comum, a legitimao dos processos de tomada de deciso
resulta da argumentao racional, participao de todos os afetados, igualdade entre
os participantes, ausncia de restrio de temas e possibilidade de rever decises
luz de novas questes. A comunicao e o debate, portanto, so colocados no
centro da anlise do processo de deciso do ideal democrtico.
20
(...) a democracia deliberativa constitui-se como um modelo ou ideal de justificao do exerccio do poder poltico pautado no debate pblico entre cidados livres e em condies iguais de participao. Diferente da democracia representativa, caracterizada por conferir a legitimidade do processo decisrio ao resultado eleitoral, a democracia deliberativa advoga que a legitimidade das decises polticas advm de processos de discusso que, orientados pelos princpios da incluso, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum, conferem um reordenamento na lgica de poder tradicional. (LUCHMANN, 2002, p. 1).
Com isso, os processos decisrios so deslocados dos espaos fechados e
restritos do poder tradicional para espaos sociais que permitam o pluralismo e a
igualdade participativa. O desafio de garantir a manifestao da pluralidade e da
diversidade de vises de mundo presentes na esfera pblica, no entanto, passa pela
defesa da comunicao como direito e da retomada da cidadania e da soberania
popular.6 A partir da, seria possvel emergirem sujeitos da comunicao aptos a
expressarem seus pontos de vista acerca das questes de interesse pblico.
As discusses tericas de Giddens (1996), Habermas (1997) e Miller (1992)
apontam para a democracia deliberativa como complemento para a democracia
representativa. De um lado, ascende a importncia do controle e responsabilizao
dos representantes polticos, e de outro, o potencial da participao em que os
cidados podem exercer ao coletiva que influencia na agenda poltica e social.
(FERRAREZI, 2007, p. 99).
No entanto, a democracia deliberativa, tal como definida por Cohen (1989),
parece impossvel, na medida em que o autor destaca que a legitimidade da deciso
requer o assentimento de todos os indivduos sujeitos s conseqncias. Ao passo
que nas deliberaes do mundo real, a totalidade ou certamente a maioria dos
afetados, no parece participar, tornando dessa forma a democracia deliberativa
vulnervel ao destronamento de suas pretenses de legitimidade. (DRYZEK, 2004,
p. 41). A questo que se delineia, diante disso, como dar condies de acesso e
participao efetiva a todos os que quiserem participar, tratando diferenciadamente
os desiguais.
Para incentivar formas de socializao da informao que permitam levar em
conta a diferena, surge a proposta de aperfeioar os mecanismos deliberativos por
meio de uma representatividade que no seria mais de pessoas, mas de ideias.
(MAIA, 2006). Em sua teoria sobre a representao discursiva, Dryzek (2004)
6 O povo como nica fonte do poder, que se exprime pela regra constitucional de que todo poder emana do povo.
21
prope diferenciar a representao de pessoas e interesses e a de discursos. A
justificativa que o mesmo discurso pode ser compartilhado por atores sociais de
diferentes segmentos e que um processo de discusso aberta, no qual todos os
pontos de vista possam ser ouvidos, pode legitimar o resultado.
Para produzir resultados mais razoveis, com frequncia, no faz mais sentido exigir uma participao mais ampla, mas, em lugar disso, buscar uma formao mais refinada, mais deliberativa e mais reflexiva dos motivos e demandas que so introduzidos nos processos de participao j em curso. (NOBRE, 2004, p. 30).
Essa forma de representao seria viabilizada por uma deliberao mediada,
na qual a mdia considerada como um frum para o debate cvico, capaz de
propiciar a troca argumentativa entre representantes formais e informais de
diferentes instncias sociais. Sem considerar os aspectos tendenciosos da mdia,
essa perspectiva entende que ela permite que problemas complexos como
sustentabilidade ambiental e violncia urbana sejam discutidos com base em
percepes de diferentes segmentos e variados nveis de poder de deciso.
Ao discordar da separao entre pessoas e ideias, Avritzer (2007) prope
pensar na complementaridade entre a representao eleitoral e a representao da
sociedade civil. O futuro da representao eleitoral parece cada vez mais ligado
sua combinao com as formas de representao que tm sua origem na
participao da sociedade civil. (AVRITZER, 2007, p. 459). Para o autor, a
representao seria vinculada autorizao e os diferentes tipos de autorizao
estariam relacionados a trs papis polticos diferentes: o de agente, o de advogado
e o de partcipe. O agente aquele escolhido no processo eleitoral. O advogado
seria escolhido com base na afinidade com o tema ou situao, como as ONGs, que
defendem atores que no as indicaram. O papel de partcipe, por sua vez, se d na
representao da sociedade civil, a partir da especializao temtica e da
experincia.
O importante em relao a essa forma de representao que ela tem sua origem em uma escolha entre atores da sociedade civil, decidida freqentemente no interior de associaes civis. (...) A diferena entre a representao por afinidade e a eleitoral que a primeira se legitima em uma identidade ou solidariedade parcial exercida anteriormente. (AVRITZER, 2007, p. 458).
22
A representao adequada de interesses e identidades compartilhadas
(territoriais, tnicas, religiosas) democratiza a deliberao e essencial para evitar a
falta de confiana dos representados em relao aos representantes. Reis (2004)
chama a ateno para a necessidade de identificao do representado com seu
representante, sob o risco de seu melhor preparo, pelo contrrio, ser percebido
como ameaa aos interesses do representado.
fundamental, no entanto, considerar que a democracia poltica depende
tambm em grande parte do contexto (cultural e organizacional) das instituies
polticas que do suporte construo das experincias participativas. Portanto, a
democracia deliberativa, ao pretender ampliar a participao dos cidados para o
carter decisrio, requer primeiramente que a sociedade civil e os atores poltico-
institucionais se mobilizem na busca da reconfigurao da estrutura institucional do
Estado.
A vontade e o comprometimento do Estado constituem-se, portanto, como uma varivel crucial para o sucesso de experincias de democracia deliberativa. Enquanto modelo que resultante das articulaes, vontades e compromissos entre Estado e sociedade, a democracia deliberativa requer, por outro lado, um formato institucional que, dinmico e submetido ao dilogo constante entre o pblico participante, possibilite, na prtica, a realizao de um processo deliberativo pautado na ampliao e na qualificao da participao. (LUCHMANN, 2002, p. 31).
Caberia, portanto, ao Estado se reorganizar para oferecer novas formas de
participao condizentes com a proposta de democracia deliberativa. Uma breve
retrospectiva dos principais movimentos de mudanas estruturais do Estado
brasileiro parece til para visualizar avanos e limitaes na efetivao de processos
mais participativos.
2.1.2 Reformas administrativas
O processo histrico da administrao pblica no Brasil tem inicialmente uma
formatao exclusivamente patrimonialista, no Brasil Colnia (1500-1822), no
Imprio (1822-1889) e na Repblica Velha (1889-1930). Mas, em sua histria
recente, tal como no patrimonialismo, embora a abordagem da coisa pblica
continue em grande parte voltada para interesses da elite, em contraposiao aos
interesses coletivos, o pas experimentou outros modelos administrativos. Durante o
23
sculo XX, o Brasil tornou-se um dos pases da Amrica Latina que mais
implementou reformas na administrao pblica. O objetivo geral foi aperfeioar as
estruturas e os processos do Estado e, em ltima instncia, minimizar o descrdito
dos governos e da coisa pblica pela sociedade.
A primeira dessas reformas foi realizada pelo presidente Getlio Vargas
(1930-1945), pioneiro ao empreender um esforo sistemtico de modernizao do
Estado. J no discurso de posse, Vargas propunha reformas nas estruturas do
Estado oligrquico da Repblica Velha. A reforma administrativa do Estado Novo
baseou-se na busca de superao do patrimonialismo e, a partir de 1937, promoveu
uma srie de transformaes, que tinham como vertente principal a racionalizao
burocrtica, por meio da centralizao e padronizao dos procedimentos.
O Departamento de Administrao do Servio Pblico (DASP) focou o
combate ao patrimonialismo, ao clientelismo e ao nepotismo, mediante a
implantao de rgidos padres hierrquicos e de controle de processos. Nesse
perodo os controles administrativos visando evitar a corrupo e o nepotismo so
sempre a priori. Parte-se de uma desconfiana prvia nos administradores pblicos
e nos cidados que a eles dirigem demandas. (BRASIL, 1995, p. 15). Com isso,
durante a ditadura militar, observou-se a consolidao do estilo tecnocrtico, que
reforou a supremacia da abordagem tcnica na formulao das polticas pblicas.
No perodo ps-37, o governo Vargas passou a assumir as feies de um
estado intervencionista, lanando as bases do desenvolvimentismo. A alavancagem
industrial foi tambm o centro dos esforos dos governos democrticos que se
sucederam no poder entre 1946 e 1964, perodo compreendido entre a promulgao
da constituio e o golpe militar. Com isso, eles no realizaram nenhum experimento
importante no que diz respeito reforma do Estado (DINIZ, 2005, p. 11). Embora
durante os governos de Getlio Vargas (1951-1954), Juscelino Kubitschek (1956-
1960), Jnio Quadros (1961) e Joo Goulart (1961-1964) tenham ocorrido vrias
discusses sobre os aspectos a serem reformados, o que se observa a
manuteno de prticas clientelistas, que negligenciavam o que a burocracia
buscava combater.
O governo militar, estabelecido aps o golpe de 1964, promoveu, sua
maneira, uma ampla reforma. A segunda experincia relevante de reforma
administrativa implementada no pas foi feita por meio do Decreto-Lei 200/1967.
Caracterizado por Costa (2008) como o mais sistemtico e ambicioso
24
empreendimento para a reforma da administrao federal, o decreto props:
planejamento; expanso das empresas estatais, fundaes pblicas e autarquias;
fortalecimento e expanso do sistema de mrito; um novo plano de classificao de
cargos e o reagrupamento de departamentos, divises e servios.
No entanto, esta primeira tentativa de implementar um novo modelo gerencial
na administrao pblica ficou pela metade.
Em primeiro lugar, o ingresso de funcionrios sem concurso pblico permitiu a reproduo de velhas prticas patrimonialistas e fisiolgicas. E, por ltimo, a negligncia com a administrao direta burocrtica e rgida que no sofreu mudanas significativas na vigncia do decreto, enfraquece o ncleo estratgico do Estado, fato agravado pelo senso oportunista do regime militar, que deixa de investir na formao de quadros especializados para os altos escales do servio pblico. (COSTA, 2008, p. 855).
O governo civil que se instalou em 1985, aps mais de duas dcadas de
ditadura militar, herdou um aparato administrativo extremamente centralizado.
Paralelamente ao desafio da redemocratizao, era preciso lidar com uma severa
crise econmica, marcada pela grande desigualdade social. A misso mais urgente
era promover o desenvolvimento.
Em 1986, foi lanado o primeiro programa de reformas do governo Sarney
(1985-1990), com trs objetivos principais: racionalizao das estruturas
administrativas; formulao de uma poltica de recursos humanos e conteno de
gastos. (MARCELINO, 2003).
Na prtica, nem a comisso, nem o grupo executivo que a sucedeu conseguiu implementar as medidas que preconizaram. A ampla reforma modernizadora e democrtica foi deixada de lado para dar lugar mais tradicional estratgia de reforma administrativa a racionalizao dos meios. (COSTA, 2008, p.857).
A Constituio de 1988 produziu avanos significativos no que se refere
democratizao da esfera pblica. Ela institucionalizou e deu substncia aos
instrumentos de poltica social e, nesse sentido, representou uma verdadeira
reforma do Estado. Entretanto, do ponto de vista da gesto pblica, buscou reduzir
as disparidades entre a administrao central e a descentralizada, mas acabou
eliminando a flexibilidade da administrao indireta. Embora tenha participado da
administrao do presidente Sarney, Bresser Pereira (1998) acredita que, no plano
25
gerencial, houve uma volta aos ideais burocrticos dos anos 1930 e, no plano
poltico, uma tentativa de retorno ao populismo dos anos 1950.
Em 1990, tomou posse o primeiro governo civil eleito pelo voto direto. O
presidente Collor tentou cumprir seus propsitos reformadores com aes sem
planejamento. Assim, a proposta de reduzir o tamanho e o nmero de servidores da
mquina governamental foi implantada de forma radical, desagregando e
desmotivando o funcionalismo pblico. Depois do incio da crise de seu governo,
Collor voltou ao velho sistema de concesses polticas para atrair apoios,
desmembrando e criando ministrios. Itamar Franco, vice de Collor, assumiu o
governo aps seu impeachment e se restringiu a restabelecer ministrios extintos
por seu antecessor e dar seguimento ao programa de privatizao.
Aps anos de mudanas tmidas e de retrocesso na reforma administrativa do
Estado brasileiro, o governo Fernando Henrique (1995-2002) reiniciou o processo de
mudana organizacional e cultural da administrao pblica. O Plano Diretor da
Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE), lanado em 1995, o terceiro marco na
histria administrativa mais recente. O debate sobre a reforma do Estado foi liderado
pelo professor e ministro Luis Carlos Bresser Pereira. A proposta central era
inaugurar a administrao gerencial. A chamada nova administrao pblica (new
public manegement), props substituir o modelo rgido, lento e autorreferenciado de
administrao burocrtica por formas de gesto que promovessem um Estado mais
flexvel e gil, introduzindo os conceitos de cidado, accountability, equidade e
justia social. (ABRUCIO, 1996).
Com o objetivo de aumentar a governana, ou seja, a capacidade de
implementar polticas pblicas at ento limitada pela rigidez e ineficincia da
mquina administrativa, a reforma proposta no Plano Diretor possui cinco pontos
principais: institucionalizao, a partir da reforma da Constituio; racionalizao e
cortes de gastos; flexibilizao e mais autonomia para os gestores; transferncia
para organizaes pblicas no estatais de atividades no exclusivas do Estado;
desestatizao, com privatizao, terceirizao e desregulamentao. Essas
grandes diretrizes se traduziram na mudana institucional introduzida pela Emenda
Constitucional n 19, promulgada em 1998.
Abrucio (2007) lembra que a Reforma Bresser props um modelo gerencial
voltado para resultados e, embora tenha fracassado em muitos aspectos, gerou um
choque cultural.
26
Aps 20 anos de centralismo poltico, financeiro e administrativo, o processo descentralizador abriu oportunidades para maior participao cidad e para inovaes no campo da gesto pblica, levando em conta a realidade e as potencialidades locais. (ABRUCIO, 2007, p.69).
Os dois mandatos do presidente Lula (2003-2010) foram marcados pela
revitalizao do Estado, com papel ativo na reduo das desigualdades sociais e na
promoo de desenvolvimento econmico. Ao mesmo tempo em que implementou
algumas prticas e princpios propostos no PDRAE, reproduzindo e consolidando a
Nova Administrao Pblica no Brasil, como o foi para a poltica macroeconmica,
postou-se contrrio a pontos da agenda anterior ao reverter terceirizaes, reabrir
concursos, politizar agncias e paralisar privatizaes. (SILVA, 2008, p. 202).
Assim, durante a maior parte do sculo XX, houve um continuado processo
de modernizao das estruturas e dos processos do aparelho de Estado brasileiro.
No entanto, na maioria das reformas, optou-se por cortas gastos, deixando a
democratizao, com mudana nas relaes com a sociedade e melhoria do
atendimento, para segundo plano. Mesmo tendo proporcionado avanos como a
criao de sistemas de cogesto, planejamento e oramento participativo, as
reformas no geraram mudanas efetivas nas relaes cotidianas entre Estado e
sociedade.
Abrucio (2007) chama a ateno para a compartimentalizao e falta de
articulao entre os nveis de governo e, tal como Rezende (2003), reconhece que,
diante do dilema entre maior controle para efetuar o ajuste fiscal e menos controle
para descentralizar e delegar responsabilidades, na maioria das reformas, optou-se
por privilegiar o ajuste fiscal. Afinal, descentralizar e delegar responsabilidades
significa ter menor controle sobre os gastos (ABRUCIO, 2007; REZENDE, 2003), na
medida em que as decises acerca da aplicao e priorizao dos investimentos
so atribudas a diversos setores quase sempre geograficamente dispersos.
2.1.3 Administrao baseada na comunicao e na confiana
A administrao pblica no Brasil marcada por modelos administrativos que,
ao contrrio das propostas reformistas, no rompem com o aspecto burocrtico das
relaes internas e externas do Estado.
27
Marcado pelo trato da coisa pblica com base em valores particulares, o
patrimonialismo coloca o Estado a servio dos interesses de poucos, privilegiando a
classe dominante, em detrimento das causas de cunho coletivo. O patrimnio
pblico e o privado se confundem. O nepotismo e o empreguismo, seno a
corrupo, so normas. (PEREIRA, 1996, p. 4).
No modelo de administrao burocrtica, o poder emana das normas. As
caractersticas de formalidade e impessoalidade servem para controlar os agentes
pblicos, as comunicaes, as relaes intraorganizacionais e da organizao com o
ambiente. (SECCHI, 2009, p.362). Somado a isso, um dos aspectos centrais a
separao entre planejamento e execuo, com base na distino entre a poltica e
a administrao pblica, na qual a poltica (alto escalo do governo) responsvel
pela definio de objetivos e cabe administrao pblica (servidores em geral)
transformar as decises em aes concretas. A preocupao com a eficincia
organizacional, a equidade entre empregados que desempenham tarefas iguais, o
controle procedimental de tarefas e a imparcialidade tambm so destacados no
modelo burocrtico. (WEBER, 1979).
As crticas a essa forma de administrar so enfticas. Robert Merton (1949)
analisou seus efeitos negativos denominando-os de disfunes burocrticas. Ele
argumenta que a prescrio estrita de tarefas reduz a motivao dos empregados,
gera resistncia s mudanas e o desvirtuamento de objetivos devido obedincia
acrtica s normas. Ademais, a impessoalidade pode levar a organizao a no dar
ateno s peculiaridades individuais.
Vrios episdios cotidianos pem em evidncia a inadequao do paradigma clssico da administrao pblica aos tempos atuais: qual cidado gostaria de ser atendido, num servio pblico, por um funcionrio taylorista? Qual funcionrio pblico se conformaria simples e mecnica execuo de tarefas detalhadamente pr-descritas? Quem duvidaria de que a impessoalidade weberiana exagerada leva ao anonimato, falta de responsabilizao e ineficincia? Quem, hoje, suporta o comportamento burocrtico da burocracia? (PACHECO, 1998, p. 4).
Diante das limitaes do modelo burocrtico, o modelo de administrao
pblica gerencial e o paradigma relacional de governana pblica so apresentados
como alternativas. (SECCHI, 2009). No Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado (1995), Bresser Pereira explicitou a proposta da nova gesto pblica (new
public management):
28
A administrao pblica gerencial constitui um avano e at um certo ponto um rompimento com a administrao pblica burocrtica. Isto no significa, entretanto, que negue todos os seus princpios. Pelo contrrio, a administrao pblica gerencial est apoiada na anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princpios fundamentais, como a admisso segundo rgidos critrios de mrito, a existncia de um sistema estruturado e universal de remunerao, as carreiras, a avaliao constante de desempenho, o treinamento sistemtico. A diferena fundamental est na forma de controle, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, e no na rigorosa profissionalizao da administrao pblica, que continua um princpio fundamental. (BRASIL, 1995, p. 16).
A proposta de governana pblica, por sua vez, vai alm do modelo normativo
de administrao pblica gerencial, baseado em valores de eficincia, eficcia e
desempenho. Ele prope envolver outros atores, alm do prprio governo, no
processo de governar. O movimento da governana pblica se traduz em um
modelo relacional, porque oferece uma abordagem diferenciada de conexo entre o
sistema governamental e o ambiente que circunda o governo. (SECCHI, 2009, p.
349).
No existe um conceito nico de governana pblica, mas antes uma srie de diferentes pontos de partida para uma nova estruturao das relaes entre o Estado e suas instituies nos nveis federal, estadual e municipal, por um lado, e as organizaes privadas, com e sem fins lucrativos, bem como os atores da sociedade civil (coletivos e individuais), por outro. (KISSLER; HEIDEMANN, 2004, p. 480).
Governana, entendida como um modelo horizontal de relao entre atores
pblicos e privados (KOOIMAN, 1993; RICHARDS E SMITH, 2002 apud SECCHI,
2009) traduz uma mudana do papel do Estado na soluo de problemas. Esse novo
modelo poltico baseado na negociao, comunicao e confiana e situado entre os
extremos da regulao poltico-administrativa autnoma e da autorregulao pura de
mercado, pode gerar solues inovadoras para os problemas sociais e um
desenvolvimento sustentvel para todos os participantes. (KISSLER; HEIDEMANN,
2004).
A governana tambm envolve um processo, mas um processo mais amplo, na medida em que transmite a ideia de que as organizaes pblicas no estatais ou as organizaes da sociedade civil, empresas comerciais, cidados individuais e organizaes internacionais tambm participam do processo de tomada de decises, embora o governo continue sendo o ator central. (PEREIRA, 2007, p. 13)
29
A autoridade central hierrquica, bem como a transferncia de
responsabilidade para o setor privado, proposta pelo modelo de Estado mnimo,
dariam lugar soma de esforos de diversas fontes internas e externas ao governo.
No se trata de enfraquecimento do Estado, mas de governos que, diante da
diversificao de demandas, mais que planejar ou executar, estejam aptos a
coordenar.
A implementao de polticas requer hoje a cooperao de vrias agncias, pertencentes a uma ou mais esferas de governo, ou ainda a cooperao com os setores privado e no lucrativo, substituindo a especializao de cada agncia (segundo a poltica a ser implementada), antes compatvel com a setorializao das polticas pblicas, por uma complexidade institucional muito maior, que requer a organizao destas agncias em redes. (BEHN, 1998 apud PACHECO, 1998, p. 4).
No modelo de governana a principal caracterstica a funo de direo.
Nela, o Estado tem o papel de coordenar atores pblicos e privados, organizaes
pblicas, cidados, redes de polticas pblicas e organizaes privadas, na busca de
solues para problemas coletivos.
Secchi (2009) identifica o prisma pelo qual cada modelo administrativo tende
a abordar o cidado. No modelo burocrtico, ele chamado de usurio dos servios
pblicos. Na retrica do modelo gerencial os cidados so tratados como clientes, e
na proposta de governana pblica os cidados e outras organizaes so
chamados de parceiros, com os quais a esfera pblica constri modelos horizontais
de relacionamento e coordenao.
Desse modo, percebe-se que a grande contribuio democrtica do modelo
gerencial e do modelo de governana pblica a abertura no relacionamento entre
os ambientes internos e externos organizao pblica. Mecanismos de suavizao
das fronteiras formais do Estado so sugeridos, como as prticas deliberativas, as
redes de polticas pblicas, as parcerias pblico-privadas e o princpio de governo
catalisador.7 A abordagem relacional e o uso das redes sociais como estruturas de
construo de polticas pblicas so as inovaes mais relevantes propostas pelos
tericos da governana pblica, segundo Brugu e Valls (2005). Com isso, ela
promove uma aproximao indita entre poltica e administrao pblica.
7 Governo catalisador entendido como aquele que utiliza mecanismos de mercado na prestao de servios pblicos. Para aprofundamento ver: OSBORNE; GAEBLER (1995).
30
A diluio da forma de definir e implementar as polticas pblicas entre
diversos agentes suscita polmicas em torno do papel do Estado. Kooiman (1993) e
Rhodes (1997) percebem uma reduo do protagonismo estatal no processo de
coproduo e cogesto das polticas. Richards e Smith (2002) contestam esse tipo
de entendimento, ressaltando que o Estado mantm seu papel de liderana.
Embora estimulem novas formas de arranjos institucionais e de cooperao
entre atores estatais e privados, tais alianas ainda so restritas a atores com algum
poder de ao, administrao ou investimento, alm de terem amplitude limitada.
Apesar do nmero reduzido de participantes, os representantes eleitos ainda tm
dificuldade em exercer algum controle sobre as parcerias pblico privadas.
(KISSLER; HEIDEMANN, 2006).
Alm dessas limitaes, o que mais se destaca que o modelo de estado
cooperativo no otimizou os processos polticos de deciso. Os interesses da
sociedade civil ainda esto claramente sub-representados (...).. (KISSLER;
HEIDEMANN, 2006, p. 492). Mais que coproduzir, ou, ajudar o estado produzindo o
que considerado de baixa relevncia estratgia atuando onde ele falho, ou
onde lhe interessa abrir mo, busca-se participar do que o Estado faz, ou seja, da
definio e implementao das polticas essenciais, compartilhar poder.
Os autores kissler e Heidemann (2006) indicam que a governana pblica
poderia constituir o terceiro pilar da democracia comunitria, ao lado da democracia
representativa e da democracia direta, desde que inclua os grupos-alvo, os parceiros
do terceiro setor e as foras da sociedade civil. Eles prprios, no entanto,
questionam a fora legitimadora dos procedimentos da governana pblica para
fundamentar o exerccio do poder do povo pela cooperao.
2.1.4 Comunicao nos governos federais do Brasil
Viabilizar uma interao ampla e produtiva entre o Estado e a sociedade
persiste como um grande desafio. Marcadas por estratgias de manipulao, nem
mesmo as polticas de comunicao dos governos federais do Brasil contriburam de
forma efetiva para a democratizao do pas. Num perodo de mais de setenta anos,
percebe-se a existncia de iniciativas pontuais. As investidas em polticas pblicas
31
de comunicao, em grande parte, tiveram como foco a emisso unilateral de
informaes de interesse dos governantes.
Em 1939, o presidente Getlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP). Ele centralizava as estratgias de comunicao da administrao
pblica federal e entidades autrquicas, alm de ser responsvel pela censura ao
teatro, cinema e imprensa. Forte instrumento de promoo pessoal do chefe do
governo e das autoridades em geral, o trabalho do DIP foi direcionado para formar a
imagem de Getlio Vargas como Pai dos Pobres.
Jnio Quadros e Juscelino Kubitschek tambm utilizaram intensamente a
comunicao sob o vis do marketing poltico. Jnio teve uma carreira meterica e
chegou ao posto de presidente prometendo varrer a corrupo do pas. O smbolo
de sua campanha era uma vassoura e o jingle prometia varrer a bandalheira.
Juscelino, por sua vez, fez do slogan Cinqenta anos em cinco a marca de seu
governo. (SCOTTO, 2001, p. 100).
Nos anos seguintes no foi diferente. Durante o regime ditatorial (1964-1985),
a comunicao governamental brasileira era baseada na propaganda ideolgica, que
veiculava padres de comportamento cvico, urbano e educativo. No auge da
ditadura militar, a Assessoria Especial de Relaes Pblicas (AERP) centralizou toda
a propaganda poltica do governo Mdici, antes feita por organismos pblicos
independentes. Segundo Sequeira (2004), a partir da foi iniciada a mais organizada,
sistematizada e ampla campanha de propaganda poltica, jamais vista no Brasil, com
o objetivo de estabelecer consenso em relao ao regime.
A AERP criou e executou todo o processo estratgico de comunicao social
durante os quatros anos do governo Mdici, sobretudo em torno do binmio
segurana nacional/desenvolvimento. De maneira a motivar o esforo nacional e
contribuir para o prestgio internacional do Brasil, promoveu campanhas com slogans
ufanistas como Voc constri o Brasil, Ningum segura este pas, Brasil, Conte
comigo. As estratgias voltaram-se, sobretudo, para a televiso que, como em
nenhum outro governo at ento, torna-se um privilegiado instrumento de
propaganda poltica. Filmetes enalteciam o pas e mostravam um governo
empreendedor. Com mensagens simples e um portugus primrio, cria-se a imagem
do governo identificado com o povo.
Sarney (1985-1989) tentou, sem sucesso, implantar um projeto de
comunicao pblica participativa. A experincia no sobreviveu ao Plano Cruzado,
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cujo fracasso foi sucedido por tcnicas de marketing, que cada vez mais permearam
e constituram o cerne da comunicao governamental, especialmente a partir da
gesto Collor de Mello (1990-1992), que se elegeu sob o titulo de caador de
marajs.
Se durante o governo Itamar (1992-1994) ocorreu um recuo na utilizao
dessas tcnicas de marketing, a partir do governo Fernando Henrique (1995-2002),
houve uma intensa associao entre comunicao governamental e marketing.
(...) a preocupao com imagem e discurso foi trao constante da estratgia poltica e de seduo imagtica de FHC. (...) Sua liderana dependia da capacidade de adeso das mdias e do tradicional uso das mquinas eleitorais. Ao mesmo tempo, representava um heri intelectualizado para o mundo ver e, muito especialmente, para orgulhar o Brasil. (MORAES, 2003).
Tcnicas de marketing, em diferentes intensidades, permearam as estratgias
de comunicao do Estado de tal modo que Matos (2009a, p.106) sentencia que
desde Vargas at Fernando Henrique Cardoso, (...) tratou-se de pouca ou nenhuma
comunicao pblica.
No obstante, fundamental considerar que nas dcadas de 1980 e 1990, a
sociedade brasileira passa por mudanas importantes que desenham um novo
cenrio participativo. A aprovao e consolidao do Cdigo de Defesa do
Consumidor, a Constituio de 1988, o voto direto e a disseminao do uso da
internet so alguns elementos que impulsionam a disseminao e solidificao de
movimentos sociais. O cidado assume uma postura mais questionadora, no mais
compatvel com a perspectiva do comunicar como prtica de transmisso unilateral
de informao. Experincias de cogesto das polticas pblicas comeam a ser
sedimentadas e ampliadas.
Nesse contexto em que o uso de tcnicas de marketing e a busca de
visibilidade por si s no respondem s presses sociais por dilogo e participao,
promover a interao, incluir o cidado nas discusses e deliberaes polticas
torna-se inevitvel.
(...) preciso tambm buscar, alm da tendncia dominante do marketing como linguagem da comunicao poltica, a presena de grupos sociais com vrios nveis de organizao, capazes de encontrar espaos e mdias para a manifestao de diferentes vozes e demandas. (Matos, 2009b, p. 6).
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A partir do Governo Lula o conceito de comunicao pblica com o sentido de
informao para a cidadania comea a ser citado com freqncia. (BRANDO,
2007). No entanto, cabe destacar que as radicais mudanas estticas e
comportamentais de Luiz Incio Lula da Silva desde o ano de 1989, quando ainda
era candidato, eram parte de apuradas estratgias de marketing poltico.
Na era Lula, o contato com a imprensa no foi dos mais amigveis. Por
diversas vezes, o presidente criticou os jornalistas abertamente e o governo sempre
manteve uma postura resguardada. Foram concedidas poucas entrevistas coletivas
e as falas reproduzidas pela imprensa eram, na maioria, fragmentos de discursos
feitos em eventos oficiais. Alm disso, o governo no seguiu a cartilha de
gerenciamento de crises ao evitar falar sobre as denncias de corrupo e deixar
que a imprensa ouvisse fontes variadas do governo, com verses por vezes
contraditrias.
Bernardo Kucinski, ex-assessor de comunicao do governo Lula, reconhece
que a poltica de comunicao foi equivocada, sobretudo quanto s relaes com a
mdia e a existncia de feudos que seguiam suas prprias estratgias e polticas
na esfera da comunicao. Dentre eles, cita a secretaria de comunicao, o gabinete
do porta-voz e a assessoria de imprensa, alm do Ministrio das Comunicaes e
Ministrio da Cultura. (KUCINSKI, 2008).
Toda a histria da comunicao dos governos brasileiros tem o selo da
propaganda e ele tambm foi largamente usado no governo Lula. O uso da marca
Brasil um pas de todos foi um instrumento para demarcar as aes do governo
pas afora. A nova marca assume a necessidade de levar mais Brasil para Braslia.
Isso espelha a inteno de tornar o governo mais prximo das pessoas, mais
prximo da realidade dos cidados, mais prximo do Brasil, define a Secretaria de
Comunicao do governo. (SECOM, 2009).
A campanha Mais Brasil para mais brasileiros outro destaque no campo
das aes publicitrias. Produzida com o intuito de destacar o crescimento
econmico e a reduo das desigualdades sociais, ela consistiu em peas
diferenciadas, feitas sob medida para cada um dos estados federativos. A estratgia
de regionalizao da comunicao institucional buscou aproximar o cidado do
governo federal e valorizar os veculos regionais de comunicao.
A implantao do governo eletrnico no setor pblico brasileiro foi iniciada em
2000. A partir da, o governo comea a utilizar as tecnologias da comunicao e da
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informao para a prestao de servios e interao com o cidado, empresas e
outros governos.
A proposta procurou priorizar a incorporao das novas tecnologias da informao aos processos administrativos do governo e prestao de servios ao cidado. Inicialmente, foram implantados no portal Rede Governo, no final de 2001, cerca de 1.350 servios e 11 mil tipos de informao disponveis. No final de 2002, o nmero de servios j havia crescido para cerca de 1.700, com aproximadamente 22 mil links de acesso direto a servios e informaes de outros websites governamentais. (DINIZ, BARBOSA; JUNQUEIRA; PRADO, 2009, p. 36).
O Portal da Transparncia, criado em 2004 pela Controladoria Geral da Unio
e cuja implantao por todas as instncias de governo tornou-se lei, um exemplo
da aplicao das novas tecnologias gesto governamental para fins de controle
social. O portal disponibiliza a execuo oramentria dos programas e aes do
Governo Federal, incluindo os repasses de recursos a Estados e municpios e os
gastos do Governo Federal com compras ou contratao de obras e servios.
A busca de informaes e servios pblicos via internet crescente. Na rea
urbana houve um crescimento de 30,5 milhes de internautas em 2005 para 58,5
milhes em 2009, embora esse nmero represente apenas 35% da populao. Em
2010, 2mil pessoas foram entrevistadas sobre o uso de e-gov. Entre os entrevistados
que utilizaram servios de governo pela Internet nos 12 meses anteriores
pesquisa, 87%8 concordam que eles tm resultados mais rpidos do que os servios
requeridos pessoalmente e 80% concordaram que a maioria dos sites so fceis de
serem encontrados. No entanto, eles apontam aspectos a serem aperfeioados.
Cerca de 60% dos respondentes perceberam demora para carregar as pginas; 48%
no encontraram a informao desejada e 35% alm de no ter encontrado o
servio desejado, declararam haver excesso de informao na pgina inicial (27%).
As instncias governamentais esto ainda aprendendo a lidar com esse novo
meio de visibilidade. A linguagem e a organizao das informaes, sem dvida,
precisam tornar-se mais acessveis, porm a disponibilizao desses dados j um
avano no uso democrtico da comunicao.
O presidente Lula, no obstante diversos deslizes em suas falas, parece ter
sido a principal pea de comunicao do seu governo. Houve um uso intenso da
sua imagem. Sua postura carismtica e o uso de uma linguagem simples, repleta de
8 Pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informao e da Comunicao (CETIC.br), sobre e o uso das TICs no Brasil - TIC Governo Eletrnico 2010.
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analogias, o aproximaram do povo. Para ele, mais que para as estratgias de sua
equipe de comunicao, parece ir o mrito pela sobrevivncia do governo s
diversas crises deflagradas por denncias de corrupo, e pelo encerramento do
mandato com uma aprovao pessoal recorde de 87%9 e de 83,4% para o seu
governo, deixando em sua cadeira uma sucessora escolhida por ele.
Com base em uma pesquisa realizada em 2008, Curvello elenca os quatro
modelos de comunicao mais encontrados no mbito interno dos rgos pblicos
federais (Figura 1). Dentre eles, predomina o modelo informacional, no qual o
governo comunica de forma unilateral, sem se interessar em ouvir o servidor.
Segundo o autor, h tambm o modelo de consulta, no qual o governo aciona o
servidor/cidado e espera receber, em troca, o retorno da informao para
realimentar o ciclo de conversaes. Outros dois modelos so o de participao
ativa, atravs do qual o servidor ganha papel central na interao entre governo e
sociedade e, o de rede de relacionamentos, em que o governo est em interao
com outros sistemas interdependentes.
Tomando como referncia essa classificao das relaes entre a cpula do
governo e os servidores, nesta pesquisa, considera-se o servidor sob o prisma dos
modelos de participao ativa e de rede de relacionamentos. Desse modo,
considera-se que o servidor parte de uma rede que compe o prprio Estado
internamente, ao mesmo tempo em que se posiciona entre governo e sociedade,
configurando-se como principal elo entre a rede intraorganizacional do Estado e as
demais redes externas a ele.
9 Instituto Datafolha nov./2010.
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Figura 1: Modelos de Comunicao dos rgos Pblicos Federais Fonte: Curvello (2008)
Tendo em vista as estratgias de comunicao utilizadas pelo governo federal
na histria recente do pas, percebe-se que, embora a dimenso informacional ainda
predomine, a comunicao com um vis mais participativo tende a ganhar cada vez
mais fora. Ela pode proporcionar as condies necessrias implementao da
proposta dialgica da democracia deliberativa, convergindo diferentes ideias para
um mesmo espao de discusso, de modo a subsidiar polticas pblicas sob um
prisma coletivo.
2.2 Para entender a Comunicao Pblica
Trabalhar a comunicao como elo entre o Estado e a sociedade requer
entender a comunicao pblica na sua perspectiva conceitual e histrica. O
conceito est ainda em construo, mas as discusses tericas indicam que ela
pode ser o caminho mais assertivo para consolidar a democracia.
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Tendo em vista que a comunicao pblica comumente confundida com
outros conceitos, as discusses acerca do tema evidenciam a preocupao dos
estudiosos em deixar evidente o que ela no . Sendo assim, para melhor entend-
la, sero traados os aspectos que a diferenciam, para posteriormente, analisar os
caminhos apontados para a definio do conceito.
No Brasil, os termos estatal e pblico eram utilizados como sinnimos. Isso
porque, no sculo XX, ambos definiam os canais de rdio e televiso que recebiam
concesso do governo para transmitir assuntos de interesse pblico. Embora a
Constituio Federal de 1988, no artigo 223, diferencie os servios de radiodifuso
em sistemas complementares identificados como privado, pblico ou estatal, esse
artigo permanece at hoje sem regulamentao. Diante disso, os campos de
atuao de cada um dos sistemas, que lhes confeririam as necessrias e
esclarecedoras especificidades, no foram definidos. Argumenta-se, entre outros
aspectos, que separar o pblico do estatal sugere que o estatal no seja pblico.
Tambm questionada a existncia de um sistema privado de radiodifuso, tendo
em vista que as emissoras privadas exploram comercialmente um servio que
pblico, pois o utilizam por meio de concesso pblica.
Ao longo dos anos, a noo de comunicao pblica foi bastante ampliada
em relao ideia de mdia pblica, financiada e gerida pelo Estado, mas aproxima-
se, no entanto, do que entendido como comunicao governamental, institucional
e poltica. Diferenci-la tambm desses conceitos fundamental para sustentar seu
potencial dialgico, conforme explicado a seguir.
Matos (2009b) entende comunicao governamental como aquela voltada
para campanhas que visam alterar comportamentos e mentalidades, convocar os
cidados para o cumprimento de deveres ou melhorar a imagem pblica do governo,
construindo um quadro compartilhado de sentidos. Assim, na viso da autora, ela
pode at promover o debate pblico, mas no promove o dilogo entre Estado e
sociedade.
O dilogo na busca coletiva pelo entendimento seria ento o principal ponto
diferenciador da comunicao pblica, em relao comunicao governamental,
na medida em que a comunicao pblica exige a participao da sociedade e seus
segmentos. No apenas como receptores da comunicao do governo e de seus
poderes, mas tambm como produtores ativos do processo, explica Matos (2009b,
p. 6).
38
Tambm importante perceber que, embora ambas deem visibilidade ao
papel das instituies pblicas, promovam os servios oferecidos, contribuam para a
projeo e consolidao da identidade e da imagem, prestem contas sociedade
das aes do governo e estimulem a participao, os objetos de estudo so
distintos. A comunicao pblica diz respeito ao Estado,10 ao passo que a
comunicao governamental direcionada ao governo, portanto, vinculada a
perodos de mandato e, conseqentemente, de carter mais transitrio.
Cabe, ainda, diferenciar a comunicao poltica em relao comunicao
pblica. H entre elas uma relao bastante controversa que visa desvincular a
segunda da conotao de persuaso e manipulao, associada s estratgias de
comunicao poltica, tais como marketing poltico e publicidade governamental
focada em promover o nome e a ao das autoridades polticas sobretudo durante
seu mandato. As peculiaridades so esclarecidas por Matos (2009a). Para a autora
a comunicao poltica baseada em tcnicas de marketing que buscam legitimar e
manter o poder. Por outro lado, h a possibilidade de uma comunicao pblica,
que envolveria o cidado de maneira diversa, participativa, estabelecendo um fluxo
de relaes comunicativas entre o Estado e a sociedade. (MATOS, 2009a, p. 102).
Por fim, Zmor (1995) chama a ateno para a distino entre a comunicao
pblica e a comunicao institucional, destacando que a pblica inclui a institucional,
e vai alm, tornando as instituies conhecidas inclusive a elas mesmas, primando
pela transparncia, e tambm destacando o cidado como codecisor e coprodutor
dos servios. O foco central, portanto, sai da propaganda e da relao de emisso e
recepo para centrar-se no relacionamento entre cidado e Estado. Estar em
relao implica a emergncia de uma superfcie comum de troca, ou uma zona de
encontro de percepes dos emissores e receptores. (DUARTE, 2003, p. 46).
Com base nas delimitaes apresentadas, possvel afirmar que a
comunicao pblica no comunicao institucional, governamental ou poltica,
embora possua elementos que caracterizem tais modalidades. As diferenciaes
destacadas possibilitam avanar na identificao da comunicao pblica como
possibilidade de comunicao democrtica e promotora da cidadania, que busca
no s tornar o Estado mais visvel, como tambm estreitar relaes para promover
o interesse geral.
10 Na perspectiva weberiana, o Estado mais que um governo. Configura-se como um sistema contnuo de administrao, leis, burocracia e coero.
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Os estudos atuais parecem convergir para o entendimento de que a
comunicao pblica no definida conforme a origem das informaes, isto , de
acordo com a instituio interlocutora, mas pela natureza da mensagem. Nessa
perspectiva, o que em primeira instncia caracteriza a comunicao pblica sua
capacidade de possibilitar o debate em torno de questes de interesse pblico,
entendido como a expresso dos direitos individuais, vista sob um prisma coletivo.
Assim, ela estabelece dilogo que possibilita um atendimento mais preciso acerca
de demandas especficas e, de acordo com Monteiro (2007), pode ser praticada por
organizaes no governamentais e at mesmo por empresas privadas, por meio de
aes que promovam a cidadania.
O ganho social diante dessa abertura do conceito para outras esferas, alm
da poltica, parece inquestionvel, sobretudo quando se considera a crescente
convergncia evidenciada nas parcerias pblico-privadas. Por outro lado, requer
cuidados na delimitao do conceito e na definio das prticas de comunicao que
querem ser democratizadoras, principalmente por divergirem das estratgias de
comunicao associadas ao marketing de produtos. Zmor (1995) entende que a
comunicao pblica parte essencial da prestao do servio oferecido pelo
Estado, da a fundamental importncia que ela seja baseada em uma lgica
diferente da utilizada pelo mercado.
(...) os servios pblicos oferecidos ao usurio pblico no podem ser reduzidos a um produto descrito em um catlogo ou exposto em uma vitrine. Os casos apresentados em uma administrao pblica demandam um tratamento personalizado. O servio deve ser ajustado, a aplicao das regras adaptadas ao interlocutor, os procedimentos corrigidos em seus detalhes. (ZMOR, 1995, p. 3).
Na viso de Jorge Duarte (2007), a comunicao pblica ocupa-se da
viabilizao do direito social coletivo e individual ao dilogo, informao e
expresso. Para que essa perspectiva de comunicao pblica como pea
contributiva de estratgias democratizadoras no seja banalizada, o autor alerta:
Comunicao pblica, ento, deve ser compreendida com o sentido mais amplo do que dar informao. Deve incluir a possibilidade de o cidado ter pleno conhecimento da informao que lhe diz respeito, inclusive aquela que no busca por no saber que existe, possibilidade de expressar suas posies com a certeza de que ser ouvido com interesse e a perspectiva de participar ativamente, de obter orientao, educao e dilogo. Na prtica, isso inclui o estmulo a ser protagonista naquilo que lhe diz respeito, ter conhecimento de seus direitos, a orientao e o atendimento
40
adequado, passando pelo direito a saber como so gastos os recursos pblicos, o motivo e o voto de um parlamentar, at a possibilidade de ter participao efetiva nas decises sobre aquilo que de interesse pblico. A viabilizao da comunicao exige informao, mas tambm credibilidade dos interlocutores, meios e instrumentos adequados, valorizao do conhecimento dos sujeitos, facilidade de acesso e uma pedagogia voltada para quem possui mais dificuldades. (DUARTE, Jorge, 2007, p. 64).
Considerando-se tais perspectivas, entende-se que a questo central passa
pela participao e abertura ao dilogo com o cidado. Aspectos como adaptao s
demandas e perfil do interlocutor, e abertura dos processos decisrios so centrais
para a compreenso dessa nova ordem interativa.
Demonstradas as principais questes sobre a conceituao e levando em
conta o objeto em estudo, neste trabalho, comunicao pblica abordada como
(...) processo de comunicao instaurado em uma esfera pblica que englobe
Estado, governo e sociedade, alm de um espao para debate, a negociao e a
tomada de decises relativas vida pblica do pas. (MATOS, 2006, p. 6).
Partir de tal definio significa optar por trabalhar a comunicao pblica
tambm sob um vis sociolgico, que reconhea a importncia do patrimnio
simblico, das relaes e do contexto para o processo comunicativo e participativo.
A proposta reenquadrar a busca de visibilidade na proposta de comunicao
pblica sob o ngulo da prestao de contas, deixando para pocas passadas a
comunicao centrada em promover personalidades polticas e seus feitos. Essa
nova concepo de visibilidade e accountability, centrada no relacionamento,
interatividade, respeito s diferenas, prestao de servios e criao de espaos de
debate, tem base firmada na confiana, diferentemente da comunicao alicerada
em imagens construdas em projees homogneas de aes vagas e distantes.
preciso tambm deixar claro que a comunicao pblica tem como principal objetivo promover a cidadania e a participao, aumentando a confiana que os indivduos possuem no governo, por meio da instaurao de espaos pblicos de dis