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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras Mestrado em Literatura de Língua Portuguesa OS JOGOS DE MURILO RUBIÃO: linguagem, estética do efeito e modernidade Luiz Coelho Lana Belo Horizonte 2009

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras

Mestrado em Literatura de Língua Portuguesa

OS JOGOS DE MURILO RUBIÃO: linguagem, estética do efeito e modernidade

Luiz Coelho Lana

Belo Horizonte 2009

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Luiz Coelho Lana OS JOGOS DE MURILO RUBIÃO:

linguagem, estética do efeito e modernidade

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Prof. Dr. Audemaro Taranto Goulart (Orientador - PUC Minas)

Profª. Drª. Vera Lúcia Andrade (UFMG)

Profª. Drª. Glória Maria Itabirano Gomide (PUC Minas)

Belo Horizonte, Setembro de 2009

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Luiz Coelho Lana

OS JOGOS DE MURILO RUBIÃO: linguagem, estética do efeito e modernidade

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa.

Orientador: Audemaro Taranto Goulart

Belo Horizonte 2009

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Lana, Luiz Coelho L243j os jogos de Murilo Rubião: linguagem, estética do efeito e

modernidade / Luiz Coelho Lana. Belo Horizonte, 2009. 147f. : il. Orientador: Audemaro Taranto Goulart Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. 1. Literatura brasileira – Crítica e interpretação. 2. Rubião,

Murilo, 1916-1991. I. Goulart, Audemaro Taranto. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras. III. Título.

CDU: 869.0(81).09

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a meus pais

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Agradeço a todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a

realização deste trabalho, em especial Xandra, Sapo, Edge e Fino, sem vocês,

provavelmente, este trabalho não chegaria ao final.

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RESUMO

Essa dissertação procura analisar as modificações textuais promovidas por Murilo

Rubião, de uma edição para outra dos contos “O Ex-Mágico da Taberna Minhota” e

“O Pirotécnico Zacarias” – com base nos originais. Para, assim, por meio do

mapeamento (anexo) de sua reescritura, elaborar um jogo onde as relações

autor/texto/leitor revoguem o sentido do texto literário através de jogos de

linguagem. Este processo é possível, pois, conforme se pode verificar na leitura

deste texto, o conjunto de mudanças realizadas por Murilo Rubião admite que o

conteúdo arbitrário dos jogos ganhe forma. As modificações funcionam como regra

do jogo determinando o uso que fazemos dos termos dentro de semelhanças de

família. Assim, através do material lingüístico, na análise das modificações, na

relação do texto com o leitor, tentaremos caracterizar a entrada do texto muriliano na

modernidade. Ao leitor deste texto vale o convite para se aventurar no universo da

análise pragmática da linguagem de Wittgenstein que funciona como suporte para

entender a Estética do Efeito de Iser, conceitos que são amarrados neste trabalho e

nos ajudam a procurar uma saída para a circularidade da escrita fantástica de Murilo

Rubião.

Palavras-chaves: Murilo Rubião, fantástico, linguagem, efeito estético, modernidade

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ABSTRACT

This thesis means to evaluate textual transformations promoted by Murilo Rubião,

from one edition to the other, of the tales entitled “O Ex-Mágico da Taberna Minhota”

and “O Pirotécnico Zacarias” based on the original copy. Thus, throughout the

mapping of its rewritings (following as attachment), a set can be elaborated where

author/text/reader interrelations abrogate the meaning of the literary text through

language sets. This is a plausible process which, as it can be perceived once reading

this actual text, the group of changes performed by Murilo Rubião admits the shaping

of the set’s despotic content. The modifications work as a rule of the set, establishing

the usage we make of the terms inside family similarities. Therefore, through

linguistic material, modification analysis, text/reader interrelations, we will try to

distinguish Murilo text’s entry in modernism. To the reader of this text is kept the

invitation to venture the pragmatic analysis universe of Wittgenstein language which

works as a back-stand to understand Iser’s Effect Aesthetics, concepts which are tied

to the present work and which helps us search a way out to the circularity of the

fantastic writing of Murilo Rubião.

Key-words: Murilo Rubião, fantastic, language, aesthetics, modernity

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

1.1 Um passeio pela crítica muriliana ............................................................................. 14 1.2 Murilo Rubião e o fantástico ...................................................................................... 18 1.3 A reescritura muriliana................................................................................................ 22

2 MURILO RUBIÃO E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM ............................................ 30

2.1 As Investigações filosóficas ....................................................................................... 36

3 HANS ROBERT JAUSS E WOLFGANG ISER – Estética da Recepção e Estética do Efeito .......................................................... 42

3.1 O jogo do texto muriliano ........................................................................................... 44

4 O EX-MÁGICO DA TABERNA MINHOTA .............................................................. 59

4.1 O pirotécnico Zacarias................................................................................................ 64 4.2 O fenômeno da escrita muriliana .............................................................................. 69

5 CONCLUSÃO..........................................................................................................76

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 77

ANEXOS ................................................................................................................... 83

Tabela A .............................................................................................................................. 84 Tabela B – “O ex-mágico da Taberna Minhota” ......................................................... 123 Tabela B – “O pirotécnico Zacarias” ............................................................................. 134

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1 INTRODUÇÃO

A escrita que estava gravada naquelas tábuas era da mão de Deus, que ali tinha escrito os seus dez mandamentos, e tinha-os escrito duas vezes para marcar a sua importância […]

Êxodo, XXXII, 16.

Nos mais de 50 anos de críticas à obra de Murilo Rubião, diversas análises

foram feitas por autores como Audemaro Taranto Goulart, Álvaro Lins, Sérgio Milliet,

Alexandre Eulálio, Davi Arrigucci Jr., José Paulo Paes, Antônio Cândido, Jorge

Schwartz, Vera Lucia Andrade, entre outros. O que mais se postulou desde a

publicação de O ex-mágico, primeiro livro do autor, em 1947, é o fato de Murilo ser o

precursor do gênero fantástico na literatura nacional. Isso pode ser observado pela

incapacidade das primeiras críticas em se definir o gênero de seus contos. O que

leva, segundo Davi Arrigucci Jr. (1974), em “O mágico desencantado ou as

metamorfoses de Murilo”, aos parâmetros de comparação com Kafka e outros

escritores da literatura ocidental, já que não há precedentes nacionais para a opção

do escritor mineiro. Mais um fator muito destacado pelos primeiros críticos são os

temas abordados por Murilo, ressaltando a modernidade e a ironia na sua escrita.

Outras tantas características foram postuladas sobre a escrita muriliana,

dentre elas a escrita circular, o questionamento dos limites da linguagem através da

metamorfose das personagens e seu costume obsessivo de reescrever os contos.

Sendo assim, Murilo Rubião é um autor que se ajusta bem à idéia deste

estudo, pois sua exigência formal trouxe-nos uma obra viva, que mudava pela

contínua busca do autor em aprimorar a linguagem. Davi Arrigucci Jr. (1987)

caracterizou o processo de re-elaboração de Murilo como obsessivo. Uma

metamorfose que, como explicou Audemaro Taranto Goulart (1995), se dá no nível

da criação. Essa metamorfose acontece nos contos, reestruturando a linguagem,

redefinindo o patamar semântico e, por conseguinte, o leitor e o próprio texto. Isso

fica evidente quando observamos que Murilo escreveu apenas 8 livros, que reúnem

89 contos, dos quais apenas 32 são rigorosamente originais.

Em um dos seus ensaios sobre a obra de Murilo Rubião, Jorge Schwartz

afirma o caráter unitário da produção literária do autor não está apenas na

“fidelidade ao gênero conto, mas pela analogia entre os temas formulados e a

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maneira de construí-los, em que o princípio da repetição impera nas suas mais

variadas formas” (SCHWARTZ, p. 175. 1986).

O interesse real de Murilo está na “busca desesperada da clareza”, tal como

disse numa entrevista em que justifica a sua preocupação em re-elaborar sua

“linguagem até a exaustão” – cita Goulart, em artigo escrito para o jornal Estado de

Minas, em julho de 2006 -. Pois é justamente isso que Murilo faz ao republicar seus

contos, o que o leva a processar um significativo número de alterações nos textos,

prática que não chega a comprometer o veio narrativo do original, mas que é

responsável pela mudança de palavras, frases e até mesmo de trechos inteiros. O

seu exercício ficcional parece nos mostrar que é no movimento das palavras que se

projeta o texto literário. Essa obsessiva busca da clareza se repete a cada nova

aparição de um texto e é ela que chancela a obra de Murilo com a marca da

modernidade.

Segundo Goulart (2006), esse aspecto foi identificado pela crítica, mas, de um

modo geral, sempre se deu no nível da interpretação de símbolos e alegorias, como

no conto “O edifício”, publicado pela primeira vez em 1965, que narra a história de

um prédio que teria número ilimitado de andares. Tomando a presença inegável do

mito bíblico da Torre de Babel, o texto de Murilo aponta para a cidade moderna que

crescia verticalmente, como era Belo Horizonte quando se iniciavam as construções

dos arranha-céus.

Entretanto, Goulart (2006) chama atenção para o fato de que ainda há mais a

se investigar sobre a questão da modernidade na obra muriliana, algo que

ultrapassa a dimensão dos acontecimentos das narrativas e que se encontra

justamente no material lingüístico. Sendo assim, é preciso ver a matéria textual

muriliana enquanto um jogo, um movimento que faz a linguagem procurar os limites

de suas possibilidades.

A escrita, ou reescrita de Murilo, evidencia um universo em que as palavras,

sucedendo-se umas às outras, são capazes de significar à sua natureza (Goulart

2006). E isso é um trabalho marcado por um rigoroso processo auto-reflexivo que se

caracteriza como uma conquista da modernidade, como veremos amplamente à

frente.

A abordagem do texto muriliano nos permite pensar o texto nas relações que

ele mantém com os que o precedem, mas ainda como escrita que se revela reescrita

ou leitura. Nessa medida, todo o texto se lê, também, na sua genealogia, quer com

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textos que lhe são anteriores e exteriores, que ele repete e transforma. O que quer

dizer que a escrita não é gravação no espaço virgem do seu suporte, mas, sim,

leitura do texto apagado que a sustenta (BENNINGTON, 1996). O que implica,

também, que qualquer produção significante, qualquer escrita, seja não só uma

operação de leitura, mas, ainda, operação de revelação. A reprodução é, portanto,

condição da escrita, aquilo que se dá a escrever. Toda a escrita se revela reescrita

assim como a cópia se revela, inevitavelmente, infiel (BABO, 2007). E, em Murilo,

são grandes as possibilidades desse diálogo, afinal, temos não só a reescritura, mas

as epígrafes.

A própria epígrafe é uma reescritura, uma vez que o significado atende a uma

demanda global do texto anterior, de onde ela é original. O conto, por sua vez,

funcionaria, também, como uma reescrita, na medida em que se supõe ser o texto o

desenrolar do enredo da epigrafe. Na análise da intenção das epígrafes em Murilo

Rubião, Jorge Schwartz diz:

O perpétuo acontecer, repetitivo e circular das ações (assim como o próprio ato de reescrever de Murilo), reduz a um eterno presente, o tom pretensamente futuro da voz profética. Esta passa a ser assim máscara do futuro encobridora de acontecimentos presentes. É neste jogo de convergências temporais que se instaura o chronos muriliano, e que define a relação estipuladora a priori pelas epígrafes em cada um dos seus contos. (SCHWARTS, 1998, p. 74)

Goulart (2006) nos lembra ainda que todo esse cuidado que Murilo tem com a

escrita se deve ao fato de que a linguagem é, por natureza, traiçoeira. Neste sentido,

Wittgenstein chamou a atenção para o fato de que somos constantemente

enganados por semelhanças gramaticais que mascaram profundas diferenças

lógicas. Em Murilo, a linguagem enfeitiça porque não é mimesis, mas sim

performática: uma ação, um desempenho, ou mais que isso, viva. É resultado de um

jogo que, se não for bem jogado, o resultado pode não ser favorável. Então,

segundo Wittgenstein, não é relevante, para se chegar a um determinado

significado, a emersão de unidades formais, sintáticas ou semânticas. Para ele, este

significado é dado pelo uso que fazemos da linguagem nos mais diversos jogos, ou

melhor, nas diferentes formas de vida.

Assim, conforme a noção wittgenstainiana, a linguagem é valorizada pela

ótica dos vários usos que podem ser feitos das palavras e enunciados e, no nosso

caso, na reformulação destas palavras e enunciados, pois ela é (a linguagem)

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autônoma em relação aos fatos. É assim que o uso que fazemos da linguagem pode

ser entendido como um jogo que é, por sua vez, uma atividade social, ou seja, uma

forma de vida das práticas e das instituições sociais, pois, com efeito, continuamente

operamos com a linguagem ao jogarmos os jogos de palavras.

É por isso que, em Murilo Rubião, somo levados a acreditar que a opção pelo

conto fantástico não foi aleatória, mas sim correspondeu ao reconhecimento desse

modo de narrativa como a expressão mais evidente de uma literatura que traz

consigo os questionamentos do estatuto da ficção e da própria função da criação

literária. Pois, como explicou Maria Cristina Batalha, no artigo “Murilo Rubião e as

Armadilhas do Verbo: A Euforia e o Desencanto”, em 2003, é próprio da literatura

moderna a interrogação permanente sobre o seu processo de elaboração, sobre o

diálogo que estabelece com as obras que a antecederam e sua vinculação com toda

uma tradição literária. Assim, a ficção fantástica, por sua própria natureza de obra

aberta, oferece ao escritor a possibilidade de encenação desse diálogo e permite

recolocar em xeque as margens da criação literária.

Neste sentido, a literatura fantástica nos leva constantemente a nos

interrogarmos a respeito da interpretação da ficção, assim como sobre os limites da

expressão e da própria língua. Por esse motivo, o fantástico, ao expor duas ordens

incomparáveis entre si – o natural e o sobrenatural, o possível e o impossível, é

inseparável da crise da representação inerente à época moderna (BATALHA, 2003).

E reescritura muriliana não parece ser uma busca pela simplificação da

escrita, mas sim a busca pelo “Santo Graal” da linguagem, o signo perfeito, busca

que, provavelmente, Murilo sabia ser inútil, afinal, a linguagem jamais poderá nos

dar a experiência da coisa. Ela sempre estará substituindo a mesma, que nos será

mostrada através de um encadeamento lógico de significantes. Wiitgenstein (1968)

deixa claro que para se representar na linguagem algo que contradiga as leis lógicas

é tão pouco possível quanto dar coordenadas de um ponto que não exista. Assim,

percebemos que o nosso espaço de pensamento do mundo é limitado pela sintaxe

lógica da linguagem.

Goulart, em outro artigo sobre Murilo Rubião, intitulado “O Resgate do

Discurso Fantástico em Murilo Rubião”, de 2002, diz que tudo aquilo que faz parte

da ficção sobrevive na linguagem, inclusive as narrativas de efeitos miméticos mais

realistas. E, para se fazer entender, Goulart (2002) se apóia em Saussure, dizendo

que o filósofo:

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afirma não existir, por exemplo, qualquer relação necessária entre a palavra “mesa” e o objeto que lhe corresponde. Entretanto, como o demonstrou Benveniste, a colocação de Saussure levava em consideração três elementos: o significante (imagem sonora), o significado (conceito) e a coisa (a realidade), deduzindo-se dela que a relação entre o signo lingüístico (significante e o significado) e a realidade é arbitrária, mas a relação entre a imagem verbal e o conceito é necessária. (GOULART, 1984, p. 47)

Entretanto, a literatura da modernidade (com exceção de alguns de seus

momentos, como o Realismo) não tem a pretensão de se constituir como

representação, como mimese, como cópia da realidade e Murilo não é diferente, ele

não faz mimese, é um texto performático, um jogo que envolve o leitor. Pouco

importa a purgação, mas sim uma identificação pelo espírito crítico: uma catarse de

espírito crítico.

Segundo Wolfgang Iser, desde o advento do mundo moderno há uma

tendência clara em privilegiar-se o aspecto performativo da relação autor-texto-leitor,

pelo qual o pré-dado não é mais visto como um objeto de representação, mas sim

como o material a partir do qual algo novo é modelado. O novo produto, entretanto,

não é predeterminado pelos traços, funções e estruturas do material referido e

contido no texto. Ainda sim:

Isso não equivale negar que a relação autor-texto-leitor contém um amplo número de elementos extratextuais que entram no processo, mas são apenas componentes materiais do que sucede no texto e não representados um a um. Parece portanto justo dizer que a representação, no sentido em que viemos a compreendê-la, não pode abarcar a operação performativa do texto como uma forma de evento. (ISER, 1979, p. 106)

Para deixar isso mais evidente, Iser cria o conceito do jogo. Este conceito

está focado na idéia de representação, “enquanto conceito capaz de cobrir todas as

operações levadas a cabo no processo textual” (ISER, 1979. p. 107). Este jogo,

então, nos proporciona duas vantagens: “1. o jogo não se ocupa do que poderia

significar; 2. o jogo não tem de retratar nada fora de si próprio. Ele permite que a

inter-relação autor-texto-leitor seja concebida como uma dinâmica que conduz a um

resultado final “(...) Os autores jogam com os leitores e o texto é o campo de jogo”

(ISER, 1979. p. 107). Portanto:

o jogo do texto não é nem ganho, nem perda, mas sim um processo de transformação das posições, que dá uma presença dinâmica à ausência e alteridade da diferença. Em conseqüência, aquilo que o texto atinge não é algo pré-dado, mas uma transformação do material pré-dado que contém. Se o texto acentua a transformação, é ele obrigado a ter uma estrutura de jogo. (ISER, 1979, p.115)

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Iser nos explica ainda que, a transformação chega à plena fruição pela

participação imaginária do receptor nos jogos realizados “(...) Quanto mais o leitor é

atraído pelos procedimentos a jogar os jogos do texto, tanto mais é ele também

jogado pelo texto”. (ISER, 1979. p. 115).

Neste caminho, para Batalha (2003), a narrativa fantástica só pode dar ao

acontecimento uma existência verbal na medida em que a regra que o rege é

relativizada. Por isso, no fantástico, a problemática da narrativa se centra em si

mesma: a lógica do acontecimento se sobrepõe à da ação e a relação entre o

personagem e os acontecimentos é insuficiente para explicá-lo. Então, é no material

linguístico, nas reescrituras, na obsessão muriliana pela palavra perfeita, na relação

semântica do texto e, neste sentido, nas relações com o leitor, que caracterizaremos

a entrada do texto muriliano na modernidade.

Sendo assim, o estatuto do narrador e dos personagens no relato fantástico

implica uma nova relação entre a obra e o leitor. Este não pode mais permanecer

simplesmente como um receptor passivo do texto, mas, ao identificar-se com a

atitude do personagem – que não consegue dar uma explicação para os

acontecimentos e, desta forma, transmite essas incertezas ao leitor, obrigando-o a

percorrer os mesmos caminhos que o próprio personagem –, torna-se um co-autor

da obra (BATALHA 2003).

Isso pode ser observado quando um leitor interage com um texto, pois

significados são evocados em um fluxo de intenção para o entendimento desse

texto. O texto não existe sem o leitor, porque é ele quem atribui significados, é ele

quem o transforma e, ao fazê-lo, o leitor divide com o autor sua autoria, explicou

Marisa Lajolo (1998). Em vista disto, o discurso literário supõe “um leitor capacitado

a recuperar de forma consciente as alusões, citações, paráfrases, paródias e demais

formas de intertextualidade presentes em cada texto que lê” (LAJOLO, 1998, p. 65),

portanto, nada é mais importante no texto do que o efeito que ele provoca no leitor.

Para Jauss (1979), não é a interpretação do significado da obra ou mesmo a

reconstrução da intenção do autor que caracterizam a experiência estética. Sobre

esta experiência, Marisa Lajolo (1998) comenta:

realiza-se na sintonia com seu efeito estético, i.e., na compreensão fruidora e na fruição compreensiva. Uma interpretação que ignorasse esta experiência estética primeira seria própria da presunção do filólogo que cultivasse o engano de supor que o texto fora feito, não para o leitor, mas sim, especialmente, para ser interpretado. (LAJOLO, 1998, p. 65)

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Entender as inter-relações entre a obra de Murilo Rubião e o leitor é,

necessariamente, questionar como o sujeito se decifra, e como através destes jogos

de signos e decifrações, dá legitimidade a um determinado significado.

Para tanto, essa pesquisa pretende entender como através de jogos de

linguagem e, neste sentido, do texto (Wittgenstein e Iser), Murilo é capaz de fazer

emergir um significado novo que é posto à prova pelo próprio estatuto teórico da

literatura fantástica, caracterizando assim a escrita e reescrita muriliana no discurso

da modernidade.

O mecanismo adotado para tal operação consiste em se verificar como a

linguagem passa a ser valorizada pela ótica dos usos que podem ser feitos das

palavras e enunciados, em um mecanismo que Wittgenstein chamou de “jogo de

linguagem”, para assim podermos apreender o dinamismo do texto muriliano, em um

movimento textual que Iser chama de o “Jogo do texto”, processo pelo qual uma

Estética do Efeito é possível. Toda essa pesquisa está calcada em se verificar estes

postulados na reescritura que Murilo efetuou nos contos “O ex-mágico da Taberna

Minhota” e “O Pirotécnico Zacarias”, em suas edições originais e em suas duas

edições sequentes. Estas modificações estão, ao final da dissertação, agrupadas

por Semelhanças de Família (WITTGENSTEIN, 2000), em um mecanismo que nos

permite sugerir uma tentativa de saída para as armadilhas do movimento circular do

conto muriliano.

O critério metodológico de construção deste texto consiste na investigação de

importantes críticas já realizadas sobre Murilo, na procura de se constatar a

importância delas para o argumento desta dissertação, seguido de um

esclarecimento dos postulados de Iser e Wiigenstein, para que, ao final, estes

possam ser usados no estudo das reescrituras dos contos “O ex-mágico” e “O

pirotécnico Zacarias”. Em anexo, encontra-se um catálogo das modificações feitas

por Murilo Rubião, dividas em duas tabelas: Tabela A – as modificações textuais

agrupadas por semelhança de família e Tabela B – as modificações do texto original

e suas variações entre as sucessivas reedições. Vale reparar, também, que as

citações dos contos de Murilo Rubião feitas durante a dissertação foram retiradas do

livro Murilo Rubião, contos reunidos, obra póstuma, de 1998. Livro organizado por

Vera Lúcia Andrade e que reúne todos os contos do autor, inclusive, o inédito “A

diáspora”.

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1.1 Um passeio pela crítica muriliana

Murilo Rubião começou a escrever no final da década de 30 tendo publicado

seu primeiro conto, “Elvira e outros mistérios”, na revista Mensagem, em 1940.

Estreou com o livro O ex-mágico, em 1947, mas manteve-se desconhecido do

grande público até o lançamento de O pirotécnico Zacarias, em 1974. Seu acervo

encontra, também, um grande número de textos esparsos em jornais e revistas,

como crônicas, contos que não foram publicados, projetos de novelas e até poemas.

Mas não há dúvida alguma de que seus grandes trabalhos se encontram no

universo da literatura fantástica.

O próprio Rubião declarou em entrevista de onde vem sua preferência pelo

fantástico:

Minha opção pelo fantástico foi herança da infância, das intermináveis leituras dos contos de fadas, do “Dom Quixote”, da “História Sagrada” e das “Mil e uma Noites”. Ainda: porque sou um sujeito que acredita no que está além da rotina. Nunca me espanto com o sobrenatural, como o mágico. E isso tudo aliado a uma sedução profunda pelo sonho, pela atmosfera onírica das coisas. Quem não acredita no mistério não faz literatura fantástica. (RUBIÃO, 1982, p. 3)

Ainda assim, antes mesmo de Arrigucci (1974), Álvaro Lins (1963), em Os

mortos de sobrecasaca, diz que os contos de Murilo Rubião, como a literatura de

Guimarães Rosa, estão mais na direção da atmosfera do mistério de Kafka.

Segundo o estudioso, Murilo busca um caminho inovador e com soluções próprias.

Se Murilo não pode ser chamado de “nosso Kafka”, apesar da aproximação de sua

obra com a do escritor tcheco, seu mérito, contudo, fica por ter trazido para a

literatura brasileira um gênero sem precedentes. Arrigucci (1974), concordando com

Lins (1963), diz que o talento e a originalidade de Murilo Rubião estariam ligados ao

seu parentesco com o mundo ficcional de Kafka, no que se refere à construção

lógica do absurdo, acrescentando que essa originalidade, ou mais especificamente,

a opção pelo fantástico, tem um caráter duplamente insólito, já que a obra do

escritor surge em um contexto literário que se difere do hispano-americano, onde há

uma forte tradição no gênero, como em Borges, Cortázar, Felisberto Hernándes e

tantos outros. Contam-se nos dedos os exemplos do tipo dos “Demônios”, de Aluísio

de Azevedo, ou do “Assombramento”, de Afonso Arinos, ou ainda do conto

propriamente estranho, como o “Bugio Moqueado”, de Monteiro Lobato.

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Nesse caminho, Arrigucci (1974) explica que a principal estranheza causada

pela obra muriliana acontece pelo fato de o autor surgir em plena década de 40, sem

ter tido contato com Kafka ou com outros hispano-americanos, e pelo fato de o autor

produzir contos na moderna tradição do gênero fantástico. O que leva o estudioso a

concluir que as características mais relevantes da obra de Murilo Rubião seriam a

fidelidade ao gênero fantástico, ao conto e a um determinado procedimento de

escritura. Para Lins (1963), O ex-mágico é uma coletânea coesa de contos que dão

à obra muriliana um caráter pessoal, inconfundível e o diferencia de livros de outros

autores de sua época, pois os contos poderiam, pela estrutura lingüística e pelas

temáticas, terem sido produzidos em épocas diversas.

O próprio Murilo comentou:

Acredito que Kafka, como eu, tenha sido influenciado pelo Velho Testamento e pela mitologia grega. O que é a Metamorfose de Teleco senão a reinvenção do mito Proteu, pastor do rebanho marinho de Netuno, que por detestar predizer o futuro, dom que lhe fora concedido, transforma-se em animais para não o fazer? (RUBIÃO, 1981, p. 4-5)

Apesar disso, Murilo foi um escritor renegado por muitos anos pela crítica

literária brasileira. Seu primeiro livro, de 1947, foi pioneiro das narrativas literárias

brasileiras, e nem por isso sua obra chamou a atenção dos comentadores. No

entanto, a obra de Murilo surge de maneira incomum, pois parecia desengajada das

temáticas modernistas da época. Anterior, por exemplo, a Júlio Cortázar, Jorge Luis

Borges e Gabriel García Márquez, Murilo Rubião, no entanto, desenvolve uma

escrita que parece apontar para outra direção, no caminho do fantástico, um

fantástico que está no cotidiano. Nessa escrita, acontecimentos antagônicos entram

em harmonia pela organização da linguagem e não há um enigma a ser descoberto

ao final.

Nesse sentido, não seria exagero dizer que Murilo é o grande antecipador no

Brasil da tendência mais marcante da ficção latino-americana, mesmo que, segundo

Audemaro Taranto Goulart, no texto A corrosão do real na obra de Murilo Rubião

(2006), exista um engano quanto à afirmação da inauguração do conto fantástico no

Brasil por Murilo: “Afinal, bem antes, escritores consagrados como Álvares de

Azevedo, Machado de Assis, Afonso Arinos, Monteiro Lobato e uns poucos outros já

haviam feito incursões no terreno do fantástico” (GOULART, 2006, p. 1)

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Para J. Guimarães Alves, em “Revelações de um livro novo” (1947), O ex-

mágico difere de tudo o que havia sido publicado anteriormente, porque neste livro

Murilo teria introduzido uma nova forma literária, que tem influência do surrealismo,

mas que não o é. Alves comenta que a contribuição nova de Murilo não se restringe

às letras mineiras, mas é evidente para toda uma produção ficcional brasileira. Já

Sérgio Milliet (1974), em artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, diz que o

livro de estréia de Murilo Rubião traz à tona as experiências de 22. Murilo recupera

as preocupações daquela geração de não cair na banalidade piegas da confissão

pessoal, por isso cria uma tonalidade própria para a sua prosa, o que poderia

explicar o ingresso gênero fantástico.

Jorge Schwartz, em A poética do uroboro” (1981), nos fala, também, sobre

essa nova linguagem, e diz que em Murilo há a angústia de não conseguir controlá-

la, e que isso passará para a atmosfera dos contos. Para ele, o autor faz uma

análise centrada nas epígrafes bíblicas que são, evidentemente, tema sedutor das

análises de tantos outros estudiosos, talvez seguidos por este. As epígrafes,

contudo, em O ex-mágico de 1947, não acompanham a escrita conto a conto. Nesta

obra, apenas seis epígrafes acompanham os quinze contos. Existe uma epígrafe

introdutória e cinco no início de cada uma das partes do livro: Arco-Íris, Mulheres,

Montanha, Condenados, Família. Só a partir do segundo livro, A estrela vermelha, é

que todos os contos passarão a ter uma epígrafe própria.

Para Schwartz (1981) as epígrafes funcionam como elemento antecipador da

temática do conto, sendo, pois, possível recuperar a temática das mesmas durante

os contos. Segundo o estudioso, as epígrafes iniciais de O ex-mágico gerarão as

epígrafes subsequentes, funcionando como epígrafes matrizes das outras. O

caminho percorrido pelos personagens das epígrafes também será o percurso das

personagens dos contos. Assim, principalmente na primeira obra de Murilo, as

epígrafes são uma importante temática, possuindo pontos de contato entre si; os

traços dos heróis da narrativa epigráfica também irão se identificar com os das

personagens de seus contos, caracterizando uma arquipersonagem. Segundo o

crítico, a narrativa de Murilo é arbitrária e está sempre à procura de uma nova forma,

com alterações que chegam a três reedições. Essa arbitrariedade conduz a uma

circularidade do processo criativo, e as alterações vão de datas a permutações

nominais. Nessas idas e vindas cria-se um labirinto textual, que ilustra o mecanismo

da arbitrariedade do signo narrativo.

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Neste contexto, o herói muriliano parece procurar uma saída para esse

labirinto, uma saída para o labirinto textual. As reflexões de Otto Lara Resende, no

Estado de Minas (1947), que introduzem a resenha do Ex-mágico, parecem

caminhar também neste sentido. As personagens de Murilo Rubião, sem possuir

infância ou passado, parecem não ter saída, estão presas a este mundo. Este é,

talvez, o herói modernista muriliano, um herói triste, desamparado e aprisionado.

Para Resende (1947), Murilo tenta dar forma a este personagem, a este herói,

lutando por exprimir o inexprimível, caracterizado em um processo fantástico,

provocando no leitor o sentimento de insegurança e mal-estar. Assim, comenta

Suzana Yolanda Lenhardt Machado Cánovas no artigo “O universo fantástico de um

mágico burocrata”:

as personagens de Rubião expressam uma cosmovisão profundamente angustiada da realidade, que está em consonância com a ideologia do autor. No seu mundo de idas e vindas, de constantes transformações e buscas inúteis, nunca existe uma saída redentora ou um genuíno relacionamento afetivo entre elas. (CÁNOVAS, 2003, p. 61)

Esta angústia pode ser observada também no processo de escrita e reescrita

de Murilo: uma luta com a frase, em eliminar o que excede; a procura do sentido que

existe no vago, na duplicidade do significante; a procura por elementos que gerem o

maior número de conexões possíveis. O objetivo de Murilo ao mexer e remexer tão

incisivamente na escrita leva o leitor a se movimentar entre o lógico e o ilógico.

É nesse caminho que, no fantástico de Murilo Rubião, as realidades

contraditórias coexistirão em harmonia, pois o elemento fantástico dissolve as

relações tradicionais do texto com o receptor, pois integra o leitor em um universo

que está calcado em um absurdo verossímil. Schwartz (1981) vê esse processo

acontecendo através de uma hipérbole onde o insólito se manifesta. Assim, como o

movimento do texto é hiperbólico, circular, gerando a prisão, ele não tem limite

determinável, sendo unicamente apoio para formalização do conteúdo da obra. Para

ele, as ações da narrativa se repetem à saturação coincidindo com o trajeto circular

da obra.

Para Alexandre Eulálio, em “Animais de Estimação” (1965), esse isolamento

das personagens é correlacionado com uma metamorfose. Através de uma

impressão de irrealidade, Murilo exprime o desencontro do homem com o seu

espelho interior. E essa metamorfose refletiria exatamente o abandono das

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personagens. Para Eulálio, tudo no texto se transformaria: o fluxo do tempo, as

personagens, sendo que esse metamorfosear se encerraria, finalmente, com a

máscara da morte. Essa metamorfose está refletida praticamente em todos os seus

contos e personagens. “O ex-mágico” enfastia-se do ofício para tornar-se burocrata,

o “Pirotécnico Zacarias” transforma-se em cores. Deste movimento, se instalaria o

elemento insólito, que também se instala na linguagem, deformando como um

monstro a linguagem corrente, que vai sendo aos poucos devorado pela procura do

sinônimo perfeito, pela palavra exata.

Como diz CÁNOVAS:

A metamorfose é tema constante de sua obra, podendo suas personagens se transformar em objetos, plantas, animais e homens, que se apresentam sob diversas máscaras que ocultam seu verdadeiro Eu, tornando as relações humanas altamente problemáticas. (CÁNOVAS, 2003, p. 59)

1.2 Murilo Rubião e o fantástico

Poucos autores parecem fundir-se com tanta frequência com sua própria

produção como parece acontecer com Murilo. Schwartz, em “O fantástico em Murilo

Rubião”, escrito de 1974, e que pode ser encontrado no site oficial de Murilo Rubião,

diz:

A realidade de Murilo Rubião é quase uma realidade de ficção. No apartamento de Belo Horizonte, grande número de obras inspiradas nos seus contos. Um quadro repleto de coloridos dragões, no meio da sala. É a vida de um homem que cultiva o hábito de estar só. Nada fora do lugar. Cada detalhe é pensado, um fruto de vivência. Aquarelas ilustradas com a sua própria escritura. Estatuetas e quadros espanhóis, do país onde foi adido cultural por quatro anos. Finalmente, uma sala de livros, a mesa e a máquina de escrever, indicando batalhas na produção das obras. Murilo, o caso de um escritor que ficou relegado na história das letras brasileiras. (SCHWARTZ, 1974, p. 11)

Cercado de burocracia por todos os lados numa sala da Imprensa Oficial de

Minas, Murilo passava o dia trabalhando em memorandos e formulários. De vez em

quando, entretanto, anota, em um pedaço qualquer de papel, uma idéia que mais

tarde poderia se transformar em um conto, um capítulo e, porque não, um lembrete

para uma modificação em algo já escrito. No trabalho, onde passa grande parte de

seu dia, Murilo se considera mais escritor que burocrata.

Este processo pode ser observado, metaforicamente, também, no conto “A

fila”, onde pode se estabelecer uma comparação entre sua estrutura e a estrutura

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burocrata, indicando como o método de construção da narrativa tem como princípio

estrutural exatamente a mesma regra que domina a organização burocrática, sua

rotina estéril. Como também em “O ex-mágico”, onde o enredo nos permite a criação

de um elo entre a visão da esfera pública e a percepção do absurdo da burocracia

estatal.

Murilo Rubião trabalhou na Folha de Minas na época do Estado Novo.

Escreveu todo tipo de reportagem, da policial até a esportiva. Apenas em 1943

começou sua carreira burocrática, como oficial de gabinete do Interventor João

Beraldo. Foi chefe de gabinete do governador Juscelino Kubitschek, e de 1956 a

1960 chefe do Escritório de Propaganda do Brasil em Madri.

Contrariando alguns postulados de H. P. Lovecraft, em El horror em la

literatura (2002), Murilo parece dar as costas para alguns “preceitos” do Fantástico.

Sendo assim, como ficaria a função do relato fantástico, já que o elemento suspense

e a explicação final estão diluídos na escritura?

Louis Vax e H. P. Lovecraft caracterizam o fantástico pelo modo como as

narrativas produzem no leitor uma percepção de medo, derivado da ameaça que o

sobrenatural representa para o mundo conhecido. Mas, explica Goulart (1995), não

se pode, na verdade, considerar este medo como instância caracterizadora do

Fantástico, principalmente em Murilo, pois “o gênero não quer ser a mera

representação da história de horror que envolve o leitor, tentando mostrar-lhe que o

sobrenatural existe e, principalmente, que existe como ameaça” (GOULART, 1995,

p. 36).

Para Schwartz (1974), o fenômeno fantástico de sua escrita é explicável na

medida em que há a percepção dos níveis simbólicos e alegóricos de significação,

sendo que, para ele, sempre há por detrás da linguagem uma crítica à sociedade.

Poderíamos comparar a tarefa interminável do escritor à do engenheiro de “O

edifício”, uma vez que ambos se movem no terreno instável da liberdade e da

norma, do acerto e do erro, do triunfo e da derrota. Esse movimento de ir-e-vir

manifesta-se, também, no nível do arranjo dos textos: os contos publicados

inicialmente em O ex-mágico (1947) e em A estrela vermelha (1953) reaparecem

reunidos em Os dragões e outros contos (1965), o qual, por sua vez, se desdobra

em O pirotécnico Zacarias (1974) e A casa do girassol vermelho (1978). Esse

movimento em que o texto é objeto de revisão e de reescrita demonstra a

insatisfação do próprio autor em relação à sua obra.

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Mas não é difícil de imaginar Murilo neste cenário; para o autor, afinal, a

escrita brota de um processo árduo de procura da expressão exata. Um processo

que parece antecipar a mudança de enfoque do artista moderno para o fazer

literário, fazendo-o o principal, e a obra o auxiliar.

Para se desmanchar as armadilhas da linguagem muriliana, há de se exigir

um leitor competente. Mas isso não quer dizer que sua obra seja restrita a alguns

poucos leitores, pelo contrário, ela é acessível a todos, mas a participação do leitor,

em um ato interessado, é fundamental para se escapar de suas armadilhas, caso

contrário, o leitor só compreenderá o enredo, deixando escapar o que parece mais

caro. Descobrir novas relações entre os dados do mundo sensível, explorando os

limites do real, é, portanto, o curso percorrido pelo narrador muriliano e

compartilhado pelo leitor. Assim, podemos dizer que,

Na verdade, o texto hipertrofiado pela perspectiva do fantástico, exibindo cenas angustiantes como as da obra de Rubião, tem uma importância fundamental na formação do chamado leitor crítico, justamente porque, redimensionando o real numa outra perspectiva, o que se consegue é fazer com que as pessoas enxerguem melhor o mundo que está a sua volta e saibam vê-lo com o senso crítico que pode colaborar para a mudança desse mundo. (GOULART, 2006, p. 4)

Assim, o fantástico questiona o real na medida em que coloca em cheque o

que é normal.

Acima de tudo, o fantástico procura afastar tudo o que seja dogmático, na preocupação de mostrar realidades subentendidas, que não se explicitam automaticamente. Assim, provoca-se o leitor, levando-o a assumir uma verdade: a de que os limites da racionalidade, que foi problematizada pelo insólito, são os limites do próprio homem. (GOULART, 1995, p. 51)

A linha narrativa de Murilo em O ex-mágico (1947), por exemplo, conduziu a

crítica a aplicar-lhe antigos postulados, que acabam por não demarcarem

efetivamente a natureza de seu relato. Segundo Goulart, em seu livro O conto

fantástico de Murilo Rubião (1995), é importante ter em mente a maneira como a

realidade é apresentada na narrativa posterior ao século XVI. Na época, pode-se

dizer, o objetivo era o de aproximar o texto do real conhecido, de maneira a

identificar nele os traços desse real. Isso significa que na obra existia a chamada

verossimilhança, a condição que tenta tornar o texto ficcional coerente e lógico,

tendo em vista a sua aproximação com outros discursos não literários como a

história, os princípios religiosos, as leis sociais. Esse texto produzido sobre essa

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verossimilhança com a realidade é o que se convencionou chamar de Realismo

Mágico e que é diferente do fantástico que investigamos nesta dissertação. Para

melhor discernir, entendamos:

o maravilhoso consiste na intervenção dos deuses no plano terreno, daí sua associação ao “mundo sobrenatural, entendido esse como o universo dos deuses, da magia, dos bruxedos, dos encantamentos, manifestações parapsicológicas, etc.”. E é exatamente essa presença dos deuses que torna aceitáveis os acontecimentos estranhos da tragédia e da epopéia. (MOISES apud GOULART, 1995, p. 29)

Portanto, pode-se dizer que o Realismo Mágico, mesmo vinculado ao

sobrenatural, continua localizado junto às regras estabelecidas pelo discurso

extraliterário, como o discurso religioso, por exemplo.

Para Goulart, no fantástico é diferente, e isso tem uma explicação

antropológica, afinal,

Com o passar do tempo e o desenvolvimento tecnológico, a coesão que se observava no relacionamento do natural com o sobrenatural, promovido pela crença religiosa, começa a se modificar, pois, à medida que a civilização se torna menos hierarquizada, ocorria uma maior complexidade da cultura, mostrando que as coisas não eram assim tão coerente. [...] Como não poderia deixar de ocorrer, em tal ambiente, o natural e o sobrenatural, tornam-se sentimentos antimônicos. [...] A conseqüência imediata é a ruptura da ligação da obra literária com os elementos extraliterários problematizados, [...] pois a obra não mais se interessava em apoiar-se num referente que estivesse fora dela. (1995, p. 88)

É por isso que, segundo Goulart (1995), a literatura fantástica privilegia o

acontecimento em si e não o comportamento das personagens. A narrativa

fantástica trata do mesmo modo o natural e o sobrenatural, sem se preocupar com o

exame das condições do sujeito que aparece nela.

O leitor atento de Murilo Rubião pode verificar o que foi dito acima, afinal,

percebe certa falta de compromisso com a estrutura narrativa convencional alocada

numa estrutura espaço-temporal. O fato é que, para que se realize a esfera

narrativa, é importante que o leitor entre no jogo do narrador, confie na lógica

proposta pelo texto e aceite o fantástico. Este leitor atento é defrontado com o

alargamento da fantasia, como acontece, por exemplo, no seguinte trecho: “Pelos

meus olhos entravam estrelas, luzes cujas cores ignorava, triângulos absurdos,

cones e esferas de marfim, rosas negras, cravos em forma de lírios, lírios

transformados em mãos.” (RUBIÃO, 1998, p.31).

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Esta visão da criação literária não acontece apenas no “Pirotécnico Zacarias”.

Outros contos de Murilo abordarão esta temática, como, por exemplo, “Marina a

intangível”, e, por isso, ele toca, com a clarividência de sua linguagem, em uma das

dimensões da modernidade literária.

1.3 A reescritura muriliana

Dentre todos esses aspectos enumerados, fica também muito marcado pela

crítica seu gesto de escrever e reescrever seus contos. Como comentou Eulálio

(1965), a procura do sinônimo perfeito, da palavra exata, parece em Murilo uma

briga pelo “Santo Graal” da linguagem, uma briga que o autor já devia saber que

estava perdida.

Lançado pela editora Ática, a edição dos Contos reunidos de Murilo Rubião,

em 1998, possui, como afirma a crítica Vera Lúcia Andrade, no posfácio do livro,

além dos 32 contos reunidos, o conto “A diáspora”, conto muito raro, mesmo para os

leitores mais ávidos do autor. Para ela, Murilo não pode ser considerado um autor de

uma produção pequena, afinal, o processo de reescritura o tornará um escritor de

uma obra vasta. Esses 32 contos, contando todas as republicações, chegam a 102,

o que é uma prova de que Murilo sempre esteve mais preocupado em reelaborar do

que propriamente criar novos textos.

Goulart fala sobre as modificações de edição para edição:

No terceiro livro, Os dragões e outros contos, de 1965, têm-se 20 contos, dos quais apenas quatro são inéditos. Os demais mostram doze republicações do primeiro livro e quatro do segundo. Em 1974, Murilo publica seu quarto livro, O convidado, que mostra nove contos inéditos. Essa aliás, foi a última obra inteiramente original do autor, pois, neste mesmo ano, aparece O pirotécnico Zacarias, que traz apenas republicações, sendo quatro contos do primeiro livro, um do segundo e três do terceiro. Em 1978, aparece A casa do girassol vermelho, com cinco textos do primeiro livro, três do segundo e um do terceiro. O aparecimento de Murilo Rubião – literatura comentada, em1982, traz um dado diferente. Nele, estão nove contos do primeiro livro, sendo que, destes, fazem parte três, que jamais haviam reaparecidos em outros livros e, pela primeira vez, republicam-se sete textos dos nove de O convidado. Completam o livro três contos de Os dragões e outros contos. Finalmente, em 1990, publica-se o último livro de Murilo Rubião. Trata-se de O homem do boné cinzento, onde estão quatro narrativas do primeiro livro, três do terceiro e duas do quarto. (GOULART, 1995, p. 16)

O que explicaria esse processo de construção da obra de Murilo? Para

Goulart, à primeira vista, parece que existe uma compulsão que o leva a uma

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permanente reelaboração de sua obra, pelo fato de considerar que a criação

acabada não existe. “Tudo quanto se cria transforma-se em algo aberto.”

(GOULART, 1995, p. 16)

O próprio Murilo afirmou:

Sempre aceitei a literatura como maldição. Poucos momentos de real satisfação ela me deu. Somente quando estou criando uma história sinto prazer. Depois, é essa tremenda luta com a palavra, é revirar o texto, elaborar e re-laborar, ir pra frente, voltar. Rasgar. (RUBIÃO, 1974, p. 5)

Arrigucci, no texto Enigma e comentário: ensaios sobre literatura e

experiência, comenta que a reelaborarão de Murilo é a própria metamorfose.

Metamorfose que se dá tanto no nível da criação, quanto no âmbito dos temas.

O ato de modificar ou transformar os contos se casa, por exemplo, à mudança contínua de faces e nomes de determinados personagens, como é o caso de Teleco, Godofredo e suas mulheres. Alfredo, Petúnia e outros mais. Faces e nomes escorregadios, que se colocam ora aqui ora ali, carregados por um mesmo fluxo. E logo também se casa à transformação propriamente dita dos seres, que viram e desviram animais e plantas, numa instabilidade do ser, o que implica a questão mais profunda da identidade não fixada. (ARRIGUCCI, 1887, p. 151)

Ao reescrever, é como se Murilo refizesse-se. As variantes estilísticas desse

vaivém invariável poderiam interessar de imediato, se não fosse ainda mais

importante o próprio ato de modificar, com que nele se identifica a operação de dar

forma. É como se o autor tentasse capturar o perpétuo, o deslocamento que configura a

linguagem, uma procura do intervalo entre palavras e coisas.

Muito já foi comentado sobre a pequena produção de Murilo e sua vasta

reescritura. Almeida Fischer (1979), no texto “Dois níveis para leitura dos contos de

Murilo Rubião”, publicado no Suplemento Literário, diz que não há por que encher as

prateleiras das livrarias de livros medíocres, se o autor de pouco mais de uma

dezena de contos (isso, claro, em data da publicação desse artigo) já se situa entre

os melhores em língua portuguesa.

Eliane Zagury, em um artigo sobre Os dragões e outros contos, publicado nos

Cadernos Brasileiros (1966), analisa a reelaboração dos contos de O ex-mágico

(1947) e de A estrela vermelha (1953) e comenta que os contos republicados

passam por um trabalho de elaboração formal seguro e severo, caminhando para

um vocabulário mais sintético e genérico, frases mais suaves e musicais, com a

retirada de algumas vírgulas para que o enunciado assuma um ritmo mais rápido.

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A própria organização dos contos reflete esse processo. São quinze contos

de estréia, em 1947, que antes de serem publicados já haviam sido escritos e

reescritos. Quatro novos contos publicados em 1953 em A estrela vermelha. Em

1965, esses dezenove são reagrupados em Os dragões, com mais quatro inéditos.

“O pirotécnico Zacarias”, que estava presente em seu primeiro livro, dá título à

coletânea de 1974, em que são selecionados oito contos, reescritos. Outra

coletânea, A casa do girassol vermelho, de 1978, possuiu mais nove contos que

também faziam parte dos três livros anteriores. Outra antologia publicada pela

editora Abril, organizada por Jorge Schwartz, possui três contos da edição rara de

1947. Neste ano publicaram-se mais nove contos inéditos, pertencentes ao livro O

convidado. Quando saem pela Ática, em 1983, há uma alteração na ordem dos

contos, que passam pelo inevitável processo de reescritura muriliana.

Quanto às republicações dos contos, o texto mais publicado é o primeiro

conto do primeiro livro, “O ex-mágico da Taberna Minhota”, que apareceu seis

vezes. Em seguida, “A cidade”, “Alfredo”, “O homem do boné cinzento”, “Marina, a

intangível”, “Os três nomes de Godofredo”, “Os dragões” e “Teleco, o coelhinho”,

todos com cinco publicações. É interessante notar, também, que os contos “O lodo”

e “Petúnia” só foram republicados postumamente no livro Murilo Rubião: contos

reunidos, o que significa que Murilo, pessoalmente, nunca os republicou. Além disso,

o conto “A diáspora” aparece apenas, ineditamente, na coletânea final.

Segundo Schwartz (1981), desse processo derivaria a marca da falta. O

crítico identifica o que Barthes chama de a ferida da falta. Para ele, a luta com o

fazer, através do constante refazer, provoca algumas matrizes temáticas. Ao tentar

continuamente preencher um tempo e um espaço vazios, há a revelação do caráter

espectral dos seres murilianos. Seres que, desprovidos de interioridade psicológica,

se tornam figuras que andam por diferentes espaços da narrativa.

Arrigucci (1974) também chamará a atenção para o eterno fazer e refazer, a

modificação ou metamorfose como temática dos contos murilianos. Esse

procedimento do autor será comparado ao do feiticeiro, ou mágico, que tem o poder

de metamorfosear o mundo. Para ele, é exatamente esse excesso de magia que

transformará o insólito em algo natural. Assim, o leitor desprevenido tentará buscar o

sentido do texto e do fantástico nessa estruturação. A principal função do fantástico

seria então a de superar a paralisia do branco do papel e levar novamente para o

círculo do reescrever, um processo de reescritura que, agora, acontece com o leitor.

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Nesse caminho, a metamorfose acontece não apenas no processo de escrever e

reescrever os mesmos contos, mas é também transferida para os temas dos contos,

que se repetem.

Em Murilo a percepção deste processo é fundamental: por um momento,

somos capazes de capturar o deslocamento configurador da linguagem, o que

evidencia a consciência do escritor sobre o intervalo entre as palavras e as coisas.

Assim, a procura pelo significado “entre” é característica do fantástico de Murilo. As

modificações levam a uma busca pela palavra exata que tem reflexo no patamar da

linguagem, modificando as personagens e, por sua vez, o leitor.

Nesse caminho, Sandra Nunes, no texto “Elefantes, burocratas e

metamorfoses. Acercamentos de um manuscrito muriliano”, apresentado no XI

Congresso Internacional da ABRALIC, em 2008, nos ajuda a pensar:

A forma de pensar muriliana coincide com sua forma de escrever/reescrever seus contos. As transformações não alteram a íntegra de suas histórias; o que se verifica de uma versão para outra são substituições de palavras, num sistema contínuo de permutações, que coincide com o tema central de sua obra. A metamorfose ou a modificação aparecerá como elemento forte de seus textos, levando à condenação – ou de personagens que se vêem eternamente lutando com a impossibilidade de encontrar sua própria personalidade, ou de outros que não conseguem conter suas transformações físicas ou de atingir os objetivos desejados. (NUNES, 2008, p. 1)

Portanto, o processo de reescrita muriliano, e o movimento circular que ele

apresenta, não é apenas temática da narrativa, mas também a busca pelo

aprimoramento da palavra, busca que guiará as ações das personagens.

Até o presente momento, podemos observar três pontos importantes da obra

de Murilo como um todo, são eles:

− O processo de criação que está intimamente ligado à obra.

− A escrita ou reescrita que se torna o elemento primordial para Murilo, mas

do que a narrativa.

− O uso de epígrafes bíblicas como elemento sintetizador dos contos

Sendo a busca da clareza da linguagem marca fundamental do trabalho de

Murilo, a sua opção pelo fantástico está diretamente ligada a esta procura das

palavras mais transparentes possíveis, para que o leitor não sinta sua presença. É

por isso que Schwartz (1981, p. 88) afirma que “analisar o processo de produção

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autoral passa a ser elemento-chave para a compreensão deste autor”. Neste

sentido, a reescritura, a metamorfose, funciona como elemento formador do

fantástico.

Em Murilo, o processo de escrever e reescrever os seus contos apontam para

o infinito, e nos remete ao desejo do escritor moderno de anular o intervalo entre a

narrativa e o texto. A metamorfose, a reescritura, gera um mecanismo lingüístico em

que as personagens se vêem eternamente numa disputa. Um processo doloroso,

assim caracterizado pelo próprio Murilo nas cartas enviadas a Mario de Andrade

(MORAES, 1995), quando diz que escrever é uma tortura.

Certo que, afinal, o que fica claro (se é que algo fica) é que o texto muriliano,

aparentemente simples e ingênuo, reflete algo maior na literatura: que a escrita

despojada, quase anti-literatura, mostra que o fácil é, na verdade, muito difícil.

Diferente da forma como aconteceu na história da literatura hispano-

americana, como já comentado, a produção da literatura brasileira dirigiu-se

primordialmente para uma narrativa ficcional voltada para o documento, registrando

os fatos culturais e históricos e denunciando as injustiças sociais, como também

comenta Maria Cristina Batalha, no texto “Murilo Rubião e as armadilhas do verbo: a

euforia e o desencanto”:

Enquanto nos estados vizinhos a busca de uma identidade se pautou por uma literatura de imaginação, seguindo a forte tradição do gênero aí existente, a literatura brasileira, cujos escritores se impunham como missão formar uma nacionalidade, dá as costas à imaginação criadora e organiza sua temática, assim como sua estética, em torno das grandes questões que marcavam nossa diferença em relação ao resto do mundo, em particular com relação à matriz européia, como é caso da literatura que predomina no período romântico. (BATALHA, 2003, p. 99)

Álvaro Lins (1963), logo em seguida ao lançamento de O ex-mágico,

reconhecendo o ineditismo da obra, observa essa falta de definição supracitada que

desorientava os críticos:

Entre os dois mundos, o real e o supra-real, ficou sempre, em O ex-mágico, alguma coisa perturbando o estado emocional da ficção, de modo que permanecemos insatisfeitos quanto aos resultados, que, no caso, não devem ser apenas literários, também psicológicos e humanos, de modo geral. (LINS, 1963, p. 267)

Neste sentido, a abordagem feita por Lins é de vital importância porque ela

atesta a importância da obra de Murilo em transformar a “realidade das coisas,

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afigurando-se, ao mesmo tempo, como única possibilidade de desvelamento daquilo

que ultrapassa a compreensão humana.” (BATALHA, 2003, p. 100).

Por isso, acreditamos que a opção pelo conto fantástico, em Murilo, não foi ao

acaso, aleatória, mas está ligada, na verdade, ao entendimento deste tipo de

narrativa como a expressão literária que traz consigo o questionamento da ficção e

da própria criação literária moderna.

Neste caminho, comenta Batalha (2003):

É próprio da literatura moderna a interrogação permanente sobre o processo de elaboração, sobre o diálogo que este estabelece com as obras que a antecederam e suas vinculações com toda uma tradição literária. Assim, a ficção fantástica, por sua própria natureza de obra aberta, oferece ao escritor a possibilidade de encenação desse diálogo e permite recolocar em xeque as margens da criação literária. (BATALHA, 2003, p. 100)

Concordando com Remo Ceserani (2006), acreditamos que no fantástico,

porque se afasta de uma transitividade das palavras como instrumentos que

remetem fielmente uma realidade, Murilo cria um espaço de linguagem favorável à

discussão da literatura no discurso moderno. E, neste sentido, a literatura fantástica

nos encaminha para um processo de interrogação da própria interpretação da ficção,

bem como sobre os limites da expressão e da própria língua.

Sobre este ponto, explica Goulart:

Dessa forma, a narrativa, fundada no fantástico, passa ao questionamento do real e da razão, na medida em que mostra aquele mundo em que predomina o que a cultura estabelece como normal e esta como uma instância que deve orientar os comportamentos ditados pelo sistema social. (GOULART, 1995, p. 41)

É por isso que Batalha (2003) considera que o fantástico, ao expor juntos no

mesmo ambiente o impossível e o possível, é inseparável da crise da representação

da época moderna. Sendo assim, o discurso fantástico esbarra no reconhecimento

da impossibilidade da linguagem dizer o real.

Para Wittgenstein, a linguagem possuiu significação apenas em uma situação

determinada de emprego, isto é, aquilo que ele denomina um “jogo de linguagem”.

Assim, não é importante a apresentação de um significado, ou seja, os novos

critérios para se dizer o significado de uma palavra, ou de uma expressão, estão no

uso que fazemos da linguagem nos mais diversos jogos, nas diferentes formas de

vida. (MORENO, 2002, p. 56)

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Segundo Wittgenstein (2000), não é necessária a análise completa do

enunciado para chegarmos ao significado. Cada situação empregada revela um dos

pedaços desse conjunto, ligados por semelhança de família. Assim, a linguagem

passa a ser valorizada pelos usos que podem ser feitos das palavras e enunciados.

Por isso acreditamos que Murilo é particularmente curioso a este estudo,

afinal a sua literatura é um meio privilegiado de se preencher os vazios deixados na

tentativa de apreensão da realidade – que acontece na metamorfose da linguagem

durante os jogos –, uma vez que a própria reflexão sobre as limitações desta

possibilidade constitui a temática principal de sua obra.

Os contos de Rubião podem ser lidos como avatares do próprio trabalho de construção literária, no qual o artista, tal qual o pirotécnico Zacarias, espera colorir o mundo, para que, finalmente, o “branco tome conta de toda a terra”. Afinal, o branco não representa a ausência de cor e, ao mesmo tempo, encontro de todas as cores? Trabalho de escritura que se desdobra, através das múltiplas metamorfoses, na incessante busca de sentido e reflexão consciente sobre o papel e os limites da literatura. (BATALHA, 2003, p. 101)

Isso fica claro de se rastrear em Murilo, uma vez que é um traço

sistematicamente apontado pela crítica: as metáforas da elaboração da escritura.

Como por exemplo, no comportamento do ex-mágico, que transforma tudo à sua

volta, e pelo seu desencanto em não ter realizado um mundo mágico, “consciente de

que o criador não poderá nunca levar a cabo a obra completa de transfiguração da

realidade” (BATALHA, 2003, p. 101). Portanto, as mais variadas fases dessa

transformação da linguagem que, em Murilo, os críticos, em sua maioria,

convencionam chamar ou correlacionar a uma metamorfose, se estendem nas

situações vividas pelas personagens que, em última análise, mostram as

metamorfoses do próprio texto que são exaustivamente escritos e reescritos por ele.

Tentando explicar o que foi postulado por nós acima, Murilo diz:

Nunca me preocupei em dar um final aos meus contos. Usando a ambigüidade como meio ficcional, procuro fragmentar minhas histórias ao máximo, para dar ao leitor a certeza que elas prosseguirão indefinidamente, numa indestrutível repetição cíclica. (RUBIÃO, 1993, p. 4)

Toda literatura é expressão do imaginário mas a estética realista constrói seu

objeto de modo a disfarçar esse traço fundamental, enquanto, o que parece

caracterizar a literatura fantástica é o fato de demonstrar que a função literária não é

a de “imitar” o real, mas, ao contrário, pela hesitação e incerteza que instala, a de

trazer as falsas pretensões de respostas às contradições do real, que são as da

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própria literatura. Neste sentido, o herói do fantástico é incapaz de modificar os

acontecimentos para reconstruir um mundo segundo sua vontade. A ambigüidade e

a dúvida marcam o herói fantástico e, particularmente, o herói muriliano, que expõe

a impotência do sujeito em reconstruir a desordem do mundo.

Talvez por isso, a reescritura muriliana represente a eterna briga do sujeito

que, enquanto não dá conta do seu abismo interior, fica impedido de controlar a

consciência que tem de si e de sua criação. Assim, estaria Murilo tentando tomar as

rédeas da sua criação, querendo apontar com o dedo as palavras, de forma a

emergir um fantástico que é real.

Sobre isso Goulart comenta:

Na medida em que a linguagem nomeia, ela afasta o ser, pode-se mesmo dizer, ela extermina o ser, ultrapassando-o e tornando-o signo. Como disse Foucault [...], o que a linguagem faz é convocar o ser a se apresentar mas como uma ausência, o que ela quer é torná-lo real mas fora da sua condição pessoal, exatamente porque ele estará aparecendo apenas como linguagem. E esse trabalho é ainda mais redimensionado com a irrupção do fantástico naquela operação de “desrealizar” o mundo e as pessoas, tornando-as espectros que não têm vocação para ser coisa alguma. Assim, os seres desrealizados e irremediavelmente sem salvação compõem o quadro do fantástico na obra muriliana. (GOULART, 2006, p. 3)

Isso é o que Wittgenstein chamou de ensino ostensivo, onde pronunciar uma

palavra é apontar para um objeto. O ensino ostensivo explica como uma palavra

pode ser entendida pelos participantes do ato comunicativo mesmo quando quem

escuta ou lê um enunciado não conhece o significado do termo, pois este emerge do

jogo. É preciso haver um conhecimento anterior do jogo de linguagem para que a

definição ostensiva possa ser interpretada, é o que Wittgenstein chama de

“vivências características”, que são estados mentais que retomam, em determinadas

ações, estados mentais delimitados por propriedades características que, em última

instância, são as regras do jogo. Só assim, podemos analisar minuciosamente cada

jogo, colocando-os no conjunto dos jogos com os quais mantêm ligações de

semelhança.

Neste ponto, cabe explicar mais detalhadamente os postulados de

Wittgenstein e da filosofia da linguagem, mais propriamente, os postulados de sua

obra As investigações Filosóficas (2000), que é exatamente onde o autor irá

discursar sobre o Jogo e seus mecanismos de operação.

Para tanto, continuemos...

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2 MURILO RUBIÃO E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM

A expressão filosofia da linguagem possui duas acepções principais, uma

mais estrita e outra mais ampla. Em sua definição mais estrita, ela é o resultado das

investigações filosóficas em torno da natureza e do funcionamento da linguagem, o

que poderíamos chamar também de análise da linguagem. Podemos observar esta

função mais estrita quando investigamos questões relacionadas à linguagem, como

a natureza do significado de nossas expressões lingüísticas, de como somos

capazes de nos referir às coisas do mundo por meio da linguagem, da natureza da

verdade e de nossas proposições, em suma, de como nos comunicamos uns com os

outros. Na segunda acepção mais ampla, a filosofia da linguagem está conectada às

abordagens críticas dos problemas filosóficos, ou seja, essas abordagens são

metodologicamente conduzidas por uma investigação da linguagem, motivo pelo

qual podemos chamá-la de crítica da linguagem.

Há historicamente duas espécies de filosofia da linguagem: a ideal e a

ordinária. A filosofia da linguagem ideal é influenciada pela lógica simbólica

desenvolvida a partir da obra do filósofo alemão Gottlob Frege (1848-1925). O

pensamento fregeano parece procurar o que há por trás das sentenças de nossa

língua atual, sua verdadeira estrutura lógica. A filosofia da linguagem ordinária, por

sua vez, toma como modelo a linguagem do cotidiano, tentando investigar sua

estrutura operacional. Essas duas espécies de filosofia da linguagem nos indicam

que há uma ligação entre o exame da linguagem e seu aproveitamento em uma

crítica da linguagem.

Frege foi o criador da moderna lógica matemática, a primeira pessoa a

pesquisar formalmente os fundamentos da aritmética tentando reduzi-la à lógica.

Embora Frege não tenha sido muito notado por seus contemporâneos, foi lido por

filósofos como Russell e Wittgenstein, tendo influenciado profundamente os

desenvolvimentos posteriores da filosofia da linguagem. Sendo assim, a principal

contribuição de Frege à filosofia da linguagem foi a criação de uma teoria

esclarecedora da natureza do significado.

Frege (1978), em seu artigo “Sobre o sentido e referência”, esquematizou

suas principais teorias sobre o sentido. A teoria fregeana se baseia na diferença

entre significado (para qual ele usa a palavra sentido - em alemão Sinn) e a

referência ou significação (Bedeutung) das expressões.

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O que Frege se pergunta é: qual é a identidade que as frases afirmam? Para

tanto, teríamos: I) trata-se de uma relação de identidade entre objetos; II) trata-se de

uma relação de identidade entre nomes de objetos (FREGE, 1978). Além disso, ele

não aplicou a distinção entre sentido e referência só a nomes. Ele alargou essa

distinção para outros elementos fundamentais da linguagem: os predicados e as

frases.

Neste caminho, Cláudio Costa Ferreira (2002, p. 14) nos instiga com a

seguinte pergunta: “o que é o sentido de uma frase?” Para ele, o sentido deve ser

algo que se modifica quando as partes da frase são substituídas por outras com um

outro sentido, embora com a mesma referência. Frege (1978) sugere que o sentido

de uma frase é o pensamento que ela expressa; afinal, uma mudança no sentido de

um nome no interior de uma frase produz uma mudança no pensamento.

O que Frege está chamando de pensamento é efetivamente significante por

ser o portador da verdade ou da falsidade. Quando dizemos que algo é verdadeiro

ou falso, estamos delimitando, inicialmente, não a frase, mas o seu sentido. Por isso,

frases escritas em línguas diferentes dizendo as mesmas coisas são verdadeiras,

embora sejam muito diferentes umas das outras – o pensamento por elas

anunciado, o portador da verdade, é o mesmo.

Frases também têm referência. A referência de uma frase é considerada por

Frege como a circunstância em ser verdadeira ou falsa. Segundo Costa (2002), o

argumento que ele usa para chegar a essa conclusão baseia-se no princípio

leibniziano (Gottfried Leibniz) de intersubstituibilidade salva veriate. Esse princípio

mostra que uma expressão pode ser substituída por outra no interior de uma frase

sem que o valor-de-verdade da frase se altere. Assim, uma vez que a referência de

uma frase está amarrada à referência de seus elementos, se mudarmos um dos

elementos por outro qualquer com a mesma referência, a referência completa da

frase deverá permanecer a mesma – a referência das frases deve ser aquilo que

permanece inalterado após a substituição. Portanto, para Frege, existem apenas

duas referências de frases: o Verdadeiro e o Falso.

Um dos pensadores mais influenciados pelas idéias de Frege foi Bertrand

Russell (1872-1970). Russell foi um grande estudioso da filosofia da linguagem, e

sua grande contribuição para esse pensamento foi a Teoria das Descrições. Para

Russell (1974), há dois tipos de conhecimento: conhecimento por familiaridade

(acquaintance) e conhecimento por descrição.

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Russell propôs a concepção metafísica da relação entre a linguagem e o

mundo, o que ele chamou de atomismo lógico. Essa concepção diz que todas

sentenças de nossa linguagem, quando analisadas, se mostrariam como

constituídas de signos atômicos referentes aos elementos simples da realidade.

Esses elementos seriam aquilo que conhecemos por conformidade. Portanto, disso

depende todo o conhecimento.

É importante reparar que Russell tinha uma concepção de significado

diferente da indicada por Frege, pois prescindia da noção de sentido. Ele percebe o

significado de um nome como sendo simplesmente aquilo a que ele se refere.

Segundo Costa (2002), esta idéia deve possuir algo de intuitivo: o significado da

palavra azul, por exemplo, seria o que se dá a perceber como sendo o azul, razão

pela qual um cego de nascença não pode saber o que significa essa palavra. Assim,

para Russell, os verdadeiros nomes tem significado por apontarem para objetos com

os quais nós temos familiaridade.

A função da teoria das descrições no interior do atomismo lógico é a de

oferecer uma saída para dificuldades como essa. O conhecimento que temos dos

significados dos nomes próprios comuns é, para Russell, um conhecimento de

descrição e não por familiaridade. O filósofo nega que os nomes próprios e as

descrições de nossa linguagem ordinária sejam capazes de indicar algo simples.

Para Russell, um nome real não poderia ter qualquer conteúdo descritivo. A

sugestão que ele faz é que, no sentido lógico da palavra, um nome real só poderia

ser um pronome demonstrativo como isso ou aquilo, seguido por um gesto com o

qual o falante aponta para algo que ele vê em um determinado momento.

Seguramente, o pronome isso não seria aplicável a um objeto físico, pois

devemos levar em consideração que é possível que não haja nada especificado

presente. Segundo Costa (2002), a filosofia de Russell parece apontar para um

solipsismo, ou seja, para a doutrina de que não existe um objetivo interpessoal, mas

apenas os dados imediatos da consciência.

Neste caminho, encontramos no filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-

1951) um desenvolvimento desse pensamento. Ele trabalhou, sobretudo em suas

Investigações filosóficas (2000), o que podemos considerar uma concepção

pragmática1. Ele considerou o significado de uma palavra em seu uso em

1 A separação do estudo da linguagem em sintaxe semântica e pragmática tem sua procedência no livro Fundamentos da teoria dos signos (1938), do filósofo norte-americano Charles Williams Morris

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determinado contexto (IF, 2000, § 43, p. 432) e introduziu a noção de jogo de

linguagem para exemplificar este mecanismo (IF, 2000, § 7, p. 29-30).

De acordo com Wittgenstein (2000), o sentido não deve ser percebido como

algo fixo e determinado, mas sim como função que as expressões lingüísticas

desempenham em um contexto específico e com objetos específicos. O sentido

pode mudar dependendo do contexto, da palavra utilizada e do propósito. As

palavras não são utilizadas primordialmente para descrever a realidade como a

semântica tradicional parecia supor, mas para realizar algum objetivo como, por

exemplo, um pedido, ou uma ordem, uma saudação, agradecimento, etc. (IF § 23, p.

35-36).

Nesse caminho, se pensarmos os fatos insólitos das narrativas murilianas,

veremos que, em sua maioria, estão inscritas no texto funcionando como uma lente

de aumento, promovendo a emersão do absurdo que, por sua vez, expõe a ausência

de significado para onde esse dedo aponta.

Para ele, a literatura era uma maldição e escrever era algo que só lhe dava prazer no momento de criação das histórias. Depois, era aquela luta com a palavra, um infindável exercício de “revirar o texto, elaborar e reelaborar, ir para frente, voltar. (GOULART, 2006, p. 2)

Sobre essa maldição Cánovas explica também:

A mesma paralisação dá-se ante o mistério da criação literária, que é tema de Marina, a intangível, que explicita a idéia de literatura como maldição, à qual o autor se refere, uma vez que não há um genuíno prazer na criação artística. (CÁNOVAS, 2003, p. 61)

(1901-1979). Morris foi influenciado pelo filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), que pode ser considerado um dos precursores da pragmática. Em sua argumentação sobre a natureza e a função dos signos, Peirce aponta a importância do uso, enfatizando o papel interpretante na relação entre o signo e aquilo que ele designa. O filósofo alemão Rudolf Carnap (1891-1970) retomou em suas obras a diferenciação entre sintaxe, semântica e pragmática nos estudos da linguagem. Segundo a definição tradicional encontrada em Morris e em Carnap, a semântica estuda a relação dos signos com os objetos a que se referem e a pragmática diz respeito à relação dos signos com seus usuários, como esses os interpretam e os empregam. A pragmática, então, refere-se à linguagem em uso em diferentes contextos de comunicação. Nesse sentido, a pragmática incide na nossa experiência concreta da linguagem, nos fenômenos lingüísticos com que efetivamente lidamos (OLIVEIRA, 1996).

Para ter significado as expressões dependem do contexto, sem o que não podem ter a sua referência determinada. A compreensão de uma sentença é impossível sem a determinação da referência das palavras que existem nela, o que só pode ser feito levando-se em conta o contexto específico em que a sentença foi utilizada. Uma outra possibilidade de compreender a pragmática consiste em considerar o significado como determinado pelo uso, mesmo que originalmente os autores que formularam essas concepções não tenham utilizado esse termo em relação a suas propostas. Essa concepção acrescenta à consideração do contexto a idéia de que a linguagem é uma forma de ação e não de descrição do real. (OLIVEIRA, 1996).

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A mesma palavra pode fazer parte de diferentes contextos com diferentes

significados. São esses diferentes contextos de uso dos objetivos específicos que

Wittgenstein caracteriza como jogos de linguagem. Essa noção mostra que as

expressões lingüísticas são sempre utilizadas em um contexto de interpretação entre

o falante e o ouvinte, que as empregam com objetivos determinados. Nesse

caminho, a linguagem é sempre comunicação, e a deliberação dos significados de

uma palavra ou expressão depende da interpretação do uso do objetivo em um

contexto, não sendo, também, gerada de modo definitivo. É por isso que não

podemos generalizar, definindo o significado como uma unidade abstrata da palavra.

É justamente essa impossibilidade de generalização e a ênfase na análise do

contexto que nos permitem, segundo Manfredo Araújo de Oliveira, em Reviravolta

lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea (1996), caracterizar o pensamento

de Wittgenstein como pragmático.

A resposta está ilustrada na análise do próprio termo jogo que encontramos

nas Investigações filosóficas (2000, § 66-70, p. 52-54). O que poderia haver em

comum entre o uso do termo jogo para assinalar coisas diferentes como o jogo de

xadrez e jogo de futebol, o jogo de vôlei, ou mesmo um jogo de tênis? É possível

que haja alguns traços característicos que nos permitam aproximar esses usos,

sendo que alguns são mais próximos e outros mais distantes. Para explicar esse

ponto, Wittgenstein usa a imagem da semelhança de família (IF, § 67, p. 52-53).

Segundo ela, os membros de uma mesma família se parecem, sem que haja

necessariamente algo comum a todos.

Wittgenstein mostra que a análise filosófica deve trazer as palavras do plano

metafísico para o uso comum (IF § 161, p. 79). Os problemas filosóficos devem ser

analisados levando-se em conta os usos das palavras e expressões empregadas. A

análise dos diferentes contextos, dos jogos de linguagem e do uso das palavras em

um discurso desvenda essas diferenças e permite a elucidação dos problemas.

Para tanto, o movimento do jogo envolve uma regra, sendo que o uso da

regra é incorporado como signo explícito no interior do jogo. Assim, para que a

linguagem consiga “encantar”, como o mago, ela precisa revelar algo novo, aquilo

que ainda não foi dito, sob pena de acabar como ele, desencantado, preso na

burocracia, transformando-se, por fim, em banalidade.

Pensando sobre a metáfora da criação que o “Ex-mágico” pode representar,

Batalha comenta:

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a consciência das diferenças e múltiplas instituições sociais e sistemas de representação, assim como a conseqüente pulverização das leituras de mundo, levaram o indivíduo ao sentimento de dissociação com o meio em que está inserido, que se torna totalmente estranho para ele. (BATALHA, 2003, p. 105)

Então, como a literatura se presta ao papel de desnudar essa dissociação,

torna-se um mecanismo privilegiado para ilustrar as ambigüidades e limites da ficção

e da própria linguagem.

Lembrando Sartre, Batalha comenta sobre essa característica da literatura

fantástica, retomando a já desgastada comparação entre Murilo e Kafka. Ainda

assim,

reconhecemos nos contos de Murilo Rubião traços que podem identificar com o absurdo kafkiano, embora, como nos assinala Sartre, à diferença do que ocorre no absurdo tout cout – ausência total de finalidade –, o fantástico exponha a falta de ligação entre meio e fim – este sempre fugido e contraditório – e a impertinência de qualquer finalidade, mesmo quando conseguimos vislumbrá-la. (BATALHA, 2003, p. 106)

É exatamente por conseguir expor as contradições daquilo que se considera

como real que a literatura fantástica pode “promover um ‘retorno ao humano’, já que,

aí, o homem – único objeto fantástico – surge em toda sua verdadeira e cruel

condição de solidão e abandono.” (BATALHA, 2003, p. 106)

Grande parte desta solidão está ligada à questão da máquina burocrática e

todo seu funcionamento, que transformam todos que estão dentro dela; como em “A

cidade”, onde o poder não é exercido por nenhuma autoridade e a burocracia acaba

sendo mais forte do que o próprio meio em que ela existe, cujas engrenagens se

desconhece.

Essas regras definem o que é ou não é válido – regras pragmáticas (IF §54,

82-8, 567, p. 48; 58-60; 146-147). Portanto, na linguagem o que importa são as

funções que as palavras podem exercer nos jogos.

Assim, se pensarmos as epígrafes como sínteses dos contos, não seria

errado concluir que elas operariam uma ligação entre o texto primitivo e anunciariam

“profeticamente” um futuro, apontando, assim, as regras que orientam e descrevem

os usos primitivos dos jogos, como postula Wittgenstein.

Ainda assim, mesmo com o auxílio das epígrafes, como o texto muriliano faz

parte do gênero fantástico, a situação insólita não é superada, permanecendo o

relato sem conclusão. Assim,

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descartada a possibilidade de uma saída, resta à literatura transformar/deformar a realidade na tentativa de atribuir-lhe algum sentido. A impossibilidade de representar que a literatura fantástica exibe torna-se então um avatar desse conflito: se “os fantasmas” se potencializam pela consciência do personagem que os alimenta, essa representação também se constitui uma impossibilidade, pois sua exigência é apenas verbal. (BATALHA, 2003, p. 109)

A narrativa fantástica só pode dar ao acontecimento uma existência verbal na

medida em que a regra que a determina é relativizada. É exatamente por isso que,

no fantástico, a problemática da narrativa é centrada em si mesma. É, então, o herói

da narrativa fantástica quem encaminha a narrativa para o campo da ambigüidade,

pois ele “vive” os acontecimentos e, ao mesmo tempo, instala a incerteza, uma vez

que nem mesmo ele consegue explicações para as coisas que testemunha.

Nas Investigações filosóficas (2000), Wittgenstein oferece um novo ponto de

vista: o significado das palavras não depende daquilo a que elas se referem, mas de

como elas são usadas. A linguagem, agora, é um tipo de jogo, um conjunto de

“peças” ou “equipamentos” que são usados de acordo com um conjunto de regras.

2.1 As Investigações filosóficas

Wittgenstein (2000) deixa de lado a teoria estrutural entre a linguagem e

realidade e defende que a linguagem deve ser utilizável e funcional, e, para tanto, a

relação entre nome e coisa não é suficiente.

Nada mais constitui uma garantia fixa da significação, “[…] essa garantia se

perde no turbilhão imprevisível das diferentes ‘formas de vida’ em que o homem se

empenha” (MORENO, 2002, p. 55). O significado, agora, é parte de uma forma de

vida, assim como andar, comer e beber e jogar. (I.F. §§ 23,25, p. 35-36).

O Wittgenstein das Investigações filosóficas busca unidades de outra ordem,

caracterizadas por outros critérios. Esses novos critérios são dados pelo uso que

fazemos da linguagem nos mais diversos jogos, ou melhor, nas diferentes formas de

vida (MORENO, 2002, p. 56).

Para Wittgenstein (2000) não é necessário que se desempenhe a análise

completa do enunciado para chegarmos ao significado, mesmo que uma só palavra

possa prestar-se a múltiplas interpretações, afinal, nessa nova perspectiva (do uso

que fazemos dos enunciados), cada situação empregada revela um dos pedaços

desse conjunto, ligados por semelhança de família.

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Se antes a linguagem era considerada um mecanismo referencial, então, a

partir do momento em que a significação foi concebida como autônoma do modelo

referencial, os fatos não foram significativos para explicação desse mecanismo.

Assim, “[…] a significação lingüística torna-se, por princípio, independente dos fatos,

e a referência, ainda que virtual, isto é, por mais abstrata e formal que seja, não

mais terá privilégio sobre outros mecanismos possíveis” (MORENO, 2002, p. 60).

A linguagem passa a ser valorizada pela ótica dos vários usos que podem ser

feitos das palavras e enunciados. Portanto, a linguagem torna-se autônoma aos

fatos, “[…] trata-se de, então, considerar como ela engendra a significação ainda

que na ausência de qualquer fato que pudesse ser a referência das palavras e dos

enunciados” (MORENO, 2002, p. 60).

E Moreno continua com a seguinte pergunta: “Mas o que é o substituto do

mundo (os fatos)? O que é colocado em seu lugar, servindo de critério para a

compreensão e análise do significado?”, e responde: “[…] a noção de forma de vida”

(MORENO, 2002, p. 60).

Tomemos um exemplo dado pelo próprio Wittgenstein (2000), de que quando

ouvimos uma peça musical e a compreendemos, como poderíamos explicar essa

experiência? Uma maneira que poderíamos fazê-lo seria gesticular ou dançar

excessivamente. Nessa situação, ele estaria dando uma amostra de sua

experiência; o problema é que a própria natureza da amostragem é imprecisa, pois é

imprecisa a natureza da experiência compreensiva da música. A linguagem natural,

os gestos, as expressões faciais e etc. são razoavelmente adequados para

expressar a nossa experiência da significação. Nesse sentido, as metáforas terão

papel importante nas reflexões de Wittgenstein, e é por isso que Moreno chama a

atenção para que, nas Investigações filosóficas, “passaremos a lidar com conceitos

vagos, que são instrumentos precisos para caracterizar imprecisamente o vago”

(MORENO, 2002. p. 61).

Outra noção metafórica criada por Wittgenstein (2000) para explicar sua nova

concepção de linguagem é a expressão “jogo de linguagem”. Nessa expressão, a

palavra jogo procura assimilar essas atividades às formas de vida (I.F., § 23, p. 35).

O que nos permite compreender o significado da palavra jogo em uma

situação comunicativa qualquer é uma “propriedade de semelhança de família”,

como aqueles traços fisionômicos que permitem identificar pessoas de uma mesma

família, que são semelhantes sem serem idênticas. Ainda assim, “inspirado nos

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pensamentos de Frege e de Russell – a palavra “Jogo” não indica um conceito exato

[…] estamos, de fato, diante de uma situação imprecisa e vaga” (MORENO, 2002, p.

63), como quando nos perguntamos se uma fotografia pouco nítida é realmente a

imagem de uma pessoa. Com freqüência, é de uma imagem pouco nítida que

precisamos, explica Wittgenstein (2000).

Seria, então, impossível dizer o que é e o que não é linguagem? Para

Wittgenstein (2000) é possível traçar limites da linguagem, “pois ainda não foi

traçado nenhum” (I.F. § 68, p. 53). Então, “[…] é possível traçar limites segundo

objetos determinados; mais isto não implica que tais limites existam por si próprios,

independentemente dos objetos que nós próprios traçamos” (MORENO, 2002, p.

63). Afinal, os limites dos conceitos não estão desconectados de nossas ações, pois

ganham consciência e sentido conforme são relativizados aos usos determinados

que podemos fazer dos conceitos: “A exatidão conceitual é, assim, um atributo do

uso” (MORENO, 2002, p. 64).

Portanto, temos:

1) A precisão dos conceitos está ligada ao uso que fazemos deles.

2) A comunicação lingüística não supõe a existência de uma significação autônoma,

comum aos interlocutores, à qual teriam todos eles igual acesso.

A noção de uso desempenha a função fundamental na significação. Nessa

nova concepção de Wittgenstein (2000), não há teses em filosofia, já que “filosofia

deixa tudo como está” (I.F. § 124, p. 67). A solução das questões estaria quando o

filósofo mostra que não existem questões essenciais, que todas as questões estão

situadas na superfície, niveladas pelos usos que fazemos da linguagem.

A noção de uso não é, também, um modelo que deve ser aplicado com regras

fixas, ela é um conceito para indicar o conjunto de regras presentes nos diferentes

jogos de linguagem.

Wittgenstein procura nas Investigações descrever esse conjunto de regras

segundo as quais empregamos as palavras, ou seja, a resposta mais adequada à

questão: o que significa a palavra? Para Moreno (2002), Wittgenstein (2000)

responderia a essa argumentação dizendo que tal palavra significa a explicação que

dermos de sua significação, e essa explicação significa justamente o uso que

fazemos de tal palavra.

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É importante ressaltar que devemos levar em consideração o vago nessa

teoria; ainda assim, o uso da linguagem faz parte de formas de vida e estas não são

aleatórias, afinal, elas possuem uma âncora, que não é constituída nem por

princípios normativos, nem é caracterizada pela ausência de todo e qualquer

princípio (MORENO, 2002).

Quando falamos, usamos palavras, enunciados, e empregamos termos

vagos, que não são delimitados segundo regras fixas. As regras são usadas de

maneira diferente pelos interlocutores, uma vez que elas não são normativas,

apenas fornecem uma orientação. Afirma Wittgenstein (2000): “se eu der a

descrição: ‘O solos estavam inteiramente cobertos de plantas’ – você dirá que não

sei do que falo enquanto não puder dar uma definição de planta?” (I.F., § 70, p. 53-

54).

Para Moreno (2002), mesmo que nem eu nem meu interlocutor saibamos dar

uma definição para a palavra planta, nós nos compreendemos quando essa frase é

enunciada. Neste caminho, Wittgenstein (2000) discute o processo que ele chama

de ensino ostensivo, o qual ele considera como uma forma primitiva de treinamento

para o emprego das palavras. Quais são as regras que permitem produzir os

modelos para as aplicações das palavras? O ensino ostensivo diz da seguinte

forma: pronunciar uma palavra é apontar para um objeto.

Podemos relacionar o ensino ostensivo como uma espécie de “preparação”

para formas mais complexas de uso. Trata-se de definir ostensivamente uma

palavra, “é preciso que se conheça o suporte, o aspecto da referência sobre o qual é

colocada a etiqueta” (MORENO, 2002, p. 69).

Também, é preciso haver um conhecimento anterior do jogo de linguagem

para que a definição ostensiva possa ser interpretada. Algo como um pensamento

interior e não-lingüístico que apreende as simplificações independentemente da

linguagem, características independentes das palavras, sob as quais podemos

aplicar a linguagem e falar a respeito dos objetos empíricos. (MORENO, 2002).

Wittgenstein (2000) chama esse modelo de “vivências características”, que

são estados mentais que retomam, em determinadas ações, estados mentais

delimitados por propriedades características,

De tal maneira que as expressões e palavras designando “vivências características”, como “querer dizer” ou “ter em mente”, “desejar”, “reconhecer”, “recordar” etc., são equivalentes às palavras “jogo”, “linguagem” […] isto é, são palavras cujas regras de aplicação deixam

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abertas uma grande margem de interpretação e vagueza. É isso porque […] não há limites exatos e fixos (MORENO, 2002, p. 71).

Tendo, pois, entendido as regras que orientam e descrevem os usos

primitivos, voltemos a pesquisar os diversos jogos de linguagem em que a palavra é

e pode ser usada: é necessário que se analise minuciosamente os detalhes de cada

jogo, colocando-os no conjunto dos jogos com os quais mantêm ligações de

semelhança. Assim, podemos ter uma “visão panorâmica” do conjunto dos jogos,

para podermos ver as conexões entre eles (I.F. §122, p.67).

Neste momento, cabe a seguinte pergunta: como saberemos quais os jogos

mais pertinentes que vamos analisar, quantos jogos serão necessários para

obtermos uma amostragem adequada? Segundo Moreno, não há critérios

definitivos, fixos e claros, ainda assim:

multiplicaremos os exemplos o mais que pudermos e diremos ao interlocutor “isto e outras coisas semelhantes”, esperando, assim, que possa encontrar outros exemplos, isto é, que ele compreenda por si só as ligações internas entre os exemplos e possa prosseguir sozinho. (MORENO, 2002, p. 75).

Nas Investigações filosóficas não mais ponderamos a linguagem sob o pano

de fundo do mundo, ao contrário, ponderamos agora o seu funcionamento interno,

sem referência imperativa e privilegiada aos fatos. Temos, pois, que analisar sua

“gramática profunda”, as regras do uso que fazemos das palavras e dos enunciados,

enquanto estão inseridos no interior de formas de vida (I.F., § 664, p. 160). É por

isso que o fundamental no jogo são suas formas de operação, afinal, ele é

performance do jogo antes de uma representação, não sendo, pois, o texto

muriliano, mimese.

Sendo assim, é possível perceber com mais evidência que a estrutura

circular, repetitiva, indefinida da linguagem, torna-se o eixo principal da narrativa

muriliana, deslocando a ação da esfera da personagem para a dinâmica do jogo do

texto. Por isso que Iser é, também, tão caro a esta pesquisa, afinal, sua teoria do

efeito estético não está focada no texto como um objeto isolado, mas sim no objeto

estético gerado pela interação. Ou seja, o texto “acontece” na elaboração criadora

dos leitores, na convergência do texto e da imaginação, gerada por algo dinâmico,

gerada no jogo do texto.

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Portanto, parece-nos conveniente uma pincelada sobre as teorias iserianas,

de forma a tornar mais visível as conexões entre a literatura fantástica de Murilo e a

teoria do efeito estético.

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3 HANS ROBERT JAUSS E WOLFGANG ISER – Estética da Recepção e Estética do Efeito

No campo da teoria da literatura, existem diferentes correntes teóricas que

discutem a questão da leitura, ora dando importância ao papel do leitor na recepção

do texto literário, a partir da noção de horizonte de expectativas, calcado na

multiplicidade de contextos histórico-sociais (JAUSS, 1994), ora estudando a

interação texto-leitor em uma perspectiva fenomenológica (ISER, 1986). Neste

ínterim, a estética da recepção surgiu como reação aos estudos de caráter

formalista e estruturalista que consideravam o texto como um objeto autônomo,

isolado do contexto histórico-social.

A estética da recepção e do efeito tiveram início em A história da literatura

como provocação, de Hans Robert Jauss, em 1967, e em A estrutura apelativa do

texto, de Wolfgang Iser, em 1975. Jauss observou a oportunidade de uma nova

teoria da literatura pela compreensão não esgotada da historicidade característica

da arte, sendo que tais propósitos não seriam alcançados por modelos semióticos

fechados ou formalistas de descrição, mas por uma teoria da história que desse

conta do dinamismo que envolve a produção e a recepção, da relação entre autor,

texto e leitor, utilizando da hermenêutica da pergunta e da resposta.

Segundo Jauss (2002), uma interpretação que não considerasse a

experiência estética seria própria daquele filósofo que cultivasse a pretensão de que

o texto fora feito especificamente para ser interpretado pelo leitor, sem que este

atribuísse os sentidos relativos à leitura que realizasse. Em A história da literatura

como provocação, Jauss colocou em evidência, para a análise da experiência do

leitor de um tempo histórico determinado, a necessidade de diferenciar-se a

comunicação entre os dois lados da relação texto e leitor, ou seja, a relação entre o

efeito, como o momento condicionado pelo texto, e a recepção, como momento

condicionado pelo destinatário. Neste sentido, a obra literária é vista como algo

produzido por um autor que deve ser desconstruído no ato da recepção textual, ou

seja, o leitor atualiza o significado do texto, conferindo-lhe novos sentidos.

Já Wolfgang Iser em O ato da leitura: uma teoria do efeito estético (1996)

abarca ao lado da teoria da recepção uma teoria do efeito estético, mostrando a

constituição do sentido pelo leitor, descrevendo a ficção como uma estrutura de

comunicação.

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A Teoria da Literatura tem-se ocupado da recepção textual sob diversos

ângulos, mas que, aparentemente, culminam num ponto em comum: no sentido da

obra literária que não está mais em sua imanência, mas na atualização dos textos e

leitores. Ou seja, a literatura é estudada pela estética da recepção sob uma ótica

diacrônica (relativa à recepção das obras ao longo do tempo) e sob um aspecto

sincrônico (que foca o sistema de ralações da literatura em uma época

determinada).

Jauss (1994) comenta que o leitor deveria ser focalizado como responsável

pela construção do sentido nas obras de arte num dado momento histórico. O

sentido da obra seria, portanto, construído na e pela história. Estes postulados de

Jauss ajudam a denunciar a posição arcaica da história da literatura, que privilegiava

metodologias herdadas do idealismo ou do positivismo do século XIX.

A abordagem de Jauss prioriza a recepção quando analisa as diversas

leituras dos receptores ao longo da História como um fato social determinado por

horizontes de expectativas comuns. Já a abordagem de Iser (1996) evidencia o

efeito que a obra provoca no leitor, levando em conta a relação entre a estrutura

interna da obra e o papel ativo do receptor na atualização do texto.

Podemos dizer que as teorias de Jauss se diferenciam da abordagem

fenomenológica de Iser na medida em que este dá maior importância à leitura como

ato individual e não como fato social. Jauss analisa a dimensão histórica da

recepção, enquanto Iser observa a idéia de que o leitor é pressuposto do texto,

sendo objetivo da crítica examinar como o texto programa sua recepção por meio de

noções estruturais, como as categorias de leitor implícito e leitor modelo.

Os postulados de Jauss e Iser, embora distintos, podem ser relacionados.

Segundo Ricoeur (1997, p. 287) é:

pelo processo individual de leitura que o texto revela sua “estrutura de apelo”, por outro (lado), é na medida em que o leitor participa das expectativas sedimentadas no público que ele é construído como leitor competente; o ato de leitura torna-se, assim, um elo na história da recepção de uma obra pelo público. A história literária, renovada pela estética da recepção, pode, assim, pretender incluir a fenomenologia do ato de ler.

Para Naumann (1976, p. 4), o leitor não estabelece de maneira isolada uma

relação com a obra literária, pois há vários aspectos que influenciam essa interação.

O ato de leitura é, na verdade, um processo que leva em conta as diversas obras

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produzidas, selecionadas, distribuídas e avaliadas pelas instituições sociais, de

acordo com os pontos de vista que orientam o leitor.

Não obstante a importância dos postulados de Jauss em relação à análise da

recepção conforme o enfoque sócio-histórico, ressaltamos que a abordagem de Iser,

visando à relação entre a estrutura do texto e o efeito produzido no leitor, durante o

ato da leitura, mostrou-se mais apropriada para a análise dos dados desta pesquisa,

como veremos a seguir.

Sendo assim, a presente investigação prioriza a análise do ato da leitura,

considerando mais fortemente os pressupostos de Iser com a finalidade de

investigar a interação texto-leitor no mecanismo dinâmico da leitura, registrados nas

próprias estratégias textuais que orientam a participação do leitor.

3.1 O jogo do texto muriliano

O VII Colóquio da UERJ, realizado em 1996, foi voltado à discussão a

respeito da obra de Wolfgang Iser. Durante o colóquio, Iser apresentou quatro

conferências, que foram debatidas por especialistas em teoria literária.

Logo na introdução, João Cezar de Castro Rocha, que realizou a organização

dos textos do colóquio que foram publicados no livro Teoria da Ficção, Indagações à

obra de Wolfgan Iser, explicou a diferença entre a “estética da recepção”, como foi

pensada por Jauss, e a “estética do efeito”, desenvolvida por Iser.

Sendo assim,

Estética da recepção se articula a partir da reconstrução histórica de juízos de leitores particulares. Inspirado em Hans-Geor Gadamer, Jauss pretendia conceituar o modo como se processa a interação das expectativas tradicionais do leitor frente a um texto específico. A análise da fusão dos horizontes de expectativas como um ato de leitura tornou-se extremamente relevante para Jauss, pois permitiria aprofundar a compreensão Hermenêutica de Gadamer no que se refere ao relacionamento do passado com presente.

Pelo contrário, a estética do efeito, elaborada por Iser, articula-se a partir do texto e, por isso, pretende elaborar uma descrição da interação fenomenológica que ocorre entre texto e leitor. Partindo do pressuposto da existência de uma assimetria inicial entre ambos, a estética do efeito almeja compreender o ato de leitura como forma particular de negociação daquela assimetria (ROCHA, 1999, p. 10)

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Neste sentido, enquanto a estética da recepção busca os atos de leitura

historicamente verificáveis, a do efeito estético trabalha com um modelo que procura

conceber o ato de leitura dos textos literários.

Segundo Rocha (1999), para Iser a literatura não reflete determinações da

cultura, mas negocia fronteiras culturais. Enquanto as teorias de Gadamer e Jauss

estão alçadas em um modelo dialógico interpessoal, o conceito iseriano de leitor

implícito enfatiza a dimensão comunicativa dos textos.

Para Schwab (1999), o leitor implícito pode ser entendido como uma categoria

de mediação cultural. Sendo assim, a categoria de leitor implícito não se refere a um

leitor individual, mas às estratégias de comunicação dos textos literários. Portanto,

um texto bem-sucedido ultrapassaria as fronteiras das determinações históricas –

uma leitura produtiva muda o que é manifestado pelo texto.

Durante o colóquio, Luiz Costa Lima afirmou que as abordagens iserianas não

favoreciam a análise de uma sociedade historicamente determinada, porque tendiam

a automatizar o ficcional em relação ao contexto. Por sua vez, Karl Erik

Schølkhammer afirmou que a teoria de Iser não possui instrumentos para a análise

da literatura pós-moderna. Até Gabriele Schwab, colaboradora de Iser desde os

tempos da Escola de Constanza, admitiu que a teoria necessitava do conceito de

inconsciente. Todos estes pontos são rebatidos por Iser e estão, para fins desta

pesquisa, expostos abaixo.

Na tentativa de responder estas indagações, Iser foi levado a explicar a

distinção entre teoria e método. Afinal, somente com o desenvolvimento de tais

conceitos “seria possível lidar com temáticas específicas [...] quanto descrever

instâncias concretas de interação entre o fictício imaginário” (ROCHA, 1999, p. 10),

interação que, para Iser, admite a manifestação da ficcionalidade. A teoria do

estudioso demanda a construção de pressupostos capazes de dizer a respeito de

qualquer gênero de produção de sentido, ou seja, se a estética da recepção está

condicionada a um método hermenêutico que torne possível a reconstrução

histórica, a estética do efeito somente responde a um propósito heurístico.

A partir desse pressuposto, Iser foi obrigado a ampliar o horizonte da teoria do

efeito estético a fim de alargar o conceito da interação entre texto e leitor, “numa

investigação dos modos de operação que caracterizam o desenvolvimento de

disposições propriamente humanas” (ROCHA, 1999, p. 12). Nesse sentido, a

antropologia literária pode ser entendida como um aprofundamento da teoria do

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efeito estético, afinal, ela pressupõe a necessidade humana de ficção. Trata-se de

uma operação que atribui significado às obras de ficção realizadas na interação

entre o fictício e o imaginário. “Ora, a teoria do efeito estético estimulou o

desenvolvimento da antropologia literária, a fim de explicar a necessidade humana

de ficção” (ROCHA, 1999, p. 13). Portanto, podemos dizer que a teoria do efeito

estético busca compreender como e por que produzimos sentidos particulares para

as obras de ficção que criamos.

Na palestra intitulada “Teoria da recepção: reação a uma circunstância

histórica”, Iser (1999) fala sobre as lacunas e as negações do texto, que são modos

de negociar aquela assimetria específica mencionada acima. Ele considera que o

leitor participa ativamente na produção do significado do texto. Sendo que o texto

torna-se realidade através da convergência entre leitor e texto. Isto significa que o

leitor deve agir como um co-autor texto na medida em que supre a porção do texto

que não está escrita, mas apenas implícita. Portanto, a concretização do texto

requer a participação imaginativa do leitor. Cada leitor preenche as porções não

escritas do texto, seus espaços ou áreas de indeterminância do seu próprio modo, e

as múltiplas interpretações são prova da inesgotabilidade do texto. A atividade do

leitor é, desta forma, o preenchimento do que está implícito na estrutura do texto,

embora o funcionamento desta estrutura não esteja clara.

Segundo Iser (1999), a fenomenologia do processo de leitura, com seus

movimentos de antecipação e retrocesso, forma gestalts, trazendo à luz uma série

de fatos para observação e descrição. Essa gestalt é composta de segmentos que

atuam reciprocamente como figura e fundo, que funcionam como um mecanismo de

controle para o processamento do texto no ato de leitura.

O texto precisa ser processado pelo leitor no ato de leitura, sendo assim, o

intervalo que existe entre eles adquire importância fundamental. Esse intervalo gera

lacunas e hiatos que devem ser negociados no ato da leitura. Esta negociação

atenua a assimetria e, por meio dessa atividade, o texto é transportado para a

consciência do leitor.

se a estrutura básica do texto consiste em segmentos determinados interligados por conexões indeterminadas, então o padrão pessoal se revela um jogo, uma interação entre o que está expresso e o que não está. O não-expresso impulsiona a atividade de constituição do sentido, porém sob o controle do expresso. [...] Desse modo, o significado do texto resulta de uma retomada ou apropriação daquela experiência que o texto desencadeou, em

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que o leitor assimila e controla segundo suas próprias disposições. (ISER, 1999, p. 28-29)

Iser cunha o conceito de jogo em detrimento da noção de representação,

procurando cobrir todas as operações do processo que abrange a relação entre

texto e leitor. Para ele, o jogo possuiu duas vantagens heurísticas:

[1] o jogo não se ocupa do que poderia significar; 2 o jogo não tem de retratar nada fora de si próprio. Ele permite que a inter-relação autor-texto-leitor seja conseguida com uma dinâmica que conduz ao resultado final (ISER, 1999, p. 107).

Portanto, o leitor é um co-criador do texto, pois supre a porção que não está

escrita, mas apenas implícita, deixada nas gestalts, pois o texto precisa ser

processado pelo leitor no ato de leitura, dando ao intervalo que existe entre eles

importância fundamental. São essas lacunas deixadas pelo movimento do jogo que

estimulam o leitor a suprir o que falta. Sendo que este preenchimento só pode ser

realizado através de conexões na estrutura do campo literário na perspectiva do

leitor. Em Murilo, essas conexões podem ser feitas, por exemplo, aproximando os

termos modificados por semelhança de família. Assim, a seqüência de idéias que se

forma na mente do leitor com base nestas reestruturações, é a maneira pela qual o

texto é traduzido na imaginação do leitor. Portanto, tanto em Iser quanto em

Wittgenstein, existe um privilégio do não-dito.

Neste caminho, a lógica da narrativa fantástica se tece como escrita e, no

caso de Murilo, como reescrita, sendo que a construção acontece na lógica do

acontecimento. À medida que a leitura avança, as ações se desenvolvem e os

atributos se enriquecem, a personagem fantástica e seu mundo circundante se

tornam convincentes.

O sistema discursivo da ficção, através de sua linearidade e coerência, cria o

status necessário e suficiente para que o leitor dê credibilidade à narrativa. De outro

modo, o leitor muriliano abandonaria a leitura logo de início, atribuindo ao material

narrado, ou ao autor, culpa pela inverossimilhança. Por isso que o elemento

fantástico, que nasce como “desvio narrativo”, é então capitado, através dos jogos,

pelas suas peculiaridades que ajudam a defini-lo.

Por exemplo, o fato insólito do aparecimento dos dragões, no conto “Os

dragões”, é inicialmente questionado pelas personagens do conto. Sua presença

entre os humanos é inverossímil, insólita, mas, paulatinamente, através dos jogos,

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uma verossimilhança interna é criada, até que os dragões entregam e se igualam

aos homens.

A coerência da sintaxe, criada no jogo do texto com o leitor, faz com que aos

poucos o elemento fantástico continue fantástico, mas integrado ao universo

sintático-semântico do discurso.

É por isso que podemos dizer que o sentido do texto não está mais no

inefável. Agora, esses domínios da expressão lingüística ficam garantidos pelos

jogos, no movimento que, para se chegar a uma significação, deve acontecer

mediante uma tomada de decisão do leitor que acabará produzindo algum resultado.

Neste sentido, o estudo do jogo da linguagem e, por sua vez, do jogo do texto

é uma possibilidade de se tentar a saída do labirinto criado pela metamorfose do

texto muriliano.

As lacunas e negações criadas pelo movimento do jogo do texto estimulam o

leitor a suprir o que falta. No caso das lacunas, falta estabelecer a conexão dos

segmentos, e, no caso das negações, falta motivação para anular o que parece

familiar.

Para Iser (1999), o leitor se encarrega de preencher o que falta, entretanto,

trata-se antes de tudo de uma necessidade de fornecer conexões. As lacunas são

uma espécie de organismo do texto, que em um campo múltiplo conduzem a uma

estrutura de campo na perspectiva do leitor:

Cada segmento lido pode ser visto como figura contra o fundo de segmento lido antes, e o fundo, por sua vez, necessariamente molda as figuras. Essa interação latente, atualizada durante o processo de leitura, leva a uma instabilidade que se encerra com a produção de uma gestalt. (ISER, 1999, p. 30)

É exatamente por isso que o estatuto do narrador na literatura fantástica exige

uma nova relação entre a obra e o leitor. O leitor não pode mais ficar como um

agente passivo do texto, mas,

ao identificar-se com a atitude do personagem – que não consegue dar uma explicação para os acontecimentos e, por isso mesmo, transmite essas incertezas ao leitor, obrigando-o a percorrer os mesmos caminhos que o próprio personagem – torna-se co-autor da obra. (BATALHA, 2003, p. 110)

Desta maneira, a realização da narrativa fantástica acontece pela elaboração

criadora dos leitores, na convergência do texto e da imaginação, desnudando o

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sentido do texto. Portanto, o sentido do texto é um conhecimento dinâmico, é

performance da linguagem entre o texto e o leitor.

Desta maneira, a seqüência de idéias que se forma na mente do leitor com

base nestas reestruturações prefiguradas pelo texto é a maneira pela qual o texto é

traduzido na imaginação do leitor. Iser (1999) explica que as lacunas e negações

conferem ao texto ficcional uma densidade característica por meio de omissões e

cancelamentos, revelando traços não-verbalizados – os quais Iser chamou de

dimensão não formulada – e a duplicação do texto – o que ele chamou de

negatividade. Portanto, aceitar que a negatividade não é formada pelo texto, ainda

que constitua um impulso fundamental da comunicação literária, implica dizer que

ela pode ser experimentada, mas não explicada. Neste caminho, as posições

individuais do texto só adquirem sentido quando são interligadas. Assim, as lacunas

e negações geram uma espécie de nada que permite interligá-las e compreendê-las.

E este nada só emerge através dos jogos.

A negatividade exige um mecanismo de determinação que apenas o leitor

pode realizar e que confere, ao final, a plurissignificação do texto literário. Assim, a

literatura fantástica permite uma reflexão mais apropriada sobre o processo de

leitura, afinal, ela é um lugar onde as definições são diferentes de um simples

percurso de determinação, é uma performance que nos leva ao preenchimento.

Sendo que o próprio fantástico muriliano reside no questionamento dos limites da

representação, o esforço pela palavra perfeita, a luta com a palavra e, por que não,

com a narrativa.

Não é difícil perceber que a estética de Iser privilegia um sentido não-dito. Um

espaço entre, que exige dos leitores uma capacidade negativa de ler nas

entrelinhas. Por isso, comenta Gabriele Schwab (1999), na sua palestra, ainda do

mesmo colóquio, “Se ao menos eu não tivesse que manifestar-me: a estética da

negatividade de Wolfgang Iser”: a experiência estética engaja o leitor em uma

produtividade negativa, que o leva a realizar uma leitura mais como um ato de

recriação do que de recepção.

Os jogos sempre visam resultados, e, se as diferenças não são transpostas

ou removidas, o jogo chega ao fim. Caso consideremos o significado de um texto

como resultado do jogo textual, então o resultado só pode acontecer pela suspensão

do movimento do jogo, que envolve uma tomada de decisão. Mas o jogo parece

sugerir um movimento infinito, onde qualquer decisão acarretará interações

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constantes, pela reiteração variada de posições em que o jogo, por si mesmo,

resiste a chegar ao fim. Daí resulta a dualidade do jogo.

No caminho da procura do sentido, ou melhor, na burocracia de se alocar no

jogo o sentido, o texto de Murilo nos mostra que a literatura não pode proliferar

indefinidamente, afinal, se a “magia” do texto prolifera até a exaustão, acaba morta

como “Teleco, o coelhinho”.

É a consciência de que o gesto repetitivo anula e banaliza o sentido que faz com que o personagem escritor de “Maria, a intangível” não encontre mais inspirações em “jardins com suas roseiras e margaridas secas”. Para ser verdadeiramente literatura, ela tem que instalar o inusitado, aquilo que desloca e subverte a linguagem como simples veículo de comunicação. (BATALHA, 2003, p. 105)

A ambigüidade do fantástico é instaurada no não-dito, no espaço vazio do

deslocamento do signo durante o jogo, afinal, esse espaço deixado no deslocamento

aponta para a impossibilidade de uma razão, tanto na ordem do “natural”, quanto na

ordem do “insólito”.

Essa dualidade desafia uma conceitualização ainda mais avançada. Para Iser

(1999), o jogo não pode ser fenomenologicamente reduzido a uma causa

subjacente. Por isso, ele só pode ser avaliado em termos de suas possibilidades, por

meio dos jogos realizados no texto.

A literatura traz para o mundo algo que não lhe pertence, e este algo precisa

expor-se para ser compreendido. Entretanto, “como os elementos estranhos não

podem manifestar-se sob as condições vigentes no caso da manifestação de

concepções familiares ou já existentes, o que a literatura traz para o mundo só pode

revelar-se como negatividade”. (ISER, 1999, p. 32-33)

Nesse sentido, a negatividade é o componente não formulado do texto. A

negatividade faz mais do que simplesmente assimilar uma relação com aquilo que

põe em questão, ela estabelece um elo básico entre o texto e o leitor.

A negatividade demanda um procedimento de determinação que só o leitor

pode programar, mas confere, também, fecundidade a esse sentido. Afinal, cada

escolha tem que acontecer contra um universo de possibilidades a serem

eliminadas. Estas possibilidades aparecem tanto do texto, quanto das disposições

características do leitor. E como não há sentido particular em um texto, a

negatividade é a matriz produtora do significado do texto, o que lhe permite fazer

sentido em diferentes contextos históricos.

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Segundo Iser, em “O jogo do texto”, do livro A literatura e o leitor – textos de

estética da recepção (2002), as noções de que o autor, o texto e o leitor são

intimamente interconectados, em um caminho que produz algo que não existe antes,

entra em conflito com uma noção tradicional de representação, uma vez que a

mimese envolve a referência de uma realidade pré-dada, que se pretende estar

representada. Contudo,

Se aquilo que o texto realiza tivesse de ser equipado com a feitura de mundo, surgiria a questão se ainda se poderia continuar a falar em “Representação”. O conceito pode ser mantido apenas em seus próprios “Modos de criação de mundo” se tornasse uma objeto referencial para a representação. Neste caso, o componente performativa teria de ser concebido como empregado no ato performativo Independente de se isso poderia ou não ser considerado tautológico. (ISER, 2002, p. 106)

Portanto, a representação não pode acabar com a operação performativa do

texto como uma forma de evento, afinal, a relação entre o autor, o texto, e o leitor

contém diversos elementos extratextuais que também entram no processo. Na

estética iseriana, que é antimimética, a literatura serve para colocar à tona aquilo

que, de outra maneira, não estaria presente.

No Livro O ato da leitura (2002), Iser diz que a formação das imagens mentais

depende da ausência daquilo que aparece na imagem. E em O fictício e o imaginário

(1996), reintegra essa idéia, dizendo que o que é encenado é a aparição de algo que

não está presente. Olhando a literatura nesta ótica, podemos dizer que ela não

reflete nada fora dela, mas mostra as infinitas possibilidades além das

manifestações histórias.

Dizer que o ato de leitura supera as determinações histórias também implica

dizer que a escrita e a leitura promovem um conhecimento literário que é distinto de

outros modelos de conhecimento. A encenação, explica Iser (1996), alcança seu

maior efeito quando o conhecimento e a experiência, como formas de revelar o

mundo, chegam ao limite de sua eficácia.

A literatura permite moldar o mundo e a nós mesmos, ao permitir que

entremos em contato com alguma coisa que não podemos conhecer de forma

consciente. Portanto, Segundo Iser, esta encenação forma um modelo antropológico

equivalente ao do conhecimento e ao da experiência, ainda que, no modelo iseriano,

o inconsciente permaneça como lacuna ou hiato a ser preenchido.

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A teoria do efeito estético inicialmente tentava conhecer em que medida os

leitores de textos literários estariam imbuídos em uma atividade na qual o fingimento

(make-beleave), que é a literatura, chegaria a se realizar.

Para Iser (1999), o fictício e o imaginário podem ser caracterizados por

disposições antropológicas; eles não se limitam à literatura, exercem um papel

fundamental em nossa vida cotidiana. A origem do fictício e do imaginário numa

disposição humana é exatamente o que escapa ao conhecimento. Ambos se

destacam por servirem de contexto um para o outro, gerando manifestações. Essa

manifestação resulta em uma interação contínua, e o jogo é a estrutura reguladora

desta manifestação.

Ele comenta que ambos (o fictício e o imaginário) existem como experiências

cotidianas, seja quando se mostram como mentira, seja quando aparecem como

ilusão, seja quando vivemos uma vida imaginária em sonhos.

Em Murilo, o fictício aparece como suporte real do imaginário (fantástico)

fazendo uso do mesmo material para sua expressão: a linguagem. Assim, o efeito

insólito reside na junção destes elementos durante os jogos, de maneira a dar vida a

qualquer série de entidades, por mais antagônicas que elas se mostrem na realidade

convencional.

Não é de se surpreender que a ficção tenha sido tantas vezes vista como

mentira, uma vez que fala do que não existe como se existisse. O fictício é

caracterizado pelo cruzamento da fronteira que existe entre os dois mundos, o que

foi ultrapassado e o que ele inclui. Essa duplicação do mundo, Iser (1999) chamou

de atos de fingir. Para ele, esses atos de fingir se diferenciam entre si pela natureza

da duplicação que efetuam, oferecendo assim diferentes áreas para o jogo. Sendo

três atos discerníveis: seleção, combinação e autodesnudamento.

O ato de seleção cunha um espaço de jogo que faz inserções nos campos

extratextuais, transgredindo-os ou incorporando elementos ao texto, sendo que cada

elemento é embaralhado e reposicionado no texto, adotando uma nova forma. O ato

de seleção invade igualmente outros textos, produzindo a intertextualidade, sendo

que ambos os textos permanecem presentes, havendo, assim, uma coexistência dos

diferentes discursos, que são elaborados dependendo da competência do leitor

numa alternância de fade ins e fade outs. A armação evidenciada no ato de seleção

também mostra o ato de combinação, mas neste as fronteiras ultrapassadas são

intratextuais, alternando de significados lexicais pelos próprios protagonistas das

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narrativas; isso quer dizer que, neste ato, cada palavra se torna dialógica, cada

campo semântico é duplicado por outro. Por último, o autodesnudamento da

ficcionalidade literária gera uma duplicação diferenciada. O como se (a prova de que

algo pode ser tomado unicamente como se fosse aquilo que designa) mostra que o

mundo pintado no texto deve ser visto como se fosse um mundo, embora não o seja.

Isso quer dizer que o mundo textual não significa aquilo que diz. (ISER, 1999)

Sendo assim, o texto ficcional estabelece um contrato entre o autor e o leitor, mostrando o mundo do texto ao descrevê-lo não como realidade, mas como se fosse realidade. Portanto, o que é repetido no texto ficcional não pretende renovar o mundo, mas apenas encená-lo. Isto equivale dizer que o mundo repetido no texto é diferente daquele a que se refere, e isto vale para todos os discursos, afinal, nenhuma descrição pode ser aquilo que descreve. (ISER, 1999, p. 108)

O espaço entre autor e leitor, o texto literário pode ser entendido em três

níveis: o estrutural, o funcional e o interpretativo. Neste sentido, podemos pensar a

descrição estrutural como uma espécie de mapeamento do espaço; a funcional

como um mecanismo que irá procurar uma meta interpretativa que questionará por

que jogamos e por que precisamos jogar.

Para Iser (1979) o nível da estrutura focaliza o movimento básico do jogo.

Sendo que o modo operacional é um contra movimento que converte o texto de um

ato mimético para um ato performativo. O nível estrutural se manifesta ao criar os

espaços no texto, sendo, pois, aqui o momento em que os mundos intratextuais e

extratextuais (fictício e imaginário) são incluídos no texto, realizando um movimento

para frente e para trás, abrem-se os espaços do jogo entre as posições que separa.

Sobre isso, Iser explica:

O menor espaço de jogo é produzido pelo significante fraturado, que perde sua função designante de modo a poder ser usado figurativamente, por efeito da indicação ficcional do texto, segundo a qual o que é dito há de ser tomado como se pretendesse o que disse. O significante, portanto, denota algo mas, ao mesmo tempo, nega uso denotativo, sem que abandone o que designava na primeira instância. [...] Assim, o significante fraturado – simultaneamente denotativo e figurativo – invoca alguma coisa que não é pré-dada pelo texto mais engendrado por ele, que habilita o leitor a dotá-lo de uma forma tangível. (ISER, 1979, p. 110)

Isto quer dizer que o movimento do jogo transforma o significante fraturado

em uma matriz de duplo significado, que se apresenta no análogo como

interpretação mútua das funções denotativa e figurativa. Portanto, podemos dizer

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que o análogo é o “suplemento” do texto que possibilita o receptor conhecer o que o

texto pretende.

Nesse sentido, o fictício depende do imaginário para se realizar. O fictício

obriga o imaginário a assumir uma forma, ao mesmo tempo em que serve como

mecanismo para sua manifestação.

Desta maneira, o que é fundamental no jogo são suas formas de operação,

através das quais quase tudo que entra em seu território pode ser aproveitado,

sendo ele, pois, uma performance antes de uma representação.

A estrutura do jogo proporciona diferentes tipos de interação entre o texto e o

leitor e entre o fictício e o imaginário. Para Iser, a intencionalidade por de trás da

ficcionalização é comparativamente determinada em relação ao que foi excedido ou

transgredido. Isso quer dizer que a própria ficcionalização equivale a um jogo livre

que, por sua vez, se contrapõe a um jogo instrumental.

A contraposição entre o jogo livre e o instrumental não visa, necessariamente,

uma implicação, um resultado, mas é parte fundamental do jogo e, em seu

desenrolar, acaba produzindo algum resultado. Deste modo, o jogo livre leva aos

atos de fingir que, entretanto, “mantém no jogo o que se transgrediu, de modo que o

transgredido possa tornar-se algo diferente de si mesmo” (ISER, 1999, p. 107).

Sendo assim, segundo Iser, a ficcionalização inaugura uma diferença que não

pode mais ser extirpada pela consciência, pois não conhece aquilo que visava a

intencionalidade. Esta diferença, por sua vez, se revela por meio de um movimento

compensatório entre o jogo livre e um jogo instrumental de caráter pragmático. Esse

movimento impede que o jogo livre se desvencilhe totalmente daquilo que deixou

para trás e, também, que o jogo instrumental feche o texto. Toda vez que o jogo

instrumental caminha para um fechamento, o jogo livre exerce sua força. Isso

significa que a ficcionalização sempre está sujeita a mudanças, devido a sua

incapacidade de controlar o alvo que visa. A própria relação entre o fictício e o

imaginário se torna palpável na relação entre o jogo livre e o jogo instrumental. Para

que o jogo aconteça, é preciso que eles se fundam, visto que ambos são, em si,

incapazes de cumprir qualquer função específica, sendo necessária sua interação.

Neste sentido, o fictício e o imaginário são instrumentos para a realização do jogo.

É o que observamos, sobretudo, quando transpomos essa dinâmica do jogo

para a linguagem, nos permitindo, então, a seguinte pergunta: esse modo de jogar

revelará características gerais do jogo de linguagem?

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Iser (1999) explica que, se considerarmos o jogo algo que surge da interação

entre o fictício e o imaginário, isso é o mesmo que dizer que percebemos o fictício

pela manifestação do imaginário como transposição, sendo impossível fundar o jogo

em uma base externa ao mesmo. Contudo, o caráter intencional da linguagem

parece opor-se ao caráter infindável do jogo. Nesse caminho, a contraposição entre

o jogo livre e o jogo instrumental precisa ganhar uma forma – não se pode sustentar

o caráter infindável do jogo, já que o próprio texto é limitado, mas essas limitações

não significam o fim do jogo.

Neste ponto, parece certo concluir que o fictício e o imaginário constituem um

jogo e, ao mesmo tempo, são os componentes básicos do jogo do texto. Uma

interação que alcança certo grau de equilíbrio na contraposição entre o jogo livre e o

jogo instrumental.

Sendo assim, podemos dizer que a estética do efeito de Iser não está focada

no texto como um objeto isolado, tampouco na interpretação empírica dos textos

como uma concepção historicamente determinada, mas sim no objeto estético

gerado pela interação entre do fictício e do imaginário. Isso quer dizer que a

realização do texto literário acontece pela elaboração criadora dos leitores, na

convergência do texto e da imaginação, gerando um objeto virtual que surge não

apenas visando desnudar o sentido do texto, mas também esclarecer a significação

para o leitor. Portanto, o sentido do texto não é algo definível, é um conhecimento

dinâmico.

Quando Iser (1996) separa o sentido de significação do texto, parece seguir o

caminho da filosofia de Frege, sendo que a mudança fundamental que Iser exerce

está na compreensão do texto como um processo de interação em que o leitor

reconhece sua própria participação – o que aproxima Iser da filosofia da linguagem.

O sentido do texto é construído pela experiência que o leitor tem da sua própria

imaginação. Portanto, a leitura de textos literários possibilita que o leitor se auto-

conheça. A intencionalidade da ficção permite que o conteúdo arbitrário do

imaginário ganhe forma. E é por isso que Iser entende o processo de recepção

como um processo de auto-conhecimento. Sendo assim, o leitor pode experimentar

um exame do imaginário no interior da gestalt que é evidenciada pelo texto.

A análise dos textos ficcionais é parte complementar do processo que começa

com o texto, passa pelas estruturas integrantes, volta-se para o intercâmbio com a

realidade e, no final, permite que o leitor reconheça e adquira experiência. Assim,

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podemos dizer que a teoria iseriana objetiva a definição de um processo pelo qual a

ficção, o imaginário e o jogo se evidenciam como objetos da experiência. Sendo,

neste processo, o engajamento do leitor mais importante que o conteúdo semântico.

O romance moderno não apenas revela o processo interno de criação literária

como também mostra para o leitor sua participação na construção do objeto estético.

O romance moderno é objeto de análise privilegiado porque destaca os importantes

aspectos da recepção do ato ficcional.

O jogo, em uma última análise, pode ser visto como uma metáfora que

pretende apreender o dinamismo do texto literário, o que significa dizer que ele age

como um instrumento de descrição que permite uma abordagem cognitiva de

operações observáveis e, através destas, o texto desenvolve seu dinamismo.

Na medida em que o jogo estabelece a relação entre o texto e o leitor, torna-

se verificável um dinamismo historicamente determinado. Podemos dizer, portanto,

que uma leitura anterior feita sob a obra de Murilo Rubião tem caráter diferente da

que é realizada hoje, ou seja, a determinação histórica da leitura muda conforme as

regras do jogo. A leitura deste texto se revela, em parte, verificável, na medida em

que é autorizada pelo texto e observável na ótica do discurso dos textos da

modernidade.

Com base nessas afirmações, tomamos como análise as modificações

realizadas por Murilo em dois contos específicos: “O ex-mágico da Taberna Minhota”

e “O pirotécnico Zacarias”, em suas edições originais e em suas duas seqüentes

republicações. Neste caminho, as modificações se estabelecem como regra para o

jogo, determinando o uso dentro de semelhanças de família, para que a seqüência

de idéias que se forma na mente do leitor com base nestas reestruturações, possa

ser entendida, em um segundo momento, como a maneira pela qual o texto é

traduzido pelo leitor. Sendo que essa tradução só é possível pelas lacunas que

conferem ao texto muriliano uma densidade característica por meio de omissões e

cancelamentos, o que Iser chamou de negatividade.

Então, segundo esta lógica, o texto só adquire sentido quando os jogos são

interligados e agrupados por semelhança de família, determinando o uso que

fazemos da linguagem. Só assim as lacunas e negações criadas no movimento do

jogo geram uma espécie de nada que permite compreendê-las. E este nada só

emerge através dos jogos. Isso é o que Iser chamou de capacidade negativa de ler

nas entrelinhas.

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Mesmo, talvez, não tendo tomando a negatividade no sentido iseriano,

Goulart (2006) – comentando sobre a reelaboração dos textos murilianos – parece

nos dar uma luz neste ponto:

a adoção do fantástico e a reelaboração infindável dos textos podem ser encontrados na obra muriliana de forma bastante explícita, pois há alguns contos do autor que se enquadram na linha do que se chama de narrativa metalingüística, ou seja, a narrativa que fala de si mesma. É quando se encontram textos como “O edifício”, verdadeira alegoria do trabalho que não tem fim, que nunca estará concluído, e “Marina, a Intangível”, que além de focalizar a maldição do fazer literário que é uma luta insana com a palavra, na busca de se encontrar o fio da meada, o veio da criação literária, fala também do modo como o fantástico atua na realidade, desmanchando-a e, por essa via, mostrando a impossibilidade da realização do ser. Isso revela uma faceta da obra muriliana que é a exploração da negatividade. Basta ler qualquer um dos contos do autor para se perceber a evidência de que as personagens estão sempre emparedadas, oprimidas por um processo – seja ele social ou psíquico – que lhes nega a possibilidade de qualquer saída. Isso significa que não há uma luz no fim do túnel nos textos murilianos. E é, pois, num cenário desses que a linguagem vem desempenhar o seu papel. Transitando no espaço das ambigüidades e das indeterminações, ela se presta a um outro princípio surpreendente que é o de “desrealizar” o ser e a sua existência [...] para o negativismo de Murilo Rubião, pode ser rastreada na concepção mesma do processo criador do contista. Como se disse, o fantástico, operando aquela dimensão desestruturante, se encarrega de “desrealizar” o mundo e as pessoas, tornando-as espectros que não querem mais ser coisa alguma. (GOULART, 2006, p. 2-3-4)

É possível tentarmos traçar os limites desta representação, pois eles não

estão, como diz Wittgenstein, desconectados de nossas ações, afinal, ganham

sentido conforme são relativizados aos usos que podemos fazer deles. Sendo

assim, o uso é um conceito para indicar o conjunto de regras presente nos jogos.

Ademais, só através da análise dos jogos é que podemos chegar ao não-dito, sendo

então que, como explica Iser, apenas o leitor pode se encarregar de preencher esta

lacuna. No nosso caso, o uso representa o conjunto das modificações alocadas em

grupos de modificações particulares, como quando Murilo muda a pontuação, a

classe de palavra, ou mesmo suprime ou acrescenta parágrafos inteiros.

Por isso, talvez, a adesão de Murilo ao conto fantástico possa indicar a

percepção de que, neste gênero, as pretensões realistas têm um valor menor, uma

vez que o apelo ao insólito supõe que as palavras não são suficiente para dizer o

real, quer dizer, as palavras não remetem às coisas que tentam designar. Como diz

Batalha (2003, p. 110), “A linguagem surge assim em toda sua imotivação –

ausência de justificativa – e independência com relação a um referente.”

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Essa transfiguração da linguagem literária promove uma euforia que se

desfaz na busca de sentido por parte do leitor.

Se existe em Murilo Rubião a busca da perfeição e a crença de que os escritores são “profetas dos tempos modernos”, também existe a consciência que a literatura é insuficiente para trazer respostas às angústias do homem moderno, pois, se ela é promessa permanente de sentido, ela também é burla do próprio sentido que constrói. (BATALHA, 2003, p. 111)

Nesse sentido, podemos dizer que a ficção fantástica muriliana se dissolve na

problemática geral da escrita, na ambigüidade que ela traz à tona, evidenciando a

metalinguagem do discurso contemporâneo. Assim,

Exibindo sua natureza puramente lingüística e ideológica, as representações do texto e a ilusão de realidade que a mimesis postula são objetos de desconstrução nos contos murilianos, provocando um repensar dos hábitos de leitura tradicionais. (BATALHA, 2003, p. 112)

Para tentar sair do labirinto criado pela metamorfose muriliana, devemos levar

em conta, dentro dos jogos, que autor, texto e leitor são instâncias intimamente

ligadas, com o propósito de revelar algo que não havia antes. Isto coloca o texto de

Murilo e, por sua vez, seu estudo em contradição com uma noção tradicional de

representação, e afirma este autor, tanto na forma quanto no conteúdo de sua

escrita, na modernidade.

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4 O EX-MÁGICO DA TABERNA MINHOTA

A escrita performática, teórica e meta-literária pode ser observada em “O ex-

mágico da Taberna Minhota”, em que temos a história de um homem, dotado de

faculdades extraordinárias, mas inábil em sentir e compreender a vida. Um homem

fechado para o mundo. Um homem que se comporta como um mágico preso no

inferno de sua própria mágica. Um processo equivalente que, na ficção de Murilo, se

conecta à construção da narrativa com a transformação fantástica.

O conto começa pelo final, quando o protagonista já havia perdido seus

poderes de mago: “Hoje sou funcionário público e este não é meu desconsolo

maior.” (p. 7, 1998) Logo em seguida, após comentar o fato de não estar preparado

para o sofrimento, porque não conhecera um processo normal de amadurecimento,

fala do seu nascimento: “Um dia dei com os meus cabelos ligeiramente grisalhos, no

espelho da Taberna Minhota. A descoberta não me espantou e tão pouco me

surpreendi ao retirar do bolso o dono do restaurante.” (p. 7, 1998) Assim, ele surge

no mundo por um passe de mágica, como comenta Carlos Jorge Appel, no artigo “O

ex-mágico da Taberna Minhota”, publicado no Suplemento Literário em 1969.

No conto temos um mágico que se cansa de fazer mágicas. Vira funcionário

público e, para justificar uma estabilidade que acreditava ter, resolve fazer a sua

grande mágica, aquela que lhe proporcionaria retirar do bolso um título de

nomeação de mais de dez anos, mas nada consegue. Acontece que, depois disso,

perde a mágica, afundado na burocracia do emprego. E, só no final, compreende

que poderia ter realizado coisas incríveis com seus poderes:

arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, negros; encher a noite de fogos de artifício; erguer o rosto para o céu e deixar que, pelos lábios saísse o maior dos arco-íris jamais visto. Um arco-íris que fosse de um extremo a outro do mundo e cobrisse todos os homens (p. 13, 1998)

Não percebera o mágico que, no passado, quando ainda podia tirar do bolso

coelhos e pombos, jazia uma possibilidade de salvação. Havia ali algo que ele não

percebera: que na criação desinteressada estava a salvação.

De início, o que pode espantar o leitor é que, como característica própria do

fantástico moderno, as personagens nunca se espantam com o caráter insólito dos

acontecimentos vivenciados. É preciso que o leitor aceite as regras do jogo,

mantendo sua atenção na construção do enredo. Passando por esse processo inicial

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de estranhamento, fica mais fácil para o leitor navegar pelas águas da narrativa e

perceber que o conto, na verdade, narra a inadequação de um homem em sua

existência, um personagem que dispõe, teoricamente, de todos os artifícios

necessários para ser feliz; afinal, poderia tirá-los da manga, mas não o faz, uma vez

que percebe que este esforço é inútil diante da complexidade do eterno. Um mágico

aprisionado em seus próprios truques, um possível símbolo da insatisfação humana.

Neste sentido, Goulart (2006) explica:

O leitor é recebido com naturalidade pelas personagens, como se fizessem parte da realidade, incorporado ao cotidiano das pessoas. É por isso que, no fantástico, não se necessita de uma explicação para o acontecimento insólito, posto que tal acontecimento alcança os indivíduos sem que eles o vejam como algo incompreensível. (GOULART, 2006, p. 1-2)

Ainda segundo Goulart (2006, p. 2), uma das explicações para a aparição do

fantástico é o fato de que o mundo da modernidade foi sendo atingido por uma

crescente desreligiosidade, que fez com que a cultura fosse incapaz de conciliar o

natural e o sobrenatural, o que, por sua vez, gerou uma situação de desequilíbrio,

abrindo caminho para que o fantástico surgisse em meio aos elementos

contraditórios da realidade, “O resultado disso é – permitam-me usar a expressão –

a ‘desrealização da realidade’”.

Talvez, o fator mais importante do conto seja o desespero do homem em face

do viver. Um homem/mágico que procura a razão de sua presença no mundo. Nem

as mágicas mais incríveis, nem o sucesso, conseguem acalmar o desespero da

personagem que, enquanto perambula por animadas multidões, continua infeliz.

Portanto, um dos aspectos centrais é exatamente esse: o do sentimento de

impotência que experimenta um mágico por não ter realizado todo um mundo

mágico, antes de ter seus poderes anulados pela burocracia.

O mágico parece condenado à vida em sociedade, em uma busca infindável

de algo que ainda está ausente. Esta coisa que ele busca não está nele, tampouco

nos outros, é da ordem do sobrenatural. Por isso procura alívio no suicídio, que

também não lhe é permitido – o fantástico parece prorrogar sua agonia.

Logo depois de perder os dons de mágico, agora ex-mágico, ele se instala

como funcionário público, com salário fixo, dívidas e um caso de amor não realizado.

Como sempre estivera insatisfeito, o ex-mágico vive agora nostálgico dos tempos

em que era mago e podia “arrancar do seu corpo lenços vermelhos, azuis, brancos,

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negros; encher a noite de fogos de artifício; erguer o rosto para o céu e deixar que,

pelos seus lábios, saísse o maior arco-íris jamais visto. Um arco-íris que fosse de um

extremo a outro do mundo e cobrisse todos os homens.” (p. 13, 1998)

Se o fantástico vira regra, fica enfadonho: para o mágico tirar coelhos do

bolso sem parar é tedioso. Não parece errado acreditar que a burocracia também

parecia entediar Murilo, assim como a mágica entediava um de seus mais

conhecidos personagens, “O ex-mágico da Taberna Minhota”, que usa a burocracia

como provável forma de morrer, e se arrepende, depois, ao descobrir que, na

burocracia, não se morre conforme se espera.

Quando era mágico, pouco ligava para os homens – o palco me distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam. [...] Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um mundo mágico. (p. 12, 1998)

Esse mundo impossibilitado de transfiguração através da magia está corroído

pela banalidade, pela máquina burocrática e pelo consumismo capitalista. O dono do

restaurante é indiferente às angústias do mágico quando lhe diz que “nascera

cansado e entediado” (p. 7, 1998). Comentando sobre a relação do mago com o

dono do restaurante, Cánovas diz:

[o dono] lhe oferece emprego visando a aumentar seus lucros e o demite no momento em que se depara com o arquétipo do embusteiro, que está presente em todo mágico (almoços gratuitos extraídos do interior do paletó). Negociado e trocado como objeto de consumo, o mágico acaba no circo, seu verdadeiro lugar, onde dá um lucro fabuloso ao dono da companhia, contrariando a advertência do dono do restaurante de que se precavesse contra seus embustes, pois ele seria bem capaz de distribuir ingressos graciosos para os espectadores. (CÁNOVAS, 2003, p. 64)

O Mago que executa suas mágicas através de um processo que não

consegue prever nem deter, de forma automática e arrebatadora, acaba por criar

uma péssima relação com o público. A platéia do circo o recebe com certa fleuma,

porque ele não se exibe como um mago deveria: de casaca e cartola. Essa relação

com o público torna-se motivo de angústia e alienação para o mago: “Os aplausos

estrugiam de todos os lados, sob meu olhar distante [...] Olhava para os lados e

implorava com os olhos por um socorro que não poderia vir de parte alguma” (p. 8,

1998).

Além disso, o Mago, que não era profissional, vê-se perdido num universo

alheio a sua intenção, universo que “quando, sem querer, começava a extrair do

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chapéu coelhos, cobras, lagartos, os assistentes vibravam.” (p. 8, 1998) As pessoas

que estavam em volta nos locais que realizava as mágicas estouravam em

gargalhadas, pois julgavam ser intencional seu gesto. Mas não, o Mago não tinha

controle algum, “Também à noite, em meio a um sono tranqüilo, costumava acordar

sobressaltado: era um pássaro ruidoso que batera as asas ao sair do meu ouvido”

(p. 10, 1998). Assim, sendo involuntária e compulsiva, as mágicas acabam, por fim,

se tornando rotineiras e tediosas. Em decorrência disto, ele opta por um suicídio

lento, representado, ironicamente, pela burocracia que corrói seus poderes criativos.

As personagens de Murilo parecem viver sempre em um desesperado

sofrimento, o que prova que o autor não usa o real como mecanismo de fuga dos

problemas do mundo presente, muito pelo contrário, o autor parece ter predileção

por tipos psicológicos atípicos, curiosos, mas que representam perfeitamente o

homem comum e seus problemas. Seres neurastênicos e recalcados que nos

ajudam a relatar uma visão insólita do mundo. Nesse sentido, o conto ilustra o

encontro de duas culturas: aquela em que tudo é possível e a outra, na qual nada é

permitido.

Uma frase que escutava por acaso, na rua, trouxe-me nova esperança de romper em definitivo com a vida. Ouvira de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos poucos.

Não me encontrava em condições de determinar qual a forma de suicídio que melhor me convinha: se lenta ou rápida. Por isto, empreguei-me numa Secretaria de Estado. (p. 11, 1998).

Por fim, ele descobre que perdera os dons de mágico no momento em que

mais necessitava deles: quando vai procurar no bolso a prova de que tinha dez anos

de serviço e não um, o que sai é um poema inspirado nos seios da datilógrafa. Só

então, ele percebe a importância transfiguradora que sua criação tinha sobre a

realidade.

Desta forma,

ele é assolado pelo arrependimento de não ter criado um mundo mágico. E aí se manifesta o seu sonho de arrancar do corpo lenços coloridos e de deixar que lhe saísse dos lábios um arco-íris que cobrisse a terra de um extremo ao outro. (CÁNOVAS, 2003, p. 65-66)

Assim, o mágico e o burocrata se identificam com a mesma angústia, que

poderíamos chamar de um tédio existencial. Para Cánovas, esse aspecto justifica a

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epígrafe dos Salmos LXXXV, 1: “Inclina, Senhor o teu ouvido, e ouve-me; porque eu

sou desvalido e pobre.”

O mago desencantado é, verdadeiramente, desvalido e pobre. Seria apenas através do encontro com seu verdadeiro Eu, propiciado pela arte, que ele poderia sublimar as contingências humanas: o exílio no mundo e o desconhecimento do mistério da vida. Mas ele prefere emperrar sua vida na máquina burocrata e converter-se num fazedor de poemas para os seios de uma datilógrafa que o rejeita. (CÁNOVAS, 2003, p. 66)

Acometido de uma grande melancolia, o ex-mágico não consegue nem se

matar. Então, o personagem se emprega numa Secretaria de Estado, onde o espera

uma fortuna pior que a morte: ser funcionário público, o que aniquila seus poderes

de mago.

Pode-se observar que a escrita muriliana realiza uma trajetória abstrata

desvinculada das obrigações de verossimilhança realista. Logo, o conto se instaura

em um local onde o insólito pode acontecer como se fosse a coisa mais natural do

mundo. As modificações fantásticas revelam-se estratégias textuais que causam o

espanto no leitor e resgatam o texto de uma monotonia para desdobrá-lo, depois, no

leitor. Arrigucci (1974) comenta que o não-estranhamento diante do absurdo tem

origem na impossibilidade de transformação pelo mágico, o que, ao invés de gerar a

mudança, leva à esterilidade. Segundo ele, o seqüestro da surpresa tem raízes na

realidade social e de algum modo cria o espaço do labirinto dos contos. É por isso

que, em Murilo, o fantástico vem como metáfora do real ou como real transfigurado,

sendo, também, as vãs tentativas de suicídio do Ex-mágico uma alegoria do

discurso circular e infinito.

O paradoxo da existência do fantástico na narrativa muriliana está relacionado

com alguns pressupostos. Primeiro, só podemos definir o que é fantástico na medida

em que conhecemos a norma extra-textual vigente definida pela tradição cultural,

afinal, tudo aquilo que transgride as leis de uma suposta realidade é considerado,

em um primeiro momento, um fato fantástico. Assim, temos o fato sólido, ou seja, o

que é vigente da norma, o cotidiano, o suporte do real; em seguida, temos o insólito

ou sobrenatural, o que se opõe à norma, que aponta para o estranho e que não tem

nenhuma possibilidade de acontecer no universo real, mas no fantástico

(SCHWARTZ, 1976).

Nesse caminho, a lógica da escrita muriliana adquire concretude –

possibilidade – no que se constitui como mundo referencial do leitor. O fantástico,

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que se opõe ao mundo estruturado do real, vive apenas através da linguagem e nos

jogos que atribuem a ele possíveis sentidos,

criando assim um paradoxo em relação ao mundo real que a [linguagem] constituiu. Fundamentado num universo empírico, sobrevive apenas na dimensão da escrita, tornando-se paradoxal pela sua capacidade de nomear aquilo que é e não é ao mesmo tempo (SCHWARTZ, 1976, p. 74, grifos do autor).

4.1 O pirotécnico Zacarias

O pirotécnico Zacarias é um livro com apenas, originalmente, oito contos.

Como é de costume na obra muriliana, os contos são antecedidos de uma citação

do Velho Testamento e lidam com o insólito de uma maneira que a literatura parece

brinquedo de montar e desmontar na mão de uma criança sempre insatisfeita.

O conto homônimo começa com o narrador-protagonista questionando sobre

a morte do “pirotécnico Zacarias”, que mais tarde se saberá, trata-se do próprio

narrador. Ele segue tentando explicar: “uns acham que estou vivo – o morto tinha

apenas alguma semelhança comigo. Outros mais supersticiosos, acreditam [...] que

quem andam chamando Zacarias não passa de “alma penada”. (p. 25, 1998)

Zacarias faz reflexões sobre sua situação de “morto-vivo” e como os antigos

amigos, pessoas conhecidas, fogem dele quando o encontram nas ruas, algumas

até se assustam, assim, ele não tem oportunidade de explicar o ocorrido. Ainda

assim, “em verdade morri [...]. Por outro lado, também não estou morto, pois faço

tudo que antes fazia e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente.” (p. 26,

1998)

A partir daí, Zacarias começa a narrar os fatos que o colocaram naquela

situação, quando em uma noite, voltando de uma festa, fora atropelado:

A princípio foi azul, depois verde, amarelo e negro. Um negro espesso, cheio de listras vermelhas, de um vermelho compacto, semelhantes a densas fitas de sangue. Sangue pastoso com pigmentos amarelado, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem cor. (RUBIÃO, 1998, p. 26)

Com isso, o narrador revive momentos, como em flash-back, de sua infância,

lembranças de uma professora invadem sua memória. É quando o grupo de jovens,

moças e rapazes, discute sobre o que fariam com o cadáver. Inicialmente eles

discutiam em voz baixa e com medo. Contudo, passado alguns minutos, passam a

falar alto e tratar o fato como algo corriqueiro.

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Tzvetan Todorov, em Introdução à literatura fantástica, diz que, dentro da

nossa realidade governada por determinadas leis, acontecimentos que não podem

ser explicados por essas leis ocorrem na incerteza de ser real ou imaginário. Para

ele, um evento fantástico só acontece quando há hesitação se esse evento é real,

explicado pela lógica, ou sobrenatural, ou seja, guiado por outras leis que

desconhecemos: “Há um fenômeno estranho que se pode explicar de duas

maneiras, por meio de causas de tipo natural e sobrenatural. A possibilidade de se

hesitar entre os dois criou o efeito fantástico.” (TODOROV, 1992, p. 31)

De fato, a hesitação é uma das principais características do gênero fantástico

e pode ser observada em “O pirotécnico Zacarias”, na fala das personagens da

narrativa, ou mesmo no personagem-narrador, que é autodiegético – aquele que

relata as suas próprias experiências como personagem central da narrativa em

primeira pessoa.

Todorov ainda comenta que a hesitação do leitor permanece entre uma

explicação natural e uma sobrenatural aos fatos dentro da narrativa. Porém, ele

afirma que o Fantástico é um gênero que se alarga de modo que “dura apenas o

tempo de uma hesitação [...] No fim da história, o leitor [...] toma contudo uma

decisão, opta por uma ou outra solução, saindo desse modo do fantástico.”

(TODOROV, 1992, p. 47)

Selma Calasans Rodrigues (1988) também diz que o fantástico necessita

desta hesitação para se afirmar e que, para o leitor, essa dúvida deve permanecer:

O texto oferece um diálogo entre a razão e desrazão, mostra o homem circunscrito à sua própria racionalidade, admitindo o mistério, entretanto, e com ele se debatendo. Essa hesitação que está no discurso narrativo contamina o leitor, que permanecerá, entretanto, com a sensação do fantástico predominante sobre as explicações objetivas. A literatura, nesse caso, se nutre desse frágil equilíbrio que balança em favor do inverossímil e acentua-lhe a ambigüidade. (RODRIGUES, 1988, p. 11)

Entretanto, em “O pirotécnico Zacarias”, essa hesitação, esse

questionamento, não parecem tão claros. A narrativa, na verdade, estrutura-se

dentro de um conjunto de eventos insólitos que são, em última instância, quem

ativará o fantástico.

O insólito rompe com o sobrenatural, não pertencendo ao natural, apresenta-

se fora de uma certa ordem, formando, assim, um universo no qual as verdades do

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mundo familiar e previsível dos leitores reais, seres do cotidiano, estariam

modificadas.

No conto, o insólito inscreve-se quando o personagem principal, Zacarias, ao

ser atropelado e morto por um carro cheio de jovens, continua agindo como se

estivesse vivo. Ao se dar conta de que os jovens queriam jogá-lo de um precipício,

arrebatadoramente interrompe a discussão exigindo outro final ao seu corpo. “Não,

eles não podiam roubar-me nem que fosse um pequeno necrológico no principal

matutino da cidade. Precisava agir rápido e decidido: – Alto lá! Também quero ser

ouvido.” (RUBIÃO, 1998, p. 29)

Depois de alguma discussão, chega à conclusão de que todos deveriam

deixar de lado “as diferenças”, inclusive o defunto Zacarias. Este deveria vestir as

roupas do amigo desmaiado e sair junto com os outros. “Propunha incluir-me no

grupo e, juntos, terminarmos a farra, interrompida com o meu atropelamento.”

(RUBIÃO, 1998, p. 30)

Não se espantar, ou questionar, o insólito, demarca uma das características

do gênero fantástico no conto: os rapazes não se incomodam com o fato de estarem

diante de um homem morto que conversa e se diverte com eles. O fato parece tão

diluído, natural, que Zacarias acaba por ter a companhia de uma das moças que

estavam com os rapazes.

O grupo de amigos, que agora conta com um defunto, resolve deixar na

estrada o amigo Jorginho que discorda das atitudes que seus amigos resolvem

tomar em relação ao corpo de Zacarias. Jorginho foi o único que se espantou com o

fato de ver o defunto falando. Zacarias, assim como os rapazes, também despreza o

fato insólito: “Não fosse o ceticismo dos homens, recusando-se aceitar-me vivo ou

morto, eu poderia abrigar a ambição de construir uma nova existência” (RUBIÃO,

1998, p. 31). Ele não questiona a veracidade da sua morte, mas é de seu

conhecimento que morreu: “Em verdade morri, o que vem de encontro à versão dos

que crêem na minha morte” (RUBIÃO, 1998, p. 26).

Muito pelo contrário, Zacarias aproveita do insólito, quer dizer, do fato de ser

um morto convivendo naturalmente com os vivos, para tirar proveito para si, uma vez

que a “capacidade de amar, discernir as coisas, é bem superior à dos seres que por

mim passam assustados” (RUBIÃO, 1998, p. 32).

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Neste sentido, Luana Castro dos Santos Braz, no texto “O pirotécnico

Zacarias se enquadra no fantástico ou insólito banalizado?”, apresentado no painel

Reflexões sobre o insólito na narrativa ficcional, na UERJ, em 2007, comenta que

a narrativa se estrutura entorno desse evento insólito, pois é a partir da morte de Zacarias que o conto se constrói, narrando a trajetória do atropelamento do personagem principal, que retorna à “vida” e percebe que sua existência se tornou melhor. (BRAZ, 2007, p. 58)

A morte de Zacarias, vivenciada por ele e pelas outras personagens, é algo

que foge ao normal, ao quotidiano. Não há dúvida que o fato é banalizado, afinal, a

possibilidade daquilo ocorrer não é colocada em questão.

Na manhã seguinte, perguntaram onde Zacarias gostaria de ficar, ele disse

que em um cemitério, os jovens respondem que seria impossível, pois naquela hora

nenhum estaria aberto. Agora, Zacarias tenta provar que mesmo morto consegue

amar e sentir as coisas, ainda mais do que quando estava vivo.

Rui Mourão, no texto “Murilo Rubião – O pirotécnico Zacarias” (1975), acredita

que o conto representa um esforço conspícuo de Murilo em alcançar seu único

mestre: Machado de Assis. Mourão acredita que existem evidências claras no texto

que comprovem a convivência lingüística do autor de Memórias póstumas com o

nosso pirotécnico. O estudioso lembra-se das considerações iniciais do narrador-

defunto Brás Cubas, ao ler as considerações iniciais do narrador-defunto Zacarias,

na abertura do seu relato.

Murilo mesmo aponta Machado de Assis como sua grande influência,

atribuindo a ele a escolha do gênero de suas narrativas, como comenta em

entrevista: “Eu cheguei ao fantástico exatamente por ter começado pelo Machado.

Sem ele eu não chegaria ao fantástico nunca” (RUBIÃO, 1982, p. 3).

Segundo Mourão (1975), a diferença estaria no fato de que Brás Cubas se

mostra como testemunha entre os vivos, imperceptível aos olhares terrenos,

enquanto Zacarias é um fantasma perceptível. E vai além, diz que o sarcasmo com

que observou a sua condição de corpo-trambolho a constituir problema para os que

dele precisam se livrar o mais rapidamente possível é em Zacarias parecido ao de

Brás Cubas, pois a linguagem de lugares-comuns tem a mesma intenção satírica.

Concordando ou não com Mourão, é importante ressaltar um ponto comum

aos dois autores, que é a linguagem disciplinada, despojada, a briga rigorosa por

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uma gramática mais limpa e, claro, a habilidade em criar mundos fantasiosos,

alucinados e inesgotáveis, o que é um fator de união entre os dois autores.

O conteúdo do discurso ficcional na escrita fantástica muriliana se define com

base na possibilidade de infinitas combinações por meio dos jogos, desde que estas

combinações obedeçam às regras da sintaxe narrativa e constituam uma coerência

interna. É por isso que, no Pirotécnico Zacarias, a oposição entre a vida e a morte

não se apresenta.

Tal oposição convive com o Pirotécnico sem a necessidade convencional da

sucessão cronológica. Essa ambigüidade surge quando o personagem/narrador

descreve as incrédulas reações das pessoas que o observam. “Ninguém concebe

que Zacarias vivo e Zacarias morto sejam a mesma personagem” (SCHWARTZ,

1976, p. 85).

Em verdade eu morri, o que vem de encontro à versão dos que acreditam na minha morte. Por outro lado, também não estou morto, pois faço tudo o que fazia antes e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente. (RUBIÃO, 1998, p.26)

O próprio narrador, através de seu discurso, concilia as possíveis oposições

que levam a anular as ambigüidades do fato insólito estabelecidas pela narrativa. É

por isso que, em um primeiro momento, a volta do Pirotécnico Zacarias causa

espanto apenas a um dos interlocutores, enquanto o resto das personagens parece

não se abaterem: “Jorginho empalideceu, soltou um grito surdo, enquanto os seus

companheiros, algo admirados por verem um cadáver falando, se dispunham a

ouvir-me” (RUBIÃO, 1998, p. 30).

Deste momento em diante, a ambigüidade não é mais vista como tal, pois se

instaura como equilíbrio dentro do discurso (SCHWARTZ, 1976). Assim, podemos

concluir que estes processos que integram e equilibram universos incompatíveis

através dos jogos fornecem à escrita muriliana traços de modernidade em relação às

narrativas fantásticas anteriores a Franz Kafka.

Deste modo, o elemento fantástico em Murilo Rubião dissolve as relações

tradicionais do texto com o leitor, integrando-o em um universo calcado no insólito,

ou melhor, em um acontecimento absurdo que o leitor, no pacto com o texto, aceita

como verossímil. A ausência de perplexidade frente ao insólito, a nova relação entre

texto e leitor e, principalmente, a reelaboração obsessiva dos textos são os itens que

chancelam a narrativa muriliana na modernidade (SCHWARTZ, 1976).

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4.2 O fenômeno da escrita muriliana

Nestes tempos em que a crítica literária possui certa dificuldade em utilizar o

autor para critérios de análise, parece-nos importante, como ficou evidente nesta

dissertação, recuperá-lo na medida em que analisar o processo da escritura e

reescrita muriliana torna-se um elemento chave para a compreensão de sua obra.

A originalidade deste autor não acaba na análise da forma, ou seja, no próprio

fazer da narrativa. No fenômeno da sua escrita há uma relação de identidade entre a

obra e seu processo criativo, “passível de ser inferida através do cotejo dos textos

das diversas reedições dos contos” (SCHWARTZ, 1976, p. 117). Isso fica claro na

sua incansável procura pelo aprimoramento, um contínuo retorno em que, como no

movimento circular característico de sua escrita, é instaurada uma angústia pelo

aprimoramento do texto.

Ainda que as mudanças formais não tenham repercussões de caráter

temático, “as alterações se convertem em um sistema contínuo de permutações –

um delírio substitutivo, verdadeiro feixe paradigmático em rotação” (SCHWARTZ,

1976, p. 118). Assim como o Ex-mágico, acometido com o tédio existencial, tenta

através das mágicas se recriar, e Zacarias parece ter uma nova chance com a

morte, Murilo, na procura de uma nova forma, tenta recriar, renascer, sua linguagem

através de suas alterações textuais.

As mudanças realizadas por Murilo nos contos “O ex-mágico” e “O pirotécnico

Zacarias” (tabuladas em anexo) ilustram o labirinto perante a possibilidade infinita de

permutações, na arbitrariedade dos jogos, que podem apenas ganhar rumo na

tentativa de supressão do jogo da linguagem, através do esforço competente do

leitor.

Para efeitos de exemplificação, foi feita uma seleção do material analisado da

seguinte maneira:

A organização dos textos se submeteu à ordem estabelecida pelas edições

originais: “O Ex-mágico” (OXM), “Os dragões e outros contos” (OD) e “O pirotécnico

Zacarias” (OPZ). Os contos em questão são dois, como supracitado, contando com

a primeira (texto base), segunda e terceira reedições dos mesmos.

Na Tabela A (anexo), as modificações do texto de Murilo estão agrupadas por

semelhança de família que respeitam, basicamente, os seguintes critérios:

incidência e importância estilística. Sendo, pois, estas famílias: Trechos

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alterados/retirados; Parágrafos acrescentados/retirados; Palavras

retiradas/acrescentadas/alteradas; e Modificações na pontuação.

Sobre as siglas empregadas, o sinal þ refere-se à classificação das edições,

sendo que quando acompanhado de apenas números (ex.: þ1, þ2, þ3) indicam o

texto base que foi utilizado para comparar à primeira reedição. Números juntos com

a letra ‘A’ (ex.: 1A, 2A, 3A) indicam propriamente a primeira reedição. Números mais

a letra ‘B’ (ex.: 1B, 2B, 3B) referem-se ao texto base utilizado para comparar à

segunda reedição. Números e a letra ‘C’ (ex.: 1C, 2C, 3C) mostram propriamente a

segunda reedição – por exemplo, a indicação þ 4B/4C significa: o texto base

comparado à segunda reedição, e þ 14/14A o texto base comparado à primeira

reedição. Esta tabulação por semelhança de família pode ser verificada na Tabela B

(anexo) utilizando estas indicações como critério de localização.

Na Tabela B (anexo), o texto base se encontra à esquerda, a primeira

reedição no centro e a segunda reedição à direita. As segundas e terceiras

reedições do texto estão aferidas com o texto base e correlacionadas à Tabela A.

Das siglas utilizadas na Tabela B, todos os termos que aparecem grifados

indicam variação, omissão ou acréscimo de um texto para outro. O sinal Ø indica

omissão de algum elemento que aparece grifado no outro texto. O sinal § refere-se

ao parágrafo específico do conto e, por fim, L à linha no parágrafo.

Por último, cabe comentar que a Tabela B é inspirada no trabalho realizado

por Jorge Schwartz em sua dissertação de mestrado, defendida em 1976, na

Universidade de São Paulo. Contudo, a tabela deste trabalho se mostra uma efetiva

contribuição acadêmica, na medida em que soluciona um problema editorial

constatado pelo próprio Schwartz em seu texto:

As primeiras reedições foram, obviamente, cotejadas com aquelas dos textos básicos; a impossibilidade de inserir as segundas e terceiras reedições nas mesmas páginas das primeiras, obrigou-nos a cotejá-las também com os textos das edições originais (SCHWARTZ, 1976, p. 131).

Ainda que nossa análise tenha sido feita, tanto para a primeira reedição

quanto para a segunda, a partir do texto base, a Tabela A compara a publicação

original e suas reedições na mesma página, o que facilita esta e futuras análises.

Sendo assim, a reescritura muriliana, as modificações textuais realizadas de

uma edição para outra, a metamorfose da linguagem, podem ser observadas em

diversos exemplos que, como dito acima, mesmo que não comprometam a veia

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narrativa principal, funcionam como mecanismos esclarecedores de um processo de

construção textual que evidencia a metalinguagem do discurso contemporâneo

através de jogos de linguagem que privilegiam a relação texto-leitor.

Ainda assim, Schwartz (1976) nos lembra que o estudo das modificações

abre um leque de arbitrariedades, o que, na verdade, aproxima ainda mais esta

análise dos estudos da estética do efeito e dos jogos de linguagem, que são teorias

em que o vago, o arbitrário, se faz presente. Deste modo, as modificações não

funcionam como um mecanismo normativo para a leitura muriliana, mas certamente

oferecem uma orientação.

Em sua maioria, Murilo processou modificações simples, de pouco efeito

semântico, como nas pontuações: um “pois” que não estava e depois aparece entre

vírgulas (þ 3/3A); pontos de interrogação e exclamação que são substituídos (þ

23/23A); palavras e trechos que são trocados ou retirados, como “uma vez” por

“certa vez” (þ 14/14A), “novamente grande” por “nova esperança” (þ 35/35A).2 Mas,

também, processou modificações contundentes, como a supressão de parágrafos

inteiros, a exemplo da retirada do parágrafo þ 8B/8C3 na passagem do original para

a primeira reedição de “O pirotécnico Zacarias” – exemplo este que é deveras

esclarecedor para a questão dos jogos, pois a supressão desse parágrafo modifica o

valor semântico (mesmo que em pequena quantidade) do conto, deixando uma

lacuna a ser preenchida, uma vez que não há um movimento negativo que informe

que o morto/vivo Zacarias não acredita que se viva apenas uma vez, nem tampouco

que esteja vivendo outra vida.

Quando Murilo desloca uma palavra dentro de um enunciado, retirando-a, ou

mesmo substituindo-a, ele está fazendo o jogo, e nos ajuda a criar um mecanismo

que sugere uma saída para o movimento circular do seu conto. Neste sentido, é caro

observar, como fez Schwartz (1976), que as modificações murilianas parecem

sempre procurar enxugar os contos. Um procedimento minimalista em que a

linguagem é valorizada pelo uso, processo que cria o dinamismo no texto. Assim,

por exemplo, o destino trágico do Mago é suavizado na segunda reedição, através

de um eufemismo: “demitido”, que é substituído por “dispensado” (þ 52B/52C).4

2 Tabela A – O ex-mágico – texto base / 1ª reedição. 3 Tabela A – O pirotécnico Zacarias – 2a reedição. 4 Tabela A – O ex-mágico – texto base / 2ª reedição.

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O sentido deve ser algo que se modifica quando as partes de uma frase são

substituídas por outras com outro sentido, embora com a mesma referência. O

sentido pode mudar dependendo do contexto, da palavra utilizada ou do propósito.

Por isso, as modificações murilianas agrupadas por semelhança de família

evidenciam um jogo que ajuda a elucidar um processo em que o significado de uma

palavra ou expressão depende da interpretação do uso do objeto em um contexto

(WITTGENSTEIN, 2000). Assim, Zacarias, que em determinado momento lamenta a

falta de apoio do “sol”, em sua reedição, lamenta a ausência do suporte do “solo” (þ

10/10A).5 Ora, segundo a Enciclopédia e dicionário ilustrado Koogan / Houaiss

(1998), solo é um terreno pouco produtivo, uma porção de superfície da terra, solo

firme, chão, pavimento, trecho de música a ser executado por uma só pessoa ou um

só instrumento, bailado executado por um só dançarino, jogo de cartas de

andamento semelhante ao do voltarete ou primeira viagem que um jovem piloto faz

sozinho; já sol é o astro central, luminoso, do mundo que habitamos, e em volta do

qual gravitam os planetas, astro considerado com o centro de um sistema planetário,

a quinta nota musical da escala de dó, o sinal que representa essa nota, a primeira

corda do contrabaixo, a quarta corda do violino, a terceira nota do violoncelo, tom de

sol, o que se assinala na clave de sol com sustenido em fá, a unidade monetária do

Peru, colóide em que a fase dispersora é um líquido e a fase dispersa é o sólido,

ponto culminante da terra do Espinhaço, ao N de Ouro Preto (Minas Gerais). Solo

remete sempre a segurança, firmeza, enquanto sol, entorno do qual gravitamos,

ainda que indique luminosidade, será sempre distante, suspenso, em órbita. Difícil é

imaginar o que é pior: ficar sem “sol” ou sem “solo”, por isso, ainda que no dicionário

essas palavras sejam absolutamente diferentes, quando rearranjadas dentro da

frase, mantêm a mesma referência.

Nesse sentido, parece correto pensar com Wittgenstein (2000), quando

comenta que a relação entre o nome e a coisa não é suficiente para se chegar a um

significado. Para ele, nada mais constitui uma garantia de significação. Portanto, o

significado faz parte de uma forma de vida, que são os diferentes jogos – o que

importa na linguagem são as funções que as palavras exercem nos jogos.

Se o que importa é a função que as palavras exercem nos jogos e quem joga

o jogo da linguagem são os participantes do processo de comunicação, parece certo

5 Tabela A – O pirotécnico Zacarias – texto base / 1ª reedição.

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concluir que o sentido de uma obra de arte é a atualização no estatuto dos textos e

dos leitores. Assim, a estrutura do texto deve estar intimamente ligada com o efeito

produzido no leitor, levando-se, claro, em conta um projeto de leitor modelo iseriano

que enfatiza a dimensão comunicativa do texto.

Neste jogo, durante a reestruturação do texto literário, são deixadas lacunas

que conferem ao texto ficcional uma densidade que revela os traços não-

verbalizados, a dimensão não formulada do texto. As lacunas e negações negociam

com o leitor a interação entre o fictício e o imaginário. Portanto, o leitor participa

ativamente da construção da ficcionalidade do texto. Como já foi explicado, a

ficcionalização do texto fantástico é fundamental para entender estas colocações.

No texto original de “O pirotécnico Zacarias”, o elemento insólito se instaura logo no

início do texto, quando o narrador/personagem diz estar morto, mas não ter sido

enterrado, colocação que, em suas reedições, é suprimida (þ 7/7A),6 abrindo o texto,

apenas, com a dúvida: “Teria morrido o Pirotécnico Zacarias?” (RUBIÃO, 1998),

deixando assim que o insólito apareça mais tarde e o fantástico se instaure linhas

adiante.

São as lacunas deixadas no movimento do jogo que estimulam o leitor a

preencher o que falta. Esse preenchimento pode ser feito, por exemplo,

aproximando-se as modificações em um horizonte na perspectiva do leitor. É por

isso que, no caso das lacunas, falta estabelecer a conexão dos segmentos e, no

caso das negações, falta motivação para anular o que parece familiar.

Como é o leitor quem atribui essa negatividade, ele é quem chancela a

plurissignificação do texto literário. Assim, é necessário um leitor competente,

modelo, capaz de ler nas entrelinhas, alguém que neste jogo seja capaz de reparar

que ao final do texto original de “O ex-mágico” o narrador diz amar as criancinhas,

comentário que é retirado em sua segunda reedição, deixando ao leitor apenas os

aplausos que este (o narrador) recebera delas (þ 57B/57C).7 Um leitor muriliano sabe

da importância que o autor dá às suas modificações, assim, é difícil imaginar a

supressão deste parágrafo apenas como um capricho.

As modificações realizadas pelo autor direcionam a escrita para um

vocabulário mais minimalista, sintético e genérico, como na troca de “transeuntes”

6 Tabela A – O pirotécnico Zacarias – texto base / 1ª reedição. 7 Tabela A – O pirotécnico Zacarias – texto base / 1ª reedição.

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por “povo” (þ 13/13A) e “pombo da algibeira” por “lenço do bolso” (þ 16/16A) 8, frases

mais suaves e musicais, com a retirada de algumas vírgulas para que o enunciado

assuma um ritmo mais rápido como a retirada de vírgulas e o acréscimo de dois

pontos þ 2/2A9.

A intencionalidade das mudanças realizadas por Murilo permite que o

conteúdo arbitrário dos jogos ganhe forma. As modificações funcionam como regra

do jogo determinando o uso que fazemos dos termos dentro de semelhanças de

família. Assim, ainda que se possa chorar soluçando, chorar e soluçar não são as

mesmas palavras, não possuem o mesmo valor semântico (þ 34/34A) 10. A referência

e o jogo são os mesmos, mas estes só se suspendem se o leitor assim decidir. Por

isso, a lacuna criada por essas e outras alterações confere ao texto uma densidade

característica por meio de omissões e cancelamentos, em uma negatividade que

desloca o sentido.

5 CONCLUSÃO

8 Tabela A – O ex-mágico – texto base / 1ª reedição. 9 Tabela A – O pirotécnico Zacarias – texto base / 1ª reedição 10 Tabela A – O pirotécnico Zacarias – texto base / 1ª reedição

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Essa dissertação procurou analisar as modificações textuais promovidas por

Murilo Rubião, de uma edição para outra dos contos “O Ex-Mágico da Taberna

Minhota” e “O Pirotécnico Zacarias” – a partir do original. Pretendeu-se, assim,

através do mapeamento de sua reescritura, formular um horizonte onde as relações

autor/texto/leitor revogam o sentido do texto literário através de jogos de linguagem,

chancelando a escrita muriliana em um discurso da modernidade.

O estudo da reescritura muriliana deixou claro que a linguagem não é

mímesis, é performance. Para que o significado venha à tona, devemos levar em

consideração o uso que fazemos da linguagem nos mais diversos jogos, ou melhor,

nas diferentes formas de vida. Assim, a linguagem é valorizada pela ótica dos vários

usos que podem ser feitos das palavras e enunciados, afinal, ela é autônoma aos

fatos (WITTGENSTEIN, 2000).

Um sentido para o texto só é possível pela participação imaginária do leitor

nos jogos realizados. Assim, a lógica do acontecimento na narrativa fantástica é

mais importante que a relação entre o personagem e os acontecimentos. O

importante é o efeito, através dos jogos, que o insólito provoca no leitor. Por isso, no

início deste trabalho se afirmou acreditar que, em Murilo Rubião, a escolha pela

narrativa fantástica não parecia aleatória, mas sim, porque esta se mostrou a

expressão mais evidente de uma literatura que questiona o estatuto da ficção e da

própria função da criação literária, que é, como se concluiu, um jogo.

Neste panorama, jogo pode ser visto como uma metáfora que pretende

apreender o dinamismo do texto literário. Sendo assim, a investigação das

modificações e do movimento circular da narrativa muriliana, nos permite, por um

momento, tentarmos capturar o deslocamento configurador da linguagem.

As modificações levam a uma busca pela palavra exata, enxuta, eficiente,

processo que tem reflexo no patamar da linguagem, modificando as personagens e

o próprio leitor. É como se Murilo, aproveitando-se da negatividade do texto literário

gerado pelas gestalts no ato de leitura (ISER, 1996), quisesse suavizar o espaço

deixado entre a narrativa e o texto.

O discurso fantástico pede um leitor capaz de recuperar de forma consciente

as nuanças do texto que lê. Portanto, foi tentando jogar o jogo de Murilo Rubião que

procuramos dar legitimidade a um determinado significado. Neste sentido,

procuramos desnudar um sentido que “apontava com o dedo” para uma direção que

coloca a prova o próprio estatuto da literatura fantástica.

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Todo o conjunto de mudanças realizadas por Murilo permite que o conteúdo

arbitrário dos jogos ganhe forma. As modificações funcionam como regra do jogo

determinando o uso que fazemos dos termos dentro de semelhanças de família.

Assim, através do material lingüístico, na análise das modificações, na relação do

texto com o leitor, caracterizamos a entrada do texto muriliano na modernidade.

Ademais, esperamos que as Tabelas A e B anexas, sirvam, efetivamente, como

contribuição e inspiração para estudos futuros.

Por fim, cabe comentar que a coincidência entre os nomes das teorias de

Wittgenstein e Iser, chamadas de Jogo, não é uma curiosidade insólita, mas

certamente, é fantástica, como toda a obra de Murilo Rubião.

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ANEXOS

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TABELA A O Ex-mágico – texto base / 1ª reedição

Trechos alterados / retirados

Parágrafos

acrescentados/retirados

Palavras retiradas /

acrescentadas / alteradas

Modificações na pontuação

þ 5/5A: “gratuitamente ingressos” é substituído por “ingressos gratuitamente” þ 8/8A: “dizia que não, e o número ficou sendo o ‘do jacaré’” é substituído por “discordavam do que assim pensavam, e o número permaneceu no cartaz como sendo o ‘do jacaré’” þ 9/9A: “a indiferença pelas palmas que recebia” é substituído por “o meu alheamento ante as palmas do público” “que me espreitava” é substituído por “a me espreitar” þ 10/10A: “que deveria passar ainda” é substituído por “destinados a passar” “o que me poderia – e nem isso eu fazia – era” é substituído por “muito menos me ocorria” þ 13/13A: “passou a ser” é

þ 20/20A: este parágrafo foi suprimido e incluído na reedição de Pirotécnico Zacarias þ 38/38A e 38Aa: Na primeira reedição este parágrafo é dividido em dois, além das demais alterações þ 48/48A: Este parágrafo de “Os dragões e outros contos” (parágrafo 44) incluí o parágrafo 46 de “O Ex-mágico”

þ 2/2A: acréscimo de “eu” þ 5/5A: “que” é trocado por “se” þ 6/6A: “porque” é trocado “por que” acréscimo de “eu” þ 7/7A: retirada de “uma” þ 8/8A: “exagerado” é suprimido “devia” é substituído por “deveria” þ 10/10A: “louras” é retirada þ 11/11A: “o” é retirado “eu” é retirado þ 13/13A: “que adquiri” é substituído por recém adquirido “gesto” é substituído por “procedimento” þ 14/14A: “uma vez” é retirado “certa vez” acrescentado entre “surpreender” e “tirando”

þ 1/1A: retirado o ponto final þ 3/3A: o “pois” aparece entre vírgulas þ 9/9A: a vírgula entre “longe” e “danava-se” é suprimida þ 11/11A: “por que me emocionar” perde ponto de interrogação que é trocado por uma vírgula a vírgula após “inocentes” é acrescentada þ 13/13A: “quando” não vêem entre vírgulas þ 14/14A: “distraidamente” não vêem entre vírgulas “aponto de” perde a vírgula “me surpreender” não vem entre vírgulas “por fim” perde a vírgula þ 16/16A: “ouvir” é ponto entre vírgulas

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substituído por “tornou-se”; “os transeuntes que passavam na rua” é substituído por “o povo a desfilar pela calçada” “do que estava fazendo” é substituído por “meu gesto” “um coelho ou um pombo” é substituído por “pombos, coelhos, andorinhas” “acreditando ter sido” é substituído por “julgando” þ 14/14A: “delas começavam a sair objetos esquisitos” é substituído por “por entre meus dedos escorregavam estranhos objetos” “o que fazer com” é substituído por que destino dar” þ 16/16A: “Se puxava” é substituído por “quase sempre, ao puxar” “pombo da algibeira” é substituído por “lenço do bolso” þ 17/17A: “e afirmava o meu desejo” é substituído por “afirmando o meu propósito” þ 18/18A: “que inconscientemente eu coçara durante o sono” é suprimido na

þ 16/16A: “próximo” é substituído por “perto” “concertar” é substituído por “amarrar” “os” é suprimido “pacientemente” é suprimido “que era” é substituído por “ser” þ 17/17A: “timidamente” é substituído por “tímido e humilde” þ 18/18A: “ruidosamente” é substituído por “ruidoso” þ 19/19A: “de” é substituído por “do” þ 21/21A: “no entanto” é substituído por “nada” þ 22/22A: “acintosamente” é substituído por “acintosos” þ 23/23A: “vocês” é retirado þ 24/24A: “novamente” é suprimido þ 26/26A: “uma” é suprimido þ 27/27A: “imensa” é suprimido

þ 18/18A: “ruidoso” vem entre vírgulas þ 21/21A: “cruzando os braços” não vêem entre vírgulas “olharam para a paisagem” é seguido de vírgulas þ 22/22A: “no dia imediato” é seguido de vírgula þ 23/23A: o ponto de exclamação e interrogação em “estúpidos animais” é substituído por dois pontos “gritei” é seguido de vírgula þ 24/24A: a vírgula entre “tedioso” e “concluíram” é substituída por um travessão þ 31/31A: “à” perde a crase þ 32/32A: “ouvidos” é seguido de ponto final “na minha cabeça” é seguido de vírgula þ 35/35A: “na rua” aparece entre vírgulas “em definitivo” vêem entre vírgulas

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primeira reedição þ 21/21A: “Arranquei dos bolsos” é substituído por “Firme, neste propósito, arranquei dos bolsos” þ 24/24A: “Humilde, sacudindo tristemente as jubas, implorando-me” é substituído por “sacudiram com tristeza as jubas e imploraram-me” þ 25/25A: “me foi possível” é substituído por “consegui” þ 31/31A: “onde a primeira preocupação” é substituído por “onde a minha primeira providencia” þ 32/32A: “não esperei por mais nada” é substituído por “estudei-me na cama e” “tinha fechado os olhos” é suprimido na primeira reedição þ 34/34A: “cai no chão chorando” é substituído por “cai no chão, soluçando” þ 35/35A: “novamente grande” é substituído por nova esperança”

þ 28/28A: “para” é suprimido þ 29/29A: “meu” é suprimido þ 30/30A: “mas” é suprimido þ 32/32A: “chegando” é substituído por “ao chegar”. “e puxei” é substituído por “puxei” þ 33/33A: “estampido” e “se transformara” é substituído por “disparo” e “transformam-se”, respectivamente þ 34/34A: “me libertar” é substituído por “libertar-me” þ 35/35A: “definitivamente” é substituído por “em definitivo” “loucamente” é substituído por “a longo prazo” þ 37/37A: “cruel” é substituído por “amargo” “constatação” é substituído por “manifestação “experiência” é substituído por “existência” þ 38/38Aa: “precisava” é substituído por “necessitava” “o horror” é substituído por “a

þ 39/39A: “via-me” não vêem entre vírgulas þ 40/40A: após “recordações” é acrescentada uma vírgula þ 55/55A: “estupidamente” não vêem entre vírgulas þ 56/56A: entre “artifício” e “erguer” o ponto e vírgula é substituído por ponto final þ 60/60A: após “as criancinhas” o ponto de exclamação é substituído por ponto final

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þ 36/36A: “estava mais” e “me convinha” é substituído por “me encontrava” e “caminhava aos meus planos” þ 37/37A: “dois que seguiram” é substituído por “posteriores þ 38/38A: “que vivia em” é substituído por “obrigado a” “sentia, contemplando suas faces” é substituído por “me cansavam as suas pequenas almas” þ 39/39A: “horas e horas à toa” é substituído por “à toa horas a fio” þ 40/40A: “a minha flutuava confusa” é substituído por “dos meus dias flutuavam confuso” þ 41/41A: “que trabalhava na mesa fronteira a minha” é substituído por “vizinha de mesa de trabalho” “enervamento que me torturava” é substituído por meu aborrecimento þ 47/47A: “estava sendo ousado ou mentiroso, metia a mão no bolso a fim de lhe mostrar” é

náusea” þ 39/39A: “freqüentemente” é suprimido þ 40/40A: “poucos” é substituído por “pobres” É acrescentado, no final, “de vida” þ 41/41A: “paixão” é substituído por “amor” þ 42/42A: “voltaram-me” é substituído por “voltaram” þ 44/44A: “se” é substituído por “me” “a me” é suprimido “as ameaças” é substituído por “o perigo” þ 45/45A: “o” é suprimido þ 47/47A: “lhe” é acrescentado “que” é retirado þ 49/49A: “demasiadamente” é substituído por “de mais” þ 51/51A: “sem” é substituído por “falta me” “minha” é suprimido

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substituído por “ser mentirosa a afirmação, procurei nos bolsos os documentos que comprovavam a lisura do meu procedimento. Estupefato, deles retirei” þ 49/49A: “confessei que o mundo acabara de me aniquilar” é substituído por “tive que confessar a minha derrota” þ 51/51A: “sem amigos, ando a noite” é substituído por “a presença de amigos o que me obriga a andar” þ 54/54A: “que se desvencilhou” é substituído por “a se desvencilhar” þ 55/55A: “uma porção de cousas maravilhosas” é substituído por “todo um mundo mágico” þ 57/57A: “do mundo” é substituído por “da terra” þ 58/58A: “da terra” é substituído por “do mundo”

“as mãos” é substituído por “a mão” þ 52/52A: “cousa” é substituído por “coisa” þ 53/53A: “cousas” é substituído por “coisas” þ 54/54A: “e suspiro” é substituído por “suspiro” þ 56/56A: “não” é suprimido “lindo” é substituído por “maravilhosos” “negros; encher” é substituído por “verdes. Encher” þ 59/59A: “louras” é substituído por “meigas”

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O Ex-mágico – texto base / 2ª reedição

Trechos alterados / retirados

Parágrafos

acrescentados/retirados

Palavras retiradas /

acrescentadas / alteradas

Modificações na pontuação

þ 4B/4C: “trouxe espanto algum, nem tão pouco admirei, quando ao levar a mão ao bolso, dele retirei o dono – do estabelecimento” é substituído por “não me espantou e tão pouco me surpreendi ao retirar do bolso o dono do restaurante” “este sim, encheu-se de perplexidade e” é substituído por “ele sim perplexo,” þ 5B/5C: “nem ao menos” é substituído por “não” þ 6B/6C: “um suculento almoço” é substituído por “emprego” þ 7B/7C: “todavia, o homem” é substituído por “o homem, entretanto,” “fazia surgir,” é substituído por “extraía” “de parque de diversões” é substituído por “do Circo Parque Andaluz”

þ 22B/22C e 23B/23C: estão condensados em um só parágrafo (parágrafo 19) þ 23B/ 23C: no Pirotécnico Zacarias os parágrafos 19 e 20 (22B/22C e 23B) do Ex-mágico aparecem em um só (parágrafo 19) þ 26B/26C: o parágrafo 22 de O ex-mágico está incluído no parágrafo 24 de O pirotécnico Zacarias þ 31B/31C: está incluído no parágrafo 26 de O ex-mágico. þ 38B/38C: este parágrafo no Pirotécnico Zacarias engloba os parágrafos 31 e 32 de O ex-mágico þ 46Cc: o parágrafo 37 de O Pirotécnico Zacarias está incluído no parágrafo 38 de O ex-mágico

þ 2B/2C: “A” é substituído por “Na” “é que” é substituído por “eu” þ 4B/4C: “de um restaurante” é substituído por “da Taberna Minhota” “apavorado” é suprimido þ 5B/5C: “a menor” é acrescentado “a” é retirado þ 6B/6C: “minha” é suprimido “Taberna Minhota” é substituído por “casa” “um” é substituído por “o” “a um” é substituído por “ao” þ 8B/8C: “os prognósticos” é substituído por “as previsões pessimistas” þ 11B/11C: “proprietário”, “Circo”, “que espreitava”, “que recebia”, “quando” e “louras” foram

þ 1B/1C: ponto final entre “público” e “e” é suprimido þ 3B/3C: “pois” vêem entre vírgula, ao invés de ser antecedido por ponto final þ 4B/4C: “grisalhos” não é sucedido por vírgula þ 6B/6C: “passei” e “em diante” não é sucedido por vírgula þ 7B/7C: “surgir” e “misteriosamente” não é sucedido por vírgula þ 12B/12C: entre “emocionar” e “se” o ponto de interrogação foi substituído por uma vírgula þ 19B/19C: “paulatinamente” não vêem entre vírgulas O ponto de interrogação e exclamação entre “animais” é substituído apenas por um ponto

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“que posto ao par” é substituído por “que, posto a par” “levar-me consigo” é substituído por “contratar-me” “foi advertido muito judiciosamente” é substituído por “aconselhou-o” “as minhas falácias” é substituído por “os meus truques” “não seria estranho que eu circulasse em” é substituído por “ninguém estranharia que me ocorresse a idéia” “gratuitamente, ingressos” é substituído por “ingressos graciosos” þ 8B/8C: “no Circo Parque Andaluz” é suprimido þ 9B/9C: “fizeram delirar” é substituído por “empolgaram” “ao empresário” é substituído por “aos donos da companhia” þ 10B/10C: “a primeira reação da assistência era de repulsa pela minha... Depois,” é substituído por “a pátria, em geral, me recebia com frieza... Mas,” “ou saber porque” é suprimido “cabra, lagartos, coelhos” é substituído por “coelhos, cabras,

þ 54Cc: este parágrafo de O Pirotécnico (parágrafo 44) incluí o parágrafo 46 de O ex-mágico þ 57B/57C: parágrafo suprimido þ 64B/64C: parágrafo suprimido

substituídas, respectivamente, por “gerente”, circo”, “a me espreitar” acréscimo de “minha” antes de “indiferenças”, “assistência” e “se” þ 12B/12C: “rostinhos” é substituído por “rostos” “dos homens” é substituído por “do homem” “o” e “eu” é suprimido “pude” é substituído por “tive” þ 14B/14C: “olhando” é substituído por “a olhar” þ 15B/15C: “animais” é substituído por “pássaros” þ 16B/16C: “distraidamente” é substituído por “distraído” “uma vez” é suprimido “exóticas” é substituído por “estranhas” þ 17B/17C: “implorando” é substituído por “e implorava” þ 18B/18C: “verdadeiramente” é suprimido þ 19B/19C: “concertar” é substituído por “amarrar”

de interrogação. þ 30B/30C: a vírgula entre “jubas” e “imploraram-me” é substituída por “e” þ 43B/43C: o travessão entre “convinha” e “se” é suprimido A vírgula após “por isso” é suprimida þ 51B/51C: o ponto final posterior ao parêntese é incluído dentro do parêntese þ 56B/56C: depois de “mágicas” o ponto final é substituído por “e” þ 58B/58C: a virgula depois de visto é suprimida após “louco” o ponto final é substituído por uma virgula þ 63B/63C: o ponto e virgula após “artifício” é substituído por ponto final “pelos meus lábios” não vêem entre virgulas

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lagartos” “ficaram frenéticos” é substituído por “vibravam” “o ultimo número, sobretudo, constituía a uma autêntica sensação. Eu” é substituído por “sobretudo no ultimo número em que eu” “um gigantesco jacaré que, pelo seu exagerado tamanho, devia ser um crocodilo, o empresário homem viajado e teimoso, dizia que não e o número ficou sendo o do jacaré” é substituído por “um jacaré” “pegando o animal” é substituído por “comprimindo o animal” “apertava-o nas mãos, transformando-o” é substituído por “transformava-o” “no instrumento” é suprimido “indiferente” é suprimido þ 12B/12C: “cansava nenhuma” é substituído por “cansavam” “que deveriam” é substituído por “destinados a” “ainda por todos os” é substituído por “pelos” “o que eu poderia – e nem isso eu fazia – era observá-las com ódio, em virtude de possuírem” é substituído por “muito menos me

“espavoridas” é suprimido “os” é suprimido “dos diabos” é suprimido “que” é substituído por “de” “que era” é substituído por “ser” “cobras” é substituído por “serpentes” þ 20B/20C: “timidamente” é substituído por “tímido e humilde” “e afirmava” é substituído por “reafirmando” “desejo” é substituído por “propósito” þ 21B/21C: “enorme” é substituído por “ruidoso” “ruidosamente” é suprimido þ 24B/24C: “uma” e “tédio” são suprimidos þ 25B/25C: “o suicídio” é substituído por “a morte” þ 27B/27C: “ferozes” e “estoicamente” são suprimidos þ 28B/28C: “acintosamente” é substituído por “acintosos” þ 29B/29C: “vocês” é suprimido

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ocorria odiá-las por terem” þ 13B/13C: “passou a ser” é substituído por “tornou-se” þ 14B/14C: “de acordo com o hábito que adquirir” é suprimido “os transeuntes que passavam na rua, quando sem ter – consciência do que estavam fazendo,” é substituído por “o povo desfilando na calçada” “um coelho ou um pombo” é substituído por “pombos, gaivotas, maritacas” “nas mesas vizinhas, acreditando ter sido” é substituído por “nas imediações, julgando” þ 16B/16C: “começavam a sair objetos esquisitos” é substituído por “escorregavam esquisitos objetos” “tirando da boca” é substituído por “certa vez, puxando da manga da camisa” “o que fazer com elas” é substituído por “que destino lhes dar” þ 17B/17C: “somente olhava” é substituído por “olhava”

þ 33B/33C: “uma” é suprimido þ 34B/34C: “galguei” é substituído por “ao alcançar” “um”, “e” e “meu” são suprimidos “no” é substituído por “ao” þ 35B/35C: “pequena” é substituído por “leve” þ 36B/36C: “retornar” é substituído por “regressar” “minha” é acrescentado “preocupação” é substituído por “previdência” “um revolver” é substituído por “uma pistola” þ 37B/37C: “chegando a” é substituído por “em” “e puxei” é substituído por “Puxei” þ 39B/39C: “o estampido” é substituído por “disparo” “o revolver” é substituído por “a mauser” þ 41B/41C: “definitivamente” é substituído por “em definitivo” þ 45B/45C: “como” é substituído por “conforme”

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þ 19B/19C: “puxava” é substituído por “quase sempre, ao tirar” “de mim, arrancando um pombo da algibeira,” é suprimido “sacando um lençol do bolso” é acrescentado “via surgir do seu interior um pavoroso urubu” é substituído por “aparecia um urubu” “outras vezes” é substituído por “em outras ocasiões” “deslizavam uma cobra” é substituído por “deslizavam cobras” þ 21B/21C: “à noite” é antecedido por “também” “estava dormindo tranquilamente quando acordava” é substituído por “em meio a um sono tranqüilo, costumava acordar” “que inconscientemente eu coçara durante o sono” é suprimido þ 22B/22C: “um dia, perdi a paciência e corte ambas as mãos, disposto a nunca mais fazer mágica” é substituído por “numa dessas vezes, irritado, disposto a nunca mais fazer mágicas, mutilei as mãos”

þ 44B/44C: “cruel!” é substituído por “amargo” “muito” é suprimido “do” é suprimido “constatação” é substituído por “manifestação” þ 46B/46C: “os” é suprimido “precisava” é substituído por “necessitava” “o horror” é substituído por “a náusea” þ 48B/48C “a paixão” é substituído por “o amor” þ 50B/50C: “eu” é suprimido “ainda” é suprimido þ 51B/51C: “o desespero” é substituído por “a recusa” “os” é suprimido “que” é suprimido “importar-se” é substituído por “importava” þ 52B/52C: “formalmente” é suprimido “demitido” é substituído por “dispensado” þ 53B/53C: “o” é suprimido

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“elas reaparecerem perfeitas nas pontas dos tocos dos braços” é acrescentado þ 23B/23C: “com os dois tocos de braços, vi nascer, nas suas extremidades duas mãos novinhas em folha” é substituído por “elas reapareceram perfeitas nas pontas dos tocos dos braços” (esta alteração aparece no 22C) þ 27B/27C: “arranquei” é substituído por “firme no propósito tirei,” “por eles devorados. No entanto, nenhum” é substituído por “devorados por eles, nenhum” þ 28B/28C: “no dia imediato” é substituído por “na manhã seguinte” þ 30B/30C: “humildes, sacudindo tristemente” é substituído por “sacudiram com tristeza” “novamente: ‘Este mundo tremendamente tedioso’” é suprimido þ 32B/32C: “me foi possível” é substituído por “consegui” “ouvindo tal despautério: matei os

“tivesse” é substituído por “ter” þ 54B/54C: “que” é substituído por “lhe” “empedernida” é suprimida þ 56B/56C: “demasiadamente” é substituído por “demais” “minha” e “E” são suprimidos “posso” é substituído por “consigo” “profissões” é substituído por “ocupações” “sem” é substituído por “falta-me” “minha” é suprimido “sem” é substituído por “a presença de” “cousa” é substituído por “coisa” þ 61B/61C: “ilusão” é substituído por “impressão” þ 62B/62C: “consola” é substituído por “conforta” “apenas” é substituído por “somente” þ 63B/63C: “de” é substituído por “com” “E” é suprimido “louras” é substituído por “meigas”

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leões e comi-os todos, esperando que morresse,” foi suprimido Acréscimo de “metei-os todos e me pus a devorá-los. Esperava morrer,” þ 34B/34C: “de mais aquele” é suprimido “a minha amargura. Fugi da cidade e me dirigi para” é substituído por “minha frustração. Afastei-me da zona urbana e busquei” þ 35B/35C: “mas tive” é substituído por “sentir” “que se desprendera não se de onde” é suprimido þ 37B/37C: “não esperei por mais nada:” é substituído por “estendido na cama” “gatilho, à espera do estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça” é acrescentado þ 39B/39C: “pecados dos pecados” é suprimido þ 40B/40C: “cai no” é substituído por “rolei até o” “chorando, arrancando os cabelos” é substituído por

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“soluçando” “possuía o dom de” é substituído por “podia” “um meio” é substituído por “meios” “me libertar” é substituído por “libertar-se” þ 41B/41C: “novamente grande” é substituído por “novos” “marcado pelo acabrunhamento” é substituído por “triste” þ 42B/42C: “gostava mais” é substituído por “me encontrava” þ 44B/44C: “dois que se seguiram” é substituído por “posteriores” þ 45B/45C: “e os meus dissabores foram bem maiores os que sofri anteriormente” é substituído por “maiores foram minhas afeições, maior o meu desconsolo” þ 46B/46C: “que vivia em” é substituído por “obrigado a” “sentia, contemplando as suas faces” é substituído por “me causavam”

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þ 47B/47C: “a minha vida flutuava confusa por entre poucos” é substituído por “os meus dias flutuavam confusos, mesclados com pobres” “que conseguira acumular em” é substituído por “pequeno soldado de” “de vida” é acrescentado þ 48B/48C: “que trabalhava na mesa fronteira à minha,” é substituído por “vizinha de mesa de trabalho” “do enervamento que torturava” é substituído por “das minhas inquietações” þ 49B/49C: “voltaram-me as preocupações” é substituído por “retornou o desassossego” þ 51B/51C: “que se recusava a me amar” é substituído por “em me aceitar” “as ameaças” é substituído por “o risco de ser demitido” “o meu temor era de” é substituído por “somente temia” “negara seu afeto” é substituído por “rejeitara” þ 52B/52C: “para mais de” é

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suprimido “havia alcançado” é substituído por “adquiria” þ 53B/53C: “encarando-me bem” é substituído por “fechando a cara” “descaramento: nunca” é substituído por “cinismo. Jamais” “supor que” é substituído por “esperar de” þ 54B/54C: “estava sendo ousado ou mentiroso, metia a mão no bolso afim de lhe mostrar” é substituído por “ser leviana a minha atitude, procurei nos bolsos” “confirmavam a minha alegação” é substituído por “comparavam a leitura do meu procedimento. Estupefato deles retirei” “que tentara fazer” foi suprimido “nas belas pernas” é substituído por “nos seios” þ 55B/55C: “com ansiedade” é substituído por “curioso” þ 56B/56C: “envergonhado confessei que o mundo acabara de me aniquilar” é substituído por “tive que confessar a minha

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derrota” þ 58B/58C: “andando à noite” é substituído por “o que me obriga a andar” “levando as mãos aos bolsos e delas retirando,” é substituído por “procurando retirar” “as pontas dos” é substituído por “os” “do interior da roupa” é acrescentado þ 60B/60C: “cousas invisíveis” é substituído por “coisas” þ 61B/61C: “um pombo que se desvencilhou dos meus dedos, suspirou” é substituído por “uma andorinha a se desvencilhar das minhas mãos. Suspiro. þ 62B/62C: “realizando uma porção de cousas maravilhosas que estupidamente não realizei” é substituído por “criado todo um mundo mágico” þ 63B/63C: antes de “imagino” é acrescentado “por instantes” “negros: encher” é substituído por “negros. Encher” “o maior dos” e “arco-íris” é

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suprimido “fosse de um extremo ao outro do mundo e cobrisse todos os homens. E os aplausos irrompendo de vários pontos da terra” é substituído por “cobrisse a terra de um extremo ao outro”

O Pirotécnico Zacarias – texto base / 1ª Reedição

Trechos alterados / retirados / acrescentados

Parágrafos

acrescentados/retirados

Palavras retiradas /

acrescentadas / alteradas

Modificações na pontuação

þ 2/2A: “apenas tinha” é substituída por “tinha apenas” na primeira reedição; “categoricamente a minha morte, dizem que” é substituída por “de maneira categórica o meu falecimento, não aceitam” na primeira reedição; “Zacarias existente não é o Zacarias, artista pirotécnico,” é substituído por “existente como sendo Zacarias, o artista pirotécnico,” na primeira reedição. þ 3/3A: “meus amigos” é substituído por “interessados” na primeira reedição.

þ 8/8A: § suprimido þ 18/18A: § suprimido þ 36/36A: de “não pude evitar” até “defuntos e vivos” do § anterior é outro § a primeira reedição þ 38/38A: § incluído no anterior þ 40/40A: § suprimido þ 41/41A: § suprimido þ 42/42A: § suprimido þ 43/43A: § suprimido

þ 1/1A: “de” e “das” é suprimido na primeira reedição þ 2/2A: “afirmam” é substituído por “acreditam” na segunda reedição; “cousas” é substituído por “coisas” na primeira reedição; “que” é suprimido na primeira reedição. þ 3/3A: “cousa” é substituído por “coisa” na primeira reedição þ 4/4A: “mas” é substituído por “porém”; “impossibilitado” é substituído por “impedido”; “o fazer” é substituído por “fazê-lo”; “mal” é substituído por “tão logo”

þ 2/2A: o dois pontos após “vivo” é suprimido na segunda reedição; “morto” não vem entre aspas na primeira reedição; é acrescentada uma vírgula após “penada” na primeira reedição þ 10/10A: “e” é substituído por um ponto final na primeira reedição þ 12/12A: o travessão entre “supremas.” e “Os” é suprimido na primeira reedição þ 14/14A: o travessão antes de “dos mares” é suprimido na primeira reedição

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þ 5/5A: “e não conseguem” é substituído por “impossibilitados de” na primeira reedição. þ 7/7A: “não fui enterrado e” é suprimido na primeira reedição; “fazia antes e com muito mais prazer do que na minha existência anterior,” é substituído por “anteriormente fazia e, devo dizer, com mais agrado do que antes.” na primeira reedição. þ 11/11A: “nas mãos eu levava” é substituído por “alcancei, mais adiante, com as mãos,” na primeira reedição; “mais adiante o cérebro de fogo se multiplicou em côres.” é suprimido na primeira reedição. þ 13/13A: “O arco-íris engolia tudo).” é substituído por “logo devorados pelo arco-íris).” na primeira reedição. þ 15/15A: “saltando as órbitas” é suprimido na primeira reedição þ 19/19A: “ em descer sobre o céu” é substituído por “cobrir” na primeira reedição; “ou não desceriam nunca?” é suprimido

þ 44/44A: § suprimido þ 45/45A: o § suprimido no texto base é acrescentado na primeira reedição þ 51/51A: § acrescentado no § anterior þ 63/63A: § incluído no anterior þ 64/64A: ver observação

na primeira reedição þ 6/6A: “eu” é suprimido na primeira reedição; “de” é substituído por “ao”; “à” é substituído por “da” na segunda reedição þ 7/7A: “morri” é substituído por “estar morto” na segunda reedição þ 9/9A: “espesso” é acrescentado na primeira reedição; “sangue” é escrito com letra maiúscula na primeira reedição þ 10/10A: “sol” é substituído por “solo” na primeira reedição; “em vão” é suprimido na primeira reedição þ 12/12A: “Na” é escrito com letra minúscula na segunda reedição; “quiseram” é substituído por “desejaram” na primeira reedição þ 16/16A: “dez” é substituído por “dois” na primeira reedição þ 17/17A: “ao” é substituído por “no” na primeira reedição

þ 15/15A: acréscimo de vírgula entre “vidrados” e “empunhava” na primeira reedição þ 19/19A: “Melhor, negra.” Não vem entre parêntesis na primeira reedição þ 25/25A: após “pastoso” é acrescentado uma vírgula þ 27/27A: após “músculos” a vírgula é suprimida þ 46/46A: o ponto de exclamação após “opinião” é substituído por ponto final þ 50/50A: após “impasse” é acrescentado ponto final na primeira reedição þ 52/52A: a vírgula entre “contive” e “a” é substituída por dois pontos na primeira reedição þ 53/53A: após “acrescentou” é acrescentado uma vírgula þ 56/56A: após “A bebida” a vírgula é suprimida na primeira reedição

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na primeira reedição. þ 21/21A: “silêncio, mais sombras que silêncio.” É substituído por “sombras; mais silêncio que sombras.” na primeira reedição. þ 22/22A: “a alguns metros de mim” é substituído por “perto” na primeira reedição þ 26/26A: “é que eu sempre desejei” é substituído por “jamais quis” na primeira reedição. þ 29/29A: “aos cuidados no necrotério” é substituído por “no necrotério” na primeira reedição. þ 32/32A: “desde o começo” é substituído por “no decorrer” na primeira reedição. þ 34/34A: “se dispôs a discutir o aporte” é substituído por “levou a sério a sugestão” na primeira reedição; “assim se chamava o rapazola” é substituído por “esse era o seu nome” na primeira reedição; “se interessar” é substituído por “interessar-se” na primeira reedição; þ 35/35A: “novamente em” é

þ 19/19A: “Escura?” é suprimido na primeira reedição þ 20/20A: “mundo” é escrito com letra maiúscula na primeira reedição þ 23/23A: “o” é acrescentado na primeira reedição þ 24/24A: “espesso” é acrescentado na primeira reedição þ 28/28A: “calma” é suprimido na primeira reedição þ 30/30A: “em” é substituído por “a” na primeira reedição þ 31/31A: “Nesse” é substituído por “Neste”; “é que” é suprimido na primeira reedição þ 32/32A: “permanecia” é substituído por “permanecera” na primeira reedição þ 33/33A: “Necrotério” é escrito com letra minúscula na primeira reedição þ 34/34A: “lamentar” é substituído

þ 57/57A: o ponto e vírgula após “lírios” é substituído por ponto final na primeira reedição þ 66/66A: o ponto e vírgula é suprimido após “ao sentir” na primeira reedição þ 67/67A: “amanhã” não vem entre vírgulas na primeira reedição

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substituído por “de novo ao”; “componentes da” é substituído por “que compunham a”; “ uma composição de Zequinha de Abreu.” É suprimido na primeira reedição. þ 36/36A: “não só pela afinidade musical” até “formulada debilmente” é substituído por “em virtude de sua mais que razoável proposta, debilmente formulada” na primeira reedição. þ 37/37A: “e, por fim,” é acrescentada na primeira reedição; “inclusive a deixar-me” até “pôr ele no mundo!)” é suprimido na primeira reedição. þ 38/38A: “lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem a casa, limpar o chão manchado de sangue,” é substituído por “limpar o chão manchado de sangue, lavar cuidadosamente o carro quando chegassem em casa.”; de “Além do mais” até “ultra-românticos” é suprimido na primeira reedição. þ 39/39A: “e, assim, não chegasse jamais a ser

por “condenar” na primeira reedição; “do” é acrescentado na primeira reedição; “mulheres” é substituído por “pequenas” na primeira reedição þ 35/35A: “Jorginho” é substituído por “O rapazola”; “acabava” é substituído por “acabara”; “indiferentemente” é substituído por “indistintamente” na primeira reedição (36/36A) þ 38/38A: “serviria” é substituído por “conviria”; “Polícia” é escrita com letra minúscula na primeira reedição; “mistérios” é escrito no singular na primeira reedição þ 39/39A: “muito” é suprimido na primeira reedição; “isso” é substituído por “tal” na primeira reedição þ 47/47A: “companheiros” é substituído por “amigos” na primeira reedição þ 48/48A: “uma” é suprimido na primeira reedição þ 49/49A: “extinguiu” é substituído por “extinguira” na

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descoberto em seu improvisado túmulo” é suprimido na primeira reedição; de “o meu nome” até “meu finado pai” é substituído por “jamais seria descoberto no seu improvisado túmulo e o meu nome não ocuparia as manchetes dos jornais” na primeira reedição. þ 46/46A: “gritei desesperado para os moços. Quero também” é substituído por “- bradei – também quero” na primeira reedição. þ 47/47A: “na minha simpatia” é substituído por “nas minhas graças”; “dando um berro tremendo” é substituído por “soltando um grito” na primeira reedição. þ 48/48A: “a verdade é” é acrescentado na primeira reedição. þ 49/49A: “E a ela meus matadores fizeram justiça” é acrescentado na primeira reedição. “Tanto que, após alguns minutos de conversa, os meus matadores ficaram novamente indecisos, sem saber

primeira reedição; “defunto” é substituído por “cadáver” na primeira reedição þ 53/53: “o” é substituído por “no”; “dispus” é substituído por “prontifiquei” na primeira reedição þ 54/54A: “as” é substituído por “estas”; “do” é substituído por “de seu” na primeira reedição þ 55/55A: “de” é substituído por “da” na primeira reedição þ 56/56A: “precisa” é substituído por “nítida” na primeira reedição þ 57/57A: “de” é suprimido na primeira reedição; “eu” é suprimido na primeira reedição; “a existência” é suprimido na primeira reedição; “de gesso” é substituído por “metálico” na primeira reedição þ 58/58A: “semi-letargia” é escrito sem o aposto na primeira reedição þ 59/59A: “me” é suprimido na primeira reedição; “se encontrava” é substituído por

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o que fazer de mim.” é substituído por “Após curto debate, no qual expus com clareza meus argumentos, os rapazes ficaram indecisos de novo, sem encontrar uma saída que atendesse, a contento, às minhas razões e ao programa da noite, a exigir prosseguimento.” na primeira reedição; “complicar ainda mais os fatos, eles sentiam ser impossível” é substituído por “tornar mais confusa a situação, sentiam a impossibilidade de” na primeira reedição; “que de costume se atribuem” é substituído por “geralmente é atribuído” na primeira reedição þ 50/50A: “verdadeiramente genial, talvez tivéssemos caído em um impasse difícil de ser resolvido.” é substituído por “logo aproveitada, teríamos permanecido no” na primeira reedição. þ 51/51A: “A solução partiu de um rapaz baixo e atarracado.” é acrescentado na primeira reedição. “Consistia, nada mais, nada menos,” é acrescentado na primeira reedição.

“encontrava-se”; “ainda diversas” é substituído por “várias”; “procura-se” é substituído por “policrômico” na primeira reedição þ 60/60A: “no” é substituído por “o” na primeira reedição þ 65/65A: “aos” é substituído por “os” na primeira reedição; “por aí” é suprimido na primeira reedição; “da cidade” é acrescentado na primeira reedição; “o outro” é substituído por “aquele” a primeira reedição þ 66/66A: “viver” é suprimido na primeira reedição; “as cousas” é substituído por “as coisas” na primeira reedição; “vivos” é suprimido na primeira reedição; “monstro” é substituído por “fantasma” na primeira reedição þ 67/67A: “nunca” é substituído por “jamais” na primeira reedição; “ninguém” é substituído por “alguém” na primeira reedição; “então” é substituído por “e, nesse dia,” na primeira reedição; “dos” é substituído por “de” na primeira reedição.

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þ 53/53A: “me conformaria de maneira alguma em” é substituído por “me conformava de”; “Outra vez o rapaz de idéias geniais evitou maiores discussões.” é substituído por “desacompanhado. O mesmo rapaz que aconselhara a minha integração no grupo, encontrou a fórmula conciliatória,” na primeira reedição; “que eu me apresentasse decentemente,” é substituído por “e para melhorar o meu aspecto,”; “que seria melhor” é substituído por “bastaria” a primeira reedição. þ 54/54A: “imberbe admirador de Zequinha de Abreu,” é substituído por “companheiro” na primeira reedição. “de seu” é substituído por “do” na primeira reedição. “a situação” é substituído por “ com dignidade os acontecimentos.” þ 56/56A: “me transformava” é substituído por “me afetava” na primeira reedição. þ 57/57A: “loura ex-par de Jorginho,” é substituído por “ruiva, que me fôra destinada,” na

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primeira reedição. þ 58/58A: “o dia começou a clarear,” é substituído por “começou a clarear o dia.” na primeira reedição. þ 60/60A: “Na minha mente se prolongou por muito tempo uma sensação dolorosa” é substituído por “Por muito tempo se prolongou em mim a sensação penosa” na primeira reedição; “desde aquele dia” até “olhar.” é substituído por “não se acomodavam ao colorido onírico das paisagens que se estendiam na minha frente.”; desde “aos poucos, porém” até “plenitude” é substituído por “Havia ainda o medo atroz que sentia, desde aquela madrugada, quando constatei” na primeira reedição. þ 61/61A: “Desejei, então, fazer planos para uma nova existência.” é substituído por “Mesmo assim” até “existência nova” na primeira reedição. þ 62/62A: de “Nos primeiros” até “o caos” é substituído por “Tinha ainda” até “meu falecimento.” na

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primeira reedição. þ 63/63A: “Tentei logo que os dias me revelaram a ignorância total dos periódicos em relação ao meu falecimento, entrar em” é substituído por “Fiz várias tentativas para estabelecer” na primeira reedição. “e o resultado foi sempre desencorajador.” é acrescentado na primeira reedição. “A procura foi inútil, nenhum deles dava sinal de vida.” é substituído por “e o resultado foi sempre desencorajador. E eles eram a esperança que me restava para provar quão real foi minha morte” na primeira reedição. þ 65/65A: “Contudo, o sofrimento tornou-se menos intenso e agora não me incomoda” é substituído por “com o passar dos meses, tornou-se muito menos intenso o meu sofrimento e menor a minha frustração ante” na primeira reedição; “de provar quão real foi a minha morte, numa” é suprimido na primeira reedição; “Zacarias, artista-pirotécnico” é substituído por “artista pirotécnico de outros tempos” na primeira

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reedição. þ 66/66A: “me atormenta de vez em quando:” é substituído por “me oprime agora:” na primeira reedição; “poderá reservar” é substituído por “reservará” na primeira reedição; “aumenta assustadoramente” é substituído por “na sua plenitude,” na primeira reedição; “na sua plenitude” é suprimido na primeira reedição; þ 67/67A: “mais que todos eles.” é substituído por “mais que eles”; “está se aproximando” é substituído por “se aproxima” na primeira reedição.

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O Pirotécnico Zacarias – texto base / 2ª Reedição

Trechos alterados / retirados /

acrescentados

Parágrafos

acrescentados/retirados

Palavras retiradas /

acrescentadas / alteradas

Modificações na pontuação

þ 2B/2C: “estar vivo; que” é substituído por “estar vivo –“ na segunda reedição; “apenas tinha” é substituído por “tinha apenas” na segunda reedição. þ 3B/3C: “das coisas líquidas e consumadas e que” é substituído por “dos fatos consumados” na segunda reedição. þ 4B/4C: “que, afirmando categoricamente a minha morte, dizem que o cidadão existente Zacarias não é o Zacarias, artista-pirotécnico,” é substituído por “afirmam de maneira categórica o meu falecimento e não aceitam o cidadão existente como sendo Zacarias, o artista pirotécnico,” na segunda reedição. þ 5B/5C: “- e é o que mais desnorteia os meus amigos –“ é suprimido na segunda reedição.

þ 8B/8C: § suprimido þ 23B/23C: § suprimido na segunda reedição þ 40B/40C: os § 34 e 35 de “o ex” são condensados em um só no “Pirotécnico” obs.: 39C é comparado com 40B þ 43B/43C: § suprimido na segunda reedição þ 44B/44C: § suprimido na segunda reedição þ 45B/45C: § suprimido na segunda reedição þ 46B/46C: § suprimido na segunda reedição þ 47B/47C: § suprimido na segunda reedição þ 66B/66C: ver observação

þ 1B/1C: “de” é acrescentado na segunda reedição; “de” é substituído por “das” na segunda reedição þ 3B/3C: “afirmam” é substituído por “acreditam” na primeira reedição þ 5B/5C: “cousa” é substituído por “coisa” na segunda reedição þ 6B/6C: “seria” é substituído por “sai”; “mas” é substituído por “porém” na segunda reedição; “mal” é substituído por “tão logo” na segunda reedição; “E” é suprimido na segunda reedição þ 7B/7C: “acreditam”é substituído por “crêem” na segunda reedição; “morri” é substituído por “estou morto”; “muito” é suprimido; “prazer” é substituído por “agrado” na segunda reedição

þ 1B/1C: dois pontos após “pergunta” é substituído por ponto final na segunda reedição þ 2B/2C: “morto” não vem entre aspas na segunda reedição þ 3B/3C: a vírgula após “penada” é suprimida na segunda reedição þ 9B/9C: após “compacto” a vírgula é suprimida na segunda reedição; após “sangue”, os dois pontos é substituído por ponto final na segunda reedição þ 13B/13C: o travessão após “supremas” é suprimido na segunda reedição þ 14B/14C: após “artifício” o ponto final é substituído por vírgula na segunda reedição þ 15B/15C: o travessão que antecede “Simplício” é suprimido

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þ 6B/6C: “impossibilitando de o fazer, pela simples razão de que” é substituído por “impedi-lo de fazer porque” na segunda reedição. “não lhes é possível escapar à minha presença” é suprimido na segunda reedição. þ 7B/7C: “não fui enterrado” é suprimido na segunda reedição; “fazia antes é substituído por “antes fazia” na segunda reedição; “devo dizer” é acrescentado na segunda reedição; “na minha existência anterior” é substituído por “anteriormente” na segunda reedição. þ 11B/11C: “em vão” é suprimido na segunda reedição. þ 12B/12C: “Nas mãos eu levava” é substituído por “alcancei mais adiante, com as mãos,” na segunda reedição. “Mais adiante o círculo de fogo se multiplicou em cores.” é suprimido na segunda reedição. þ 14B/14C: “o arco-íris engolia tudo).” é substituído por “logo

þ 67B/67C: ver observação obs.: a última frase 67Cc também está incluída no § seguinte (68B). As alterações estão nas observações realizadas no 68B/68C.

þ 9B/9C: “espesso” é acrescentado na segunda reedição; “listas” é substituído por “listras” þ 10B/10C: “sol” é substituído por “solo” na segunda reedição þ 13B/13C: “Na” é escrito com letra minúscula na segunda reedição; “quiserem” é substituído por “desejarem” na segunda reedição þ 22B/22C: “dez” é substituído por “dois” na segunda reedição þ 24B/24C: “Escura” é suprimido na segunda reedição þ 25B/25C: “mundo” é escrito com letra maiúscula na segunda reedição þ 27B/27C: “sobre” é substituído por “até” na segunda reedição þ 28B/28C: “em” é substituído por “a” na segunda reedição þ 29B/29C: “o” é suprimido na segunda reedição

na segunda reedição þ 16B/16C: o travessão que antecede “não está?” é suprimido na segunda reedição þ 17B/17C: o travessão que antecede “Tire” é suprimido na segunda reedição þ 18B/18C: o travessão que antecede “quantos” é suprimido na segunda reedição þ 19B/19C: o travessão que antecede “E a Oceania?” é suprimido na segunda reedição þ 20B/20C: o travessão é suprimido na segunda reedição þ 21B/21C: a vírgula após “vidrados” é suprimida na segunda reedição þ 24B/24C: “melhor, negra” não vem entre parêntesis na segunda reedição þ 37B/37C: após “ele” a vírgula é suprimida na segunda reedição þ 38B/38C: após “momento” o

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devorados pelo arco-íris).” na segunda reedição. þ 24B/24C: “em descer sobre” é substituído por “e cobrir” na segunda reedição; “Ou não desceriam nunca?” é suprimido na segunda reedição. þ 26B/26C: “a alguns metros” é substituído por “perto” na segunda reedição. þ 31B/31C: “é que eu sempre desejei” é substituído por “jamais quis” na segunda reedição. þ 32B/32C: “calma, e pensando bem as palavras.” é substituído por “dosando a gíria” na segunda reedição. þ 33B/33C: “primeira sugestão” é substituído por “idéia inicial” na segunda reedição; “foi a de” é substituído por “consistia em” na segunda reedição; “eu seria deixado aos cuidados do necrotério.” É substituído por “me deixariam no necrotério.” na segunda reedição. þ 34B/34C: “corpo sem vida” é substituído por “defunto” na

þ 30B/30C: “espesso” é suprimido na segunda reedição; “listas” é substituído por “listras” na segunda reedição þ 31B/31C: “amarelos” é substituído por “amarelados” na segunda reedição; “Tênue” é suprimido na segunda reedição þ 32B/32C: “já” é suprimido; “mais” é acrescentado na segunda reedição þ 33B/33C: “abandonada” é substituído por “rejeitada” na segunda reedição; “curta” é substituído por “breve; “eu” é substituído por “meu corpo” na segunda reedição þ 34B/34C: “Nesse” é substituído por “Neste” na segunda reedição; “é que” é suprimido na segunda reedição þ 35B/35C: “pequenas” é substituído por “garotas” na segunda reedição; “os companheiros” é suprimido na segunda reedição; “lamentar” é substituído por “condenar” na segunda reedição; “sua” é

ponto de exclamação é substituído por ponto final e colocado antes de fechar parêntesis þ 40B/40C: a vírgula após “precipício” é substituída por um travessão na segunda reedição þ 54B/54C: a vírgula após “nos conteve” é substituída por dois pontos na segunda reedição þ 59B/59C: a vírgula após ”Portanto” é suprimida na segunda reedição þ 60B/60C: a vírgula após “bebida” é suprimida na segunda reedição þ 61B/61C: o ponto e vírgula após “lírios” é substituído por vírgula na segunda reedição; a vírgula após “pescoço” é suprimida na segunda reedição þ 67B/67Cc: o ponto final é suprimido na segunda reedição þ 71B/71C: após “brilhou” é acrescentado ponto final na segunda reedição; após “ainda

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segunda reedição. þ 35B/35C: “que permanecia” é substituído por “permanecera” na segunda reedição; “desde o começo da discussão” é substituído por “no decorrer dos acontecimentos” na segunda reedição; “Necrotério, como se pensara inicialmente. No entanto, ninguém se propôs a discutir o aparte do rapaz.” é substituído por “cemitério.” na segunda reedição; “se chamava o rapazola” é substituído por “lhe chamavam” na segunda reedição; “que o levava a se interessar” é substituído por “interessar-se” na segunda reedição; “pela sorte de um” é substituído por “pelo destino” na segunda reedição. þ 36B/36C: “Jorginho, notando” é substituído por “O rapazola notou” na segunda reedição; “encolheu-se novamente em seu mutismo” é suprimido na segunda reedição; “uma composição de Zequinha de Abreu.” é suprimido na segunda reedição. þ 37B/37C: de “Não só” até

acrescentado na segunda reedição; “mulheres” é substituído por “pequenas” na segunda reedição þ 36B/36C: “acabava” é substituído por “acabara” na segunda reedição; “da” é substituído por “a” na segunda reedição (37B/37C) þ 38B/38C: “indiferentemente” é substituído por “indistintamente” na segunda reedição þ 39B/39C: “e” é suprimido na segunda reedição; “por fim” é suprimido na segunda reedição þ 40B/40C: “por fim” é escrito com letra maiúscula na segunda reedição; “e tenebroso” é suprimido na segunda reedição; “conviria” é substituído por “serviria”; “política” é escrito com letra maiúscula na segunda reedição; “em” é substituído por “de”; “mistério” é escrito no plural na segunda reedição þ 41B/41C: “convinham” é substituído por “interessavam” na primeira reedição

vivo” é acrescentado uma vírgula na segunda reedição

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“últimos dias de vida” é suprimido na segunda reedição; “como também pela sua mais do que razoável objeção, formulada debilmente” é substituído por “em virtude da sua razoável sugestão, debilmente formulada” na segunda reedição. þ 38B/38C: “foi possível expandir” é substituído por “ocorreu” na segunda reedição. þ 39B/39C: “inclusive a de deixar-me” até “ele no mundo!)” é suprimido na segunda reedição. þ 40B/40C: “que margeava a estrada,” é substituído por “que marginava um dos lados da estrada” na segunda reedição; “limpar o chão manchado de sangue, lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem a casa,” é substituído por “lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem a casa, limpar o chão manchado de sangue,” na segunda reedição; de” Além do mais” até “metra-românticos” é acrescentado na segunda reedição.

þ 42B/42C: “poderia” é acrescentado na segunda reedição; “ficasse” é substituído por “ficar”; “em” é substituído por “no” na segunda reedição; “e” é acrescentado na segunda reedição þ 49B/49C: “companheiros” é substituído por “amigos” na segunda reedição; “falando” é substituído por “falar” na segunda reedição þ 50B/50C: “uma” é suprimido na segunda reedição þ 51B/51C: “extinguiu” é substituído por “extinguira” na segunda reedição þ 55B/55C: “dos” é substituído por “de” na segunda reedição þ 57B/57C: “ensangüentadas” é suprimido na segunda reedição; “o” é suprimido na segunda reedição; “dispus” é substituído por “prontifiquei” na segunda reedição; “imediatamente” é substituído por “rapidamente” na segunda reedição

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þ 42B/42C: “a coincidência, que nunca foi muito minha amiga, poderia fazer com que” é suprimido na segunda reedição; “por pedregulhos, terra e vegetação e, assim, não chegasse jamais a ser” é substituído por “entre a vegetação, terra e pedregulhos.” na segunda reedição; “Se isso acontecesse,” é substituído por “se tal acontecesse jamais seria” na segunda reedição. “apareceria nas” é substituído por “ocuparia as” na segunda reedição. De “e o meu amigo” até “meu finado pai:” é suprimido na segunda reedição. þ 48B/48C: “gritei desesperado para os moços. Quero também dar a minha opinião!” é substituído por “também quero ser ouvido.” na segunda reedição. þ 49B/49C: “- o rapaz que anteriormente caíra na minha simpatia –“ é suprimido na segunda reedição; “todo e, dando” é suprimido na segunda reedição; “berro tremendo, tombou” é substituído por “soltou um grito surdo, tombando” na

þ 59B/59C: “os” e “as” são suprimidos na segunda reedição; “estas” é acrescentado na segunda reedição; “de” é substituído por “da” na segunda reedição þ 60B/60C: “transtornava” é substituído por “afetava” na segunda reedição þ 61B/61C: “de” é suprimido na segunda reedição; “eu” é suprimido; “a existência” é suprimido; “seu” é suprimido na segunda reedição; “transformado” é substituído por “transmudado” na segunda reedição; “um” é suprimido na segunda reedição; “de gesso” é substituído por “metálico” na segunda reedição þ 62B/62C: “semi-letargia” é escrito sem o aposto na segunda reedição þ 63B/63C: “me” é suprimido na segunda reedição þ 64B/64C: “ainda” é suprimido na segunda reedição

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segunda reedição. þ 50B/50C: “que, em vida me tornava vendedor de” é substituído por “a verdade é que, em vida, eu vencia” na segunda reedição. þ 51B/51C: de “Tanto que, após” até “fazer de mim.” é substituído por de “E a ela” até “prosseguimento.” na segunda reedição. “Para complicar ainda ais os fatos, eles” é substituído por “para tornar mais confusa a situação, sentiam a impossibilidade de” na segunda reedição; “que de costume se atribuem” é substituído por “geralmente atribuída” na segunda reedição. þ 52B/52C: “idéia verdadeiramente genial, talvez tivéssemos caído em um impasse difícil de ser resolvido.” é substituído por “sugestão, imediatamente aprovada, teríamos permanecido na” na segunda reedição. þ 53B/53C: “A solução partiu de um rapaz baixo e atarracado.

þ 65B/65C: “procurasse” é substituído por “procurando” na segunda reedição

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Consistia, nada mais, nada menos, em me incluir” é substituído por “Propunha incluir-me” na segunda reedição. þ 56B/56C: “me conformaria de maneira alguma em” é substituído por “aceitava” na segunda reedição; “sem uma companheira” é substituído por “desacompanhados” na segunda reedição. þ 57B/57C: “Outra vez” é suprimido na segunda reedição; “O mesmo” é acrescentado na segunda reedição. “de idéias geniais evitar maiores discussões,” é substituído por “que aconselhara a minha inclusão no grupo, encontrou a fórmula conciliatória,” na segunda reedição; “se deixasse na estrada o companheiro desmaiado.” é substituído por “abandonassem o colega desmaiado na estrada.” na segunda reedição. “E para que eu me apresentasse decentemente, acrescentou que seria melhor” é substituído por “Para melhorar o meu aspecto, concluiu, bastaria” na segunda reedição.

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þ 58B/58C: “à sugestão de se” é substituído por “em” na segunda reedição; “o imberbe admirador de Zequinha de Abreu,” é substituído por “o companheiro” na segunda reedição. þ 59B/59C: “de seu” é substituído por “do” na segunda reedição; “com dignidade” é acrescentado na segunda reedição; “não era razoável” é substituído por “era pouco razoável” na segunda reedição. þ 60B/60C: “se passou” é substituído por “aconteceu” na segunda reedição; “uma recordação” é substituído por “recordações” na segunda reedição. þ 61B/61C: “em forma de” é substituído por “transformados em” na segunda reedição; “loura, ex-par de Jorginho” é substituído por “ruiva, que me fora destinada” na segunda reedição. þ 62B/62C: “Quando o dia começou a clarear,” é substituído por “Ao clarear do dia,” na

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segunda reedição. þ 65B/65C: “de côres” é substituído por “policrômico” na segunda reedição. þ 66B/66Cc: “na minha mente se prolongou por muito tempo uma sensação dolorosa de” é substituído por “Por muito tempo se prolongou em mim” na segunda reedição; “desde aquele dia se agoniavam em uma tentativa de se acostumar” é suprimido na segunda reedição; “não se acomodavam” é acrescentado na segunda reedição; “que se descortinavam ante o meu olhar.” é substituído por “estendidas na minha frente.” na segunda reedição; de “Aos poucos” até “plenitude,” é substituído por “ainda havia o medo que sentia, desde aquela madrugada, quando constatei” na segunda reedição; “para sempre” é suprimido na segunda reedição; “desejei, então, fazer planos para” é substituído por “Não fosse o ceticismo dos homens, recusando-se aceitar-me vivo ou morto, eu poderia abrigar a ambição de construir” na

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segunda reedição. þ 67B/67Cc: “Nos primeiros momentos, torturado, sem saber o que me poderia acontecer no futuro, o desatino tornou a ser” é substituído por “Tinha ainda que lutar contra o desatino que, às vezes, se tornava” na segunda reedição; de “Foliava jornais” até “entrar em” é substituído por “e obrigava-me a buscar, ansioso, nos jornais, qualquer notícia que elucidasse o meu falecimento. Fiz várias tentativas para estabelecer” na segunda reedição; “A procura foi inútil, nenhum deles dava sinal de vida.” É substituído por “e o resultado foi desencorajador” na segunda reedição. þ 68B/68C: “Contudo, o sofrimento tornou-se menos intenso e agora não me incomoda a impossibilidade de provar quão real foi a minha morte, nem a” é substituído por “No passar dos meses, tornou-se menos intenso o meu sofrimento e menor a minha frustração ante a dificuldade de” na segunda reedição; “Zacarias, artista-

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pirotécnico” é substituído por “Artista pirotécnico de outros tempos” na segunda reedição. þ 69B/69C: “atormenta de vez em quando” é substituído por “oprime” na segunda edição. þ 70B/70C: “poderá reservar” é substituído por “reservará” na segunda reedição; “em um mundo onde” é substituído por “se” na segunda reedição; “aumenta assustadoramente” é suprimido na segunda reedição; “na sua plenitude é acrescentado na segunda reedição; “maior que a de todos os” é substituído por “superior a dos” na segunda reedição; “certos de que caminham ao lado de um monstro.” é suprimido na segunda reedição. þ 71B/71C: “Nas manhãs” é substituído por “Amanhã” na segunda reedição; “para ninguém” é suprimido na segunda reedição; “e então” é substituído por “Nessa hora” na segunda reedição; “mais que todos eles” é suprimido na segunda reedição; “está se

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aproximando” é substituído por “se aproxima” na segunda reedição.

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TABELA B “O EX-MÁGICO DA TABERNA MINHOTA”

Texto base: EXM Primeira reedição: OD Segunda reedição: OPZ þ 1, 1B § 1– L.1 Hoje sou funcionário publico. E êste não é o meu desconsôlo maior. þ 2, 2B § 2 – L.1 A verdade é que Ø não estava preparado para o sofrimento. þ 3, 3B § 2 – L.3 (...) enfrentar a avalanche a avalanche do tédio e da amargura. Pois, desde a meninice, acostumou-se às vicissitudes, (...) þ 4B § 4 - L.1 (...) cabelos ligeiramente grisalhos Ø no espêlho de um restaurante, A descoberta não me trouxe espanto algum, nem tão pouco admirei quando, ao levar a mão ao bolso, dele retirei o dono - do estabelecimento. Êste sim, encheu-se de perplexidade e me perguntou, apavorado, como podia ter feito aquilo. þ 5B § 5 - L.1 (...) uma pessoa que nem ao menos encontrava Ø explicação para a sua presença no mundo. þ 6B § 6 - L.1 Sem meditar na minha resposta, ou fazer outras perguntas, ofereceu-me um suculento almoço e passei, daquele momento em diante, a divertir a freguesia da Taberna Minhota com os meus passes mágicos. þ 5, 7B § 7 – L.1, L.10 Todavia, o homem Ø não gostou da minha prática de oferecer aos espectadores almoços gratuitos, que eu

þ 1A § l – L.1 Hoje sou funcionário publico Ø e êste não é o meu desconsolo maior. þ 2A § 2 – L.1 A verdade é que eu não estava preparado para o sofrimento. þ 3A § 2 – L.3 (...) enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois, desde a (...) þ 4A § 7 – L.7 (...) que, posto a par (...) þ 5A § 7 - L.7 (...) se eu cismasse em distribuir Ø ingressos graciosos para os espetaculos.

þ 1C §1 – L.1 Hoje sou funcionário público Ø e este não é o meu desconsolo maior. þ 2C § 2 – L.2 Na verdade, Ø eu não estava preparado para o sofrimento. þ 3C § 2 – L.3 (...) enfrentar a avalanche do tédio e da amargura, pois Ø desde a meninice Ø acostumou-se as vicissitudes, - (...) þ 4C § 4 - L.1 (...) cabelos ligeiramente grisalhos, no espelho da Taberna Minhota. A descoberta não me - espantou e tampouco me surpreendi do retirar do bolso o dono - do restaurante. Ele sim, perplexo, me perguntou Ø como podia - ter feito aquilo. þ 5-C § 5 - L.1 (...) uma pessoa que não encontrava a menor explicação para Ø sua presença no mundo. þ 6-C § 6 - L.1 Sem meditar na Ø resposta, ou fazer outras perguntas, ofereceu-me emprego e passei Ø daquele momento em diante a divertir e freguesia da casa com os meus - passes mágicos. þ 7-C § 7 – L.1 O homem, entretanto, não gostou da minha prática de oferecer aos espectadores almoços gratuitos, que eu

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fazia surgir, misteriosamente, de dentro do paletó. Considerando não ser dos melhores negócios aumentar o numero de fregueses sem um conseqüente acréscimo nos lucros, apresentou-me a um empresário de parque de diversões, que, posto ao par das minhas habilidades, propôs levar-me consigo. Antes, porém, foi advertido, muito judiciosamente que se prevenisse contra as minhas facécias, pois não seria estranho que eu cismasse em distribuir, gratuitamente, ingressos para os espetáculos. þ 8B § 8 - L.1 Contrariando os prognósticos Ø do primeiro patrão, o meu comportamento no Circo-Parque Andaluz foi exemplar. þ 9B § 8 - L.3 (...) apresentações em publico não só fizeram delirar multidões, como deram fabulosos lucros ao empresário þ 7, 8, 10B § 9 – L.1 A primeira reação da assistência era de repulsa pela minha figura magra, alheia a qualquer entusiasmo. Depois, quando, sem querer ou saber porque, começava a extrair do chapéu cobras, lagartos, coelhos, os assistentes ficavam frenéticos. O último número, sobretudo, constituía uma autêntica sensação. Eu fazia surgir, por entre os dedos, um gigantesco jacaré que, pelo seu exagerado tamanho, devia ser um crocodilo. O empresário, homem viajado e teimoso, dizia que não, e o numero ficou sendo o “do jacaré". Em seguida, pegando

þ 6A § 9 - L.2 Depois, quando, sem querer ou saber por que, eu começava (...) þ 7A § 9 - L.5 (...) constituía Ø autentica sensação. þ 8A § 9 - L.6 (...) Um gigantesco jacaré que, pelo seu Ø tamanho, deveria ser um crocodilo. O empresário, homem viajado e teimoso, discordava dos que assim pensavam, e o numero permeaneceu no cartaz "do jacaré”

extraía misteriosamente Ø de dentro do paletó. Considerando não ser dos melhores negócios aumentar fregueses sem o conseqüente acréscimo nos lucros, apresentou-me ao empresário do Circo-Parque Andaluz Ø que, posto a par das minhas habilidades, propôs contratar-me. Antes, porem, aconselhou-o que se prevenisse contra os meus truques, pois ninguém estranharia se me ocorresse a idéia de distribuir ingressos graciosos para os espetáculos. þ 8-C § 8 - L.1 Contrariando as previsões pessimistas do primeiro patrão, o meu comportamento Ø foi exemplar. þ 9-C § 8 - L.2 (...) apresentações em público não só empolgaram multidões, como deram fabulosos lucros aos donos da companhia. þ 10-C § 9 – L.1 A platéia, em geral, me recebia com frieza, talvez por não me exibir de casaca e cartola. Mas quando, sem querer Ø, começava a extrair do chapéu coelhos, cobras, lagartos, os assistentes vibravam. Sobretudo no último número Ø em que eu fazia surgir, por entre os dedos, um jacaré Ø. Em seguida, comprimindo o animal pelas extremidades, Ø transformava-o numa sanfona. E encerrava o espetáculo tocando Ø o Hino Nacional da Conchinchina. Os aplausos estrugiam de todos os lados, sob o meu olhar distante.

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o animal pelas extremidades, apertava-o nas mãos, transformando-o numa sanfona. E encerrava o espetáculo tocando, no instrumento, o Hino Nacional da Conchinchina. Os aplausos estrugiam de todos os lados, sob o meu olhar indiferente, distante. þ 9, 10, 11B § 10 – L.l O proprietário do Circo, que espreitava de longe, danava-se com a indiferença pelas palmas que recebia. Notadamente quando elas partiam das criancinhas – louras que me iam aplaudir (...)

þ 11 § 10 – L.4 Por que me emocionar? Se não me causava nenhuma pena aqueles rostinhos inocentes Ø que deveriam Ø passar ainda por todos os sofrimentos que acompanham o amadurecimento dos homens. O que eu poderia – e nem isso eu fazia – era observa-las com ódio, em virtude de possuírem tudo o que eu ambicionei e não pude ter — um nascimento e um passado. þ 12, 13B § 11 – L.1 (...) e minha vida passou a ser insuportável. þ 14B § 12 – L.1 Às vezes, de acordo com um habito que adquiri, estava sentado em algum café, olhando cismativamente os transeuntes que passavam na rua, quando ser ter

þ 9A § 10 – L.l O proprietário do circo, a me espreitar de longe Ø danava-se com o meu alheamento ante as palmas do publico. þ 10A § 10 – L.3 (...) criancinhas Ø que me iam aplaudir þ 11A § 10 – L.4 Por que me emocionar se não me causavam nenhuma pena aquêles rostinhos inocentes, destinados a passar Ø por todos os sofrimentos que acompanham o amadurecimento dos homens. Muito menos me ocorria Ø observá-las com ódio, em virtude de possuírem tudo Ø que Ø ambicionei e não pude ter — um nascimento e um passado. þ 12A § 11 – L.1 (...) a minha vida tornou-se insuportável. þ 13A § 12 – L.1 Às vezes, de acordo com um hábito recem-adquirido, estava sentado em algum café, olhando cismativamente o povo a desfilar pela calçada,

þ 11-C § 10 - L.1 O gerente do circo, a me espreitar de longe, danava-se com a minha indiferença pelas palmas da assistência. Notadamente se elas partiam das criancinhas Ø que me iam aplaudir (...) þ 11C § 10 - L.4 Por que me emocionar, se não me causavam Ø pena aqueles rostos inocentes, destinados a passar Ø pelos sofrimentos que acompanham o amadurecimento do homem? Muito menos me ocorria odiá-las por terem tudo Ø que Ø ambicionei e não tive: um nascimento e um passado. þ 13C § 11 - L.1 (...) a minha vida tornou-se insuportável. þ 14C § 12 - L.1 Às vezes, Ø sentado em algum café, a olhar cismativamente o povo desfilando na calçada. Ø arrancava do bolso pombos, gaivotas. maritacas. As

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consciência do que estava fazendo, arrancava do bolso um coelho ou um pombo. As pessoas que se encontravam nas mesas vizinhas, acreditando ter sido intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. þ 15B § 12 - L.8 (...) contra o mundo e os animais. þ 14, 16B § 13 – L.1 Se, distraidamente, abria as mãos, delas começavam a sair objetos esquisitos. A ponto de uma vez me surpreender Ø tirando da boca uma figura, depois outra. Por fim Øestava rodeado de figuras exóticas, sem saber o que fazer com elas. þ 17B § 14 – L.1 Somente òlhava para os lados, imlorando com os olhos (...) þ 18B § 15 - L.1 Situação verdadeiramente cruciante. þ 16, 19B § 16 - L.1 Se puxava o lenço par assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam próximos de mim, arrancando um pombo da algibeira. Se mexia na gola do paletó, logo via surgir do seu interior um pavoroso urubu. Outras vêzes, indo consertar o cordão do sapato, das minhas calças deslizava uma cobra. Mulheres e crianças gritavam espavoridas. Vinham guardas, ajuntavam-se os curiosos, um escândalo dos diabos. Tinha que comparecer a delegacia e ouvir, Ø pacientemente, da autoridade policial, que era

quando, sem ter consciência do meu gesto Ø arrancava do bôlso pombos, coelhos, andorinhas. As pessoas que se encontravam nas mesas vizinhas, julgando intencional o meu procedimento rompiam em estridentes gargalhadas. þ 14A § 13 – L.1 Se Ø distraidamente, abria as mãos, por entre os meus dedos escorregavam estranhos objetos. A ponto de Ø me surpreender, certa vez, tirando da boca uma figura, depois outra. Por fim, estava rodeado de figuras exóticas sem saber que destino dar a elas. þ 16A § 16 - L.1 Quase sempre, ao puxar o lenço para assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam perto de mim, arrancando um lençol do bolso. Se mexia na gola do paletó, logo via surgir do seu interior um pavoroso urubu. Outras vêzes, indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizava uma cobra.(...) Vinham guardas, ajuntavam-se Ø curiosos, um escândalo dos diabos. Tinha que comparecer a delegacia e ouvir, Ø da autoridade policial, ser proibido soltar cobras nas vias públicas.

pessoas que se encontravam nas imediações, julgando intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. þ 15-C § 12 - L.8 (...) contra o mundo e os pássaros. þ 16-C § 13 - L.1 Se, distraído, abria as mãos, delas escorregavam esquisitos objetos. A ponto de Ø me surpreender, certa vez, puxando da manga da camisa uma figura, depois outra. Por fim, estava rodeado de figuras estranhas, sem saber que destino lhes dar. þ 17C § 14 - L.1 Ø olhava para os lados e implorava com os olhos (...) þ 18-C § 15 - L.1 Situação Ø cruciante. þ 19C § 16 - L.1 Quase sempre, ao tirar o lenço para assoar o nariz, provocava o assombro dos que estavam próximos Ø, sacando um lençol do bolso. Se mexia na gola do paletó, logo aparecia um Ø urubu. Em outras ocasiões, indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizavam cobras. Mulheres e crianças gritavam Ø. Vinham guardas, ajuntavam-se Ø curiosos, um escândalo Ø. Tinha de comparecer à delegacia e ouvir Ø pacientemente Ø da autoridade policial ser proibido soltar serpentes nas

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proibido soltar cobras nas vias publicas. þ 17 § 17 - L.1 Não protestava. Tìmidamente mencionava a minha condição de mágico e afirmava o desejo de não molestar ninguém. þ 21B § 18 - L.1 Ø À noite, estava dormindo tranqüilamente, quando acordava sobressaltado: era um pássaro enorme que batera ruidosamente as asas ao sair do meu ouvido, que inconscientemente eu coçara durante o sono. þ 22B § 19 - L.1 Um dia, perdi, a paciência e cortei ambas as mãos, disposto a nunca méis fazer mágica. þ 23B § 20 - L.1 Observação Não adiantou. Ao primeiro movimento que fiz Ø com os dois tocos de braço, vi nascer, nas suas extremidades, duas mãos novinhas em fôlha. Acontecimento de desesperar qualquer um, principalmente um mágico, enfastiado de seu ofício. þ 20, 26B § 20 - L.1 Observação E sabem o que fiz? þ 24B § 21 – L.1 Urgia encontrar uma solução para meu tédio e desespero. þ 25B § 21 – L.2 (...) concluí que somente o suicídio (...)

þ 17A § 17 - L.1 Não protestava. Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, afirmando o meu propósito de não molestar ninguém. þ 18A § 18 - L.2 (...) era um pássaro enorme que, ruidoso, batera Ø as asas ao sair do meu ouvido. Ø þ 19A § 20 - L.5 (...), enfastiado do seu ofício. þ 21A Observação: Este parágrafo de O Ex-Mágico está incluído no § 22 de Os Dragões e Outros Contos.

vias publicas. þ 20-C § 17 - L.1 Tímido e humilde mencionava a minha condição de mágico, reafirmando o propósito de não molestar ninguém. þ 21-C § 18 - L.1 Também, à noite, em meio a um sono tranqüilo, costumava acordar sobressaltado: era um pássaro ruidoso que batera as asas ao sair do meu ouvido Ø. þ 22-C § 19 - L.1 Numa dessas vezes, irritado, disposto a nunca mais fazer mágicas, mutilei as mãos. Não adiantou. Ao primeiro movimento que fiz, elas reapareceram perfeitas nas pontas dos tocos dos braços. Acontecimento de desesperar qualquer pessoa, principalmente um mágico enfastiado do Ø ofício. 23C Observação: Em O Pirotécnico Zacarias, os parágrafos 19 e 20 de O Ex-Mágico estão condensados num só: (§ 19). þ 24C § 20 - L.1 Urgia encontrar Ø solução Ø desespero. þ 25C § 20 - L.2 (...) concluí que somente a morte (...) 26C Observação: O § 22 de O Ex-Mágico está incluído no § 24 de O Pirotécnico Zacarias.

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þ 21, 27B § 23 – L.1 Ø Arranquei dos bolsos uma dúzia de ferozes leões e, cruzando os braços, (...) No entanto, nenhum mal me fizeram. Rodearam-me, farejaram as minhas roupas, olharam para a paisagem Ø e se foram. þ 22, 28B § 24 – L.1 No dia imediato Ø regressaram e se puseram acintosamente, diante de mim. þ 23, 29B § 25 - L.1 O que desejam vocês, estúpidos animais?!- gritei Ø indignado. þ 24, 30B § 26 - L.1 Humildes, sacudindo tristemente as jubas, implorando-me que os fizesse desaparecer novamente: "Este mundo é tremendamente tedioso", concluíram. þ 31B Observação: 0 § 25 de O Pirotécnico Zacarias está incluído no § 26 de O Ex-Magico. þ 25, 26, 32B § 27 - L.1 Não me foi possível refrear a raiva, ouvindo tal despautério: matei-os leões e comí-os todos, esperando que morresse vitima de uma fatal indigestão. þ 27, 33B § 28 - L.1 Tive uma imensa dôr de barriga e continuei a viver, (...) þ 28, 29, 34B § 29 - L.1 O fracasso de mais aquela tentativa multiplicou a minha

þ 21A § 22 - L.1 Firme neste propósito, arranquei dos bolsos uma dúzia de ferozes leões e Ø cruzando os braços, (...) Nada, nenhum mal me fizeram. Rodearam-me, farejaram as minhas roupas, olharam para a paisagem, e se foram. þ 22A § 23 - L.1 No dia imediato. regressaram e se puseram acintosos, diante de mim. þ 23A § 24 – L.1 O que desejam Ø, estúpidos animais: — gritei, indignado. þ 24A § 25 – L.1 Ø Sacudiram com tristeza as jubas e imploraram-me que os fizesse desaparecer Ø : "Este mundo é tremendamente tedioso" - concluíram. - þ 25A § 26 – L.1 Não consegui refrear a raiva, (...) þ 27A § 27 - L.1 Tive Ø imensa dor de barriga e continuei a viver (...) þ 28A § 28 - L.1 Fugi da cidade e me dirigi Ø à serra.

þ 27-C § 21 - L.1 Firme no propósito, tirei dos bolsos uma dúzia de Ø leões e , cruzando os braços Ø aguardei o momento em que seria devorado por eles. Ø Nenhum mal me fizeram. Rodearam-me, farejarem Ø minhas roupas, olharam Ø a paisagem, e se foram. þ 28-C § 22 - L.1 Na manhã seguinte regressaram e se puseram, acintosos, (...) § 23 - L.1 O que desejam Ø, estúpidos animais?! gritei, (...) þ 30C § 24 - L.1 Sacudiram com tristeza as jubas e imploraram-me que os fizesse desaparecer Ø: þ 31C § 25 - L.1 - Este mundo é tremendamente tedioso - concluíram. þ 32C § 26 - L.1 Não consegui refrear e raiva Ø. Matei-os todos e me pus a devorá-los. Esperava morrer, vítima de Ø fatal indigestão. þ 33C § 27 - L.1 Tive Ø imensa dor de (...) þ 34C § 28 - L.1 O fracasso da Ø tentativa multiplicou Ø minha

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amargura. Fugi da cidade e me dirigi para a serra. Galguei o seu ponto mais alto, que dominava um escuro abismo, e abandonei o meu corpo no espaço. þ 30, 35-B § 30 - L.1 Mas tive apenas uma pequena sensação da vizinhança da morte: logo me vi amparado por um pára-quedas, que se desprendera não sei de onde. þ 31, 36B § 30 - L.4 (...) consegui retornar à cidade, onde a Ø primeira preocupação foi adquirir um revólver. þ 32, 37B § 31 - L.4 Chegando a casa, não esperei por mais nada: levei a arma ao ouvido e puxei o gatilho. Tinha fechado os olhos esperando o estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça Ø ou qualquer outra sensação. þ 38B § 32 - L.1 Observação: Tinha fechado os olhos esperando o estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça ou qualquer outra sensação. þ 33, 39B § 33 - L.1 Pecado dos pecados! Não veio o estampido nem a morte: o revólver se transformara num lápis. þ 34, 40B § 34 - L.1 Caí no chão Ø chorando, arrancando os cabelos. Eu, que possuía o dom de criar outros seres, não encontrava um meio de me libertar da existência.

þ 29A § 28 - L.4 (...) e abandonei o Ø corpo no espaço. þ 30A § 29 - L.1 Ø Tive apenas (...) þ 31A § 29 - L.4 (...) consegui retornar a cidade onde a minha primeira providência foi adquirir um revólver. þ 32A § 30 - L.1 Ao chegar a casa, estendi-me na cama e levei a arma ao ouvido. Puxei o gatilho, Ø esperando o estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça ou qualquer outra sensação. þ 33A § 31 - L.1 Não veio o disparo nem a morte: o revólver transformara-se num lápis. þ 34A § 32 - L.1 Cai ao chão, soluçando, arrancando os cabelos. (...) não encontrava um meio de libertar-me da existência.

frustração, Afastei-me da zona urbana e busquei a serra. Ao alcançar Ø seu ponto mais alto, que dominava Ø escuro abismo, Ø abandonei o Ø corpo ao espaço. þ 35-C § 29 - L.1 Senti apenas uma leve sensação da vizinhança da morte: logo me vi amparado por um pára-quedas Ø (...) þ 36-C § 29 - L.3 (...) conseguir regressar a cidade, onde a minha primeira providência foi adquirir uma pistola. þ 37-C § 30 - L.1 Em casa, estendido na cama, levei a arma ao ouvido. Puxei o gatilho, à espera do estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça Ø. 38C Observação: Este parágrafo, em O Pirotécnico Zacarias, engloba os parágrafos 31 e 32 de O Ex-Magico. þ 39-C § 31 - L.1 Ø Não veio o disparo nem a morte: a mauser se transformara num lápis. þ 40-C § 32 - L.1 Rolei ate o chão, soluçando Ø. Eu, que podia Ø criar outros seres, não encontrava Ø meios de libertar-me da existência.

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þ 35, 41B § 35 - L.1 Uma frase que escutara, por acaso, na rua Ø trouxe—me novamente grande esperança de romper Ø definitivamente Ø com a vida. Ouvira de um homem, marcado pelo acabrunhamento, que ser funcionário público era suicidar-se lentamente. þ 36, 42B, 43B § 36 - L.1 Não estava mais em condições de determinar qual a forma de suicídio que melhor me convinha — se lenta ou rápida. Por isso, empreguei-me numa Secretarie de Estado. þ 37, 44B § 37 - L.1 1930, ano cruel! Foi muito mais longo do que os dois que seguiram à primeira constatação que tive da minha experiência, ante o espelho da Taberna Minhota. þ 38, 45B, 46B § 38 - L.1 Não morri, como esperava, e os meus dissabores foram bem maiores do que os que sofri anteriormente. Quando era mágico,(...) Agora, que vivia em constante contato com os meus semelhantes, precisava compreendê-los, disfarçar o horror que sentia, contemplando as suas faces. þ 39 § 39 - L.1 O pior é que, sendo diminuto o meu serviço, via-me, freqüentemente, na contingência de permanecer horas e horas à-toa. þ 40, 47B § 39 - L.6

þ 35A § 33 - L.1 Uma frase que escutara, por acaso, na rua, trouxe-me nova Ø esperança de romper, em definitivo, com a vida. Ouvira de um homem, marcado pelo acabrunhamento, que ser funcionário público era suicidar-se a longo prazo. þ 36A § 34 - L.1 Não me encontrava em condições de determinar qual a forma de suicídio que melhor convinha aos meus planos: se lenta ou rápido. Por isso Ø empreguei-me numa Secretaria do estado. þ 37A § 35 - L.1 1930, ano amargo! Foi Ø mais longo do que os posteriores à primeira manifestação que tive da minha existência, ante o espelho da Taberna Minhota. þ 38A § 36 - L.1 Não morri, conforme esperava. Maiores foram as minhas aflições, maior o meu desamparo. þ 38Aa § 37 - L.1 Quando era mágico, (...) Agora, obrigado a constante contato com os meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam as suas pequenas almas. þ 39A § 38 - L.1 O pior é que, sendo diminuto o meu serviço Ø via-me Ø na contingência de permanecer à-toa horas a fio. þ 40A § 38 - L.5

þ 41-C § 33 - L.1 Uma frase que escutara por acaso, na rua, trouxe-me nova Ø esperança de romper em definitivo com a vida. Ouvira de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos poucos. þ 42-C § 34 - L.1 Não me encontrava em condições de (...) þ 43C § 34 - L.2 (...) suicídio que melhor me convinha: se lenta ou rápida. Por isso Ø (...) þ 44-C 35 - L.1 1930, ano amargo. Foi Ø mais longo Ø que os posteriores à primeira manifestação (...) þ 45C § 36 - L.1 Não morri, conforme esperava. Maiores foram as minhas aflições, maior o meu desconsolo. þ 46-C § 37 – L.2 Quando era mágico, pouco lidava com os homens - o palco me distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com Ø meus semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que me causavam. Observação: O § 37 de O Pirotécnico Zacarias esta incluído no § 38 de O Ex-Mágico. þ 47C § 38 - L.5

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A minha vida flutuava confusa - por entre poucas recordações Ø que conseguira acumular em três anos Ø. þ 41, 48B § 40 - L.1 A paixão que me veio por uma funcionaria, que trabalhava na mesa fronteira a minha, distraiu-me um pouco do enervamento que me torturava. þ 42, 49B § 41 - L.1 Cedo voltaram-me as preocupações: debatia-me em incertezas. þ 43, 50B § 41 - L.3 Se nunca eu fizera uma declaração de amor e não tivera sequer ainda uma experiência sentimental! þ 44, 45, 51B § 42 - L.2 Observação (...) e o desprêzo da datilógrafa, que se recusava a me amar. Ante as ameaças Ø, (...) procurei acaucatelar os meus interesses. (Não que me importasse emprego. O meu temor era de ficar longe da mulher que me negara o seu afeto, mas cuja presença me era agora indispensável). þ 46, 52B § 43 - L.1 (...) declarei, formalmente, que Não podia ser demitido, pois tendo para mais de dez anos de casa, havia alcançado estabilidade no cargo. þ 53B § 44 - L.1 (...) encarando-me bem, disse que estava atônito com o meu descaramento: nunca poderia supor que alguém, com um ano de trabalho, tivesse a ousadia de afirmar que tinha dez!

Os meus dias flutuavam confusos por entre pobres recordações, acumuladas em três anos de vida. þ 41A § 39 - L.1 O amor que me veio por uma funcionária vizinhe de mesa de trabalho, distraiu-me um pouco do meu aborrecimento. þ 42A § 40 - L.1 Cedo voltaram Ø as preocupações: debatia-me em incertezas. þ 43A § 40 – L.3 Se nunca Ø fizera uma declaração de amor e não tivera sequer Ø uma experiência sentimental: þ 44A § 41 - L.3 (...) e o desprezo da datilógrafa, que me recusava Ø amar. Ante o perigo, (...) þ 45A § 41 - L.4 O meu temor era o de ficar longe da mulher que me negara o seu afeto (...) þ 46A § 42 - L.3 (...) atingira estabilidade no cargo

Os meus dias flutuavam confusos, mesclados com pobres recordações, pequeno saldo de três anos de vida. þ 48C § 39 - L.1 O amor que me veio por uma funcionária, vizinha de mesa de trabalho, distraiu-me um pouco das minhas inquietações. þ 49C § 40 - L.1 Cedo retornou o desassossego, debatia-me em incertezas. þ 50C § 40 - L.2 Se nunca Ø fizera uma declaração de amor e não tivera sequer Ø uma experiência sentimental! þ 51C § 42 - L.2 (...) e a recusa da datilografa, em me aceitar. Ante o risco de ser demitido procurei acautelar Ø meus interesses. (Não Ø me importava o emprego. Somente temia ficar longe da mulher que me rejeitara, mas cuja presença me era agora indispensável). þ 52C § 42 - L.1 (...) declarei Ø que não podia ser dispensado, pois tendo Ø dez anos de casa, adquirira estabilidade no cargo. þ 53C § 43 - L.1 (...) Fechando a cara, disse que estava atônito com o meu cinismo. Jamais poderia esperar de alguém, com um ano de trabalho, tivesse a ousadia de afirmar que tinha dez.

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þ 47, 48, 54B § 45 - L.1 Observação Para Ø provar que não estava sendo ousado ou mentiroso, meti a mão no bolso afim de lhe mostrar os documentos que confirmava a minha alegação. Porem, quando a retirei, nela trazia apenas um papel amarrotado - fragmento de um poema que tentara fazer, inspirado nas belas pernas da empedernida datilógrafa. þ 55B § 47 - L.1 Resolvi, com ansiedade, todos os bolsos (...) þ 49, 56B § 48 - L.1 Envergonhado, confessei que o mundo acabara de me aniquilar. Confiara demasiadamente na minha faculdade de fazer mágicas. E ela fôra anulada pela burocracia. þ 50, 57B § 49 - L.1 Observação Não sabia mais que rumo dar a minha vida; a única vez que desejara, conscientemente, transformar os acontecimentos, fracassara lamentavelmente. þ 51, 52, 58B § 50 - L.1 (...) não posso abandonar a pior das profissões humanas. Sem o amor de minha companheira de trabalho, sem amigos, ando à noite por lugares solitários. Sou visto, muitas vezes, levando as mão aos bolsos e delas

þ 47A § 44 - L.1 Para lhe provar Ø não ser mentirosa a afirmação, procurei nos bolsos os documentos que comprovavam a lisura do meu procedimento. Estupefato, dêles retirei apenas um papel amarrotado — fragmento de um poema Ø inspirado nos olhos da empedernida datilografa. þ 49A § 46 - L.1 Envergonhado, tive que confessar a derrota. Confiara demais na minha faculdade de fazer mágicas e ela fora anulada pele burocracia. þ 50A § 47 - L.3 (...) fracassara de forma lamentável. þ 51A § 48 - L.2 Falta-me o amor da Ø companheira de trabalho, a presença de amigos o que me obriga a andar por lugares solitários. Sou visto, muitas vezes, levando mão aos bolsos (...)

þ 54C § 44 - L.1 Para lhe provar não ser leviana a minha atitude, procurei nos bolsos os documentos que comprovavam a lisura do meu procedimento. Estupefato, deles retirei apenas um papel amarrotado — fragmento de um poema Ø inspirado nos seios da Ø datilografa. 54Cc Observação: Este parágrafo de Os Dragões e Outros Contos (§ 44) inclui o § 46 de O Ex-Mágico. þ 55C § 45 - L.1 Resolvi, ansioso, todos os bolsos (...) þ 56C § 46 - L.1 Tive que confessar minha derrota. Confiara demais na Ø faculdade de fazer mágicas Ø e ela fora anulada pela burocracia. 57C Observação: Parágrafo suprimido. þ 58C § 47 - L.1 (...) não consigo abandonar a pior das ocupações humanas. Falta-me o amor da Ø companheira de trabalho, a presença de amigos, o que me obriga a andar por lugares solitários. Sou visto Ø muitas vezes Ø

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retirando, com as pontas dos dedos Ø qualquer cousa que ninguém enxerga, (...) þ 59B § 51 - L.1 Pensam que estou louco. Principalmente quando (...) þ 53, 60B § 51 - L.2 (...) pequeninas cousas invisíveis. þ 54, 61B § 52 - L.1 Tenho a ilusão de que é um pombo que se desvencilhou dos meus dedos e suspiro alto e fundo. þ 55, 62B § 53 - L.1 Não me consola a ilusão. Serve apenas para aumentar o arrependimento de não ter realizado uma porção de cousas maravilhosas que, estupidamente não realizei. þ 56, 57, 58, 59 63B § 54 - L.1 Ø Imagino como não seria lindo arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, negros: encher a noite de fogos de artifício; erguer o rosto para o céu e deixar que, pelos meus lábios, saísse o maior dos arco-íris jamais visto. Um arco-íris que fôsse de um extremo a outro do mundo e cobrisse todos os homens. E os aplausos irrompendo de vários pontos da terra. Ø Os aplausos dos homens – de cabelos brancos, das louras criancinhas. þ 60, 64B § 55 - L.1 Observação Como eu amo agora as criancinhas!

þ 52A § 48 - L.6 qualquer coisa (...) þ 53A § 49 - L.2 (...) pequeninas coisas invisíveis. þ 54A § 50 - L.1 (...) pombo a se desvencilhar dos meus dedos. Suspiro alto fundo. þ 55A § 51 – L.2 (...) o arrependimento de não ter realizado todo um mundo mágico que, estüpidamente não realizei. þ 56A § 52 - L.1 Imagino como Ø seria maravilhoso arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis, brancos, verdes. Encher a noite de fogos de artifício. Erguer o rosto (...) þ 57A § 52 - L.5 (...) de um extremo a outro da terra e (...) þ 58A § 52 - L.6 (...) vários pontos do mundo. þ 59A § 52 - L.8 (...) das meigas criancinhas. þ 60A § 53 - L.1 as criancinhas.

procurando retirar com Ø os dedos do interior da roupa, qualquer coisa que ninguém enxerga,(...) þ 59C § 48 - L.1 Pensam que estou louco, principalmente quando (...) þ 60C § 48 - L.2 (...) pequeninas coisas. Ø þ 61C § 49 - L.1 Tenho a impressão de que é uma andorinha a se desvencilhar das minhas mãos. Suspiro alto e fundo. þ 62C § 50 - L.1 Não me conforta a ilusão. Serve somente para aumentar o arrependimento de não ter criado todo um inundo mágico. þ 63C § 51 - L.1 Por instantes, imagino como Ø seria maravilhoso arrancar do corpo lenços vermelhos, azuis , brancos, verdes. Encher a noite com fogos de artifício. Erguer o rosto para o céu e deixar que Ø pelos meus lábios Ø saísse o Ø arco-íris. Ø Um arco-íris que cobrisse a terra de um extremo a outro. Ø E os aplausos dos homens de cabelos brancos, das meigas criancinhas. Observação: Parágrafo suprimido.

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TABELA B “O PIROTÉCNICO ZACARIAS”

Texto base: EXM Primeira reedição: OD Segunda reedição: OPZ

þ 1, 1B § 1 - L.2 (...) ou Ø pessoas de minhas relações não surja esta pergunta: – Teria morrido o pirotécnico Zacarias? þ 2, 2B, 3B, 4B § 2 - L.2 Uns acham que estou vivo; que o "morto" apenas tinha alguma semelhança comigo. Outros, mais supersticiosos, afirmam que s minha morte pertence ao rol das cousas líquidas e consumadas e que o indivíduo a quem andam chamando Zacarias não passa de uma alma penada Ø envolvida por um pobre invólucro humano. Ainda há os que, afirmando categoricamente a minha morte, dizem que o cidadão Zacarias existente Ø não é o Zacarias, Ø artista-pirotécnico, (...) þ 3, 5B § 3 - L.1 Uma cousa – e é o que mais desnorteia os meus amigos – ninguém discute: (...) þ 4, 6B § 4 - L.2 (...) seria eu. Mas estou impossibilitado de fazer, pela simples razão de que os meus companheiros fogem de mim, mal me avistem pela frente. E, quando apanhados de surpresa, não lhes é possível escapar à minha presença. (...) þ 5 § 4 - L.6 (...) ficam estarrecidos e não conseguem articular uma palavra. þ 6, 7, 7B § 5 - L.l Em verdade eu morri, o que vem de encontro à versão dos que acreditam na minha morte. Por outro lado, também não morri, pois não fui enterrado e faço tudo o que fazia antes e Ø com muito mais prazer do que

þ 1A § 1 - L.2 (...) ou de pessoas das minhas relações, (...) þ 2A § 2 - L.2 (...) estou vivo Ø o Ø morto Ø tinha apenas alguma semelhança comigo. Outros, mais supersticiosos, acreditam que a minha morte pertence ao rol das coisas Ø consumadas e Ø o indivíduo a quem andam chamando Zacarias não passa de uma alma penada, envolvida por um pobre invólucro humano. Ainda há os que, afirmando de maneira categórica o meu falecimento, não aceitam o cidadão existente como sendo Zacarias, o artista pirotécnico, (...) þ 3A § 3 L.1 Uma coisa – e o que mais desnorteie os interessados (...) þ 4A § 4 - L.2 Porém estou impedido de fazê-lo, pela simples razão de que os meus companheiros fogem de mim, tão logo me avistam pela frente. þ 5A § 4 - L.6 (...) ficam estarrecidos, impossibilitados de articular uma palavra. þ 5A § 5 - L.l Em verdade Ø morri, o que vem ao encontro da versão (...) þ 7A § 5 - L.2 Por outro lado, também não estou morto, pois Ø faço tudo o que anteriormente fazia e, devo

þ 1C § 1 - L.2 (...) ou de pessoas das minhas relações, não surja esta pergunta. Ø Teria morrido o pirotécnico Zacarias? þ 2C § 2 - L.1 Uns acham que estou vivo; Ø o Ø morto Ø tinha apenas (...) þ 3C § 2 - L.3 (...) acreditam que a minha morte pertence ao rol Ø dos fatos consumados e Ø o indivíduo a quem andam chamando Zacarias não passa de uma alma penada envolvida por um pobre invólucro humano. þ 4C § 2 - L.6 Ainda ha os que Ø afirmam de maneira categórica o meu falecimento e não aceitam o cidadão existente como sendo Zacarias, o artista Ø pirotécnico, (...) þ 5C § 3 - L.1 Uma coisa Ø ninguém discute (...) þ 6C § 4 - L.2 (...) sou eu. Porém estou impedido de fazê-lo porque os meus companheiros fogem de mim, tão logo me avistam pela frente. Ø Quando apanhados de surpresa, Ø (...) þ 7C § 5 - L.l Em verdade Ø morri, o que vem de encontro à versão dos que crêem na minha morte. Por outro lado, também não estou morto, pois Ø faço tudo o que antes fazia e, devo dizer, com Ø

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na minha existência anterior. þ 8, 8B § 6 –L.1 Com isso não pretendo, absolutamente, afirmar que estou vivendo urna outra vida. Não. Sou daquêles que acreditam que se vive só uma vez. þ 9, 9B § 7 - L.2 Um negro Ø cheio de listas vermelhas, de um vermelho compacto Ø semelhante a densas fitas de sangue: Sangue pastoso (...) þ 10, 10B, 11B § 11 - L.1 (...) como se lhe faltasse o apoio do sol. Em seguida fui arrastado por uma fôrça poderosa e irresistível. Em vão tentei agarrar-me as arvores, cujas ramagens retorcidas e puxadas para cima. (...) þ 11, 12B § 11 - L.5 Nas mãos eu levava Ø uma roda de fogo, Ø a girar com grande velocidade por entre êles, sem queimá-las, todavia. Mais adiante o circulo de fogo se multiplicou em cores. þ 12, 13B § 12 - L.1 - "Meus senhores: Na luta vence o mais forte e o momento é de decisões supremas. – Os que quiserem sobreviver (...) þ 13, 14B § 13 - L.l (Ao meu lado dançavam fogos de artifício. O arco-íris engulia tudo). þ 15B § 14 - L.l – Simplício Santana de Alvarenga! þ 16B § 15 - L.l – Não está? þ 17B § 16 - L.l

dizer, com mais agrado do que antes. þ 8A Observação: Parágrafo suprimido. þ 9A §6 - L.2 Um negro espesso cheio de listas vermelhas, de um vermelho compacto, semelhante a densas fitas de sangue: sangue pastoso (...) þ 10A § 10 - L.1 (...) como se lhe faltasse o apoio do solo. Em seguida, fui arrestado por uma fôrça poderosa, Ø irresistível. Ø Tentei agarrar-me as árvores, cujas ramagens retorcidas, puxadas pare cima, (...) þ 11A § 10 - L.5 Alcancei, mais adiante, com as mãos, uma roda de fogo, que se pôs a girar com grande de por entre ela, sem queimá-las, todavia. Ø þ 12A § 11 - L.1 (...) na luta vence o mais forte e o momento é de decisões supremas. Ø Os que desejarem sobreviver (...) þ 13A § 12 - L.1 (...) dançavam fogos de artifício, logo devorados pelo arco-íris); - - -

mais agrado do que anteriormente. þ 8C Observação: Parágrafo suprimido. þ 9C § 6 - L.1 Um negro espesso, cheio de listras vermelhas, de um vermelho compacto, semelhante a densas fitas de sangue. Sangue pastoso (...) þ 10C § 10 - L.2 (...) o apoio do solo. þ 11C § 10 - L.3 (...) força poderosa, irresistível. Ø Tentei agarrar-me as árvores, cujas ramagens retorcidas, puxadas para cima, (...) þ 12C 10 - L.5 Alcancei mais adiante, com as mãos, uma roda de fogo, que se pôs a girar com grande velocidade por entre elas, sem queimá-las, todavia. Ø þ 13C § 11 - L.l - "Meus senhores: na luta vence o mais forte e o momento é de decisões supremas. Ø Os que desejarem (...) þ 14C § 12 - L.l (Ao meu lado dançavam fogos de artifício, logo devorados pelo arco-íris.) þ 15C § 13 - L.l Ø Simplício Santana de Alvarenga! þ 16C § 14 – L.l Ø Não está? þ 17C § 15 - L.1 Ø Tire a mão da boca, Zacarias!

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– Tire a mão de boca, Zacarias- þ 18B § 17 - L.l – Quantos são os continentes? þ 19B § 18 - L.l – E a Oceania? þ 14, 20B § 19 - L.1 – Dos mares da China (...) þ 15, 21B § 20 - L.1 (...) os olhos vidrados Ø saltando das órbitas, empunhava na mão direita uma dúzia de foguetes. þ 16, 17, 22B § 20 - L.5 (...) os pés distanciados uns dez metros do assoalho e a cabeça, coberta por fios de barbante, quase encostada ao teto.

þ 18, 23B § 23 - L.1 A única verdade, porém, era que d. Josefina havia morrido vinte anos antes, isto é, algum tempo depois que papai tomou por hábito nos contar, à noite as suas reminicências de infância. þ 19, 24B § 24 - L.1 (Escura? Melhor, negra). Os filamentos brancos não tardariam em descer sôbre o céu, Ou não desceriam nunca? þ 20, 25B § 25 - L.1 Estrada do Acaba mundo: þ 21 § 25 - L.2 (...) silêncio, mais sombras que silêncio. þ 22, 26B § 26 - L.1 E nem quando já se encontrava a alguns metros de mim, (...)

- - þ 14A § 18 - L,l Ø Dos mares da China (.,.) þ 15A § 19 - L.1 (...) os olhos vidrados, Ø empunhava na mão direita uma dúzia de foguetes þ 16A § 19 - L.4 (...) os pés distanciados uns dois metros do assoalho (...) þ 17A § 19 - L.5 (...) coberta por fios de barbante, quase encostada no teto þ 18A Observação: Parágrafo suprimido. þ 19A § 22 - L.1 Ø Melhor, negra Ø . Os filamentos brancos não tardariam cobrir o céu, Ø þ 20A § 23 - L.1 Estrada do Acaba Mundo: þ 21A § 23 - L.2 ( . ..) sombras; mais silêncio que sombras. þ 22A § 24 - L.1 E nem quando já se encontrava perto de mim, (...)

-

þ 18C § 16 - L.l Ø Quantos são os continentes? þ 19C § 17 - L.l Ø E a Oceania? þ 20C §18- L.l Ø Dos mares da China (...) þ 21 C § 19 - L.l (...) os olhos vidrados Ø, empunhava na mão direita (...) þ 22C § 19 - L.4 (...) uns dois metros do assoalho e a cabeça, coberta por fios de barbante, quase encostada no teto. þ 23C Em O Pirotécnico Zacarias este parágrafo foi suprimido.

þ 24C § 22 - L.l - Ø Melhor, negra Ø. Os filamentos tos brancos não tardariam a cobrir o céu, Ø þ 25C § 23 - L.l Estrada do Acaba Mundo: - þ 26C § 24 - L.l (...) já se encontrava perto de mim, (...)

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þ 27B § 26 - L.4 (...) sôbre a terra. þ 28B § 27 - L.2 (...) demoraram em desmaiar þ 23, 29B § 27 - L.4 (...) puseram a discutir qual Ø melhor destino (...) þ 24, 30B § 28 - L.2 Um negro Ø cheio de listas vermelhas, (...) þ 25, 26, 27, 31B § 28 - L.3 Sangue pastoso Ø com pigmentos amarelos, de um amarelo esverdeado, tênue, quase sem côr. Sem côr é que eu sempre desejei viver. Viver, cansar bem os músculos Ø andando pelas ruas (...) þ 28, 32B § 29 - L.2 (...) os rapazes já não Ø discutiam baixinho. Falavam com naturalidade, calma, e pesando bem as palavras. þ 29, 33B § 31 - L.l A primeira sugestão, logo abandonada, foi a de me transportar para a cidade, onde eu seria deixado aos cuidados do Necrotério. Após curta discussão, todos os argumentos analisados com frieza, prevaleceu a opinião de que eu poderia sujar o carro. þ 30, 31, 34B § 31 - L.6 (...) moças não se conformarem em viajar (...) ao lado de um corpo sem vida. (Nesse ponto é que elês estavam redondamente enganados, (...) þ 32, 33, 34, 35B § 32 - L.2 (...) e que permanecia calado e aflito desde o começo da discussão -- propôs que se deixassem as pequenas na estrada e me levassem para o

þ 23A § 25 - L.4 (...) qual o melhor destino (...) þ 24A § 26 - L.2 Um negro espesso cheio de listas vermelhas, (...) þ 25A § 26 - L.3 Sangue pastoso, com pigmentos amarelos, (...) þ 26A § 26 - L.5 Sem côr jamais quis viver, þ 27A § 26 - L.6 (...) cansar bem os músculos, andando (...) þ 28A § 27 - L.2 Falavam com naturalidade, Ø pesando bem as palavras. þ 29A § 29 - L.2 (...) onde eu seria deixado no necrotério. þ 30A § 29 - L.5 (...) moças não se conformarem a viajar (...) þ 31A § 29 - L.6 (Neste ponto Ø êles estavam redondamente enganados, (...) þ 32A § 30 - L.2 (...) permanecera calado e aflito no decorrer da discussão (...) þ 33A § 30 - L.4 (...) para o necrotério, (...) þ 34A § 30 - L.5 No entanto, ninguém levou a

þ 27C § 24 – L.4 (...) até a terra. þ 28C § 25 – L.2 (...) demoraram a desmaiar þ 29C § 25 - L.3 (...) puseram a discutir qual o melhor destino (...) þ 30C § 26 - L.l Um negro espesso, cheio de listras vermelhas, (...) þ 31C § 26 - L.3 Sangue pastoso, com pigmentos amarelados, de um amarelo esverdeado, Ø quase sem cor. Sem cor jamais quis viver. Viver, cansar os músculos, andando pelas ruas (...) þ 32C § 27 - L.1 (...) os rapazes Ø não mais discutiam baixinho. Falavam com naturalidade, Ø dosando a gíria. þ 33C § 29 - L.l A idéia inicial, logo rejeitada. consistia em me transportar para a cidade, onde me deixariam no necrotério. Após breve discussão, todos os argumentos analisados com frieza, prevaleceu a opinião de que meu corpo ria sujar o carro. þ 34C § 29 - L.6 (...) ao lado de um defunto. (Neste ponto Ø êles estavam (...) þ 35C § 30 - L.2 (...) e Ø permanecera calado e aflito no decorrer dos acontecimentos –propôs que se deixassem as garotas na estrada e me levassem pare o cemitério Ø. Os companheiros

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Necrotério, como se pensara inicialmente. No entanto, ninguém se dispôs a discutir o aparte do rapaz. Limitaram-se os companheiros a lamentar o mau gosto de Jorginho – assim se chamava o rapazola – e a insensatez que o levava a se interessar mais pela sorte de um cadáver Ø que pelas lindas mulheres que os acompanhavam. þ 35, 36B, 37B, 38B § 33 - L.1 Jorginho, notando a bobagem que acabava de proferir, encolheu-se novamente em seu mutismo e, sem encarar de frente os componentes da roda, pôs-se a assoviar, visivelmente encabulado, uma composição de Zequinha de Abreu. Não pude evitar a minha imediata simpatia por êle. Não só pela afinidade musical em que sentia estarmos intimamente ligados (a musica de Zequinha de Abreu foi o derradeiro encanto dos meus últimos dias de vida), como também pela sua mais do que razoável objeção, formulada débilmente aos que decidiam da minha sorte. Afinal, as longas caminhadas cansaço indiferentemente defuntos e vivos. (Este argumento não me foi possível expender no momento!). þ 36 Observação: Parágrafo 34 e 35 de O Ex-Mágico foram condensados em um só no Pirotécnico Zacarias. þ 37, 39B § 34 – L.l Discutiram em seguida outras soluções Ø, inclusive a de deixar-me abandonado na estrada, deserta, fria e escura.

sério a sugestão do rapaz. Limitaram-se os companheiros a condenar o mau gosto de Jorginho – esse era o seu nome – e a insensatez que o levava a interessar-se mais pela sorte de um cadáver do que pelas lindas pequenas que os acompanhavam. þ 35A § 31 - L.1 O rapazola, notando a bobagem que acabara de proferir, encolheu-se de novo ao seu mutismo e, sem encarar de frente os que compunham a roda, pôs-se a assoviar, visivelmente encabulado. Ø þ 36A § 32 - L.1 Não pude evitar a minha imediata simpatia por êle, em virtude da sua mais Ø que razoável proposta, débilmente formulada aos que decidiam a minha sorte, Afinal, as longas caminhadas cansam indistintamente defuntos e vivos. þ 37A § 33 - L.1 Discutirem em seguida outras soluções e, Ø por fim, consideram que me lançar ao precipício – um fundo e

não deram, importância e proposta. Limitaram—se Ø a condenar o mau gosto de Jorginho --- assim lhe chamavam Ø – e a sua insensatez Ø em interessar-se mais pelo destino do cadáver do que pelas lindas pequenas que os acompanhavam. þ 36C § 31 - L.1 O rapazola Ø notou a bobagem que acabara de proferir Ø e, sem encarar de frente os componentes da roda, pôs-se a assoviar, visivelmente encabulado Ø. þ 37C § 32 - L.1 Não pude evitar a minha imediata simpatia por êle, Ø em virtude da sugestão. débilmente formulada aos que decidiam a minha sorte. þ 38C § 32 - L.3 Afinal, as longas caminhadas cansam indistintamente defuntos e vivos, (Este argumento não me ocorreu no momento.) þ 39C § 33 - L.l Discutiram em seguida outras soluções e, Ø por fim, consideraram que me lançar ao precipício um fundo Ø

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(Um pobre cadáver sem família, sem ninguém por êle no mundo!) þ 38, 40B § 35 – L.1 Por fim Ø consideram que me lançar ao precipício – um fundo e tenebroso precipício, que marginava um dos lados da estrada – lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem em casa, limpar o chão manchado de sangue, seria o alvitre mais adequado ao caso e o que melhor serviria a possíveis complicações com a Polícia, sempre ávida em achar mistérios onde nada existe de misterioso. Ø Além do mais o mistério – que os jornalistas, como a Policia, gostam de encontrar em cadáveres abandonados em precipícios – era um estimulante para a imaginação romântica dos moços. E os que velavam o meu corpo eram os ultra-românticos. þ 39, 41, 42B § 36 .- L.4 E ainda: a coincidência, que nunca foi muito minha amiga, poderia fazer com que o meu corpo Ø, ao rolar pelo barranco abaixo, ficasse escondido por pedregulhos, terra e vegetação e. assim, não chegasse jamais a ser descoberto em seu improvisado túmulo. Se isso acontecesse, o meu nome não apareceria nas manchetes dos jornais e o meu amigo Henrique de Souza não poderia escrever na “Gazeta” o meu necrológio. Que cousas bonitas não diria se pudesse! Seriam, por certo, quase as mesmas palavras que êle disse do meu finado pai. þ 40, 43B § 37 - L.1 "Desapareceu ontem, tragicamente, um dos mais finos espíritos de artista que a nossa cidade já conheceu. Zacarias Alves Filho pertencia a uma família que, desde os seus mais remotos ascendentes, fez da

tenebroso precipício, que marginava um dos lados da estrada – limpar o chão manchado de sangue, lavar cuidadosamente o carro quando chegassem em casa, seria o alvitre mais adequado ao caso e o que melhor conviria a possíveis complicações com a polícia, sempre ávida em achar mistério onde nada existe de misterioso. Ø þ 38A Observação: Parágrafo incluído no anterior. þ 39A § 34 - L.4 (...) a coincidência que nunca Ø minha amiga, poderia fazer com que meu corpo E ainda: Ø o meu corpo poderia, ao rolar pelo barranco abaixo, ficar escondido entre a vegetação, terra e pedregulhos. Ø Se tal acontecesse jamais seria descoberto no seu improvisado túmulo Ø e o meu nome não ocuparia as manchetes dos jornais. Ø þ 40A Observação: Parágrafo suprimido.

precipício, que margeava Ø a estrada Ø limpar o chão manchado de sangue, lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem a casa, seria o alvitre mais adequado ao caso e o que melhor conviria a possíveis complicações com a polícia, sempre ávida de achar mistério onde nada existe de misterioso, Ø þ 40C Observação: Os parágrafos 34 e 35 de O Ex-Mágico da Taberna Minhota foram condensados num só em O Pirotécnico Zacarias (§ 33). þ 41C § 34 - L.1 (...) que não me interessavam. þ 42C § 34 - L.3 (...) a coincidência, que nunca foi Ø minha amiga, poderia fazer com que o meu corpo, ao rolar pelo barranco abaixo, ficar escondido entre a vegetação» terra e pedregulhos. Ø tal acontecesse jamais seria descoberto no seu improvisado túmulo e o meu nome não ocuparia as manchetes dos jornais. Ø þ 43C Observação: Este parágrafo foi suprimido em O Pirotécnico Zacarias.

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arte pirotécnica a sua exclusiva finalidade na vida. Dada a sua extrema modéstia, muitos dos seus contemporâneos ignoraram a sua resplandescente passagem pêle existência. Como os maravilhosos fogos de artifício, que as suas divinas mãos iluminavam o firmamento em dias de festa, Zacarias Alves Filho acaba de subir aos céus. A sua trajetória foi a mesma dos seus fogos: riscou rapidamente o ar e, antes de se apegar, desdobrou-se em maravilhosas cambiantes. enquanto nós, aqui da terra, lhe enviávamos as nossas lagrimas, infinitamente mesquinhas e ridículas ante a bêleza fulgurante de seus fogos de artifício". þ 41, 44B § 38 - L.1 Tão comovido eu me encontrava , pensando nas palavras de Henrique que não me amargurei ao pensamento de que o cronista do "Estado", (rancoroso inimigo da minha família) repetiria sobre a minha morte a mesma noticia que dera quando Zacarias sênior fez a derradeira viagem. þ 42, 45B § 39 - L.1 "Ultimamente o infeliz jovem andava meio perturbado das faculdades mentais, o que o levou a um gesto tão desesperado". þ 43, 46B § 40 - L.l Sobressaltei-me lembrando-me dessa frase. Quem sabe se alguém, encontrando o meu corpo, na estrada, não formularia logo a hipótese de que eu me tivesse jogado debaixo do automóvel com o fito de suicidar-me? þ 44, 47B § 41 - L.1 Não. Meu pai se suicidara, mas não eu! Êle estava sofrendo das faculdades mentais, não era mentira do "Estado". Mas, não eu! Nunca, nunca fui louco! þ 45 Observação:

þ 41A Observação: Parágrafo suprimido. þ 42A Observação: Parágrafo suprimido. þ 43A Observação: Parágrafo suprimido. þ 44A Observação: Parágrafo suprimido. þ 45A § 35 - L.1 Não. Êles não podiam roubar-me nem que fosse um pequeno necrológio no principal matutino da cidade. Precisava agir rápido e decidido.

þ 44C Observação: Parágrafo suprimido. 45C Observação: Parágrafo suprimido. 46C Observação: Parágrafo suprimido. þ 47C Observação: Parágrafo suprimido.

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Parágrafo suprimido. þ 46, 48B § 42 - L.l --- Alto lá! Ø gritei desesperado para os moços. Quero também dar a minha opinião! þ 47, 49B § 43 - L. Jorginho – o rapaz que anteriormente caira na minha simpatia – empalideceu todo e, dando um berro tremendo, tombou desmaiado, enquanto os seus companheiros, algo admirados por verem um cadáver falando, se dispunham a ouvir-me. þ 48, 50B § 44 - L.3 (...) um dom natural Ø que, em vida, me tornava vencedor de qualquer disputa dependente de uma argumentação segure e irretorquível. þ 49, 51B § 45 - L.1 A morte não extinguiu essa faculdade. Tanto que, após alguns minutos de conversa, os meus matadores Ficaram novamente indecisos, sem saber o que fazer de mim Para complicar ainda mais os fatos, êles sentiam ser impossível dar rumo a um defunto que não perdera nenhum dos predicados que de costume se atribuem aos vivos. þ 50, 52B § 46 - L.l Se a um deles não ocorresse uma idéia verdadeiramente genial, talvez tivéssemos caído em um impasse Ø difícil de ser resolvido. þ 51, 53B § 47 - L.1 A solução partiu de um rapaz baixo e atarracado. Consistia, nada mais, nada menos, em me incluir no grupo e, juntos,

þ 46A § 36 - L.l --- Alto lá! – bradei – também quero dar a minha opinião. þ 42A § 37 - L.l (...) o rapaz que anteriormente caíra nas minhas boas graças – empalideceu todo e, soltando um grito, tombou desmaiado, enquanto os seus amigos, algo admirados por verem um cadáver falando, (...) þ 48A 38 - L.3 (...) um dom natural, e verdade é que, em vida, me tornava vencedor de qualquer disputa dependente de Ø argumentação segure e irretorquível. þ 49A § 39 - L.1 A morte não extinguira essa faculdade. E a ela os meus matadores fizeram justiça. Após curto debate, no qual expus com clareza os meus argumentos, os rapazes ficaram indecisos, sem encontrar ume saída que atendesse, a contento, as minhas razões e ao programe da noite, a exigir prosseguimento. Para tornar mais confusa a situação, Ø sentiam a impossibilidade de dar rumo a um cadáver que não perdera nenhum dos predicados geralmente atribuído aos vivos. þ 50A § 40 - L.1 (...) uma idéia, logo aproveitada, teríamos permanecido no impasse. Consistia Ø em me incluir no grupo e, juntos, terminarmos a farra, interrompida com o meu atropelamento. þ 51A Observação: Parágrafo incluído no anterior.

þ 48C § 36 - L.l --- Alto lá! Ø Também quero ser ouvido. þ 49C § 37 - L.l Jorginho Ø empalideceu Ø, soltou um grito surdo, tombando desmaiado, enquanto os seus amigos, algo admirados por verem um cadáver falar, se dispunham a ouvir-me. þ 50C § 38 - L.3 (...) um dom natural Ø, Ø a verdade é que, em vida, eu vencia qualquer disputa dependente de Ø argumentação (...) þ 51C § 39 - L.l A morte não extinguira essa faculdade, Ø E a ela os meus matadores fizeram justiça. Após curto debate. no qual expus com clareza os meus argumentos. os rapazes ficaram: indecisos. sem encontrar uma saída que atendesse. a contento, as minhas e ao programa de noite, a exigir prosseguimento. Para tornar mais confusa e situação, sentiam a impossibilidade de dar rumo a um defunto que não perdera nenhum dos predicados geralmente atribuídos aos vivos þ 52C § 40 - L.l Se a um deles não ocorresse uma sugestão imediatamente aprovada, Ø teríamos permanecido no impasse. Ø þ 53C § 40 - L.2 Propunha incluir-me no grupo e, juntos, terminarmos a farra, interrompida com o meu atropelamento.

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terminarmos a farra, interrompida o meu atropelamento. þ 52, 54B § 48 - L.1 (...) outro obstáculo nos conteve, as moças (...) þ 53, 55B, 56B, 57B § 48 - L.2 (...) em número igual ao dos rapazes, Faltava uma para mim e eu não me conformaria de maneira alguma em fazer parte da turma sem uma companheira. Outra vez o rapaz de idéias geniais evitou maiores discussões, sugerindo que se deixasse na estrada o companheiro desmaiado. E para que eu me apresentasse decentemente, acrescentou Ø que seria melhor trocar as minhas ensangüentadas roupas pelas de Jorginho, o que me dispus a fazer imediatamente. þ 54, 55 58B, 59B § 49 - L.l Depois de certa relutância à sugestão de se abandonar o imberbe admirador de Zequinha de Abreu, concordaram todos (os homens e as mulheres, Ø á restabelecidas de seu primitivo desmaio).que Jorginho fôra fraco e não soubera enfrentar Ø situação. Portanto Ø não era razoável que se perdes se tempo fazendo considerações sentimentais em tôrno de sua pessoa. þ 56, 60B § 50 - L.l Do que se passou em seguida não guardo uma recordação muito precisa. A bebida, que antes de minha morte pouco me transtornava, teve sobre o meu corpo (...) þ 57, 61B § 50 - L.5 (...) luzes de cujas côres eu ignorava a existência; triângulos absurdos, cones e esferas de marfim, rosas negras, cravos em forma de lírios; lírios em forma de mãos. E a loura, ex-par de Jorginho, enlaçando-me o pescoço, com o seu corpo

þ 52A § 41 - L.1 (...) outro obstáculo nos conteve: as moças (...) þ 53A § 41 - L.2 (...) em numero igual ao de rapazes. Faltava uma para mim e eu não me conformava de fazer parte da turma desacompanhado. O mesmo rapaz que aconselhara a minha integração no grupo, encontrou a formula conciliatória, sugerindo que se deixasse na estrada o companheiro desmaiado. E para melhorar o meu aspecto, acrescentou, bastaria trocar as minhas ensangüentadas roupas pelas de Jorginho, no que me prontifiquei a fazer imediatamente þ 54A § 42 - L.l (...) sugestão de se abandonar o companheiro, concordarem todos (Ø homens e Ø mulheres, estas já restabelecidas do primitivo desmaio) que Jorginho fôra fraco e não soubera enfrentar com dignidade os acontecimentos. þ 55A § 42 - L.7 (...) em tôrno da sua pessoa. þ 56A § 43 - L.1 (...) não guardo uma recordação muito nítida. A bebida Ø que antes da minha morte pouco me afetava, teve sobre o meu corpo (...) þ 57A § 43 - L.5 (...) luzes Ø cujas côres Ø ignorava, triângulos absurdos, cones e esferas de marfim, rosas negras, cravos em forma de lírios, lírios em forma de mãos. E a ruiva, que me fora destinada, enlaçando-me o pescoço Ø com o seu corpo

þ 54C § 41 - L.l (...) outro obstáculo nos conteve: as moças (...) þ 55C § 41 - L.2 (...) número igual ao de rapazes. þ 56C § 41 - L.3 (...) não aceitava Ø fazer parte da turma desacompanhado. þ 57C § 41 - L.4 Ø O mesmo rapaz que aconselhara a minha inclusão no grupo, encontrou a fórmula conciliatória, sugerindo que Ø abandonassem o colega desmaiado na estrada. Ø Para melhorar o meu aspecto, concluiu, bastaria trocar as minhas Ø roupas peles de Jorginho, Ø que ms prontifiquei a fazer rapidamente. þ 58C § 42 - L.1 Depois de certa relutância em abandonar o companheiro, (...) þ 59C § 42 - L.2 (...) (Ø homens e Ø mulheres, estas já restabelecidas do primitivo desmaio) que ele fora fraco e não soubera enfrentar com dignidade a situação. Portanto, era pouco razoável que se perdesse tempo fazendo considerações sentimentais em torno da sua pessoa. þ 60C § 43 - L.l Do que aconteceu em seguida não guardo Ø recordações muito nítidas, A bebida Ø que antes da minha morte pouco me afetava, þ 61C § 43 - L.4 (...) luzes Ø cujas cores Ø ignorava, triângulos absurdos, cones e esferas de marfim, roses negras, cravos em forma de lírios, lírios transformados em mãos. E a ruiva, que me destinada, enlaçando-me o pescoço Ø com o Ø corpo

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transformado em um longo braço de gesso. þ 58, 62B § 51 - L.1 Quando o dia começou a clarear, saí da semi-letargia em que me encontrava. þ 59, 63B, 64B, 65B § 51 - L.4 (...) ao que Ø responderam ser impossível, pois àquela hora êle se encontrava fechado. Repeti ainda diversas vêzes a palavra cemitério. (Quem sabe nem chegasse a repeti-la, mas somente movesse os lábios, procurasse ligar as palavras às sensações longínquas do meu delírio de côres?) þ 60, 66B § 52 - L.1 Na minha mente se prolongou por muito tempo uma sensação dolorosa de desequilibro entre o mundo exterior e os meus olhos, que desde aquele dia se agoniavam em uma tentativa febril de se acostumar ao colorido demoníaco das paisagens que se descortinavam ante o meu olhar. Aos poucos, porem, foi-se desanuviando o meu espírito e eu ia não sentia o mêdo atroz que se apossara de mim ao constatar em toda a sua plenitude, que a morte penetrara para sempre no meu corpo.Ø Desejei, então, fazer planos para uma nova existência. þ 61 Observação: Parágrafo incluído no anterior. þ 62, 67B § 53 – L.1 Nos primeiros momentos, torturado, sem saber o que me poderia acontecer no futuro, o desatino tornou a ser o senhor

transformado em Ø longo braço metálico. þ 58A § 44 - L.1 Quando começou a clarear o dia, saí da semiletargia em que me encontrava. þ 59A § 44 - L.4 (...) ao que me responderam ser impossível, pois aquela hora ele encontrava-se fechado. Repeti várias vêzes a palavra cemitério. (Quem sabe nem chegasse a repeti-la, mas somente movesse os lábios, procurando ligar as palavras às sensações longínquas do meu delírio policrômico). þ 60A § 45 -.L.1 Por muito tempo se prolongou em mim a sensação penosa de desequilíbrio entre o mundo exterior e os meus olhos, que não se acomodavam ao colorido onírico das paisagens que se estendiam na minha frente. Havia ainda o mêdo atroz que sentia, desde aquela madrugada, quando constatei que a morte penetrara para sempre o meu corpo. þ 61A § 46 - L.1 Mesmo assim, não fôsse o ceticismo dos homens, recusando aceitar-me vivo ou morto, poderia abrigar o desejo incontido de construir uma existência nova. þ 62A § 47 - L.l Tinha ainda que lutar contra o desatino que as vezes, tornava-se senhor absoluto dos meus atos e obrigava-me a buscar,

transmudado em Ø longo braço metálico. þ 62C § 44 - L.l Ao clarear o dia, sai da semiletargia (...) þ 63C § 44 - L.3 (...) ao que me responderam (...) þ 64C § 44 - L.5 Repeti Ø diversas vezes (...) þ 65C § 44 - L.6 (...) procurando ligar as palavras as sensações longínquas do meu delírio policrômico.) þ 66C Observação-: O § 52 de O Ex-Mágico corresponde ao § 45 e ao §46 em O Pirotécnico Zacarias.

þ 66Cc§ 45 - L.l e § 46 - L.l Por muito tempo se prolongou em mim o desequilíbrio entre o mundo exterior e os meus olhos, que Ø não se acomodavam ao colorido Ø das paisagens estendidas na minha frente. Ø Havia ainda o medo que sentia, desde aquela madrugada, quando constatei Ø que e morte penetrara Ø no meu corpo. Não fosse o ceticismo dos homens, recusando-se aceitar-me vivo ou morto, eu poderia abrigar a ambição de construir uma nova existência. - þ 67C § 47 - L.l / § 48 – L.l Observação: Ø § 53 de O Ex-Mágico corresponde ao § 47 e ao §48 em O Pirotécnico Zacarias.

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absoluto dos meus atos. Folheava jornais velhos procurando o noticiário de minha morte e nada encontrava, E quanto mais virava as páginas, cheias de noticias ridículas, sem importância, mais aumentava na minha alma o caos que a morte trouxera para o meu cérebro. Tentei, logo que os dias me revelarem a ignorância total dos periódicos em relação ao meu falecimento, entrar em contacto com os meus companheiros da noite fatal. A procura foi inútil, nenhum deles dava sinal de vida.Ø þ 63 Observação: Parágrafo incluído no anterior þ 64 Observação: Entre o § 53 e o § 54 não há início de nova parte do conto. þ 65, 68B § 54 - L.1 Contudo, Ø o sofrimento tornou-se menos intenso e agora não me incomoda a impossibilidade de provar quão real foi a minha morte, nem a de convencer aos amigos que o Zacarias que anda por aí pelas ruas Ø é o mesmo Zacarias. artista-pirotécnico Ø com a diferença que o outro era vivo e este, um defunto. þ 66, 69B, 70B § 55 - L.1 Só um pensamento me atormenta de vez em quando: que acontecimentos o destino poderá reservar a um morto em um mundo onde os vivos respiram uma vida agonizante? E a minha angustia aumenta assustadoramente ao sentir Ø que a minha capacidade de viver, amar, discernir as cousas, é bem maior que a de todos os sêres vivos que por mim passam assustados, certos de que caminham ao lado de um monstro. þ 67, 71B § 56 - L.1 Mas Ø amanhã Ø o dia poderá nascer mais claro, o sol brilhando como nunca brilhou

ansioso, nos jornais, qualquer noticia que elucidasse o mistério que cercava o meu falecimento. þ 63A § 48 - L.1 Fiz várias tentativas para estabelecer contato com os meus companheiros da noite fatal e o resultado foi sempre desencorajador. E eles eram a esperança que me restava pare provar quão real foi a minha morte. þ 64A Observação: Entre o § 48 e o § 49 há início de nova parte do conto. þ 65A § 49 - L.1 Com o passar dos meses, tornou-se menos intenso o meu sofrimento e menor a minha frustração ante a impossibilidade Ø de convencer os amigos que o Zacarias que anda Ø pelas ruas da cidade é o mesmo Ø artista pirotécnico de outros tempos, com e diferença que aquêle era vivo e este, um defunto. þ 66A § 50 - L.1 Só um pensamento me oprime agora: que acontecimentos o destino reservará a um morto em um mundo onde os vivos respiram uma vida agonizante? E a minha angustia cresce ao sentir; na sua plenitude, que a minha capacidade de Ø amar, discernir as coisas, é bem maior que a de todos os sêres Ø que por mim passam assustados, certos de que caminham ao lado de um fantasma. þ 67A § 51 - L.1 Mas, amanha, o dia poderá nascer mais claro, o sol brilhando como jamais brilhou

þ 67Cc § 47 - L.l e § 48 - L.1 Tinha ainda que lutar contra o desatino que, às vezes, se tornava Ø senhor Ø dos meus atos e obrigava-me a buscar, ansioso, nos jornais, qualquer noticia que elucidasse o mistério que cercava o meu falecimento, Fiz verias tentativas pare estabelecer contato com Ø meus companheiros da noite fatal Ø e o resultado foi desencorajador. E eles eram a esperança que me restava para provar quão real fora e minha morte. Ø - þ 68C § 49 - L.l No passar dos meses, tornou-se menos intenso o meu sofrimento e menor a minha frustração ante a dificuldade de convencer os amigos que Ø Zacarias que anda Ø pelas ruas da cidade é o mesmo Ø artista pirotécnico de outros tempos, com a diferença que aquele era vivo e este, um defunto. þ 69C § 50 - L.l (...) me oprime Ø: þ 70C § 50 - L.2 (...) reservará a um morto se os vivos respiram ume vida agonizante? E a minha angustie cresce Ø ao sentir, na sua plenitude, que a minha capacidade de Ø amar, discernir as coisas, é bem superior a dos seres Ø que por mim passam assustados Ø. þ 71C § 51 - L.l Ø Amanhã o dia poderá nascer Ø claro, o sol brilhando como

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para ninguém Ø e então os homens compreenderão que, mesmo à margem da vida, ainda vivo mais que todos êles, Porque a minha existência se transmudou em côres e o branco já está se aproximando de terra para exclusiva ternura de meus olhos.

para alguém, e, nesse dia, os homens compreenderão que, mesmo à margem da vida, Ø vivo mais do que Ø êles. Porque a minha existência se transmudou em côres e o branco já se aproxima da terra para exclusiva ternura dos meus olhos.

nunca brilhou Ø, Nessa hora os homens compreenderão que, mesmo à margem da vida, ainda vivo Ø porque a minha existência se transmudou em cores e o branco já se aproxima da terra para exclusiva ternura dos meus olhos.