52
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito Mariana Camilo Bernacci USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS NO ESTADO BRASILEIRO: Reflexões sobre a vedação no ordenamento jurídico e suas implicações sobre a eficácia e a efetividade do princípio constitucional da função social da propriedade. Belo Horizonte 2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS …camiloadvocacia.com/trabalhos-cientificos/mariana-camilo/... · utilidade de terras não usufruídas por seus proprietários

Embed Size (px)

Citation preview

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito

Mariana Camilo Bernacci

USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS NO ESTADO BRASILEIRO:

Reflexões sobre a vedação no ordenamento jurídico e suas implicações sobre

a eficácia e a efetividade do princípio constitucional da função social da

propriedade.

Belo Horizonte 2013

2

Mariana Camilo Bernacci

USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS NO ESTADO BRASILEIRO:

Reflexões sobre a vedação no ordenamento jurídico e suas implicações sobre

a eficácia e a efetividade do princípio constitucional da função social da

propriedade.

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como Requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: José Luiz Quadros de Magalhães.

Belo Horizonte 2013

3

Mariana Camilo Bernacci

USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS NO ESTADO BRASILEIRO:

Reflexões sobre a vedação no ordenamento jurídico e suas implicações sobre

a eficácia e a efetividade do princípio constitucional da função socioambiental

da propriedade.

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

José Luiz Quadros de Magalhães (Orientador) – PUC Minas

Belo Horizonte, ___ de ___________ de 2013.

4

Aos meus pais, avós, irmã e padrinhos, pelo apoio incondicional.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais, que me acompanharam e me

apoiaram durante toda a feitura deste trabalho.

Ao meu orientador Professor José Luiz Quadros de Magalhães, por toda a

dedicação e auxílio na elaboração desta monografia.

À Professora Janaína de Alvarenga Silva Carvalho, pela sua imensa presteza

ao me auxiliar na pesquisa e desenvolvimento desse tema.

Ao Doutor Juliano Veloso Leite e Silva, pelas enriquecedoras discussões e

sugestões sobre a escolha, estudo e preparação do tema para esse trabalho.

Ao Professor Juventino Gomes de Miranda Filho, por ter despertado o meu

interesse à matéria de Direitos Reais e suas implicações sociais atuais.

6

“Vocês que fazem parte dessa massa, que passa nos projetos do futuro

É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber

E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa aparecer

E ver que toda essa engrenagem já sente a ferrugem lhe comer” (RAMALHO,

1979)

7

RESUMO

Usucapião é a obtenção da propriedade ou outro direito real pelo decurso do

tempo estabelecido e com a observância dos requisitos instituídos em lei, ou

seja, é a aquisição do domínio pela posse prolongada, segundo Caio Mário

da Silva Pereira. Assim, existem diversas modalidades dessa forma de

obtenção de propriedade, que são os mais aceitos nas diversas fontes

doutrinárias, instituídas em nosso Código Civil: Extraordinário, Ordinário,

Especial. Ao considerar a função social da propriedade, necessitando-se a

utilidade de terras não usufruídas por seus proprietários de modo a beneficiar

e participar dos interesses da sociedade como um todo, provocando o bem

comum, a usucapião é a forma pela qual transfere-se a alguém o uso, gozo e

fruição de um imóvel residencial. Há de se considerar, com isso, que todo

aquele que tiver propriedade imóvel, independente de se tratar de pessoa

física ou jurídica de direito privado ou de direito público, e não realizar no

mesmo a função social da propriedade, definida no art. 5º, XXIII da CF, e,

ocorrendo a posse nos termos legais preceituados, deve ser concedida a

usucapião. Entretanto, o art. 183, em seu parágrafo terceiro, da CF pátria,

estabelece que é defeso a concessão de usucapião no que se refere às terras

públicas.

Ao conceber-se que não pode haver usucapião em terras estatais, há uma

clara incompatibilidade, haja vista não serem considerados princípios

fundamentais defendidos na CF de 1988 e que devem ser observados

primordialmente em cada interpretação de cada norma de nosso

ordenamento jurídico. Deste modo, far-se-á necessária a interpretação

constitucional, operacionalizada por princípios que então procedem à

justificação valorativa das regras do direito positivo.

Palavras-chave: Usucapião Constitucionais. Terras Públicas. Terras

Devolutas. Princípios Fundamentais.

8

ABSTRACT

Adverse possession is to obtain property or other real right established by the

passage of time and compliance with the requirements imposed by law that is

the acquisition of the domain by prolonged possession, according Caio Mário

da Silva Pereira. Thus there are various ways of obtaining this form of

ownership which are the most accepted by the various doctrinal sources

instituted in our Civil Code: Extraordinary, Ordinary, Special. When

considering the social function of property, necessitating the use of land not

taken by their owners to benefit and participate in the interests of society as a

whole, leading to the common good, the prescription is the way in which

transfers to someone use and enjoyment of a residential property. One has to

consider, therefore, that anyone who has owned property, regardless of

whether the person or private law or public law, and not carry the same social

function of property, as defined in art. 5, XXIII of CF, and occurring possession

under legal was ruling should be granted prescription. However, art. 183, in its

third paragraph, the CF homeland which is forbidden the granting of adverse

possession in case of public lands.

To conceive that there can be no adverse possession on state land, it is a

clearly incompatibility, since they are not considered fundamental principles

espoused in the 1988 Constitution and should be seen primarily in each

interpretation of each standard of our legal system. Regardless of the degree

of abstraction revealed by the constitutional order, each principle offers a

capacity of evaluative framework of legal norms of the constitutional order,

serving the appropriateness of rules (or rules of law) to concrete cases.

Therefore constitutional interpretation is operate by principles which then

proceed to the justification of evaluative rules of positive law.

Keywords: Constitutional adverse possession. Public Lands. Lands.

Fundamental Principles.

9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9 2.2 Da necessidade de redistribuição de terras no Brasil...... ............................... 16 3 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE .......................... 24 4 DA FUNÇÃO DO ESTADO E DO DIREITO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA.................................................................................................................. 30 5 VEDAÇÃO JURÍDICO-NORMATIVA À USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS NO BRASIL E IMPLICAÇÕES: REFLEXÕES À LUZ DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL .................................................................................................. 36 6 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS ........................................................................... 40 6.1 Direito à Moradia contraposto ao Direito à Propriedade .................................. 42 6.2 Da Possibilidade de Hierarquia entre as Normas Constitucionais ................... 45 7 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 48

10

1 INTRODUÇÃO

O estudo tem por objetivo, além de chamar a atenção para as

consequências nefastas do uso irregular do solo, demonstrar que os instrumentos

instituídos por esses modos de adquirir de propriedade poderão, se bem

interpretados e aplicados, dar efetividade à regularização fundiária de interesse

social em imóveis urbanos e rurais, incluindo socialmente milhões de brasileiros que

vivem na informalidade.

A falta de redistribuição territorial durante a colonização até mesmo após a

proclamação da independência do Brasil e a vinda do regime republicano, alinhado

ao fato da rápida urbanização brasileira, sobretudo nas últimas décadas, não foi

acompanhada de políticas públicas voltadas ao planejamento territorial urbano, à

habitação e à inclusão social dos menos favorecidos, o que acarretou proliferação

de assentamentos irregulares, completamente despidos de infraestrutura, de

equipamentos e de serviços, além de ocasionar movimentos como o MST, daqueles

que não possuem terras e as reivindicam dos grandes proprietários, mas se

esquecem do maior deles: o Estado.

A gestão urbana e a regularização fundiária avançam no Brasil com a

Constituição Federal de 1988, sua regulamentação pelo Estatuto da Cidade, além da

edição da Medida Provisória nº 2.220/2001. Embora os grandes avanços

introduzidos, a regularização fundiária de interesse social, como meio capaz de

garantir o direito social fundamental à moradia, condição básica para a dignidade da

pessoa humana, não alcançou a efetividade esperada, principalmente no que diz

respeito à regularização da posse, impondo-se o estabelecimento de outras formas

que possam alcançar esse desiderato. Neste contexto, foi publicada a Lei nº

11.977/2009, a qual institui novos instrumentos voltados à regularização fundiária de

interesse social.

Vejamos que, por esses motivos, a má divisão fundiária na história brasileira

desencadeou uma série de problemas de ordem social e econômica, presentes na

vida de toda a sociedade brasileira nos dias atuais, sendo motivo, indireto e direto,

da alta criminalidade dos centros urbanos, da fome, tão presente nas zonas rurais

afastadas, do desemprego, da falta de moradia de parte considerável da sociedade.

Sendo dever essencial do Estado o cumprimento e garantia da dignidade da

pessoa humana, essa só poderá ser alcançada com o correto acesso por toda a

11

sociedade à moradia, à educação, à saúde e aos demais princípios fundamentais.

Destarte, se esse é a função máxima do Estado, como poderia se eximir por

uma simples colocação de cunho claramente liberal na Lei Maior?

Há de convir que a solução dos problemas sociais são de interesse de toda

a sociedade, sendo fundamento inequívoco da função social da propriedade e da

posse, presentes em nosso ordenamento jurídico. Razão pela qual deve-se tentar

igualar as condições e oportunidades de vida, a começar pela moradia, através da

aquisição de propriedade.

Destarte, a ordem jurídica deve garantir o direito à propriedade individual,

mas esse direito deve ser exercido dentro de certos limites, sem abusos,

principalmente no que concerne ao não aproveitamento do bem, muito embora diga

respeito também à atuação positiva, à direta utilização. Deve ter em mente o

proprietário, assim, que há um interesse geral a ladear o seu interesse particular, e

por isso tem que dar ao bem uma destinação que se alinhe à função social

respectiva.

Os tempos modernos, portanto, trouxeram a perda da condição de privilégio

excepcional e especial proteção que gozava a propriedade no século XIX, estando

impressa a ideia de que a Propriedade de um bem, especialmente quando

instrumental, só é legítima se cumprir uma função social.

Essa condição, que determina o uso do bem em favor de todas as pessoas,

e não apenas do titular, opera em relação a todas as formas de propriedade:

mobiliária ou imobiliária, urbana ou rural. Porém, é na seara da propriedade agrária

que a função social ganha mais ênfase, posto que as terras são, por natureza, o

mais importante bem de produção, já que fornecem o alimento a todos os animais

do planeta, inclusive ao Homem.

Já se define em seus princípios fundamentais a defesa do direito à moradia

(art. 6º, caput, da CF):

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)” (BRASIL, 2012)”

À dignidade da pessoa humanas e dos os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa estão presentes no art 1º, do mesmo diploma:

12

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 2012)

Enquanto o Estado e a sociedade mudaram, alterando substancialmente a

Constituição, os códigos civis continuaram ideologicamente ancorados no Estado

liberal, persistindo na hegemonia ultrapassada dos valores patrimoniais e do

individualismo jurídico.

Segundo o autor Paulo Lôbo (2013), em seu artigo “Constitucionalização do

Direito Civil”, os estudos mais recentes dos civilistas têm demonstrado a falácia

dessa visão estática, atemporal e desideologizada do direito civil. Ou seja, não se

trata somente em estabelecer a necessária interlocução entre os variados saberes

jurídicos, com ênfase entre o direito privado e o direito público, concebida como

interdisciplinaridade interna. Pretende-se não apenas investigar a inserção do direito

civil na Constituição jurídico positiva, mas os fundamentos de sua validade jurídica,

que dela devem ser extraídos.

Sendo assim, segundo esse mesmo estudioso:

O Estado social, no plano do direito, é todo aquele que tem incluída na Constituição a regulação da ordem econômica e social. Além da limitação ao poder político, limita-se o poder econômico e projeta-se para além dos indivíduos a tutela dos direitos, incluindo o trabalho, a educação, a cultura, a saúde, a seguridade social, o meio ambiente, todos com inegáveis reflexos nas dimensões materiais do direito civil. A ideologia do social, traduzida em valores de justiça social ou distributiva, passou a dominar o cenário constitucional do século XX. A sociedade exige o acesso aos bens e serviços produzidos pela economia. Firmou-se que a solidez do poder residiria, substancialmente, no econômico e, relativamente, no político. Daí a inafastável atuação do Estado, para fazer prevalecer o interesse coletivo, evitar os abusos e garantir o espaço público de afirmação da dignidade humana. Nem mesmo a onda de neoliberalismo e globalização, que agitou a última parte do século, abalou os alicerces do Estado social, permanecendo cada vez mais forte a necessidade da ordem econômica e social, inclusive com o advento de direitos tutelares de novas dimensões da cidadania, a exemplo da legislação de proteção do consumidor. (LÔBO, Paulo. 2013)

Partindo desse contexto, a norma que proíbe a usucapião de terras públicas,

que, apesar de locada na Lei Magna, trata de clara matéria de Direito Civil, ainda

13

tenta manter o condão liberal civilista, não se atentando a valores constitucionais

maiores, conseguidos, após séculos de luta da sociedade, para uma verdadeira

evolução da sociedade e, por conseguinte, do Estado.

Nesse caso, há um claro conflito de hierarquia interna das normas

constitucionais. Considerar a superioridade de princípios constitucionais em

detrimento de princípios infraconstitucionais é um tanto quanto óbvio, porém, a

questão da possibilidade de hierarquia entre princípios não é tão fácil quanto se

imagina.

De fato, se nos pautarmos no critério axiológico, valorativo, parece

indubitável que há hierarquia entre tais princípios. Afinal, como o princípio da

dignidade da pessoa humana valeria menos do que o princípio da proteção à

propriedade? Aliás, todos os princípios e regras decorrem, ainda que indireta e

mediatamente, do princípio mor da dignidade da pessoa humana. Do mesmo modo,

seria correto dizer que o princípio do devido processo legal estaria situado no topo

dos princípios constitucionais processuais.

Ora, se a Constituição é um sistema de normas, como era sempre advertido

por Ruy Barbosa, que confere unidade a todo o ordenamento jurídico, disciplinando

de modo unitário as estruturas fundamentais da sociedade e do Estado, é mais do

que razoável concluir não há hierarquia entre estas normas constitucionais. Não

existe nem mesmo hierarquia (jurídica) entre os princípios e as regras

constitucionais, o que se afasta, de logo, a ocorrência de normas constitucionais

inconstitucionais, ou melhor, normas constitucionais do poder constituinte originário

inconstitucionais, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal, acertadamente, já

admitiu a possibilidade de normas constitucionais emanadas do poder constituinte

derivado inconstitucionais (ADIn 939), desde que maculem as garantias de

eternidade (cláusulas pétreas) enumeradas no §4º do art. 60.

Pode-se, não obstante, cogitar a hipótese de existência de hierarquia

axiológica (ou deontológica) entre as normas constitucionais, incluindo-se aí,

obviamente, os princípios.

14

2 DAS TERRAS PÚBLICAS

Hely Lopes Meirelles afirma que "bens públicos, em sentido amplo, são

todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis ou móveis e semoventes,

créditos, direitos e ações, que pertençam a qualquer título, às entidades estatais,

autárquicas, fundacionais e paraestatais". Por sua vez, Celso Antônio Bandeira de

Mello leciona que "bens públicos são todos os bens que pertencem às pessoas

jurídicas de direito público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios,

respectivas autarquias e fundações de direito público, bem como os que, embora

não pertencentes a tais, estejam afetados à prestação de um serviço público. O

conjunto de tais bens forma o domínio público, que inclui tanto bens imóveis, como

móveis". Finalmente, José Cretella Júnior define os bens públicos como "coisas

materiais ou imateriais, assim como prestações pertencentes às pessoas jurídicas

públicas, que objetivam fins públicos e que se submetem a regime de direito público,

derrogatório e exorbitante do direito comum".

2.1 História da divisão de terras no Brasil

Historicamente, a divisão de terras no Brasil nunca foi realizada

democraticamente, de modo a beneficiar igualmente a todos os aqui nascidos.

Apesar de estar presente na Constituição Federal de 1988, a Reforma Agrária não

foi veemente exercida, havendo uma clara discrepância entre o patrimônio das

classes inferiores em face das classes mais elevadas.

Durante a colonização do Brasil, a Coroa Portuguesa se ateve a agraciar

apenas parte da população, concedendo terras, através das chamadas concessões

de sesmarias e cartas de data, que eram acompanhadas da obrigação de medir,

demarcar e cultivar os terrenos da então Ilha de Vera Cruz.

Destarte, tais propriedades em herdadas ou vendidas somente a outras

pessoas com alto poder aquisitivo, dado os seus elevados preços à época e às

condições subumanas em que vivia a maior parte da população, não tendo

condições, portanto, de aquirir qualquer tipo de propriedade.

Ao contrário do exemplo francês, pós-revolução, no qual houve a devida

redistribuição de terras, alcançado uma evolução invejada, o Brasil jamais havia se

preocupado, em seus diversos governos, em incluir as parcelas mais pobres da

15

população em programas de inclusão, principalmente no caso de concessão de

moradia.

Um novo programa, recentemente introduzido pelo governo atual, é o

denominado “Minha casa, minha vida”, que, malgrado ajude milhões de famílias a

comprarem seu primeiro imóvel próprio, não equilibrou de fato, ainda, a gritante

diferença de patrimônio das classes mais baixas e as mais altas.

Retornando à análise do contexto histórico, não podemos deixar de ressaltar

as condições em que ocorreu a abolição da escravatura no Brasil. A Lei Áurea (Lei

3.353 de 13 de maio de 1888) assinada pela princesa imperial regente, Isabel,

declarou extinta a escravidão, entretanto não estabeleceu modos de inclusão desta

população tão explorada e maltratada por décadas em terras brasileiras, se

sujeitando a todo tipo de tortura e trabalho subumanos, circunstâncias tão claras na

história que não precisam de maior esclarecimento.

Diante de todo o sofrimento desse povo, nada foi feito pelo governo para, ao

menos, indenizá-los dos imensuráveis prejuízos sofridos, sendo abandonados, com

poucas oportunidades de emprego, por não terem nenhuma qualificação ou

escolaridade, além de não terem qualquer perspectiva, portanto, de obter suas

próprias moradias.

Como se não bastasse, ao invés de os afrodescendentes continuarem em

seus postos de “trabalhos”, o Estado Brasileiro passou a fazer maiores campanhas

de imigração na Europa, além de outros continentes, com o objetivo de que novas

demandas populacionais adentrassem às terras brasileiras para ocupar as vagas

que os escravos antes preenchiam.

Não adentrando às diversas justificativas para tal episódio, que, muitas

vezes, são deveras preconceituosas, o que ocorreu neste cenário histórico foi um

excesso de população em condições miseráveis, sem emprego e sem formas de

consegui-lo, enquanto havia a chegada de milhares de imigrantes ocupando as

diversas vagas disponíveis, tanto no setor agrícola quanto industrial.

A partir de todas essas circunstâncias, além do incontestável preconceito

que regia à época, os ex escravos ficaram em uma clara situação de exclusão,

podendo-se ver as consequências disso atualmente. A falta de moradia e de

condições básicas de vida fez com que esses se reunissem e se estabelecessem

em terrenos ora abandonados, muitas vezes de terras públicas, hoje conhecidos

como aglomerados ou favelas, conforme se verifica em diversas obras de nossa

16

literatura.

Enquanto houve uma vasta distribuição de terras a estrangeiros,

principalmente nas regiões sul, centro-oeste e norte do Brasil, para que fossem

devidamente ocupadas, no receio de que fossem anexadas por outros países

limítrofes ou para que houvesse maior equidade na densidade demográfica, aqueles

mais abastados não foram agraciados em nenhuma dessas formas, deixados

totalmente pelo governo, como se não bastassem as péssimas condições de saúde,

educação e trabalho vigentes nesses tempos, que não se difere muito dos tempos

atuais.

2.2 Da necessidade de redistribuição de terras no Brasil

Nessa perspectiva, muitas das questões sociais e econômicas discutidas

diariamente, hoje em dia, por nós brasileiros, como a violência, desemprego,

miserabilidade, péssimos sistemas de saúde e educação, além de movimentos

como o MST (Movimento dos Sem Terra), são cristalinas consequências deste

passado nefasto e excludente da população brasileira.

Enquanto grandes latifúndios estão concentrados nas mãos de poucos,

muitos não tem sequer um imóvel residencial próprio, sendo essa a situação

passada e atual do Brasil, conforme se elucida em artigo:

A origem dessa desigualdade encontra-se no passado colonial e nas instituições coloniais relacionadas à escravidão e ao controle político da colonização e distribuição das terras. Nenhum outro fator, entretanto, contribuiu historicamente de maneira tão significante para os atuais níveis de desigualdade econômica e política na América Latina quanto a desigual distribuição de terras. Apesar da crescente urbanização e da perda de poder político das elites rurais em muitos países da região, o problema de distribuição de terras não foi resolvido. A maioria dos processos de reforma agrária não pôde ser implementada em sua totalidade devido às sucessivas crises econômicas, políticas e sociais ocorridas na região no século XX. A desigual distribuição de terras na América Latina é um dos fatores responsáveis pelo exacerbamento da marginalização dos segmentos mais vulneráveis da população. Nas regiões não urbanizadas, a desigualdade no acesso à terra e aos serviços essenciais de infra-estrutura tem contribuído para a proliferação dos assentamentos precários e irregulares em áreas inadequadas ou impróprias à moradia. De acordo com o Conselho Econômico para a América Latina das Nações Unidas, a desigualdade na distribuição de renda nos últimos 20 anos declinou apenas na Bolívia, Honduras e Uruguai. O número de pobres cresceu de 40 milhões para 180 milhões, correspondendo a cerca de 36% da população. Destes, 78 milhões vivem em extrema pobreza, sem condições de pagar pelas refeições básicas diárias. (ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Direito à

17

Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade. Direito Humano à moradia e Função Social da Propriedade, 2ª tiragem, p. 17-18. 2006)

Outrossim, o rápido crescimento da população urbana no Brasil se deu em

parte pela explosão demográfica, mas especialmente pelo êxodo rural, causado pela

ausência de políticas consistentes de reforma agrária. Em sua maioria, as leis e as

políticas públicas para tentar conter o crescimento desordenado dos centros urbanos

discriminavam e excluíam, gerando mais pobreza e marginalização.

É de conhecimento geral o quanto os aglomerados urbanos são uma

comunidade a parte, não existindo ali, muitas vezes, uma interferência de fato do

Estado, muito menos de cunho jurisdicional. A perda do poder democrático estatal é

agravada pela desigualdade social, pelos altos níveis de pobreza, pela corrupção,

pelo crescente aumento dos índices de violência e pelo comércio ilegal de drogas.

Como forma de comprovar os supramencionados fatos, seguem dados

fornecidos pelo Economic Commission for Latin America and the Caribbean

(ECLAD), em português, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe,

citados em obra:

O déficit habitacional quantitativo da região chega a 17 milhões de moradias, enquanto o qualitativo atinge 21 milhões de moradias. Transpondo-se esses números para proporções, pode-se dizer que apenas 60% de cada 100 famílias possuem uma moradia adequada, enquanto 22% vivem em casas que requerem melhoramentos e 18% precisam de novas casas. (Cities in a Globalizing World: global report on human settlements. 2001, p. 197.)

Destarte, não seria correto dissociar a questão da falta de moradia, a

especulação imobiliária nas mãos de poucos proprietários e a ausência das

reformas agrária e urbana. A burguesia brasileira foi construída através de diversas

formas de exploração, sendo instrumento do capitalismo internacional europeu e

americano, motivo pelo qual nunca houve o interesse de concretizar a reforma

agrária. Ademais, aqueles que detinham poder político, em sua grande maioria,

eram proprietários de terras ou sócios dos burgueses comerciantes, não havendo

qualquer interesse na garantia da inclusão dos menos favorecidos economicamente.

A zona rural opera como uma estrutura de desperdício da força de trabalho,

da terra disponível, dos capitais e produtos e das oportunidades de

desenvolvimento.

No âmbito urbano, as grandes reformas e investimentos em infraestrutura

18

acabaram por expulsar os pobres para as periferias como solução para eliminar

epidemias, higienizar e abrir os espaços. Nesse sentido, o Estado passou a investir

no desenvolvimento industrial, para substituição das importações, e o urbanismo

reformador das cidades. Os trabalhadores, que possuem baixos salários, não

suportando a compra ou o aluguel de uma residência nas áreas centrais das

cidades, assentaram-se nas periferias. Nesses lugares, o Estado desobrigava-se

quanto à colocação de infraestrutura básica, contribuindo para a consolidação de

assentamentos informais, clandestinos e precários, concentrando-se grande parte

em terrenos públicos.

A informalidade habitacional cresce significativamente nos últimos anos, no

entanto, não existem índices regionais, nem mesmo nacionais, sobre os números da

informalidade. Em geral, esse fenômeno se deve ao fato de os censos não

registrarem dados sobre aglomerados, devido, principalmente, às dificuldades para

quantificar a diversidade da informalidade, expressa por incontáveis formas de

manifestação.

Pela definição da Organização das Nações Unidas, a favela (ou aglomerado)

é uma área degradada de uma determinada cidade caracterizada por moradias

precárias, falta de infraestrutura e sem regularização fundiária. Segundo a essa

instituição, a porcentagem da população urbana que vive em favelas diminuiu de

47% para 37% no mundo em desenvolvimento, no período entre 1990 e 2005. No

entanto, devido ao crescimento populacional e ao aumento das populações urbanas,

o número dos moradores de favelas ainda é crescente. Aproximadamente um bilhão

de pessoas no mundo vive em favelas e esse número provavelmente crescerá para

cerca de dois bilhões até 2030.

De acordo com dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), coletados durante o Censo de 2010, cerca de 11,4 milhões de

pessoas (6% da população) vivem em "aglomerados subnormais", a definição do

governo para áreas do país de ocupação irregular, com mais de 50 habitantes e com

falta de serviços públicos e de urbanização. O IBGE identificou 6.329 favelas em

todo o país, localizadas em 323 dos 5.565 municípios brasileiros.

De acordo com reportagem da revista Veja, de 21/12/2011, Dados do Censo

2010 divulgados mostram que 11,4 milhões de brasileiros (6% da população) viviam

nos chamados aglomerados subnormais (assentamentos irregulares também

conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas,

19

mocambos, palafitas, entre outros). O estudo também indica que, no ano de 2010,

havia 6.329 desses aglomerados espalhados por 323 dos 5.565 municípios do país.

Vinte regiões metropolitanas concentravam 88,6% desses domicílios e,

quase a metade (49,8%), ficava na Região Sudeste. A região Nordeste tinha 28,7%

do total, a Norte 14,4%, a Sul 5,3% e a Centro Oeste 1,8%. As regiões

metropolitanas de São Paulo, Rio e Belém somadas concentravam 43,7% do total

de domicílios em assentamentos irregulares do país.

A comparação com levantamento realizado há vinte anos indica que quase

dobrou no período a proporção de brasileiros que moram nessas áreas, em

condições precárias. Em 1991, 4,48 milhões de pessoas (3,1% da população) viviam

em assentamentos irregulares, número que aumentou para 6,53 milhões (3,9%) no

Censo de 2000.

Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

esses aglomerados frequentemente ocupam áreas pouco propícias à urbanização,

como encostas íngremes no Rio de Janeiro, áreas de praia em Fortaleza, vales

profundos em Maceió (localmente conhecidos como grotas), baixadas

permanentemente inundadas em Macapá, manguezais em Cubatão, igarapés e

encostas em Manaus. O censo constatou também que existe grande diferença na

distribuição desse tipo de moradia. Em São Paulo, por exemplo, predominam áreas

de pequeno porte e concentradas na periferia. No Rio, há um espalhamento maior

pelo território.

A densidade média de moradores é mais alta nos domicílios em favelas do

que nas áreas urbanas regulares dos municípios. Essa diferença é mais acentuada

nas regiões Sudeste, Sul e Centro-oeste, mas a região Norte apresentou as maiores

médias de moradores por domicílio em assentamentos irregulares: no Amapá,

chegou a 4,5. A média nas favelas do Estado de São Paulo foi de 3,6 moradores por

domicílio. Nas áreas urbanas regulares, a média ficou em 3,2.

Além da população mais jovem, as favelas também concentravam um

número maior de pessoas que se declararam pretas ou pardas do que nas áreas

urbanas regulares. O porcentual de pretos e pardos nas favelas chegou a 68,4%,

ante 46,7%.

O IBGE destaca na publicação que os investimentos em habitação e

saneamento "não foram suficientes para atender à forte e crescente demanda" de

pessoas que sucessivamente se deslocaram para cidades em busca de oferta de

20

trabalho. O esgotamento sanitário era o serviço com menor grau de adequação nos

domicílios em aglomerados subnormais: apenas 67,3% eram adequados (nas áreas

urbanas regulares eram 85,1%), sendo 56,3% de domicílios ligados à rede geral de

esgoto e 11% à fossa séptica. Tocantins (0,9%), Roraima (1,8%) e Amapá (7,7%)

não chegavam a atingir 8% de adequação. Minas Gerais (87,2%), Bahia (86,8%) e

Rio de Janeiro (83,2%) apresentaram percentuais acima de 80%.

Goiânia, Fortaleza, Belo Horizonte e Brasília são as cidades mais desiguais

do Brasil, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), que foi

divulgado em 19 de março de 2010, no Rio de Janeiro. Em comparação às cidades

no mundo, só perdem para três cidades sul africanas, que lideram a lista de

desigualdade: Buffalo City, Johannesburgo e Ekurhuleni. O Brasil, no entanto, ainda

é considerado pela ONU o pior da América Latina em termos de desigualdade.

Também conforme informado em reportagem do jornal “O Globo”, de 22 de

novembro de 2011, por Isabel de Araújo, em tempos em que o poder público e a

população comemoram a retomada de territórios controlados há décadas pelo

tráfico, uma pesquisa encomendada pela Secretaria estadual de Assistência Social e

Direitos Humanos mostra que o maior inimigo dos moradores de favelas pacificadas

está longe de ser vencido. Na opinião de 700 jovens residentes em sete

comunidades que receberam Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a pobreza

ainda representa o maior obstáculo em suas rotinas. O problema foi citado por 24%

dos entrevistados e ficou na frente, inclusive, do desemprego (10%), do tráfico de

drogas (10%) e da violência (8%). O estudo foi coordenado pela Faculdade Latino-

Americana de Ciências Sociais (FLACSO), em parceria com a UERJ.

Os dados foram colhidos pelo Ibope nos últimos quatro meses. Os 700

jovens, com idades entre 15 e 29 anos, responderam a um questionário para

mostrar quais são as necessidades atuais para uma vida segura e de boa qualidade

em comunidades com UPP. As favelas escolhidas por sorteio foram Providência

(Centro), São João (Engenho Novo), Pavão-Pavãozinho/Cantagalo (Copacabana),

Turano (Rio Comprido), Andaraí, Macacos (Vila Isabel) e Batam (Realengo).

O estudo faz parte de uma parceria entre o governo do estado e o Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), para traçar programas específicos para a

juventude de áreas carentes. A pesquisa mostra que 70% dos jovens não querem

deixar suas comunidades e aguardam melhorias.

Recentemente, na região metropolitana de Belo Horizonte, foram

21

vivenciadas várias ocasiões de ocupações, como Rosa Leão, Vitória, Esperança e

Dandara. Durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Defesa do

Consumidor da Câmara Municipal de Belo Horizonte, em 17 de outubro de 2013, os

moradores alegaram correr risco iminente de despejo e de suas consequências

físicas, psicológicas e sociais. Eles lembraram o direito constitucional à moradia e a

função social da propriedade, apontando deficiências nas políticas habitacionais e

na condução da questão pelo município.

Por outro lado, conforme própria citação de reportagem publicada no portal

virtual da referida Câmara, na sessão, os vereadores criticaram a postura impositiva

da Prefeitura e as decisões tomadas por decreto, sem o devido diálogo com a

população quanto às suas prioridades e demandas, não apenas em questões de uso

e ocupação do solo, mas também em relação ao Código de Posturas e aos direitos

humanos de moradores de rua, hippies e indígenas, caracterizando uma política

“higienista” e de “terrorismo contra os pobres”, em favor dos interesses econômicos.

Nesse caso, a suspensão das remoções é a principal reivindicação dos

moradores, que pedem também a desapropriação e regularização de todas as

comunidades criadas por meio de ocupações da cidade. Em suas falas, eles

afirmaram não querer nada além do direito de construir suas casas e dispor de

infraestrutura e serviços básicos como água, luz, escolas e postos de saúde.

Segundo eles, a ausência de comprovantes de endereço impede o acesso ao

atendimento na rede pública e até mesmo a obtenção de vagas no mercado de

trabalho.

Apoiadas ainda por entidades e movimentos como Brigadas Populares,

Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Assembleia Popular

Horizontal, além do Conselho Municipal de Direitos Humanos, Ministério Público e

Defensoria Pública de Minas Gerais, as coordenadoras das ocupações, Charlene

Egydio (Rosa Leão), Edna Gonçalves (Esperança) e Jennifer Rodrigues (Vitória),

pediram o cumprimento da Constituição Federal e asseguraram que os moradores

só deixarão a área caso seja oferecida moradia digna a todos.

Reforçando as palavras da diretora da Urbel, o vereador Ventura lembrou a

importância de votar o projeto de lei que propõe a transformação de diversas áreas

da cidade em Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), permitindo a expansão dos

programas habitacionais.

Sobre a ocupação Dandara, os participantes também clamavam por

22

melhores condições de moradia. Na primeira semana de atuação, cerca de 1.080

famílias chegaram a se cadastrar na ocupação. A maioria vivia em situação de

insegurança de posse, área de risco, morava de favor e, principalmente, pagava

aluguel. Segundo a Fundação João Pinheiro, as famílias urbanas com renda familiar

de até três salários mínimos que moram em casa ou apartamentos e comprometem

mais de 30% de sua renda com aluguel sofrem um “ônus excessivo com aluguel”,

caracterizando-se como famílias sem-teto.

Uma das maiores ocupações do Brasil, a Dandara surgiu em 9 de abril de

2009, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e

pelas Brigadas Populares, movimento social voltado ao trabalho nas comunidades

periféricas de Belo Horizonte. Joviano Mayer, advogado popular da ocupação e

militante das Brigadas Populares, lembra que a proposta inicial da ocupação era

experimentar em Minas Gerais aquilo que em São Paulo foram as Comunas da

Terra.

“A mídia criou condições para que a ocupação tivesse repercussão, mas o

que levou esse número de famílias a ir para comunidade foi a crise habitacional que

vivemos nas grandes cidades hoje, e Belo Horizonte não foge a essa regra”, analisa

Mayer, de acordo com citação na referida reportagem. Um estudo realizado pela

Fundação João Pinheiro, em 2008, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios (Pnad-IBGE), de 2007, revela que o deficit habitacional em Minas Gerais

é de 474 mil moradias, das quais 115 mil são na Região Metropolitana de Belo

Horizonte –no país, o deficit é de 6,273 milhões de domicílios.

Diante de todos esses dados, que apenas refletem em números a realidade

que todos os brasileiros convivem diariamente, resta apenas a conclusão de que a

divisão de terras no Brasil ocorreu de forma totalmente excludente, sendo que suas

consequências são as mais bárbaras, constituindo causas de diversos tipos de

violência e outros problemas sociais atuais.

O direito constitucional à moradia, evocado por todos aqueles abandonados

nesse âmbito pelo Estado, deve ser melhor aplicado, começando por um melhor uso

do solo, tanto urbano quanto rural, e a cobrança, com rigor, por parte de toda

sociedade, Ministério Público, atuação jurisdicional para a ocorrência e garantia da

verdadeira Função Social da Propriedade.

Desta forma, as terras públicas devem estar em grande enfoque, haja vista

que o Estado, maior garantidor, conforme preceituado pela Constituição Federal, do

23

direito à moradia, não deveria se eximir do dever de cumprir a Função Social da

Propriedade.

Enquanto vários terrenos públicos estão abandonados, sem qualquer tipo de

investimento, milhares de famílias vivem em condições desumanas em

assentamentos irregulares. Por que haveria, então, a vedação à Usucapião de

Terras Públicas? O interesse coletivo e social ali empregado seria um benefício

muito maior a toda comunidade brasileira do que propriedades abandonadas, que

não representam qualquer evolução econômica.

24

3 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

No Direito Romano, costumava-se estabelecer a propriedade como um

direito individual, possuindo o dono do bem liberdade ampla para agir ou deixar de

agir nele de acordo apenas com sua própria vontade e convicção.

Havia ali o absolutismo da propriedade, em seu extremado individualismo,

assim como aquele Direito. A influência dessa concepção ainda está presente no

ordenamento jurídico atual, no entanto é necessário se atentar ao fato de que o

domínio é um direito real de conteúdo virtualmente limitado, como afirma Ugo Natoli,

em sua obra La proprietà, como menciona Caio Mário da Silva Pereira em sua obra.

Sendo assim, a sua plenitude não é incompatível com as suas limitações,

delimitadas em lei.

A despeito de que os romanos acreditavam ser a propriedade um direito

ilimitado, ressalvava-se que os princípios especiais poderiam ser o seu marco, como

servidões. Contudo, foi a partir do Baixo Império que as limitações passaram a ser

mais claras.

Na Constituição Brasileira de 1946, o seu art. 147 enunciava que o uso da

propriedade seria condicionado ao bem-estar social e que a lei, sem quebra pelo

respeito ao direito de propriedade, deverá promover a justa e distribuição da

propriedade, com igual oportunidade para todos.

Nesse sentido, houve uma definição de uma tendência, que tem raízes num

movimento que é geral, dando inserção de doutrinas, como Natoli, Barberó,

Pescatore, Grasseti, conforme também pontua o civilista Caio Mário da Silva Pereira.

Continuamente, a reforma constitucional de 1967 não deixou de explorar tal

assunto, reaparecendo no enunciado de seu art. 157, abrindo o título “Da Ordem

Econômica” e assentamento as finalidades dessa na realização da justiça social,

com base em certos princípios, como a liberdade de iniciativa, a valorização do

trabalho como condição da dignidade humana, a função social da propriedade, a

harmonia e a solidariedade entre os fatores de produção, o desenvolvimento

econômico, a repressão ao abuso do poder econômico, a repressão ao abuso do

poder econômico. Sendo a mesma tendência empregada no art. 160 da Reforma de

1969.

A função social da propriedade veio para estabelecer um objetivo ao

25

proprietário, que deve visar o bem comum e o retorno do exercício de sua posse a

todos os outros membros da sociedade. A posse, como elemento e instituto mais

amplo que a propriedade, conforme leciona o Professor Juventino Miranda, deve ter

uma função social direcionada e não mais ser exercida à revelia da vontade de seu

possuidor. Para tanto, estabelece o art. 170 da Constituição Brasileira de 1988:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – Soberania Nacional; II – Propriedade Privada; III – Função Social da Propriedade; IV - Livre Concorrência; V – Defesa do Consumidor; VI – Defesa do Meio Ambiente; VII – Redução das desigualdades Regionais e Sociais; VIII – Busca do Pleno Emprego; IX – Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. (BRASIL, 2012. P. 65)

Nesse contexto, o princípio constitucional da função social da propriedade

está inserido nos arts. 5, inciso XXIII, e 170, inciso III da Constituição Federal de

1988, o que faz dele um princípio-garantia, com status de norma cogente,

vinculante, de cumprimento obrigatório, pois foi estabelecida sanção em caso de

inobservância desse preceito constitucional:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;(BRASIL, 2012. p. 21/23)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função social da propriedade; (BRASIL, 2012. P. 65)

O primeiro percursor desta ideia de que a propriedade gerava para o seu

titular o dever de empregar riqueza no interesse da sociedade foi Leon Duguit, em

1914, na obra Las Transformaciones Generales Del Derecho Privado desde el

Código de Napoleón. O teórico afirma que a propriedade é uma instituição jurídica

que se formou para responder a uma necessidade econômica, assim como todas as

26

instituições jurídicas, e que evoluciona necessariamente com as necessidades

econômicas.

Ao notar que a sociedade moderna se transformava rapidamente e também

o conceito jurídico da propriedade deveria acompanhar esta transformação, a fim de

assegurar seu relevante papel econômico, ele acreditava que a sociedade deixou de

ser um direito individual para converter-se em uma função social. Dessa forma,

Duguit pregava a necessidade de leis inéditas que impusessem ao proprietário a

obrigação de cultivar o campo, de conservar a casa, de dar à riqueza que tinha em

mãos uma utilidade econômica e social, defendendo que seria legítima a intervenção

do Estado, através do legislador, para evitar que grandes latifúndios se prestassem

à especulação, de forma que seus donos deveriam lhe dar uma destinação

produtiva.

Segundo esse importante pensador francês, o conteúdo da propriedade

como função social é definido em suas proposições:

O proprietário tem o dever e, portanto, o poder de empregar a coisa que possui na satisfação das necessidades individuais e, especialmente, das suas próprias de empregar a coisa no desenvolvimento de sua atividade física, intelectual e moral. O proprietário tem o dever e, portanto, o poder de empregar a sua coisa na satisfação das necessidades comuns de uma coletividade nacional inteira ou de coletividades secundárias. (apud TEIZEN JÚNIOR, 2004. p. 154)

Ademais, sobre o mesmo tema, assim leciona o professor Juventino Gomes

de Miranda Filho:

A vinculação ou nexo dessa realidade com os direitos fundamentais é até intuitivo. Cidadania e dignidade humana serão meras utopias sem o acesso à propriedade mínima, assim entendida aquela propiciadora de condições de moradia e de subsistência. É meio de eliminar a pobreza em nível de hipossuficiência ou de impotência condenadora de grandes massas humanas à fome. Da teorização para a ação as dificuldades têm-se mostrado incontornáveis e até paradoxais. A função social da propriedade é princípio fundamental do ordenamento, deixando de ter somente aquela conotação econômica das anteriores constituições. (MIRANDA FILHO, Juventino Gomes. A propriedade, a posse e os direitos fundamentais. 2007)

No art. 185, inciso II, da Constituição Federal1, encontra-se um dos vestígios

1 Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

27

da função social da propriedade, ao se impedir a desapropriação para fins de

Reforma Agrária quando há propriedade produtiva, fazendo jus ao art. 3º2, inciso III,

do mesmo diploma, que visa a erradicação da pobreza para reduzir as

desigualdades regionais e sociais, trazendo, assim, a harmonia da função social da

propriedade e os princípios fundamentais.

A propriedade era tradicionalmente aceita como direito individual, vide art.

5º, caput, da Carta Magna:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

Todavia, a partir de Duguit vinculou-se a propriedade à função social, como

se vê nos arts. 5º, XXI e XXIII e art. 170, incisos II e III, da Lei Maior, a seguir:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; (…) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) II - propriedade privada; III - função social da propriedade;

Ao estarem assim dimensionadas, a propriedade e a posse molduram os

princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a solidariedade

II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. (BRASIL, 2012. P. 68)

2 Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

28

social.

Nesse sentido, a função social da propriedade e da posse veio para estreitar

o equilíbrio entre os interesses dos particulares e da coletividade.

Segundo o aclamado autor Noberto Bobbio, com os movimentos socialistas

atuais, a propriedade, juntamente com outros institutos do direito, tem

experimentado um aspecto muito mais funcional que propriamente um direito de

uso. Portanto, a propriedade, antes de ser um direito que pode ser reivindicado

contra todos, como fora outrora, haverá de ser observada a sua função social como

um direito pertencente a todos enquanto sociedade.

De fato não se afeta, de modo prejudicial, os interesses do titular

proprietário, que continua com seu direito de possuir, gozar, usar e reivindicar, mas

não mais de forma absoluta, como outrora quando se exercia o use abutendi.

Destarte, o Estado também contribui para a função social da propriedade,

caso contrário permaneceria a insegurança e o egoísmo, extremando as

desigualdades sociais. Através do poder de polícia, a sociedade, por meio de seus

cidadãos e organizações não governamentais, deve fiscalizar as ações de empresas

públicas e particulares de maneira a coibir abusos e desperdícios de bens.

Por todas as razões explicitadas, a função social da propriedade veio para o

ordenamento jurídico brasileiro como um modo de diminuir as desigualdades

presentes atualmente em questão de divisão de terras, visto que, apesar de a

quantidade de terras no território brasileiro ser extensa, estão pessimamente

distribuídas.

Essa função social, defendida tanto na Constituição Federal quanto no

Estatuto da Cidade, exige que todos utilizem devidamente seus terrenos, fazendo

jus a devida destinação socioambiental, conforme defendido no art. 225 da Carta

Magna, devolvendo à sociedade os frutos desse uso, não podendo deixá-la em total

abandono apenas por ser de sua propriedade.

No Brasil, a concepção oitocentista do direito de propriedade, que estava

insculpida no Código Civil de 1916, cedeu lugar aos princípios constitucionais

balizadores do direito de propriedade, a partir do Estado Democrático de Direito

(ZANARDI, 2003, p.108).

O Estado, como garantidor primeiro dos princípios fundamentais, incluindo o

princípio fundamental social à moradia e, em um contexto humano fundamental, do

direito fundamental à propriedade, deveria ser o maior garantidor da função social da

29

propriedade, devendo buscar sempre uma destinação socioambiental em cada

propriedade, independente de ser propriedade privada ou pública, visto que suas

consequências sempre afetarão a todos.

Dar uma função social às terras públicas causaria grande evolução

econômica no país, porquanto não há como haver crescimento e cumprimento dos

demais direitos fundamentais sem haver um devido espaço, uma devida moradia,

para evolução e concretização disso.

Oportuno se faz analisar, dentro do contexto da constitucionalização da

ordem civilista, o fenômeno jurídico da repersonalização do Direito Civil, que

conforme ensina Lôbo (1999), consiste no fenômeno contemporâneo que retira o

patrimônio do centro do ordenamento jurídico para colocar a pessoa humana em seu

lugar.

Do mesmo modo que são permitidas constitucionalmente desapropriações,

como uma forma de aquisição de propriedade, por parte do Estado, para adequação

ao bem-estar comum e para atender a um maior interesse público, em detrimento do

interesse particular do desapropriado, o inverso também deveria ser aplicado em

face do Estado. Ora, se a função social é exigida pelo Estado aos particulares por

qual motivo não deveria também ser exigida pela sociedade ao Estado?

Conforme demonstrado em item anterior, a história da distribuição de terras

no Brasil foi claramente injusta e excludente, necessitando, hoje, de medidas mais

drásticas para concretizar o que está amplamente previsto no art. 5º, caput, da Lei

Maior, qual seja, o princípio da igualdade, eis que “todos serão iguais perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza”, devendo-se incluir nessa visão, portanto, o

Estado. Sem a atuação fiscalizatória desse, seja interna ou externamente, jamais

será cumprida, de forma adequada, a tão necessária em um Estado Democrático

função social da propriedade.

30

4 DA FUNÇÃO DO ESTADO E DO DIREITO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA

O Estado Democrático de Direito surgiu a partir dos movimentos

constitucionalistas do século XX, que culminaram na consagração dos direitos

sociais nos sistemas jurídicos de inúmeras Constituições Federais, notadamente

porque boa parte desses direitos sociais possui como fundamento o princípio da

dignidade da pessoa humana. Sendo o caso, por exemplo, do direito à moradia, um

desdobramento da função social da propriedade e um patamar civilizatório mínimo

indispensável a uma vida humana digna.

Sobre isso, segue o posicionamento:

Sob um ponto de vista histórico e ontológico, os direitos fundamentais são direitos humanos. Todavia, com o advento do Estado Moderno e a consagração jurídica desses direitos humanos no seio das constituições, tais direitos, agora positivados e acionáveis judicialmente, passaram à condição de direitos fundamentais. Desse modo, os direitos fundamentais são manifestações constitucionais e positivas do Direito, ao passo que o vocábulo “direitos humanos” guarda relação com normas de direito internacional, sem vinculação a uma determinada ordem constitucional específica, mas com aspiração de validade universal. (GUERRA FILHO, 2007)

O direito à moradia foi inserido no rol dos direitos humanos desde a

proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, inaugurando

assim, uma nova dimensão de direitos sociais, em prol da valorização e promoção

de uma vida digna para aquela geração e as vindouras. O artigo 25 da Declaração

Universal dos Direitos Humanos assim enuncia:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948)

Além dessa previsão normativa internacional, exitem outros Tratados

Internacionais que defendem o mesmo assunto, como Agenda 21 sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento de 1992 e a Agenda Habitat de 1996, na própria

Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica de

1969), conforme pontua Mazzuoli, sendo o direito à moradia, então, um direito

31

humano essencial previsto em diversos instrumentos normativos internacionais, por

ser essencial a uma vida humana decente.

Na Constituição Brasileira de 1988, o direito à moradia é consagrado como

dever de garantia de competência do Estado, conforme preconiza o art. 23, inciso

IX, a seguir:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) IX- promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X- combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

Assim, apesar de já estar consagrado na Constituição vigente, a real

aplicação do direito fundamental à moradia ainda não atingiu sua plenitude, posto

que possui ali um significado muito amplo, não sendo estabelecidas as diretrizes

para a sua concretização, não obstante seja uma norma constitucional autoaplicável.

Cumpre ao Estado, portanto, buscar uma efetivação dessa norma, criando

programas de inclusão, como os realizados recentemente (por exemplo: o já citado

“Minha Casa, Minha Vida” do governo federal), porém, antes de tudo, obedecer ao

seu dever de amparo social, priorizando os direitos humanos em detrimento de seus

interesses de cunho unicamente patrimoniais, sem valorizar qualquer tipo de função

social.

De acordo com o posicionamento defendido por Kelsen, em sua obra “Teoria

Geral do Direito e do Estado”, alguns autores defendem que o organismo estatal

participa de uma auto-obrigação. Questionando sobre a possibilidade do Estado ao

mesmo tempo ser a origem da criação das normas e receber delas obrigações e

direitos, esse ilustre teórico aduz que ao considerarmos que o “Estado não pode ser

um sujeito de obrigações e direitos jurídicos no mesmo sentido que um indivíduos

são sujeitos de obrigações e direitos não tem significado, que lhe atribuem alguns

autores, quando defendem a tese de que o Estado, por sua própria natureza, não

pode ser sujeitado ao Direito.”.

Ao se considerar que o Direito é formulado por humanos, que estão sujeitos

a ele próprio, Direito esse criado através de órgãos do Estado, a afirmação de que o

Direito é criado pelo Estado significa apenas que o Direito regula sua própria

criação. Além disso, apenas a conduta humana poderia, segundo ele, ser objeto da

32

regulamentação jurídica. No entanto, não há o que se discutir em relação à presença

de atuação humana nos órgãos estatais, que podem e devem ser sujeitados ao

Direito.

Falar de obrigações e direitos do Estado não quer dizer que algum ser, que existe separadamente dos indivíduos humanos, “tem” essas obrigações e deveres. Falamos de tais obrigações quando imputamos ao Estado, à unidade personificada da ordem jurídica, os atos que constituem o conteúdo dessas obrigações e deveres. Estes são obrigações e direitos de indivíduos que, ao cumprirem esses deveres, ao exercerem esses direitos, têm a capacidade de órgãos do Estado. As obrigações e direitos do Estado são obrigações e direitos de órgãos do Estado. A existência de obrigações e direitos do Estado não implica o problema da auto-obrigação, mas o da imputação. As obrigações e os direitos do Estado são obrigações e direitos dos indivíduos que, segundo nosso critério, devem ser considerados órgãos do Estado, ou seja, que executam uma função específica determinada pela ordem jurídica. Essa função pode ser o conteúdo de uma obrigação ou de um direito. (KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado, 1881)

Kelsen trata, ainda, em sua supramencionada obra, sobre os direitos e

deveres fundamentais do Estado. Segundo o que se idealizava durante os séculos

XVIII e XIX, todo Estado tem alguns direitos e deveres fundamentais, que não são

estipulados apenas pelo Direito Internacional Público, mas advêm da origem desses

Estado, tendo a natureza de princípios controladores ou fundamentais baseados em

condições essenciais para existência do Estado e da vida internacional, conforme

também leciona Hershey, em “Essencials of Internacional Public Law and

Organization”.

Dessa forma, o Estado tem, a partir dos princípios fundamentais que ele

mesmo preconiza, o dever de cumprir o que exige dos demais indivíduos

pertencentes a essa sociedade ou daqueles estabelecidos nela. O Estado é um

sujeito fictício regido por humanos que devem buscar a concretização dos direitos

que eles próprios emanam, direta ou indiretamente, através do poder legislativo.

Nesse sentido, concluímos que não se pode olvidar do dever estatal de

buscar a consubstancialização do direito fundamental à moradia, tão defendido tanto

no âmbito do Direito Internacional quanto no Direito Nacional, como no Estatuto das

Cidades. Além de ter que considerar e cumprir o princípio constitucional da função

social da propriedade, exigido por ele próprio em face dos particulares, muitas vezes

através do instituto da desapropriação.

Ao aplicarmos os fundamentos para a realização de uma desapropriação,

devemos também considerá-los contra o Estado, no sentido de que esse não pode

33

viver à sua própria revelia, estando sempre sujeito ao interesse do povo, à busca de

um bem estar social. Não exigir o cumprimento de deveres por parte do Estado é

concebê-lo com um tirano que pode deixar ou não de zelar pelo modelo de Estado

Democrático de Direito quando bem entender, quando for mais favorável e rentável

para si, não analisando as graves consequências sociais e econômicas de suas

omissões.

O Estado, destarte, deve ser o primeiro a dar o exemplo de obediência às

normas que ele mesmo participa da sua construção e promulgação. Se ele não

cumpre as próprias leis, como poderá exigir que os demais indivíduos cumpram?

Especialmente se tratando de direitos fundamentais, direitos humanos

consagrados, o Estado tem o dever nacional e internacional de estabelecer vias de

cumprimento de seu comprometimento social e econômico, que é a verdadeira

razão para sua existência.

Constitui, ainda, competência comum da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e

melhorias das condições habitacionais, nos termos do artigo 23, inciso IX, da

Constituição Federal, já mencionado neste trabalho.

Portanto, insta consignar que a partir da inclusão do direito social à moradia

no artigo 6º da Constituição Federal, tal dispositivo consiste em uma das cláusulas

pétreas, ante a proibição prevista no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Lei

Fundamental, a ver:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (…) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais (BRASIL. 2012. P. 43)

O direito à moradia, como já informado anteriormente, passou a ser

expressamente reconhecido por vários tratados e documentos internacionais, como,

por exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

(1966), promulgado pelo Brasil através do Decreto 591, de 06/07/1992. Em um de

seus dispositivos, o artigo 11, os Estados Partes reconhecem o direito de toda

pessoa à moradia adequada e comprometem-se a tomar medidas apropriadas para

assegurar a consecução desse direito, in verbis:

34

“Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.” (Decreto nº 591 de 6 de julho de 1992)

E, ainda preceitua em seu artigo 3º que:

“Os Estados partes do presente pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enunciados no presente pacto.” (Decreto nº 591 de 6 de julho de 1992)

E, por oportuno, salienta-se que, ao passo que o Pacto dos Direitos Civis e

Políticos estabelece direitos endereçados aos indivíduos, o Pacto dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais estabelece deveres endereçados aos Estados

Partes.

Nesse diapasão, há, no ordenamento jurídico brasileiro, a absoluta falta de

instrumentos e garantias jurídicas que protejam, com a devida eficácia, os direitos

sociais, culturais e econômicos, enquanto que se vê que os direitos individuais

possuem muito mais respaldo jurídico e garantias judiciais efetivas do que os direitos

sociais, principalmente ao verificarmos instrumentos como o Habeas Corpus,

Mandado de Segurança, o princípio da legalidade, entre outros, destinados à

garantia do cidadão contra arbitrariedades estatais. Não obstante os direitos civis e

políticos exigem, basicamente, uma abstenção por parte do Estado, os direitos

sociais exigem uma ação efetiva do Estado, que, infelizmente, não ocorre

atualmente.

35

5 VEDAÇÃO JURÍDICO-NORMATIVA À USUCAPIÃO DE BENS PÚBLICOS NO BRASIL E IMPLICAÇÕES: REFLEXÕES À LUZ DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A classificação para bens públicos se encontra no capitulo III, Livro II do

Código Civil, em seus artigos 98 e 99 nos seguintes termos:

Art. 98.: São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. Art. 99.: São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias. III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma destas entidades. (BRASIL. Código Civil. 2012. P. 140)

E segundo a doutrina, o fundamento da usucapião é a posse unida ao

tempo, esclarecendo que a posse ad usucapionem é a configurada nos termos do

Código Civil, qual seja, o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes

inerentes à propriedade. Como ressalta o art. 1.196 do Código Civil:

Art. 1.196.: Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. (BRASIL. Código Civil. 2012. P. 182)

A negativa da usucapião em bens públicos é protegida Constitucionalmente

nos artigos 183 § 3º, que trata da denominada Usucapião Constitucional Urbano, e

191 § único, que, por sua vez, diz respeito à Usucapião Constitucional Rural,

vejamos:

Art. 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (…) § 3º.: Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Art. 191 Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a

36

propriedade. (...) Parágrafo único - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL. Constituição Federal. 2012. P. 67/68)

De acordo com o exposto, é de se defender a possibilidade de usucapião

sobre os bens públicos, como instrumento hábil a fazê-los cumprir sua função social,

uma vez que a intenção do legislador constituinte, ao tratar da imprescritibilidade,

referiu-se aos bens materialmente públicos.

Igualmente preocupados com uma correta interpretação do comando

constitucional, os autores Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald acrescentam mais

dois argumentos para a defesa da incidência da usucapião sobre alguns bens

públicos. Aduzem eles a necessidade de respeito ao princípio da função social da

posse e da proporcionalidade:

A nosso viso, a absoluta impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, por ofensa ao princípio constitucional da função social da posse, em última instância, ao próprio princípio da proporcionalidade.

(FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais.)

Após a realização de pesquisas na jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, constata-se que têm sido rejeitadas as pretensões de reconhecimento da

prescrição aquisitiva sobre os bens públicos. A matéria, no entanto, carece de uma

análise mais aprofundada, uma vez que o aludido tribunal ainda utiliza um

entendimento que fora sumulado anteriormente à vigência da Constituição Federal

de 1988, para solucionar as pretensões de usucapião de bens públicos, como se

depreende a seguir:

USUCAPIÃO - TERRAS PÚBLICAS - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - INDEFERIMENTO DA INICIAL - DECISÃO CORRETA - RECURSO IMPROVIDO. 1)- SENDO AS TERRAS DA TERRACAP - COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE

BRASÍLIA PÚBLICAS, POR FORÇA DA LEI Nº 5.861/72, QUE FAZ O

DISTRITO FEDERAL PARTICIPAR COM 51% DE SEU CAPITAL, IMPOSSÍVEL SEREM ELAS ADQUIRIDAS POR USUCAPIÃO. 2)- IMPOSSÍVEL SE MOSTRA O PEDIDO DE USUCAPIÃO DE TERRAS PÚBLICAS, POR EXPRESSA PROIBIÇÃO NESTE SENTIDO CONTIDA NOS PARÁGRAFOS 3º E ÚNICO, DOS

ARTIGOS 183 E 191 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O QUE LEVA

À EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO, COM

BASE NO ARTIGO 267, VI, DO CPC. 3)- RECURSO CONHECIDO E

IMPROVIDO. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação. Relator Luciano Vasconcellos. Processo AC 20050110940493 DF. 6ª Turma

37

Cível. 13/03/2006. DJU 27/07/2006 Pág. : 163) Ementa: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DISCRIMINATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PONTAL DO PARANAPANEMA. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. DESPACHO COM NATUREZA ADMINISTRATIVA. BOA-FÉ DOS OCUPANTES. USUCAPIÃO DE TERRA PÚBLICA. NÃO CONFIGURADA. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. A controvérsia fundiária referente à região do Pontal do Paranapenama, foi dirimida pela Segunda Turma, por ocasião do julgamento dos Recursos Especiais 617.428/SP e 847.397/SP. 3. O despacho proferido por juiz em 1927, em que se consignou a expressão "títulos hábeis" em favor dos ocupantes, possui natureza administrativa, razão pela qual não faz coisa julgada material. 4. A discussão sobre a boa ou má-fé na ocupação é irrelevante, uma vez que, se tratando de terra pública, não pode ser objeto de usucapião, qualquer que fosse o estado de espírito do pretendente. 5. Ainda que se admita a possibilidade de usucapião de terras públicas no período anterior ao Código Civil de 1916 , não se podem afastar os requisitos específicos dessa modalidade aquisitiva. A posse não se presume, vedação essa que vale tanto para a prova da sua existência no mundo dos fatos como para o dies a quo da afirmação possessória. 6. A certidão (de 1856) em que a letra e a assinatura não pertencem a quem se faz supor (Frei Pacífico) é, para todos os fins, documento inexistente, incapaz de convalidação, conquanto não se convalida aquilo que, no plano do Direito, não existe. Nem tampouco o decurso do prazo transforma o inexistente em existente, ou mesmo em documento putativo. 7. Não comprovada a posse, impossível o reconhecimento de usucapião, qualquer que seja o fundamento jurídico alegado (legislação federal ou estadual). 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL 1163247 SP 2009/0211454-4. Relatora Eliana Calmon. Segunda Turma. 02/09/2010. DJe 22/09/2010)

No entanto, em pesquisa junto ao sítio eletrônico da Câmara de Deputados,

pode-se verificar diversas Propostas de Emenda à Constituição visando a inclusão

da permissão de Usucapião de Terras Públicas na Constituição da República, como

a recente PEC número 270 de 2013, de proposição do Deputado Augusto Coutinho

e a PEC número 413 de 2001, iniciada pelos Deputados, à época, Iédio Rosa e

Jaime Martins .

Na Proposta de Emenda Constitucional 270/2013, o legislador deseja que se

acrescente o art. 97-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para

garantir direito de propriedade por usucapião de imóveis urbanos públicos ocupados

há mais de dez anos sem contestação do Poder Público.

Nesse sentido, o novo artigo resultaria na permissão de concessão de

usucapião em caso de omissão estatal, tendo como justificativa impedir que o poder

público negue uma garantia constitucional à moradia ao indivíduo, ante a ausência

de reivindicação por parte desse sobre determinada propriedade e dentro de um

38

longo lapso temporal.

Por sua vez, a PEC 413/2001, que hoje se encontra arquivada na Mesa

Diretora da Câmara dos Deputados, visa revogar o § 3º do art. 183 e o parágrafo

único do art. 191 da Constituição Federal, revogando dispositivos que proíbem a

aquisição, por usucapião, de imóveis públicos urbanos e rurais; alterando a

Constituição Federal de 1988, ao se pautar nos fundamentos de que tais proibições

afrontam a função social da propriedade, tão aclamada na presente Constituição da

República.

Apesar de ser clara na Consituição Federal vigente a proibição à usucapião

de bens públicos, podemos perceber o quanto essa negativa tem consequências

diretas, tanto na sociedade como um todo como na Administração Pública. A

questão não é apenas em relação à ação do Estado para diminuir as desigualdades

sociais e garantir direitos como a moradia, mas também como uma forma de coibir a

própria Administração Pública a cuidar e gerenciar melhor os seus bens, sob pena

da perda de sua propriedade.

39

6 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Os Princípios Fundamentais, nos ensinamentos de José Afonso da Silva, são

os mandamentos nucleares de um sistema. Sendo assim, são eles que norteiam as

demais normas do ordenamento jurídico, inclusive as outras normas constitucionais.

Constituem as direções e ordenações ao sistema jurídico, sendo núcleos de

condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais, nas palavras de

Canotilho e Vital Moreira.

Indubitavelmente, os princípios são o cerne do sistema de normas, sendo a

origem e o fim delas, não podendo haver qualquer disposição em contrário,

estabelecendo, desse modo, sua devida supremacia.

Estando positivados, os princípios fundamentais formam as chamadas

normas-princípios, que são esses preceitos básicos da Constituição Federal. Além

disso, há a subdivisão em Princípios Político-constitucionais e Princípios Jurídico-

constitucionais. As primeiras são aquelas consideradas norma-princípio, isto é,

normas fundamentais de que derivam logicamente, manifestando implicitamente, as

normas particulares regulando imediatamente relações específicas da vida social

sendo, portanto, normas conformadoras do sistema constitucional positivo.

Por outro lado, os Princípios Jurídico-constitucionais são os princípios

constitucionais gerais, que tratam da ordem jurídica nacional, decorrem de certas

normas constitucionais e, às vezes, formam-se de princípios derivados dos

fundamentais, como, por exemplo, o da proteção à família e os denominados

princípios garantias.

Por ter função ordenadora e ação imediata, enquanto diretamente aplicada,

esses princípios maiores funcionam como critério de interpretação e de integração,

haja vista seu objetivo de conceder coerência geral ao sistema jurídico. Portanto,

têm eficácia plena e a referida aplicabilidade imediata, de modo que não é mera

promessa no texto constitucional, mas sim a proclamação de um direito dever por

parte de todos os atingidos pela Lei Maior, indicando, muitas vezes, os fins dos

Estados, v.g. Art. 3º da Constituição da República:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

40

sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL. Constituição Federal. 2012. p. 21)

Esse artigo mencionado assinala, pela primeira vez, em uma Constituição

Federal do Brasil, a especificação dos objetivos da República Federativa do Brasil,

cujos fundamentos devem usados na busca da concretização de uma democracia

econômica, social e cultural, a fim de efetivar a dignidade da pessoa humana.

Na lição de Bobbio, entre princípios inexiste antinomia em sentido próprio: em

caso de conflito entre dois ou mais princípios, nenhum deles é excluído do

ordenamento jurídico. Ocorre uma conjugação dos valores contidos, ou, quando isso

não for possível, deve ser feita uma opção sobre qual deverá ser o princípio

aplicável no caso concreto; nesses casos, a fundamentação é de ordem

predominantemente política e social, em detrimento da jurídica.

Importa destacar existência de corrente doutrinária que entende inexistir

diferença entre normas e princípios, aduzindo que aquelas seriam gênero, dos quais

estes seriam espécies dotadas de grau de abstração relativamente elevado, ao

contrário da outra espécie de normas, as regras, caracterizadas pelo grau de

abstração relativamente reduzido.

Nesse passo, ingressando no exame da relação dos princípios com as

normas jurídicas, Bobbio postula que princípios gerais são normas como todas as

demais, advertindo, no entanto, para o fato de que podem ser expressos ou não-

expressos, ou seja, esses últimos são:

Aqueles que se podem tirar por abstração das normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios, ou normas generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema. (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: ed. Polis, 1991, p. 91-97)

Sendo assim, na questão de concessão de usucapião constitucional em se

tratando de terras públicas, obedecer-se-ia a uma série de princípios estabelecidos

na Lei Maior, sendo eles: o princípio de declaração dos direitos sociais, o da

proteção à família, o da dignidade da pessoa humana e o da função social da

propriedade.

41

6.1 Direito à Moradia contraposto ao Direito à Propriedade

Para José Afonso da Silva, o direito à moradia pode ser assim definido:

Direito à moradia significa, em primeiro lugar, não ser privado arbitrariamente de uma habitação e de conseguir uma e, por outro lado, significa o direito de obter uma, o que exige medidas e prestações sociais adequadas à sua efetivação. (SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: RT, 1981)

De forma mais ampla, esse direito necessita também que seja cumprido

dignamente, ao ser fornecida a devida infraestrutura para a vivência com dignidade

ali, o que não observamos, muitas vezes, em diversas moradias precárias ao longo

das zonas urbanas e rurais por todo o país, explicitando a condição de país

subdesenvolvido.

Partindo-se da análise do texto constitucional, verificamos que o legislador

simplesmente previu o direito à moradia sem lhe fazer qualquer acréscimo relativo

ao seu alcance, conteúdo e significado, o que faz com que, aplique-se o artigo 5º, §

2º da Constituição Federal, ao estabelecer que os direitos e garantias previstos na

constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios adotados e,

também, dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.(BRASIL. Constituição Federal. 2012. p. 21/25)

Considerando que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil (artigo 1º, inc. III) e o combate a pobreza,

marginalização e desigualdades sociais são os seus objetivos (artigo 3º, inc. III),

podemos traçar o objetivo do que está disposto em relação ao direito fundamental à

moradia, incluído pela Emenda Constitucional número 64, do ano de 2010, qual seja,

a garantia de moradia digna a todos, sem exceção, sendo dever do Estado zelar

para o devido cumprimento dessa diretriz.

42

Embora haja uma oposição entre o direito fundamental à moradia e o direito

fundamental à propriedade, no que tange à usucapião de terras públicas, há que se

dispor algumas particularidades. Primeiramente, como já mencionado neste

trabalho, a propriedade, nos dias atuais, não carrega mais aquela definição liberal e

individualista presente na noção antiga de Direito Reais, advinda dos romanos.

Devendo, portanto, obedecer ao cumprimento da função social da propriedade, não

havendo nada expresso sobre eximir o poder público de cumprir esse preceito, e,

mesmo que houvesse, seria inconstitucional, ao passo que a Lei Maior declara,

através do Princípio da Igualdade (art. 5º, caput), que todos serão tratados

igualmente, independente de sua natureza, ou seja, não importa se o sujeito ativo ou

passivo seja público ou privado, deverá cumprir os demais deveres impostos pelo

sistema jurídico.

Destarte, não haveria nenhuma inserção negativa no direito à propriedade

quando do deferimento dessa modalidade de aquisição de propriedade, visto que o

imóvel público apenas seria passível de sofrer a usucapião, caso o adquirente

preenchesse todos os requisitos presentes nos arts. 183 e 191 da Constituição da

República, onde se encontra prevista a denominada Usucapião Constitucional.

Isto é, haveria a omissão por parte do poder público no exercício de sua

propriedade, uma vez que não forneceu retorno à sociedade daquele terreno,

tornando-o inútil e abandonado, por espaço de tempo suficiente para que uma

família se assente ali e torne aquela terra a sua única moradia, realizando, assim, a

função que era primeiramente do Estado.

A esses, logicamente, deveria caber a propriedade do terreno em questão,

haja vista o preenchimento de todos os requisitos legais necessários para tal.

Entretanto, a Constituição insiste em manter uma norma claramente inconstitucional

ao estabelecer a proibição de usucapião de bens públicos.

Ora, o exercício adequado da propriedade é livre e amplamente segurado

pelas normas constitucionais e civilistas, porém, há de se convir que se deve

analisar também o bem estar comum e qual seria o melhor resultado para toda a

sociedade, principalmente por ser ela a grande sustentadora do sistema estatal, a

sua base de interesses, visto que se trata de um Estado Democrático de Direito.

Diante de todos os dados apresentados no inicio deste trabalho, entende-se o

quanto é urgente uma medida estatal para diminuição das desigualdades sociais e,

consequentemente, da violência, da miséria e dos demais problemas sociais atuais

43

presentes no dia a dia dos brasileiros.

Tais problemas sociais não afetam apenas os que são atingidos por ele, que

estão marginalizados, mas também aqueles que sofrem as suas consequências

devassas, como, por exemplo, o aumento da criminalidade e da disseminação de

doenças.

Fornecer condições dignas de moradias a toda a população, em detrimento

do uso indevido da propriedade torna-se mais do que necessário nos dias atuais, a

começar pelas terras públicas, nas quais estão grande parte dos aglomerados

ilegais.

Os princípios fundamentais da função social da propriedade, da solidariedade,

da proteção à família e da dignidade da pessoa humana demonstram a intenção do

Estado, a partir da Constituição de 1988, de não desamparar os mais vulneráveis,

no mesmo sentido de aplicação dos arts. 183 e 191 do mesmo diploma3, que dispõe

sobre a supramencionada Usucapião Constitucional.

Conforme depreendido do texto legal acima, essas modalidades de

Usucapião dispostas na Constituição da República visam favorecer àqueles que tem

o terreno usucapido como seu único bem imóvel, ou seja, beneficiando aqueles

possuidores de boa fé que dependem daquele espaço de terra para estabelecer sua

moradia e proporcionar uma vida digna à sua família.

Dessa forma, os interesses em questão são, social e juridicamente, mais

importantes que os direitos individuais, como o direito a propriedade, especialmente

quando esse não está sendo exercido dentro de suas limitações legais.

Os bens públicos também merecem sofrer delimitações e sanções legais, do

contrário seriam abandonados sem haver qualquer responsabilidade do poder

público em cumprir as próprias previsões legais. Apesar de haverem penalidades

para a má gestão pública, as sanções administrativas não resolveriam

3 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros

quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL. Constituição Federal. 2012. p. 67/68.)

44

imediatamente questões mais sérias e que influem de modo severo na vida de

milhares de famílias, que estão em terrenos públicos de modo ilegal.

Os objetivos da República Federativa do Brasil, demonstrados no art. 3º da

Carta Magna, mostram claramente que o dever do Estado é buscar a igualdade

entre as camadas da sociedade, fornecendo amplo amparo aos desfavorecidos e

buscando a erradicação da pobreza. Sendo assim, nada mais prudente do que

penalizar o Estado em suas omissões à função social da propriedade e conceder

usucapião a uma família, que já se encontra desamparada pelos deveres legais

desse mesmo Estado.

6.2 Da Possibilidade de Hierarquia entre as Normas Constitucionais

Na lição de Bobbio, entre princípios inexiste antinomia em sentido próprio: em

caso de conflito entre dois ou mais princípios, nenhum deles é excluído do

ordenamento jurídico. Ocorre uma conjugação dos valores contidos, ou, quando isso

não for possível, deve ser feita uma opção sobre qual deverá ser o princípio

aplicável no caso concreto; nesses casos, a fundamentação é de ordem

predominantemente política e social, em detrimento da jurídica.

Almiro do Couto e Silva, acerca do assunto, posiciona-se no sentido de que

“os princípios meramente indicam caminhos para soluções que só serão tomadas

após processo de ponderação com outros princípios. Todos eles são comparados e

sopesados a fim de que se apure com que ‘peso’ ou em que ‘medida’ deverão ser

aplicados ao caso concreto, por vezes se verificando, ao final desse processo, que

só um deles é pertinente à situação em exame, devendo afastar-se o outro ou os

outros, sem que haja, assim, revogação de um princípio em outro”.4

O entendimento dominante na teoria e na jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal é de que não há hierarquia entre normas constitucionais nem haveria

direitos fundamentais absolutos. Escreveu na Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental número 130, o Ministro Celso Antônio de Mello "É certo que o direito

de crítica não assume caráter absoluto, eis que inexistem, em nosso sistema

constitucional, como reiteradamente proclamado por esta Suprema Corte (RTJ

4 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o

direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (lei n.º 9.784/99).

45

173/805-810,807-808, v.g.), direitos e garantias revestidos de natureza absoluta". 5

No entanto, a concepção do respeitável Hans Kelsen diverge dessa

afirmativa:

A análise do Direito, que revela o caráter dinâmico desse sistema normativo e a função da norma fundamental, também expõe uma peculiaridade adicional do Direito: o Direito regula a sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo dessa norma. Como uma norma jurídica é válida por ser criada de um modo determinado por outra norma jurídica, esta é o fundamento de validade daquela. A relação entre a norma que regula a criação de outra norma e essa outra norma pode ser apresentada como uma relação de supra e infraordenação, que é uma figura espacial de linguagem. A norma que determina a criação de outra norma é a norma superior, e a norma criada segundo essa regulamentação é a inferior. A ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica cuja personificação é o Estado, é, portanto, não um sistema de normas coordenadas entre si, que se acham, por assim dizer, lado a lado, no mesmo nível, mas uma hierarquia de diferentes níveis de normas. (KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado; tradução de Luís

Carlos Borges. 2005.)

Assim, os princípios da dignidade da pessoa humana, da função social da

propriedade e o direito fundamental à moradia, dentre os outros citados, por serem a

origem, o princípio, para criação de novas leis, constitucionais ou não, devem ser

observados anteriormente às normas restantes, ditas por Kelsen como

hierarquicamente inferiores, por se basearem naqueles princípios fundamentais para

sua aplicação e para sua promulgação ao tempo do surgimento da recente

Constituição da República. Havendo, desse modo, a sobreposição daqueles em

detrimentos dos direitos individuais, também constantes na Carta Magna.

Isto é, na clara colisão do direito à propriedade e do direito fundamental à

moradia, além dos princípios fundamentais mencionados, resta-se clara a

inconstitucionalidade no que cabe à proibição de usucapião de bens públicos, que,

ao ter sido incluída na Lei Maior, não observou os princípios norteadores do Direito

Brasileiro, que servem de base para todas as demais normas deste ordenamento

jurídico.

5 Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411

46

7 CONCLUSÃO

Diante de todas as análises, doutrinas e dados expostos, concluímos que na

situação de divisão fundiária, em que se encontra o Brasil atualmente, é

extremamente necessária uma redistribuição de terras, não podendo o Estado,

poder máximo deposto pela sua própria sociedade, se esquivar a isso, do contrário

padeceríamos de todos os males, cada vez maiores, que a falta de garantias sociais

causa a todos os brasileiros, em especial aos mais desfavorecidos

economicamente.

Apesar de que seja expressa a proibição à usucapião de bens públicos na

Constituição e na legislação infraconstitucional, uma política para ação do Estado,

nesse sentido, seria de suma importância e, para um começo, seria primordial.

Não obstante o Estado tenha o dever de buscar uma reforma agrária, nos

termos permitidos constitucionalmente, também deve controlar a si mesmo, no

intuito de evitar supressões, abusos e omissões por parte do público, principalmente

no que tange à sua propriedade, que pertencem a toda a sociedade e que, portanto,

deveriam buscar a garantia do bem estar comum.

Por vir da sociedade o interesse de melhorias nas condições de vida de toda

a população, o Estado tem o dever de garantir ou, ao menos, não abster o direito

fundamental à moradia dos que dela necessitam, como um modo também de prezar

pela dignidade da pessoa humana.

47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACELETE, Lívia. Em Belo Horizonte, ocupação Dandara desafia especulação imobiliária há três anos. Revista Carta Maior. Disponível em <http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Em-Belo-Horizonte-ocupacao-Dandara-desafia-especulacao-imobiliaria-ha-tres-anos/5/25600>. Acesso em 10 de out. 2013.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâ-neo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

BELO HORIZONTE. Superintendência de Comunicação Institucional da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Comissão de Direitos Humanos vai pedir suspensão de ação de despejo. Disponível em <http://www.cmbh.mg.gov.br/noticias/2013-10/comissao-de-direitos-humanos-vai-pedir-suspensao-de-acao-de-despejo>. Acesso em 17 de out. 2013.

BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007. 285 p. ISBN 8520425569

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: ed. Polis, 1991, p. 91-97

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Estatuto da Cidade: guia para imple-mentação pelos municípios e cidadãos. Brasília, 2001. Disponível em: <http://www.direitosocial .com.br/download/estatuto_das_ cidades.pdf>. Acesso em: 3 out. 2013.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 270/2013. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6A08DB4862DCF6BD1BDE99A8F226B01B.node1?codteor=1095043&filename=PEC+270/2013>. Acesso em 09 de out. 2013.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 413/2001. Disponível em <http://imagem.camara.gov.br/MostraIntegraImagem.asp?strSiglaProp=PEC&intProp=413&intAnoProp=2001&intParteProp=1>. Acesso em 09 de out. 2013.

48

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em 10 de out. 2013.

BRASIL. Decreto 591, de 06/07/1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0591.htm>. Acesso em 10 de set. 2013.

BRASIL. Decreto-Lei n.º 9.760/46. Dispõe sôbre os bens imóveis da União e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del9760.htm>. Acesso em 17 de out. 2013.

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2007/>. Acesso em: 10 de out. de 2013

BRASIL. Lei Áurea. Lei nº 3.353/1888. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM3353.htm>. Acesso em: 17 de out. 2013.

BRASIL. Ministério das Cidades. Dados sobre favelas brasileiras do Ministério das Cidades. Disponível em <http://www.cidades.gov.br/&usg=AFQjCNGvgf9wd2HwIozgruG8zIfkPpIAOA>. Acesso em: 10 de set. 2013.

BRASIL. Ministério das Cidades. Déficit habitacional 2008. Brasília, 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL 1163247 SP 2009/0211454-4. Relatora Eliana Calmon. Segunda Turma. 02/09/2010. DJe 22/09/2010

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação. Relator Luciano Vasconcellos. Processo AC 20050110940493 DF. 6ª Turma Cível. 13/03/2006. DJU 27/07/2006 Pág. : 163

CENSO 2010. Mais de 11 milhões de brasileiros vivem em favelas. Revista Veja. Disponível em <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/mais-de-11-milhoes-de-brasileiros-vivem-em-favelas>. Acesso em: 10 de set. 2013.

49

Cities in a Globalizing World: global reporto n human settlements 2001. London: United. Nations Centre for Human Settlements (Habitat), 2001, p.197.

CLARO, Daniel Fernandes. A função social da propriedade urbana na Constituição Federal: instrumentos coercitivos de efetivação. 2007. 134f.

COSTA, Nelson Nery; ALVES, Geraldo Majela. Constituição Federal ano-tada e explicada. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

DE ARAUJO, Isabel. Para jovens de favelas com UPP, a pobreza é o maior inimigo. Jornal O Globo. Disponível em <http://oglobo.globo.com/rio/para-jovens-de-favelas-com-upp-pobreza-o-maior-inimigo-3298717>. Acesso em: 10 de set. 2013.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Atlas, 12a ed. 2000, p. 519.

Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/ministerio-das-cidades/arqui-vos-e-imagensoculto/NOTA_DEFI CIT2008_FJP_jul2 010.pdf>. Acesso em: 7 out. 2013.

Dissertação (Mestrado em função social do Direito). – Faculdade Autôno-ma de Direito, São Paulo, 2007, p.17. Disponível em: <http://www.fadisp.com.br/download/5 A_Funcao_Social da_Propriedade .pdf>. Acesso em: 07 nov. 2013.

DUGUIT, Leon 1859. Las transformaciones generales del derecho privado desde el codigo de napoleon. 1920.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito reais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. 716p. ISBN 8573879297

FILHO, Juventino Gomes de Miranda. A propriedade, a posse e os direitos fundamentais. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI35973,11049-+propriedade+a+posse+e+os+direitos+fundamentais>. Acesso em 17 de out. 2013.

GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à convenção americana sobre direitos humanos: pacto de San José da Costa Rica. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 380 p. (Ciências criminais ; 4) ISBN 9788520336809

50

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1988: inter-pretação crítica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS, 2007.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997.

Helano Márcio Vieira Rangel. Jacilene Vieira da Silva. O DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA COMO MÍNIMO EXISTENCIAL, E A SUA EFETIVAÇÃO À LUZ DO ESTATUTO DA CIDADE. Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.6 ž n.12 ž p.57-78 Julho-Dezembro de 2009

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Características da população: o Brasil é um país populoso e com densida-des muito heterogêneas. Brasília, 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/pesquisas/demograficas.html>. Acesso em: 11 nov. 2013.

JÚNIOR, José Cretella. Direito Administrativo Brasileiro, Forense, 2a ed., 2000, p. 805.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado; tradução de Luís Carlos Borges. 2005.

LAURIANO, Carolina. Quatro capitais brasileiras estão entre as mais desiguais do mundo, diz ONU. Jornal O Globo. Disponível em <http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1536525-5606,00-QUATRO+CAPITAIS+BRASILEIRAS+ESTAO+ENTRE+AS+MAIS+DESIGUAIS+DO+MUNDO+DIZ+ONU.html>. Acesso em: 10 de set. 2013.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navi-gandi, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 09 set. 2013.

LÔBO, Paulo. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/507>. Acesso em: 17 de out. 2013.

51

MEIRELLES, Hely Lopes . Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 17a ed. 1992, p. 426.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948. Disponível em: <http://www.onu-bra-sil.org.br/documentos _direitoshumanos.php>. Acesso em: 11 nov. 2013.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948. Disponível em < http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>. Acesso em: 10 de out. 2013.

OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à moradia adequada na América Lati-na. In: ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (Org.). Direito à mo-radia e segurança da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

PAGANI, Elaine Adelina. O direito de propriedade e o direito à moradia: um diálogo comparativo entre o direito de propriedade urbana imóvel e o direito à moradia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.

PEREIRA, Caio Mário da Silva; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Instituições de direito civil: volume 4 : direitos reais : posse, propriedade, direitos reais de fruição, garantia e aquisição. 20. ed., de acordo com o Código Civil de 2002 Rio de Janeiro: Forense, 2009. xviii, p. 67/94 ISBN 9788530928858

PORTO, Costa. Formação territorial do Brasil. Brasília: Fundação Petrônio Portella, 1982. 94p.

SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: RT, 1981

TEIZEN JÚNIOR, Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 192 p. ISBN 8520326013

VARELA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna: um estudo de história do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 262 p.

52

ZANARDI, Teodoro Adriano. Propriedade e posse sob a perspectiva da função social. 2003. 138f. Dissertação (mestrado em direito privado) – Faculdade Mineira de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.