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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC – SP) LEONARDO BRANDÃO POR UMA HISTÓRIA DOS “ESPORTES CALIFORNIANOS” NO BRASIL: O CASO DA JUVENTUDE SKATISTA (1970 – 1990) DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL SÃO PAULO 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC – SP)

LEONARDO BRANDÃO

POR UMA HISTÓRIA DOS “ESPORTES CALIFORNIANOS” NO BRASIL:

O CASO DA JUVENTUDE SKATISTA

(1970 – 1990)

DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC – SP)

Setor de Pós-Graduação

Rua Monte Alegre, 984 – São Paulo/SP - CEP 05014-901 – Fone: (11) 3670 – 8000

http://www.pucsp.br/

 

 

 

 

 

 

LEONARDO BRANDÃO

POR UMA HISTÓRIA DOS “ESPORTES CALIFORNIANOS” NO BRASIL:

O CASO DA JUVENTUDE SKATISTA

(1970 – 1990)

 

 

 

 

 

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em História Social sob a orientação da Professora Doutora e Livre-Docente Denise Bernuzzi de Sant’Anna.

 

 

 

 

 

 

   

 

SÃO PAULO

2012

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Banca Examinadora, ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ _____________________________________________________

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Para o meu filho Calel.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao CNPq pela bolsa concedida ao longo dos anos de confecção desta tese.

Sem ela, este trabalho seria impossível;

A minha orientadora Profª. Drª. Denise Bernuzzi de Sant’Anna, que com seus livros,

capítulos de livros e artigos publicados já figurava como uma das principais autoras de

referência tanto em minha monografia de bacharelado em História, realizada na

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) quanto em meu Mestrado,

realizado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Sem dúvida, sua

orientação veio “coroar” uma trajetória acadêmica iniciada muitos anos antes de minha

aprovação no curso de Doutorado em História Social da PUC-SP. Em função da

temática aqui tratada dialogar intensamente com o domínio comumente chamado de

“História do Corpo”, área a qual Denise é uma grande especialista, sua orientação foi

imprescindível para a confecção de todos os capítulos desta tese;

A Profª. Drª. Carmen Lúcia Soares, da UNICAMP, que gentilmente aceitou fazer parte

de minha banca de qualificação de tese. Suas questões levantadas naquele momento,

assim como a problemática sugerida no tocante as teorizações sobre o esporte e as

práticas corporais deram, sem dúvida, uma nova direção e abrangência a este trabalho;

A Profª. Drª Silvia Helena Simões Borelli, do Departamento de Antropologia da PUC-

SP, que também gentilmente aceitou compor a banca de qualificação. As indicações de

leitura sobre a temática juvenil e as questões debatidas neste momento propiciaram um

novo fôlego para a continuidade das pesquisas;

Ao Prof. Dr. Luis Antonio Coelho Ferla, que atualmente trabalha da UNIFESP, mas que

no início de 2009, quando ainda estava na PUC-SP, leu e aprovou meu projeto de

doutorado. Um segundo agradecimento: obrigado por aceitar compor a banca de defesa

e assim finalizar este ciclo.

Ao Prof. Dr. Rafael Fortes, da UNIRIO, que ao compartilhar a escrita de um artigo a

quatro mãos, fruto de algumas pesquisas em andamento para o quarto capítulo desta

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tese, acabou por indicar autores, instalou inquietações e contribuiu para o avanço da

escrita deste capítulo em especial;

Ao Prof. Dr. Tony Honorato, da UEL, quem gentilmente prefaciou o livro resultante de

minha dissertação de Mestrado e, através de diálogos e constantes conversas, colaborou

com conselhos e dicas sobre bibliografias e fontes de pesquisa;

Ao Prof. Dr. Reinaldo Lindolfo Lohn, da UDESC, meu orientador na época da

monografia e um dos primeiros estudiosos a compreender a importância do skate para o

estudo da História do Tempo Presente. Sua participação também em minha defesa de

dissertação de Mestrado em muito colaborou para a construção de meu projeto de

doutorado com o qual ingressei na PUC-SP;

Ao Prof. Dr. João Carlos de Souza, da UFGD, meu orientador de Mestrado e quem

muito me estimulou a seguir com a temática do skate para o doutorado na PUC-SP,

instituição onde também estudou e por isso a vislumbrou como um possível lócus para a

continuidade de meus estudos;

Ao Prof. Dr. Eliazar João da Silva, da UFGD, colega com o qual compartilho o

interesse por assuntos relativos à “História do Esporte”. Sua indicação de um dossiê

temático sobre “História do Esporte” na Revista de Pós-Graduação em História da

UFGD, “Fronteiras”, e o convite para a confecção de um artigo nesta edição foram

estímulos importantes e que contribuíram com o andamento do primeiro capítulo desta

tese;

Ao Prof. Dr. Eudes Fernando Leite, da UFGD, com quem compartilhei, ao longo de

meus anos de formação, o interesse pela História Cultural;

A todos os docentes do curso de Doutorado em História da PUC-SP, e em especial, as

professoras Maria Antonieta Antonacci e Maria Odila da Silva Dias por suas indicações

de leitura e generosa acolhida ao longo das aulas;

A Betinha, secretária da pós-graduação em História da PUC-SP, a qual se mostrou

sempre disposta a ajudar e resolver os entraves burocráticos;

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A todos os colegas do curso de doutorado em História da PUC-SP, e em especial ao

Eduardo, Nilo Dias e Leandro Pereira Gonçalves, companheiros que desejo sorte na

continuidade dos estudos e por toda a vida acadêmica;

Ao amigo Giancarlo Machado, Mestre em Antropologia pela USP e detentor do mais

completo acervo de revistas de skate do Brasil. Sua generosidade em permitir o livre

acesso às publicações, assim como no diálogo qualificado sobre inúmeras questões

relativas ao skatismo, foi essencial tanto para o início quanto para a continuidade desta

tese;

Ao colega Carlos Eduardo Tassara, mais conhecido como “Yndyo”, um dos pioneiros

do skate na cidade de Guaratinguetá/SP e grande colecionador da cultura material do

skate, como pôsteres, pranchas antigas, adesivos, revistas etc. Sua ajuda e colaboração

foram de suma importância para a diversificação das fontes aqui analisadas;

Ao Prof. Dr. Rafael Zamorano Bezerra, historiador do Museu Histórico Nacional e

quem generosamente me convidou a proferir uma palestra de abertura sobre o tema do

skate no evento “República do Skate: Subversão do Uso”, realizado no Museu da

República, no Rio de Janeiro, para um público composto tanto de universitários como

de skatistas. A experiência do debate ao final da palestra, e a oportunidade de responder

(ou pelo menos tentar responder) a tantas perguntas sobre skate me estimularam ainda

mais a penetrar na história dessa atividade;

Aos responsáveis pela revista CemporcentoSKATE, e em especial aos jornalistas

Alexandre Vianna e Marcelo Viegas, os quais sempre noticiaram minhas pesquisas

acadêmicas tanto nas páginas quanto no site desse importante canal de comunicação

juvenil;

Ao editor da Revista Tribo Skate, César Gyrão, que além de fornecer uma entrevista

para a confecção desta tese também realizou os contatos necessários para que eu

realizasse outras entrevistas com algumas personalidades-chave nesta atividade, como

Guto Jimenez, Billy Argel, Cecília Mãe, entre outros;

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Ao cineasta Daniel Baccaro (Diretor do filme “Vida sobre Rodas”), o qual gentilmente

me emprestou algumas das fontes analisadas nesta tese;

A todos os skatistas que, através de entrevistas abertas ou semi-estruturadas, forneceram

depoimentos pontuais para a elucidação de momentos em que as fontes deixavam

algumas dúvidas sobre os acontecimentos pertinentes ao skatismo. Em especial, gostaria

muito de agradecer ao skatista Bruno “Brown”, que me recebeu em sua loja na Galeria

Ouro Fino e forneceu um relato bastante elucidativo sobre o início conturbado do skate

em São Paulo. Além do Bruno, o skatista e empresário Márcio Tanabe, que ao me

receber em sua residência, esclareceu diversos aspectos acerca da proibição do skate na

cidade de São Paulo no ano de 1988.

E finalmente um agradecimento mais do que especial para minha esposa Daniela

Brandão, a qual sempre me estimulou a continuar nas horas difíceis e soube comemorar

comigo cada nova conquista!!!

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A despeito de todos os problemas estruturais da história do tempo presente, é necessário fazê-la. Não há escolha. É necessário realizar as pesquisas com os mesmos cuidados, com os mesmos critérios que para os outros tempos, ainda que seja para salvar do esquecimento, e talvez da destruição, as fontes que serão indispensáveis aos historiadores do terceiro milênio.

Eric Hobsbawm

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LEONARDO BRANDÃO

POR UMA HISTÓRIA DOS “ESPORTES CALIFORNIANOS” NO BRASIL:

O CASO DA JUVENTUDE SKATISTA

(1970 – 1990)

RESUMO

Esta tese tem como objetivo refletir sobre o desenvolvimento dos chamados “esportes californianos” e/ou “radicais” no Brasil, tomando como estudo de caso a prática do skate e a analisando através de uma série de revistas publicadas no país entre as décadas de 1970 e início de 1990. Para tanto, partimos da teorização de que o esporte pode ser compreendido como um conjunto de técnicas e discursos de organização da corporeidade, e por isso sendo capaz de conduzir para si as mais diversas formas de experiência corporal (tal perspectiva é trabalhada na tese através da noção de poder esportivo). Buscamos não somente investigar os diferentes modos como o skate foi cooptado pelo universo esportivo, mas também como ele inventou modos de apropriações espaciais e experiências de subjetivação que pouco tiveram a ver com competições, ranking ou rendimentos. A tese que defendemos é que o skate não trilhou os caminhos de uma esportivização que resultasse numa identidade sólida e a qual poderíamos classificar como esportiva. Sua prática constituiu-se numa zona de fronteiras fluídas e ambivalentes, estabelecendo diálogos tanto com o mundo organizado das competições esportivas quanto com importantes movimentos juvenis de contracultura, especialmente com o punk rock. As coibições pelas quais passou em meados da década de 1970, assim como a proibição que enfrentou no ano de 1988, quando o ex-presidente Jânio Quadros fora prefeito da cidade de São Paulo, indicam bem, ao lado da existência de competições organizadas para imensos públicos, e com patrocínio de empresas importantes como o Banco Itaú, os descompassos existentes em sua história recente. Palavras-chave: Esportes Californianos; Skate; Corporalidade; Juventude; História do Tempo Presente.

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LEONARDO BRANDÃO

FOR A HISTORY OF “CALIFONIANS SPORTS” IN BRAZIL: THE CASE OF YOUTH SKATERS

(1970 – 1990)

ABSTRACT

This thesis aims to reflect on the development of so-called "California sports" and / or "extreme sports" in Brazil, taking as case study the practice of analyzing and skateboarding through a series of magazines published in the country between the 1970s and early 1990s. The starting point was the theory that the sport can be understood as a set of technical and organizational discourses of embodiment, and therefore being able to drive themselves to the most diverse forms of bodily experience (such a perspective is worked on the thesis by notion of power sports). We seek not only to investigate the different ways the skateboarding was co-opted by the sports universe, but also how he invented modes of spatial appropriation of subjectivity and experience that had little to do with competitions, ranking or income. The thesis we defend is that skateboarding is not trod the ways of a sportivization to result in a solid identity and which we could classify as sports. His practice was in an area of fluid and ambiguous boundaries, establishing dialogues with both the world of sports competitions organized as important to the counterculture youth movements, especially with punk rock. The restraints by which it passed in the mid-1970s, as he faced a ban in 1988, when former President Janio Quadros was mayor of Sao Paulo, indicate right, beside the existence of organized competition for a lot public, and sponsored by major companies such as Bank Itau, the existing imbalances in recent history. Key words: Californians Sports, Skateboarding, Body, Youth, History of the Present Time.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Tabela classificatória dos esportes radicais FONTE – PEREIRA, Dimitri Wuo; ARMBRUST, Igor; RICARDO, Denis Prado. Esportes Radicais de Aventura e Ação: conceitos, classificações e características. Corpoconsciência. Santo André, FEFISA, v. 12, n. 1, 2008, p. 10. Figura 2 – Filiação dos aparelhos ao surfe FONTE – VIGARELLO, Georges. Une histoire culturelle du sport: techniques d’hier...et d’aujourd’hui. Paris: Éditions Robert Laffont, 1988, p. 56. Figura 3 – Capa da Revista Pop (Garota Pop) FONTE – Revista Pop, nº 72, 1978. Figura 4 – Jovens em São Paulo descendo, com seus skates, o “Tapetão” FONTE – Revista Pop, nº 15, janeiro de 1974, p. 37. Figura 5 – Jovem Sergio Torres Moraes praticando o “surfe na rua” na cidade do Rio de Janeiro em 1975 FONTE – Arquivo pessoal de Sergio Moraes Figura 6 – Jovem praticando o “surfe na rua” na cidade do Rio de Janeiro em 1975 FONTE – Revista Pop, n. 38, 1975, p. 61. Figura 7 – “Deslize, arrepie... Os nomes das posições do skate são os mesmos do surf” FONTE – Revista Pop, nº 38, 1975, p. 60. Figura 8 – Imagens relacionando o skate ao surfe FONTE – Revista Pop, nº 41, março de 1976, p. 28. Figura 9 – Uso do skate nas ondulações de uma piscina na Califórnia no início da década de 1970 FONTE – Imagem retirada do filme Dogtown and z-boys Figura 10 – Uso do skate nas ondulações de uma pista em São Paulo, chamada “Wave Park”, no ano de 1977 FONTE – Fotografia do arquivo do skatista Bruno “Brown” Figura 11 – Pista de Alphaville, São Paulo FONTE – Revista Brasil Skate, n. 1, maio/junho de 1978 Figura 12 – Pista de Nova Iguaçu/RJ (Fotografia de 1976) FONTE – Arquivo de Eduardo “Yndyo” Figura 13 – Pista da Marinha, Porto Alegre – RS (Fotografia de 1978) FONTE – Arquivo de Rafael Teixeira

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Figura 14 – Pista do Clube 12 de Agosto, em Florianópolis/SC (Fotografias de 1978) FONTE – Arquivo de Eduardo “Yndyo” Figura 15 – “Skate: no Wave Park, o vôo mágico das grandes feras” FONTE – Revista Pop, nº 63, 1978, p. 55. Figura 16 – “Novas pistas: cash-box inaugura pista radical” FONTE – Jornal do Skate, número 1, 1978, p. 4. Figura 17 – Capa da revista Brasil Skate FONTE – Revista Brasil Skate, nº 1, 1978.

Figura 18 – Capa da Revista Pop FONTE – Revista Pop, editora Abril, nº 61, 1977. Figura 19 – “Clube dos Feras” FONTE – Revista Pop, nº 72, 1978, p.8 e p.9. Figura 20 – “Skate: é assim que as feras se vestem” FONTE – Revista Pop, nº 72, 1978, p.4 e p.5. Figura 21 – Cartaz do I Circuito Hering de Skate de 1979 FONTE – Arquivo de Eduardo “Yndyo”. Figura 22 – Capa da edição de número zero da revista Overall FONTE – Revista Overall, n. zero, 1985. Figura 23 – Capa da Revista Yeah! Número 1 de 1986 FONTE – Revista Yeah!, n. 1, 1986. Figura 24 – Cartaz do campeonato “Sea Club Overall Skate Show” FONTE – Arquivo de Eduardo “Yndyo”. Figura 25 – Capa do VHS “Sea Club Overall Skate Show” FONTE – Revista Overall, n. 9, 1988, p. 81. Figura 26 – O skatista Dinho comemora seu quarto lugar na Segunda Copa Itaú de Skate. FONTE – Fotografia de Petrônio Vilela (http://petroniovilela.com.br, acesso em 16/01/2012) Figura 27 – Imagem de um festival punk no Rio de Janeiro em 1983 FONTE - Arquivo pessoal de Guto Jimenez Figura 28 – O baterista da banda Sepultura fotografado junto com seu skate. FONTE – Revista Yeah!, n. 9, 1988, p. 63. Figura 29 – Um dos primeiros grafismos elaborados por Billy Argel num shape FONTE – Revista CempocentoSKATE, n. 167, 2012, p. 28.

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Figura 30 – A arte de Billy Argel em dois shapes FONTE – http://sesper.blogspot.com/2008_09_01_archive.html, acesso em 22/02/2012 Figura 31 – Skatista em São Paulo descendo um corrimão na rua em 1988 FONTE – BRITTO, E. (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 30. Figura 32 – “Câmera Lenta” (Skatista ensinando realizar uma manobra na rua) FONTE – Revista Overall, n. 14, 1989, p. 51. Figura 33 – Capa da revista Yeah!, com a manchete: “O skate invade as ruas”. FONTE – Revista Yeah!, n. 2, 1986. Figura 34 – Capa da revista Overall, com fotografia de street skate. FONTE – Revista Overall, n. 2, 1986. Figura 35 – Capa da revista Skatin’ com fotografia de skatista saltando a lateral de um banco localizado na praça Roosevelt, em São Paulo. FONTE – Revista Skatin’, n. 6, 1989. Figura 36 – Propaganda de tênis da marca Mad Rats. FONTE – Revista Overall, nº 3, 1986, p. 02. Figura 37 – “A blitz” FONTE – Revista Skatin’, n.6, 1989, p. 66. Figura 38 – Capa da revista Yeah! FONTE – Revista Yeah!, n. 10, 1988. Figura 39 – Luiza Erundina na iminência de subir num skate FONTE – Arquivo de Paulo Anshowinhas. Figura 40 –Pista de skate do Sumaré, em São Paulo/SP. FONTE – http://www.viaskate.com.br/, acesso em 08/02/2012 Figura 41 – Capa da Revista CemporcentoSKATE FONTE – Revista CemporcentoSKATE, n. 151, 2011 Figura 42 – Capa da Revista Tribo Skate FONTE – Revista Tribo Skate, n. 154, 2008

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.........................................................................................................p. 18

CAPÍTULOS

I – DAS ONDAS PARA O ASFALTO: UMA HISTÓRIA DAS RELAÇÕES

ENTRE O SURFE E O SKATE

A construção da juventude como uma categoria social.............................................p. 44

A expansão dos “esportes californianos”....................................................................p. 53

Surfe, skate e juventude nas páginas da revista Pop.................................................p. 64

Prazeres (e perigos) sobre pranchas.............................................................................p. 71

Do surfe nas ondas para o “surfe de asfalto”.............................................................p. 78

A estetização dos gestos e o controle das motricidades............................................p. 86

II – METAMORFOSES DO CORPO, TRANSIÇÕES DA CIDADE: A

INVENÇÃO DO SKATE COMO UM “ESPORTE RADICAL”

As “ondas” de concreto: o início das pistas de skate...............................................p. 98

Os jogos de vertigem e a invenção da radicalidade...................................................p. 122

Do corpo em ação ao corpo vestido...........................................................................p. 131

Rumo à profissionalização.........................................................................................p. 143

III – POLÍTICAS DO SKATE: A ORGANIZAÇÃO DO PODER ESPORTIVO

O “esporte” nas novas mídias de nicho: Overall, Yeah! e Skatin’...........................p. 148

Fomentando a organização esportiva: a união entre skatistas e empresários............p. 159

O espetáculo do corpo: a visibilidade do skate vertical..........................................p. 164

Os grandes campeonatos de skate.............................................................................p. 171

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IV – DO IMPERATIVO ESPORTIVO ÀS HETEROTOPIAS

No ritmo do punk......................................................................................................p. 181

Um olhar pelas revistas de skate..............................................................................p. 190

Criando práticas e representações.............................................................................p. 196

As heterotopias: o caso do street skate.....................................................................p. 207

Espaços em disputa...................................................................................................p. 222

V – ENTRE A EDUCAÇÃO E AS ARTIMANHAS DO CORPO

Jânio Quadros e a proibição do skate na cidade de São Paulo..................................p. 231

“Andar de skate não é crime”....................................................................................p. 241

“Erundina: a prefeita que ama o skate”.....................................................................p. 249

Entre pistas e ruas: o skate no tempo presente..........................................................p. 259

CONCLUSÃO...........................................................................................................p. 266

FONTES....................................................................................................................p. 273

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................p. 283

ANEXOS...................................................................................................................p. 296

 

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INTRODUÇÃO

A prática esportiva e a linguagem do esporte penetraram a tal ponto em todos os poros da sociedade que está em via de se tornar uma passagem obrigatória para os valores da ação. Entramos numa nova era do esporte.

Alain Ehrenberg (EHRENBERG, 2010, p. 10)

O esporte está em todos os lugares, nas revistas e nos jornais, mas também na

televisão e no cinema; nas quadras, seu lugar típico, mas como não vê-lo pelas ruas da

cidade, nas campanhas publicitárias, estrelando outdoors, percorrendo anúncios e

vendendo produtos? O esporte globalizou-se, inseriu-se na lógica do star-system e assim

atingiu “o planeta inteiro”1. Ele impregnou, sistematizou e organizou pedagogicamente

os corpos, camaleou-se em empresas, direcionou o disperso e conformou a corporeidade

de crianças, jovens e adultos. De acordo com o sociólogo francês Alain Ehrenberg, a

prática esportiva e sua linguagem penetraram a tal ponto em todos os poros da

sociedade que elas se tornaram uma passagem obrigatória para os valores da ação,

conduzindo-nos a uma verdadeira “era do esporte”2.

“Era”, em termos históricos, que nem sempre existiu. Pois “esporte” é uma

forma de organização corporal que não havia durante o período medieval3, que não pode

ser confundido com as práticas corporais das sociedades pré-colombianas4 e nem com

os jogos gregos efetuados durante a Antiguidade Clássica5. A “era dos esportes” nasce,

portanto, com a modernidade; este período cronológico “que varia de um país para

                                                            1  LIPOVETSKY, Gilles. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 84. 2 EHRENBERG, Alain. O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida: Idéias & Letras, 2010, p. 10. 3 De acordo com o historiador Jacques Le Goff, embora seja possível “reconhecer a importância e a existência das manifestações físicas medievais, não se pode associá-las ao esporte”. LE GOFF, Jacques. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 151. 4 Em determinado momento de uma entrevista empreendida pelo historiador Roger Chartier com o sociólogo Pierre Bourdieu, é dito, por Chartier, “que, desde os maias até hoje, há exercícios físicos mediante os quais se verifica o confronto entre corpos. E, no entanto, o que pode ser definido como o espaço do esporte, atualmente, surge em determinado momento, sem dúvida, no final do século XVIII, na Inglaterra”. In BOURDIEU, Pierre. O sociólogo e o historiador. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011, p. 66. 5 De acordo com Victor Andrade de Melo, “os povos da Antiguidade tinham um conjunto de práticas corporais, com algum grau de institucionalização (ainda que distinto das práticas modernas), por eles não denominadas de esporte”. MELO, Victor Andrade de. Por uma história do conceito esporte: diálogos com Reinhart Koselleck. In Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 32, nº 1, setembro de 2010, p. 51.

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outro, de uma região para outra, mas que aproximadamente se situa entre o final do

século XIX e início do seguinte”6. Foi nesta época que a Inglaterra7, após ter produzido,

exportou uma quantidade significativa de esportes, fazendo assim ascender a figura

pública do sportman e com ele as novas virtudes da era industrial, resumidas no adágio

mens sana in corpore sano (uma mente sadia num corpo sadio)8.

Deste modo, o surgimento dos esportes – e antes dele da ginástica9 – se dá

ligado a um tempo em específico, ou seja, a uma época em que a Revolução Técnico-

Científica (também conhecida como a Segunda Revolução Industrial), o Imperialismo e

a Corrida Armamentista culminaram na Primeira Guerra Mundial (1914/1918). Foi

neste contexto, no qual as máquinas destinadas à produção industrial e bélica tornavam-

se cada vez mais onipresentes, que o esporte passou a ser “o recurso por excelência para

o recondicionamento dos corpos às exigências da nova civilização mecânica”10. E é por

isso, como afirmou o historiador Nicolau Sevcenko, que os esportes se constituíram

junto ao uso de cronômetros e foram organizados em equipes adaptadas a uma exigente

coordenação coletiva, articulando-se em categorias, rankings, tabelas e recordes.11

Ao pensar essa ascensão do esporte no século XIX, a pesquisadora Carmen

Lúcia Soares12, sob inspiração da noção de biopolítica13 em Michel Foucault, o

                                                            6 MASCARENHAS, Gilmar. Globalização e espetáculo: o Brasil dos megaeventos esportivos. In PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de (orgs). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 513. 7 Para uma compreensão acerca da Inglaterra como protagonista no desenvolvimento dos esportes modernos, sugerimos a leitura de um artigo de Eric Dunning que tem por objetivo responder a seguinte pergunta: “Por que esse tipo específico de prática lúdica (esporte) se desenvolveu primeiramente na Inglaterra mais do que nos outros países europeus ou no resto do mundo?”. DUNNING, Eric. Civilização, Formação do Estado e Primeiro Desenvolvimento do Esporte Moderno. In GARRIGOU, Alain; LACROIX, Bernard. Norbert Elias: a política e a história. São Paulo: Editora Perspectiva, 1997, p. 91 – 102. 8 VIGARELLO, Georges; HOLT, Richard. O corpo trabalhado: ginastas e esportistas no século XIX. In CORBIN, Alain et al. História do corpo: da revolução à grande guerra. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 420. 9  A respeito da ginástica, por exemplo, Carmen Lúcia Soares escreve que ela, enquanto uma forma específica de educação do corpo que se afirma na Europa do século XIX, deve ser pensada como uma “filha do burburinho da cidade, de suas luzes e de seus ritmos velozes, do acúmulo de corpos e da exigüidade de espaços”. Além disso, ela afirma também que “a cidade necessita de novos corpos, pois impõe necessidades antes inexistentes e inéditas, tais como tempos mecânicos, gestos precisos, velocidade de ação, sincronia de movimentos, regulação de mecanismos e atitudes íntimas, automatização de gestos, de comportamentos e reorganização de sociabilidades. Protagonista da cidade, a ginástica é personagem central deste novo cenário educativo, desta nova ordem normativa e mesmo disciplinar em que o corpo é a superfície de inscrição mais imediata de novos códigos e comportamentos”. SOARES, Carmen Lúcia. Da arte e da ciência de movimentar-se: primeiros momentos da ginástica no Brasil. In PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de (orgs.). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora da UNESP, 2009, p.144. 10 SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 107. 11 Idem, p. 107. 12 SOARES, Carmen Lúcia. Pedagogias do corpo: higiene, ginásticas, esporte. In RAGO, Margareth. VEIGA-NETO, Alfredo (orgs). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 75 – 85.

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considerou uma “pedagogia higiênica”, formas de manipulação dos corpos como táticas

de governo de si e de gestão das populações. Para ela, ao passar a ser visto como

símbolo de vida saudável, o esporte incorporou uma racionalidade técnica que produziu

sentidos não apenas em indivíduos, mas em populações. Sua análise, portanto,

corrobora o que afirmou Sevcenko, pois se o objetivo era tornar a vida social produtiva

e adaptada às modernas fontes de energia, “as pessoas tinham de ser fisicamente

condicionadas e psicologicamente motivadas”14.

Mas os esportes do final do século XIX e início do século XX não são as

práticas corporais que a mídia, e também muitos estudiosos do assunto, passaram a

classificar como “esportes radicais”, numa referência a atividades como o surfe15, o

skate, o vôo livre, o windsurf etc. Como explicou o historiador Georges Vigarello,

muitas dessas atividades se desenvolveram à margem dos esportes tradicionais de

origem inglesa e, como práticas juvenis, se fizeram ligadas à contracultura e

reivindicaram certa autonomia perante às instituições sociais16. No entanto, e apesar

dessas singularidades, a maioria delas acabou sendo cooptada pela cultura esportiva17 –

pois o próprio uso do termo “esportes radicais” para descrevê-las já demonstra “bem a

idéia de certa domesticação empreendida pelo esporte em relação ao conjunto dessas

práticas corporais”18.

“Esportes radicais”, sem dúvida, é o termo mais corrente, mas numa revisão

bibliográfica também encontramos algumas nuances. Em nossa tese, embora

acreditamos ser necessário refletir sobre a existência dessa articulação sempre presente

entre essas práticas e o universo esportivo, iremos optar – inicialmente – pelo uso do

                                                                                                                                                                              13 Os estudos sobre biopolítica e biopoder podem ser lidos no primeiro volume da História da Sexualidade – intitulado “A Vontade de Saber” de Michel Foucault e também na transcrição de seu curso de 1975-1976 no Collège de France, publicado em 1999, no Brasil, sob o título de “Em defesa da sociedade”. 14 SEVCENKO, Nicolau. Transformações da linguagem e advento da cultura modernista no Brasil. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11, 1993, p. 83. 15 Optaremos, nesta tese, pela grafia do termo “surfe” em português. No entanto, sempre que as fontes trouxerem a grafia “surf”, escreveremos o termo em inglês. 16 VIGARELLO, Georges. Treinar. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (coord.). História do corpo: as mutações do olhar: o século XX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 238. 17 Uma prova disso, no Brasil, é a fundação no ano de 2002 da CBER (Confederação Brasileira de Esportes Radicais), criada com o objetivo de “incentivar e fomentar o esporte radical em todas as categorias das modalidades de BMX, Skate, Patins in line, FMX Freestyle e Moto Whelling”. http://www.cber.com.br/site/cber.html, acesso em 06/10/2011. 18 SOARES, Carmen Lúcia. A educação do corpo e o trabalho das aparências: o predomínio do olhar. In ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de; VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.). Cartografias de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p. 79.

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termo “esportes californianos” 19, cunhado pelo pesquisador Christian Pociello, diretor

do Centro de Estudos da Cultura Esportiva, em Paris. Todavia, como forma de

demonstrar que não corroboramos com o termo em sua totalidade, ele sempre aparecerá

entre aspas e de modo não naturalizado. Na verdade, tal escolha justifica-se por essa

expressão (há outras, como “esportes de sliz”, “extremos” e de “aventura”20) demarcar

corretamente o espaço geográfico de expansão dessas atividades, os Estados Unidos da

América e não a Inglaterra, berço dos esportes tradicionais, fato que nos auxiliará na

escrita do primeiro capítulo da tese.

Após isso, ao longo dos demais capítulos, iremos demonstrar como o termo

“esportes radicais” foi surgindo e ganhando importância. Assim, como um recurso de

linguagem que atende a alguns de nossos interesses iniciais, o termo “esportes

californianos”, de Pociello, ser-nos-á útil, menos como uma evidência em si e mais

como uma ferramenta para darmos início a sua própria desconstrução. Deste modo, ao

longo da tese, iremos problematizar essa compreensão, praticamente estabelecida no

meio acadêmico, de que “o esporte vai se pluralizando e assumindo novos arranjos”21.

Pois é preciso indagar se há, realmente, a necessidade de pensarmos tais práticas sempre

ao lado dos esportes, pois como lembraram as pesquisadoras Belinda Wheaton e Becky

Beal, um dos principais parâmetros para os praticantes dessas novas práticas corporais

“definirem a si mesmos é se diferenciarem das normas da cultura esportiva

dominante”22. Talvez, portanto, não haja necessidade alguma de se precipitar sobre a

idéia em voga de um alargamento do conceito de esporte23, ou mesmo sobre a

denominação de tais práticas como “esporte”. Evocar uma outra possibilidade de

abordar tais práticas fora do conceito e da lógica do “esporte” é, hoje, um verdadeiro

desafio para as ciências humanas e sociais.

                                                            19 POCIELLO, Christian. Os desafios da leveza: as práticas corporais em mutação. In SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. (orgª). Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1995, p. 115 – 120. 20 GUZMÁN, Kiko León. Nuevas tendencias desportivas: desportes de sliz. In Lecturas: Educación Física y Deportes. Buenos Aires, Ano 6, n. 30, 2001. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd30/liz.htm, acesso em 25/07/2011. 21 DIAS, Cleber Augusto Gonçalves. Novas conformações do campo esportivo: os esportes na natureza. In DEL PRIORE, Mary; MELO, Victor Andrade de (orgs). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 359. 22  WHEATON, Belinda; BEAL, Becky. Keeping it real: subcultural media and the discourses of authenticity in alternative Sport. Internacional Review for the Sociology of Sport. London, v. 38, n. 2, 2003, p, 176. 23 Em sua tese de doutorado, o pesquisador Alfredo Feres Neto defende que essas novas manifestações, em curso na contemporaneidade, “ampliam o conceito de esporte e, portanto, merecem novos olhares”. FERES NETO, Alfredo. A virtualização do esporte e suas novas vivências eletrônicas. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, 2001, p.69.

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Há outras possibilidades de interpretação? Em termos históricos, por exemplo,

não poderíamos investigar – ao invés de optarmos pela não problematização – como

essas práticas foram se apresentando ou sendo classificadas como “esportes”? Ou mais

precisamente, como “esportes radicais”? Houve interesse entre os próprios praticantes

em serem reconhecidos como esportistas ou trata-se de uma classificação externa,

organizada na academia por estudiosos ou na mídia por jornalistas desejosos em

compreender e dar um sentido a essas manifestações?

Nesta tese, portanto, partiremos da interpretação de que o esporte pode ser

entendido como um conjunto de técnicas, saberes e discursos que, desde pelo menos o

final do século XIX, vem ora apagando24, ora organizando, controlando e

normatizando25 uma variedade imensa de práticas corporais, inclusive se projetando

sobre àquelas que inicialmente surgiram, a exemplo das citadas atividades corporais de

origem californiana, como uma alternativa ao predomínio e a massificação dos esportes

tradicionais26.

Para operacionalizarmos essa compreensão da função esportiva ao longo dos

capítulos (principalmente a partir do segundo capítulo em diante) propomos aqui a

utilização da noção de “poder esportivo”27. Tal termo deve, sempre que aparecer ao

                                                            24 Em um dos artigos que compõe seu amplo estudo sobre o papel da ginástica na educação dos corpos, a pesquisadora Carmen Lúcia Soares lembra que a esportivização da ginástica ao longo do século XX apagou, na sociedade européia, suas manifestações como espetáculo de massa (a exemplo de suas demonstrações em festas populares, desfiles, paradas militares etc). Segundo Soares, essa esportivização “parece ter apagado esse passado glorioso e relegado essa prática inimitável a uma espécie de ‘velharia’ de outro tempo, ou, apenas e simplesmente, a uma prova esportiva entre outras”. SOARES, Carmen Lúcia. Da arte e da ciência de movimentar-se: primeiros momentos da ginástica no Brasil. In PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de (orgs.). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora da UNESP, 2009, p.138. Lembramos também que o historiador Roy Porter refere-se à introdução do esporte na Inglaterra como uma forma de regulamentação das práticas corporais sanguinárias e uma desaprovação dos duelos. PORTER, Roy. História do corpo. In BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p. 312. Outros exemplos nesse sentido podem ser encontrados em VIGARELLO, Georges; HOLT, Richard. O corpo trabalhado: ginastas e esportistas no século XIX. In CORBIN, Alain et al. História do corpo: da revolução à grande guerra. Petrópolis: Vozes, 2008 e também em ELIAS, Norbert, DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. 25 Entendemos por normatização os dispositivos envolvidos com o estabelecimento de normas (que ainda não existem ou não estão plenamente edificadas). Tal termo, portanto, diferencia-se dos dispositivos normalizadores, que são aqueles que buscam sujeitar corpos e subjetividades sob normas já plenamente estabelecidas. Para uma discussão sobre a diferença entre os termos, ver VEIGA-NETO, Alfredo. Dominação, violência, poder e educação escolar em tempos de Império. In RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo. Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 13 - 38. 26 Sobre isso, ver: CALOGIROU, Claire; TOUCHÉ, Marc. Sport-passion dans la vie: le skateboard. In Terrain, n. 25, 1995, p. 40. 27 A noção de poder esportivo que aqui propomos inspira-se tanto nos escritos de Foucault, Bourdieu, Elias e Ehrenberg quanto na leitura da obra da pesquisadora Carmen Lúcia Soares, a qual apresenta, em muitos de seus escritos citados ao longo desta tese, uma concepção de que o esporte exerceria, tanto na modernidade quanto na contemporaneidade, uma função de organização da corporeidade. 

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longo desta tese, ser compreendido como uma espécie de artifício discursivo que,

existente nas sociedades contemporâneas, é exercido de modo tanto interno quanto

externo (isto é, tanto por sujeitos que buscam ver sua prática “elevada” ao status de

esporte quanto pelo Estado, para o qual é melhor esportivizar as manifestações

corporais não institucionalizadas28). Aquilo que podemos chamar de poder esportivo,

portanto, atravessaria todo e qualquer processo de esportivização29 - conceito este que

expressa, segundo os sociólogos Eric Dunning e Norbert Elias, a transformação gradual

de uma prática corporal em uma atividade esportiva e de competição.

Assim, a noção de poder esportivo que aqui propomos tem por intenção

evidenciar essa força que o esporte possui de criar imaginários, representações e

conduzir para si as mais diversas práticas corporais, inclusive inventando neologismos

como “esportes radicais”, “californianos”, de “aventura”, “extremos” etc. Por poder

esportivo, portanto, devemos compreender uma força de coerção que opera no nível dos

discursos, define gestos e comportamentos, legitimando o que lhe é conveniente e

buscando excluir outras formas de enunciação nascidas da espontaneidade dos

movimentos ou na casualidade dos acontecimentos (Neste sentido, por exemplo, é

interessante notarmos como a palavra divertimento, por exemplo, vem paulatinamente

desaparecendo e sendo abandonada dos escritos sobre as práticas corporais para dar

lugar a termos como rendimento e performance)30.

Ao observarmos que o esporte emerge como um discurso especializado (ações

físicas regradas, espaços arquitetônicos padronizados, comparação de resultados,

eficácia dos gestos etc), podemos enxergar que o processo de transformação de

diferentes práticas corporais em esporte apresenta-se como um modo de massificação

do comportamento e de sua autonomia. Este processo, que impõe a lógica esportiva em

espaços regulamentados e como espetáculo, prima pela técnica fundamentada no

treinamento e redimensiona para o negócio as mais diferentes formas de experiência do

corpo. Como afirmou recentemente Ricardo Fiuza, agente de licenciamento de uma

empresa ligada a esse mercado no país, o esporte radical é “o produto que vende com

                                                            28 Uma vez que a esportivização sempre vem acompanhada da mercantilização da prática. 29 A noção de esportivização foi proposta pelos sociólogos Nobert Elias e Eric Dunning, inicialmente, para a análise da passagem do jogo de distração para o esporte na Inglaterra dos séculos XVIII e XIX. No entanto, como tal processo continua em curso e se expressa em outras práticas e jogos contemporâneos, tal noção ainda continua a ser pertinente nas análises sócio-históricas. ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. 30 SOARES, Carmen Lúcia. Escultura da carne: o bem-estar e as pedagogias totalitárias do corpo. In RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo (ors). Para uma vida não-fascista. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, p. 71.

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mais facilidade. Vôlei, tênis, basquete, nada disso faz sucesso no mercado brasileiro.

Tirando o futebol, as marcas esportivas mais valiosas são ligadas a esse mercado

radical”31.

Diante dessas questões, portanto, seria interessante verificarmos a existência,

durante o processo de transformação das práticas corporais em atividades esportivas

(ditas “radicais”), de outras experiências subjetivas – e muitas vezes contestatórias32 –

que o poder esportivo (expresso numa taxonomia, em competições e na mercantilização

esportiva) vem, gradualmente, desqualificando, corrigindo e normatizando. Pois se

pensarmos que o registro esportivo pode diminuir a existência das forças políticas e

aumentá-las enquanto potencial econômico, esse processo pode ter contribuído para que

muitos jovens ligados a essas práticas – “californianas/radicais” – passassem a se

reconhecer, eles próprios, como esportistas.

*

Mas antes de irmos à história, retornemos ao presente. De fato, nos últimos anos,

e principalmente dentro dos estudos relativos à área de Educação Física no Brasil, uma

série de estudiosos buscou classificar tais atividades como “esportes radicais”. Ricardo

Ricci Uvinha, por exemplo, professor de Educação Física da Universidade de São

Paulo, não só identificou o conjunto dessas novas atividades como “esportes radicais”

como também optou por dividi-las em “aquáticos, aéreos e terrestres”33. Seguindo essa

mesma tendência classificatória, um grupo de estudiosos, também ligado à área da

Educação Física, resolveu “cristalizar” melhor essa definição proposta por Uvinha,

organizando uma tabela na qual a diferença entre as práticas passava a ser

compreendida por meio de uma mais minuciosa subdivisão. Para esse grupo, algumas

pertenceriam aos “Esportes Radicais de Ação”, mas outras, entretanto, estariam ligadas

aos “Esportes Radicais de Aventura”34.

                                                            31  http://esporte.uol.com.br/skate/ultimas-noticias/2012/02/10/antes-vagabundos-esportes-radicais-viram-aposta-segura-no-mercado-esportivo.jhtm, acesso em 10/02/2012. 32 Utilizamos esse termo num sentido mais amplo do que as contestações políticas da esquerda com a direita ou vice-versa. No primeiro capítulo da tese, o termo ganhará uma explicação que passa pelo universo dos valores e faz conexão com a revolução cultural dos anos de 1960/70. 33 UVINHA, Ricardo Ricci. Juventude, lazer e esportes radicais. São Paulo: Manole, 2001, p. 22. 34 PEREIRA, Dimitri Wuo; ARMBRUST, Igor; RICARDO, Denis Prado. Esportes Radicais de Aventura e Ação: conceitos, classificações e características. Corpoconsciência. Santo André, FEFISA, v. 12, n. 1, 2008, p. 37 – 55.

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ESPORTES RADICAIS

MEIO AÇÃO AVENTURA

Aquático Surf, windsurf Mergulho (livre e autônomo), canoagem (rafting, caiaque, aquaride, canyonning)

Aéreo Base jump, Sky surf Paraquedismo, balonismo, vôo livre

Terrestre Bungee Jump, sandboarding Montanhismo (escalada em rocha, escalada em gelo, técnicas verticais, tirolesa, rapel, arvorismo); moutain bike (downhill, crosscountry), trekking

Misto Kite surf Corrida de Aventura

Urbano Escalada indoor, skate, patins in line, bike (Trial, bmx)

Le parkour

Figura 1: Tabela classificatória dos esportes radicais (DIMITRI; ARMBRUST; RICARDO, 2008, p. 10)

Em termos históricos, a elaboração dessa tabela reflete um desejo pelo

conhecimento científico que se desenvolve num sentido próximo à modernidade

disciplinar estudada por Michel Foucault35. Pois, podemos pensar que, junto a esse

interesse em conhecer, também se encontra uma vontade de esquadrinhar e classificar.

Possivelmente, a transformação de muitas dessas práticas corporais em atividades

esportivas – e sua posterior classificação em tabelas e organogramas – obedece a uma

determinada visão de mundo já introjetada pela imensa maioria dos atores sociais,

incluindo tanto os praticantes dessas atividades quanto os estudiosos das mesmas. E

embora a maioria desses autores identifique tais práticas como distintas dos esportes

tradicionais, eles muito pouco se deixam levar por problemáticas que possam deslocar

suas associações com o esporte.

Assim, embora seja evidente que a maioria dessas atividades venha passando por

um processo de esportivização, talvez seja necessário lembrarmos, como o fez                                                             35 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2009.

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Alexandre Fernandez Vaz, que “como modelos contemporâneos cada vez mais

presentes e inquestionáveis das práticas corporais, os processos de esportivização

devem ser observados com cuidado”36. Acontece que, e em particular no que diz

respeito aos chamados “esportes californianos” e/ou “radicais”, é certamente impossível

verificarmos – com cuidado e nos limites de uma tese – a ocorrência de tais processos

em todas as práticas corporais citadas pela tabela 1, que vão do surfe ao caiaque, passam

pelo vôo livre, pelo montanhismo, pela corrida de aventura e, entre outras, fazem

referência ao skate.

Como argumenta o historiador Roger Chartier, em face à complexidade e à

diversidade das muitas práticas corporais ainda não historicizadas, certamente o

caminho mais seguro seja percorrê-las através de “uma prática particular”37. Assim,

como forma de darmos início a essa discussão, propomos a observação deste processo

na prática do skate.

Nossa escolha se justifica, além de outras questões que serão apresentadas logo a

seguir, por ser o skate, dentre as atividades intituladas como “radicais”, a de maior

visibilidade nos tempos atuais38. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, país

que deu origem a esta prática, um estudo divulgado pela National Sporting Goods

Association39 (NSGA) apontou que houve um aumento de 74, 1% no número de

praticantes de skate do ano 1998 para o ano 2007. No Brasil, uma pesquisa realizada

pelo Instituto Datafolha no final de 2002, apontou a existência de 2, 7 milhões de

skatistas brasileiros40, sendo que, no ano de 2010, uma nova pesquisa, também realizada

pelo Instituto Datafolha, notou um grande crescimento no número de praticantes de

skate, afirmando a existência de mais de três milhões e oitocentos e sessenta mil

skatistas em todo o território nacional41. Sem dúvida, essa expressividade numérica

corresponde ao fato do Brasil ser, numa escala mundial, o segundo maior produtor de

                                                            36 VAZ, Alexandre Fernandez. Corpo, educação e indústria cultural: notas para reflexão. In Pro-Posições, v. 14, n. 2 (41), maio/ago, 2003, p. 68. 37 CHARTIER, Roger. Entrevista. In Pós-História. Volume 7, 1999, p. 11. 38 FORTES, Rafael. Os anos 80, a juventude e os esportes radicais. In PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de (orgs). História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 438. 39 www.nsga.or, acesso em 03/06/2009. 40 http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/ult92u102808.shtml, acesso em 10/06/2011. 41 Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Datafolha, no ano de 2010 foi constatada a existência de mais de 3.860.000 (três milhões e oitocentos e sessenta mil) skatistas no país. Comparativamente, um número equivalente à população total do vizinho Uruguai, ou das distantes República da Irlanda ou Nova Zelândia. O crescimento no número de praticantes, com relação à última pesquisa, realizada em 2006, chega à quase 20%. Fonte: Revista CemporcentoSKATE, nº 146, maio de 2010, p. 44.

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pranchas, rodas e demais acessórios relativos ao skatismo42. Essa pulsante presença

social e mercadológica – o skate movimenta cerca de 3 bilhões de dólares no mercado

mundial e 300 milhões de dólares no Brasil43 – pode ser verificável tanto por sua

constante exibição nos meios de comunicação de massa44 quanto através de uma variada

gama de empresas e publicações especializadas nesta atividade45.

Se verificarmos a definição sobre o que é o skate elaborada pelos pesquisadores

Billy Graeff e Renan Petersen-Wagner para o “Atlas do esporte no Rio Grande so Sul”,

somos informados de que esse é um “aparato formado por uma prancha de madeira,

coberta por lixa, dois eixos, rolamentos afixados a esses que se ligam as suas quatro

rodas. Assim denomina-se a prática do skate, andar de skate”46. No entanto, se

optarmos pela definição sobre o que é o skate contido no “Atlas do Esporte no Brasil” e

elaborado pelas pesquisadoras Valéria Bitencourt e Simone Amorim, não titubearemos

em afirmar que se trata de,

uma prática esportiva que utiliza prioritariamente os membros inferiores para execução de manobras em equilíbrio e movimento apoiando o corpo em um equipamento formado por prancha de madeira ou fibra tendo embaixo dos eixos rodas47.

Há diferenças entre “andar de skate” e exercer uma “prática esportiva”. De fato,

perceber o skate como um esporte é uma possibilidade interpretativa, mas não é a única.

                                                            42 Revista Radical Skater: a alma do skate. São Paulo: Editora Minuano, Ano 1, nº 1, 2009, p. 60. 43http://esporte.uol.com.br/skate/ultimas-noticias/2012/02/10/antes-vagabundos-esportes-radicais-viram-aposta-segura-no-mercado-esportivo.jhtm, acesso em 10/02/2012. 44 Como exemplo, ver o Programa Planeta EXPN apresentado no canal ESPN. Em especial, o quadro “Skate Paradise”, exibido todas as terças-feiras nessa emissora. Lembramos também o uso que a Rede Globo, a maior emissora de TV do país, fez do skate no ano de 2007 enquanto um dos objetos principais das tramas da sua novela “Malhação”, destinada aos jovens e adolescentes. Para maiores informações, ver: http://malhacao.globo.com/Novela/Malhacao/0,,AA1135730-4139,00.html, acesso em 11/01/2009. 45 Além das revistas especializadas em skate, as quais serão tomadas nesta tese como fontes primárias, é interessante notarmos como a prática também vem sendo mercantilizada em outros formatos de mídia. Na indústria dos quadrinhos, por exemplo, o desenhista Ziraldo lançou, no ano 2010, uma série de histórias ilustradas sobre “esportes radicais”, sendo o skate tema de duas em específico, a primeira intitulada “Aula de skate” e a segunda “O fenômeno do skate”. ZIRALDO. Esportes Radicais. São Paulo: Globo, 2010. Já no ramo da literatura infanto-juvenil, o escritor Toni Brandão publicou, no ano de 2006, a história do skatista Bagdá, narrando suas aventuras com o skate. BRANDÃO, Tony. Bagdá, o skatista. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2006. 46  GRAEFF, Billy; PETERSEN-WAGNER, Renan. Skate no Rio Grande do Sul. In MAZO, Janice; REPPOLD FILHO, Alberto (orgs.). Atlas do esporte no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CREF2/RS, 2005, p. 86. 47 AMORIM, Simone; BITENCOURT, Valéria. Skate. In DA COSTA, Lamartine (org.). Atlas do esporte no Brasil. Rio de Janeiro: CONFEF, 2006, p. 14. [grifo nosso]

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Evidentemente, não colocamos em xeque que, assim como diversas outras práticas

corporais de origem “californiana”, o skate também passou (e ainda passa) por um forte

processo de esportivização. Conforme assinalou o pesquisador Tony Honorato48, a

organização de campeonatos (divididos em modalidades e categorias), a construção de

pistas específicas para o skate, a propagação dessa prática em veículos midiáticos

especializados, além da presença dos patrocinadores e da comercialização de bens

materiais e simbólicos ilustram com fartura algumas das importantes ações que incluem

a transformação dessa prática corporal em esporte. Nos últimos anos, a existência de

competições internacionais como os X-Games49 (também conhecido como a “Olimpíada

dos Esportes Radicais”) que acontece desde o ano de 1995 e é promovido pelo canal de

televisão ESPN, ou de eventos milionários como Street League50 ou o Mallof Money

Cup51 (que somente no ano de 2011 distribuiu a quantia de US$ 2 milhões de dólares

para os skatistas melhores ranqueados), dão provas mais do que concretas de quão

avançado se encontra esse processo.

A questão, portanto, não é negar a existência de uma dimensão esportivizada

dessa prática e nem combatê-la como uma evidência, mas sim buscar problematizá-la

como a única forma legítima e socialmente aceita de organização dessa atividade. Pois

se ao longo das três últimas décadas do século XX houve uma série de agentes que

buscou conduzir52 o skate para o campo rentável, organizado e politicamente correto do

esporte (inclusive associando o skatista à figura do atleta e/ou do campeão53); também,

                                                            48 HONORATO, Tony. Skatistas, escola e poder. In BRANDÃO, Leonardo; HONORATO, Tony (orgs). Skate & skatistas: questões contemporâneas. Londrina: UEL, 2012, p. 46. 49 “O X Games foi criado pela ESPN e teve sua primeira edição em 1995, nos Estados Unidos, com a proposta de ser o principal evento de esportes de ação do planeta. Em 2008, o X Games Brasil se propôs a ser o maior evento de esportes radicais já realizado no país. Fruto de uma parceria entre a ESPN e a ReUnion Sports & Marketing, o X Games Brasil 2008 foi realizado entre os dias 25 e 27 de abril, em São Paulo. Mais de 40 mil pessoas prestigiaram o evento. Transmitido para mais de 100 países, teve uma audiência de cerca de 110 milhões de espectadores”. Fonte: Revista Marketing, nº 430, Ano 42, novembro de 2008, p. 68. 50 Segundo seu idealizador, o norte-americano Rob Dyrdek, este evento milionário do skate também será realizado no Brasil num futuro bem próximo, e isto porque o país é a segunda potência mundial no que se concerne ao mercado do skate. Uma entrevista com Dyrdek foi publicada no site da ESPN, cujo link é: http://espn.estadao.com.br/skate/post/212317_ROB+DYRDEK+E+O+SONHO+DA+STREET+LEAGUE+NO+BRASIL, acesso em 10/03/2012. 51 http://www.maloofskateboarding.com, acesso em 25/12/2011. 52 Importante lembrarmos que esse termo, de acordo com Michel Foucault, é “ao mesmo tempo o ato de conduzir os outros, segundo mecanismos de coerção mais ou menos estritos, e a maneira de se comportar num campo mais ou menos aberto de possibilidades”. FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul (orgs.). Michel Foucault: uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 244. 53 A revista de esportes da ESPN, por exemplo, elaborou em novembro de 2009 uma reportagem, escrita pelo jornalista Fábio Fujita, com o título “Um campeão sem deslizes”. Nele, o skatista brasileiro Bob

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por outro lado, seria um erro deixarmos de observar a existência de um conjunto de

outras ações, práticas e discursos que levaram (e ainda levam) muitos skatistas a não se

reconhecerem neste ponto de atração que se tornou o esporte na contemporaneidade54.

Assim, se ao longo da história dessa atividade alguns empresários e skatistas

mostraram-se interessados na transformação dessa prática num esporte – aceitável e

economicamente viável – delimitando regras, participando da organização de

campeonatos e criando associações e federações, também não faltaram aqueles que o

identificaram como “arte”55, “liberdade”56 ou ainda um meio de transporte “de uma

diversão para outra”57. Nos dias atuais, muitos praticantes ainda defendem que “skatista

não é atleta e que skate não é esporte”58. O skatista Rodrigo “K-b-ça”, por exemplo,

praticante há 23 anos, argumenta que pelo fato de representar o skate como algo que lhe

enche de felicidade, não consegue “chamá-lo de esporte e nem encará-lo desta

maneira”59. Num depoimento similar, o skatista Rogério Lemos pondera: “Skate, sim!

Esporte Radical, não!”60. Cesinha Chaves, que começou a praticar skate na cidade do

Rio de Janeiro no ano de 1968, revela-se contrário a maneira pela qual o skate vem

sendo conduzido nos últimos anos e, num depoimento que ratifica o que estamos

sugerindo, diz ficar indignado ao ver que, “segundo muitos, os skatistas agora foram

reduzidos a simples atletas”61.

                                                                                                                                                                              Burnquist tinha seus hábitos alimentares enfatizado. O destaque foi dado para sua dieta que dispensa carne vermelha e se concentra em alimentos orgânicos. In Revista ESPN, n. 1, novembro de 2009, p. 85. 54 Na dissertação de mestrado de Billy Graeff, principalmente no quarto capítulo, intitulado “Skate e cultura corporal: uma prática heteróclita”, são apresentados inúmeros depoimentos de skatistas que se sentem desconfortáveis com a relação entre skate e esporte. GRAEFF, Billy. Estilo de vida e trajetórias de skatistas: da “vizinhança” ao “corre”. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, 2006, p. 128 – 150. Um outro exemplo: ao analisar a prática do skate de rua (streetskate) na cidade de La Plata, uma província de Buenos Aires, na Argentina, o pesquisador Jorge Ricardo Saraví afirmou o seguinte: “Los jóvenes que practican el skate en la ciudad, parecerían estar alejados de marcos institucionalizados, y retomam – reclaman para si mismos y para su práctica un sentido más lúdico del mismo, adaptando reglas, lugares y acciones. Se podría afirmar con uma cierta seguridad que esa práctica que estamos describiendo se situa en um pólo más libre y no formal que impiede encasillaria como deporte”. SARAVÍ, Jorge Ricardo. Jóvenes, skate y ciudad: entre el juego y el deporte. In Revista Educación Física y Deporte. Universidad de Antioquia, n. 26, 2007, p. 77. 55 Segundo o skatista Lúcio Flávio, skate “é arte. Você gosta, se satisfaz fazendo”. In Revista Yeah!, n.8, 1988, p. 33. 56 Segundo depoimento do skatista Alexandre Miranda, vulgo “Pois É”. In Revista Yeah!, n. 8, 1988, p. 36. 57 No depoimento de Luiz Calado, é dito que “Skate não tem regra, não tem adversário, não tem uma linha limitando o seu espaço. Skate é um meio de transporte. Você se transporta de uma diversão para outra e ainda se diverte no caminho”. In Revista Yeah!, n. 8, 1988, p.38. 58 Revista CemporcentoSKATE, n. 28, 2011, p. 22. 59 Revista CemporcentoSKATE, n. 31, 2011, p. 24. 60 Revista Tribo Skate, n. 194, 2011, p. 30. 61 Revista Tribo Skate, n. 74, 2001, p. 34.

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Diante desse quadro, nosso objetivo nesta tese será o de buscar compreender

como essas questões – aparentemente paradoxais – tomaram forma historicamente. Em

outras palavras, buscaremos analisar em fontes primárias e específicas sobre essa

atividade, como o skate foi sendo cooptado pelo universo esportivo (cooptação essa que

compreenderemos como a principal faceta do poder esportivo), mas também como, por

outro lado, ele encontrou linhas de fuga e se constituiu em registros nem sempre

familiares à cultura esportiva. Deste modo, trata-se de darmos início a uma investigação

que toma por base os próprios registros deixados pelos skatistas como documentos

históricos passíveis de análise e discussão, enxergando nas chamadas “revistas de skate”

– as quais serão por nós conceitualizadas, com base nos estudos de Sarah Thornton62,

como “mídias de nicho” –, fontes históricas capazes de nos indicar possíveis respostas a

esses diferentes modos de ver, representar e praticar o skatismo63.

Por “mídias de nicho” devemos entender publicações extremamente

segmentadas, especializadas e voltadas para um público em específico. E embora

saibamos que “nenhum registro é ingênuo ou descompromissado”64 – pois todo ele

pressupõe o trabalho da linguagem e uma tomada de posição do sujeito que o faz – as

“mídias de nicho” merecem um cuidado especial justamente porque são produzidas com

o intuito deliberado de fomentar a cultura que comunicam ou, como afirmou Márcia

Regina da Costa em seu estudo sobre as relações entre essas mídias e os grupos juvenis,

de impulsionar “determinadas realidades de natureza cultural e social”65. De fato,

transformar tais “mídias” em fonte histórica será uma operação que envolverá

tratamento teórico e metodológico66. Pois ao partirmos do pressuposto de que essas

publicações não funcionaram somente como um espelho social67 – seja ele qual for –,

teremos que atinar para o possível papel que exerceram na articulação e divulgação de

idéias, valores, comportamentos e atitudes relacionados ao skate. Certamente, como                                                             62 THORNTON, Sarah. Club cultures: music, media and subcultural capital. Hanover/EUA: Wesleyan University Press of New England, 1996. 63 Além das revistas de skate, também utilizaremos, na medida em que se mostrarem úteis, reportagens sobre skate publicadas na grande imprensa (como nas revistas Veja e Manchete), sites e blogs da Internet, além de entrevistas com algumas personalidades-chave nesta atividade. 64 RIBEIRO, Ana Paula Goulart. A mídia e o lugar da história. In HERSCHMANN, Micael; MESSEDER, Carlos Alberto (orgs.). Mídia, memória e celebridades: estratégias narrativas em contextos de alta visibilidade. 2ª Ed. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005, p. 120. 65 COSTA, Márcia Regina da. Tribos Urbanas e Identidades nas metrópoles. In EccoS, São Paulo, número 1, volume 3, 2000, p. 48. 66 Para uma discussão acerca dos aspectos metodológicos que envolvem a incorporação das revistas como fontes de estudo para a história, ver: LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meios dos periódicos. In PINSKY, C. B. (orgª) Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 111 – 153. 67 CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto História. São Paulo, nº 35, 2007, p. 259.

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lembrou o historiador Rafael Fortes, ao mesmo tempo em que não podemos

responsabilizar uma publicação pelo interesse de milhares de pessoas em aprender uma

determinada atividade, por outro, também não podemos perder de vista que uma revista

especializada ajuda a “estabelecer parâmetros e despertar interesse em gente de todo o

país”68.

Ao levarmos em consideração a existência desse canal de intervenção e

participação dessas revistas – expresso na escolha de reportagens, entrevistas, fotos e

também na veiculação de campanhas publicitárias em suas páginas – podemos passar a

percebê-las como objetos influentes na constituição das variadas formas de ver e usar o

skate. De todo modo, nossa posição é a de que as “mídias de nicho” podem favorecer

uma leitura privilegiada acerca da construção dessa atividade por, justamente, terem

sido o principal veículo de informação e mediação que circulou entre o segmento

juvenil que elas buscaram representar.

Assim, se a produção da identidade (neste caso, de uma identidade “esportiva”)

pode ser vista não só como um jogo de poder, onde quem tem mais classifica aqueles

que tem menos, mas também, como assegura o historiador Roger Chartier, o “resultado

daquilo que o grupo expressa de si mesmo, à maneira como ele se faz reconhecer”69, a

análise dessas fontes servirá como um ponto de apoio importante para debatermos essa

problemática referente à conformação e a não conformação identitária do skate como

um “esporte”. Em outras palavras, nosso principal recurso metodológico será o de

investigar, por meio das revistas de skate, não somente como essa atividade foi se

transformando num esporte “radical”, mas como, ao mesmo tempo, os próprios skatistas

também foram inventando práticas ou criando situações difíceis de serem cooptadas ou

colonizadas pelo poder esportivo.

A justificativa para privilegiarmos a utilização dessas fontes, portanto, é a de

que nelas estão contidos tanto os discursos de seus redatores (quase sempre skatistas ou

simpatizantes dessa atividade) e anunciantes (empresários que as financiavam com

anúncios publicitários, quase sempre de pranchas e tênis específicos para a prática do

skate) quanto também de seus leitores – que se expressavam através de cartas – e

demais skatistas que, periodicamente, eram entrevistados e tinham seu “perfil”

                                                            68 FORTES, Rafael. De “passatempo de vagabundos” a “esporte da juventude sadia”: surfe, juventude e preconceito em Fluir (1983 – 1988). Trabalho publicado no XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 4-7, 08/2008, p. 6. 69 CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFGRS, 2002, p. 73. 

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detalhado por essas publicações. Em outras palavras, ao passarmos a escutar e analisar

as múltiplas vozes que essas mídias segmentadas nos trazem, poderemos realizar uma

história não de fora para dentro, mas, fundamentalmente, de dentro para fora; o que nos

possibilitará um contato mais íntimo com as representações desses grupos, com suas

expectativas e também, e talvez sobretudo, com seus “fascínios”70.

Com base nessas fontes, iremos percorrer um caminho teórico e metodológico

que poderá, senão responder, pelo menos colocar sob suspeita as formas de adesão

acrítica à incorporação dessa prática corporal pelo universo esportivo. Pois se o esporte,

como bem argumenta Carmen Lúcia Soares, vem substituindo a cultura do movimento –

conceituação que percebe no movimento humano o elemento central de intermediação

simbólica – por práticas corporais padronizadas e difundidas como corretas71, a análise

histórica do skate pode demonstrar tanto resistências a este modelo de gerenciamento da

corporeidade quanto, também, de adesão ao esporte como um guia a ser seguido e

incorporado. Fundamentalmente, trata-se de verificarmos os diferentes modos pelos

quais parcelas crescentes da juventude se expressaram e se constituíram enquanto

sujeitos de suas práticas, ora aceitando o esporte como um parâmetro a ser atingido, ora

inventando alternativas à sua presença massificadora.

*

Se as revistas – mídias de nicho – serão nossas principais fontes de pesquisa72,

no que tange ao nosso campo de observação historiográfico, é necessário pontuarmos

que essa tese pode ser pensada como um estudo em “história do tempo presente”, tal

como nos sugere a denominação formulada por François Bédarida73 em fins da década

de 1970. Embora o termo ainda seja controverso e não falte quem prefira o uso de

“história contemporânea”, o fato é que a maioria das questões ligadas ao skatismo

                                                            70 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Entre o corpo e a técnica: antigas e novas concepções. Motrivivência. Florianópolis: UFSC, nº 15, Agosto de 2000, p. 21. 71 SOARES, Carmen Lúcia. Práticas corporais: invenção de pedagogias? In SILVA, Ana Márcia; DAMIANI, Iara (orgs). Práticas corporais. Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2005, p. 50. 72 Além das revistas específicas sobre skate, também utilizaremos outros impressos (como as revistas Pop, Veja e Manchete), jornais, blogs e entrevistas com personalidades-chave dessa atividade. 73 François Bédarida foi o fundador, na França, do IHTP (Institute d’Histoire du Temps Présent) em 1978, sendo seu diretor até 1990. FERREIRA, Marieta de Moraes. História do tempo presente: desafios. In Cultura Vozes, Petrópolis, v. 94, n. 3, 2000, p. 120.

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associa-se mais especificamente a eventos e fenômenos inseridos na segunda metade do

século XX e, portanto, a uma contração cronológica que coincide com o tempo de vida

do próprio historiador74.

Mas é importante lembrarmos que, independente desse trabalho com o “muito

contemporâneo”, a função do historiador presenteísta se diferencia tanto da função do

jornalista, que usualmente escreve sobre o aqui-agora, quanto da prática antropológica,

a qual, segundo Marc Augé, interessa-se pela interpretação do “outro” e o estuda através

do trabalho de campo75. Assim, como sustentam os historiadores Agnès Chauveau e

Philippe Tétart76, trabalhar com o tempo presente não significa isolar os objetos ou

abordar apenas o instante, mas sim lidar com o tempo e inscrever a operação

historiográfica na duração que o objeto de pesquisa solicita. Neste sentido, o principal

objetivo dos historiadores presenteístas seria o de oferecer, mesmo de forma provisória,

uma primeira base explicativa para fenômenos ainda não devidamente historicizados ou

incorporados no campo da história contemporânea.

A principal crítica lançada contra os historiadores do presente é a de que, por

analisarem eventos transcorridos durante a segunda metade do século XX, não haveria a

possibilidade de distanciamento temporal e, por isso, as análises ficariam fadadas a um

trato passional com a história. Contra essa objeção, o historiador Phillipe Tétart

argumentou que a relação passional e subjetiva com a história pode ocorrer tanto com

períodos antigos quanto com períodos recentes77. Mas a questão também vai por outros

meandros. Pois é preciso percebermos que as grandes mudanças ocorridas na história

nos últimos anos, além de estar “fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero,

sexualidade, etnia, raça e nacionalidade”78, também passou a interferir no

posicionamento político e individual dos historiadores na escrita da história. Dessa

forma, portanto, como escreveu o historiador Enrique Serra Padrós79, a história do

tempo presente vem expressar a possibilidade de se constituir um delimitador de novos

campos de análise e intervenção, adequando o arsenal teórico-metodológico da histórica

                                                            74 Para uma discussão sobre as vantagens e as desvantagens da escrita de uma história que coincide com o tempo de vida do historiador, ver: HOBSBAWM, Eric. O presente como história. In Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 243 – 255. 75 AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994, p. 14. 76 CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. Bauru: EDUSC, 1999, p. 17. 77 TÉTART, Philippe. Pequena história dos historiadores. Bauru: EDUSC, 2000, p. 136. 78 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 9. 79 PADRÓS, Enrique Serra. Os desafios na produção do conhecimento histórico sob a perspectiva do tempo presente. In Anos 90. Porto Alegre, v. 11, n.19/20, 2004, p. 202.

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com a contribuição de outras áreas do conhecimento, e, em especial, com as áreas da

sociologia e da antropologia.

Talvez um dos primeiros autores a defender a escrita de uma história do tempo

presente tenha sido o pensador francês Michel Foucault80. Ao apresentar – no final do

primeiro capítulo de “Vigiar e Punir” – suas considerações sobre o quadro do sistema

penitenciário contemporâneo, marcado por inúmeras revoltas em diversas partes do

mundo, ele afirmou claramente que seu intuito neste livro fora o de realizar uma

“história do presente” 81. De fato, nosso trabalho deve muito aos estudos de Michel

Foucault82, e isso em função da “importância que ele atribuiu à linguagem/discurso

enquanto meio de apreender as transformações”83 e também da “dupla articulação do

poder sobre o corpo do indivíduo e do saber com o poder”84. Em sua concepção

genealógica do presente histórico85, Foucault inscreveu-se como “aquele que

diagnostica e se concentra nas relações de poder, saber e corpo”86. Sem dúvida, a prática

do skate suscita uma série de reflexões sobre esses assuntos, uma vez que essa atividade

é, antes de tudo, uma prática corporal vivenciada e expressa no interior de um sistema

cultural e discursivo que, como tantos outros, encontra-se imerso em relações de poder e

saber. Assim, para debatermos essas questões usaremos, além de Foucault, os

historiadores Georges Vigarello, Denise Bernuzzi de Sant’Anna e Carmen Lúcia

Soares; já no campo da antropologia e da sociologia, algumas reflexões elaboradas por

                                                            80 Segundo Marisa Faermann Eizirik, “a principal contribuição de Foucault, em suas investigações, não se encontra apenas relacionada com a história específica de um período, mas ao que ele chamou de história de presente, uma escavação da e uma perspectiva sobre a pedra angular de nossas concepções modernas”. EIZIRIK, Marisa Faermann. Michel Foucault: um pensador do presente. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005, p. 91. 81 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 33. 82 Como escreveu a historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, “refletir sobre a ludicidade e a atividade física a partir dos estudos de Foucault contribui para que se coloque em questão a naturalidade de certos hábitos de diversão visíveis nas grandes cidades atuais. Pode-se, por exemplo, indagar: o que houve historicamente para que a prática cotidiana de exercícios físicos se tornasse banal e natural em inúmeros locais do espaço urbano? Como foi possível não apenas acreditar que aquelas atividades são um bem, mas, sobretudo, que delas se pode retirar a verdadeira alegria e um real prazer de viver?”. SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpo, ética e cultura. In BRUHNS, Heloísa Turin; GUTIERREZ, Gustavo Luís (orgs.). O corpo e o lúdico: ciclo de debates lazer e motricidade. Campinas: Autores Associados, 2000, p. 84. 83 O´BRIEN, Patricia. A história da cultura de Michel Foucault. In HUNT, Lynn (org.). A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 59. 84 DEFERT, Daniel. Heterotopia: Tribulaciones de un concepto entre Venecia, Berlin y Los Ángeles. In FOUCAULT, Michel. El cuerpo utópico: Heterotopias. Buenos Aires: Nueva Vision, 2010, p. 50. 85 De acordo com Hubert Dreyfus e Paul Rabinow, a escrita de uma história de presente, para Foucault, tem início com um diagnóstico da situação atual de uma determinada questão para ver onde surgiu, tomou forma e ganhou importância. In DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul (orgs.). Michel Foucault: uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 158. 86 Idem, p. 140.

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Norbert Elias, David Le Breton, Michel Maffesoli e Alain Ehrenberg certamente nos

serão úteis.

Ademais, é preciso mencionar que nossa produção, embora seja a primeira tese

elaborada no país que toma o skate como objeto de estudo num programa de Pós-

Graduação em História, dialoga com uma recente, porém bastante fecunda produção

acadêmica sobre o skatismo no país, desenvolvida, quase toda, na área da Educação

Física e Ciências Sociais. E isto porque há alguns anos o tema do skate vem chamando a

atenção de muitos graduandos e pós-graduandos inseridos em diversas universidades do

país, os quais passaram a tomá-lo como um objeto de estudo e investigação.

Nesse sentido, e em nosso caso em especial, é preciso salientarmos que esta tese

nasceu, em certa medida, de alguns desdobramentos teóricos e analíticos resultantes de

nossa dissertação de Mestrado em História, intitulada: “Corpos deslizantes, corpos

desviantes: a prática do skate e suas representações no espaço urbano (1972-1989)”87,

defendida no início de 2007 na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Embora já houvesse trabalhos sobre skate em outras áreas do conhecimento, como na

Educação Física e na Educação, essa dissertação foi a primeira a analisá-lo a partir de

uma perspectiva histórica, enfocando, em especial, o modo como os skatistas passaram

a representar e se apropriar dos espaços urbanos das grandes cidades brasileiras. No ano

de 2010, esse estudo concorreu em edital público e foi selecionado para publicação no

formato de livro pela Editora da UFGD, recebendo como título: “A cidade e a tribo

skatista: juventude, cotidiano e práticas corporais na história cultural”88.

Nas outras áreas do conhecimento, há o trabalho de educador físico Ricardo

Ricci Uvinha, tido como o primeiro pesquisador brasileiro a realizar um Mestrado sobre

o tema do skate, intitulado “Lazer na adolescência: uma análise sobre os skatistas do

ABC paulista”89, defendido no ano de 1997 junto ao Departamento de Estudos do Lazer

da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (FEF –

Unicamp). Muito em função de seu pioneirismo, essa dissertação foi publicada pela

editora Manole no ano de 2001, recebendo como título “Juventude, lazer e esportes

                                                            87 BRANDÃO, Leonardo. Corpos deslizantes, corpos desviantes: a prática do skate e suas representações no espaço urbano (1972 – 1989). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD, 2007. 88 ______. A cidade e a tribo skatista: juventude, cotidiano e práticas corporais na história cultural. Dourados: Ed. UFGD, 2011. 89 UVINHA, Ricardo Ricci. Lazer na adolescência: uma análise sobre os skatistas do ABC paulista. Dissertação (Mestrado em Educação Física), Unicamp, 1997.

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radicais”90. Depois de Uvinha, no ano de 2004, foi a vez da acadêmica Maria Regina de

Menezes Costa defender uma dissertação de Mestrado também na área da Educação

Física, intitulada: “Aventura e risco no skateboard street: um estudo do imaginário de

jovens skatistas” 91, na qual ela buscou demonstrar como as noções de aventura e risco

apareciam no imaginário social de um grupo de skatistas residentes no Rio de Janeiro.

No ano de 2005, o pesquisador Tony Honorato concluiu, sob orientação do professor

Ademir Gebara, uma dissertação em que articulava os pressupostos da Teoria

Configuracional de Norbert Elias aos estudos na área da Educação. O resultado foi o

trabalho “A tribo skatista e a instituição escolar: o poder escolar em uma perspectiva

sociológica” 92, no qual ele demonstrou como o skatismo representava atipicidade e

invocava tensões sociais no cotidiano de uma escola situada na cidade de Piracicaba,

interior do Estado de São Paulo.

Em 2006, na área de Ciências do Movimento Humano, o acadêmico Billy Graeff

Bastos abordou, numa dissertação intitulada “Estilo de vida e trajetórias sociais de

skatistas: da vizinhança ao corre”93, os modos através dos quais um grupo de skatistas,

residente em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, buscou inserção no

cenário competitivo do skate brasileiro, atinando tanto para o sucesso quanto para o

fracasso profissional de diferentes sujeitos pertencentes a esse grupo social. Na mesma

área de conhecimento, temos no ano de 2008 a produção da primeira uma tese de

doutorado sobre skate no país, de autoria de Márcia Luiza Machado Figueira e realizada

sob a orientação da professora Silvana Goellner Vilodre. Intitulada “Skate para

meninas: modos de se fazer ver em um esporte em construção”94, Figueira pesquisou a

questão das representações de gênero que circularam através das mídias de skate,

enfatizando o posicionamento de praticantes do sexo feminino em suas estratégias por

visibilidade nesta prática. Também em 2008, mas na área de Design, Tiago Cambará

Aguiar95 defendeu uma dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro (PUC – RJ), estudando as transformações nas linguagens gráficas na

                                                            90 ______. Juventude, lazer e esportes radicais. Barueri: Manole, 2001. 91 COSTA, Maria Regina de Menezes. Aventura e risco no skateboard street: um estudo do imaginário de jovens skatistas. Dissertação (Mestrado em Educação Física), Universidade Gama Filho, 2004. 92 HONORATO, Tony. A tribo skatista e a instituição escolar: o poder escolar em uma perspectiva sociológica. Dissertação (Mestrado em Educação), UNIMEP, 2005. 93 BASTOS, Billy Graef. Estilo de vida e trajetórias sociais de skatistas: da “vizinhança” ao “corre”. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano), UFRGS, 2006. 94 FIGUEIRA, Márcia Luiza Machado. Skate para meninas: modos de se fazer ver em um esporte em construção. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano), UFGRS, 2008. 95 AGUIAR, Tiago Cambará. O bom, o mau e o feio: o design gráfico da indústria do skate. Dissertação (Mestrado em Design), PUC-RJ, 2008.

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indústria do skate estadunidense, sobretudo no que diz respeito aos grafismos

encontrados na parte inferior das pranchas de skate (shape). As duas últimas pesquisas

que temos conhecimento foram realizadas na área das Ciências Sociais. Em 2010,

Maurício Bacic Olic defendeu a sua dissertação na Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo (PUC – SP), intitulada “Entre o liso e o estriado: skatistas na metrópole” 96,

tendo como orientadora a professora Dorothea Voegeli Passetti. Em seu trabalho,

realizado através do método etnográfico, ele observou como os skatistas ressignificam

certos espaços da cidade por meio de suas práticas. E numa temática similar, a

dissertação de mestrado de Giancarlo Marques Carraro Machado, intitulada “De

carrinho pela cidade: a prática do street skate em São Paulo” 97, orientada pelo professor

Heitor Frúgoli Júnior e defendida junto ao programa de Pós-Graduação em

Antropologia Social da Universidade de São Paulo (USP), guiou-se a partir da seguinte

pergunta: “Como os skatistas constroem, simbolicamente, a cidade por meio da prática

do skate e de suas experiências como citadinos?”98.

Destacamos aqui as pesquisas de pós-graduação, mas também os trabalhos de

graduandos são muitos e, na verdade, mais numerosos99. Ao acompanharmos a

trajetória desses estudiosos, sabemos que alguns estão conseguindo levar seus estudos

também para o mestrado, como é o caso de Claudiovan Ferreira da Silva, que defendeu

a monografia “Do lazer à profissão: um estudo sobre o processo de esportivização do

skate em João Pessoa”100, junto ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade

Federal da Bahia no ano de 2010 e, desde 2011, encontra-se cursando o Mestrado nesta

mesma instituição, na área de Sociologia, com o foco nas relações de sociabilidade,

conflitos e apropriações na Skate Plaza Manaíra, uma enorme pista pública de skate

construída na cidade de João Pessoa/PB.

Da leitura e do conhecimento dessa produção acadêmica brasileira (mas também

da produção intelectual de alguns autores estrangeiros), começamos em meados de 2009

                                                            96 OLIC, Maurício Bacic. Entre o liso e o estriado: skatistas na metrópole. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), PUC-SP, 2010. 97 MACHADO, Giancarlo Marques Carraro. De “carrinho” pela cidade: a prática do street skate em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia), USP, 2011. 98 Idem, p. 21. 99 Dentre as inúmeras monografias de conclusão de curso que tomam o skate como objeto de pesquisa, destacamos o trabalho de José Rodrigo Saldanha como uma importante etnografia realizada junto aos skatistas de rua residentes na cidade de Porto Alegre. SALDANHA, José Rodrigues Pereira. Skate, corpos e espaços. Monografia (Bacharelado em Antropologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004. 100 FERREIRA DA SILVA, Claudiovan. Do lazer à profissão: um estudo sobre o processo de esportivização do skate em João Pessoa. Monografia (Graduação em Ciências Sociais), Universidade Federal da Paraíba, 2010.

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– em parceria com Tony Honorato, professor adjunto da Universidade Estadual de

Londrina – a organização de um livro coletânea com o que de melhor já se produziu

sobre o skatismo no Brasil e na América Latina. Tínhamos a percepção de que

importantes avanços na produção de conhecimento a respeito dessa prática sócio-

cultural já tinham sido iniciados e que isso criava as condições necessárias para a

publicação de um livro que pudesse não só dar continuidade a essas pesquisas como

também servisse de referência no meio acadêmico para que outros estudos também

viessem a ser realizados.

Deste modo, concomitantemente à produção desta tese, investimos no contato

com a maioria desses autores citados, na troca de informações e, sobretudo, na

organização de um livro coletânea de caráter multidisciplinar. Com a participação de

pesquisadores das mais distintas regiões do país e também de outras nacionalidades,

nossa intenção foi a de abarcar – em torno do eixo/skate – uma diversidade temática que

abrangesse as áreas da Educação, História, Sociologia, Antropologia e Educação Física.

No início de 2012 este trabalho chegou ao fim e foi publicado pela Universidade

Estadual de Londrina (UEL), sob o título de “Skate & skatistas: questões

contemporâneas”101, contendo ao todo doze autores que se debruçaram sobre distintas

facetas do skate, como as redes de sociabilidade, a formação de identidades culturais,

processos de esportivização, relações de gênero, poder, design, entre outros.

Certamente, termos tido o privilégio de organizar este livro – ao tempo mesmo de

produção dessa tese – foi um fator que tanto ampliou nossas referências bibliográficas

utilizadas quanto nos colocou em contato com diferentes abordagens, perspectivas e

linhas teóricas.

*

Se do ponto-de-vista historiográfico, portanto, a produção dessa tese pode ser

pensada como um estudo em história do tempo presente, aberta à interdisciplinaridade e

                                                            101 BRANDÃO, Leonardo; HONORATO, Tony. Skate & Skatistas: questões contemporâneas. Londrina: UEL, 2012. Lembramos que o capítulo que publicamos nessa coletânea, intitulado “O surfe de asfalto: a década de 1970 e os momentos iniciais da prática do skate no Brasil”, surgiu como um desdobramento direto desta tese.

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sustentada num tripé de domínios102 históricos específicos (corpo, esporte e juventude),

ela também se insere nesse fluxo crescente de pesquisas sobre o skate e que a

publicação deste livro veio consolidar. E ainda que muitas dessas pesquisas não

recorram ao passado do skate como um fator de explicação para algumas questões

observadas no presente, ainda assim elas constituem um forte canal de diálogo por

elegerem o skate como tema central de investigação e análise.

A principal diferença entre a tese que propomos para com os estudos já

realizados (ou em produção) diz respeito tanto à peculiaridade das fontes que iremos

utilizar quanto à problemática que – historicamente – iremos percorrer. Ao propormos

uma tese em história e não em antropologia ou sociologia (ainda que a utilização de

alguns autores dessas áreas seja requerida enquanto importantes interlocutores), nossa

preocupação é processual, diz respeito ao tempo de construção dessa prática.

Cronologicamente, abordaremos com maior ênfase o período histórico que se situa entre

as décadas de 1970 e 1990103, momento em que o skate passou a se ramificar em

diferentes modalidades e fez surgir uma problemática identitária que perdura até os dias

atuais.

Sobre sua estrutura, o trabalho que aqui propomos encontra-se dividido em cinco

capítulos que, embora inicialmente ligados um ao outro pelo fio da esportivização, não

deixam de apresentar determinadas rupturas. Tais rupturas, como veremos, serão de

vital importância para uma compreensão que ultrapasse a taxonomia esportiva enquanto

a única forma viável de estruturação identitária dessa atividade e a perceba como uma

prática de fronteiras fluídas, aberta a muitas outras formas de interpretação, usos do

corpo e dos espaços.

O primeiro capítulo, intitulado “Das ondas para o asfalto: uma história das

relações entre o surfe e o skate”, possui como fonte principal a revista Pop 104, o

primeiro veículo da imprensa escrita – publicada nacionalmente pela editora Abril entre

novembro de 1972 e agosto de 1979 – que abordou sistematicamente a prática do skate.

                                                            102 Podemos considerar como “domínios” determinados campos temáticos que correspondem a escolhas específicas do historiador, orientadas para determinados sujeitos ou objetos para os quais será dirigida a sua atenção. Para um debate sobre a noção de “domínio” e sua diferença para com as “dimensões” e as “abordagens” na história, ver: BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 20. 103 As décadas de 1970 e 1990 nos servirão como marcos reguladores em função da primeira compreender o início do desenvolvimento do skate no Brasil (muito articulado ao surfe) e a segunda comportar a legalização dessa prática após sua proibição por Jânio Quadros no ano de 1988. 104 A totalidade das edições da Revista Pop foi encontrada arquivada e em bom estado de conservação no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, em Porto Alegre, localizado na Rua dos Andradas, número 959, no centro da cidade.

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Vale ressaltarmos, no entanto, que a Pop não foi uma revista direcionada

exclusivamente para o skate, mas sim uma publicação destinada a retratar a formação de

uma cultura jovem no país e que tinha, como centro regulador, a experiência do rock.

A partir da Pop (mas também com o auxílio de depoimentos colhidos com

antigos praticantes de skate e outras mídias impressas, especialmente a revista Veja105)

buscaremos demonstrar que a prática do skate no Brasil, no início da década de 1970,

foi muito associada ao surfe, sendo o skate noticiado, com muita freqüência, como um

“surfe de asfalto”. Junto a essa questão que nos remete a uma primeira formulação

identitária do skate, será possível detectarmos também alguns aspectos importantes

acerca da condição corporal que tornou o skatismo possível e, no plano dos discursos,

algo ligado à busca de fortes emoções e experiências lúdicas. Assim, desde o seu início,

o skate parece ter sido construído como uma espécie de síntese entre o prazer de

deslizar sobre rodas e o amargo do tombo, dos machucados e ralados em ruas e ladeiras.

Na parte final do primeiro capítulo, veremos como, ao retratá-lo como uma atividade

excitante e próxima aos prazeres do surfe, a revista Pop colaborou para a promoção do

skate como algo pertinente à formação de uma mais ampla variedade de diversões

juvenis.

Em nosso segundo capítulo, escrito sob o título “Metamorfoses do corpo,

transições da cidade: a invenção do skate como um esporte radical”, abordaremos já um

novo momento do skate no Brasil, iniciado por volta de 1976/1977 e marcado pelo

aparecimento de pistas específicas para sua prática, campeonatos, patrocínios, fábricas

especializadas e, sobretudo, com sua associação ao recém-inventado termo dos

“esportes radicais”.

Além da revista Pop, iremos discutir este novo momento com base em duas

mídias específicas sobre skate, as revistas Esqueite e Brasil Skate. A primeira teve

apenas duas edições (uma que data de setembro de 1977 e outra de outubro/novembro

de 1977) e a segunda, três edições (datadas de 1978). No entanto, apesar do pouco

tempo em que ficaram em circulação, elas também ajudaram a divulgar e a fomentar,

junto às demais revistas citadas, essa transformação do skate num “esporte radical”,

destacando sua utilização em pistas e a ocorrência dos campeonatos.

                                                            105  Nossa opção pela Veja se deve por ser essa publicação um dos expoentes editoriais de grande circulação nacional e, em função disso, um complemento e também, dependendo do caso, um contraponto para as análises centradas nas “mídias de nicho”.

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O terceiro capítulo, intitulado “Políticas do skate: a organização do poder

esportivo” dá continuidade à observação e análise desse processo, mas avança – com

base nas novas revistas que passaram a ser publicadas sobre skate, como a Overall,

Skatin’ e a Yeah! – para a década de 1980, onde (especialmente a partir de sua segunda

metade) os campeonatos de skate tomaram uma projeção muito maior do que nos anos

finais da década de 1970. Eventos como o Sea Club Overall Skate Show ou a Copa Itaú

de Skate, o primeiro realizado na cidade de São Paulo e o segundo na praia de Ipanema,

no Rio de Janeiro, evidenciavam a existência de diversos elementos que podem ser

pensados como pertinentes a uma “espetacularização” dessa prática.

O quarto capítulo representa um ponto de inflexão nessa tendência, abordada nos

dois capítulos anteriores, de inserção do skate no universo dos esportes. Continuaremos

na segunda metade da década de 1980 e faremos uso das mesmas fontes citadas, no

entanto, deixaremos de observar somente os campeonatos ou o skate praticado nas

pistas para, percorrendo outro viés, discutirmos o uso do skate nos espaços da cidade e

sua articulação, cada vez mais crescente, com movimentos juvenis de contracultura e,

em especial, com o punk (Pois se até o final da década de 1970 a prática do skate

comungou dos valores esportivos ligados a competição, à emoção e à radicalidade

enquanto seus principais eixos reguladores, a segunda metade da década de 1980 trouxe

novos elementos para a configuração desta atividade, deslocando o signo da

radicalidade esportiva para outras possibilidades de agenciamento. Nesta época o skate

definitivamente não era mais um “surfe de asfalto”; também o formato das pistas que

foram projetadas para ele durante a segunda metade da década de 1970 começou a ser

abandonado. O skate regressava às ruas, mas sem os traços do surfe que o caracterizava

anteriormente).

O que iremos enfatizar nesta parte final da tese será o início do chamado “street

skate”106 – ou, em português, do “skate de rua” – o qual acabou por subverter e criar

uma desordem tanto no sentido mais usual que os arquitetos e demais pensadores do

urbano forneciam aos espaços quanto, também, nas tentativas de regulação com que o

poder esportivo pretendeu conduzir essa atividade no país. Por esse motivo, a ascensão                                                             106 De acordo com o antropólogo Giancarlo Machado, “a modalidade street skate, como o próprio nome sugere, possui como objetivo central a prática do skate nas ruas da cidade. Entretanto, pratica skate nas ruas não significa dizer que os skatistas, munidos de seus ‘carrinhos’, circulem por aí dando somente impulsos em asfaltos e calçadas, por entre pedestres, carros, motos, caminhões e outros veículos. Ao contrário, eles transitam e interagem com a dinâmica urbana tendo em vista a procura por ‘picos’, isto é, equipamentos urbanos dotados de certas características que possibilitam a prática do street skate”, In MACHADO, Giancarlo Marques Carraro. De “carrinho” pela cidade: a prática do street skate em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia), USP, 2011, p. 23.

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do street skate será compreendida por nós como um deslocamento dentro de um cenário

que, até então, buscava registrar o skate como um “esporte” jovem e radical.

Em nosso quinto e último capítulo iremos nos deter na principal consequência

que essa prática urbana do skate de rua gerou, isto é, a sua proibição na cidade de São

Paulo no ano de 1988. No mesmo ano em que fora promulgada a nova Constituição

Federal Brasileira – a qual, pela primeira vez, reconheceu o “jovem” como ente social e

político, detentor de direitos –, Jânio Quadros, então prefeito da cidade de São Paulo,

deu um fim ao que intitulou como um “perigo”107 para a vida urbana, proibindo a

prática do skate “no leito das ruas e nos logradouros públicos”108. Por decreto-lei, a

prática do “skate de rua” passou a não ser mais permitida na maior cidade do país, lugar

onde todas as revistas específicas sobre skate eram publicadas (e depois distribuídas

nacionalmente) e lócus da maior quantidade de skatistas no Brasil.

 

                                                            107 Folha de São Paulo, Caderno: Cidades: educação e ciência: esportes, 25 de junho de 1988, A – 16. 108 Idem, A – 16.

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CAPÍTULO I

DAS ONDAS PARA O ASFALTO:

UM HISTÒRIA DAS RELAÇÕES ENTRE O SURFE E O SKATE

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A CONSTRUÇÃO DA JUVENTUDE COMO UMA CATEGORIA SOCIAL

Se hoje em dia qualquer show de rock chega a reunir pai, filho e neto, três gerações participando do mesmo evento, na década de 50 qualquer jovem irritaria o adulto ao se requebrar ao som da barulhenta música e ainda cultuar o intolerável hábito de mascar chiclete, que, no dizer da época, era “coisa de cafajeste”.

Paulo Sérgio do Carmo (CARMO, 2003, p. 32)

Antes de darmos início a nossa história sobre as relações entre o surfe e a prática

do skate no Brasil – contextualizando-a durante o período da Ditadura Militar e a

observando através das matérias publicadas, especialmente, pela revista Pop –,

reservamos essas páginas iniciais para uma breve discussão acerca do estatuto teórico

do termo “juventude” nas ciências humanas e sociais. Pois talvez seja até mesmo

desnecessário, dada a sua atual ubiqüidade, lembrarmos que os chamados “esportes

californianos”1 se constituíram como práticas juvenis. No entanto, perguntarmos o que

significa dizer quando afirmamos que são práticas juvenis nos remete a uma questão

mais ampla, a qual tem a ver com a compreensão epistemológica de juventude e sua

construção enquanto uma palavra carregada de sentidos, imagens e imaginários.

De início, devemos ter em mente que a noção de juventude é uma criação

histórica e, por esse exato motivo, como afirmou Afrânio Mendes Catani, ela não se

prende simplesmente a um dado natural ou biológico2. Em outras palavras, se todas as

pessoas, no presente e no passado, de qualquer nacionalidade, sexo, língua, religião,

condição social etc, passam ou passaram pela puberdade – exceto em casos de patologia

–, não podemos afirmar que todas também passaram, passam ou irão passar pela

juventude.

Segundo a historiadora Fernanda Quixabeira Machado, “ser púbere na idade

antiga, ser efebo na idade média, ser moço no século XVIII, ser rapaz no século XIX e

ser jovem no século XX não significam a mesma coisa. Não se trata de uma mera troca

1 Utilizaremos inicialmente, com base em Pociello (1995), o termo “esportes californianos”. Ao longo da tese, entretanto, pretendemos discutir – tomando como exemplo a prática do skate – a hegemonia da palavra “esporte” enquanto uma referência a essas atividades. 2 CATANI, Afrânio Mendes. Culturas juvenis: múltiplos olhares. São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 12.

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de palavras”3. Deste modo, não podemos deixar de pensar a juventude como uma

criação histórica, embora os historiadores, diferentemente dos demais pesquisadores

ligados a outras áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Educação ou a Psicologia,

ainda não constituíram uma tradição de pesquisas consolidadas sobre o tema4.

Na área de história, a primeira grande tentativa de impulsionar a temática entre

os historiadores veio do continente europeu, onde foi lançada, no ano de 1994, uma

coletânea em dois volumes intitulada “Storia dei giovani”, organizada pelos

historiadores Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt, a qual foi traduzida para o

português e publicada em 1996 pela editora Companhia das Letras sob o título de

“História dos jovens”.

No Brasil, embora o tema tenha começado a ser alvo de discussões nos

encontros dos pesquisadores universitários de história, como na ANPUH Nacional de

2009, realizada em Fortaleza, onde as pesquisadoras Esmeralda Bolsonaro de Moura e

Silvia Maria Fávero Arend propuseram um simpósio temático sob o título de “Infância,

Adolescência e Juventude no Brasil: História e Historiografia” e a Revista Brasileira de

História, em sua edição de número 37, do ano de 1999, tenha trazido o dossiê: “Infância

e adolescência”, a temática da juventude – muitas vezes confundida com a temática da

infância ou da adolescência – ainda não ganhou a devida atenção que merece5.

Na verdade, no Brasil, os poucos estudos históricos pertinentes ao assunto dizem

respeito, na maioria das vezes, a uma história política dos movimentos estudantis,

representados pela UNE e por sua luta contra a Ditadura Militar. Deste modo, como

também notou a historiadora Ana Cristina Teodoro da Silva, “procurar pela presença de

jovens no discurso historiográfico brasileiro significa encontrar a presença de

estudantes”6.

3 MACHADO, Fernanda Quixabeira. “Nós somos jovens”: um problema no presente e uma esperança de futuro na Cuiabá dos anos 1950 e 1960. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Mato Grosso, 2006, p. 24. 4 No caso da Sociologia, por exemplo, Afrânio Catani lembra que “desde o marco da Sociologia da juventude norte-americana surgida a partir da década de 1920, as pesquisas acadêmicas já tem quase um século de tradição consolidada sobre o tema”. CATANI, Afrânio Mendes. Culturas juvenis: múltiplos olhares. São Paulo: Editora UNESP, 2008, p. 11. 5 Segundo um catálogo lançado em 1995 pela ANPUH, que descrevia - a partir de 19 Programas de Pós-Graduação em História no Brasil - as dissertações de Mestrado e as Teses de Doutorado defendidas entre os anos de 1985 e 1994, somente dois trabalhos abordaram assuntos históricos ligados à juventude brasileira. MACHADO, Fernanda Quixabeira. Por uma história da juventude brasileira. Revista da UFG, vol. 6, n. 1, junho de 2004, p. 02. 6 SILVA, Ana Cristina Teodoro. Juventude de papel: representação juvenil na imprensa. Maringá: Eduem, 1999, p. 14.

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Não obstante a escassez de publicações sobre os jovens na área de história,

sobretudo no que diz respeito às questões culturais, comportamentais, estéticas etc, não

é novidade que houve uma importância crescente acerca de seu papel como ator social a

partir da segunda metade do século XX. O sociólogo Luís Antonio Groppo, por

exemplo, numa série de ensaios sociológicos e históricos sobre a juventude, chegou a

afirmar que esta, enquanto uma categoria social, “tem uma importância crucial para o

entendimento de diversas características das sociedades, o funcionamento delas e suas

transformações”7.

Se, como dissemos no início, a idéia de juventude é uma construção histórica e

cultural, sua percepção contemporânea, divulgada pelos meios de comunicação, é uma

invenção recente8, pois coincide com a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial e

a posterior ascensão dos Estados Unidos ao poder global. Embora possamos

argumentar, como fez o jornalista Jon Savage, que tal construção tenha precedentes que

remontam ao último quartel do século XIX – e em lugares como Grã-Bretanha, França e

Alemanha9 – a grande maioria dos pesquisadores, incluindo o próprio Savage, concorda

que foi a partir da segunda metade do século XX, e mais precisamente a partir dos

Estados Unidos, que se generalizou esse processo, ainda em curso, de simbolização –

(sobretudo pelo cinema10) – de um ideal de juventude em consonância a um certo

conjunto de elementos que, entre os mais visíveis, figuram o gosto pela música

(principalmente o rock11), por práticas esportivas e de lazer, pela valorização do corpo,

7 GROPPO, Luís Antonio. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000, p. 12. 8 A título de exemplo, lembramos que o antropólogo Massimo Canevacci escreveu que, até os anos de 1960 eram os pais quem decidiam a mobília interior do quarto dos filhos, sendo que « a decoração do quarto foi conquistada pelo estilo de quem lá vive (o jovem neste caso) apenas recentemente », isto é, na passagem da década de 1960 para a de 1970. CANEVACCI, Massimo. Polifonia dos silêncios. Matrizes, v.1, nº 2, 2008, p. 111. 9 A esse respeito, ver: SAVAGE, Jon. A criação da juventude: como o conceito de teenager revolucionou o século XX. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. 10 Segundo a historiadora Luisa Passerini, o cinema foi (e ainda é) um dos maiores construtores de discursos sobre a juventude. De acordo com a autora, por volta da metade da década de 1950, “começa de fato a existir uma produção cinematográfica que não só adota os jovens e os adolescentes como protagonistas e seus problemas como argumentos de suas histórias, mas dirige-se diretamente ao público dos teenagers”. PASSERINI, Luisa. A juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean Claude. História dos jovens: a época contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 368. 11 Interessante notarmos, nesse sentido, que num almanaque produzido por uma jornalista brasileira e destinado a catalogar alguns dos principais aspectos da década de 1970 no país, a prática do skate aparece catalogado da seguinte forma: “Esporte rock’n’roll: skate”. BAHIANA, Ana Maria. Almanaque anos 70. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 379.

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da moda e também, e talvez principalmente, pela busca de vivências que contenham

alguma experiência de transgressão e rebeldia12.

Importante lembrarmos, em todo caso, que não há somente uma juventude ou

uma única cultura juvenil. Elas são marcadas pelo “polimorfismo”13 e certamente foram

e são – talvez hoje mais do que ontem – múltiplas e referentes a espaços, condições

sociais e históricas específicas. De todo modo, as características arroladas acima (gosto

pela música, moda, corpo, lazer etc) parecem resumir os sentidos mais exaltados – e

explorados – pelos meios de comunicação que, a um só tempo, tanto retrataram quanto

ajudaram a construir esse conjunto de significados geralmente identificados como

juvenis. Mesmo assim, reiteramos que a categoria social juventude nunca representou

uma homogeneidade. Em nosso caso particular, por exemplo, não temos como afirmar

que todos os jovens fizeram uso do “esporte” como um exercício do corpo ou uma

forma de educação. No entanto, como acentuou Catani, “o esporte é um dos elementos

do consumo cultural mais associados ao que se supõe ser a essência da condição

juvenil”14. E por esse exato motivo, portanto, uma história dos jovens articulada aos

usos do corpo esportivo (ou às práticas deslizantes como o surfe e o skate) ainda espera

ansiosamente por seus historiadores15.

*

Ao longo do tempo, portanto, dificilmente a ascensão do jovem como um

importante ator social teria surgido em períodos anteriores e com tamanha força como a

que ocorreu a partir da geração baby boom16 nos Estados Unidos. Além da rápida

ascensão econômica desse país no pós-guerra, o que oportunizou a uma grande

quantidade de crianças crescer em relativa prosperidade material e em níveis

educacionais elevados, o panorama cultural que possibilitou a referida simbolização já

12 Acerca dessas características citadas enquanto formas de comportamento, na maioria das vezes, influenciadas pelo cinema norte-americano, ver: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Representações sociais da liberdade e do controle de si. In Revista Histórica, nº 5, setembro de 2005. 13 A palavra polimorfismo, destacada pela historiadora Luisa Passerini, busca indicar a existência da multiplicidade nas culturas juvenis. PASSERINI, Op. cit, p. 367. 14 CATANI, Afrânio Mendes. Op. Cit, p. 27. 15 Acreditamos que essa tese pode ser uma contribuição nesse sentido. 16 Trata-se da geração nascida nos anos posteriores a Segunda Guerra Mundial, “entre 1946 e 1964”. FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p. 70.

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vinha sendo gestado, conforme assegurou Edgar Morin17, desde a década de 1930.

Tratava-se do início da formação daquilo que foi identificado por ele como “cultura de

massas”, ou seja, uma espécie de “Terceira Cultura” promovida pelo desenvolvimento

do cinema, da imprensa, do rádio e da televisão, que ao se popularizarem, projetavam-se

“ao lado das culturas clássicas – religiosas e humanistas – e nacionais” 18. Tais fatos,

como observou a historiadora italiana Luisa Passerini, fizeram com que os jovens –

também chamados teenagers19 – passassem a tomar uma maior consciência de suas

possibilidades. Nas palavras da autora,

Na década de 1950 aparecem teenagers diversos daqueles das gerações precedentes pelo número, riqueza e autoconsciência. Tratava-se da primeira geração de adolescentes americanos privilegiados, mas sobretudo da primeira geração que apresentava uma coesão tão acentuada, um auto-reconhecimento enquanto comunidade especial com interesses comuns. A figura do adolescente que de tal modo emergia era associada sobretudo à vida urbana e encontrava seu hábitat na high school – que parecia transformada num cosmo em si mesmo –, com os clubes, as atividades esportivas, os bailes, as festas e outras atividades extracurriculares e lugares acessórios, como a drugstore, o automóvel, o bar para jovens20

Embora “adolescência” seja um termo proveniente da Psicologia e possa indicar,

com bem explicou o psicanalista Contardo Calligaris21, uma espécie de “moratória”

entre as ludicidades da vida infantil e as obrigatoriedades e compromissos dos adultos,

ela também pode ser um prisma por onde se reconhece e podemos observar parte dessa

17 MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: Neurose. 9º ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 37. 18 Idem. p. 14. 19 De acordo com Jon Savage, a palavra teenager começou a ser usada em 1944, nos Estados Unidos, para descrever a categoria de jovens com idade entre 13 e 19 anos. Segundo suas palavras, “A origem do termo estava na forma flexionada de ten, dez, que, segundo o Concise Oxford Dictionary, era acrescentado aos numerais de três a nove para formar os nomes daqueles de 13 a 19 (thirteen, fourteen, fifteen, sixteen, seventeen, eighteen, nineteen)”. SAVAGE, Jon. A criação da juventude: como o conceito de teenage revolucionou o século XX. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 484. 20 PASSERINI, Luisa. A juventude, metáfora da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean Claude. História dos jovens: a época contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 354. 21 De acordo com o psicanalista Contardo Calligaris, para começarmos a compreender a questão “adolescente”, devemos levar em consideração que se trata de alguém que: “1. que teve o tempo de assimilar os valores mais banais e mais bem compartilhados na comunidade (por exemplo, no nosso caso: destaque pelo sucesso financeiro/social e amoroso/sexual); 2. cujo corpo chegou à maturação necessária para que ele possa efetiva e eficazmente se consagrar às tarefas que lhes são apontadas por esses valores, competindo de igual para igual com todo mundo; 3. para quem, nesse exato momento, a comunidade impõe uma moratória”. CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 15.

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categoria social expressa como “juventude”, mas o contrário nem sempre é verdadeiro.

De fato, se não é possível afirmarmos que todo jovem seja necessariamente um

adolescente, e levando em conta que a própria noção de juventude está passando por

uma dilatação atualmente (pois, como afirmou o antropólogo Massimo Canevacci,

“cada indivíduo pode perceber sua própria condição de jovem como não-terminada e

inclusive como não-terminável”22 – percepção similar a que levou, por exemplo, o

sociólogo Michel Maffesoli diagnosticar a juventude não como um ser passageiro que

precisaria ser ultrapassado, mas sim como “um estado de espírito”23, ou ainda a ensaísta

argentina Beatriz Sarlo, que afirmou que “a juventude não é uma idade e sim uma

estética da vida cotidiana”24) precisaríamos compreender que essa dilatação indica, caso

seja essa uma hipótese que se sustente sociologicamente, que estaria em curso um

fenômeno, como escreveu Luís Antonio Groppo, de “transformação dos estilos de vida

e subculturas transitórias das juventudes em formas de ser alternativas e opcionais para

os indivíduos de qualquer idade na sociedade atual”25.

Em um livro chamado “O desaparecimento da infância”, por exemplo, o crítico

social Neil Postman26 fornece uma série de dados tanto do declínio da idéia da infância

(tal como esta se tornou significativa a partir do século XVII27) quanto de um

correspondente enfraquecimento no caráter da idade adulta na contemporaneidade.

Neste meio campo, segundo este autor, estaria se fortalecendo um hibrido de “criança

adultificada” e de “adulto infantilizado”. Em suas observações, ele refere-se tanto a uma

homogeneização dos hábitos alimentares (“A refeição ligeira e de má qualidade, antes

só apreciada pelos paladares menos exigentes e pelo estômago de avestruz do jovem, é

agora a alimentação comum entre os adultos”), dos entretenimentos (“o que agora

diverte a criança também diverte o adulto”), da música (“tampouco é necessário

distinguir entre gosto adulto e gosto jovem em música”) e linguagem (“Registrei muitos

22 CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas : mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 29. 23 MAFFESOLI, Michel. O retorno das emoções sociais. In SCHULER, Fernando; MACHADO DA SILVA, Juremir. Metamorfoses da cultura. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 36. 24 SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000, p. 36. 25 GROPPO, Luís Antonio. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000, p. 288. 26 POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999, p. 148. 27 Segundo o historiador Phillipe Ariès, “A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII”. ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC, 1981,p. 28.

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exemplos de pessoas de mais de trinta e cinco anos e de todas as classes sociais que

proferem, sem intenção irônica, expressões típicas dos adolescentes”). Além disso, suas

observações sobre a moda também nos fornecem subsídios para pensar essa propalada

confusão entre as classes de idade. Segundo ele,

Garotos de doze anos agora, usam ternos nas festas de aniversário, e homens de sessenta anos usam jeans em festas de aniversário. Garotas de onze anos usam saltos altos e o que já foi uma marca nítida de informalidade e energia juvenil, o tênis, agora parece ter o mesmo significado para adultos28.

Deste modo, a descronologização da concepção de juventude, ou a suposta

diluição das fronteiras geracionais no mundo atual, são fatos que podem indicar que as

identidades juvenis não estão assentadas em referenciais etários. Mas isso parece ser

uma “verdade” em recente construção – a qual certamente conta com amplo apoio e

interesses mercadológicos –, pois numa perspectiva histórica não podemos deixar de

interpretar tal fenômeno enquanto uma espécie de resultado do processo de criação da

juventude e de investimento simbólico numa juvenilização da vida social. A esse

respeito, por exemplo, Groppo afirmou que,

[...] a emergência da juventude como signo e substituição da experiência juvenil pela vivência da “juvenilidade” podem ser explicadas pela própria atuação das juventudes e seus movimentos na Revolução Cultural da segunda metade do século XX – cujo momento mais visível foram os anos 1960. Nessa Revolução Cultural, uma contradição recorrente da juventude moderna se explicitou e, talvez, solucionou-se: o papel transitório da juventude versus as identidades e as subculturas juvenis. Ou seja, a contradição entre os projetos das instituições oficiais da sociedade moderna e as criações de identidades, subculturas, grupos e movimentos juvenis com relativa autonomia em relação àquelas instituições sociais que projetaram a faixa etária “adolescência” e planificaram a categorial social “juventude”. De um lado, as ações, intervenções e concepções objetivas, científicas, técnicas, liberais, conservadoras, oficiais e oficiosas de instituições sociais, o Estado, partidos e movimentos políticos, associações civis, Igrejas etc. Do outro lado, as reações, adaptações, reinterpretações ou invenções de caráter contestador, radical, anárquico, delinqüente, irreverente, inconseqüente, lúdico,

28 POSTMAN, Neil. Op. Cit, p. 142.

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prazeroso, múltiplo, local ou universal, de indivíduos, grupos, movimentos, associações ou unidades de geração jovens29.

Embora seja possível, portanto, e de acordo com os autores supracitados,

levarmos em consideração que uma série de aspectos históricos, impulsionados pela

cultura do mercado, foi gradualmente deslocando as identidades juvenis dos referenciais

etários e, aos poucos, passou a penetrar e seduzir uma ampla classe de idade – o que

vem aos poucos descaracterizando a relação entre juventude e faixas etárias –,

historicamente devemos observar que, quando abordamos as décadas iniciais deste

processo, principalmente o período de 1950 a 1970, não é possível afirmarmos, de

forma tão categórica, ser a juventude algo distante dos referenciais de idade.

Deste modo, ao invés de fugirmos ou negarmos o critério etário nessas décadas

iniciais do processo de juvenilização, devemos levar em consideração que neste

momento a noção de juventude era um indicador mais preciso do que se tornou

atualmente. Pois se hoje “ninguém é jovem porque todo mundo o é”30, naquela época

havia diferenças mais acentuadas, e por isso não era raro se ouvir falar em conflito de

gerações ou, nos termos do historiador Eric Hobsbawm, de um “enorme abismo

histórico que separava as gerações”31.

Embora não pretendamos categorizar de modo explícito os limites etários – o

que fatalmente seria um erro, haja vista que a noção de juventude, como já pontuamos,

não se assenta em critérios biológicos – o que buscamos afirmar é que a plasticidade da

noção de juventude, nas décadas iniciais de sua construção enquanto uma categoria

social, era bem menos elástica do que a observada por alguns cientistas sociais

atualmente (como exemplo, demonstraremos que a revista Pop, a primeira revista

brasileira que surgiu de modo exclusivamente direcionada para a juventude, tinha como

seu público-alvo, segundo seus editores, jovens na idade entre 14 e 20 anos).

Assim, se hoje podemos observar, como um dos traços mais marcantes da

sensibilidade contemporânea, uma forte obsessão pelo apagamento das marcas visíveis

do tempo que se inscrevem nos corpos (rugas, gordura, flacidez, cabelos brancos,

29 GROPPO, L. A. Op. cit, p. 287 e 288. 30 Frase atribuída a Robert Elms, um colaborador da revista The Face, especializada em moda para a juventude. FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p.142. 31 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 322.

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lentidão etc)32 e, nesse fluxo, a existência de uma quantidade surpreendente de pessoas

com idades mais avançadas declarando-se jovens – e de fato possuindo um estilo de

vida baseado nos “ideários da juventude” –, essa não era a realidade vivida pela maioria

das pessoas nesses anos que perfazem a revolução dos costumes. “Não confie em

ninguém com mais de trinta anos”33, como dizia uma das frases mais conhecidas das

agitações juvenis dos anos finais da década de 1960, indica bem a diferença entre esses

dois períodos retratados e a importância da categoria “geração”, tal como defendia o

sociólogo Karl Mannheim, nas análises voltadas para a historicidade dos

acontecimentos e, sobretudo, nos modos de processar esses acontecimentos ou

experiências de formas semelhantes34.

Feito tal ressalva, portanto, é importante assinalarmos que mesmo considerando

juventude, assim como as outras categorias sociais – criança, adulto, terceira idade –

uma noção construída historicamente e “fabricada pelos grupos sociais ou pelos

próprios indivíduos tidos como jovens para significar uma série de comportamentos e

atitudes a ela atribuídos”35, não podemos nos esquecer que, ao abordarmos a primeira

metade da década de 1970 neste capítulo, com foco nas relações entre as práticas do

surfe e do skate, estaremos fazendo referências a sujeitos com idade, na imensa maioria

das vezes, entre 12 e 24 anos36. Evidentemente, hoje não é raro encontrarmos skatistas e

surfistas de 40, 50 ou até mesmo 60 anos, pois a própria invenção recente da categoria

old school nos campeonatos promovidos para essas modalidades já nos dão provas

concretas tanto da atração que essas práticas vem exercendo sobre pessoas de várias

idades quanto, e principalmente, que muitos desses jovens que se iniciaram nessas

atividades durante as décadas de 1960 e 1970, de fato, “envelheceram” (e “envelhecer”,

neste contexto, não significa mais dizer que deixaram de ser “jovens”).

Historicamente, portanto, podemos compreender a emergência da “juventude”

como um produto sócio-cultural que surge na medida em que sujeitos se identificam e

passam a ser reconhecidos com tal a partir de diferentes atores sociais, mas que, no

32 SOARES, Carmen Lúcia. Apresentação. In Pro-Posições, v. 14, n. 2 (41) – maio/ago, 2003, p. 15. 33 “Não confie em ninguém com mais de trinta anos”. “A frase pronunciada nas agitações estudantis, na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, em fins da década de 60, correu mundo, virou música e chocou os mais velhos. Mesmo que fosse mera provocação, era um atrevimento”. CARMO, Paulo Sérgio. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: SENAC, 2003, p. 9. 34 WELLER, Wivian. Karl Mannheim: um pioneiro da sociologia da juventude. In XII Congresso brasileiro de sociologia, UFPE, Recife, 2007. 35 GROPPO, L. A. Op. cit. p. 08. 36 De um modo geral, sem fixar limites, as idades dos skatistas que foram noticiadas em nossas fontes (revista Pop, Esqueite e Brasil Skate) eram essas, o que não quer dizer que seja impossível a existência de sujeitos mais novos ou mais velhos imersos nessa atividade.

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início desse processo, os que se identificavam como “jovens” eram, de fato, do ponto de

vista etário, novos. E isso nos leva a pensar, como historiadores, nos canais de produção

que tornaram essa identificação viável e a fizeram circular como um investimento de

sentido entre esses sujeitos. Em outras palavras, ao pensarmos a juventude como uma

construção histórica, caberia perguntar: qual o papel da mídia na divulgação e promoção

de representações, valores e imagens associadas à juventude? Ou ainda – e levando em

consideração os nossos objetivos nesta tese – quando foi que as práticas que Christian

Pociello intitulou como “esportes californianos” começaram a ter, no Brasil,

correspondente na mídia segmentada à experiência juvenil?

A EXPANSÃO DOS “ESPORTES CALIFORNIANOS”

Foi durante o final da década de 1960, mas principalmente ao longo da década

seguinte, que a maioria dos chamados “esportes californianos” – classificados e

popularizados, posteriormente, através do termo “esportes radicais” – começou a

seduzir uma quantidade significativa de jovens em diversos países do Ocidente e, de

forma muito especial, uma parcela importante da juventude brasileira. Em um contexto

mais geral, sabemos que este período ficou marcado, de acordo com diversos

pesquisadores, por grandes mudanças comportamentais ocorridas em diversas partes do

mundo e articuladas, na maioria das vezes, à ascensão dessa noção de juventude a qual

acabamos de fazer referência e que, ainda hoje, se atualiza através dos meios de

comunicação de massa e da indústria cultural. De acordo com o historiador britânico

Eric Hobsbawm, as décadas de 1960/70 fizeram parte de uma época marcada por uma

forte “revolução cultural”37.

São diversas as transformações comportamentais que marcam este momento

histórico na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil. O aumento no número de

divórcios e o conseqüente crescimento na quantidade de famílias monoparentais, assim

como o advento de uma maior liberalização sexual com a venda de anticoncepcionais –

e com isso uma maior liberdade na conduta feminina – são exemplos importantes nesse

sentido. No entanto, segundo Hobsbawm, as maiores e mais importantes mudanças

37 HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 323.

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ocorreram no campo da cultura juvenil, passando a ascensão desta a indicar um

profundo desequilíbrio na relação entre as gerações. Em uma de suas afirmações mais

contundentes a esse respeito, ele escreveu que a “cultura jovem tornou-se a matriz da

revolução cultural no sentido mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos

meios de gozar o lazer e nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera

respirada por homens e mulheres urbanos”38.

Num primeiro momento, portanto, é importante visualizarmos quais foram os

canais de expressão e divulgação dessa “cultura jovem” que nos fala Hosbawm e por

quais mecanismos sua imagem se estruturou. Para isso, é importante percebermos – e

justamente para não focarmos a análise somente na idéia de indústria cultural – que a

realidade que se desenhava a partir da segunda metade do século XX vinha marcada,

principalmente na Europa, pelos horrores da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

De fato, foi a juventude (ou grandes parcelas desta juventude) nascida dos

escombros desse mundo maculado pelas bombas quem buscou inaugurar um novo

modus vivendi, ou seja, outras e renovadas formas de pensar, sentir e representar o meio

social. Nesse sentido, se podemos afirmar que num plano mais imediato “o caráter

destrutivo da guerra produziu reflexões sobre os limites do uso da ciência e da

tecnologia”39, como ponderou o historiador Enrique Serra Padrós, é importante

atinarmos para o fato de que as tragédias decorrentes da Guerra também trouxeram

conseqüências que se fizeram presentes em diversas esferas da cultura, alterando

percepções e possibilitando posicionamentos sociais mais diferenciados. Neste sentido,

cabe ressaltarmos a importância do rock and roll, estilo musical que se tornou um dos

fenômenos culturais mais marcantes do século XX por apresentar uma postura diferente

do conservadorismo social, cultural e estético até então vigentes no período. Para Paulo

Puterman, “por ser uma música destinada ao jovem e exigida por ele, o rock trouxe

consigo o germe da insatisfação”40. Assim, “de Elvis Presley a Jimi Hendrix, passando

pelos Beatles, o rock pautou musicalmente as mudanças sociais do seu tempo”41.

38 Idem, p. 323. 39 PADRÓS, Enrique Serra. Capitalismo, prosperidade e Estado de bem-estar social. In: O século XX. REIS FILHO, Daniel A. et al. (orgs.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 246. 40 PUTERMAN, Paulo. Indústria Cultural: a agonia de um conceito. São Paulo: Perspectiva, 1994, p. 101. 41 PADRÓS, Enrique Serra. Op. cit. p. 247.

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Além do rock, ritmo musical que talvez melhor traduza o surgimento dessa

“cultura jovem”42 a que estamos fazendo alusão, a formação dessas novas formas de

ser/estar também se identificavam com o cinema do pós-guerra e com a influência,

crescente desde então, dos filmes hollywoodianos. Ídolos como James Dean, Marlon

Brando, Ben Cooper ou Antony Perkins, ao mesmo tempo em que tinham suas carreiras

marcadas pelo sucesso comercial, passavam a estimular muitos jovens de classe média a

uma trajetória de liberalização e rebeldia, a qual não tardaria, de acordo com a

historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, a se tornar um “fenômeno de massa”43.

Especialmente nos países capitalistas do Ocidente, na Europa, mas

principalmente nos Estados Unidos e também no Brasil, a segunda metade do século

XX assistiu a uma juvenilização da cultura e com ela a busca por novos canais de

expressividade. Muitos jovens, em maior ou menor escala, passaram, através de suas

práticas sociais e atitudes cotidianas, a reivindicarem que um outro mundo era possível,

não mais aquele da guerra, do militarismo, da repressão e da sisudez – ou do trabalho

incessante e com ele o pouco tempo dedicado ao tempo livre – mas sim um mundo com

características diferentes, de realidades mais abertas ao prazer, ao lúdico e à alteridade,

sendo a música Imagine de John Lennon, a canção blowing in the wind de Bob Dylan,

ou o hino anti-militar de Geraldo Vandré44, alguns exemplos dessas utopias levadas a

sério. Pois neste contexto, como escreveu o sociólogo Marcelo Ridenti, devemos

perceber entre os jovens o “aparecimento de aspectos precursores do pacifismo, da

ecologia, da antipsiquiatria, do feminismo, de movimentos homossexuais, de minorias

étnicas e outros que viriam a desenvolver-se nos anos seguintes”45.

Havia, portanto, a gestação de uma nova ética cultural jovem no período, novas

esperanças e novos sonhos de liberdade. Mas é preciso atinar, e aqui levando em conta o

caso brasileiro, que uma série de mudanças nas condições materiais de vida também

ajudava a abrir caminho para que se frutificassem novas formas de ações políticas e

culturais. Segundo Ridenti, o Brasil da década de 1960 apresentava uma,

42 De acordo com Simone Pereira de Sá, Marcelo Garson e Lucas Walternberg, o rock é uma “grande matriz de comportamento e estilo de vida juvenil da segunda metade do século XX”. In. Culturas juvenis no século XXI. BORELLI, S. H. S & FILHO, J. F. (orgs). São Paulo: EDUC, 2008, p. 172. 43 SANT’ANNA, Denise Bernuzi de. Representações sociais da liberdade e do controle de si. In Revista Histórica, São Paulo, v. 5, 2005, p. 10. 44 Trata-se da canção “Para não dizer que não falei das flores”. 45 RIDENTI, Marcelo. 1968: rebeliões e utopias. In: O século XX: o tempo das dúvidas: do declínio das utopias às globalizações. REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 157.

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Crescente urbanização, consolidação de modos de vida e cultura das metrópoles, aumento quantitativo das classes médias, acesso crescente ao ensino superior, peso dos jovens na composição etária da população, incapacidade do poder constituído para representar sociedades que se renovavam, avanço tecnológico - por vezes ao alcance das pessoas comuns, que passaram a ter cada vez mais acesso, por exemplo, a eletrodomésticos, notadamente aparelhos de televisão46.

Além desse quadro de urbanização e “ampliação dos espaços da mídia e do

mercado de bens simbólicos”47 – sobretudo no tocante à classe média brasileira – é

preciso também recordarmos que, em meados da década de 1960, o país passou a

caminhar com pernas de chumbo. Os militares, que haviam tomado o poder em 1964,

quando da deposição de João Goulart, inauguravam os famosos atos institucionais como

prática política brasileira. Neste contexto, o ano de 1968 ficou caracterizado como a

data da imposição do AI-5, atitude que marcou definitivamente a instalação da ditadura

no país e generalizou “o uso da tortura, do assassinato e de outros desmandos”48,

especialmente o poder para cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos,

legislar por decreto e fazer uso da censura aos meios de comunicação.

Assim, embora o golpe tenha descartado as reformas de base de Jango, as quais

visavam, entre outros fatores, uma melhor distribuição de renda e uma ampliação da

justiça social, ele não conseguiu “calar”, a contento, setores significativos da sociedade

brasileira da época. Para Marcelo Ridenti, após o golpe de 1964, “os artistas não

tardaram a organizar protestos contra a ditadura em seus espetáculos”49, sendo o período

– até a edição do AI-5 – uma verdadeira amostra do que ele denominou de

“superpolitização da cultura”50. No entanto, após o ano de 1968, muito da agitação

cultural e política de contestação ao regime militar esfriou. Nas palavras do autor,

46 Idem, p. 156. 47 De acordo com a antropóloga Silvia H. Simões Borelli, no caso brasileiro, foi em meados da década de 1960 que passou a acontecer a “expansão da cultura de massa e a ampliação dos espaços das mídias e do mercado de bens simbólicos”. BORELLI, Sivia H. Simões. Cultura brasileira: exclusões e simbioses. In Anos 70: trajetórias. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2005, p. 54. 48 RIDENTI, Marcelo. Cultura e política: os anos 1960-1970 e sua herança. In FERRIRA, Jorge e DELGADO, Lucila de Almeida Neves (org.). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 152. 49 Idem, p. 143. 50 Ibidem, p. 143.

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Depois do AI-5 - com a repressão crescente a qualquer oposição à ditadura militar, o esgotamento do impulso político que vinha de antes de 1964, o refluxo dos movimentos de massas, as derrotas sofridas pelas forças transformadoras no mundo todo, a censura e a ausência de canais para o debate e a divulgação de qualquer proposta contestadora, com a adesão de alguns a grupos de esquerda armada e o rápido desbaratamento desses grupos pela ditadura -, foram derrotados os projetos românticos revolucionários, políticos e estéticos51.

Foi neste contexto marcado pela revolução cultural, pela contracultura, pela

ascensão da juventude como uma categoria social e, no caso específico do Brasil,

também pelo enfraquecimento dos grupos de esquerda e de contestação ao regime

militar pós-68, que muitas atividades novas adentraram e/ou se expandiram no país,

como foi o caso do surfe, windsurf, da asa-delta e do skate.

Embora uma pequena parcela da juventude ainda tenha encontrado maneiras de

resistir à ditadura militar durante a década de 197052, muitos dos jovens que aderiram a

essas novas práticas corporais buscavam vivenciar experiências de excitação e

transcendência que, de certo modo, promoviam uma “contestação” que não mais tinha a

ver com os dilemas políticos da época. Como afirmou o filósofo Gilles Lipovetsky, tal

desengajamento significava não somente uma suavização dos jogos políticos e

ideológicos, mas também um superinvestimento em questões hedonistas e subjetivas.

Em suas palavras, através da prática dos “esportes californianos”, os jovens entravam na

“na era do deslizamento”, isto é, “num tempo em que a res publica não tem mais

amarras sólidas e nem ancoragem emocional estável”53.

Assim, segundo Cesinha Chaves, um surfista que começou a praticar skate na

cidade do Rio de Janeiro no ano de 1968, durante a década de 1970, “ninguém [entre os

skatistas] queria saber o que o governo ou os militares faziam, [deslizar sobre um skate]

era muito mais um escape pela contracultura, rebeldia e alienação”54. De fato, essa

associação entre skatismo e contracultura é pertinente, haja vista que “a contracultura é

um movimento drop out, isto é, pula-se fora do sistema, não há uma tentativa de alterá-

51 RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 46. 52 Idem, p. 46. 53 LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri : Manole, 2005, p. 22. 54 Revista CemporcentoSKATE, nº 154, janeiro de 2011, p. 52.

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lo como um todo”55. Conforme escreveu o sociólogo Alain Ehrenberg, “quando a

salvação coletiva, que é a transformação política da sociedade está em crise, a

verborréia [...] dos desafios, performances e outras atitudes conquistadoras constitui um

conjunto de salvação pessoal”56. De modo semelhante, o historiador Georges Vigarello

também declarou que com a derrocada das “utopias” revolucionárias de esquerda (que

no caso brasileiro foram “contidas” com o AI-5), muitas práticas que possuem no corpo

seu cerne performático – como os chamados “esportes californianos” – passaram a

gradualmente assumir o papel que outrora era entregue devotamente às lutas políticas

tradicionais, transferindo “as antigas transcendências para o corpo”57.

Além desse ponto em particular, marcado pelo o que podemos denominar como

um “desmoronamento das ideologias e de uma opacificação das visões de futuro”58,

outra questão importante é o fato dos governos militares justificarem-se como

necessários em virtude do combate que empreendiam contra o comunismo. Assim,

dentro do cenário da Guerra Fria, eles se aproximavam dos Estados Unidos da América,

lócus da expansão das práticas corporais que Pociello intitulou como “esportes

californianos” e, de um modo especial, da prática do skate.

Num mundo marcado pela bipolaridade, ou se estava do lado da URSS ou dos

EUA59. Por diversos motivos o mundo socialista foi representado no Brasil, através da

Igreja Católica ou dos meios de comunicação de massa – como fazem ver os estudos de

Anna Cristina Figueiredo60 e Carla Simone Rodeghero61 – de forma pejorativa. Assim,

se desde a década de 1940 a penetração cultural norte-americana já se fazia presente no

55 ROCHA, Rose de Melo. Cenas urbanas e culturas juvenis: cidade, consumo e mídia no Brasil de 60 e 70, p.12. Disponível em: www.alaic.net/alaic30/ponencias/cartas/Com_ciudad/ponencias/GT19_2%20%20Melo%20Rocha.pdf, acesso em 21/01/2011. 56 EHRENBERG, Alain. O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida: Idéias & Letras, 2010, p.13. 57 Em entrevista a Revista Galileu, disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT110532-17773,00.html, acesso em 07/09/2010. 58 LACROIX, Michel. O culto da emoção. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 31. 59 Em 1955 ocorreu a Conferência de Bandung na Indonésia, na qual se reuniram os líderes de 29 nações recém-independentes afro-asiáticas. Os debates acabaram por afirmar um novo conceito em geopolítica, o do Terceiro Mundo, composto por nações pobres e que não se alinhavam nem do lado soviético nem do norte-americano. No entanto, é importante ressaltar a ausência nessa conferência de países latino-americanos, que embora constituíssem regiões pobres, estavam sob direta influência do capitalismo norte-americano. 60 FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954 – 1964). SP: Hucitec, 1998. 61 RODEGHERO, Carla Simone. Religião e patriotismo: o anticomunismo católico nos Estados Unidos e no Brasil nos anos da Guerra Fria. In Revista Brasileira de História, v.22, nº 44, 2002.

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território brasileiro, como afirmou a socióloga Lúcia Lippi Oliveira62, a aproximação

entre os dois países (Brasil/EUA) durante os governos militares possibilitou a inserção,

e numa escala cada vez maior, da presença dos costumes, das práticas, da cultura e,

neste caso em especial, dos “esportes californianos” na vida brasileira.

A rápida expansão do skate no Brasil – assim como das demais atividades

praticadas na Califórnia durante os anos de 1970 – beneficiou-se, portanto, deste

contexto que engloba o enfraquecimento dos ideais revolucionários juvenis pós AI-5 e

do aumento da influência cultural norte-americana no país. De fato, já durante a metade

desta década, como escreveu o sociólogo Paulo Sérgio do Carmo, “a cultura urbana

cresce, a linguagem das histórias em quadrinhos invade as ruas na forma de grafites e os

skates e patins serpenteiam entre carros”63.

Vistos como um misto de lazer e aventura numa época marcada por um maior

controle social e comportamental, os chamados “esportes californianos” passaram a

oferecer aos seus praticantes uma alternativa – ainda que moderada – de manifestarem

suas excitações em público e, principalmente, entre seus pares. O período, que

combinava novas formas de sociabilidade e lazer com o fechamento político promovido

pelos governos militares64, revelava-se paradoxal pela coexistência tanto de técnicas de

controle dos corpos quanto pela ação de uma parcela significativa da juventude em

busca de novas vivências e experiências corporais.

De acordo com o sociólogo Norbert Elias, muitas das atividades corporais que

passaram a ter algum envolvimento com o risco – como é o caso de práticas como o

skate, surfe, windsurf etc – tinham, de fato, “um efeito libertador, catártico” 65. Para o

autor, o risco – indo até o limite – foi primordial para o desenvolvimento de uma série

de atividades corporais que tinham, entre suas características principais, “um brincar

com o fogo”66. Assim, foi por este Ilinx67 (nome grego para “redemoinho d’água”68) que

62 De acordo com a pesquisadora, “É preciso lembrar que foi nos anos 40 que teve lugar a marcante penetração cultural norte-americana (no Brasil), como resultado de uma ação política governamental dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial”. LÚCIA LIPPI, Oliveira. Americanos: representações da identidade nacional no Brasil e nos EUA. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000, p. 19. 63 CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Editora SENAC, 2003, p. 123. 64 RAGO, Margareth. Cultura do narcisismo, política e cuidado de si. In SOARES, Carmen (org.). Pesquisas sobre o corpo: ciências humanas e educação. Campinas: Autores Associados, 2007, p. 50. 65 ELIAS, Norbert, DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992, p. 79. 66 Idem, p. 176. 67 De acordo com Roger Caillois, os jogos de Ilinx se baseiam na busca pela vertigem e buscam destruir por um instante a estabilidade da percepção, infligindo à consciência uma espécie de pânico voluptuoso. Trata-se de alcançar, em situações máximas de êxtase, uma espécie de espasmo, de transe. CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990, p. 43.

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“curiosamente fez das sensações de instabilidade uma fonte de prazer”69 que essas

novas práticas foram reconhecidas socialmente enquanto atividades com especificidades

distintas das demais modalidades esportivas conhecidas até então; o que significou para

seus jovens praticantes a chance de explorarem movimentos e técnicas corporais antes

desconhecidas, impondo novos desafios e limites simbólicos ao corpo. Ao observarmos

as páginas da revista Veja70 durante a década de 1970, por exemplo, percebemos que

essas novas atividades corporais eram apresentadas como umas das principais

expressões de uma juventude que, como estamos afirmando, já não era a mesma da

geração que esteve a frente das lutas de contestação à ditadura. Na citação a seguir, a

Veja faz uma referência direta a essa diferenciação,

Se seus antecessores usaram o som e a voz [refere-se aos jovens da década de 1960], os jovens da década de 70 preferiram o corpo. Em terra, no mar ou no ar, o movimento corporal, ou os “embalos”, foi a mais evidente forma de expressão da juventude dos anos 70. Mexendo-se, os jovens comunicaram sua alegria e curtiram, um verbo que a década inventou para indicar o prazer gratuito. E adotaram como moda o que pudesse exercitar o corpo: patins, skate, asa voadora, windsurf [...] A busca de movimentos livres foi uma constante dos jovens esportivos da década. Deslizar foi a curtição: deslizar nas calçadas, no ar, como gigantes pássaros ou lançando pequenas imitações de discos voadores. Em todos, sempre o mesmo desafio: manter o equilíbrio. Esse esforço permanente sobre patins, skates, pranchas, debaixo de asas voadoras, deu a ilusão de que o esporte nos anos 70 foi uma espécie de bailado de corpos desafiando a gravidade71.

Essa expansão – via Estados Unidos – dessas novas práticas corporais durante a

década de 1970 representou uma mudança bastante significativa no cenário dos

exercícios físicos praticados ao ar livre, alterando visivelmente as cores e o ritmo da

68 SARAVI, Jorge Ricardo. Jóvenes, skate y ciudad: entre el juego y el deporte. In Revista Educación Física y Deporte. Universidad de Antioquia, 2007, p. 77. 69 POCIELLO, Christian. Os desafios da leveza: as práticas corporais em mutação. In SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. (orgª). Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1995, p. 118. 70 Criada em 1968 pelo jornalista Mino Carta, a revista Veja surgiu no país numa época conturbada pela instalação da ditadura militar, buscando se firmar no mercado através de uma seleção de matérias que buscava cobrir os mais variados assuntos, como política, cultura, sociedade, tecnologia, economia, esportes etc. Embora direcionada para a classe média e para a classe de idade dos “adultos”, ela também reservava alguns espaços para retratar, geralmente de maneira superficial e com alguma dose de exotismo, as novidades que surgiam no agitado mundo da “cultura jovem”. 71 Revista Veja, 26 de dezembro de 1979, p. 60-61.

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paisagem de diversas cidades no Brasil, especialmente das grandes cidades, como São

Paulo e Rio de Janeiro72. Tratava-se do início, conforme já demonstrado por Denise

Bernuzzi de Sant’Anna73, da voga do “corporeismo”, em que os usos do “corpo

esportivo” começavam a ser tanto mais valorizados pela mídia quanto mais expressivos

em suas vivências sociais e nos diversos momentos do cotidiano, fato que inaugurava a

busca por essas práticas de origem californiana como algo “legítimo a ser conquistado

via lazer e pela compra de inúmeros produtos industrializados”74.

Segundo o historiador Georges Vigarello, as pranchas e demais aparelhos

lúdicos que possibilitaram a existência dessas novas atividades foram desenvolvidas

com base no surfe, a mais antiga dessas modalidades, e rapidamente oferecidos em lojas

de produtos esportivos. Com a figura a seguir, publicada em seu livro “Une histoire

culturelle du sport” (ainda, infelizmente, sem tradução para o português), ele demonstra

os desdobramentos do surfe em outras práticas de deslizamento, como o vôo-livre, o

windsurf e o skate.

72 Com isso não queremos dizer que, em cidades de menor porte, essas atividades não foram praticadas. Um recente vídeo-documentário, desenvolvido por alunos do curso de tecnologia em fotografia da UNIMEP, sobre a prática do skate durante a década de 1970 na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, por exemplo, evidencia que os grandes centros urbanos não foram os únicos que comportaram essas atividades no país. http://oespiritodolugar.blogspot.com/p/skate-rua-do-porto.html, acesso em 01/01/2012. 73 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Cultos e enigmas do corpo na história. In STREY, Marlene Neves; CABEDA, Sonia T. Lisboa (orgs). Corpos e subjetividades em exercício interdisciplinar. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 111. 74 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. O prazer justificado: História e lazer (São Paulo, 1969/1979). São Paulo: Editora Marco Zero, 1994, p. 100.

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Figura 2: Gráfico que demonstra a filiação dos aparelhos a partir do surfe. Ao observarmos a imagem, reparamos que, ao lado direito, encontra-se o skate. Fonte: VIGARELLO, Georges. Une histoire culturelle du sport: techniques d’hier...et d’aujourd’hui. Paris: Éditions Robert Laffont, 1988, p. 56. Todas (ou pelo menos a grande maioria) das atividades que a revista Veja

destacou no Brasil como sendo a “mais evidente forma de expressão da juventude dos

anos 70”75 possuem filiação com o surfe. O skate, embora seja ele um aparelho urbano,

não é diferente, pois embora seus eixos e rodas tenham sido, no início, uma adaptação

dos patins e patinetes, tanto a prancha do skate quanto alguns dos mais importantes

75 Revista Veja, 26 de dezembro de 1979, p. 60.

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movimentos corpóreos que deram início ao skatismo foram produzidos sob influência

do surfe76.

Além disso, embora seja possível detectarmos a existência de praticantes de

skate (especialmente na América do Norte) antes da década de 1970, é um consenso, na

literatura especializada (publicada nos Estados Unidos e na Europa), de que o skate só

angariou uma grande quantidade de praticantes após o ano de 1972. De fato, como

afirmam as fontes analisadas, neste ano ocorreu uma grande inovação no material de

fabricação das rodinhas do skate, as quais até então eram feitas de borracha, ferro ou

argila. Tal inovação foi a introdução do uretano em sua composição – feito realizado

por Frank Nasworthy, um engenheiro químico natural de Encinitas, Califórnia/EUA77 –,

o que possibilitou com que as rodinhas do skate, antes escorregadias e vagarosas,

pudessem ficar mais aderentes ao asfalto e assim alcançarem maiores velocidades.

Uma das provas dessa “revolução” causada pelo uretano foi o aparecimento de

livros, após o ano de 1972, que passaram a ter como objetivo ensinar aos principiantes

as primeiras técnicas corporais necessárias para colocar em prática essa atividade. De

fato, livros com essa temática só teriam justificativa para existir se houvesse, realmente,

uma perspectiva de grande demanda, ou seja, não seriam publicados livros ensinando a

praticar skate se não houvesse uma boa quantidade de pessoas querendo aprender.

Assim, por exemplo, no ano de 1975 Russ Howell lançou “Skateboard: techniques,

safety, maintenance”78 e, em 1976, Ben Davidson publicou “The Skateboard book”79,

ambos livros que almejavam levar aos novos praticantes alguns ensinamentos sobre as

primeiras formas de posicionamento corporal sobre o skate, modos de evitar lesões em

quedas e dicas de “manobras” básicas.

A seguir, partindo dessa década em questão, analisaremos a questão do skatismo

no Brasil, enfatizando tanto a sua introdução no país quanto a referida relação entre o

surfe e o skate. Nossa principal fonte de pesquisa será a Revista Pop, sem dúvida a mais

76 Segundo o pesquisador norte-americano Michael Brooke, os primeiros skates surgiram do desmonte de primitivos patins e patinetes (scooters, em inglês). No entanto, rapidamente as pranchas dos patinentes (que tinham um formato mais retangular) foram sendo produzidas e comercializadas tomando como referência o formato das pranchas de surfe, miniaturalizando-as. Nos EUA, o skateboard foi inicialmente conhecido como “sidewalk surfing”. BROOKE, Michel. The concrete wave: the history of skateboarding. Warwick Publishing: Los Angeles, 1999, p. 17. Além de Michel Brooke, outro autor norte-americano que buscou reconstituir a história do surgimento do skate enquanto um objeto material, anotando o nome das primeiras marcas que o patentearam e produziram em série foi Rhyn Noll. Para um estudo detalhado sobre isso, ver: NOLL, Rhyn. Skateboard retrospective. Coatesville: Schiffer Book, 2000. 77 MOREL, Alain; OUAKI, Gilles. Todo sobre el skateboard. Barcelona: Zamora, 1978, p. 12. 78 HOWELL, Russ. Skateboard: techniques, safety, maintenance. Sydnei: Ure Smith, 1975. 79 DAVIDSON, Ben. The Skateboard book. New York: Grosset & Dunlap, 1976.

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importante mídia impressa direcionada para a juventude brasileira que circulou durante

quase toda a década de 1970. Em contraste com a paisagem endurecida pela ditadura

militar, a revista Pop trouxe muito da alegria e do colorido juvenil em meio a uma

renovação editorial bastante significativa para a época80.

SURFE, SKATE E JUVENTUDE NAS PÁGINAS DA REVISTA POP

No início da década de 1970, dentre as revistas publicadas, destacamos para

nossos propósitos a Revista Geração Pop – chamada somente como Pop a partir de sua

edição de número 32 – como uma mídia em diálogo com os anseios e os valores desta

nova geração juvenil que, na época, estava emergindo. De fato, no Brasil, ela foi um dos

primeiros veículos da mídia impressa a retratá-la e também a associá-la ao rock, à moda,

ao lazer e algumas das atividades praticadas à maneira californiana, em especial, as

práticas do surfe e do skate.

80 De acordo com a socióloga Alzira Alves de Abreu, o Brasil dos anos finais de 1960 e por toda a década de 1970, vinha passando por uma renovação editorial bastante significativa, em que novas revistas surgiam e novos temas “saltavam aos olhos”. Segundo ela, as revistas ilustradas que tiveram seu apogeu nos anos 60 (como O Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos, entre outras), acabariam por desaparecer em função do advento e da massificação da televisão. Mas este fato, embora negativo para a produção impressa, não significou sua total derrocada. Em 1968, com o lançamento da revista Veja, criada pelo jornalista Mino Carta, houve posteriormente uma retomada das produções, especialmente das revistas, que passaram a se orientar por caminhos diversos, buscando na seleção de matérias e no seu direcionamento a um público mais específico uma forma de caminhar paralelamente ao sucesso da televisão. Assim, deste modo, foi a partir desta época que começaram a surgir publicações com o objetivo de alcançar um público mais específico, composto por padrões mais ou menos verificáveis de comportamento, faixa etária e hábitos culturais. ABREU, Alzira de. A modernização da imprensa (1970 – 2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p.18.

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Figura 3: Capa com skate81. Revista Pop, nº 72, 1978.

Publicada com periodicidade mensal pela editora Abril entre novembro de 1972

e agosto de 1979, essa revista chegou a contar com 82 edições em seus quase sete anos

de existência e atingir um considerável público leitor para a época, pois, de acordo com

a declaração de sua editora, a revista Pop “vendia pelo menos 100 mil exemplares

mensais”82.

Diferentemente das demais fontes impressas que utilizaremos nesta tese,

voltadas exclusivamente para a prática do skate, a revista Pop guarda uma importante

peculiaridade que necessita ser comentada, pois, ao contrário das demais fontes que

integrarão os próximos capítulos, a Pop não foi uma revista específica sobre skate, mas

sim uma revista que aliava a divulgação da música Pop (sobretudo o rock) com diversos

81 A partir de 1978, a revista Pop passou a contar com duas capas, a capa de rosto continuou a ser chamada somente de Pop, mas sua segunda capa (ao fundo) ganhou o nome de Garota Pop, evidenciando temas mais ligados ao sexo feminino. Embora o skate (vide figura 3) tenha sido colocado ao lado de uma garota, no interior da revista, quem aparecia praticando o skate eram os garotos. 82 O livro da Abril. São Paulo: Editora Abril, 1978. Apud: MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho d’Água/Fapesp, 2000, p. 154-155.

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temas vistos como de interesses juvenis. A própria Abril, ao buscar defini-la, lembrava

essa característica plural da revista,

Única revista brasileira especialmente dirigida à juventude, Pop junta em suas páginas a seriedade de assuntos como orientação profissional e relacionamento com os mais velhos com “dicas” sobre os discos “quentes” do momento, “jeans” enfeitados, viagens de muita “curtição” e a turma da “pesada” do rock. Com essa receita editorial, a revista atinge, todos os meses, centenas de milhares de rapazes e moças, entre 14 e 20 anos83.

Focada, portanto, no público juvenil (rapazes e moças entre 14 e 20 anos), a

revista Pop utilizava-se de inúmeras gírias existentes na época para elaborar um clima

de maior proximidade com seus leitores e, com isso, gerar certa intimidade na hora da

leitura. De fato, como nos demonstra o depoimento de Guto Jimenez84, carioca que

começou no skate no ano de 1975, a revista Pop teve uma influência muito grande nos

jovens de sua geração; pois por viverem num “clima de ditadura”, eles acabavam por ter

disponível o mínimo em termos de informação. Além disso, Jimenez também nos

revelou que foi através da Pop que muitos jovens, durante a metade da década de 1970,

conheceram “as tendências da juventude” norte-americana.

Deste modo, se a década de 1970 pode ser vista como “um momento

paradigmático na articulação entre culturas juvenis e culturas do consumo”85, em que

práticas, hábitos e bens materiais e simbólicos estavam se tornando elementos

importantes na construção narrativa e nas representações do que seria um estilo jovem

no país, é na Pop que podemos encontrar alguma dessas primeiras tentativas de

formulação de uma linguagem identificada com interesses juvenis e também alguns dos

primeiros registros do processo inicial de concepção de produtos midiáticos que

possuíam na juventude um consumidor em potencial.

83 Idem, p. 155. 84 Guto Jimenez é skatista desde 1975, tendo sido colaborador de algumas revistas de skate, como a Yeah!, que abordaremos nos próximos capítulos. Atualmente ele escreve uma coluna mensal para a revista Tribo Skate. Para a confecção desta tese, realizamos uma entrevista com Guto Jimenez no dia 06/12/2011 (arquivo do autor). 85 ROCHA, Rose de Melo. Cenas urbanas e culturas juvenis: cidade, consumo e mídia no Brasil de 60 e 70, p.04. Disponível em: www.alaic.net/alaic30/ponencias/cartas/Com_ciudad/ponencias/GT19_2%20%20Melo%20Rocha.pdf, acesso em 21/01/2011.

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Como já pontuamos a revista Pop não foi uma revista de skate, mas noticiava

esta prática corporal com certa regularidade, buscando associá-la, de acordo com as

palavras de seus editores, à “totalidade da cena teen”86. Assim, numa espécie de

bricolagem de temas e assuntos identificados como juvenis, a Pop ajudou na construção

de uma imagem da juventude no período. Nas palavras do pesquisador Luís Fernando

Rabello Borges,

A revista Pop, em sua intenção de abordar a cultura pop como um todo, acabou propondo englobar, em uma única revista, ‘todos` os temas pretensamente de interesse do público jovem. Assim, apesar de se tratar, antes de mais nada, de uma revista de música, nela constam também textos sobre moda, esportes, comportamento e outros assuntos. Em outras palavras, trata-se de uma publicação segmentada a um público-alvo específico, não chegando a apresentar um tematização característica de revistas atuais como a Frente (sobre música) e a 100% (relativa à prática do skate)87.

Compreendemos, portanto, a revista Pop como uma mídia direcionada para a

juventude, mas não segmentada para atingir somente determinados grupos juvenis ou

voltada exclusivamente para uma ou outra “tribo urbana”88. Sua preocupação era com a

juventude em geral, ou mais precisamente, com uma certa juventude de classe média

86 MIRA, Maria Celeste. Op. cit, p. 155. 87 BORGES, Luís Fernando Rabello. Mídia impressa brasileira e cultura juvenil: relações temporais entre presente, passado e futuro nas páginas da revista Pop. In INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Minas Gerais, 2003, p. 8. 88 Nesta tese, compreenderemos a noção de “tribo urbana” com base nos escritos de Michel Maffesoli, que a define como “o sentimento de filiação ou a partilha de um gosto”. MAFFESOLI, Michel. Quem é Michel Maffesoli: entrevistas com Christophe Bourseille. Petrópolis: De Petrus et Alii, 2011, p. 71. De todo modo, é importante lembrarmos que o termo “tribo” guarda alguns cuidados quanto a sua utilização num trabalho acadêmico. Sobre isso, o antropólogo José Guilherme Magnani escreveu o seguinte, “[...] quando se fala em tribos urbanas é preciso não esquecer que na realidade está se usando uma metáfora, não uma categoria. E a diferença é que enquanto aquela é tomada de outro domínio, e empregada em sua totalidade, categoria é construída para recortar, descrever e explicar algum fenômeno a partir de esquema conceitual previamente escolhido. Pode até vir emprestada de uma outra área, mas neste caso deverá passar por um processo de reconstrução”. Esta contradição, como explica Magnani, aparece ao tomar emprestado um termo usual e técnico do campo da Antropologia e utilizá-lo para compreender fenômenos da sociedade contemporânea. Em seu sentido clássico, dado pela etnologia, a palavra “tribo” é empregada na análise das sociedades de pequena escala com propósito de descrever fenômenos em sua “totalidade” que vão “além das divisões de clãs ou linhagem de um lado, e da aldeia de outro”; trata-se, pois, “de pacto que aciona lealdade para além dos particularismos de grupos domésticos e locais”. Por esse motivo, Magnani propõe para este campo de investigação o uso de metáfora e não categoria, o que não traria denotações e conotações do sentido inicial elaborado pela etnologia. MAGNANI, José Guilherme Cantor. Tribos urbanas: metáfora ou categoria? Disponível em: http://www.n-a-u.org/magnani.html. - acesso em 05/04/09.

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que dispunha de recursos suficientes para comprar a revista. Em seu editorial de estréia,

publicado em novembro de 1972, a revista expressava sua razão de ser,

Este é o primeiro número da primeira revista da nossa idade. Feita especialmente para você jovem de quinze a vinte e poucos anos de idade. Com coisas do seu interesse, que, além de informar e divertir, também sejam úteis. Indicações para você comprar as últimas novidades em discos, livros, aparelhos de som e fotografia, máquinas e motocas, roupas incrementadíssimas. Orientação na escolha de uma profissão, reportagens sobre assuntos da atualidade. E muita música, claro. Veja a revista. Depois, escreva para a gente. Nós queremos saber o que você achou89.

De acordo com Luís Fernando Rabello Borges, que escreveu uma dissertação de

Mestrado90 sobre esta revista – um dos poucos estudos feitos no Brasil sobre a Pop – em

sua edição de número 44, de novembro de 1976, a própria revista, após quatro anos de

existência, reiterou de forma bastante enfática sua linha editorial. No texto escrito por

Okky de Souza, a revista Pop afirmava-se como um importante veículo de cultura

jovem,

Há exatamente quatro anos, nesse mesmo mês de novembro, chegava às bancas de todo o Brasil a primeira edição de Pop. Poucos dias depois, o surpreendente volume de cartas de leitores que invadiu a redação confirmava nossas expectativas: Pop vinha para ocupar um importante lugar no jornalismo brasileiro, como a única publicação dirigida ao jovem, em todas as suas necessidades de leitura e informação. Apesar de abrir suas páginas a todos os temas que apaixonam e preocupam o jovem de nosso tempo, é a música pop que faz o ponto de união entre os leitores da revista91.

Segundo a historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, embora a revista Pop

tivesse na música sua ancoragem central, ela também passou a “atrair milhares de

jovens da classe média e aproximá-los do mercado especializado na venda de novos

89 Revista Geração Pop, editora Abril, nº 1, 1972, p. 04. 90 BORGES, Luis Fernando Rabello. O processo inicial de formulação de produtos de mídia impressa brasileira voltados ao público jovem: um estudo de caso da revista Pop. Dissertação (Mestrado em Comunicação), UNISINOS, 2003. 91 Revista Pop, editora Abril, nº 44, 1976, p. 61.

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acessórios e roupas para as atividades esportivas em expansão”92. Na década de 1970,

dentre essas “atividades esportivas em expansão”, encontravam-se de forma reticente

nas páginas da revista Pop tanto o surfe quanto o skate. De acordo com Luís Fernando

Borges, o propósito dessa revista era justamente o de buscar um contato com o público

jovem, e para isso ela veiculava as últimas novidades surgidas no acelerado mundo da

cultura juvenil, recheando suas páginas de artistas como “Elton John, Secos &

Molhados, os últimos campeonatos de surf e skate”93.

De fato, a Pop coroava em suas páginas um investimento na cultura juvenil que

desde pelo menos os anos 50 do século XX já vinha sendo feito no Brasil. Conforme

escreveu Sant’Anna, foi a partir do final da década de 1950 que a imprensa brasileira

passou a demonstrar o quanto o brilho de uma “juventude transviada ofuscava a

placidez de formalidades e austeridades até então vigorosas”94. Se a juventude e a

modernidade, nos idos anos JK, passavam a combinar perfeitamente com a expansão do

consumo, a década seguinte já preparava ainda mais o ambiente para se investir na

compra de produtos industrializados enquanto um passaporte para felicidades e

construções de novas aparências. Nas palavras da autora, “desde o começo da década de

1960 até os dias atuais, a construção de si, incluindo o corpo e os sentimentos que nele

se expressam, passou a ocupar um lugar central na cultura de massas”95.

A Pop se valia desse consumo juvenil como alavanca para conseguir

patrocinadores e, ao mesmo tempo em que idealizava, também retratava os modos e

costumes dos jovens de então. Entre esses costumes, como já afirmamos, figurava de

forma reticente nas páginas da Pop a prática do skate. De uma forma geral, é possível

estabelecermos dois períodos distintos na forma como esta atividade foi retratada por

essa revista. Primeiramente, do ano de 1974 a 1976, o skate apareceu na Pop como uma

derivação do surfe, período que podemos caracterizar pela divulgação do “surfe de

asfalto”. Posteriormente, do final de 1976 – mas principalmente a partir de 1977 – até o

término da revista, o skate passou a ser retratado com uma maior autonomia em relação

ao surfe, sendo apontado como um “esporte” com peculiaridades próprias. O início da

92 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Representações sociais da liberdade e do controle de si. In Revista Histórica, São Paulo, v. 5, 2005, p. 08. 93 BORGES, Op. cit. p. 07. 94 SANT’ANNA, Denise Bernuzi de. Consumir é ser feliz. In OLIVEIRA, Ana Claudia de & CASTILHO, Kathia (orgª). Corpo e moda: por uma compreensão do contemporâneo. Barueri/SP: Estação das Letras e Cores Editora, 2008, p. 60. 95 Idem, p. 64.

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construção das pistas de skate, dos campeonatos e do recém inventado profissionalismo

na categoria ajudam a explicar essa mudança.

O que percebemos ao analisar as primeiras reportagens veiculadas pela revista

Pop acerca da prática do skate, principalmente as publicadas entre 1974 e 1976, é que a

construção desta atividade esteve muito associada ao surfe e a um perfil de juventude

entregue aos prazeres do corpo. Embora seja possível debatermos questões relativas ao

mercado e ao consumo, não foi com intenções alheias a uma exaltação da diversão que

essa atividade passou a ser registrada nesta revista como um signo juvenil.

No período em questão, marcado pela introdução do skate no rol das práticas

corporais promovidas a partir de elementos lúdicos, como as pranchas de surfe ou body-

board, a questão da competição não era algo tão flagrante como o que passaria a ocorrer

a partir do ano de 1977, quando essa mesma revista passou a evidenciar outras

características do skate, representando-o já inserido num processo de esportivização e

próximo aquilo que viria a ser chamado de “esporte radical”. Mas antes, no entanto, de

articularmos a idéia de skate com a idéia de esporte, precisamos compreender como foi

possível assegurar a permanência do skate entre os jovens, uma vez que competições,

lucros ou patrocínios ainda não se faziam presentes ou não eram determinantes para a

organização desta atividade.

Se não podemos responsabilizar a revista Pop por ter criado nos jovens o desejo

de experimentar o skate – pois certamente tal pulsão ocorria nos espaços de

sociabilidade e era motivada pelas experiências concretas vividas nos lugares onde esta

atividade passava a ser exercida – podemos, no entanto, sugerir que ela colaborou para a

promoção do skatismo como algo pertinente ao jovem, ou melhor, a um ideal de jovem

que era interessante e condizente com a sua linha editorial. Deste modo, se tínhamos

uma revista direcionada para uma juventude com possibilidades e recursos suficientes

para “curtir a vida”, a sedução que deveria partir do skate tinha já seu itinerário, e com

ele, as palavras mágicas que poderiam acessar tais jovens: diversão, prazer, velocidade e

emoção!

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PRAZERES (E PERIGOS) SOBRE PRANCHAS

As relações entre a prática do surfe e a do skate guardam respaldo nas páginas da

Pop, em outras mídias e também na memória de skatistas atuantes durante a década de

1970. Para o pesquisador Tony Honorato, “há rumores do surgimento do skate no Rio

de Janeiro em 1964, mas como nada foi documentado torna-se difícil apontar o ano de

forma precisa”96. Embora sejam escassas as fontes disponíveis sobre a introdução do

skate no país, há evidências de que sua inserção ocorreu durante meados da década de

1960 – principalmente na cidade do Rio de Janeiro – através de alguns surfistas cariocas

que surfavam no Arpoador. A “descoberta” do skate ocorreu tanto em virtude das

viagens que alguns surfistas brasileiros realizavam para a Califórnia97 (e lá visualizavam

o skate sendo praticado) quanto, segundo depoimento do skatista Cesinha Chaves,

através da veiculação de publicidades sobre a venda de skates nas páginas de revistas

norte-americanas destinadas ao surfe, como a Surfer e a Surfing98.

Há um vídeo-documentário, intitulado Maria Angélica99, produzido por Vanessa

Favilla e dirigido por Alexandre Moreira Leite no ano de 2005 que aposta na cidade do

Rio de Janeiro como um dos principais berços do skate no país. Segundo uma matéria

do jornal O Globo100, intitulada “Maria Angélica: a rua que inventou o skate no Brasil”,

este vídeo sugere que foi neste local (a Rua Maria Angélica) onde houve um dos

primeiros redutos da prática do skate.

Pela chamada Rua Maria Angélica, os jovens deslizavam do ponto mais alto até

a esquina com a transversal J. Carlos, onde paravam para esperar os carros subirem e,

agarrados em seus pára-choques, transitarem pelo caminho inverso ao declive. Guto

Jimenez, em um texto intitulado “Maria Angélica: uma ladeira de História”, comentou

que era comum, durante o início da década de 1970, ver cerca de trinta jovens

96 HONORATO, Tony. Uma história do skate no Brasil: do lazer à esportivização. Publicado em: Associação Nacional de História – Núcleo Regional de São Paulo. Anais do XVII Encontro Regional de História: O Lugar da História/ Sylvia Bassetto, Coordenação Geral. Campinas: UNICAMP, 2004, p.1. 97 Segundo Márcia Luiza Figueira e Thaís de Almeida, a aparição do skate no Brasil está associada ao surfe, pois alguns surfistas “aderiram a essa prática corporal quando estiveram na Califórnia”. FIGUEIRA, Márcia Luiza Machado; ALMEIDA, Thaís Rodrigues. Mulheres praticantes de skate e de rugby no Brasil: histórias a serem narradas. In GOELLNER, Silvana; JAEGER, Angelita (orgs). Garimpando memórias: esporte, educação física, lazer e dança. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007, p. 122. 98 CHAVES, César. Anos 70. In BRITTO, Eduardo (org.). A onda dura: 3 décadas de skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 13. 99 Foi possível assistir ao vídeo-documentário Maria Angélica através do seguinte endereço eletrônico: http://video.google.com/videoplay?docid=7604199527388618857#, acesso em 01/07/2010. 100 Jornal O Globo, 13 de janeiro de 2005, p. 16.

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“despencando a ladeira todos os dias” 101. Nos finais de semana, relata Jimenez, a rua

parava, em média, com cem jovens.

Mas no início de sua prática no país, tanto no Rio de Janeiro quanto em São

Paulo102, por inexistirem lugares “específicos” e “adequados” ao uso do skate, uma série

de coibições – como dá testemunho uma matéria veiculada na revista Veja – foi

imputada contra essa atividade. De acordo com a Veja,

Muitas vezes, ao final de uma descida, os skatistas encontravam grupos de policiais encarregados de proibir novas investidas, sob a alegação de que era grande o perigo representado por esse surfe de asfalto, outro nome do skate. Na rua, segundo se argumentava, haveria transtornos com relação ao trânsito. E, sem dúvida, sobreviriam muitos atropelos se os skatistas resolvessem correr sobre as calçadas. O skate passou a ser, então, para escapar ao rigor policial, um divertimento noturno – e não foram poucos os pais a ser convocados, em plena madrugada, até às delegacias de seus bairros, para levar os filhos, detidos sobre as condenadas pranchas de rodas103.

Embora numa reportagem anterior a revista Veja tenha registrado que os únicos

problemas que os skatistas enfrentavam eram com as “quedas duras”104, nesta edição ela

lembrava de uma outra questão certamente muito maior, isto é, a proibição a esta

atividade nas ruas das grandes cidades. Em entrevista realizada por nós com o skatista

Sergio Torres Moraes, o qual iniciou-se nessa prática no ano de 1974, ele nos revelou

em mais detalhes alguns dos motivos que levaram as essas restrições, expresso no

aparecimento da força policial como um modo de “frear” o desenvolvimento da

atividade. De acordo com as lembranças de Sergio Moraes, portanto,

101 Revista Tribo Skate, n. 113, 2005, p. 89. 102 Com o fortalecimento das pesquisas sobre o skate nas universidades brasileiras, talvez um dia seja possível a escrita de uma história mais regionalizada desta atividade, e assim verificarmos esse processo em outras cidades e/ou regiões. Enquanto isso não acontece, ficamos com as cidades de São Paulo e Rio de Janeiros, as duas principais metrópoles registradas nas fontes que analisamos. No site www.skatecuriosidade.com, organizado pelo skatista Eduardo Tassara (um importante interlocutor desta tese), há um post em que podemos visualizar num filme em 8mm, o skate sendo praticado, no início da década de 1970, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. No Rio, as imagens exibem a Rua Maria Angélica, e em São Paulo, a Avenida Sumaré. http://www.skatecuriosidade.com/filmes/primeiros-points-de-skate-de-sao-paulo-e-rio-de-janeiro-nos-anos-70s, acesso em 23/03/2012. 103 Revista Veja, 3 de novembro de 1976, p. 70. 104 Revista Veja, 24 de outubro de 1973, p. 58.

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No ano de 1976 comecei a frequentar as ladeiras do Sumaré, acho que um dos primeiros espaços praticados pelos skatistas da cidade de São Paulo. O ponto de encontro da galera era a praça Joanópolis, atrás da igreja Nossa Senhora de Fátima, na Avenida Doutor Arnaldo. A partir da praça descíamos num circuito que se prolongava para as ruas Guaçu e Votuporanga. As esquinas eram fechadas e as rodas sofriam para fazer as curvas sem escorregar. Ali se reunia um grupo de surfistas de classe alta, que viajava com frequência para os Estados Unidos e trazia novidades de manobras e equipamentos de skate, principalmente as cobiçadas rodas de uretano. Lembro-me do Ricardo Tchap-Tchura, do Renato e do Vitório como alguns dos jovens que se destacavam. Notável lembrar que já nessa época existia uma repressão aos skatistas, justificado, ao menos ali no Sumaré, pelo grande consumo de maconha da galera. Volta e meia a polícia era chamada e confiscava o skate de todo mundo. Quando aparecia a viatura era adrenalina pura e todo mundo jogava os skates nos quintais e jardins das casas na esperança de não perder seu equipamento. O meu skate levaram uma vez e tive de ir com meu pai à delegacia para recuperá-lo105.

Além dos espaços percorridos, o uso da maconha era um dos elementos que, de

acordo com Sergio Moraes, contribuía para a existência de uma repressão a essa

atividade nas ladeiras do bairro Sumaré, em São Paulo. Para entendermos um pouco

melhor como funcionavam essas coibições ao skate de rua nesta cidade, e levando em

conta que não há em outras edições da revista Veja, na Pop – ou mesmo nas publicações

especializadas em skate que surgiram a partir de 1977106 – referências a elas, realizamos

algumas entrevistas com pessoas que vivenciaram o skate neste período. O skatista

paulistano Bruno “Brown”, por exemplo, foi um delas. Bruno fez parte dessas primeiras

gerações de skatistas paulistanos, tendo, inclusive, se profissionalizado nesta atividade

no final da década de 1970. Em entrevista concedia para a confecção desta tese, ele nos

explicou em maiores detalhes alguns desses episódios que as fontes impressas muito

pouco revelaram.

Bruno “Brown”, que atualmente possui uma loja destinada exclusivamente à

venda de peças e assessórios para a prática do skate, chamada “Wave Boys” e localizada

na Galeria Ouro Fino, em São Paulo, concedeu-nos uma entrevista bastante elucidativa

acerca do início – conturbado – do skate nesta cidade. Ele, que começou a praticar o

skate no ano de 1973, recorda que morava na Alameda Casa Branca, no Bairro Jardins

105 Em depoimento no dia 03/03/2012 (Arquivo do Autor). 106 Como as revistas Brasil Skate e Esqueite, as quais serão analisadas no próximo capítulo.

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em São Paulo, tendo começado nesta atividade por influência de um vizinho que, na

época, já descia algumas ladeiras de skate.

De acordo com Bruno “Brown”, primeiro eles circularam com seus skates pelas

ruas do bairro onde moravam, mas por volta do ano de 1974, começaram a procurar

ladeiras com um bom asfalto para descerem com os skates. Foi assim que “migraram”,

segundo sua expressão, para a Rua Doutor Queirós Guimarães, a qual tinha o apelido de

“Tapetão”107 entre os skatistas.

Figura 4: Jovens em São Paulo descendo, com seus skates, o “Tapetão”. Fonte: Revista Pop, nº 15, janeiro de 1974, p. 37.

A Rua Doutor Queirós Guimarães (ou o “Tapetão”) ficava no Morumbi, e de lá

os skatistas desciam deslizando até o cruzamento com a Avenida Professor Francisco

Morato. Mas assim que começou o movimento dos skatistas por lá, recorda Bruno, os

problemas começaram a surgir: acidentes, tombos com graves conseqüências e o

aglomerado de muitos jovens num mesmo local inauguravam talvez as primeiras das

107 De acordo com Bruno “Brown”, a Rua Queirós Guimarães era chamada de “Tapetão” por ser muito lisa e sem buracos, uma espécie de tapete no asfalto.

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muitas coibições que o skate ainda teria em sua história. Após ter “feito a cabeça”108 de

muitos jovens, o skate foi proibido na cidade no ano de 1975. Nas palavras de Bruno

“Brown”,

Por causa da quantidade de pessoas, balburdia e tal, ficava por volta de quinhentos skatistas ou mais nessa rua, e carro e moto, aí começou a dar muito acidente, e aí proibiram, proibiram o skate geral em São Paulo. Porque morreu gente, não tinha equipamento, o skate era pequeno... Tinha muita gente, e lá virou um centro [refere-se a Rua Queirós Guimarães] e os caras mandavam polícia lá direto, “nego” ia preso, aí tinha que chamar os pais e pegar o skate na delegacia... Mas é que era muita gente andando de skate, era tipo incontrolável. E quando chegava o camburão era “nego” pulando para tudo quanto é lado, pulando os muros das casas e tudo. Porque o skate foi proibido mesmo, você ia preso mesmo, porque morreu muito filho de gente importante. Aí teve essa confusão toda e fizeram a rua do lazer, que era a circular do bosque no Morumbi, e sábado e domingo colocavam cordas no início e no fim, e aí virou a rua do skate. E ficou chamada a rua do lazer: skate. E a gente andava lá109.

Como escreveram os sociólogos Norbert Elias e Eric Dunning, os divertimentos

podem ser uma excitação agradável e cumprir uma função de destruição da rotina, no

entanto, este “despertar socialmente consentido de emoções em público”110 está sujeito

a formas de controle social e práticas de limitação. Proibido, o skate passou a ser alvo

de severas coibições e processos de disciplinarização, como a delimitação de uma área

restrita para esta atividade, a “rua do lazer: skate”, identificada por Bruno “Brown”

como a “circular do bosque no Morumbi”. No entanto, antes disso acontecer, o

jornalista Luiz Carlos Azevedo, em reportagem publicada pela revista Manchete neste

mesmo ano de 1975, descreveu em uma matéria intitulada “A guerra do skate”, as fortes

repressões que os skatistas começaram a sofrer por praticarem um “esporte proibido”.

Na chamada para a matéria, líamos: “Em São Paulo, os garotos que desfilam nas

ladeiras de asfalto foram cercados por policiais armados de metralhadoras”. De acordo

com o jornalista, o que aconteceu foi que, no dia 21 de setembro de 1975, “soldados da

PM cercaram, na Rua Queirós Guimarães, em Morumbi, mais de 100 skatistas – entre

rapazes e garotas – sob a mira de metralhadoras”. Sentindo o ato como um abuso de

108 Na expressão de Bruno “Brown”. 109 Em entrevista realizada no dia 23/04/2009 (arquivo do autor). 110 ELIAS, Norbert, DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992, p. 323.

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poder, o pai de um dos jovens, que era advogado, tentou interceder e acabou sendo

preso. De acordo com a reportagem de Luiz Carlos Azevedo,

O pai de um dos garotos, avisado por telefone e sendo advogado, correu ao local onde estava havendo a violência. Carlos Augusto Calmon Navarro da Silva Ribeiro, o advogado, quis retirar seu filho Luís Fernando, 15 anos, e mais três amigos dele da “praça de guerra”. Tentou argumentar que não era atribuição dos policiais manter os jovens imobilizados sob a mira de armas de grosso calibre. Mas quando quis se retirar com sua mulher, filho e os três outros garotos, foi impedido. “Um deles me apontava um revólver, calibre 38, engatilhado, e o outro uma metralhadora, calibre 45, pronta para disparo”, recorda o advogado, que preferiu ficar parado, mas não deixou de protestar. Vários policiais tentaram apoderar-se de chaves do seu carro, e, como ele não cedeu, outros policiais apertaram o cerco ao veículo. Na confusão, surgiu o Segundo-Tenente Marino Lúcio Vasconcellos Marcucci, que deu voz de prisão ao advogado111.

A proibição à prática do skate mencionada na reportagem da revista Veja, esse

episódio ocorrido na Rua Queirós Guimarães retratado pela revista Manchete e também

os relatos de antigos praticantes dessa atividade nos ajudam a compreender que, durante

a década de 1970, “os espaços adequados para o lazer passavam a ser um problema

metropolitano”112, fazendo com que a produção destes lugares se tornasse, mais

assiduamente, “uma questão arquitetônica a ser discutida nos planejamentos

urbanos”113.

Assim, se não era somente com os tombos que os skatistas tinham que se

preocupar, a “sobrevivência” do skate, “apesar de tudo”, como comentou a revista

Veja114, deveu-se principalmente ao fato desta prática começar a trilhar os caminhos de

uma esportivização (ou, em outros termos, de ser conduzida pelo “poder esportivo”), o

que posteriormente resultou na organização de campeonatos, pistas específicas para esta

prática e o surgimento de fábricas especializadas na produção e comercialização de

skates e demais produtos que a ele passaram a ser associados, como roupas e

equipamento de proteção. Neste sentido, tal processo encontra respaldo nos estudos de

111 Revista Manchete, 25 de outubro de 1975, p.19. 112 DIAS, Cleber Augusto Gonçalves; MELO, Victor Andrade de. Lazer e urbanização no Brasil: notas de uma história recente (décadas de 1950/1970). In Movimento, Porto Alegre, v. 15, nº 3, 2009, p. 261. 113 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. O prazer justificado: História e lazer (São Paulo, 1969/1979). São Paulo: Editora Marco Zero, 1994, p. 89. 114 Revista Veja, 3 de novembro de 1976, p. 70.

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Denise Bernuzzi de Sant’Anna, que percebeu a permanência do lazer, durante este

período, somente enquanto algo consumido dentro de algum “circuito de utilidade”115. E

embora a revista Pop tenha divulgado – como ainda demonstraremos com maior ênfase

nos próximos tópicos – a prática do skate como algo divertido, lúdico e excitante para o

seu público leitor, não podemos perder de vista este início conturbado do skate pelas

ruas das grandes cidades. Se deslocarmos nosso olhar de São Paulo para o Rio de

Janeiro, por exemplo, podemos observar no relato do skatista carioca Leonides Melo

que,

No início dos anos 70 era visível o olhar de reprovação das pessoas quando saíamos nas ruas com a pranchinha [refere-se ao skate] na mão procurando as ladeiras e calçadas, já que não havia pistas. Até mesmo em casa, as mães principalmente, achavam perigoso. Recordo até hoje dos inúmeros conselhos da minha mãe e avó sobre os carros e os perigos em função da prática do skate, que pela inexistência de espaço próprio, era invariavelmente praticado nas ruas116.

Por despertar a excitação nos mais jovens e o receio nos mais velhos, por criar

momentos de diversão, mas também problemas com transeuntes e autoridades de

trânsito, e por ser visto tanto como uma prática lúdica quanto como uma prática

perigosa, a inserção do skate no Brasil – principalmente nas cidades citadas – antes de

existirem as pistas ou as ruas de lazer, nos induz a pensar numa certa pluralidade de

representações e campos de sentido. Isso, de fato, nos interpela a refletir sobre o skate

em sua construção histórica e discursiva no interior de práticas e iniciativas específicas.

Além disso, ao observarmos este momento inicial do skate também somos

levados a negar qualquer interpretação que o busque em algum essencialismo (como um

esporte, por exemplo). Com base nos escritos de Michel Foucault, é possível

afirmarmos que o skate, enquanto um objeto capaz de provocar agrupamento sociais e

produzir diferentes códigos de conduta , “foi inventado, fabricado, produzido por uma

série de mecanismos e de pequenos mecanismos”117.

Nos próximos tópicos, observaremos que no início da década de 1970 – além de

continuar em jogo esses sentidos do perigo e da diversão – o skate, durante a primeira

115 SANT’ANNA, D. Bernuzzi de. Op. cit, 1994, p. 41. 116 Em entrevista realizada no dia 02/12/2009 (arquivo do autor). 117 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: NAU, 1996, p. 15.

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metade desta década, não apresentou uma marcação de fronteiras definida, o que

esfumaçava sua identidade (lembramos que “as identidades são construídas por meio da

diferença”118) e, por isso, ele foi apresentado pelas mídias analisadas, em especial pelas

revistas Veja e Pop, como uma derivação do ato de surfar, ou, mais precisamente, como

um “surfe de asfalto”.

DO SURFE NAS ONDAS PARA O “SURFE DE ASFALTO”

Além do Rio de Janeiro, portanto, a cidade de São Paulo também serviu de palco

para os momentos iniciais da configuração do skate no país119. Encontramos um dos

primeiros registros sobre a prática do skate nas páginas da revista Veja, em sua edição

do dia 24 de outubro de 1973, quando ela noticiou – pela primeira vez desde que foi

fundada – o “mais novo divertimento” dos jovens paulistanos: o “surfe de asfalto”120.

De acordo com esta reportagem,

Descer as mais íngremes ladeiras de dois dos mais elegantes bairros de São Paulo – o Morumbi e o Pacaembu – e fazer durante a descida as mais incríveis firulas que a imaginação e a temeridade podem despertar é o mais novo divertimento de um grupo de jovens paulistas121.

Interessante notarmos que não havia, por parte da redação da Veja na época (a

matéria não foi assinada) um termo mais específico para significar os movimentos

executados pelos skatistas em suas descidas pelas ladeiras. Hoje, com a inserção do

skate do campo dos esportes, até mesmo essas mídias direcionadas aos “adultos”, como

era e ainda é o caso da Veja, passaram a retratá-lo a partir de termos mais próximos ao

118 HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In SILVA, Tomaz Tadeu de. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 109. 119 Novamente lembramos que não estamos restringindo o início da prática do skate no Brasil apenas as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, pois certamente ele também foi praticado em outros municípios e regiões. No entanto, não nos resta dúvida de que essas duas cidades foram as mais representativas, numericamente e comercialmente, no que tange aos primórdios do skatismo no país. 120 Revista Veja, 24 de outubro de 1973, p. 58. 121 Idem, p. 58.

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vocabulário esportivo. Pois já numa edição de 1988, a revista Veja, ao analisar a edição

de um vídeo sobre um campeonato de skate, intitulado “Skate: o esporte emoção”,

descrevia os movimentos de alguns skatistas, como as de Rogério Antigo, como

“manobras radicais” 122.

O skate na época não era ainda um “esporte radical”. Intitular os movimentos de

“incríveis firulas”, portanto, foi a maneira como essa revista interpretou, de modo

aparentemente pejorativo, aqueles movimentos corporais que eram, de acordo com a

mesma reportagem, muito “semelhantes ao surfe”123. Além disso, a palavra “firula”, em

se tratando da Veja, demonstra também o olhar adulto sobre a prática do skate na época.

Deste modo, podemos captar através dessa revista (de modo distinto do que ocorria na

Pop, por exemplo, que era uma mídia direcionada exclusivamente para os jovens), que

os sentidos atribuídos a essa prática não eram os mesmos em todas as categorias sociais.

Para a Pop, as manobras de skate representavam uma incrível diversão124, mas para a

Veja, além de divertidas, elas também eram vistas como “incríveis firulas”.

Voltemos ao caso do skate como um “surfe de asfalto”. De fato, e embora seja o

surfe uma prática bem mais antiga que a das demais atividades de origem californiana,

os momentos iniciais de sua configuração como um esporte ocorreram durante a

primeira metade do século XX, em particular na Costa Oeste dos Estados Unidos, lugar

onde surgiram os primeiros clubes de surfe na Califórnia. Antes disso, ele já era

praticado na Polinésia, sobretudo no Havaí, mas com significados muito diferentes. De

acordo com Cleber Augusto Gonçalves Dias, pesquisador do Laboratório de História do

Esporte e do Lazer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a prática do surfe foi

iniciada pelos polinésios, mas a partir de conotações religiosas e cerimoniais que não

implicavam seu uso esportivo. A descoberta do surfe ocorreu por intermédio do

explorador britânico James Cook (1728 – 1779), quando este, chegando ao Havaí,

deparou-se com “a incrível cena de homens flutuando sobre as águas”125.

Após ser incorporado pela cultura dos lazeres norte-americana, o surfe passou a

tomar dimensões bem diferentes, tornando-se um “esporte” associado à juventude, à

contemplação da natureza e aos prazeres corporais. Ao analisar aspectos relacionados ao

122 Revista Veja, 3 de fevereiro de 1988, p. 84. 123 Revista Veja, 24 de outubro de 1973, p. 58. 124 Revista Pop, nº 36, janeiro de 1974. 125 DIAS, Cleber Augusto Gonçalves. A vida vem em ondas. Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, nº 40, janeiro de 2009, p. 44.

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processo de formação e desenvolvimento desta atividade nos Estados Unidos, Cleber

Dias apontou que o surfe,

difundiu-se maciçamente na esteira do desenvolvimento da contracultura, dos símbolos de identificação da juventude e da indústria do entretenimento norte-americano, sobretudo o cinema. Associado ao aparecimento de um novo estilo de vida, que através de uma permanente celebração do prazer, se apresentava menos comprometido com o sistema de valores dominantes – especialmente a ética do trabalho e da produtividade –, o esporte rapidamente se transformou num símbolo de identificação coletiva para a juventude dourada da Califórnia126.

Se desde a década de 1950 a presença do surfe em produções cinematográficas

norte-americanas tem se apresentado como um importante vetor para o aumento no

número de praticantes127, sua popularização em outros países, como no Brasil, também

apresentou relações com a sétima arte. No cinema nacional, o filme Garota de Ipanema,

de 1967, foi o primeiro a exibir cenas de surfe128, pois na trama a protagonista

(interpretada por Marica Rodrigues) era namorada de um campeão de surfe

(interpretado por Arduíno Colassanti).

Segundo o historiador Rafael Fortes, posteriormente a Garota de Ipanema,

“quatro filmes destacaram o surfe na passagem dos anos 70 para os 80: Nas ondas do

surf, Nos embalos de Ipanema, Menino do Rio e Garota Dourada”129, sendo que o filme

Nas ondas do surf, produzido no ano de 1978, além de difundir o surfe como um estilo

de vida, também apontou o skate como algo que se desenvolveu a partir desta

atividade130.

Se havia um poder de mobilização por parte do cinema, sobretudo no sentido de

encantar os jovens com as inúmeras possibilidades que essas práticas ofereciam, vale

destacarmos a existência do filme norte-americano intitulado Skaterdater, escrito por

126 ______. A mundialização e os esportes na natureza. In Conexões (UNICAMP),v. 6, nº 1, 2008, p. 56. 127 ______. Ta dando onda (surf’up). In Esporte e Sociedade, ano 3, nº 8, 2008, p. 4. 128 MELO, Victor Andrade de; FORTES, Rafael. O surfe no cinema e a sociedade brasileira na transição dos anos 1970/1980. In MELO, Victor Andrade de (org). Esporte e cinema: novos olhares. Rio de Janeiro: Apicuri, 2009, p. 188. 129 FORTES, Rafael. Os anos 80, a juventude e os esportes radicais. História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. PRIORE, Mary Del; MELO, Victor Andrade de. (org´s). São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 421. 130 MELO, Victor Andrade de; FORTES, Rafael. Op. Cit. p. 199.

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Noel Black e produzido por Marshal Backlar a partir de um trabalho de conclusão de

curso na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) no ano de 1965. O filme,

ou mais precisamente um curta-metragem de aproximadamente 18 minutos, acabou

ganhando a Palma de Ouro no festival de Cannes no ano de 1966 e se tornou um

sucesso nos Estados Unidos na época. Felizmente, numa era em que a Internet

revolucionou o acesso a arquivos os mais diversos, foi possível assistirmos ao filme na

íntegra pela rede (o que representa, a nosso ver, um aspecto positivo para as pesquisas

em “História do Tempo Presente”). Segundo Marcello Dantas, curador de uma

exposição que trouxe Gary Hill, um dos jovens atores do filme – e hoje um conceituado

videoartista norte-americano, vencedor do Leão de Ouro na Bienal de Veneza de 1995 –

para o Rio de Janeiro, o curta Skaterdater teve a função de introduzir o skate, “um

esporte nascente na Califórnia, no mundo”131.

Tido como um dos primeiros registros cinematográficos da prática do skate, sua

trama apresenta como cenário central as ladeiras de Venice Beach, na Califórnia, e

como atores principais sete jovens praticantes de skate. Descalços e ao som de surf-

music, esses skatistas apresentavam por todo o filme movimentos corporais muito

próximos aos que os surfistas realizavam nas ondas do mar, evidenciando ser o skate

um desdobramento, no asfalto, do surfe praticado nas ondas.

O filme não apresenta diálogos, quem conta a história são as imagens, que ficam

por conta da interpretação do espectador. Assim, é possível percebermos, entre os

jovens skatistas, que dois deles competiam, implicitamente, pelo lugar de líder do

grupo, trocando olhares e desafios com o skate. Trata-se de um filme que explora o

universo de latente sexualidade juvenil, utilizando-se do skate como atrativo visual para

um enredo em voga num período, como classificou o historiador Eric Hobsbawm, de

“revolução cultural”132. Trocando as corridas de skate pelos “rachas” de carro, temos em

Skaterdater uma versão mais jovial para o clássico filme “Juventude Transviada”,

estrelado por James Dean em 1955.

Além dessas mídias, a presença do surfe na “arquitetura” do skate também está

presente na memória de muitos de seus antigos praticantes, os quais, na maioria das

vezes, acenam para essa característica fusional do skate com o surfe durante o início da

década de 1970.

131 http://rioecultura.com.br/expo/expo_local3.asp?expo_cod=1264, acesso em 23/08/2009. 132 Sobre o termo, ver: HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 323.

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O surfista carioca Ricardo “Bocão”, por exemplo, recorda-se que neste período

“vários surfistas passaram a velejar e a andar de skate, alguns sem largar o surf”133. De

acordo com o skatista André Viana Figueiredo – atual presidente da Federação de Skate

do Estado do Rio de Janeiro –, em sua cidade o skate passou a ser praticado por volta de

1973, quando “Quinzinho e seu irmão, o Alemão, que tinham casa na zona sul do Rio

de Janeiro, onde costumavam surfar, trouxeram um skate para a cidade de Nova

Iguaçu”134. Outros depoimentos, entretanto, revelam as diferentes hierarquias entre

essas práticas, nas quais o surfe era quase sempre mais prestigiado que o skate, sendo

este muitas vezes representado como um passatempo para os dias “sem onda”. De

acordo com as lembranças de D’orey,

Naquele tempo andar de skate era o que o surfista fazia quando não dava onda [...] Todo surfista andava, e não tinha skatista que não surfasse. Não era outro esporte, era uma coisa só. Ou melhor, surf é que era o esporte. Skate era passatempo [...] O skate veio do surf, e depois virou outra coisa com ídolo, código, moda, comportamento e trilha sonora própria135.

Mas não devemos levar ao pé da letra (ou de modo generalizante) essa afirmação

de D’orey de que “todo surfista andava e não tinha skatista que não surfasse”. Pois em

uma entrevista realizada com o carioca Guto Jimenez, que começou a praticar skate no

ano de 1975, ele nos revelou que havia diferentes espaços na cidade do Rio de Janeiro

(especialmente entre o subúrbio e as regiões litorâneas) que impossibilitavam o livre

trânsito entre essas duas práticas corporais. Em suas palavras,

Em relação ao Rio, não é correto afirmar que "todo skatista também era surfista", pois isso poderia até se aplicar a quem morasse na Zona Sul (como eu), mas não era a realidade da galera do subúrbio, por exemplo. Ir pra praia com prancha no ônibus era sempre um

133 BOCÃO, Ricardo. O surf é o pai de todos os esportes de prancha. Fluir. São Paulo, ed. 259, ano 24, maio de 2007. Citado por DIAS, Cleber A. Gonçalves. Urbanidades da natureza: o montanhismo, o surfe e as novas configurações do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008, p. 150. 134 Entrevista com André Viana Figueiredo realizada pelo antropólogo Giancarlo Machado. Publicada em : http://www.skatecultura.com/2008/01/nova-iguau-rj-uma-parte-importante-da_11.html, acesso em 20/09/2011. 135 D’OREY F. Skate é surfe sem tubo. In Revista Fluir, nº 241, 2005. Citado por DIAS, C. A. G. A mundialização e os esportes na natureza. In Conexões. V. 6, nº 1, 2008, p. 58.

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problema, pois não eram todos os motoristas que levavam - e, quando aceitavam, você tinha de pagar duas passagens (uma pra você e outra pra prancha), embarcar no ponto inicial e desembarcar somente nos pontos finais dos itinerários. Eu tive de desembarcar tantas vezes no Leblon e andar até o Arpoador pra pegar onda que tenho ojeriza por caminhar desde então. Portanto, muitos skatistas dessa época não pegavam onda, embora a conexão da moda fosse inquestionável; até mesmo as marcas de skate se inspiravam nas de surfe para criarem e produzirem suas roupas136.

Essa diferença tão bem destacada por Gimenez nos ajuda a compreender que se

havia (e de fato havia!) uma influência do surfe sobre o skate, o intercâmbio entre essas

duas modalidades (embora grande, como outros depoimentos a seguir nos revelam) não

pode ser pensado como uma fórmula que pode ser aplicada a todos os agentes dessa

época, sem exceção social, financeira ou territorial, por exemplo. De todo modo, como

escreveu o também carioca César Chaves – ou Cesinha Chaves, como ficou mais

conhecido – o skate durante os anos finais da década de 1960 (quando ele começou a

praticar), era bastante conhecido como “surfinho”, pois eram os surfistas “que tentavam

imitar no asfalto as manobras praticadas nas ondas do mar”137. Falando de sua

experiência pessoal para o jornalista Cauê Muraro, Cesinha Chaves comentou que,

Meu primeiro interesse com o skate foi em 1968, quando comecei a surfar. Naquela época a gente fazia o nosso surfinho da maneira que dava, cortávamos compensados e tábuas com formas de pranchinhas e pregávamos patins com rodas de borracha, que usávamos com a regulagem do eixo super solto, pra fazer as curvas de surf no asfalto. Nessa época fui com meus pais para Petrópolis, que é serra e não tem praia. Fui andar de skate num rink de patinação e me lembro do impacto que o skate causou naquele pessoal138.

Também Leonides Melo, um surfista que começou no skate ainda na primeira

metade da década de 1970, tornando-se posteriormente membro de uma equipe de

skatistas conhecida no Rio de Janeiro como Jeckle, também associa seu início no

skatismo em função de seu envolvimento com o surfe. De acordo com suas lembranças,

136 Em entrevista realizada no dia 06/12/2011 (arquivo do autor). 137 Revista Tribo Skate, n. 50, 1999, p. 37. 138 Entrevista com Cesinha Chaves por Cauê Muraro. Fonte: www.ncanal.com.br/busca/main.cgi?target=http://www.brasilskate.com/50.html, acesso em 03/12/2009.

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Comecei a andar de skate em dezembro de 1974 em pleno verão carioca, e assim como na Califórnia, aqui no Rio de Janeiro, quando o mar não estava bom, os surfistas como eu ficávamos buscando alguma coisa que nos animasse, quando descobrimos o skate, o entusiasmo foi geral e contagiante139.

Depoimentos colhidos por skatistas na cidade de São Paulo também indicam a

existência de uma relação entre essas duas práticas corporais. O já citado Sergio

Moraes, por exemplo, foi um skatista que se iniciou nesta atividade no ano de 1974, na

época em que estudava o 4º ano do ginásio no Colégio Major Arcy, próximo ao Jardim

da Aclimação. Segundo ele nos relatou, após ter visto um colega de classe aparecer com

um skate, ficou deslumbrado com a novidade e, rapidamente, quis adquirir o seu. No

seu caso, ele construiu seu primeiro skate serrando uma madeira com a ajuda de um tio

marceneiro - dando a madeira o formato de uma pequena pranchinha de surfe - e depois

a acoplando aos eixos e rodas de um patim, comprado na fábrica da Torlay em São

Paulo.

Além disso, segundo suas recordações, na mesma época em que conheceu o

skate, ele também se deparou com o surfe através das páginas de duas revistas

importadas (Surfing e Surfer) que eram vendidas em bancas da Praça da República. Essa

influência o levou a comprar uma prancha de surfe e também dar início a essa outra

atividade pelas praias do litoral paulista. Em seu relato, ele afirma que em São Paulo,

assim como aconteceu no Rio de Janeiro, a incorporação da cultura do skate veio pelo

surfe, embora, no seu caso em específico, ele tenha começado a andar de skate antes de

ter aprendido a surfar. Durante a primeira metade da década de 1970, Sergio Moraes

afirma que todos os jovens que conheceu em São Paulo, e que andavam de skate,

também surfavam, pois o skate parecia ser um estágio inicial do surfe naquele período.

A dinâmica corporal envolvidas em ambas as práticas, ressalta Moraes, eram de fato

muito próximas. Para ele, “assim como atualmente o surfe contemporâneo incorpora

manobras desenvolvidas no skate, nos anos 70 o skate incorporava as manobras

desenvolvidas no surfe”140.

Na fotografia a seguir, retirada em São Paulo no ano de 1975, a qual foi

gentilmente cedida por Sergio Moraes a essa pesquisa, é possível observarmos como as

139 Em entrevista realizada no dia 02/12/2009 (arquivo do autor). 140 Depoimento colhido em 03/03/2012 (Arquivo do Autor)

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técnicas corporais do surfe fizeram-se presentes no modo como ele passou a praticar o

skate. Além do movimento dos joelhos dobrados e dos braços esticados, os pés

descalços e o fato dele utilizar o pavimento como se estivesse numa onda também nos

sugerem essa relação.

Figura 5: O jovem Sergio Torres Moraes em São Paulo no ano de 1975. Fonte: Arquivo pessoal de Sergio Moraes

Além de Sergio Moraes, realizamos também uma entrevista com o paulistano

Jun Hashimoto, um dos skatistas mais influentes da segunda metade da década de 1970

e que chegou a se profissionalizar nesta atividade. De acordo com suas lembranças, na

cidade de São Paulo, seu “primeiro contato com o skate foi motivado pela vontade de

deslizar no asfalto e plagiar as manobras do surfe”. Além disso, ele nos afirmou também

que, no início, “um par de Havaianas [chinelos] nas mãos, camiseta hang ten, bermuda

florida, colar de conchas e o skate embaixo do braço eram os equipamentos nos dias das

ladeiras de asfalto”141.

Nesse contexto de introdução do skate enquanto uma prática californiana no

Brasil, tanto em São Paulo, mas principalmente no Rio de Janeiro, devemos

compreender que, na época, já havia um clima de renovação e liberalidade que 141 Em entrevista realizada no dia 22/05/2009 (arquivo do autor).

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engendrava “uma cultura de massas hedonista-juvenil”142. No caso do Rio de Janeiro,

lembramos que foi a partir das décadas de 1950 e 1960 que surfe se consolidou nas

areias de Copacabana e do Arpoador, sendo que em 1965 teria surgido uma Federação

Carioca de Surfe143, o que bem possibilitaria um intercâmbio de práticas entre surfistas e

skatistas. Num artigo em que abordou aspectos da história do surfe no Brasil, o

historiador Rafael Fortes afirmou que a construção dessa atividade ocorreu de forma

paralela a de outras práticas, como a do skate ou a do body-board, escrevendo que

“diversos agentes se envolveram com mais de um esporte, de maneira que houve intensa

circulação”144.

A ESTETIZAÇÃO DOS GESTOS E O CONTROLE DAS MOTRICIDADES

Como vimos, o desenvolvimento da prática do skate apresentou uma relação de

intensa simbiose com a do surfe. Havia uma relação de estilo e de comunicação estética

entre o corpo do surfista e o corpo do skatista. Quando a revista Pop, em sua edição de

janeiro de 1974, noticiou – pela primeira vez e sob o título de “A nova onda é o surf na

rua” – a prática do skate, ela trouxe o seguinte texto como chamada para a matéria:

“Cada ladeira é um desafio emocionante. É preciso ter equilíbrio, coragem e reflexos

rápidos. É a incrível aventura do skate, ou o surf na rua, a nova curtição que já tomou

conta de toda a patota”145.

142 VILLAÇA, Nízia. Corpo à moda mídia na cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.pos.eco.ufrj.br/docentes/publicacoes/nvillaca_pdf, acesso em 30/12/2009. 143 A criação da “Federação Carioca de Surfe” foi algo importante para a promoção dessa atividade como um “esporte” no país, pois ela promoveu campeonatos e trouxe alguns surfistas norte-americanos para competir no Brasil. Para uma discussão detalhada sobre sua influência no processo de esportivização do surfe, ver: DIAS, Cleber Augusto Gonçalves. Urbanidades da natureza: o montanhismo, o surfe e as novas configurações do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. 144 FORTES, Rafael. Notas sobre Surfe, Mídia e História. In Recorde: Revista de História do Esporte. Volume I, número 2, dezembro de 2008, p. 14. 145 Revista Pop, nº 36, janeiro de 1974.

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Figura 6: Jovem praticando o “surfe na rua” na cidade do Rio de Janeiro em 1975. Fonte: Revista Pop, nº 38, 1975, p. 61.

Segundo o historiador Roy Porter a fotografia pode ser uma grande fonte

(embora ainda permaneça “estranhamente subexplorada” 146) de compreensão do corpo.

O registro fotográfico já documenta quase um século e meio dos aspectos físicos da

pessoa e, embora ela não seja um instantâneo da realidade, é um registro da linguagem

corporal e do espaço social tão ou mais informativo que o texto impresso. Acreditamos,

nesse sentido, que o arquivo fotográfico pode nos revelar e confirmar variados aspectos

das transformações físicas na contemporaneidade, apresentando também dados sobre a

linguagem corporal, os gestos e a apropriação do espaço físico.

Como podemos visualizar na figura 6, o jovem que praticava skate pelas ruas do

Rio de Janeiro no ano de 1975 fazia com essa prática um jogo de equilíbrio corporal147.

A ausência dos calçados revelava o uso do skate como um “surfinho”, divertimento

espontâneo e sem vínculos com campeonatos, juízes, tabelas etc. Além disso, o próprio

movimento corporal realizado era muito próximo daqueles utilizados pelos surfistas nas 146 PORTER, Roy. História do corpo. In: BURKE, Peter (org.). A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p. 301. 147 Conferir nos anexos, ao final da tese, mais imagens sobre o “surfe de asfalto” no Rio de Janeiro.

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ondas do mar. Essa fotografia foi exibida nas páginas da revista Pop, que deixava claro

que, para praticar essa atividade, era preciso antes “ter equilíbrio”. Segundo o

depoimento de um dos skatistas entrevistados na matéria, “como no surf, todas as

manobras são feitas com um leve movimento do corpo: à direita, para quem quer virar à

direita, ou vice-versa”148. Revelava-se, portanto, uma característica típica dessas novas

atividades oriundas da Califórnia e que estavam se introduzindo no cotidiano das

práticas juvenis, elas investiam mais numa flexibilidade física atenta aos gestos de

equilíbrio do que no acúmulo de forças para o levantamento de algum peso, o que fazia

do corpo menos um suporte do gesto do que sua expressão.

Ao reduzirem o esforço muscular em prol de outros elementos para praticá-lo, o

skate abria novas possibilidades de euforia, êxtase e vertigem. Não tanto a força dos

músculos, mas sim a flexibilidade e a busca pelo equilíbrio estariam no cerne

performático em questão. De acordo com as palavras de Denise Bernuzzi de Sant’Anna,

Os esportes californianos, por exemplo, que se expandem em várias partes do mundo a partir dos anos 70, tem por objetivo menos o cansaço salutar – característica dos antigos esportes comprometidos com os ideais higienistas de salvação de uma raça – do que a vivência de sensações de prazer, físicas e mentais, imediatas e inovadoras. O surfe, a asa delta, o windsurf, por exemplo, conduzem o olhar do esportista menos em direção à força realizada por seus músculos do que às flexibilidades motoras que ele é capaz de manter sob controle. De onde se explica, nessas atividades, o emprego de verbos que evocam o prolongamento de sensações de prazer e de controle do conjunto dos movimentos, tais como voar, escorregar, equilibrar149.

Iniciar-se na prática do skate, portanto, significava dar menos evidência às

questões corporais que envolviam força muscular e uma maior atenção ao equilíbrio

corporal, controlado sob tênues movimentos de braços e pernas. Ao comparar os gestos

exercidos por skatistas e surfistas com aqueles realizados por esportistas tradicionais, o

pesquisador Christian Pociello argumentou que,

148 Revista Pop, n. 38, 1975, p. 37. 149 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Entre o corpo e a técnica: antigas e novas concepções. In Motrivivência, ano XI, n. 15, agosto de 2000, p. 19.

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O investimento viril e quase artesanal do corpo, que os esportistas tradicionais exercem sempre direta e concretamente sobre matérias duras (colocando concretamente à prova suas qualidades de força e de resistência), parece ceder o passo diante de outros tipos de investimento lúdico do corpo. Explorando as energias exteriores ao corpo, graças aos prolongamentos maquínicos dos quais ele se dotou, pode-se assegurar, através de controles sutis de equilíbrio e com o mínimo esforço, qualquer experiência da mobilidade acrobática ou vertiginosa a custo mínimo150.

O “investimento lúdico do corpo”, para além de suas possibilidades de força,

potência muscular e virilidade – aspectos tão bem explorados pelos esportes tradicionais

–, favoreceu sua interpretação como um possível objeto de comunicação através de uma

série inusitada de gestos e movimentos (os quais passaram a ser chamados pelos

skatistas, posteriormente, como “manobras”). E a construção dessa nova relação com o

corpo, ou desta nova corporeidade, também passou a expressar um desejo por aventuras

e deslizamentos os mais variados, sendo o aprendizado de tais técnicas uma questão de

conquistar, através do corpo – ou “in-corporar” – essas novas possibilidades de

movimento e frenesi estético151.

Diferentemente dos esportes mais tradicionais, portanto, o surfe e o skate (no

início da década de 1970) eram atividades que pouco contavam com técnicos ou

treinadores, o que ajudava a criar a sensação, para seus jovens praticantes, de uma maior

liberdade na escolha do que fazer ou não fazer, de até aonde ir ou parar... Enfim,

tratavam-se de práticas que prometiam, para além do controle e da disciplina, certas

liberdades intersticiais que passavam a ser percebidas como “estilos de vida”.

Ao observar o que chama de “práticas emergentes contemporâneas”, o professor

Deibar René Herrera, da Universidade del Cuaca, na Colômbia, também afirmou ser

possível percebermos nestas novas atividades outras formas de construção do corpo já

diferentes daquelas apontadas por Michel Foucault através de seus estudos sobre as

instituições disciplinares, as quais evidenciavam, sobretudo, a formação de corpos

150 POCIELLO, Christian. Os desafios da leveza: as práticas corporais em mutação. In SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. (orgª). Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1995, p. 117. 151 Para uma leitura bastante elucidativa de como os skatistas, através de uma pedagogia do movimento, incorporam (ou não) as técnicas corporais que permitem o exercício do skatismo, ver: OLIC, Maurício Bacic. As dimensões do risco: ou como o skatista se torna um agrimensor do seu próprio corpo. In BRANDÃO, Leonardo; HONORATO, Tony. Skate & Skatistas: questões contemporâneas. Londrina: UEL, 2012, p. 87 - 110.

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dóceis152. Para Herrera, faz-se importante admitirmos que o mundo contemporâneo

também vem configurando outros usos do corpo que já não estão de acordo somente

com a sociedade disciplinar e nem necessitam da obediência de outros tempos. Usos do

corpo, em sua visão, que se formaram a partir dessas novas práticas culturais juvenis e

que se constituíram enquanto práticas de subjetivação por gerarem certas sensibilidades

e oportunidades de criação; ou um novo sensorium, como diz, ou ainda uma celebração

da vida através da intensificação das paixões e na invenção de espaços para

compartilhar com pares um série de vivências e excitações lúdicas153.

Assim, algumas das análises de Foucault, como pondera Gilles Deleuze154,

propõem-se a descrever e analisar um mundo no qual estamos deixando de conhecer,

um presente que está se transformando em passado, cujas marcas ainda moldam muitas

experiências de subjetividade, mas não todas. As atividades do surfe e do skate, entre

outras, se constituíram num momento histórico onde os poderes disciplinares – mas

também o controle do Estado (biopoder) – já são menores e menos expressivos. Neste

contexto, por exemplo, o antropólogo e historiador português Jorge Crespo chegou a

afirmar que muitos projetos de libertação corporal se processaram num quadro de

mudanças que refletem a crise do próprio Estado, “porventura enfraquecido na sua

missão de utilizar o corpo como instrumento privilegiado do controle e regularização

das condutas humanas”155.

Para muitos jovens, as práticas do skate e do surfe representavam uma espécie

de liberdade, sendo que o fascínio despertado pelo skate parecia não ser muito diferente

do fascínio despertado pelo surfe. Como destacou o pesquisador Peter Arnold156, a

prática do skate motivou diversos jovens na década de 1970 porque oferecia a mesma

excitação que o surfe, mas com a vantagem de poder ser desfrutada por todos aqueles

que não tinham acesso às praias. Como prática urbana, o skate foi visto por diversos

segmentos da juventude como uma estimulante mistura de velocidade, habilidade e

diversão.

152 A esse respeito, ver: FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões.Petrópolis: Vozes, 1987. 153 HERRERA, Deibar René Hurtado Herrera. “In-corporar en la sociedad moderna y en las prácticas emergentes contemporaneas” In Recorde: Revista de História do Esporte. Volume 2, número 2, dezembro de 2009, p. 1- 19. 154 DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1990. 155 CRESPO, Jorge. A história do corpo. Lisboa: DIFEL, 1990, p. 7. 156 ARNOLD, Peter. The Hamlyn Book of skateboarding. London: The Hamlyn Publishing Group, 1977, p. 11.

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Como já pontuamos, não foi por adjetivos estranhos a esses que a revista Pop

retratou, pela primeira vez em sua edição, a prática do skate: “Desafio emocionante”,

“equilíbrio”, “aventura”, “curtição” etc. A construção deste conjunto de significados,

todavia, buscava traduzir o que os skatistas encontravam em suas descidas pelas

ladeiras, no caso dessa reportagem, na ladeira do Morumbi, o “Tapetão” de São Paulo.

Assim, ao significar o skate para um público leitor jovem não necessariamente

praticante desta atividade, a revista Pop colaborou para a divulgação do skate como algo

pertinente as “curtições” da juventude, inclusive buscando “orientações” e “dicas” com

skatistas mais experientes para que os iniciantes procurassem evitar os tombos, algo

certamente constante nesta atividade.

Deslizar sobre um skate, ou “surfar no asfalto”, além de ser uma prática

divertida, que mexia com o equilíbrio corporal e com a imaginação de seus praticantes,

era também uma atividade que envolvia riscos e possibilidades de “quedas duras”.

Deste modo, aceitando a possibilidade de machucar-se ao praticar skate, tais jovens

também passavam a redefinir as concepções de corpo geralmente difundidas pela

sociedade, isto é, a busca pela sua preservação física.

Numa reportagem realizada no ano de 1978 pelo Jornal do Brooklin com

skatistas de São Paulo, por exemplo, encontramos o seguinte relato de um jovem

chamado Dante Jorge Ginnattasio, apontado como um “praticante desse esporte tão em

moda e divertido”157. Em seu depoimento, Dante afirmava que, “ando de skate há 2

anos. Já me ralei, sinto medo, às vezes, mas gosto muito desse esporte. É mais difícil

aprender a cair do que a andar de skate”158.

A relação entre a prática do skate e o risco sempre iminente da queda

demonstrava outros vieses na concepção acerca dos cuidados com o corpo, pois a

possibilidade de ferir-se era algo constante, o que fazia com que os ferimentos

passassem a ser encarados de um modo um tanto quanto corriqueiro. Quebrar partes do

corpo, como um braço ou um pedaço do dente159, passava a figurar – ao lado da

diversão – como uma das características do skate, uma atividade que começava a se

transformar numa “mania”160 entre os jovens no país.

157 Jornal do Brooklin, Ano VIII – São Paulo, 24 de setembro de 1978, n. 334, p. 1. 158 Idem, p. 1. 159 Segundo depoimentos de Robert Emmeneger publicados pela revista Veja no ano de 1973, “No começo tudo foi bastante difícil para mim; cheguei a quebrar um braço e um dente aprendendo a fazer o skate”. Revista Veja, 24 de outubro de 1973, p. 58. 160 Revista Veja, 24 de outubro de 1973, p. 58.

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Deste modo, em sua edição de abril de 1976, a Pop elaborou uma matéria com

Amado Bonfim, skatista de vinte e quatro anos de idade, tido como um jovem

experiente no assunto para dar “um show de segurança, ensinando como cair sem

quebrar a cara”161. De acordo com essa reportagem,

Quem transa skate sabe muito bem: o tombo é inevitável e, muitas vezes, independe até da perícia de cada um. Por isso, mais importante que ignorá-lo é saber enfrentá-lo em qualquer situação. Aqui, Pop dá as principais dicas sobre como cair de skate sem se ralar todo. E, para tanto, foi buscar o orientação de quem realmente entende do assunto: Amado Bonfim de Souza, o Amado162.

Além de se preocupar com os tombos, ou melhor, com ensinamentos sobre as

maneiras de evitá-los, essa revista também buscava ser didática ao abordar os nomes das

manobras de skate, que na época eram uma imitação dos nomes e movimentos do surfe.

Assim, em sua edição de dezembro de 1975, a Pop buscou explicar para seus jovens

leitores a relação corporal entre essas duas atividades. Valendo-se de um painel com

quatro fotografias (reproduzidas a seguir), ela deixava explícito que “os nomes das

posições do skate são os mesmos do surf”.

161 Revista Pop, nº 42, 1976, p. 73. 162 Idem. p. 76.

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Figura 7: Revista Pop, nº 38, 1975, p. 60.

Ainda nesta reportagem, que foi intitulada: “Skate: no asfalto, sacando as

manhas do surf”, era destacado que o skate, na época, contava com mais praticantes no

Rio de Janeiro – os quais eram “geralmente surfistas” – que em São Paulo, citando “as

ladeiras da prainha, na Tijuca, as paredes do Cobral, em Humaitá, e o parque Guinle, no

Machado” como os principais lugares praticados pelos skatistas cariocas. No início

muito exercido por surfistas ou simpatizantes do surfe como uma espécie de treino para

esta atividade, o destaque dado aos movimentos do corpo, exemplificado pelas imagens

(figura 7), ajudava a demonstrar a similitude tanto dos movimentos quanto dos nomes

das manobras. A postura corporal exigida para a prática do skate, de acordo com a

revista, era a mesma praticada no surfe. Acerca disso, a Pop escrevia que,

Os braços abertos, o corpo oscilando, joelhos dobrados e os dedos dos pés segurando as bordas da prancha: nas manobras mais ouriçadas do skate, todo o corpo entra em ação. As maiores feras do surf concordam que o skate é ideal para manter a forma e dar prática aos iniciantes163.

163 Revista Pop, nº 38, dezembro de 1975, p. 60.

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Visto como um desdobramento do surfe, o skate foi tido como um “surfe de

asfalto”, um apêndice da prática do surfe. A esse respeito, em sua edição de março de

1976, a revista Pop exibiu, ao longo de três páginas, uma série de fotografias de skate

em associação com fotografias de surfe.

Figura 8: Imagens relacionando o skate ao surfe. Fonte: Revista Pop, nº 41, março de 1976, p. 28.

Nessa reportagem, escrita por Eduardo Athayde, era escrito que tanto “no skate,

como no surf, os movimentos são semelhantes, e o que importa é jogar o corpo

conforme o ritmo das ondas”164. No entanto, como a matéria deixava claro, embora as

semelhanças entre o skate e o surfe fossem grandes, essas práticas ocupavam

hierarquias diferentes entre seus adeptos, os quais na época eram – muitos – tanto

surfistas quanto skatistas. Deste modo, a revista dizia que “o skate é um estágio quase

obrigatório para quem quiser virar uma fera no surfe”, trazendo também a seguinte

afirmação do surfista norte-americano Owl Chapman, “o surf, pra mim, é a fórmula 1; o

skate, a fórmula 2”. Finalizando a reportagem, a Pop registrava,

164 Revista Pop, nº 41, março de 1976, p. 28.

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Qualquer manobra de surf pode ser repetida no skate, desde que a rua esteja desimpedida e que não passem carros, é claro. Na mesma descida, manobrando com os braços e regulando a velocidade com as pernas, você derrapa, sai de costas. E até entuba, exatamente como acontece no surf165.

Mesmo ao relacionar o skate ao surfe de modo a colocar o surfe como atividade

principal e o skate como uma espécie de cópia dessa atividade, afirmamos que esta

relação ajudou o skate a se inserir como uma prática jovem no país. Pois o que

garantiria ao skate ser visto como uma diversão juvenil e não como uma brincadeira

infantil? Lembramos que o surfe, no início da década de 1970, já contava com

campeonatos, federações e era cultuado pela juventude “dourada” da época, sendo

inclusive capa da quarta edição da revista Pop166, edição que também dedicou oito

páginas com reportagens e fotos sobre esta atividade167.

Para o skate, ser associado ao surfe era não ser associado a brincadeiras infantis,

logo, ser associado à juventude e não à infância. Esse ponto foi fundamental para que o

skate não entrasse, no imaginário juvenil, no campo das representações pela quais

passaram outros aparelhos lúdicos, como o carrinho de rolimã, por exemplo.

Destacado pela revista Pop como uma “aventura” ou um “desafio emocionante”,

o skate teve seu passaporte liberado para invadir os sonhos e desejos dos jovens leitores

como algo que pudesse preencher seus anseios por “curtir a vida” e, principalmente –

após a inserção desta prática num processo de esportivização – passou a servir como um

objeto simbólico na construção da identidade desses jovens sujeitos. Deste modo, como

já afirmado por Norbert Elias e Eric Dunning, é próprio do processo de esportivização

proporcionar “a identificação de grupo”168, sendo que os membros desse grupo não

tardariam a ser identificados a partir dessa atividade em especial.

No caso do skate, após seu desmembramento do surfe, seus praticantes

passariam a ser social e culturalmente identificados, num processo de individualização

165 Revista Pop, nº 41, março de 1976, p. 28. 166 Revista Pop, nº 4, fevereiro de 1973. 167 Logo após essa edição, a revista Pop voltou a noticiar o surfe, com uma reportagem especial em 6 páginas sobre as grandes ondas do Havaí. Revista Pop, nº 11, setembro de 1973. E já em sua edição de número 28, por exemplo, ela, além de publicar uma matéria ensinando a surfar, também sorteou 10 pranchas de surfe para seus leitores. Revista Pop, nº 28, dezembro de 1974. 168 ELIAS, Norbert, DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992, p. 324.

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social169, como skatistas – fato que facilitará, como veremos nos próximos capítulos,

uma certa homogeneidade de representações sobre o grupo que pratica o skate para

além das especificidades de cada praticante. Junto ao fortalecimento da palavra skatista

para designar os adeptos dessa atividade, o desenvolvimento das pistas, rampas e

manobras mais ousadas irão induzir o surgimento, ou melhor, a transvaloração de um

termo até então mais usualmente ligado à área química e política, para o uso esportivo:

o “radical”. Era o início, portanto, da naturalização daquilo que hoje muitos conhecem

como “esportes radicais”.

169 Compreendemos “processo de individualização”, de acordo com Norbert Elias, com algo relacionado às diferenciações que emergem nas relações de interdependência entre indivíduo e sociedade. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

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CAPÍTULO II

METAMORFOSES DO CORPO, TRANSIÇÕES DA CIDADE:

A INVENÇÃO DO SKATE COMO UM “ESPORTE RADICAL”

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AS ONDAS DE CONCRETO: O INÍCIO DAS PISTAS DE SKATE

O uso de bicicletas e o recorrente crescimento da Caloi e da Monark, a promoção de patins, skates, asas voadoras, do surf e windsurf e o frenesi das discotecas do final da década de 70 já se tornavam alguns dos símbolos da juventude e, em geral, incluíam a necessidade de ser veloz tanto no uso do tempo quanto no consumo dos espaços.

Denise Bernuzzi de Sant`Anna (SANT’ANNA, 1994, p. 99)

No decorrer da segunda metade da década de 1970, ou mais especificamente a

partir da passagem de 1976 para 1977, diversos elementos começaram a caracterizar o

skate como uma atividade em constante ascensão no país e em vias de se tornar um

esporte, o que foi gerando uma modificação nas representações que o percebiam como

uma derivação do surfe para, aos poucos, perceberem-no como uma prática com certa

autonomia. A própria revista Veja, por exemplo, que no ano de 1973 havia noticiado a

existência de um pequeno grupo de “surfistas do asfalto” em São Paulo, agora se

mostrava espantada com o crescimento no número de praticantes dessa atividade. De

acordo com uma matéria publicada em novembro de 1976,

Há quatro anos, quando os primeiros adeptos do skate – mini prancha de madeira sobre rodas, à moda de um patim – deslizavam por ladeiras do Rio de Janeiro e São Paulo, não sabiam como podia terminar a brincadeira. [...] O incipiente número inicial de skatistas, que não passava de uma centena, chega hoje perto dos quatro mil. Lojas especializadas na venda de equipamentos igualmente se multiplicam – seus preços variam entre 120 e 1200 cruzeiros – enquanto seis fábricas fazem sair de suas linhas de produção desde simples pranchas de madeira até transparentes skates de acrílico. E no último dia 24, finalmente, houve o I Campeonato Nacional de Skate, realizado no Rio, com 300 participantes – além de cariocas, havia representantes de São Paulo, Belo Horizonte e Brasília1.

Além do crescimento no número de praticantes, os novos elementos que

ajudaram a impulsionar essa atividade se deram através do aparecimento de lojas,

indústrias, campeonatos e, principalmente, com a construção das primeiras pistas

específicas para a prática do skate em transições. A primeira pista de skate registrada 1 Revista Veja, 3 de novembro de 1976, p. 70.

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nas fontes pesquisadas foi inaugurada no ano de 1976 e situada no Centro de Lazer

Ricardo Xavier, no município de Nova Iguaçu2, Rio de Janeiro,

Em grande parte, este fenômeno das lojas, fábricas e pistas de skate marcou

tanto uma reviravolta nas representações sobre esta prática até então contidas na revista

Pop quanto favoreceu o surgimento de revistas especializadas em skate, como a revista

Esqueite, publicada no ano de 1977, e também a revista Brasil Skate, esta no ano de

1978.

Neste capítulo, com a finalidade de compreendermos esta nova fase do skate,

marcada pelo início de sua associação com o termo “radical”, cruzaremos as matérias

sobre ele veiculadas pela revista Pop – assim como de outras revistas que

esporadicamente o abordaram, como as revistas Veja e a Manchete – com essas duas

outras mídias mais especializadas e que foram publicadas durante as duas datas

mencionadas, isto é, os anos de 1977 e 1978.

*

Como vimos no capítulo anterior, a prática do skate no Brasil teve início como

um prolongamento das técnicas corporais advindas do surfe, o que explica os nomes

pelos quais o skate ficou inicialmente conhecido no país: “surfe de asfalto” e “surfinho”.

Embora os primeiros skates tenham sido feitos a partir das rodas e eixos retirados dos

patins3, os movimentos corpóreos que possibilitaram o skatismo tiveram inspiração no

surfe, uma vez, como já observamos, ser o surfe uma prática mais antiga que o skate.

Mas embora filiado ao surfe, o skate foi aos poucos construindo uma trajetória

própria, principalmente a partir da segunda metade da década de 1970, quando

começaram a surgir no Brasil as primeiras pistas, campeonatos, skatistas profissionais e,

nesse movimento, as mídias específicas sobre skate. Assim, no ano de 1977 foi fundada

a revista Esqueite, a primeira publicação voltada especificamente para esta prática

cultural, mas também abordando – com menor destaque – as outras práticas oriundas da

expansão dos “esportes californianos”, como o surfe e o vôo-livre.

2 Revista Pop, n. 34, novembro de 1977, p. 32. 3 Desenvolvemos essa relação entre skate e patim no seguinte artigo: BRANDÃO, Leonardo. Histórias esquecidas do esporte. Conexões: Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 7, nº 2, 2009, p. 13 – 23.

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Com o fim da revista Esqueite (apenas duas edições foram lançadas) surgiu no

ano seguinte a revista Brasil Skate, também com distribuição nacional, mas igualmente

de vida curta, somente três edições foram lançadas ao longo do ano de 1978. Embora

tais revistas não tenham conseguido se estruturar no mercado editorial brasileiro,

cremos que elas, ao lado da revista Pop, podem nos auxiliar a uma melhor compreensão

dessas transformações pelas quais passava a prática do skate no período. No entanto,

diferentemente da revista Pop, compreendemos o lançamento dessas revistas como

“mídias de nicho”, ou seja, publicações de caráter mais intimista, extremamente

segmentadas e direcionadas a um público em específico.

Segundo Sarah Thornton4, podemos considerar a “mídia de nicho” como um

canal de comunicação construído por sujeitos que partilham dos valores e ideais do

grupo a qual pertencem, pois este tipo em específico de mídia não valoriza os principais

requisitos do jornalismo, como a questão do distanciamento ou da necessidade de uma

formação em curso superior para exercer o cargo de articulista ou redator. No entanto,

ao se comunicarem pela “língua da tribo”, as mídias de nicho tornam-se atraentes para o

grupo a qual representam e são vistas, ao contrário das revistas de informação em geral,

como instrumentos legítimos e autorizados a falar em nome do grupo, uma vez que

nelas o que conta, ao invés da formação profissional, é a inserção e o compromisso de

seus produtores na cultura que comunicam. Assim, se a Pop visava a “totalidade da cena

teen”, tanto a revista Esqueite quanto a Brasil Skate passaram a focalizar uma parcela

bem mais definida dessa totalidade, ou seja, os praticantes e/ou simpatizantes de skate.

A revista Esqueite teve em Sérgio Moniz (já falecido) seu principal articulador.

Destacamos abaixo o editorial de estréia desta revista, o qual celebrava o advento da

publicação como a realização de um sonho dos “esqueitistas”,

Esse era o sonho que milhares de esqueitistas de todo Brasil esperavam ter, uma revista de skate, inteiramente brasileira para que pudesse preencher uma lacuna no esporte que mais se desenvolve no mundo inteiro. ESQUEITE é tão brasileira, que até o nome também é nosso. Aqui trataremos de assuntos técnicos, de campeonatos, divulgação de “points”, pistas e locais ideais para a prática do skate. Faremos campanhas positivas no sentido de aumentar o prestígio do nosso esporte, fazendo com isso, que também aumente o número de pistas verdadeiras para o skate como são a de Nova Iguaçu, a primeira

4 THORNTON, Sarah. Club cultures: music, media and subcultural capital. Hanover/EUA: Wesleyan University Press of New England, 1996.

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do Brasil, a de Alphaville, São Paulo e como será a de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, cidade maravilhosa para sempre. Sentimo-nos orgulhosos com esse lançamento tão almejado, ainda que não toda a cores, mas confiamos plenamente na explosão do skate no Brasil. Já é tempo de se fazer alguma coisa por este esporte, ainda sem federação. O skate está virando coqueluche, principalmente em Brasília, Minas Gerais, São Paulo e grande parte do Paraná, que por falta de praias ou estas muito longe buscam no skate a sensação de liberdade, a sensação de independência, que proporciona. Cada vez mais indústrias especializadas aparecem e apresentam novos materiais [...] Mas, para que o skate não desapareça, é preciso praticá-lo com SEGURANÇA, que é o nosso principal tema. Agradecemos sensibilizados a todos os esportistas e comerciantes que nos vem prestigiando e fiquem certos de que ESQUEITE é nosso e a nós pertence5.

Como podemos observar, se a revista, por um lado, comemorava o crescimento

no número de praticantes em alguns Estados fora do eixo Rio-São Paulo, por outro, ao

colocar para si o compromisso de realizar “campanhas positivas no sentido de aumentar

o prestígio do nosso esporte”, ela também revelava, nas entrelinhas, o desprestígio

existente para com esta atividade. A esse respeito, por exemplo, em uma entrevista com

o skatista carioca Eric Willner, publicada em sua segunda edição, o entrevistado

comentava que “os adultos acham (o skate) um esporte para loucos. Há ainda muita

proibição por parte dos pais para que possamos desenvolver”6.

A questão é que a maioria dos jovens que se iniciava nesta atividade geralmente

o fazia em uma idade bastante precoce (a média de idade observada nas revistas

Esqueite e Brasil Skate era entre 14 e 19 anos), e voltar para a casa após uma sessão de

skate com um braço ou uma perna quebrada era um motivo mais do que suficiente para

que os pais ou responsáveis os proibissem de novas investidas.

Neste contexto, usar equipamentos de proteção, como capacetes, joelheiras e

cotoveleiras (ou, em outras palavras, praticar skate com proteção) era um modo de

garantir a continuidade do skate, evitando que ele deixasse de ser praticado e

desaparecesse por falta de adeptos. É por esse motivo, portanto, que nesse editorial de

estréia da revista Esqueite encontramos escrito que “para que o skate não desapareça, é

preciso praticá-lo com SEGURANÇA, que é o nosso principal tema”.

Além da ênfase fornecida aos equipamentos de proteção, a revista Esqueite

também se demonstrava preocupada com os julgamentos dos campeonatos que estavam

5 Editorial da Revista Esqueite, nº 1, setembro de 1977, p.2. 6 Revista Esqueite, nº 2, novembro de 1977, p. 27.

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começando a ocorrer no país. Numa matéria publicada em sua primeira edição,

intitulada “Como julgar campeonatos de skate”, ela trazia uma série de elementos que

buscavam organizar esta atividade para tais fins. Os itens abaixo foram organizados por

Sergio Muniz (diretor da revista Esqueite). Flavio Badenes (Assessor Técnico da revista

Esqueite), Paulinho (Chefe da equipe de skate Beija-Flor); Marco e Servio (Fabricantes

de skate Surf-house), Dado Cartolano (Fabricante dos skates Vortex), Waltinho Pará e

Luiz Carlos Mansur (ambos chefe de equipes de skate cariocas). De um modo geral, é

possível destacarmos a atenção fornecida por esses agentes aos seguintes itens:

1 – Necessidade de unificação e simplificação do sistema de pontuação, com notas entre zero e dez pontos; 2 – Delimitação dos skatistas em três categorias distintas, a “jovem”, “junior” e “sênior”; 3 – Repartição do campeonato em provas eliminatória, semi-final e final; 4 – Estabelecimento de um corpo de jurados composto de quatro juízes e um juiz supremo (o qual supervisionará todo o evento); 5 – “O júri deve levar em consideração: estilo, velocidade, continuidade, número de manobras executadas, graus de dificuldade, coordenação e concatenação”; 6 – “Após o término de cada prova serão contados os pontos por um ou mais contadores de pontos, cujo resultado será lido na presença de todos os participantes”; 7 – “Haverá sempre um sinalizador ao lado do juiz supremo. A função do sinalizador é a de usar um apito para com ele dar início e término a cada concorrente, usando o seguinte código: Apito longo, início de cada concorrente chamado pelo juiz supremo; Apitos longo, término das manobras dos concorrentes; Apito breve, irregularidades na pista (invasão de público, etc); Vários apitos breve, suspensão da prova; 8 – “Para a realização perfeita de uma prova de skate, sugerimos o seguinte: autorização legal da prefeitura ou órgão especial, policiamento, interdição da área de campeonato, área de competição mínima em 10 x 40 metros, cordões de isolamento para a área de competição e serviço médico de urgência”7.

7 Revista Esqueite, n. 1, 1977, p.10 -11.

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Como podemos observar, havia um forte interesse manifestado por essa revista,

assim como por empresários e chefes de equipes de skate, na promoção organizada de

campeonatos no país. As regras impostas, a presença dos juízes (até mesmo de um “juiz

supremo”), do contador de pontos e do sinalizador indicam perfeitamente como o poder

esportivo atravessando essa prática corporal. Se devemos, como acentuou o historiador

Roy Porter, enxergar como as atividades que envolvem a expressão da corporeidade

foram alteradas por intermédio das regulamentações e demais interferências ocorridas

tanto no âmbito público quanto no privado8, essa transformação do skate numa

atividade competitiva nos ajuda a compreender que o corpo apresenta uma dimensão

social que o ultrapassa. Os simples deslizamentos por ruas e ladeiras tomam agora a

forma de manobras que precisam ser pontuadas, classificadas e julgadas. O som do

apito marca o início da prova e também o fim desta. Sucedendo ao tempo do “surfinho”,

o skate mostrava uma predileção pelo mundo esportivo.

Um ano após a revista Esqueite ter circulado por bancas brasileiras, outra

revista, chamada Brasil Skate (dirigida pelo skatista Alberto Pecegueiro e tendo como

editor adjunto o também skatista César Diniz Chaves, mais conhecido como Cesinha

Chaves, o qual nos forneceu, no capítulo anterior, seu testemunho sobre o início da

prática do skate no Rio de Janeiro) foi lançada como uma publicação bimestral da

Editora Brasil Surf Ltda. Assim como a revista Esqueite, seu editorial de estréia também

celebrava, junto aos skatistas, a inauguração de uma revista de skate no Brasil e o

aumento expressivo no número de praticantes,

Não se impressione, não se surpreenda ao se dar conta de que você tem na mão uma revista de skate. É um passo natural que a evolução do esporte origina. Talvez digna de espanto e principalmente de admiração seja a rapidez com que o skate se desenvolveu no Brasil. A terra do rolimã, já passa a ser a terra das rodas de uretano, dos eixos cientificamente pesquisados, das tábuas milionariamente personalizadas, das pistas de skate. Não há dúvidas; o skate é uma realidade concreta (ou sobre o concreto) que a cada dia sobe mais um degrau na escala do crescimento. [...] Esta é uma revista sobre um assunto de crescente importância no Brasil, skate9.

8 Nesse sentido, podemos pensar o campeonato no âmbito público e os treinos no âmbito privado, quando o skatista treina para exibir-se posteriormente numa competição. Sobre outas formas de alteração dos sentidos do corpo através dos tempos, ver : PORTER, Roy. História do corpo. In BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo : Editora da UNESP, 1992. 9 Editorial da Revista Brasil Skate, nº 1, 1978, p.07.

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Além do destaque dado ao crescimento do skate no país, ao lermos os primeiros

editoriais tanto da Esqueite quanto da Brasil Skate, verificamos que ambas, além de

tratarem o skate como um “esporte”, conferiam grande importância às pistas de skate,

ou aos “locais ideais” para o desenvolvimento desta prática corporal. Sem dúvida, como

vimos no capítulo anterior, a prática do skate nas ruas das grandes cidades, como as do

Rio de Janeiro ou as de São Paulo, era algo que estava começando a criar problemas,

inclusive gerando a prisão de inúmeros skatistas, como nos revelaram as fontes

estudadas. Deste modo, a criação das chamadas “pistas de skate” – ou somente de

rampas avulsas que eram colocadas em diversos pontos das grandes cidades – passou a

ser algo que tanto autorizava quanto legitimava o uso do skate, uma vez que elas

ofereciam aos praticantes um local “apropriado” para exercerem os movimentos e as

técnicas corporais advindas do skatismo.

Algumas das principais pistas de skate que surgiram no Brasil durante a segunda

metade da década de 1970 foram inspiradas nas pistas construídas na Califórnia/EUA,

sendo que essas, por sua vez, surgiram a partir do uso do skate em piscinas vazias

provenientes de uma seca que assolou este Estado no início da década de 1970. Charles

Putz, por exemplo, o responsável pela construção, no ano de 1977, de uma pista de

skate na cidade de São Paulo, chamada “Wave Boys – Gledson”, relembra como tudo

começou,

Na viagem de férias aos EUA de 1976 para 1977, escapei da família e fui visitar as pistas da Califórnia. [...] No retorno ao Brasil a determinação de realizar o sonho de ter uma pista levou-me a encontrar um terreno, negociar carência de aluguel até que a pista ficasse pronta e buscar patrocínio. Quase fechei patrocínio com a Ellus, importante jeanswear que investia no mercado jovem, mas acabei conseguindo oferta melhor da concorrente Gledson. A pista se chamaria Wave Park – Gledson. No início, engenheiros, arquitetos e mestres de obra não entendiam bem o que eu queria fazer. Montei maquetes, mostrei fotos das pistas da Califórnia, e chegamos a montar rampas de madeira. As obras começaram e no dia 07/07/1977 dei a primeira volta de skate no primeiro pedaço que estava cimentado10.

Como podemos perceber neste depoimento de Charles Putz, a influência das

pistas existentes na Califórnia foi determinante para que surgisse no Brasil a idéia de se

10 http://www.waveboys.com.br, acesso em 26/08/2010.

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investir, para além das Ruas de Lazer, na construção de espaços específicos para o

skate. No entanto, como afirmamos, a existência de pistas de skate na Califórnia não

aconteceu devido a engenhosidade de algum skatista ou empresário, elas surgiram ao

acaso, de uma seca ocorrida neste Estado e que deixou vazias inúmeras piscinas que lá

existiam. Há um filme documentário norte-americano que buscou explicar como foi

possível a invenção dessas primeiras pistas de skate, relacionando a presença do surfe

nesta atividade como algo importante neste sentido. O documentário chama-se Dogtown

and Z-Boys11, foi dirigido por Stacy Peralta e lançado pela Alliance Atlantis no ano de

2001.

Z-Boys era a abreviatura de Zephyr-Boys (Zephyr era o nome de uma loja

montada para surfe e skate durante o final da década de 1960 e o início da década de

1970 no centro de Santa Mônica, Califórnia). A loja mantinha uma equipe – os

chamados Z-boys – que era composta por doze jovens, inicialmente surfistas, mas que

acabaram fazendo do skate sua prática principal. Com exceção de um, Chris Cahill,

todos os demais componentes da equipe foram localizados pelo produtor do

documentário, o norte-americano Stacy Peralta, o qual também fazia parte dessa equipe

de skatistas. A única mulher skatista do grupo era Peggy Oky, sendo que compunham o

restante da equipe os skatistas Shogo Kubo, Bob Biniak, Nathan Pratt, Jim Muir, Allen

Sarlo, Tony Alva, Paul Constantineau, Jay Adams e Wentzle Ruml.

Stacy Peralta, ex-skatista profissional e atual diretor de documentários,

conseguiu reencontrar praticamente todos esses skatistas da década de 1970, os quais

tomaram caminhos díspares na vida, e desde o final da referida época não tinham mais

se encontrado. Atualmente eles são empresários, a grande maioria casada, muitos

surfam e alguns ainda praticam o skate regularmente. Através de entrevistas, conversas

e depoimentos, Stacy Peralta foi estruturando seu documentário, fazendo da atual

memória desses skatistas o fio condutor de sua história.

Considerado, como afirma a jornalista Bruna Bittencourt, um “verdadeiro

registro do nascimento do skate”12, este vídeo-documentário traz imagens raras sobre o

início desta atividade, suas primeiras manobras, truques e espaços percorridos. Pelo

11 PERALTA, Stacy. Dog Town and Z-Boys: Onde Tudo Começou. EUA: Alliance Atlantis, 2001. Ficha Técnica:Título Original: Dogtown and Z-Boys. Gênero: Documentário. Tempo de Duração: 87 minutos. Ano de Lançamento (EUA): 2001. Site Oficial: www.dogtownmovie.com Estúdio: Agi Orsi Productions / Vans Off the Wall. Distribuição: Sony Pictures Classics / Imagem Filmes. Direção: Stacy Peralta. Roteiro: Stacy Peralta e Craig Stecyk. Produção: Agi Orsi. Música: Paul Crowder e Terry Wilson. Fotografia: Peter Pilafian. Desenho de Produção: Craig Stecyk. Edição: Paul Crowder. 12 BITTENCOURT, Bruna. Cinema 180º. Revista Trip. São Paulo: Editora Trip, n. 133, 2004, p. 88.

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valor histórico de suas imagens (que exibem esta prática durante as décadas de 50, 60 e

70 do século XX) e por sua qualidade na edição de cenas e imagens, ele é reverenciado

por diversas mídias como um excelente registro da invenção do skate, sendo

considerado, por isso, um “documento histórico’ desta prática corporal. Um exemplo

disso está no relato do jornalista Bernardo Krivochein, pois, de acordo com suas

palavras, como “documento histórico, Dogtown tem a força de firmar o skate enquanto

movimento de expressão imprescindível da época contemporânea “ 13.

Um dos pontos interessantes do filme está nas imagens que retratam a

apropriação, feita pelos Z-boys, de espaços da cidade de Santa Mônica/EUA enquanto

lugares para o uso do skate. No início eles praticavam skate em escolas, que por terem

sido construídas sobre colinas, possuíam “rampas” de cimento em seus pátios.

Posteriormente eles começaram a praticar skate dentro de piscinas vazias, provenientes

de uma seca ocorrida em meados de 1970 na Califórnia. Segundo relatam os depoentes

do filme, durante este período “a prefeitura não permitia molhar o jardim e nem se podia

servir água em restaurante, então, o que aconteceu, foi que todas as piscinas abundantes

no sul da Califórnia estavam secando”14.

O curioso dessa história encontra-se na arquitetura das piscinas californianas,

pois elas não se assemelham com as encontradas no Brasil. Aqui as piscinas são

quadradas, retangulares, com as paredes retas, as quais formam um ângulo de 90º graus

com o solo. Na Califórnia, a maioria das piscinas possui formato oval ou redondo,

sendo que suas paredes possuem transições (curvas) que lembram as ondas do mar15.

Foi esta “rampa” nas paredes das piscinas californianas, somada à habilidade e à técnica

dos skatistas californianos, sobretudo os da equipe Z-Boys, que forneceu às piscinas

vazias uma outra utilidade nunca antes pensada: elas viraram as primeiras “pistas” de

skate.

De acordo com o filme, foram os skatistas da região central de Santa Mônica,

em particular os da equipe Zephyr, que ao praticarem skate em piscinas vazias

revolucionaram esta atividade, apontando para horizontes nunca antes imaginados, e

13 Fonte: http://www.zetafilmes.com.br/criticas/dogtown.asp?pag=dogtown, acesso em 05/04/2009. 14 Todas as citações referentes ao filme Dogtown and Z-Boys foram transcritas exatamente como se encontram no filme. 15 A existência dessas transições (curvas) nas paredes de muitas das piscinas norte-americanas pode ser explicada como uma forma de lidar com o rigoroso inverno que acomete certas regiões desse país. Em outras palavras, a construção das piscinas com as paredes em curva é pensada como um modo de evitar sua destruição. Assim, caso o inverno seja muito rigoroso e faça a água congelar, a curva, neste caso, servirá como uma rampa deslocando o gelo para a borda da piscina, evitando a pressão interna que poderia arrebentá-la.

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tornando possível, anos depois, a montagem de pistas de skate com rampas verticais, ou

seja, uma imitação das paredes inclinadas das piscinas californianas. Segundo os

skatistas da equipe Zephyr, foram eles os primeiros a praticar em piscinas vazias, e no

início nem imaginavam o que seria possível ser realizado em suas paredes. Em seus

relatos, eles dizem:

“A primeira meta no primeiro dia foi passar acima da lâmpada [que fica na parede inclinada da piscina]. Depois começamos com arcos duplos [andar com dois skatistas de uma só vez], chegando ao ladrilho da piscina dos dois lados. A meta era chegar à beirada, bater a roda na beirada”.

Tony Alva, considerado um dos mais hábeis skatistas da equipe, lembra que só

foi possível realizar tal feito por terem sido, antes de skatistas, surfistas. Pois os mesmos

movimentos que faziam com suas pranchas nas ondas do mar foram os necessários para

subirem com seus skates nas paredes curvas das piscinas. Segundo seu relato: “era

completamente fora dos padrões, mental e fisicamente. Mas, por sermos surfistas

sabíamos os movimentos necessários, só não sabíamos se eram possíveis”. Ainda de

acordo com Alva, a atitude da equipe Z-Boy foi algo marcante na exploração desse novo

terreno. De acordo com suas lembranças, eles foram os primeiros a praticarem numa

piscina vazia, e por isso relata que “é preciso entender que o que fazíamos nunca havia

sido feito, aquilo simplesmente não existia”.

O que os Z-boys chamavam de andar “com o eixo baixo”, ou seja, com o corpo

mais abaixado, tal como faziam nas ondas, forneceu a eles a possibilidade de

executarem manobras diferenciadas e em lugares até então inusitados, como nas

ondulações dos pátios escolares ou nas piscinas. Eles, enquanto surfistas, transportaram

seus movimentos para o skate. Não se trata somente de skatistas que se espelharam em

surfistas, mas também de surfistas que se fizeram skatistas.

Assim, ao observarmos a existência dessas brechas de liberdade pelas quais

sujeitos conseguiram reinventar hábitos, direcionar práticas e maneiras próprias de

vivenciar o espaço urbano e seus corpos, percebemos que a prática do skate

desenvolveu-se através de códigos partilhados entre grupos. Ela, mais do que fruto da

estética vivenciada por um único agrupamento social, ergueu-se através de mecanismos

de troca, apropriações e flutuações de sentido.

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Na invenção cultural de utilizar piscinas vazias como lugares possíveis de se

praticar skate, há tanto uma representação quanto uma apropriação16. Representação

porque a piscina passou a ser vista não como um tanque de água para banhos e

mergulhos, mas sim como um lugar de exercícios físicos e acrobáticos para o skate.

Mudaram-se, pois, os sentidos, as representações. Deste modo, a construção do que

estamos chamando por “skatismo” foi feita por meio de práticas de reutilização,

efetivando as representações como apropriações. A piscina foi, mais do que pensada de

uma forma diferente do usual, experimentada em sua concretude. Os skatistas não só a

significaram de um modo diferente, mas também a usaram com outras finalidades.

Voltando ao caso brasileiro, é importante lembrarmos, com já foi dito, que aqui

não havia essas piscinas com transições tais como as existentes no sul da Califórnia. De

todo modo, quando o skate passou a ser praticado no país, ele já contava com uma

estética de surfe. Se na Califórnia, portanto, o uso do skate nas piscinas possibilitou a

invenção das pistas de skate, as primeiras pistas construídas no Brasil a partir da

segunda metade da década de 1970 foram feitas com base nas já existentes no Estado da

Califórnia, surgidas sob inspiração das paredes onduladas das piscinas17.

Através das imagens veiculadas a seguir, observamos que as pistas de skate no

Brasil, na década de 1970, se pareciam muito com as citadas piscinas norte-americanas,

modelo das primeiras pistas de skate. Na próxima página, duas imagens nos ajudam a

melhor visualizar essa relação. A primeira foi retirada do filme Dogtown and Z-Boys e

demonstra uma manobra com o skate numa piscina típica da Califórnia no início da

década de 1970, já a segunda revela a mesma manobra num ambiente construído com

paredes onduladas na cidade de São Paulo no ano de 1977.

16 Utilizamos as noções de práticas, representações e apropriações com base nos estudos do historiador Roger Chartier, tais como as que podem ser vistas em: CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFGRS, 2002; e também em: CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1990. 17 De acordo com o depoimento do skatista André Viana Figueiredo, a construção da pista de skate de Nova Iguaçu/RJ no ano de 1976, a primeira do Brasil, foi feita sob inspiração das fotografias com skatitas andando nas pistas e piscinas californianas que eram publicadas pela revista norte-americana Skateboarder. Fonte:http://www.skatecultura.com/2008/01/nova-iguau-rj-uma-parte-importante-da.html, acesso em 30/09/2011.

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Figura 9: Uso do skate nas ondulações de uma piscina na Califórnia no início da década de 1970. Fonte: Imagem retirada do filme Dogtown and z-boys.

Figura 10: Uso do skate nas ondulações de uma pista em São Paulo, chamada “Wave Park”, no ano de 1977. Fonte: Fotografia do arquivo do skatista Bruno “Brown”.

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Como podemos observar ao compararmos essas duas figuras, as transições que

existiam nas paredes das piscinas californianas (figura 9) e que depois foram transpostas

para as pistas de skate (figura 10), forneceram aos skatistas novas possibilidades de

usufruto de seus corpos de maneira muito distinta das encontradas anteriormente nas

ruas e ladeiras das grandes cidades.

O surgimento das pistas (e rampas) para o skate trouxe novidades significativas

tanto para a prática em si quanto para os espaços por onde ela passava a ser exercida.

Para atender a essa nova demanda dos skatistas, as cidades (principalmente as do Rio de

Janeiro e São Paulo) pouco a pouco ganharam transições, e através delas desenvolviam-

se novas potencialidades de invenção, movimentos e performances. Com as pistas,

rampas e transições, os skatistas passaram a executar manobras que exigiam uma

plasticidade e leveza muito maior que àquelas exercidas anteriormente na

horizontalidade das ruas ou nos declives das ladeiras. Era o início dos primeiros truques

de levitação, chamados posteriormente de “aéreos”, onde tanto o skate quanto o corpo

do skatista – vide imagens 9 e 10 – permaneciam no ar por alguns segundos até

retornarem novamente o contato com a rampa.

Sobre as pistas de skate, em sua edição de estréia, a revista Esqueite chegou a

elaborar uma matéria de seis páginas (a maior matéria da revista) abordando os

benefícios que essas, ao serem construídas em maior número no Brasil, poderiam trazer

para o fortalecimento do skate como “esporte”. Interessante notarmos, além disso, que a

revista se pautava nos casos norte-americanos como um parâmetro de sucesso (embora a

revista negasse que no Brasil se fizesse uso do skate por imitação aos norte-americanos)

para o que poderia vir a ser uma realidade aqui em nosso país. De qualquer modo, os

exemplos buscados nos Estados Unidos nos fazem lembrar que o skate acabou mesmo

por se consolidar como “uma das mais poderosas culturas californianas”18 no Brasil.

Abaixo, os principais trechos da reportagem escrita pela Esqueite com esta intenção de

promover a construção de um maior número de pistas de skate, ou de “esqueitódromos”,

como também ela denominava esses espaços,

O Skate vem se desenvolvendo em passos largos entre nós brasileiros, não por imitação aos americanos, mas, pelo fato de nos trazer prazer e satisfação o andar sobre rodas silenciosas, com aquele ventinho no rosto e a sensação maravilhosa de liberdade, principalmente no

18 Revista Veja, ano 38, nº 42, 19 de outubro de 2005, p. 162.

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silêncio da noite quando as ruas estão vazias, sem tráfego. Porém, durante o dia com o tumulto, a poluição sonora, os agrupamentos de pessoas por todos os lados, o “rush” dos carros, perdemos logo a vontade de esqueitar e nos lembramos da necessidade imperiosa da execução urgente de ESQUEITÓDROMOS, ou mais facilmente pronunciado PISTAS de esqueite. É isso aí, precisamos de gente responsável que se interesse pela segurança dos jovens e dos adultos também, que praticam esse fabuloso esporte, o SKATE. Como exemplo, temos nos Estados Unidos cerca de trinta pistas em funcionamento, em vários Estados, e assim mesmo há ainda acidentes de ruas com esqueitistas, sendo que seis morreram e mais de 200 ficaram feridos. Agora, imaginemos nós aqui sem pistas, e com um aumento incrível de esqueitistas a cada semana! As conseqüências poderão ser catastróficas se alguém não tomar medidas preventivas, e iniciar logo a construção de várias pistas espalhadas por muitos bairros. Do ponto de vista comercial é um excelente empreendimento. Imaginem-se PISTAS cobertas que poderiam ser usadas qualquer hora do dia ou da noite, independente das condições do tempo. Um bar com refrigerantes, salgados e doces para abastecer o desgaste do esportista, um vestuário para moças e rapazes trocarem de roupas e terem seus escaninho para guarda de pertences, além de uma bateria de duchas e banheiros. E ainda um auditório onde passariam filmes de surf e skate, onde poderiam ser feitas conferências e até cursos áudio-visuais de skate, surf, vôo-livre, wind-skate, etc. Cobrar uma pequena taxa diária para uso da pista e suas dependências seria aceito por todos e a média diária nas pistas americanas é de 600 pessoas, dentro da pista é claro, fora seus familiares que acompanham e amigos que vêm em busca de algo novo19.

Ao associar a possibilidade de novas – e mais bem estruturadas – pistas de skate

no Brasil com a possibilidade de retorno financeiro, a revista Esqueite incitava um

investimento mercadológico nesta prática como algo que poderia melhor organizar esta

atividade dentro de moldes seguros de um “esporte”, e isso tanto para os praticantes

quanto para os não praticantes, pois o aumento das pistas era visto como algo que tiraria

definitivamente os skatistas das ruas, evitando acidentes com carros, atropelamentos ou

mesmo choque com transeuntes. De forma similar a esse enfoque conferido por essa

revista às pistas de skate, a primeira edição da revista Brasil Skate também reservou a

elas uma maior quantidade de páginas, sete ao todo, explicando a importância delas para

o crescimento do skate como “esporte”. Segundo a revista Brasil Skate,

[...] foram as pistas de skate as grandes responsáveis pelo “boom” do esporte de três anos para cá [...] As pistas deram maior ênfase aos já

19 Revista Esqueite, nº 1, 1977, p. 12.

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tão considerados aspectos de segurança. Havia, e ainda há, grande preocupação quanto aos riscos corridos por skatistas que andavam em ruas e calçadas estando sempre ao alcance de carros desgovernados, ou então por alcançar os carros quando eles próprios se desgovernavam [...] Uma lógica simples leva as pistas a se autodesenvolverem. Como objetos de investimento comercial as pistas procuram gerar condições de atração para o maior número de skatistas. Assim quanto melhor for a pista mais sucesso comercial ela vai apresentar20.

De fato, por ser algo atraente economicamente para investimentos privados, ou

algo necessário socialmente do ponto de vista do poder público, já no final da década de

1970 as pistas de skate, na expressão do skatista Cesinha Chaves, “explodiam por todo

o Brasil”21. Num depoimento do veterano skatista Marco Antonio Berto (mais

conhecido pelo apelido de “Panelero”), no interior do Estado de São Paulo, por

exemplo, surgiram muitas pistas de skate no final desta década. Ele recorda que,

Em Araraquara a primeira pista foi o Carranca, construída no ano de 1977, e por volta de 1978, 1979, foi construída outra no Clube Náutico. Também nesses anos de 1977 e 1978, cheguei a andar numa pista (banks) com 90 graus na cidade de São José do Rio Preto, que ficava localizada na tradicional Avenida Andaló. Na cidade de Catanduva, nessa mesma época, construiram uma pista de skate com um snake e dois banks. Outro lugar que andei, isso em 1978, foi no mirante em Jundiaí, que tinha um snake gigante e um banks perfeito22.

Além dessas, numa lista longe de ser exaustiva23, também podemos (entre esses

anos de 1978 e 1979) citar a construção de pistas de skate em diversas outras cidades:

Osasco/SP (a “pista do bairro Jardim das Flores”24), Bauru/SP (“rampa do Silva”25),

Florianópolis/SC (a “pista de Jurerê”), Taquara/RS (a “pista de skate do Grêmio

20 Revista Brasil Skate, nº 1, 1978, p.03. 21 CESAR, Chaves. Anos 70. In BRITO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 17. 22 Em entrevista realizada no dia 04/01/2012 (Arquivo do Autor). 23 As pistas citadas a seguir que não contam com nota explicativa foram selecionadas do depoimento do skatista Cesinha Chaves. In CESAR, Chaves. Anos 70. In BRITO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 17. 24 http://www.skatecuriosidade.com/pistas-skt/pista-exinta-1979, acesso em 22/03/2012. 25 http://www.skatecultura.com/2007/11/momento-nostlgico-campeonato-em-bauru.html, acesso em 23/03/2012.

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Esportivo União”26), Viamão/RS (a “Swell Skatepark”), Volta Redonda/RJ (a “Redonda

Skate Park”27), Porto Alegre/RS (a “pista de skate do Parque da Marinha”), Novo

Hamburgo/RS (o “o Ramon’s Bowl”), Santos/SP (a “Homero Skate Park”28) e, entre

outras, a pista do “Gaúcho” de Curitiba/PR, que em sua inauguração contou com a

presença do presidente Ernesto Geisel29.

Mas como já pontuamos, a proliferação dessas pistas de skate teve início com a

de Nova Iguaçu/RJ, inaugurada em 04/12/1976 e construída na época da prefeitura de

João Batista Lubano (sob projeto do skatista Sérgio Alexandre e do engenheiro

Henrique Reina)30. Interessante registrarmos que essa pista existe até hoje e ainda

encontra-se em bom estado de conservação. Em São Paulo, a primeira pista que temos

notícia foi inaugurada no ano de 1977, projetada pelo arquiteto Reinaldo Pestana31 e

construída dentro das dependências do Alphaville Tênis Clube.

Motivo de uma reportagem da Pop, a pista de Alphaville tornou-se um ponto de

encontro para uma juventude ávida por experimentar o prazer da velocidade que as

pistas de cimento, muito mais lisas que o asfalto, passavam a oferecer. Sob o título de:

“Skate: as feras estão na pista. Voando. Fazendo loucuras!”, a revista Pop destacava

que,

26 Segundo uma reportagem publicada na Folha da Tarde de 26 de dezembro de 1979, “Com o término da pista de skate de Taquara, no Grêmio Esportivo União, a quarta do Rio Grande do Sul, os skatistas terão mais uma opção para a prática do esporte. Segundo os técnicos esta é uma das mais perfeitas do país. Estão em andamento ainda mais duas pistas no Estado, a de Pelotas em fase de conclusão e a de Canoas, ainda não iniciada”. A reprodução deste jornal encontra-se em: http://wp.kzuka.com.br/skateplayer/tag/r-i-p/, acesso em 03/01/2012. 27 Inaugurada em 15/11/1979, essa pista ficava no Bairro Sessenta, na Vila Santa Cecília, em Volta Redonda, município do Rio de Janeiro. Construída pela prefeitura (na época o prefeito era Aluísio Campos Costa), ela tinha cerca de 40 metros de comprimento por 12 de largura. Fonte: Jornal do Skate, edição de 1979. Disponível em: http://www.skatecuriosidade.com/pistas-skt/pista-extinta-de-volta-redonda-rj, acesso em 29/12/2011. 28 Esta era uma pista particular (seu dono chamava-se Homero) e ficava localizada na Avenida Epitácio Pessoa, n. 208, bairro do Embaré, Santo/SP. Fonte: Jornal do Skate, dezembro de 1979. Disponível em: http://www.skatecuriosidade.com/pistas-skt/pistas-extinta-homero-skatepark, acesso em 03/01/2012. 29 A pista do Gaúcho, localizada na praça do redentor, foi inaugurada em janeiro de 1978 e, segundo uma pesquisa realizada por Dudu Munhoz, estiveram presentes na ocasião tanto o prefeito Saul Raiz quanto o presidente Ernesto Geisel. O nome « Gaúcho » faz referência a um bar que existia desde 1955, próximo ao local onde fora construída a pista. Fonte : http://espn.estadao.com.br/skateblog/post/199118_CURIOSIDADES+100+FIDEDIGNAS+SOBRE+A+PISTA+DO+GAUCHO+EM+CURITIBA, acesso em 02/02/2012. 30 http://www.skatecuriosidade.com/pistas-skt/comemoracao-dos-35-anos-da-primeira-pista-publica-da-america-latina-nova-iguacu-rj, acesso em 12/12/2011. 31 http://www.alphavilletenisclube.com.br/atc2009/exibe_textos.asp?IdTexto=4104, acesso em 26/11/2011.

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A pista do clube Alphaville, em São Paulo, está virando a cabeça da moçada. Com o piso melhor que o asfalto das ruas, sem perigo de acidentes, as rampas deixam qualquer um com vontade de deslizar. E quem já foi lá, garante: é ao pôr-do-sol e à noite que se sente o maior prazer do skate”32.

Este fenômeno das pistas de skate (skateparks) que começava a surgir no Brasil

enquanto uma forma de organizar o espaço para esta atividade outrora somente

praticada nas ruas das grandes e médias cidades foi noticiado – e estimulado – pela

mídia impressa (seja as revistas especializadas em skate, seja outras publicações) como

algo positivo para a estruturação desta atividade como um “esporte”. É através dessas

pistas, portanto, que podemos observar uma das principais investidas do “poder

esportivo” sobre à prática do skate. Mas o principal aspecto que devemos notar,

entretanto, é que essas pistas construídas durante a segunda metade da década de 1970

não representam um investimento contra a vontade dos skatistas, muito pelo contrário.

Pois ao tomarmos as revistas Esqueite e Brasil Skate como porta-vozes dos skatistas

(lembramos que elas eram produzidas por praticantes de skate), observamos que tais

pistas era um desejo dos próprios skatistas.

Tudo indica que deslizar por ondulações de concreto e poder arriscar truques de

“vôo” em suas rampas era algo muito mais desafiador, novo e emocionante do que a

prática do skate pelas ruas e ladeiras das cidades. Segundo depoimento do skatista Luís

Roberto “Formiga”, no ano de 1977, quando ele desceu – pela primeira vez – as rampas

da Wave Park, sentiu uma “sensação desafiadora” e, depois disso, começou “a sonhar

diariamente” com as transições de concreto, fato que o fez “levar este esporte a sério”33.

Certamente, podemos perceber na construção desses espaços, tidos como “próprio” ao

skatismo, um dos primeiros passos (senão o primeiro) que direcionou essa atividade nos

rumos do “esporte”. Pois se as pistas possibilitavam reunir os skatistas num mesmo

espaço, não tardaria para alguém ter a idéia de treiná-los, formar equipes e, com elas,

transformar o skate numa atividade de competição. Nas imagens a seguir, algumas

fotografias antigas exibem o formato das rampas que passaram a ser construídas na

época.

32 Revista Pop, nº 58, 1977, p. 35. 33 http://espn.estadao.com.br/formiga/post/250240_A+PRIMEIRA+VEZ+NO+PARAISO, acesso em 09/04/2012.

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Figura 11: Pista de Alphaville, São Paulo. Fonte: Revista Brasil Skate, n. 1, maio/junho de 1978 (fotografia de Tico Ohara)

Figura 12: Pista de Nova Iguaçu/RJ (Fotografia de 1976). Fonte: Arquivo de Eduardo “Yndyo”

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Figura 13: Pista da Marinha, Porto Alegre – RS (Fotografia de 1978).

Fonte: Arquivo de Rafael Teixeira

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Figura 14: Pista do Clube 12 de Agosto, em Florianópolis/SC (Fotografias de 1978). Fonte: Arquivo de Eduardo “Yndyo”

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Evidentemente, transformar o skate em um “esporte” era algo interessante do

ponto-de-vista econômico. Como nos explicam Ana Márcia Silva e Iara Regina

Damiani, a esportivização é a contra-face do processo de espetacularização e está

vinculada à transformação das práticas corporais em mercadoria34. Mais pistas de skate

significavam mais skatistas, indústrias, controle, anunciantes, publicidades etc. Enfim,

mais pessoas lucrando e investindo dinheiro nesta atividade juvenil. Para essas revistas,

para muitos skatistas e para os empresários que estavam organizando o skate como um

“esporte”, as pistas só poderiam representar, metaforicamente, uma “mais-valia”. Além

disso, não podemos nos esquecer que uma dimensão não negligenciável do “poder

esportivo” concerne à arquitetura, a qual pode ser compreendida com “discurso

material”, induzindo e uniformizando comportamentos, atividades corporais etc35. Pois

de fato poderíamos questionar essa extensa e intensa universalização de aparatos

arquitetônicos desenhados para submeter o corpo à lógica esportiva. Uma quadra poli

esportiva, uma moderna e equipada academia de ginástica, ou, em nosso caso, uma pista

desenhada exclusivamente para o skate, evidenciam a existência de um “tipo” de poder

que visa tanto legitimar espaços aceitáveis para essas práticas quanto, também, educar o

corpo para que lá permaneçam, treinem e entrem em atividade. Certamente, é através da

padronização dos espaços que o esporte e todo o seu aparato revelam não apenas

saberes, mas um estilo de vida que passa a ser consumido para além da prática em si,

isto é, ao estabelecer um espaço, ele também engendra o aparecimento de competições,

equipes, técnicos, juízes, roupas especializadas e muitos outros fatores articulados à

rentabilização e ao controle.

Assim, se buscarmos exemplos fora das mídias de nicho, como na revista

Manchete, por exemplo, veremos numa matéria intitulada: “Skate, uma onda em alta”,

que a proliferação de pistas de skate nos Estados Unidos – onde a prática do skate foi

inventada - já era algo impressionante neste período. Em 1977, no mês de agosto “elas

eram 17 em todo o país; em setembro, 20; em outubro, 46; em novembro, 75, e em

dezembro, 89”36, sendo que no Brasil – e era esse o mote da reportagem – elas também

34 SILVA, Ana Márcia ; DAMIANI, Iara Regina. As práticas corporais na contemporaneidade: pressupostos de um campo de pesquisa e intervenção social. In SILVA, Ana Márcia; DAMIANI, Iara Regina (orgs.) Práticas corporais. Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2005, p. 21. 35 Para uma reflexão sobre as diversas funções da arquitetura como “discurso material”, ver ZARANKIN, Andrés. Paredes que domesticam: arqueologia da arquitetura escolar capitalista; o caso de Buenos Aires. Campinas/SP: Centro de História da Arte e Arqueologia. IFCH-UNICAMP, 2002 36 Manchete, 18 de março de 1978, p. 70.

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estavam começando a aparecer. O destaque da matéria concentrava-se nas pistas que

estavam surgindo em São Paulo, sendo que,

A pista brasileira mais moderna (a maior é a Alphaville, no Km 28 da Rodovia Castello Branco) foi inaugurada em outubro último, em São Paulo: é a Wave Park. [...] Tendo uma média diária de 100 freqüentadores – que pagam 30 cruzeiros por um período de duas horas – a Wave Park consegue, com alguma folga, garantir o investimento na construção da pista (em torno de 2 milhões de cruzeiros)37.

Também a revista Pop – que já havia noticiado38 a criação dessa pista em sua

edição de outubro de 1977 - elaborou uma reportagem especial sobre a Wave Park em

janeiro de 1978, mas ao contrário das edições analisadas em nosso capítulo anterior,

com o surgimento das pistas de skate, a Pop deixou de associar o skate ao surfe. A

matéria, que divulgava várias fotos da pista e uma descrição desta, tinha como título:

“Skate: no Wave Park, o vôo mágico das grandes feras” e a noticiava da seguinte forma:

“Acostumada a dividir o asfalto das ruas com automóveis e pedestres, a garotada de São

Paulo tem agora um lugar muito mais transado pra andar de skate: o Wave Park, uma

pista incrível, igual às melhores do mundo”39.

37 Idem, p. 70. 38 Segundo informações da Pop, “fica na Rua Bueno Brandão, 444 (Santo Amaro), a mais nova pista de skate de São Paulo. Chama-se Wave Park e dispõe de dois circuitos: um para iniciantes, outro para cobrões. Este último tem 100 metros de comprimento e um bowl com 92 graus de inclinação”. Revista Pop, nº 60, 1977, p. 19. 39 Revista Pop, nº 63, 1978, p. 55.

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Figura 15: Revista Pop, nº 63, 1978, p. 55.

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Além de divulgar a criação da Wave Park, a revista Pop também passou a cobrir

os campeonatos promovidos nesta pista e associar seus praticantes ao termo “radical”40,

uma palavra até então não utilizada como um adjetivo esportivo, mas que acabaria se

tornando um dos maiores bordões utilizados pela mídia para retratar essa prática

corporal. De acordo com a reportagem da Pop,

As feras mais radicais do nosso skate se encontraram na pista do Wave Park em São Paulo, para disputar um torneio incrível. E não deu outra: mais uma vez, os primeiros lugares ficaram com o campeão Jun Hashimoto, Kao e Formiga Atômica. Jofa, Tchap Tchura e Bruno – que voltou há pouco dos EUA – também arrepiaram 41.

Embora o skate não fosse ainda noticiado de forma espontânea como um

“esporte radical”, seus praticantes já apareciam como “as feras mais radicais do nosso

skate”. Em grande parte, deve-se a construção das pistas o aparecimento do termo

“radical” no skate. Como podemos visualizar na imagem a seguir, a pista da Cash-Box,

inaugurada em abril de 1978 no bairro da Mooca, em São Paulo, era apresentada como

uma pista “super radical”.

40 Durante a década de 1980, o termo “radical” se torna muito freqüente na sua associação com o skate. Em uma reportagem da revista Veja, por exemplo, ela o define nos seguintes termos: “Radical: tudo o que impõe respeito, impressiona ou causa espanto. Usa-se para definir desde as manobras explosivas, plásticas até o comportamento do skatista fora da pista”. Revista Veja, 02/12/1987, p. 93. 41 Revista Pop, nº 78, 1979, p. 9.

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Figura 16: Jornal do Skate, número 1, 1978, p. 4 (arquivo de Eduarto “Yndyo”)

Assim, se o termo “esporte radical” é “um conceito que vem sendo socialmente

construído nas últimas décadas”42, como afirmou a educadora física Rita de Cássia

Fernandes, é possível percebermos sua gênese no final da década de 1970,

especialmente a partir da criação das pistas de skate – uma vez que elas propiciaram a

invenção, como abordaremos com mais especificidade no próximo tópico, não só de um

espaço propício para a promoção de campeonatos de skate como, também, de uma nova

experiência de corporeidade a partir dos saltos impulsionados por suas rampas e

transições.

OS JOGOS DE VERTIGEM E A INVENÇÃO DA RADICALIDADE

Ao possibilitar manobras em pistas com rampas verticais, o skate tornou-se mais

atrativo para uma maior quantidade de praticantes, principalmente pela sensação de

emoção que a velocidade e os saltos passaram a proporcionar. Esses saltos, segundo o

pesquisador Christian Pociello, representariam o momento máximo do “ilinx”, pois eles 42 FERNANDES, Rita de Cássia. Esportes Radicais: reflexões para um estudo acadêmico. In Conexões: Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 1, nº 1, 1998, p. 112.

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abandonavam o corpo a um estado físico e psicológico extremamente excitados. Em sua

tentativa de descrever esses momentos extremos, Pociello argumentou que,

Dir-se-ia que nesses novos esportes se impõe um jogo cibernético do corpo, pois neles a energia consumida é mínima, mas a informação tratada é máxima, e o sistema homem-máquina oscila sempre entre dois limites extremos, que se consegue controlar por regulações sutis. Assim, poder-se-á brincar de sentir medo no ar, [...] nas subidas ou nas descidas, no vazio que beira a catástrofe, de forma a experimentar realmente as sensações excitantes dos sonhos de vôo, ou saborear essa dinâmica mais modesta do salto... Luta contra a dissipação e fascinação por um retorno... Libertação embriagadora, não seria mais que um instante do peso, que é o paradigma de todas as dificuldades43.

No ano de 1977, ao ter seu perfil publicado na segunda edição da revista

Esqueite, o skatista Armando Homero Vieira Pinto, de 16 anos, confessava que “a

rampa me excita muito, nela eu vejo os grandes momentos do skate, me sentindo

mesmo encorajado a ponto de não perceber o perigo constante por que passo, mas

afinal, todo esporte violento dá emoção, e é dela que a gente vive”44. Sem dúvida, como

apontado pelos sociólogos Norbert Elias e Eric Dunning, o risco é um fator que pode

contribuir para a excitação agradável, sendo “a excitação, por assim dizer, o condimento

de todas as satisfações próprias dos divertimentos” 45.

Na edição de estréia da revista Brasil Skate, em maio de 1978, um texto de

autoria de Sávio Visconti Filho se pronunciava a esse respeito,

Com a rápida popularização do skate no Brasil, as rampas começam a tomar um lugar importante na vida de qualquer skatista [...], (elas) abrem uma nova perspectiva para o skatismo, com elas, o nível dos skatistas melhorará consideravelmente, como também o crescente número de adeptos, que dia a dia irão ajudando a formar este nosso bonito e radical esporte.46

43POCIELLO, Christian. Os desafios da leveza: as práticas corporais em mutação. In SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. (orgª). Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1995, p. 118. 44 Revista Esqueite, nº 2, 1977, p. 28. 45 ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992, p. 116. 46 Revista Brasil Skate, nº1, 1978, p. 13.

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Mais uma vez observamos o termo radical sendo associado ao skate. Mas dessa

vez, no entanto, ele também era associado ao termo “esporte”, sob a denominação

“radical esporte”. Na capa da revista, entretanto, como podemos observar na figura

abaixo, o destaque ficava por conta do termo “Momentos radicais”.

Figura 17: Capa da revista Brasil Skate, nº 1, 1978.

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Na figura 17, ao contrário das demais imagens analisadas neste capítulo, o

skatista não projetava seu corpo no ar segurando o skate com as mãos e sim apenas com

os pés. Esta manobra (conhecida como “Ollie”), inventada no início do ano de 1978

pelo skatista Alan Gelfand em uma pista na Flórida (EUA), rapidamente se espalhou

pelos praticantes de skate em diversas partes do mundo e, dada a sua importância para o

desenvolvimento desta atividade, acabou sendo reconhecida oficialmente pelo Oxford

English Dictionary47, o dicionário oficial da língua inglesa, no ano 2000. Como

veremos nos próximos capítulos, a invenção do “ollie” – podemos entender o “ollie”

como uma salto no ar com o skate, sem o uso das mãos48 – uma das principais

invenções que possibilitou o desenvolvimento de outras modalidades no skate

(especialmente o street skate) e uma ampliação de seus usos para além das rampas49.

Essas revistas, ao mesmo tempo em que associavam a palavra “skate” ao termo

“esporte” – e agora o acoplando ao “radical” –, divulgavam também as novas

possibilidades de saltos e aéreos (como o “ollie”). Além disso, como já afirmamos, elas

também investiam na conscientização dos skatistas para o uso de equipamentos de

proteção, inclusive publicando fotografias com skatistas machucados por não utilizarem

tais equipamentos. De acordo com uma matéria publicada no segundo número da revista

Esqueite,

Já viemos chamando atenção desde o primeiro número de esqueitistas e pais dos mesmos, no sentido de aumentarem a proteção do corpo contra lesões e ferimentos provocados por skate. Atualmente aqui no Brasil, principalmente nas grandes cidades capitais como São Paulo e Rio, onde já existem PISTAS para Skate, providências urgentes e radicais, deverão ser tomadas para que o esportista diminua o índice de acidentes. ESQUEITISTA, PARA MAIOR SEGURANÇA SUA E

47 DOUGLAS, Pietro; VIEGAS, Marcelo. A história do ollie. In Cemporcento SKATE, Livro Ilustrado. São Paulo: Editora Zy, 2011, p. 06. 48 De acordo com as explicações de Marcelo Viegas e Douglas Pietro: “Para quem não conhece, o ollie pode ser descrito como um drible na gravidade de Newton. O skate sobe no ar encaixado nos pés, sem o uso das mãos. Apenas através do movimento dos pés sobre a lixa. O pé de trás bate o tail (rabeta do skate) com força, o shape (a prancha do skate) inclina, e o pé da frente projeta o skate para frente e para cima, como uma alavanca para ganhar altura. A lixa está lá (colada na parte superior da prancha) para ajudar na aderência da sola do tênis com o shape. Os braços dão impulso ao corpo que precisa também ganhar altura para acompanhar o movimento”. Idem, p. 07. 49 “A invenção do ollie desenvolveu o skate moderno em todas as modalidades. Foi com ele que o skatista sentiu maior liberdade de andar com velocidade na rua, subindo calçadas, pulando buracos e enfrentando o caos urbano. Foi com ele que as manobras subiram corrimãos, desceram grandes escadas, ganharam altura nas rampas”. Ibidem, p. 06.

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DOS OUTROS, PROTEJA-SE COM CAPACETE, LUVAS, COTOVELEIRAS, JOELHEIRAS E TÊNIS, PELO MENOS!50

Também observamos essa insistência com o uso da proteção na revista Brasil

Skate. Numa matéria intitulada “Segurança: fator de desenvolvimento”, além dessa

mídia afirmar mais uma vez o status do skate como “esporte”, ela o associava ao termo

“dança radical”,

Agora que o Skate já adquiriu de vez o status de esporte, a questão da segurança do esportista vem à tona como um dos principais fatores para um desenvolvimento ainda maior na nossa dança radical. Problemas tais como: joelhos esfolados, braços quebrados ou escoriações na parte lateral da bacia são comuns a maioria dos esportes que envolvam uma certa quantidade de movimento sobre o solo [...] O skatista tem que se conscientizar de que os equipamentos são desenhados de forma a não restringir os movimentos e são geralmente fabricados com materiais bastante leves, o que faz com que em pouco tempo você esteja adaptado e não sinta mais todos aqueles pedaços de pano e espuma ao seu corpo51.

Como nos lembrou Pierre Bourdieu, para compreendermos o processo de

transformação de práticas corporais em atividades esportivas, seja elas quais forem, é

preciso antes reconhecer “o tipo de relação com o corpo” 52 que elas favorecem ou

exigem. Na prática do skate, podemos perceber essa relação com o corpo tanto no seu

aspecto simbólico quanto em seu aspecto material – ou seja, tanto como um corpo

performático quanto no sentido de ser um corpo de carne e osso, susceptível de se

machucar ou quebrar. Neste último caso, de acordo com a declaração de muitos

skatistas, o perigo da queda na prática do skate era algo constante, e o que se quebrava

quando caia era, obviamente, o próprio corpo. Em uma seção intitulada “Quem é

quente”, por exemplo, a revista Esqueite apresentava o skatista Luiz Carlos Mansur, de

17 anos, da seguinte maneira,

50 Revista Esqueite, nº 2, 1977, p. 08. 51 Revista Brasil Skate, nº 3. 1978, p. 39. 52 BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: editora brasiliense, 1990, p. 208.

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Luiz Carlos é outro excelente esqueitista [...] Por ser muito corajoso e audacioso, executa manobras perigosas e frequentemente está machucado, ralado, sangrando, destroncado, etc. Mas assim mesmo, não deixa de andar de skate53.

O sociólogo francês David Le Breton é, sem dúvida, um dos principais autores

que vem se dedicando, na contemporaneidade, a estudar e analisar essas atividades

físicas de risco que, a seu ver, desenharam uma constelação de novas práticas que

acabaram por expor fisicamente o corpo ao perigo54.

De forma similar ao que estamos apontando nesta tese, Le Breton também

defende que foi a partir do final da década de 1970 que essas práticas corporais se

desenvolveram e disseminaram o gosto pelas sensações de deslizamento – para falar em

“deslizamento” ele se utiliza da palavra em françês “glisse” –, privilegiando o gosto

pelo desafio, pelas sensações de vertigem e risco controlado55.

A principal tese de David Le Breton é a de que o virtuoso êxito dessas atividades

nas últimas décadas (vide a grande quantidade de praticantes, campeonatos, patrocínios

etc) representaria um rito ordálico contemporâneo, isto é, uma espécie de enfrentamento

metafórico com a morte no qual seus praticantes visariam uma transcendência pessoal,

um “viver mais”56.

Ao ler Le Breton, podemos observar que para desenvolver essa tese do “rito

ordálico” ele se utiliza de uma comparação entre a antiguidade e a contemporaneidade.

Pois o ordálio é um rito judiciário conhecido desde os tempos antigos, no qual o

acusado de algum delito é posto sob uma prova perigosa (caminhar sobre brasas, por

exemplo) e, ao sair ileso, faz de tal acontecimento uma prova “divina” de sua inocência.

Apropriando-se dessa prática como metáfora sociológica, Le Breton afirma que

na contemporaneidade não há, como outrora havia, uma cerimônia judicial. Mas sim

existe uma espécie de “rito” diferenciado no qual o praticante de alguma atividade

física, dita “radical”, ao tentar uma manobra arriscada (um salto muito alto, por

exemplo), estaria realizando uma espécie de rito oracular, ou, em outras palavras,

buscando por essa experiência de êxtase corpóreo uma legitimidade e um valor

existencial para si.

53 Revista Esqueite, nº 1, 1977, p. 20. 54 LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 87. 55 LE BRETON, David. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas: Autores Associados, 2009, p. 90. 56 Idem, p. 2.

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Mas se atualmente há um imaginário coletivo que valoriza essas experiências

extremas e de risco físico, ele nem sempre existiu ou foi algo constante na história. De

acordo com Denise Bernuzzi de Sant’Anna, por exemplo, em outras épocas arriscar-se

não seria exatamente um valor social apreciado por todos, pois na maioria dos casos,

segundo a autora, ele revelaria mais um certo traço de insensatez do que de superação

de si, lembrando que em “várias culturas orientais a superação infinita dos próprios

limites não era necessariamente considerada um valor de destaque”57.

A questão é que essa busca pela vertigem como uma prazer é um dado da

contemporaneidade que foi sendo construído socialmente ao longo do século XX e, ao

entrar no circuito da cultura de massas, ganhou projeção e valorização social. Assim,

por exemplo, antes mesmo da proliferação dessas práticas corporais que Christian

Pociello intitulou como “esportes californianos”, o antropólogo francês Roger Caillois,

em 1958, já identificava algumas dessas atividades de risco (ele faz menção mais

propriamente ao ski) como jogos de vertigem que buscavam vivenciar situações

máximas de êxtase. Caillois foi o primeiro autor a associar o termo vertigem a Ilinx –

palavra de origem grega, derivada de Ilingos (vertigem)58 – por considerar que nessas

atividades ocorreria uma,

Tentativa de destruir, por um instante, a estabilidade da percepção e infligir à consciência lúcida uma espécie de voluptuoso pânico. Em todos os casos, trata-se de atingir uma espécie de espasmo, de transe ou de estonteamento que desvanece a realidade com uma imensa brusquidão59.

O fascínio pela vertigem, pela velocidade e pelas experiências de risco passou a

encontrar respaldo nesta prática “mais radical” do skate em rampas, sendo que essas,

quase sempre, fizeram-se como práticas ligadas à juventude e, portanto, como algo que

pudesse lhe oferecer alguma identidade.

57 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Do culto da performance à cultura da cortesia. In SILVA, Ana Márcia; DAMIANI, Iara Regina (orgs.) Práticas corporais. Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2005, p.65. 58 ANJOS, Luiz dos. O jogo e a dimensão humana: uma possível classificação antropológica. In Efdeportes. Buenos Aires, ano 10, n. 90, 2005. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd90/jogo.htm, acesso em 18/05/2011. 59 CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens: a máscara e a vertigem. Lisboa: Cotovia, 1990, p. 43. (O original “Les jeux et les hommes” foi lançado pela Éditions Gallimard em 1958).

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E se historicamente, como apontamos, a palavra vertigem foi associada a algo

negativo e identificada a uma espécie de estupidez, doença ou fraqueza dos nervos,

desde as últimas décadas do século XX, após tantos movimentos de liberação do corpo,

seu significado ganhou uma positividade inusitada e passou a ser “uma noção sedutora,

moeda corrente em alta no mercado, contendo riscos igualmente sedutores e

amplamente cobiçados”60. E isso ajuda a explicar, como estamos observando nessas

publicações sobre a juventude, a procura pelo skate como um instrumento de excitação

e busca por prazeres intensos. Assim, por exemplo, numa reportagem da revista Pop

sobre a prática do skate nos Estados Unidos, intitulada “Skate: emoção: corrida no túnel

da morte”61, podemos observar bem essa representação do skate que “explora a dialética

entre queda e controle”62. Diagramada em quatro páginas e com uma grande quantidade

de fotografias, a matéria visava noticiar a descoberta de um túnel para a prática do skate

no sul da Califórnia (EUA), o qual ficava “encravado num vale, cercado pelas paredes

quase verticais da montanha de um lado e por pedras gigantescas que se debruçam sobre

o Pacífico do outro”63.

Construído em função das fortes chuvas que “castigavam” a região e com a

finalidade de canalizar a água e a lama que desciam pelo vale da montanha destruindo

as lavouras por lá existentes, o túnel acabou sendo encontrado por skatistas norte-

americanos que inventaram, nos períodos de seca, um outro uso para suas tubulações.

De acordo com a reportagem da Pop,

Escuro, deserto, aterrador. O túnel tem 234 metros de extensão. Só se pode entrar por um dos lados, pois o outro termina numa perigosa depressão de terreno. Dentro dele, o eco das rodas do skate tritura os ouvidos. É nesse túnel, situado no sul da Califórnia (EUA), que temíveis ases do skate testam suas habilidades e põem à prova sua coragem. O desafio é percorrer o túnel a uma velocidade suficiente que permita fazer a volta completa do teto ao chão. É uma manobra arriscada, que as próprias feras chamam de radical end game, uma espécie de jogo da morte onde o menor descuido pode representar uma fratura64.

60 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Vertigens do corpo e da clínica. In FONSECA, Tânia Mara Galli (org.). Corpo, arte e clínica. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 29. 61 Revista Pop, nº 36, outubro de 1975, p. 07. 62 LE BRETON, David. Op. cit, 2009, p. 119. 63 Revista Pop, nº 36, outubro de 1975, p. 07. 64 Idem, p. 08.

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Embora essa prática com o tubo tenha ocorrido na Califórnia, ao retratá-la em

suas páginas, a revista Pop ajudava a exibir para seus leitores no Brasil o uso do skate

como uma espécie de “jogo da morte” (ou o “rito ordálico” de David Le Breton). Pois

caso o skatista conseguisse completar o looping no tubo, tal façanha legitimaria o

controle de suas habilidades, a superação de seus medos e a confiança em si. Pois se o

uso físico de si “provoca o sentimento forte de existir”65, essa matéria demonstrava que,

num brevíssimo intervalo de tempo – o tempo de um “looping” – o resultado poderia ser

tanto a conquista de uma grande emoção quanto, na pior das hipóteses, uma grave

fratura ou um tombo com sérias conseqüências.

Apesar de suas diferenças na interpretação da contemporaneidade, tanto o

sociólogo Zygmunt Bauman quanto Michel Maffesoli concordam que uma das

principais características da passagem do que o primeiro denominou como da

“modernidade pesada” para a “modernidade líquida”, e o segundo da “modernidade”

para a “pós-modernidade”, estaria nessa busca incessante dos novos grupos sociais –

principalmente daqueles ligados a um ideal de juventude – em viver a intensidade do

presente como uma “experiência imortal”66. Assim, se na modernidade havia um desejo

de prolongamento do presente como um projeto de futuro, a formação de um culto ao

instantâneo (como na citada experiência-limite do looping, intitulada “radical end

game”) ajudava a colocar em pauta o gosto e a procura por sensações possíveis que

poderiam ser extraídas de vivências rápidas e efêmeras.

Por este viés, podemos muito bem observar essas novas manobras de skate

enquanto metáforas de desejos mais amplos, e assim nos perguntar se a rápida adesão de

uma quantidade significativa de jovens a esta prática não se deu por ela representar

vontades latentes, especialmente, na vivência de uma nova condição juvenil própria da

segunda metade da década de 1970. Se tais jovens passaram a crescer num tempo em

que a luta por ideais políticos ou a adesão ao socialismo como meta de vida já não os

contagiava da mesma maneira que contagiou a geração que os precedeu, talvez essas

novas práticas corporais, como a do skate, possam ser identificadas como mecanismos

65 LE BRETON, David. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 197. 66 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 144. Ao recorrer a Maffesoli, veremos que o mesmo observa que, na pós-modernidade, “a eternidade se vive no presente”. MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 122.

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compensatórios decorrentes do “desmoronamento das ideologias e de uma opacificação

das visões de futuro”67.

A questão é que a experiência da instantaneidade passou a fazer com que cada

momento fosse procurado em sua máxima capacidade, e se isso significava dizer que

“não há limites ao que pode ser extraído de qualquer momento – por mais breve e fugaz

que seja”68, a prática do skatismo, principalmente neste período onde estamos

pontuando como o da “invenção da radicalidade”, parece realmente demonstrar a

formação desses,

usos do corpo que podem tomar a forma de experiências de transcendência, pressupondo por parte de quem as empreende um intenção de se exceder de si próprio, manifesta na constante procura de definição e superação dos seus limites últimos69.

Como demonstram as fontes analisadas, muitos jovens que procuraram se inserir

no movimento do skatismo o fizeram porque perceberam nessa prática um modo de

alcançar prazeres intensos e momentos, embora fugazes, de extrema excitação. De fato,

o “gosto pelo risco”70 era (e ainda é) algo inerente a essas manobras “radicais”, vistas

como o ponto extremo dessa atividade e, portanto, ambicionadas não somente em

função de sua exibição em campeonatos ou torneios, mas, também, como uma forma de

superação de si, dos medos, receios e possibilidades do corpo.

DO CORPO EM AÇÃO AO CORPO VESTIDO

Uma outra questão que observamos nesses anos que marcam a transição do skate

como passatempo para um skate mais agressivo e ligado tanto a regulações esportivas

(campeonatos) quanto pela busca de uma “radicalidade” foi a inserção, e numa esfera

cada vez maior, de produtos e demais questões ligadas à indústria cultural. Num

almanaque sobre a década de 1970, por exemplo, feito pela jornalista Ana Maria

67 LACROIX, Michel. O culto da emoção. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 31. 68 Idem, p. 145. 69 FERREIRA, Vitor Sérgio. Pela encarnação da sociologia da juventude. In Iara: Revista de Moda, Cultura e Arte. São Paulo, v. 2, nº 2, 2009, p. 181. 70 MAFFESOLI, Michel. Saturação. São Paulo: Itaú Cultural, 2010, p. 32.

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Bahiana, foi dado destaque ao seguinte anúncio publicado em julho/agosto de 1978 pela

revista Brasil Surf,

A jovem família brasileira parou na da VISUAL. E isso é o maior incentivo para acabar com o Tabu de que o jovem não faz parte do grande público consumidor; na verdade a Nova Geração está procurando coisas diferentes. Afinal, quem não está a fim de uma camiseta com uma estamparia supercolorida? Ou um incrível SKATE de URETANO? Na Visual você ainda encontra sandálias de palha e solão, racks do tipo aloha, calções tri-floridos, parafina, enfim tudo o que você precisa para curtir o surf numa boa71.

Ao nos determos nessas mídias voltadas para a juventude durante a década de

1970, percebemos que, na maioria das vezes, elas se utilizavam dessas práticas juvenis,

como o skatismo, tanto como alavanca para conseguirem patrocinadores quanto,

também, novos leitores. Podemos observar um bom exemplo neste sentido ao

analisarmos a capa da edição de novembro de 1977 da revista Pop, a qual comemorava,

em letras garrafais, que “PINTOU O VERÃO!”, estampando um jogo de imagens

fotográficas que, composta tal como um mosaico, objetivava tanto traçar um painel do

que se encontrava em seu conteúdo quanto capturar os olhares de quem passasse por

uma banca de revistas: garotas de biquíni, jovens surfistas “entubando” uma onda,

astros do rock descontraídos e sem camisa, manobras “de arrepiar” de skatistas em

grandes tubos de concreto.

71 Anúncio publicitário da loja Visual publicado na revista Brasil Surf, edição julho/agosto de 1978. A reprodução deste anúncio foi encontrado em: BAHIANA, Ana Maria. Almanaque anos 70. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 247.

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Figura 18: Revista Pop, editora Abril, nº 61, 1977.

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De fato, a revista Pop se valia dos corpos magros e bronzeados como espetáculo

aos olhos e desejos dos leitores. Como nos lembrou o historiador Georges Vigarello72,

trata-se de uma época em que já é possível percebermos um maior ritmo dado às

expressões e aos movimentos, com sorrisos mais expansivos e corpos mais desnudos,

aspectos esses acentuados pelos espaços de férias, praias e divertimentos. Nesta mesma

linha direção, Denise Bernuzzi de Sant’Anna sugere que essas manifestações

reforçavam “a voga da alegria juvenil”73, exaltando a “libertação” da corporeidade.

Além disso, como ressalta a autora, tais acontecimentos, além de carregarem certos

ideais da contracultura, também se faziam a partir da publicidade74.

Assim, ao longo das páginas dessa edição da revista Pop, garotas na praia

desfilavam com refrigerantes de Coca-Cola enquanto inúmeras fotos de corpos em

trajes de banho eram acompanhadas de frases que incitavam esse clima hedonista

juvenil: “Como não poderia deixar de ser, neste verão as tangas continuam diminuindo.

Alegria geral!”75.

Toda essa ambiência celebrava a juventude como a melhor época da vida e o

verão como a melhor estação do ano. No entanto, nem tudo era praia e nem todos os

leitores estavam necessariamente situados no Rio de Janeiro. E para eles, havia

manchetes como “Aproveite os bons fluídos do sol e saia pra rua. Programas é o que

não falta. Você pode inventar loucuras com o skate”76.

Certamente, após o aparecimento das pistas e da possibilidade de se praticar

skate em transições, o skate tornou-se um alvo de matérias muito mais constantes na

Pop, que também passou a realizar, a partir de outubro de 1978, uma campanha em

associação com os picolés Gelato e o Programa Silvio Santos, a qual foi chamada

“Clube dos Feras Gelato Pé na Tábua”, e que objetivava trazer “todas as transas do

skate” para os leitores.

72 VIGARELLO, Georges. História da beleza: o corpo e a arte de se embelezar, do Renascimento aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 171. 73 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Uma história da construção do direito à felicidade no Brasil. In FREIRE FILHO, João (org.). Ser feliz hoje: reflexões sobre o imperativo da felicidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010, p. 190. 74 ______. Cuidados de Si e Embelezamento Feminino: Fragmentos para uma história do corpo no Brasil. In Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2005, p. 134. 75 Revista Pop, nº 61, 1977, p. 5. 76 Idem, p. 8.

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Figura 19: Revista Pop, nº 72, 1978, p.8 e p.9.

Como podemos observar na figura acima – a qual reproduz a referida

propaganda – o intuito foi fazer uso do skate como uma ferramenta de sedução, ou seja,

agregar a imagem do skatista à imagem dos picolés, ambos destinados à juventude ou,

como diz a campanha publicitária, a “um fera de verdade”. Na parte inferior da página,

ao lado esquerdo dos picolés, encontramos as seguintes palavras,

Alô, feras do Brasil. Chegou o que vocês estavam esperando: Clube dos Feras Gelato Pé na Tábua. Uma página inteirinha da revista Pop para vocês ficarem por dentro mesmo das transas mirabolantes do skate. Clube dos Feras Gelato Pé na Tábua deixa você ligado com os maiores feras do Brasil e responde tudo o que você quiser saber sobre o esporte: novos movimentos, equipamentos de segurança, etc. É só mandar a sua carta e esperar pra curtir uma resposta legal explicando tudo o que quer saber. Pra ser um fera de verdade, não tem mistério. É só comprar POP, ler o Clube dos Feras Gelato Pé na Tábua, assistir todos os domingos, às 13:50, no PROGRAMA SÍLVIO SANTOS, o Clube dos Feras Gelato e botar um Morangão, um Chococo, um Super Bom-bolino ou um Fera na boca, sacou?77

77 Revista Pop, nº 72, 1978, p. 9.

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A partir da segunda metade da década de 1970, portanto, toda uma série de

novos elementos – incluindo os picolés da Gelato – passou a agregar-se ao skate com

interesses comerciais. Nas páginas da Revista Manchete também verificamos essa

relação entre a prática do skate e a prática do consumismo,

[...] os tombos, naturalmente, são incontáveis. Para se defender nas quedas, é obrigatório o uso de capacete e são recomendáveis luvas, joelheiras e cotoveleiras. Esse farto equipamento, reunido ao consumo de produtos paralelos – como as camisetas de cores vivas e os refrigerantes – e, naturalmente, à infinidade de modelos de skate que o mercado oferece, já recebeu a devida atenção da indústria. Jorge Antônio Mussi, proprietário de uma confecção em São Paulo, por exemplo, acredita que o skate ameaça explodir (se já não explodiu) no Brasil e não quer perder essa grande oportunidade de diversificar e ampliar sua produção. Para divulgar a sua marca, uniu-se a alguns amigos e organizou, com o apoio da Secretaria Municipal de Esportes de São Paulo, um torneio de skate em janeiro passado. Mussi financiou o torneio, mas não lhe faltou ajuda nem resposta por parte dos consumidores das suas camisetas78.

Diante dessas questões colocadas, é possível compreendermos a ação do “poder

esportivo” sobre a prática do skate. Da segunda metade da década de 1970 em diante,

seguramente passou a ocorrer um duplo processo de esportivização-mercantilização

com essa atividade que, paulatinamente, criava uma demanda voltada para produtos

ligados tantos aos skates em si (novas rodas, eixos, parafusos etc) quanto aos skatistas

(tênis, roupas, capacetes etc). Essa rápida cooptação do skate pelo “poder esportivo”

(fruto de interesses internos – dos próprios skatistas – e externos – comerciantes,

empresários etc) apresentou articulações, como demonstram as fontes analisadas, que

ultrapassavam a gratuidade das manobras e os truques de deslizamento.

Acompanhando esse processo de esportivização, portanto, uma série de novos

produtos começou a ser noticiada pela Pop – também pelas revistas Esqueite e Brasil

Skate – como relacionado ao skate. Significativo neste sentido foi uma matéria que a

revista Pop publicou em sua edição de outubro de 1978, logo em suas primeiras

páginas. Ao abrir a revista, encontramos uma grande foto colorida em duas páginas

inteiras, na qual dois jovens, um loiro e outro moreno, estão sentados, de maneira

descontraída, no solo de uma pista de skate e simulando uma conversa. Na chamada

78 Manchete, 18 de março de 1978, p. 72.

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para a matéria, lemos: “Skate: é assim que as feras se vestem”, seguida da descrição:

“Muito coloridas e bonitas, as roupas para andar de skate têm uma grande vantagem: a

gente pode usá-las a qualquer hora!”79.

Figura 20: Revista Pop, nº 72, 1978, p.4 e p.5.

Além dessa chamada, a reportagem contava com mais nove fotografias que

exibiam camisetas, tênis e meias, todas retratadas como muito “transadas” e “incríveis”.

De fato, as roupas sugeridas para a prática do skate apresentavam, para utilizarmos uma

expressão de Gilles Lipovestky, um “espírito fun”80, observável tanto nas cores –

carregadas com muito amarelo e vermelho – quanto nos desenhos das meias e

camisetas. Tudo indica, como também analisou Carmen Lúcia Soares com outras

práticas corporais que passaram por processos de esportivização em décadas anteriores,

que as roupas representadas como ideais para atividades físicas não só destacavam

79 Revista Pop, n. 72, 1978, p. 4 a 7. 80 LIPOVESTKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 199.

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determinadas partes do corpo como, também, investiam na “fabricação de novas

aparências”81.

A partir dos estudos de pesquisadores do fenômeno da moda, sabemos que ela,

durante a década de 1970, passou a expressar linhas de liberdade, contestação e novos

imaginários que, ao longo das décadas seguintes, foram se reconfigurando e “ampliando

seu alcance junto a um número cada vez maior de consumidores”82. A roupa estava

deixando de ser um pretenso símbolo de status ou diferenciação de classes e passando a

expressar a espontaneidade e o gosto pelo lúdico – o que revelava o início de uma

tendência, acentuada nos anos posteriores, de constituição de identidades a partir da

vestimenta83.

Neste período, muito do imaginário do que representava “juventude” e

“liberdade” passava por uma forte tendência em identificar tais termos como

sinônimos84, além disso, havia a necessidade em tornar a roupa algo mais prático e que

pudesse ser usada no cotidiano das cidades. David Le Breton lembra, por exemplo, que

isso “atenuou a diferença outrora bem marcada entre indumentária da cidade e

indumentária do esporte”85. De uma maneira geral, a mídia impressa e televisiva passou

a falar em moda esportiva, em sport wear86, e isso também fez parte, como mercadoria

agregada, nesta tentativa de se fabricar o skate como uma “prática esportiva”.

Ao analisarmos as imagens de skate publicadas nessas revistas (especialmente

na Pop), notamos o início de certa atenção dada pelos skatistas aos detalhes das roupas

– fenômeno que irá se acentuar nas décadas seguintes. De fato, isso tanto demonstrava

uma preocupação com o olhar do outro quanto também pontuava o corpo como um

81 SOARES, Carmen Lúcia. As roupas nas práticas corporais e esportivas: a educação do corpo entre o conforto, a elegância e a eficiência (1920 – 1940). Campinas: Autores Associados, 2011, p. 29. 82 NOVELLI, Daniela. Juventudes e imagens na revista Vogue Brasil. Dissertação (Mestrado em História), Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), 2009, p. 76. Sobre essa questão, ver também: SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009. 83 MISKOLCI, Richard. Estéticas da existência e estilos de vida: as relações entre moda, corpo e identidade social. In IARA, Revista de Moda, Cultura e Arte. São Paulo, v.1, nº 2, 2008, p. 10. 84 VILLAÇA, Nízia. A edição do corpo: tecnociência, artes e moda. Barueri/SP: Estação das Letras, 2007, p. 194. 85 LE, BRETON, David. Antropologia do corpo e modernidade. Petrópolis : Vozes, 2011, p. 211. 86 Embora este fenômeno seja mais recente no caso da televisão, na mídia impressa, como destaca Carmen Lúcia Soares, ele já pode ser percebido ao final da década de 1920. Nas palavras da autora: “Desde fins dos anos 1920, pode-se dizer que o esporte começou a ter influência marcante nas roupas comuns e, mais interessante ainda, que ele começou a desenvolver um estilo próprio de indumentária”. SOARES, Carmen Lúcia. Op. Cit, 2011, p. 73.

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lugar de identidade pessoal, ou, nas palavras de Anthony Giddens, como “um portador

visível da auto-identidade”87. Lembramos também que neste período já estava em curso,

Um fenômeno sócio-econômico extraordinário: o advento dos teenagers (entre 13 e 20 anos), segmento considerado uma classe à parte e que vai determinar o surgimento de uma palavra mágica, o estilo. Os estilistas constituem então uma profissão de fé: fim das roupas pesadas, sérias e obedientes. O estilo passa a marcar uma mudança de geração e abole os privilégios da alta-costura. É a época da adoração da juventude e das metamorfoses do mercado88.

A roupa, portanto, passava a ser um atrativo a mais na prática do skate e que,

certamente, colaborava para a sua construção identitária como um “esporte radical” e

juvenil. Ao julgarmos por essa matéria veiculada na revista Pop, podemos afirmar que o

recado era claro, pois se no início da década de 1970 muitos skatistas praticavam skate

descalços e vestidos somente com um calção de praia, com esse duplo movimento de

mercantilização e esportivização articulados ao skate, agora eram exigidos tênis,

equipamentos de proteção e uma roupa mais colorida que buscasse expressar o espírito

de diversão que a prática induzia. Segundo a Pop, não mais se praticava skate com

qualquer roupa, era preciso, pois, estar na moda. Assim, por exemplo, quando essa

revista apresentava, em uma das tantas fotografias que compunham a matéria, um tênis

com meia, ela escrevia:

Esta meia de lã, bem grossa, fica incrível com o tênis Castor. Ambos são da Gledson. Atenção para o detalhe do desenho na meia. Um barato! Sem falar no tênis, que fica ótimo usado com um jeans89.

Apesar dessa matéria da Pop sobre o modo como os skatistas se vestiam ter sido

noticiada como uma reportagem da revista, a divulgação em todas as imagens do nome

da marca Gledson deixava evidente a questão da publicidade, de uma matéria paga.

Deste modo, se durante a primeira metade do século passado era difícil observarmos a

87 GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: Editora da UNESP, 1993, p. 75. 88 VILLAÇA, Nízia & GÓES, Fred. Em nome do corpo. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 118. 89 Revista Pop, n. 72, 1978, p. 6

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aparição de jovens como modelos ou público alvo nas propagandas publicitárias, a

partir de sua segunda metade, sobretudo com a exaltação da juventude durante a década

de 1970, este quadro começou a se modificar. Certamente, neste período, a juventude

passou a ter um sentido e um valor de mercado muito maior da que possuía nas décadas

anteriores no Brasil. Sua imagem, portanto, passou a ser utilizada “para vender os mais

diversos produtos”90 pois, como observado por Ana Márcia Silva, os meios propagados

pelas propagandas publicitárias não tardaram a perceber que as imagens da juventude

em liberdade, temperadas de certo erotismo e saúde, promoviam uma intermediação

dessas imagens com o anúncio, fazendo com que o corpo jovem assumisse “os traços

dessas imagens e dos artigos ali veiculados”91.

De fato, durante a década de 1970, como também notou o pesquisador Cleber

Augusto Gonçalves Dias, a publicidade tornou-se um bom termômetro para

ponderarmos sobre o lugar que essas práticas corporais (em processo de transformação

esportiva) estavam começando a ocupar no imaginário da época. De acordo com o

autor, diversas atividades juvenis foram apropriadas por marcas e indústrias que

estavam se projetando no mercado nacional, sendo que algumas, como explica, não

estavam necessariamente ligadas à produção de equipamentos para essas atividades,

mas passavam a se utilizar dessas práticas enquanto um canal de comunicação com a

juventude brasileira. Em seu texto, por exemplo, ele destaca a produção em série, no

ano de 1978, de um novo veículo automotivo chamado de Passat Surf, produzido pela

Volkswagen e divulgado sob o seguinte slogan: “Passat Surf: um carro para pessoas de

espírito jovem”92.

Assim, ao analisarmos essa inserção e também o desenvolvimento dessas

práticas corporais de origem californiana no Brasil, tomando como foco a prática do

skate durante a segunda metade da década de 1970, dois pontos importantes que não

podemos deixar de sublinhar são: a) a “imposição do esporte como forma dominante de

90 SILVA, Ana Márcia. Corpo, ciência e mercado: reflexões acerca da gestação de um novo arquétipo da felicidade. Campinas: Autores associados: Florianópolis: Editora da UFSC, 2001, p. 60. Ainda sobre o diálogo da moda com o corpo, ver: VILLAÇA, Nízia; GÓES, Fred. A emancipação cultural do corpo. In VILLAÇA, Nízia; GÓES, Fred (orgs.). Nas fronteiras do contemporâneo: território, identidade, arte, moda, corpo e mídia. Rio de Janeiro: Mauad: FUJB, 2001, p. 133. 91 Idem, p. 60. 92 DIAS, Cleber Augusto Gonçalves. A mundialização e os esportes na natureza. In Conexões (UNICAMP),v. 6, nº 1, 2008, p. 56.

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organização sua corporeidade”93; b) a constante atenção fornecida à juventude como um

consumidor em potencial.

Evidentemente, trata-se de fatores que se inter-relacionam. A transformação do

skate num esporte é algo que acontece articulado a sua mercantilização94 e a sua

simbolização no universo dos valores juvenis. E se devemos principalmente à juventude

a rápida assimilação das novidades que surgiam no campo do lazer e dos costumes, o

mercado ligado ao skatismo foi uma peça – entre outras – de conexão entre as novas

possibilidades do capitalismo95 com as novas necessidades – ou demandas – por

comunicar um modo de ser jovem, de viver e “curtir” suas possibilidades dentro deste

cenário em que “a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercantilização

das formas culturais”96 passavam a ser cada vez mais celebrados.

Além da revista Pop, também encontramos nas mídias especializadas em skate

essa associação entre moda, publicidade e a prática dessa atividade. Nas duas edições

que foram lançadas da revista Esqueite, por exemplo, figurou em sua contracapa uma

propaganda de página inteira com a marca de jeans Levi’s, e em sua segunda edição, até

mesmo marcas de sandália passaram a apostar nesta atividade, como num anúncio em

que dizia: “Após longas horas de skate com os pés apertados e dilatados dentro de um

tênis, nada é mais gostoso e saudável do que calçar uma sandália de espuma macia por

apenas Cr$ 45,00”97. Já numa edição da revista Brasil Skate, a marca Gledson,

especializada em surfe e skate, anunciou a sua linha de roupas da seguinte maneira:

“Tube é a linha Gledson de roupas esportivas. Um estilo de vida traduzido em

roupas”98.

O que essas revistas e essas mensagens publicitárias nos mostram é que as

roupas, o tênis, o cabelo, enfim, o jeito descontraído de vestir e de se comportar eram

93 SOARES, Carmen Lúcia. Práticas corporais: invenção de pedagogias ? In SILVA, Ana Márcia; DAMIANI, Iara Regina (orgs.) Práticas corporais. Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2005, p. 51. 94 Além das roupas destinadas à prática do skate, o skatista Jorge Kuge lembra que no final da década de 1970 aparecem pranchas (shapes) de skate assinados com o nome do skatista, “a exemplo da Prisma, com modelos de Aderbal Billy e Gian, e pela Costa Norte, os modelos Kao Tai, Tchap Tchura e Minhoca”. In Revita CemporcentoSKATE, n. 167, 2012, p. 28. 95 O capitalismo flexível foi caracterizado por David Harvey por transformações ocorridas na estrutura do mercado de trabalho durante a década de 1970, o que resultou em inovações tecnológicas, comerciais e também organizacionais, abrindo oportunidades para a formação de pequenas firmas, pequenos negócios e novos empreendedores. Harvey explica que esse novo sistema de produção promoveu uma aceleração no ritmo de inovação dos produtos, os quais passaram a explorar diversos nichos do mercado. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1993. 96 Idem. p. 148. 97 Revista Esqueite, nº 2, 1977, p. 30. 98 Revista Brasil Skate, nº 3, 1978, p. 47.

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algumas das tendências que inauguravam o que o Maffesoli – assim como outros

autores – passaram a chamar de “juvenilismo”, ou seja, “ser jovem na maneira de vestir,

de falar, de construir e cuidar do corpo”99.

Ao apresentarem o skate como um objeto “esportivo” e também ligado a uma

estética das roupas e do corpo jovem, essas mídias (tanto a Pop quanto a Esqueite e a

Brasil Skate) forneciam a ele ligações que iam além de sua prática corporal e abriam

caminho para outras esferas de identificações juvenis. Andar de skate não era somente

praticar uma nova atividade, buscar emoções e aventuras. Andar de skate era, sobretudo,

ser jovem (Neste sentido, destacamos uma matéria publicada na revista Pop com a atriz

norte-americana Jodie Foster, a qual era apresentada tanto como a “nova sensação do

cinema” quanto uma jovem skatista, inclusive com uma fotografia de uma página inteira

com ela praticando skate em um de seus momentos de tempo livre100).

Assim, essas novas referências que estavam sendo construídas para o skate

imprimiam a essa prática uma atenção que não se situava somente em seu aspecto físico

ou motor, mas, ainda de acordo com Maffesoli, também se faziam pelo prazer estético

de se estar “pelo e sob o olhar do outro”101. Pois, o desenvolvimento da indústria do

lazer, das roupas jovens e dos equipamentos esportivos articulados à prática do skate

demonstrava que, na época, não somente “o suor entrava na moda”102, mas também a

própria moda “entrava” no skate e passava a fornecer elementos de identificação entre

seus pares. Sem dúvida, tal fato nos ajuda a reforçar a idéia de que as imagens do corpo

– ou as que vestem o corpo – podem ter um valor de pertença na medida em que passam

a ostentar sinais de reconhecimento e de afinidades eletivas entre os membros de um

determinado grupo ou, neste caso, de uma “tribo urbana” 103.

99 MAFFESOLI, Michel. O instante eterno: o retorno do trágico nas sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk, 2001, p. 62. 100 Revista Pop, nº 68, julho de 1978, p. 68. 101 MAFFESOLI, Michel. Comunidade de destino. In Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 12, nº 25, 2008, p. 278. 102 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. O prazer justificado: História e lazer (São Paulo, 1969/1979). São Paulo: Editora Marco Zero, 1994, p. 80. 103 MAFFESOLI, Michel. Corpos tribais e memória imemorial. In Alea, volume 8, nº 2, 2006, p. 185.

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RUMO À PROFISSIONALIZAÇÃO

Com o fenômeno das pistas e com elas o surgimento de marcas especializadas

em roupas e demais acessórios104 que se relacionavam à prática do skate, essas revistas

– e em especial a Pop – começaram a exibir em suas páginas os jovens que estavam se

profissionalizando nesta atividade. Em suas páginas, elas comentavam seus patrocínios,

divulgavam os campeonatos, os prêmios e, com isso, firmavam cada vez mais a idéia do

skate ser uma atividade esportiva105.

Um dos primeiros a serem retratados pela Pop foi o carioca Joaquim Vaz Neto,

mais conhecido como Quinzinho, o qual, além de demonstrar seus variados troféus

conquistados, foi apresentado como “o primeiro brasileiro a receber patrocínio de uma

grande empresa para praticar o esporte”106. Segundo a reportagem de Eduardo Athayde,

Há três anos, Joaquim Vaz Neto – o Quinzinho – era apenas um garotão que passava as tardes curtindo skate na calçada em frente a sua casa, no distrito carioca de Nova Iguaçu. Como muitos companheiros seus, ele adorava descobrir novas posições em cima da tábua, e vibrava de alegria a cada nova manobra que conseguia aperfeiçoar. [...] Hoje, Quinzinho não apenas desponta como a maior fera brasileira do skate, mas também como o único a ter condições de logo tornar-se um profissional desse esporte. Isso porque, há poucas semanas, Quinzinho recebeu uma fantástica proposta de patrocínio da Brahma, que passa a financiar todas as suas despesas profissionais. Com o logotipo daquela firma em sua tábua de campeão, Quinzinho vai correr mundo, mostrando a classe do skate brasileiro nos grandes torneios internacionais, inclusive no mundial da Califórnia, onde as maiores feras dos EUA desafiam a gravidade. Para Quinzinho, o patrocínio da Brahma não significa apenas uma importante etapa de sua carreira mas também uma abertura para a profissionalização107.

104 Como exemplo, ver os lançamentos da marca Torlay, onde se destacavam a produção de rodas, eixos e parafusos para o skate. Revista Pop, nº 44, 1976, p. 85. 105 Interessante notarmos como a idéia de esporte traz consigo a vontade de competição. No final da década de 1970, por exemplo, matérias publicadas na imprensa (como no Jornal “O Globo” de 01/05/1979 e no “Jornal do Brasil”, também de 01/05/1979), noticiaram que um campeonato de skate realizado no Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente numa pista localizada na Praça Marechal Edgar de Carvalho, no município de Campo Grande, foi marcado por protestos de vários participantes quanto a contagem dos pontos, o que gerou uma grande confusão no local. As fontes também noticiaram que um dos skatistas, chamado Ernesto Tello, quebrou o troféu de segundo lugar em protesto aos juízes do evento. Fonte: http://www.skatecuriosidade.com/wp-content/uploads/2012/03/blog2.jpg, acesso em 10/03/2012. 106 Revista Pop, nº 70, 1978, p. 17. 107 Idem, p. 17.

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Assim, se no início, como demonstramos, as revistas (especialmente a Pop e a

Veja) apresentaram o skate como um passatempo articulado ao surfe, a partir do final de

1976 e com maior intensidade no ano de 1977 - principalmente em função das pistas e

do desenvolvimento dos campeonatos, marcas e empresas interessadas nesta atividade -

elas passaram a caracterizá-lo como uma prática “esportiva”, “radical” e em vias de

profissionalização. Pois como anunciado pela Pop, o skatista Quinzinho (praticando sob

o patrocínio da Brahma) iria ter suas despesas financiadas e a chance de participar de

campeonatos mundiais de skate, onde “as maiores feras dos EUA desafiam a

gravidade”. Além disso, como podemos observar na imagem a seguir, não era somente a

Brahma a empresa que apostava no skatismo:

Figura 21 : Cartaz do I Circuito Hering de Skate de 1979 Fonte : Arquivo de Carlos Eduardo Tassara.

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Este cartaz (figura 21) é sobre o “I Circuito Hering de Skate”, realizado em

1979. Nele observamos que a imagem do skatista – mesmo desenhada – já vinha

munida de equipamentos de proteção (como capacete, luvas e joelheiras) e estava longe

de fazer qualquer alusão ao “surfe de asfalto”, o qual se praticava muitas vezes descalço

e através de relações que não envolviam a organização de campeonatos, rendimentos,

patrocínios e pontuações em ranking. Ao olharmos abaixo da figura do skatista, é

possível percebermos a indicação tanto do valor em prêmios quanto das pistas onde

seriam realizadas as competições – localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio

Grande do Sul. De fato, este circuito competitivo nos ajuda lembrar que “para uma

atividade física radical ser considerada esporte são necessárias, entre outras

características, a presença de competições organizadas”108. Assim, foi mesmo em

função de competições organizadas que a revista Pop, após focar no patrocínio da

Brahma como algo promissor para a carreira de Quinzinho, também escutou o mesmo,

que contava como sua vida de skatista acabou se tornando um sucesso nas competições.

De acordo com as palavras desse skatista,

Aos poucos percebi que levava jeito para o esporte, comecei a comprar revistas especializadas, ver filmes e treinar na pista de Nova Iguaçu. Em dezembro de 76 me considerei apto a encarar competições, e nesse ano ganhei meu primeiro torneio, em Reta da Penha. Depois ganhei dois torneios na pista de Nova Iguaçu, dois do Rotary e três no Social Ramos Clube. Agora, só me resta a Califórnia109.

Em outra edição da revista – maio de 1979 – ela, logo em suas cinco primeiras

páginas, destacou os skatistas Marcelinho do Rio de Janeiro, Jun Hashimoto, Kao Tai e

Luis “Formiga” de São Paulo como alguns dos melhores skatistas do país, evidenciando

que “as quatro maiores feras do skate brasileiro são carinhas como você, que

começaram com shape (prancha de skate) simples nas ruas e hoje, com a evolução do

esporte, estão virando profissionais das pistas”110.

108 FERNANDES, Rita de Cássia. Esportes radicais: referências para um estudo acadêmico. In Conexões (UNICAMP), v. 1, nº 1, 1998, p. 112. 109 Revista Pop, nº 70, setembro de 1978, p. 18. 110 Revista Pop, nº 79, maio de 1979, p. 3.

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Jun Hashimoto contava com patrocínio da Coca-Cola e era apontado como um

“rei das pistas’; Kao Tai dizia que após vencer a 1ª Taça São Paulo de skate, ganhou

tantos campeonatos que já havia perdido a conta; Marcelinho, apontado como uma das

principais “feras” do Rio de Janeiro, lembrava que em São Paulo descobriu “o skate

sendo levado a sério, com profissionais pagos e respeitados”; e Luis Roberto Rodrigues,

o “Formiga Atômica”, também se destacava por seu patrocínio, a Coca-Cola, e era

apontado pela revista como “um dos profissionais mais respeitados do Brasil”111.

*

Diante dessas questões apresentadas neste capítulo, portanto, podemos

considerar que ao final da década de 1970 estavam se consolidando diversos dos muitos

elementos necessários tanto para a configuração do skate como um “esporte” quanto

para sua construção enquanto uma prática “radical”. Pois as referências aos diversos

campeonatos organizados no período ligavam-se ao surgimento das primeiras pistas e,

com elas, a um conceito diferenciado de “esportista”, envolto na busca pela criatividade

nas manobras e na superação simbólica de seu corpo.

A ocorrência de competições, chances de lucro e grandes patrocínios podem ser

vistos enquanto acontecimentos que começavam a preparar o terreno para uma maior

inserção do skate no campo dos esportes profissionais. No próximo capítulo veremos

que o “poder esportivo” articulado ao skate durante a década de 1980, após um

interregno de alguns anos, ganhou força a partir do ano de 1985 e levou a prática aos

olhos de uma quantidade bem maior de espectadores. Pois se o skate, ao final da década

de 1970, já era uma prática em vias de profissionalização, a partir da segunda metade da

década seguinte ele não só se profissionalizou como também, e em um grau bem maior,

tornou-se espetáculo.

111 Idem, p. 07.

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CAPÍTULO III

POLÍTICAS DO SKATE:

A ORGANIZAÇÃO DO “PODER ESPORTIVO”

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O “ESPORTE” NAS NOVAS MÍDIAS DE NICHO: OVERALL, YEAH! E

SKATIN’

Nos últimos duzentos anos, o mundo ocidental tem afirmado uma cultura de movimento que, investida pela ciência e pela tecnologia, sobrepôs-se a práticas singulares de indivíduos, grupos, classes sociais, comunidades, sociedades e, consciente ou inconscientemente, legitima práticas de controle do corpo em movimento e, sobretudo, do prazer do corpo em movimento; ela vai, mesmo, inventar um único prazer. O exemplo mais tangível é a imposição do esporte como forma dominante de organização da corporeidade, cuja idéia central é o rendimento.

Carmen Lúcia Soares (SOARES, 2005, p. 51)

Vimos no capítulo anterior que o aparecimento das pistas de skate resultou na

promoção de campeonatos e numa primeira tentativa de esportivização dessa atividade

como algo ligado à juventude e à busca por fortes emoções corporais. Essa tendência,

após um pequeno intervalo1 em que notamos uma diminuição no mercado ligado ao

skate no país2, (sinalizado pela diminuição dos campeonatos, fechamento de algumas

marcas e pistas – como a Wave Park –, e pela ausência de revistas especializadas em

skate3) recrudesceu a partir da segunda metade da década de 1980.

Antes disso, no entanto, um dos fatores que conduziu o processo de

esportivização do skate durante o início da década de 1980 no país esteve ligado a uma

pista de skate construída num clube (Itaguará Country Club) na cidade de

Guaratinguetá/SP, que durante esta década teve uma função muito importante na

promoção de campeonatos e manutenção do profissionalismo na categoria. Segundo

Antonio Machado Junior, o engenheiro responsável pelo desenho da pista, o Itaguará

Country Club é um clube tradicional de Guaratinguetá, tendo sido fundado no ano de

1 De acordo com estudos que desenvolvemos em parceria com o pesquisador Tony Honorato, foi verificado que no início dos anos de 1980, em função da situação da economia brasileira e também do aumento no número de praticantes de bike e patim, muito dos patrocínios e investimentos destinados ao skate diminuíram e/ou passaram a ser divididos com essas duas outras atividades. BRANDÃO, Leonardo; HONORATO, Tony. Skate: uma história em produção. In FREITAS, Silvane Aparecida de; CARVALHO, Jacques Elias de. Política, identidade e marginalidade. Curitiba: CRV, 2011, p. 175 – 193. 2 Em um depoimento sobre o início da década de 1980, por exemplo, o skatista Rui Muleque, que se tornou profissional de skate no final dos anos 80, recorda que no ano de 1982 era muito difícil encontrar um skate para vender nas lojas de São Paulo. Fonte: http://veteranskate.blogspot.com/2010/04/entrevista-rui-muleque.html, acesso em 01/11/2011. 3 Entre os anos de 1979 e 1984 não houve publicações especializadas em skate no país, embora a prática tenha sido noticiada, de forma aleatória, em mídias como a revista Visual Esportivo.

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1963. Trata-se de um clube grande, com uma bem cuidada área verde e que, além da

pista de skate, também abriga quadra de basquete, vôlei, campo de futebol, quadra de

tênis e piscina. Em sua opinião, as pistas de skate (um bowl e um banks) passaram a

atrair os skatistas em função do cuidado em sua construção, pois elas “são totalmente

simétricas e isso ajuda em muito a realização de campeonatos, pois ninguém é

prejudicado, tanto quem é regular foot (pé esquerdo na frente do skate) quanto quem é

goofy foot (pé direito na frente do skate)”4.

Segundo depoimento de Carlos Eduardo Tassara, mais conhecido como

“Yndyo” e um dos principais articuladores do skate nesta região, a construção dessas

pistas revitalizou o skate, pois no início da década de 1980, ele sofria com a falta de

praticantes, espaços na mídia e empresas interessadas em seu investimento. De acordo

com suas palavras,

Em 1981 o skate estava em baixa, com muito poucos skatistas e, aqui em Guaratinguetá, nossas rampas de madeira já estavam “detonadas”. Mas então tivemos a idéia de nos reunir e, junto com o estudante de engenharia Jr Machado, fizemos um projeto baseado em um Bowl americano (pista de skate no formato de uma “bacia”). Também fizemos um orçamento do custo da obra e apresentamos ao conselho deliberativo do Itaguará Clube, que depois de muita discussão resolveu aprovar o projeto. Depois de 3 meses, a pista ficou pronta. De fato, tratava-se de um grande bowl de 3 metros de altura, 11 de diâmetro, com 10 cm de vertical com coping de azulejo azul, transição lenta e canion… A pista ficava rodeada de um grande jardim com árvores frutíferas e boa estrutura. A festa de Inauguração foi em agosto de 1981, e essa pista virou um ponto de encontro de skatistas que vinham de várias cidades do Vale do Paraíba. Não demorou para realizarmos um Campeonato Brasileiro de Skate, e foi dai em diante que ajudamos a alavancar o esporte, e nos anos consecutivos fizemos mais 4 grandes campeonatos brasileiros, o último com quantidade imensa de inscrições e milhares de pessoas assistindo e com grande cobertura da nova imprensa especializada5.

De fato, a importância dessa estrutura comentada por Eduardo Tassara pode ser

conferida numa matéria publicada pela revista Visual Esportivo, que foi lançada no

início desta década e cobria, além do skate, várias atividades que se inseriam no que

4 Revista Yeah!, n. 8, 1988, p. 24. 5 Depoimento contido no site: www.skatecuriosidade.com, acesso em 20/10/2011.

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Christian Pociello denominou como “esportes californianos”6. A revista, embora

trouxesse poucos textos, exibia essa pista em diversas imagens, demonstrando muitas

manobras e ajudando a fomentar, junto aos seus leitores, o interesse pela prática neste

lugar. Nesta edição, a chamada para a matéria deixava claro que “o skate após

atravessar uma fase de total marasmo no ano de 1980, em 81 começa com força total

com a inauguração da pista do Itaguará (Guaratinguetá, interior de São Paulo), que tem

tudo para virar o point skatista do Rio de Janeiro e São Paulo"7.

Em função dessa pista, portanto, entre os dias 15 e 16 de maio de 1982 ocorreu o

Primeiro Campeonato Brasileiro de Skate, que contou com 60 inscritos e teve patrocínio

da marca de bicicletas Caloi. Pois, como ressalta Tassara, “vale lembrar que este foi o

primeiro de uma série de mais quatro campeonatos realizados no Itaguará, em uma fase

de total estagnação do skate brasileiro, onde não se havia absolutamente nada de apoio e

incentivo ao esporte”8.

Parece não haver dúvidas que essa pista incentivou o “renascimento” do skate

como um “esporte” no país. Pois somente pelos números de inscritos, podemos observar

o gradual aumento no número de competidores. Em 1982, foram 60 inscritos, em 1983,

no II Campeonato Brasileiro, 100 inscritos; no ano seguinte, 1984, mais de 200 inscritos

e com muitos patrocínios, entre eles marcas específicas de skate, como a “Urgh!”. Em

1985, o IV Campeonato chegou a ter mais de 300 inscritos, de mais de seis diferentes

Estados, contando com a cobertura da revista Overall, a mais nova mídia específica

sobre skate que surgira no período. Nela, a realização deste campeonato, por exemplo,

fora algo exaltado por sua capacidade em demonstrar o “alto nível do esporte”. Entre as

inúmeras fotos dos competidores que ilustravam a matéria, a revista registrava que,

Novembro. Mês que prepara a radical entrada de verão e decisivamente, marca o clima mais aguardado pelo skate do Brasil: o campeonato brasileiro do Itaguará Country Club/Guaratinguetá – SP; que aconteceu em sua quarta versão. Com o sol abrindo suas portas, o bowl recém-reformado, cujo vertical recebeu agressivas melhoras, o apoio de emissoras de rádio da região, assessoria em termos de acomodação e alimentação para a imprensa e um público muito quente, a organização do 4º Campeonato Brasileiro pode inaugurar a

6 POCIELLO, Christian. Os desafios da leveza: as práticas corporais em mutação. In SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. (orgª). Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1995, p. 115 – 120. 7 Revista Visual Esportivo, n. 2, 1981, p. 14. 8 Em entrevista realizada no dia 20/10/2011 (Arquivo do autor).

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temporada, comprovando mais uma vez a importante dimensão deste evento. Pode-se dizer, com certeza, que é campeonato mais bem organizado do Brasil (...), reunindo skatistas de todo o país, que competiram expressando técnica e radicalidade, demonstrando o alto nível do esporte9.

De fato, o surgimento dessa revista deve muito ao sucesso dos eventos

organizados em Guaratinguetá10. Foram eles que incentivaram uma parte da equipe que

fazia a Visual Esportivo11, como Nilton Barbosa, Cesinha Chaves, Flávio Badenes e

Paulo Aniz Lima, a acreditar na viabilidade mercadológica de uma nova revista

específica sobre skate no país. E mesmo sentindo que a empreitada seria um “desafio”12,

eles colocaram em circulação uma edição experimental do que denominaram revista

Overall, enumerando-a, como estratégia mercadológica, de edição “zero” e justificando

sua existência em função “do ideal maior: O ESPORTE”13. Assim, caso a resposta dos

leitores fosse positiva e a revista encontrasse seu nicho, todos os esforços seriam

realizados para o lançamento oficial da edição de número um.

9 Revista Overall, n. 1, 1986, p. 7. 10 Além do sucesso dos eventos ocorridos em Guaratinguetá/SP, outros campeonatos de skate, como o “Primeiro Torneio Verão de Skate”, realizado entre os dias 05 e 06 de janeiro de 1985, na Pista de Skate de Campo Grande, Rio de Janeiro, também ajudavam a demonstrar a retomada da prática no período. Este campeonato foi retratado nas páginas da revista Visual Esportivo como um acontecimento que envolveu inúmeros skatistas, os quais participaram em três modalidades distintas. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 16, 1985, p. 25. 11 A revista Visual Esportivo era coordenada por Paulo Aniz Lima e tinha como editor Nilton Ribeiro Barbosa. Nas matérias sobre skate, havia a colaboração editorial de Cesar Diniz Chaves e Flávio Badenes. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984. 12 Revista Overall, n. zero, 1985, p. 4. 13 Revista Overall, n. zero, 1985, p. 4.

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Figura 22: Capa da edição de número zero da revista Overall (1985)

Ao final, o jogo com o mercado deu certo, pois a edição experimental de número

zero foi muito bem aceita. Alguns meses depois, a edição de número um celebrava o

sucesso das vendas num editorial esfuziante escrito por seu editor na época, Paulo Lima.

Overall n. 1 nas suas mãos! Real, colorida e alucinante. É assim que a nossa equipe atua: poucas promessas e muito trabalho. E aí está, depois da força dada por todos nossos amigos, colaboradores e anunciantes, nossa número zero foi às bancas no Rio e em São Paulo, cumprindo a função de termômetro, sentindo a temperatura do skate nesses dois grandes centros. E não deu outra: FEBRE, TEMPERATURA OVER CONTROL, SUCESSO absoluto de vendas nas bancas, sucesso entre a galera da interna e sucesso entre os empresários que souberam compreender que aquela revistinha fininha era apenas um começo. É, já deu pra sentir. Dobramos o número de páginas, estamos agora imprimindo no melhor papel existente no mercado, dobramos também o número de páginas coloridas e passamos a imprimir no maior parque gráfico da América Latina: a Editora Abril S/A. O resultado está nas suas mãos: pegue a sua OVERALL, n. 1 e devore as matérias alucinantes que vão desembolorar sua mente e as fotos que farão seu cabelo arrepiar. Você

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merece esse trabalho, afinal é você que mantém o espírito do SKATE VIVO!14

Sem dúvida, como já apontado pela antropóloga Maria Celeste Mira, “a partir de

meados dos anos 80, o processo de segmentação da mídia se acelera de maneira

geral”15. No entanto, publicar uma revista de nicho, setorizada e específica como foi a

Overall, através de uma editora do porte da Abril (“o maior parque gráfico da América

Latina”) nos diz muito sobre as possibilidades mercadológicas que a edição de número

zero dessa publicação ajudou a vislumbrar. Tanto isso parece ser verdadeiro, que em

1986, no mesmo ano do lançamento oficial da revista Overall, chegou às bancas

brasileiras uma concorrente interessada no mesmo segmento consumidor. Tratava-se

agora da revista Yeah!, também direcionada aos skatistas, mas publicada por uma

editora de menor expressão, a Editora Visão Ltda.

De acordo com a jornalista Débora Chaves, em uma reportagem intitulada “Os

nanicos da nova geração”, publicada em dezembro de 1987 na revista Imprensa, essas

novas publicações setorizadas, como era o caso da Yeah! e da Overall – as duas mídias

“nanicas” por ela investigadas – acabaram por se consolidar no mercado porque

resolveram apostar na fidelidade de um novo tipo de leitor, os praticantes de “esportes

radicais” (no caso, os skatistas). No entanto, como enfatizado por essa reportagem,

tratava-se de mídias muito diferenciadas, pois seus editores “nunca freqüentaram as

grandes redações, não davam nenhuma importância a leads ou sub-leads e desprezavam

as mais elementares convenções gráficas e editoriais”16. Paulo Lima, editor da Overall,

embora fosse um advogado formado pela tradicional Faculdade de Direito do Largo de

São Francisco, em São Paulo, “entrou para o mundo dos ‘revisteiros’ por pura

‘tietagem”17, pois como surfista e skatista, ele se reconhecia como um grande leitor das

publicações destinadas a essas práticas que existiram no final da década de 1970 no

país. Assim, tanto ele quanto Paulo Anshowinhas, editor da revista Yeah!, não vieram

da grande imprensa e nem tinham formação universitária em jornalismo. Apenas

“começaram, ainda adolescentes, a trabalhar com o que gostavam [...] e daí, para

14 Revista Overall, n. 1, 1986, p. 4. 15 MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho d’Água, 2001, p. 147. 16 Revista Imprensa, dezembro de 1987, p. 22. 17 Idem, p. 22.

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criarem suas próprias publicações especializadas, foi apenas uma questão de tempo”18.

Para Débora Chaves, entretanto, essa falta de formalismo acadêmico teve vários

pontos positivos, principalmente porque esses jovens editores, amantes das práticas que

exibiam, acabaram permitindo que suas equipes (também formada por skatistas)

passassem a experimentar novas linguagens, além das textuais, também na área da

fotografia. Tal fato, segundo ela, acabou possibilitando o desenvolvimento de mídias

alternativas, nichos de experimentalismo estético e narrativo que não encontravam

espaço na grande imprensa. Em suas palavras,

Autoditadas em jornalismo, esses editores esportistas inovaram não apenas no texto e no visual de suas revistas, mas também no sistema de produção, onde a marca registrada é a improvisação. Na Overall, por exemplo, os membros do ‘conselho editorial’ entregam suas matérias escritas a mão, em bloquinhos de recados ou folhas de computador. Não raro, os próprios editores aparecem nas matérias, como é o caso de Paulo Anshowinhas, na Yeah!. “Além de editor, sou skatista e grande articulador dos movimentos skatistas”, defende-se Anshowinhas. Imparcialidade, de fato, não é o forte dessas revistas. “Não são publicações propriamente jornalísticas”, reconhece Otávio Rodrigues, 28 anos, diretor de redação da Overall e único jornalista formado a trabalhar na editora. “O que há é uma saudável mistura de emoção com informação”.19

Em sua tese de doutorado sobre a segmentação dos periódicos no país, Maria

Celeste Mira observou que a segunda metade da década de 1980 foi marcada pela

presença muito mais significativa de mídias direcionadas aos skatistas do que na década

anterior. Segundo ela, as revistas Overall e Yeah! passaram a vender, ambas, “100 mil

exemplares bimestrais”20; sendo o período também marcado pelo aparecimento de

programas sobre skate na televisão, nas rádios (como na 89.1 Mhz21) e no mercado dos

quadrinhos, com o lançamento, também pela editora Abril e em junho do ano de 1988,

18 Revista Imprensa, dezembro de 1987, p. 21. 19 Idem, p. 22. 20 MIRA, Maria Celeste. Op. Cit, 2001, p. 167. 21 Tratava-se do programa “89 Overall Skate show”, realizado pelas revistas Trip e Overall, e apresentando, no horário das 20 horas, “uma hora de música e informações dedicadas exclusivamente ao skate”. Fonte: Folha de São Paulo (Ilustrada), 27 de junho de 1988, p. A - 36.

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da HQ Skatemania, escrita por Spacca (que trabalhava no Jornal “Folha de São Paulo”)

e Maurício Villaça22.

Certamente, os avanços da tecnologia23 foram favoráveis a difusão de uma maior

quantidade de mídias, sendo a informática e as novas possibilidades de impressão dados

que devem ser levados em consideração junto ao aumento dos fabricantes e

comerciantes do ramo. Pois, se “uma só publicação não faz verão”24, o aparecimento da

Yeah! disputando mercado com a Overall era um sinal de que o skate estava contando

com um número mais expressivo de empresas, fábricas e lojistas que podiam anunciar

nessas mídias, sustentando-as como canais de divulgação de seus produtos, roupas,

peças e demais acessórios relativos à prática do skate.

Figura 23: Capa da Revista Yeah! Número 1 de 1986

22 Folha de São Paulo (Folhinha), 19 de junho de 1988, p. B – 7. (Lembramos que a revista “Skate Mania” teve propaganda veiculada na revista Veja, edição de 22 de junho de 1988, p. 110). 23 Sobre o papel da tecnologia na área dos impressos durante a década de 1980, ver: ABREU, Alzira Alves de. A modernização da imprensa (1970 – 2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 28. 24 BOLOTA, Fábio. Anos 80. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 35.

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Surgida no ano de 1986, portanto, a revista Yeah! teve no skatista Paulo

Anshowinhas de Oliveira Brito os méritos de sua “idealização e concepção”25. Paulo

Anshowinhas – ou somente “Anshowinhas”, como ficou mais conhecido – antes de ter

criado a Yeah! participou do corpo editorial de Fluir, uma outra revista publicada em

nível nacional a partir do ano de 1983 e que tinha como subtítulo “Terra, Mar e Ar”. No

inicio, a revista Fluir, que atualmente dedica-se somente ao surfe, cobriu em suas

primeiras edições diversas práticas corporais juvenis, como o skate, a bicicross e o vôo

livre26 , sendo Anshowinhas o responsável por assinar as matérias sobre skate.

Com a experiência que ganhou em seu trabalho na Fluir, Anshowinhas fundou

sua própria mídia impressa, intitulando-a como Yeah!27 – referência ao grito que os

skatistas fazem quando uma manobra é executada com perfeição, semelhante ao gol no

futebol – e tendo como conselho editorial uma equipe formada, quase toda, por

skatistas, como Hélio Greco, Paulo Citrangulo e outros.

Como afirmamos, o surgimento dessas novas mídias de nicho centradas no skate

era uma expressão do fortalecimento do mercado destinado a essa prática, que após um

pequeno interregno, voltava a crescer no período. Pois se durante o final da década de

1970, como vimos no capítulo anterior, o skate passou a contar com as revistas Esqueite

e Brasil Skate (além de ser constantemente noticiado pela revista Pop), seu esfriamento

comercial ocasionou um período sem publicações direcionadas de forma específica para

essa atividade durante a primeira metade da década de 198028. No entanto, a partir da

metade dessa década em diante, o cenário já era outro; pois, como registrou a escritora

Cecília Moisés Gonçalves, “de 1985 pra frente, o skate lotava os estádios e as equipes

profissionais eram fortíssimas, tanto estrangeiras quanto nacionais”29. Certamente, tal

fato não foi coincidência para o surgimento da Revista Overall no ano de 1985 e da

Yeah! em 1986.

25 Revista Tribo Skate, nº 187, 2011, p. 26. 26 FORTES, Rafael. O surfe nas ondas da mídia: um estudo de Fluir nos anos 1980. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. 27 Num glossário sobre skate elaborado pela revista Veja no ano de 1987, a palavra “Yeah!” é descrita como: “Interjeição de júbilo ou assombro, por exemplo, com uma manobra radical”. Revista Veja, 02 de dezembro de 1987, p. 95. 28 A esse respeito, ver: BOLOTA, Fábio. Anos 80. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 31. 29 GONÇALVES, Cecília Moisés. Eu não era feliz e sabia. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 94.

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Outro ponto que comprova a retomada do crescimento do skate no período pode

ser notado através de sua maior veiculação em programas na televisão30. O principal

deles foi o programa Vitória, que começou a ser exibido no final de 1986, pela TV

Cultura de São Paulo31 no horário das 20 horas. Destinado especialmente aos jovens32, o

programa teve como apresentadora uma mineira de 26 anos, chamada Graziela

Azevedo, que através de seu “toque jovial”33 colaborava para a grande audiência do

programa; pois, segundo pesquisas do Ibope, o Vitória era visto por um a cada dez

pessoas que assistiam TV na cidade de São Paulo no domingo à noite. Tal quantidade

de espectadores chegou a dar “ao programa até 7 pontos de audiência, um índice

significativo para quem concorria com o Fantástico, da Rede Globo”34.

A diferença do “Vitória” para com os outros programas televisivos era que ele

dava evidência às práticas corporais que, na época, estavam sendo intituladas como

“radicais”, a exemplo do skate, da Bicicross e do surfe. Segundo a Veja, essa era uma

fórmula que vinha “conquistando cada vez mais telespectadores entre os jovens,

especialmente skatistas e surfistas”35.

Na Internet, através do youtube (www.youtube.com), é possível assistir a alguns

episódios do “Vitória”. Um dado importante que devemos mencionar é que esse

programa exibia o skate em sua vinheta de abertura, mas o exibia sendo praticado em

pistas e não nas ruas (street skate). Tal escolha, possivelmente, demonstrava que apesar

da aposta na “radicalidade”, o programa sabia distinguir o “tipo” de skate que melhor

teria audiência. Em um dos programas, por exemplo, que exibia uma matéria filmada na

Califórnia com alguns dos melhores skatistas norte-americanos praticando numa pista

de skate conhecida como “Pipeline”, a maioria das imagens insistia nos “saltos” e

“manobras” realizadas nas rampas. Ao anunciar essa matéria, a jovem Graziela

30 Em nota publicada pela revista Skatin’, era anunciado que entre as opções para se assistir ao skate na televisão figurava o programa Vibração, que ia ao ar às 18 horas pela TV Record. Fonte: Revista Skatin’, n. 5, 1989, p. 53. 31 Além de São Paulo, como informa a matéria da revista Veja, “nas últimas semanas a TV Cultura passou a transmitir o Vitória pelo Sinred – Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa – para a TV Nacional de Brasília, que o coloca no ar simultaneamente com a emissora paulista, e para a TV Educativa de Mato Grosso do Sul, que o exibe às 22 horas do domingo, e para a TV Educativa de Porto Alegre, que utiliza suas imagens em sua programação de esportes durante a semana”. Revista Veja, 11 de maio de 1988, p. 120. 32 De acordo com Eliana Arndt, editora-chefe do Vitória, “nosso objetivo é ficar de antena ligada com coisas do nosso tempo, estamos sempre atentos aos interesses e atitudes dos jovens”. Idem, p. 120. 33 Revista Veja, 11 de maio de 1988, p. 120. 34 Ibidem, p. 120. 35 Como exemplo, a revista trazia o depoimento de Adalberto Antônio de Lima, paulista de 23 anos, que dizia assistir ao programa porque ele “fala de coisas que a gente curte, pois rola muito skate e muito som”. Revista Veja, 11 de maio de 1988, p. 120.

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Azevedo chamava os skatistas de “super radicais”, hiperbolizando a associação entre o

skate praticado nas pistas e a radicalidade que as rampas proporcionavam. Nas palavras

da apresentadora: “Agora você vai ter um encontro com as feras do skate norte-americano.

Direto da Califórnia, os super radicais fazem uma session incrível. Se liga nessa!”36

Assim, tais fatos nos ajudam a confirmar a hipótese de que a existência dessas

mídias mais setorizadas (tanto televisivas quanto impressas) esteve articulada a

determinados períodos de efervescência, sinalizado no caso do skate pela ocorrência de

competições, fábricas e o conseqüente aumento no número dos atores envolvidos. Como

já apontado pelo historiador Georges Vigarello, essas atividades, embora indiquem o

aparecimento de novos desejos e formas de movimentação corporal, não escapam de

serem analisadas no âmbito de suas relações com o mercado37. Nesse sentido, portanto,

observamos que a prática do skate não foi a mesma nos dois períodos aqui sinalizados

(a primeira e a segunda metade da década de 1980), pois ela foi marcada, nesses

diferentes momentos, tanto em sua objetividade quanto em suas representações, pelas

apropriações de que foi objeto e pelas especificidades impostas em tais contextos pelas

disposições dos agentes sociais que dela fizeram parte.

Deste modo, podemos concluir que essas duas novas revistas (Overall e Yeah!)

surgiram como possibilidades de ascensão dentro de um mercado muito específico, mas

que a partir da segunda metade da década de 1980 passou a ter capacidade de patrociná-

las com anúncios e campanhas publicitárias. Além disso, ao encontrarem seu público

leitor – quase sempre formado por jovens impulsionados pelo “mito da novidade”38,

presente em cada nova capa, reportagem ou “manobra” capturada pelas lentes dos

fotógrafos –, essas mídias, diferentemente das revistas analisadas no capítulo anterior,

conseguiram ter um a vida editorial mais longa, com um maior número de exemplares

publicados e assim uma presença mais constante nas bancas nacionais39.

36 http://www.youtube.com/watch?v=3JU2_Vg1DEg, acesso em 07/08/2011. 37 VIGARELLO, Georges. D’une nature....I’autre: Les paradoxes du nouveau retour. In CHRISTIAN POCIELLO (org). Sports et Sociétés : approche socio-culturelle de pratiques. Paris : ed. Vigot, 1987, p. 239. 38 SARLO, Beatriz. Cenas da Vida Pós-Moderna: Intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997, p. 41. 39 Ao todo, foram publicada 11 edições da Revista Yeah!, que circulou nas bancas de 1986 a 1988. Já a revista Overall durou de 1985 até o início de 1990, tendo 19 edições publicadas.

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FOMENTANDO A ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA: A UNIÃO ENTRE

SKATISTAS E EMPRESÁRIOS

Se no início da década de 1980, portanto, os poucos campeonatos que

aconteciam vinham sendo realizados por pequenos grupos, com pouca estrutura e

divulgação, a partir da segunda metade dessa década, a força de um poder esportivo

articulado ao skate tornar-se-ia mais promissor, o que resultaria no aparecimento dessas

mídias e, junto a elas, na criação da primeira Associação Brasileira de Skate, a

“A.B.S.”. No artigo primeiro do estatuto dessa Associação, elaborado no dia 10 de

setembro de 1986, verificamos que ela se designava nos seguintes termos:

A Associação Brasileira de Skate é uma sociedade civil, composta de número ilimitado de sócios, sem distinção de nacionalidade, de culto e de sexo, tendo por finalidade proporcionar a difusão do civismo e da cultura física, principalmente do SKATE, podendo ainda realizar reuniões e divertimentos de caráter esportivo, social e cultural40.

Segundo um dos seus membros, o trabalho da Associação era em prol do

reconhecimento do skate como um “esporte”. Em carta aberta e publicada pela revista

Yeah!, a Associação convocava todos os organizadores de eventos e skatistas para

trazerem as datas dos campeonatos a fim de criarem, em conjunto, um calendário de

competições41.

Além dessa Associação, outro passo importante no caminho da esportivização

do skate foi a criação da União dos Skatistas e Empresários, a “U.S.E.”, no ano de 1987.

Diferentemente da Associação Brasileira de Skate, a “U.S.E.” designava-se como uma

organização da iniciativa privada, que visava organizar e direcionar os esforços das

empresas que a ela se associavam em prol do desenvolvimento “esportivo” do skate. De

acordo com suas declarações na imprensa, seu intuito era gerir o andamento dos eventos

e promover a sistematização dos regulamentos em torno de um calendário anual de

competições42. A “U.S.E.”, portanto, e de acordo com informações divulgadas por esta

40 Revista Yeah!, n. 4, 1986, p. 26. 41 Idem, p. 26. 42 Revista Overall, n. 7, 1987, p. 26.

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entidade, fora “fundada com a finalidade de dar todas as condições necessárias para o

esporte”43. Suas principais metas eram:

* Formação do Calendário Oficial a nível nacional, com uma etapa a cada dois meses, formando um Circuito com todas as modalidades e categorias. * Sempre um campeonato com qualidade, com piso de premiação para profissionais e também um júri que realmente entende de Skate. * Os atletas que já tenham se inscrito em qualquer etapa do Circuito, já são considerados skatistas associados, sem mensalidades. * Todas as empresas associadas são obrigadas a patrocinar um atleta, no mínimo. * Só serão aceitas empresas diretamente ligadas ao Skate, que tenham como finalidade fundamental preservar e desenvolver o esporte Skate44.

Embora a “U.S.E.” não tenha conseguido alcançar todos os objetivos que

almejou (ela não conseguiu fixar a quantidade de um campeonato de skate a cada dois

meses, por exemplo), o fato é que o poder esportivo ligado ao skate obteve com ela

bons avanços. A título de exemplo, podemos observar que numa reportagem escrita pela

revista Veja no final do ano de 1987, era dito que “a nova onda do skate é capitaneada

por uma vanguarda interessada em transformar a prática em esporte com regras fixas e

campeonatos”45. Uma prova disso, segundo a Veja, era as condições diferenciadas que

os skatistas começavam a encontrar para praticar essa atividade. Em suas páginas, ela

citava o exemplo do skatista paulista Lemuel Ribeiro Gonçalves, o “Dinho”, que havia

se tornado uma grande personalidade dentro do skate vertical46, recebendo de seu

patrocinador equipamentos e uma ajuda de custo no valor de vinte mil cruzados

mensais47.

43 Revista Yeah!, n. 6, 1987, p. 55. 44 Idem, p. 55. 45 Revista Veja, 02/12/1987, p. 93. 46 Trata-se do skate praticado em pistas com rampas que chegam a 90 graus de inclinação. Essas pistas, durante a década de 1980, passaram a ter o formato de half-pipe (“meio-tubo”), que pode ser representado pela letra “U”. Além disso, outras pistas com rampas também são consideradas verticais, com a pista num formato de um feijão “banks” ou bacia “bowl”. 47 Revista Veja, 02/12/1987, p. 93.

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Deste modo, a fixação de regras e a busca pela transformação do skate numa

prática competitiva eram propostas que visavam à conquista de uma carreira e, com ela,

a busca de uma dignidade profissional por meio do “esporte”. Como bem apontou

Carmen Lúcia Soares, o espírito esportivo e seus heróis rápidos e velozes passaram a

invadir muitas das esferas da vida pública e privada, colonizando imaginários e

promovendo um estilo de vida que implicava sucesso social, glorificação do consumo e

explosão da aventura. Em suas palavras, ela afirma que o “esporte abriga esses valores e

esses modelos, sendo mesmo sua expressão massificada”48.

É neste sentido, portanto, que devemos compreender o porquê dos esforços

destinados para que o skate, durante a segunda metade da década de 1980, pudesse

contar com campeonatos mais bem organizados e skatistas com melhores remunerações.

De uma forma ou de outra, essa tentativa de esportivização do skate não deixava de ser,

como escreveu Foucault, uma forma de “apropriação social do discurso”49, e neste caso

em especial, do discurso esportivo. Assim, numa reportagem da revista Overall, por

exemplo, encontramos a cobertura do primeiro campeonato promovido pela “U.S.E.”,

nos dias 15 e 16 de agosto de 1987, numa pista de skate localizada em Guarulhos/SP,

chamada “Polato Skatepark”. O “sucesso do evento”, como chegou a afirmar a

reportagem, era uma consequência direta do maior nível de profissionalização que

envolvia o skate. De acordo com a Overall,

O público local mostrou-se interessado pelo evento e dominou as arquibancadas. O tempo, melhor do que nunca, ajudou o andamento do evento. Os juízes de “elite” escolhidos pra esta etapa (Yura/SP, Chacrinha/RJ, Pescoço/SC, Osmano/SP e Junae/SC) tinham apenas uma simples tarefa: um bowl com esse desenho, em plena era de madeira e halfs, teria duas linhas a serem julgadas, as linhas de bordas e aproveitamento de espaço, e linhas tipo half. Criatividade e muita base teriam de ser usadas ali de qualquer maneira. E creio que todos deram o maior esforço pra mostrar um verdadeiro show de técnica. Skatistas de vários estados, micro, macro e mega empresários, imprensa, todos estavam presentes pra conferir esta primeira etapa50.

48 SOARES, Carmen Lúcia. Práticas corporais: invenção de pedagogias? In SILVA, Ana Márcia; DAMIANI, Iara Regina (orgs.). Práticas corporais. Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2005, p. 44. 49 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 43. 50 Revista Revista Overall, n. 7, 1987, p. 27.

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Ao observarmos a descrição desse evento, notamos a presença de juízes

(escolhidos dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina), público,

imprensa e empresários, elementos necessários à configuração do skate como um

“esporte” e sob a qual se “defrontavam múltiplos agentes: técnicos, jornalistas,

jogadores [no caso, os skatistas], juízes, dirigentes, aficionados etc”51. Em uma das

fotografias que integrava a matéria, por exemplo, os organizadores foram exibidos com

uma camiseta amarela, na qual estava estampado o logotipo da “U.S.E.” – certamente

um símbolo que expressava um cuidado adicional na preparação e organização deste

campeonato. Ao final da reportagem, um ranking escalonava os oito melhores skatistas

que competiram nas categorias profissional, amador I e amador II.

Mas se a “U.S.E.” já era um avanço no sentido da incorporação do skate nos

moldes de um esporte de competição, a criação da União Brasileira de Skate (“U.B.S.”),

no ano de 1988, pode ser tida como um passo a mais. Pois lembramos que, como

afirmado pelo sociólogo Pierre Bourdieu, o processo de esportivização é sempre um

“estado da relação de força entre os agentes ou as instituições engajadas na luta ou, se

preferirmos, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas

anteriores, orienta as estratégias ulteriores”52. Deste modo, a criação da “U.B.S.” pode

ser vista como um estágio posterior à “U.S.E.”, que ratificava seus objetivos iniciais e

também buscava ampliar esses mesmos objetivos. Em nota divulgada na revista Yeah!,

Luis Calado, um dos membros de seu conselho deliberativo, assim se pronunciava a seu

respeito:

Numa iniciativa de extrema importância para o desenvolvimento do Skate nacional, foi formada no início de março, em São Paulo, a U.B.S. – União Brasileira de Skate. O esforço é conseqüência de outra realização anterior, a U.S.E. (União de Skatistas e Empresários), uma associação paulista que realizou dois bons eventos no ano passado. Aproveitando essa experiência (e corrigindo as falhas ocorridas), a U.B.S. é um passo decisivo para o reconhecimento do Skate como um esporte junto ao C.N.D. (Conselho Nacional de Desportos) – órgão governamental responsável por essa decisão53.

51 GEBARA, Ademir. História do esporte: novas abordagens. In PRONI, Marcelo Weishaupt; LUCENA, Ricardo de Figueiredo (orgs.). Esporte: história e sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002, p. 17. 52 BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 90. 53 Revista Yeah!, n. 9, 1988, p. 25.

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Sem dúvida, a ocorrência dessas entidades, como a “A.B.S.”, a “U.S.E.” e a

“U.B.S.”, todas constituídas em prol da promoção, da manutenção e da

profissionalização tanto dos skatistas quanto dos agentes inseridos na organização dos

campeonatos, são fatores que apontam claramente para o desenvolvimento do skate

como um “esporte” no país. Por este viés, podemos examinar essa atividade dentro de

praticamente todas as características que a Carta Internacional de Educação Física e

Esporte da UNESCO, criada em 21 de novembro de 1978 em Paris, reconheceu como

importante no estabelecimento dos estudos relativos ao esporte. Pois este deveria ser

pensado tendo,

Por objetivos: a) Vitórias e sucessos;

b) Conquistas esportivas; c) Recordes; d) Prêmios;

e) Valorização pessoal

Por princípios: a) princípio do rendimento (superação);

b) princípio da supremacia;

Por características: a) talentos esportivos e biótipos adequados a cada modalidade

esportiva; b) praticado profissionalmente;

c) dirigido por entidades de direção esportiva54

Da gratuidade do “surfinho de asfalto” praticado no início de 1970 à promoção

dos campeonatos com grande estrutura, mídia e skatistas profissionais, quanta mudança!

E acompanhando essas transformações, no mesmo em que fora criada a União

Brasileira de Skate (U.B.S.), muitas outras iniciativas foram tomadas neste sentido. Na

cidade de Santos/SP, por exemplo, surgiu uma escola de skate anexa a uma pista

chamada “Velô Skate Park”. O curso consistia em ensinamentos básicos acerca das

técnicas corporais necessárias para a prática do skate em pistas, como o banks (bacia)

ou o half-pipe (“U”). As aulas aconteciam as terças e sextas-feiras, “ministradas pelos

54 Apud PIMENTA, Thiago Farias da Fonseca. A constituição de um sub campo do esporte: o caso do Taekwondo. Dissertação (Mestrado em Sociologia), UFPR, 2007, p. 21.

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atletas profissionais da equipe de competição H. Prol”55. Não havia idade mínima para a

matrícula, mas era obrigatório o uso de equipamentos de proteção, como joelheiras,

cotoveleiras e capacete. Em nota divulgada pela revista Skatin’, mais uma mídia

especializada em skate que surgira na época56, era informado de que “A formação de

praticantes de skate vertical faz parte da campanha desenvolvida pela H. Prol, cujo

slogan é ‘Skate é Esporte’, que visa o reconhecimento pelo Conselho Nacional de

Desportos do Skate como modalidade esportiva”57.

E se essa racionalização do lúdico enquanto um princípio norteador da ação de

diversos agentes envolvidos e inseridos em organizações burocráticas foi o passo

inicial, a espetacularização do skate, ainda na segunda metade dessa mesma década, foi

uma de suas conseqüências.

O ESPETÁCULO DO CORPO: A VISIBILIDADE DO SKATE VERTICAL

Com o trabalho de profissionalização do skate organizado pelas associações e

uniões de skatistas e empresários, os eventos e campeonatos de skate começaram a

tomar maiores proporções, atingindo um grande público e fazendo “girar”, além das

manobras, também muito dinheiro. Seguindo a tendência do que já vinha acontecendo, a

maioria dos eventos continuou focalizando o skate praticado em pistas com rampas

verticais (“half-pipe”, “banks” ou “bowl”) como algo mais viável de ser transformado

num esporte, ou, como alguns eventos fazem ver, num esporte espetáculo. Evidente

nesse sentido é o título que recebeu uma das maiores provas de skate ocorridas no

período, o “Sea Club Overall Skate Show”, o qual foi televisionado pelo programa

“Esporte Espetacular”, da Rede Globo de Televisão58.

Realizado no dia 09/04/1988 e numa parceria entre a empresa Sea Club e a

revista Overall, essa mistura de campeonato com show de skate foi, segundo o editor

dessa publicação, algo tão bem organizado que até mesmo o obrigou a mudar o tempo

55 Revista Skatin’, n. 2, 1988, p. 24. 56 Como expresso em seu editorial de estréia, a revista Skatin’ veio a público em função da grande quantidade de jovens que passaram a praticar o skate no período. De acordo com esse texto: “O skate explodiu! Em todas as direções que você olhe, nas TVs, nas ruas ou até mesmo aí do seu lado, esperando por mais session, nunca o skate esteve tão presente como agora”. Revista Skatin’, n. 1, 1988, p. 7. 57 Idem, p. 24. 58 Em carta publicada na revista Overall, o leitor Romeu Lins, de Campos/RJ, agradece ao programa “Esporte Espetacular”, da Rede Globo, por ter exibido o campeonato para todo o Brasil. Fonte: Revista Overall, n. 9, 1988, p. 60.

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verbal de seus editoriais, os quais sempre projetavam o skate como um esporte do futuro

e/ou em crescimento. Agora, segundo ele, o skate já era um esporte do presente, um

jovem tornado adulto. No editorial escrito abaixo, a presença do termo “atleta” como

sinônimo de “skatista” demonstra bem a pretendida transição.

Dessa vez é no presente! O tempo verbal empregado na construção das frases da maioria dos editoriais da Overall, ao longo desses mais de dois anos de trabalho, foi o futuro. Hoje, a realidade nos permite mudar o tempo dos verbos. Estamos mais do que nunca orgulhosos por termos contribuído, ao lado dos atletas, patrocinadores, organizadores de eventos, fanzines e outros veículos especializados para esta mudança decisiva. Esta edição especial da Overall, com 84 páginas, sela definitivamente o início da fase adulta deste esporte no Brasil. O SEA CLUB OVERALL SKATE SHOW foi a prova final. O campeão mundial de skate vertical, e outro que está entre os dez melhores skatistas do mundo, desceram do Olimpo e vieram conferir e aplaudir o estágio de desenvolvimento que o esporte atingiu no Brasil. Não só eles, mas toda a imprensa nacional (mais a revista norte-americana Transworld) voltaram objetivas e máquinas de escrever para o maior evento de skate que o Brasil já teve59.

No livro “A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil”, esse campeonato –

realizado na cidade de São Paulo e no interior da casa de Show “Projeto SP” – foi

descrito como “um marco na história do skate”60. A presença de dois dos maiores ídolos

do skate estadunidense, Tony Hawk e Lance Mountain, ambos pela primeira vez no

país, ajudou a atrair a presença da grande imprensa e atiçar o júbilo público. Oferecido

como espetáculo para as massas, o skate reinventava-se para além de seus nichos,

seduzindo uma platéia ávida por movimentos arriscados, pirotecnias do corpo e da ação.

Pois se levarmos em consideração o que afirma a bibliografia citada, a cidade de “São

Paulo literalmente parou para ver o evento”61.

59 Revista Overall, n. 9, 1988, p. 08. 60 BOLOTA, Fábio. Anos 80. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 38. 61 Idem, p. 38.

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Figura 24: Cartaz do campeonato “Sea Club Overall Skate Show” Fonte: Arquivo de Carlos Eduardo Tassara

Para além do campeonato em si, é preciso notarmos que essa condução do skate

em direção ao esporte e, neste caso, ao “esporte–espetáculo”62, ocorreu articulada a dois

fatores: o primeiro está ligado ao que Norbert Elias e Eric Dunnig chamaram de “o

aparecimento do profissionalismo no desporto”63, isto é, de um grupo de pessoas que,

ao se tornarem profissionais em determinadas práticas, acabam por desenvolver “um

nível de perfeição que dificilmente poderá ser alcançado por pessoas que se dedicam às

atividades desportivas no seu tempo de lazer e apenas por prazer”64. Como demonstram

as imagens do cartaz, os skatistas profissionais passaram a criar um conjunto de técnicas

corporais diferenciadas e muito mais especializadas que os demais skatistas amadores

ou somente praticantes de fim de semana; fato que confere a este grupo restrito as

62 O espetáculo apresentado não pode ser dissociado da “exposição ao risco”, que é uma noção importante para considerarmos, como já abordado no capítulo anterior, essas novas práticas juvenis. Para uma análise centrada neste assunto, ver: LE BRETON, David. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas: Autores Associados, 2009, p. 16. 63 ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992, p. 99. 64 Idem, p. 99.

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condições necessárias para protagonizarem um verdadeiro “espetáculo” para os

admiradores dessa atividade.

O segundo fator está ligado ao primeiro; pois se os mecanismos da competição

aliados à invasão de interesses financeiros conduziram a este movimento cada vez maior

de profissionalização, sua prática em pistas também se construiu – e de forma muito

mais intensa do que na década anterior – através do apelo promocional. Assim, o

incentivo financeiro, a mídia e a movimentação de grandes recursos por parte de

empresas desejosas em investir nesta atividade (como uma aposta de lucro e

rentabilidade), constituem fatores que estimulavam o aparecimento do skate como

espetáculo para grandes platéias65. Na reportagem veiculada pela revista Overall, a

questão do financiamento da competição fora tratada de forma enfática por Paulo Lima,

seu editor,

A Sea Club foi realmente o patrocinador ideal. Além de bancar o evento, a empresa investiu por fora e colaborou bastante na produção. A divulgação foi reforçada, já que a Sea Club não só fez o esperado como também potencializou o evento com 50 outdoors espalhados em São Paulo, 600 spots de rádio (inclusive no interior do Estado) e 6 mil cartazes extras. Isso somado aos boletins semanais do programa Trip 89, chamando a atenção da imprensa, garantiu todo aquele público, coisa realmente impressionante. A Sea Club está realmente a fim de levar a sério os esportes de ação. Ela está disposta a investir, a gastar no esporte e ter retorno com isso. E é isso que a gente precisa, gente disposta a investir para ter retorno no esporte66.

Como um exemplo dessa movimentação financeira ligada ao evento, nas páginas

finais dessa revista encontramos um anúncio com a comercialização do vídeo deste

campeonato, tido como a “fita VHS do mais radical show de skate já visto no Brasil”67.

A presença do público (nove mil pessoas), dos dois skatistas convidados dos Estados

Unidos e dos “24 melhores skatistas verticais do Brasil”68 eram os ingredientes

65 Sobre a importância das empresas na transformação das práticas corporais em atividades de espetáculo, ver: PRONI, Marcelo Weishaupt. Marketing e organização esportiva: elementos para uma história recente do esporte espetáculo. In Conexões: revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 1, n. 1, 1998, p. 82 – 94. 66 Revista Overall, n.9, 1988, p.21. 67 Idem, p. 81. 68 Ibidem, p. 81.

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oferecidos pelo valor de Cz$ 4.900,00 (até 10/06/1988) e Cz$ 5.760,00 (até

10/07/1988), pagáveis como depósito em cheque nominal.

O show de imagens, sem dúvida, transformava o skate – e, por conseguinte, o

corpo desses skatistas – “num espetáculo televisivo nos moldes para ser consumido por

um público que realmente esperava imagens excitantes”69; uma vez que, como afirmou

Pierre Bourdieu, “a constituição progressiva de um campo relativamente autônomo

reservado a profissionais é acompanhada de uma despossessão dos leigos, pouco a

pouco, reduzidos ao papel de espectadores”70.

Assim, essa comercialização das manobras de skate, ou das imagens de

diferentes corpos em ação, evidenciava um uso dessa atividade que implicava

tecnologia e espetáculo – que uma vez pagos, poderiam ser vistos repetidas e repetidas

vezes através da união do videocassete com a televisão. Ao refletir sobre esse assunto, a

historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna71 nos lembra que a transformação das

competições em experiências midiáticas passou a refabricar a emoção do espectador,

isto é, a criar novas formas e maneiras de vê-las. Diferentemente dos 9 mil espectadores

que estavam presentes no Sea Club Overall Skate Show, e que por isso podiam ver a

exibição in loco dos skatistas apenas do ângulo que estavam posicionados na platéia, a

experiência do vídeo (filmado por diversas câmeras, sob vários ângulos e depois

editado) ampliava as possibilidades de quem os comprasse de poder admirar melhor a

performance de cada competidor, visualizando tanto as manobras nas bordas72 quanto

os aéreos efetuados nos dois lados das rampas (“U”).

69 FERNANDES, Rita de Cassia. Esportes Radicais: referências para um estudo acadêmico. In Conexões, Revista da Faculdade de Educação Física da UNICAMP, Campinas, v. 1, n. 1, 1998, p. 116. 70 BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1990, p. 217. 71SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001, p. 46. 72 Estamos fazendo referência às bordas das rampas, as quais apresentam um ferro (chamado “cooping”), no qual os skatistas executam manobras de deslizamento.

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Figura 25: Capa do VHS “Sea Club Overall Skate Show” Fonte: Revista Overall, n.9, 1988, p. 81.

Deste modo, através das modernas edições em vídeo que começavam a se

desenvolver neste período (não estávamos ainda na época da massificação atual do

vídeo-clipe), a televisão acabou por multiplicar o “conjunto inacessível ao espectador

presente no espaço geográfico do acontecimento”73; tornando o movimento dos

skatistas no monitor algo que podia ser tanto melhor admirado como também mais

facilmente compreendido (e quem sabe um dia copiado) pelos jovens que pretendiam se

iniciar nesta atividade; uma vez que praticar skate significa inserir-se no processo de

aprendizagem de novas técnicas corporais. Recorrendo a Georges Vigarello,

As técnicas corporais são as maneiras de fazer, de proceder visando à eficácia; um conjunto de repetições estáveis e requintes de ação; um conjunto de construções ou de estratégias motrizes suscetíveis de aperfeiçoamento. Essas técnicas supõem, primeiro, uma organização,

73 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Op. Cit, 2001, p. 46.

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uma ordem, uma regulação do comportamento. Mas elas também supõem transmissão e descrição74.

Como lembrou o skatista Fábio “Bolota”, desde o aparecimento do primeiro

filme dedicado exclusivamente a retratar manobras de skate no ano de 1984, lançado

pela empresa norte-americana “Powel-Peralta”, o “skate tomou um novo rumo”75; pois

a partir dessa época, praticar skate (tanto em pistas quanto na rua76) passou a ser

sinônimo de se informar, via consumo de imagens, “das novas manobras que estavam

surgindo mundo afora”77. Sem dúvida, a exibição dessas arrojadas técnicas corporais na

televisão, a qual passou a privilegiar certos ângulos e visibilidades até então inéditas,

não só permitiu uma maior compreensão do skatismo como, também, aprendeu a jogar

com sua faceta excitante para melhor vendê-la, e assim transformar a imagem em

mercadoria78.

Deste modo, mesmo que muitas da manobras que eram exibidas nesses filmes

configurassem movimentos difíceis de serem apreendidos pelos iniciantes, ainda assim,

muitos deles se pautavam nessas imagens como inspiração ou tentativa de reproduzir

(nem que seja somente uma vez e após inúmeras tentativas) as manobras menos

complicadas que esses filmes, vez ou outra, também exibiam.

74 VIGARELLO, Georges. Une histoire culturelle du Sport: techniques d’hier...et d’aujorud’hui. Paris: Robert Laffont, 1988, p. 07. 75 BOLOTA, Fábio. Anos 80. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 34. 76 Além dos vídeos que exibiam o skate vertical, muitos vídeos norte-americanos também mostravam as manobras do skate praticadas pelas ruas das cidades. Há na Internet um blog chamado Suppaduppa que contém uma coluna mensal sobre skate, escrita por Vadão Tagliavini. Numa delas, Vadão recorda o impacto que teve, no final da década de 1980, os vídeos de skate estadunidenses que chegavam ao Brasil. Ele, na época, morava em Matão, uma cidade do interior de São Paulo. Nesta coluna em especial, ele diz que era uma “empolgação só” quando assistiam aos vídeos de skate. Em suas palavras: “A gente assistia ao vídeo e ia para rua, pra cima e pra baixo, por toda a cidade, sempre em busca de um lugar novo e legal para andar de skate. Era uma turma de vinte a trinta skatistas de uma só vez”. Fonte: http://suppaduppa.com/2012/03/01/o-skate-e-o-meio-e-mensagem/, acesso em 04/03/2012. 77 BOLOTA, F. Op. Cit, p. 34. 78 Sobre a transformação dos esportes em imagem televisiva, ver: VIGARELLO, Georges. Estádios: o espetáculo esportivo das arquibancadas às telas. In CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (orgs.). História do corpo: as mutações do olhar: o século XX. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 466.

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OS GRANDES CAMPEONATOS DE SKATE

Ao deslocarmos nosso olhar das mídias de nicho para a grande imprensa, como a

revista Veja, podemos notar o destaque dado ao Sea Club Overall Skate Show também

em suas páginas – uma vez que, neste período, os campeonatos de skate vertical

estavam se consolidando “no circuito do esporte que rende dividendos materiais”79.

No dia 20 de abril de 1988, a revista Veja publicou uma reportagem sobre essa

competição, destacando o fato dos 24 participantes inscritos competirem com

patrocínios; citando, como exemplo, o skatista Reginaldo dos Santos Neto, apelidado de

“Pankeka” e patrocinado pela fábrica de skates H-Prol. Segundo a Veja, “Pankeka”

recebia um salário de 50.000 cruzados por mês, além de equipamentos para os treinos e

apoio também nas demais competições que participava.

Interessante notarmos que, embora a Veja se valesse desse campeonato para

noticiar o skate em sua página dedicada aos “esportes”, a competição em si fora algo

pouco abordado pela mesma. A revista não se preocupou em publicar os resultados (o

ranking) e nem deu destaque aos melhores competidores. O interesse da reportagem era

outro, anunciado claramente na seguinte manchete: “O skate entra na era do

profissionalismo”80.

Ora, profissionalismo significava (e é claro, ainda significa) remuneração

financeira, possibilidade de inscrição pretensamente “duradoura” no mercado de

trabalho e, talvez o mais importante, uma forma de abdicar a vivência de uma

adolescência improdutiva (e por isso constantemente ameaçadora) em favor de uma

juventude adulta, autoinvestível e geradora de lucros e dividendos81. Lembramos,

todavia, que foi o filósofo Michel Foucault um dos primeiros pensadores que, ao

analisar essa concepção – vista como uma concepção empreendedora da vida – apontou

o que vigorava em seu bojo, isto é, a noção do sujeito como o seu próprio empresário,

como seu investidor e, portanto, uma “espécie de empresa para si mesmo”82.

Deste modo, neste caso em questão, os skatistas “adolescentes” de outrora

poderiam, por força de um investimento nas qualidades de si, tornarem-se (sobretudo

em função do desempenho alcançado por seus corpos) uma espécie de empresa móvel,

79 Revista Veja, 20 de abril de 1988, p. 67. 80 Idem, p. 67. 81 ENDO, Paulo Cesar. O adolescente: ilustre figura do contemporâneo. In Estilos da Clínica, vol. 14, n. 27, 2009, p. 90. 82 FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978 – 1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 310.

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valorizada pela revista Veja por constituir-se numa possibilidade de renda e, nesse

sentido, também de satisfação. Articulado a isso, ao analisarmos essa matéria, somos

informados que muitas fábricas de skate estavam investindo nessa atividade para a sua

consolidação no país (a revista falava em “consolidação do esporte”83). Segundo a Veja,

cerca de “90% das peças exigidas num skate de nível profissional” já se encontrava em

produção no mercado brasileiro, fato que ajudava no “crescimento do profissionalismo

no skate e na conseqüente elevação do nível técnico das competições”84.

Mas para o espanto de seus jornalistas, tais firmas tinham “nomes estranhos” 85,

como Mad Rats, Urgh! ou Anarquia – nomes que certamente diferiam daqueles que

batizavam as fábricas tradicionalmente associadas ao mercado esportivo, como Rainha,

Topper ou Pênalti, por exemplo. No entanto, mesmo que os nomes dessas firmas de

skate destoassem das outras marcas ao proporem certa dose irreverência e transgressão,

e assim causando tal sentimento de estranhamento nos articulistas de Veja, a questão é

que o skate já se fazia notar em virtude do dinheiro que estava movimentando e do

profissionalismo que, de algum modo, incentivava. De acordo com essa mesma

reportagem,

O skate, que começou como uma brincadeira no Brasil, assiste ao surgimento de uma nova geração de praticantes, os profissionais [...] Junto com a seriedade e o profissionalismo, entra também o dinheiro no esporte. Para patrocinar a competição, a Alpargatas, comercializadora da marca de roupas Sea Club, desembolsou 4 milhões de cruzados – só a construção da pista, o half-pipe, custou 2,5 milhões86.

A mesma fórmula que tornou viável o sucesso do Sea Club Overall Skate Show

na cidade de São Paulo foi aplicada, nos dias 21 e 22 de janeiro de 1989, na cidade do

Rio de Janeiro, na chamada “Copa Itaú de Skate”. O campeonato – patrocinado pelo

banco Itaú – ocorreu numa grande estrutura montada na praia de Ipanema, a qual

compreendia arquibancadas para 12 mil pessoas e uma pista de skate – half-pipe (“U”) –

de 12 metros de largura. Para acalentar ainda mais o evento, quatro top skatistas norte-

americanos foram convidados a participarem do show, Mark Anthony Gator, Joe

83 Revista Veja, 20 de abril de 1988, p. 67. 84 Idem, p. 67. 85 Grifo nosso, ibidem, p. 67. 86 Ibidem, p. 67.

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Johnson, Ken Park e Micke Alba. A Koch Tavares, uma empresa especializada na

realização de grandes espetáculos, foi contratada para a execução do projeto. O objetivo

era claro, realizar “um campeonato alucinante numa cidade maravilhosa”87.

Interessante observarmos a forma narrativa utilizada na revista Overall para

informar seus leitores do campeonato. Ao longo de oito páginas, palavras como

“atletas”, “titulares e reservas”, “congresso técnico”, “torcedores”, “vitória”, entre

muitas outras comumente empregadas para descrever os esportes tradicionais (como o

vôlei, o futebol e o basquete) foram amplamente utilizadas na reportagem. No sábado,

após ocorrerem “as baterias”, um texto assinado por Petrônio Vilela resumiu o dia,

A melhor performance de sábado foi indiscutível: Mauro Mureta. Incentivado por seu técnico, ele estava com uma segurança invejável, trabalhando o half na extensão e mandando aéreos mais redondos que os seus habituais. Mureta teve todas as notas acima de 82 pontos. Negão é outro que passa os 80 pontos no primeiro dia, na guerra contra Kakinho. As apresentações mais fortes do dia ficaram com Junae contra o carioca Nanas, Dinho contra Daniel de Mauro e Marcelo Campos contra Tio Liba88.

No ano seguinte, em 1990, uma nova edição da Copa Itaú de skate voltou a

acontecer na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. O evento contou com a cobertura da

grande imprensa, que “pela TV levou o skate à todo território nacional”89 através de sua

transmissão pelo Esporte Espetacular da Rede Globo e também do programa

Esportíssimo, que ia ao ar todos os domingos pela Rede Manchete90. Além delas, mais

uma vez as mídias de nicho direcionadas ao skate divulgaram o espetáculo. Junto a

revista Overall, a revista Skatin’, fundada em 1988 pela editora Azul, também realizou a

cobertura do evento, noticiando-o em 10 páginas recheadas com muito texto e

informação.

A fórmula que garantiu o sucesso da Copa Itaú no ano de 1989 foi praticamente

repetida em 1990, com a diferença que, além do banco Itaú, a competição também teve

patrocínio da empresa C&A e incluiu, em paralelo às competições de vertical, exibições

de manobras em obstáculos de streetskate e no solo (freestyle). Além disso, novamente

87 Revista Overall, n. 13, 1989, p. 26. 88 Idem, p. 28. 89 Revista Overall, n. 19, 1990, p. 23. 90 Idem, p. 23.

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mais quatro skatistas estrangeiros – desta vez o canadense Kevin Harris, o dinamarquês

Nicky Guerrero e os norte-americanos John Sonner e Mark Gonzales – foram

convidados para realizarem um show à parte para a platéia, dando maior visibilidade ao

evento e ajudando em sua promoção como espetáculo.

Figura 25: O skatista Dinho comemora seu quarto lugar na Segunda Copa Itaú de Skate. Fonte: Fotografia de Petrônio Vilela (http://petroniovilela.com.br, acesso em 16/01/2012)

O campeonato, mais uma vez, foi um sucesso de público, que lotou as

arquibancadas para prestigiar o show protagonizado pelos skatistas. Em sua descrição,

novamente notamos a presença da linguagem esportiva. Dessa vez, um termo usual do

boxe dava o tom. De acordo com a revista Skatin’, os skatistas se enfrentariam como se

estivessem num “round”,

Cerca de cinco mil pessoas em média se aglomeraram para presenciar a grande disputa do dia. Os oito finalistas se enfrentaram em três fases sob o sistema homem-a-homem: a primeira fase (round 1) definiria os vencedores e perdedores, a segunda (round 2) colocaria vencedores enfrentando-se entre si, com o mesmo sistema entre os perdedores

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apenas para definir posições, e a terceira com a grande e gloriosa final entre os dois melhores91.

O que notamos ao analisar os grandes eventos de skate que passaram a ocorrer

ao longo da segunda metade da década de 1980 em diante92, portanto, é a presença tanto

do vocabulário esportivo quanto de sua lógica na organização dessa atividade no país.

Com a presença desses campeonatos direcionados para o grande público espectador, o

skate parecia abandonar cada vez mais a gratuidade das manobras em ruas e ladeiras. Os

truques dos skatistas agora valiam dinheiro (vide o cheque na mão do skatista Dinho –

figura 25), e para não errá-las nas exibições públicas e campeonatos, faziam-se

necessários treinos, equipes e muito preparo físico93.

Assim, o que chamamos de “poder esportivo” cumpria bem seu papel de

conduzir os vôos e saltos dos skatistas para o mundo regrado, organizado e, sobretudo,

mercadológico, o qual é denominado, há mais de um século, como esporte. Certamente,

por mais diferente que o skate pudesse ser das demais práticas corporais já

tradicionalmente esportivizadas, a presença dessas competições, dos juízes, do sistema

de ranking e premiações o conduzia para a mesma engrenagem das demais atividades

esportivas. Ser um skatista profissional, ter um bom patrocínio, fazer carreira com

medalhas, troféus e prêmios tornavam-se elementos importantes para a configuração de

um novo imaginário sobre essa atividade. Além da diversão, o skate constituía-se

também como um negócio. E se o deslumbre proporcionado pelos vôos nas rampas

passava a ser acompanhado pelo vislumbre de uma carreira profissional, ser um atleta, e

não “somente” um skatista, entrava em pauta quando o que estava em jogo era, como

nos diz Foucault, ser uma “espécie de empresa para si mesmo”94.

*

91 Revista Skatin’, n. 12, 1990, p. 33. 92 Atualmente, com a existência de competições internacionais como os X-Games, esse quadro descrito e analisado neste capítulo tomou uma dimensão muito maior. BRANDÃO, Leonardo; SÁ JÚNIOR, Mario Texeira de. Globalização, Relações Internacionais e Esportes: um debate contemporâneo. In SÁ JÚNIOR, Mario Texeira de (org.). O Brasil na dinâmica das relações internacionais. Campo Grande: Ed. Oeste, 2009, p. 261 - 278. 93 Numa entrevista publicada na revista Skatin’ com o skatista Sérgio Fortunato de Paula, por exemplo, ele confirmava que, para conseguir boas colocações nos campeonatos, chegava a treinar “seis horas por dia” e, com os patrocínios que recebia, podia dedicar-se exclusivamente à prática do skate vertical. Revista Skatin’, n. 1, 1988, p. 14. 94 FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978 – 1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 310.

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Se nossa tese terminasse aqui, talvez concluíssemos sem grandes hesitações que

o skate foi uma prática cooptada pelo poder esportivo, e que tanto a revista Yeah!

quanto as revistas Overall e Skatin’, ao descreverem os grandes eventos de skate,

recorriam aos termos já canonizados pela grande mídia esportiva: “performance”,

“notas”, “atletas”, “técnicos”, “guerra”, “ranking”, “round” etc. Sem dúvida, como este

capítulo buscou demonstrar, essa tendência foi uma faceta importante na história do

skate; mas, como veremos a seguir, ela não chegou a unificá-lo em torno de uma

identidade sólida e à qual poderíamos chamar de “esportiva”.

Antes de avançarmos para essa questão, cabe enfatizarmos mais uma vez que as

representações do skate como um esporte não poderiam ter sido criado sem essas

mídias. Pois a partir da segunda metade da década de 1980, elas não só o documentaram

como também se emprenharam num movimento pela institucionalização do skate no

país; ao mesmo tempo, colaboraram para o avanço na tendência – existente desde o

final da década anterior – de torná-lo uma prática comum a muitos e ainda um estilo de

vida.

Não temos como negar a existência de um forte movimento – levado a cabo por

diversos sujeitos implicados nesta atividade, seja como praticante, seja como

empresário ou jornalista – de transformação dessa prática em espetáculo midiático,

show, lazer de massa, publicidade. Tais aspectos expressavam o poder esportivo, pois

sem dúvida a espessura do skate enquanto experiência juvenil, arriscada, vertiginosa e

performática passou a ser majorada quando ele se tornou uma vedete midiática, um

cativante objeto ao olhar esportivizado, uma moda e um estilo.

Concomitantemente a essa esportivização, entretanto, o skate também tomou

outros rumos, constituiu-se junto a outros discursos, práticas e representações. E essas

mesmas mídias que o anunciavam como um “esporte” também o retrataram,

paradoxalmente, como algo diverso de uma prática esportiva. E embora a busca por sua

esportivização – como demonstramos neste capítulo – tenha sido algo evidente, o fato é

que uma dança de identidades possíveis conviveu, por vezes, de modo caótico nas

páginas dessas mídias. Assim, ao mesmo tempo que essas três revistas escreviam

editoriais e demais matérias nas quais se posicionavam claramente em prol do

desenvolvimento esportivo do skate, elas próprias, em determinado momentos,

colocavam sob suspeita tal associação. Como um exemplo nesse sentido, podemos

observar que a revista Skatin’, também produzida por “skatistas fissurados neste

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esporte”95, ora mostrava-se enfática em sua missão de desenvolver o skate como esporte

e ora, titubeante, questionava se o skate era realmente um esporte. Pois, ao passo que

lemos,

“[...] A Skatin’ se posiciona como um intermediário: Estimulamos o esporte a crescer, incentivando novos adeptos que, por sua vez, movimentam o mercado. Assim, o esporte cresce e a seqüência continua”96.

Também somos informados que,

“[...] Moda, estilo de vida, esporte ou o quê? Não interessa a definição. Talvez um pouco de tudo isso, mas o mais importante é a conclusão a que podemos chegar de que o skate veio para ficar”97.

No próximo capítulo, iremos demonstrar que se o caminho da esportivização do

skate estava sendo pavimentado, certamente tal estrada não era da “mão única”. Pois

embora o poder esportivo tenha exercido uma influência muito grande sobre os mais

diversos elementos da cultura corporal ligados ao skate, funcionando como uma espécie

de facho luminoso que ofuscava a existência de outras formas e experiências, seu poder

não chegou a ser totalizante ou, em outras palavras, “sem furos”. De fato, como

veremos, o skate era uma prática que apresentava plasticidades que ofereciam uma

grande disponibilidade para àqueles que dele fizessem uso. Retirá-lo da rua, domesticá-

lo e transformá-lo num esporte era a via mais rentável, mas isso não implica dizer,

entretanto, que era a única.

A história do skate durante o período analisado não representou somente o

“amadurecimento esportivo” desta atividade, pois, junto a esse fator, desenvolveram-se

outros modos de praticá-lo. Um deles, surgido em meados da década de 1980, foi o

street skate – modalidade na qual os skatistas passaram a interagir com escadas, bancos,

corrimãos e demais aparelhos urbanos. Sem dúvida, foi a assunção do street skate o

95 Revista Skatin’, n. 11, 1990, p. 8. 96 Idem, p. 8. 97 Revista Skatin’, n. 1, 1988, p. 7.

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principal fato que desencadeou o afastamento das regras e normas que, até então,

estavam buscando guiar o skate nos rumos de uma esportivização controlada.

Ao promoverem uma disfunção no quadro dos divertimentos esportivos, os

praticantes de street realizaram uma desordem com as experiências que estavam sendo

construídas por intermédio das competições em pistas e demais espaços destinados a

essa atividade. Mas, por outro lado, como tão bem escreveu Norbert Elias, se os adeptos

somente “seguirem as regras como escravos, eles arriscam-se a perder por falta de

imaginação”98. E imaginação foi certamente o principal ingrediente de uma parcela

importante dessa juventude adepta do street skate, a qual passou a ler a cidade (seus

bancos, buracos, paredes etc) como um grande espaço aberto à criatividade99. Era o

início, portanto, da construção do skate não mais somente como um “esporte radical”,

mas talvez uma espécie de “retorno” a sua condição de prática urbana, corporal,

desviante e outsider (tal como havíamos demonstrado no primeiro capítulo, antes de

surgirem as pistas específicas para o skate, quando esse era tão somente um “surfinho”

perseguido por policiais, praticado nas ladeiras e nas ruas das grandes e médias cidades

brasileiras).

Para finalizarmos este capítulo e anunciarmos o próximo, iremos recorrer a um

depoimento do skatista Antônio dos Passos Júnior, ou somente Thronn, como ficou

mais conhecido entre os skatistas. Thronn é apontado por diversas mídias como um dos

principais skatistas de rua que movimentou a cena paulistana durante a segunda metade

da década de 1980, destacando-se por executar manobras de skate que muitos, na época,

nem cogitavam tentar. Segundo ele, o skate podia ser na época dividido em dois

segmentos: a) aqueles que praticavam em pistas verticais (as rampas em formato de “U”

ou bacia “banks ou bowl”, tal como demonstramos neste capítulo; b) os skatistas de

rua, o street skate, que iremos abordar no próximo capítulo. E foi este último, em sua

opinião, que por ter se mesclado com o movimento punk e ser praticado nas ruas, o

principal elemento que contribuiu para desorganizar essa pretensa identidade esportiva

do skate. Segundo suas palavras,

98 ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992, p. 234. 99 A cidade pode ser lida como um texto porque ela é o “resultado de composição e o ato de compor seleciona, distingue, dá forma, em detrimento de outras possibilidades” (p. 147). Para uma leitura da cidade metaforizada como um texto, ver: JUNIOR, Deusdedith. A cidade é um texto: apontamentos para ler a cidade. In Revista Universitas, n. 1, vol. 1, 2001, p. 135 – 154.

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O street skate trouxe a marginalização que foi pintada sobre a gente, fomos taxados de vândalos no mundo inteiro. A modalidade surgiu dentro do movimento punk, que foi a explosão da revolta musical cuspindo na cara de toda sociedade hipócrita, estúpida, conservadora e racista. [...] Não acredito que éramos marginais, mas vistos de forma diferente, da mesma forma que os punks. Mas eu percebo que o skate [atualmente] está sendo desmarginalizado, principalmente o street, pois o vertical nunca sofreu com isso100.

Deste modo, se o “vertical nunca sofreu com isso” e se o street e o punk foram

os principais elementos que complexificaram a condução do skate pelo pelas vias

politicamente corretas do esporte, resta agora estudarmos como ocorreu essa fusão e

como, basicamente, as mídias de nicho a retrataram em suas páginas. O próximo

capítulo, portanto, será um ponto de inflexão, uma ruptura nessa história até agora

narrada, como quer a noção de esportivização, de modo quase linear.

100 Revista CemporcentoSKATE, n. 150, 2010, p. 71.

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CAPÍTULO IV

DO IMPERATIVO ESPORTIVO ÀS HETEROTOPIAS

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NO RITMO DO PUNK

A época atual seria talvez de preferência a época do espaço. Estamos na época do simultâneo, estamos na época da justaposição, do próximo e do longínquo, do lado a lado, do disperso. Estamos em um momento em que o mundo se experimenta, acredito, menos como uma grande via que se desenvolveria através dos tempos do que como uma rede que religa pontos e que entrecruza sua trama.

Michel Foucault (FOUCAULT, 2009, p. 411)

Se o surgimento das organizações, a promoção dos campeonatos e o

fortalecimento do skate em pistas verticais (“U”) trilhavam o caminho do esporte, o

mesmo não podemos afirmar sobre o desenvolvimento do skate praticado nas ruas, o

street skate. Com sua ascensão por volta da metade da década de 1980, as mesmas

revistas que defendiam a associação do skate com o esporte também começaram, numa

iniciativa até certo ponto contraditória, incentivar o fortalecimento do skate praticado

num contexto não esportivo, isto é, não regulado por competições, técnicos, juízes ou

ranking.

Além disso, esse “tipo” de skate praticado nas ruas (street skate) passou a ser

retratado por essas mídias também num discurso diferenciado, como uma espécie de

“cultura corporal anárquica”, para utilizarmos essa boa expressão do historiador Roy

Porter1. Como iremos inicialmente demonstrar neste capítulo, tal formação discursiva

vinha com influências do punk, um movimento juvenil surgido no país ao final da

ditadura militar, mas potencializado no período da redemocratização e que muito

marcou o imaginário e o comportamento de diversos outros grupos juvenis, abrindo “o

caminho para a manifestação, atuação e a construção de novas identidades”2.

A bibliografia existente sobre o movimento punk no Brasil ainda é bastante

restrita3. De um modo geral, podemos dividir os estudos já realizados no país em dois

grupos. No primeiro deles, é possível incluirmos aqueles que, realizados entre as

décadas de 1980 e 1990, apresentaram um viés mais jornalístico e buscaram descrever o

movimento a partir dos grupos de punk rock. Neste primeiro caso encontramos os 1 PORTER, Roy. História do corpo. In BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p. 312. 2 BENEVIDES, Rubens de Freitas. Cenários modernos e pós-modernos no Brasil: juventude, política e rock and roll. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade de Brasília, UnB, 2008, p. 235. 3 Para uma revisão bibliográfica sobre o assunto, ver: GALLO, Ivone. Por uma historiografia do punk. In Projeto História, n. 41, dezembro de 2010, p. 283 – 314; e também: VIEIRA, Tiago de Jesus. Uma outra historiografia do punk. In Revista História em Reflexão, v. 5, n. 10, 2011, p. 1 – 19.

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brasileiros Antonio Bivar4, Sivio Essinger5 e Helena Salem6. Já num segundo grupo,

podemos incluir os trabalhos de caráter acadêmico, fruto de dissertações de Mestrado e

teses de Doutorado que analisaram o movimento punk em espaços e tempos mais

restritos, indo além da cena musical. Nesse sentido, destacamos os autores Francisco

José Gomes Damasceno7, Rafael Lopes de Souza8, Janice Caiafa9, Nécio Turra Neto10,

Jefferson Alves de Barcellos11, Everton Moraes12, Paula Vanessa Pires de Azevedo

Gonçalves13 e Helena Wendel Abramo14 – autora da premiada dissertação “Cenas

Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano”15, como as contribuições mais relevantes

nessa área.

Para esta tese, embora seja importante o conhecimento dessa bibliografia

existente, é necessário lembrar que nossa intenção não é a de abordarmos o fenômeno

do punk de forma exaustiva, mas sim analisá-lo através das revistas de skate existentes

durante a segunda metade da década de 1980 no Brasil. Isto é, queremos saber como

elas associaram o punk ao skate e quais foram as conseqüências dessa associação no que

diz respeito as representações do skate como um esporte. De todo modo, para

chegarmos a esses objetivos, antes é preciso uma breve contextualização sobre o

surgimento do punk e também das expectativas que rondaram sua introdução no país.

*

4 BIVAR, Antonio. O que é punk. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. 5 ESSINGER, Silvio. Punk: anarquia planetária e a cena brasileira. São Paulo: Editora 34, 1999. 6 SALEM, Helena. As tribos do mal: o neonazismo no Brasil e no mundo. São Paulo: Atual, 1995. 7 DAMASCENO, Francisco José Gomes. Sutil diferença: o movimento punk e o movimento hip-hop em Fortaleza: grupos mistos no universo citadino contemporâneo. Tese (Doutorado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2004. 8 SOUSA, Rafael Lopes de. Punk: cultura e protesto. São Paulo: Edições Pulsar, 2002. 9 CAIAFA, Janice. Movimento punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985. 10 NETO, Nécio Turra. Enterrado mas ainda vivo!: Identidade punk e território em Londrina. Dissertação (Mestrado em Geografia). UNESP, 2001. 11 BARCELOS, Jefferson Alves de. Música e imagem: o movimento punk e seus desdobramentos na década de 1990. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2008. 12 MORAES, Everton. Deslocados, desnecessários: o ódio e a ética nos fanzines punks (Curitiba 1990 – 2000). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 2010. 13 GONÇALVES, Paula Vanessa Pires de Azevedo. Ser punk: a narrativa de uma identidade jovem centrada o estilo e sua trajetória. Dissertação (Mestrado em Educação), USP, 2005. 14 ABRAMO, Helena Wendel. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994. 15 Vencedora da melhor dissertação de mestrado no IX Concurso de Obras Científicas e Teses Universitárias em Ciências Sociais da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) no ano de 1993.

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Embora a data e o local de nascimento do movimento punk sejam discutíveis,

não há dúvidas de que ele se apresentou ao mundo – “no final dos anos 70”16 – como

um movimento de protesto musical, social e estético oriundo do circuito anglo-

americano. Nos termos do historiador Rafael Lopes de Sousa – autor de uma dissertação

de Mestrado sobre o assunto – os punks seriam coletividades juvenis que, como uma

espécie de desdobramento da contracultura das décadas de 1960 e 1970, podem ser

inseridos numa “tradição de resistência e insubordinação contra a ordem estabelecida ao

longo do século XX”17. Mas se há continuidades, há também rupturas. Segundo o

sociólogo Michel Maffesoli, por exemplo, não podemos perder de vista que, nas

décadas citadas, os jovens agregavam-se à contracultura como “bandos”, mas que com o

surgimento do punk, por exemplo, tal agregação passou a se diluir em “tribos”18. Além

disso, como apontou a historiadora Ivone D’Avila Gallo, embora haja pontos de contato

entre o punk e outras formas de expressão juvenil – como a dos beatniks, por exemplo –

é preciso lembrar que os punks se expressaram contra a maioria dos movimentos juvenis

até então existentes, sobretudo contra o movimento hippie. De acordo com a autora,

O punk, ao invés de apresentar-se como continuidade com um suposto movimento de jovens anterior, se reporta a ele essencialmente como ruptura, mesmo reconhecendo tributo a certas matrizes consolidadas na geração anterior, em música, em literatura e comportamento. Descrente dos valores do amor, da amizade e da esperança, dos quais se tornaram incrédulos pela própria força avassaladora do capitalismo na sua versão neoconservadora, assumiam em revanche, uma atitude violenta e irreverente19.

Na Inglaterra, o movimento surgiu numa época em que o país atravessava um

período de estagnação econômica e desemprego, o que resultava em míseras

expectativas de vida para a classe trabalhadora e, em conseqüência, para seus filhos. De

acordo com Craig O’hara, o punk inglês foi – em grande parte – um movimento

composto por jovens brancos da classe operária desprivilegiada e sem grandes

16 O’HARA, Craig. A filosofia do punk: mais do que barulho. São Paulo: Radical Livros, 2005, p. 30. 17 SOUSA, Rafael Lopes de. Punk: cultura e protesto. São Paulo: Edições Pulsar, 2002, p. 77. 18 MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades pós-modernas. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2006, p. 132. 19 GALLO, Ivone. Por uma historiografia do punk. In Projeto História, n. 41, dezembro de 2010, p. 287.

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perspectivas de vida20. O pesquisador Paulo Sérgio do Carmo, também nesta linha,

afirma que neste país o movimento punk ganhou força durante o processo de desmonte

do Estado Assistencialista levado a cabo pela política econômica neoliberal de Margaret

Thatcher. Sobre esse fato, o autor lembra que isso fora ironizado de forma icônica pela

banda Sex Pistols, que em uma de suas músicas mais conhecidas, chamada “God Save

the Queen”, clamava para que Deus salvasse a rainha e seu regime, pois com ela não

haveria “futuro nos sonhos da Inglaterra”21.

No Brasil, a revista Veja, que percebeu a explosão do movimento punk na

Europa e nos Estados Unidos, resolveu apresentá-la a seus leitores – por intermédio de

Tárik de Souza, seu redator musical – em uma de suas edições no ano de 1977. O

objetivo era que esses pudessem antever a chegada daquilo que, de acordo com essa

publicação, seria de “certa aterragem”22 no país. O título da matéria não deixava

dúvidas sobre a natureza do que estava prestes a chegar. Sem titubear, Veja intitulou o

punk como “a moda podre”, enfatizando um uso semântico do termo presente na língua

inglesa desde, pelos menos, William Shakespeare23. Assim, através da manchete

“Inglaterra e EUA exportam o sórdido punk”, a reportagem, logo de início, previa as

principais mudanças que essa cultura musical, estética e comportamental, ao ser aqui

disseminada, acarretaria junto aos jovens brasileiros,

De início, provavelmente, os moradores dos bairros mais abastados das grandes cidades brasileiras não perceberão a mudança de comportamento de seus adolescentes. A camiseta Hang-ten de um ou outro surfista terá rombos mais acentuados que o habitual. Os cabelos alourados de parafina podem receber outras mechas: roxo e verde-musgo, por exemplo. Por sua vez, as outrora apelidadas cocotas devem trocar seus jeans justos de três botões e cintura abaixo do quadril por outros mais folgados e surrados, repletos de furos e remendos. Se não desaparecerem – substituídos por sapatos de

20 O’HARA, Craig. Op. Cit, p. 32. 21 CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Editora SENAC, 2003, p. 127. 22 Revista Veja, 28 de setembro de 1977, p. 69. 23 Segundo Antonio Bivar, no final da década de 1970, “na cidadezinha de Stratford-upon-Avon, acontecia o festival anual de peças de Shakespeare, atraindo turistas e amantes do teatro do mundo inteiro. Shakespeare nascera nesta mesma cidadezinha, no século 17. A Royal Shakespeare Company estava dando a peça Medida por Medida, uma das comédias menos vistas do poeta. Uma das falas da peça é: “Casar com um punk, meu senhor, é apressar a morte”. Na Inglaterra é proibido mexer numa vírgula do que Shakespeare escreveu. E o público, altamente seleto como é o público de Shakespeare, caiu na mais espontânea das gargalhadas jamais provocadas por uma frase do genial dramaturgo em todos os seus quatro séculos de sucesso. E ele mais uma vez foi considerado atualíssimo”. BIVAR, Antonio. O que é punk. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 38.

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plástico multicor –, os veteranos tênis serão tingidos de cores insuportavelmente berrantes e descombinadas. Breve, de tão evidente, a nova epidemia não deixará dúvidas de que o estilo punk terá chegado ao Brasil24.

Mas não era somente com a moda das roupas que Veja antevia as mudanças. Na

verdade, a preocupação maior era com as práticas mais incisivas no corpo25 e com a

violência, vista por ela como características inerentes ao punk. Deste modo, no decorrer

de quatro tópicos enumerados pela própria revista – transcritos a seguir – com a

“chegada” do movimento punk teríamos a existência de um cenário de brigas, sangue e

mutilação corporal. Pois com o punk,

1) Amplia-se vertiginosamente a procura de clipes, grampos e principalmente alfinetes de pressão a serem incrustados na pele (orelhas, nariz e boca) de seus consumidores.

2) Hoje relegados a clientes de beira de cais, os tatuadores profissionais começam a atender uma insuspeita romaria jovem de Ipanema e rua Augusta. Forçados, abandonam seu centenário elenco de sereias e corações flechados por símbolos menos “inofensivos”, como dragões e suásticas.

3) Irrompem nos principais quarteirões de cada bairro gangs rivais de adolescentes, prontas a se engalfinhar pelas calçadas e acrescentar orgulhosamente às roupas esfarrapadas o vermelho-sangue do punk, de resto espirrado do palco nos shows de seus novos ídolos.

4) Como na Inglaterra defrontam-se punks e teddy boys (conservadores, de topetões e nostálgicos do rock’n roll), aqui poderão ocorrer conflitos entre nossos punkeiros e os disco-boys, a juventude dourada que hoje abarrota as sadias e dispendiosas discothèques26.

24 Revista Veja, 28 de setembro de 1977, p. 69. 25 Além desses exemplos citados, é interessante notarmos como alguns articulistas da revista Veja buscavam (mesmo através do humor), desqualificar os punks. Numa coluna escrita por Millôr Fernandes no ano de 1978, por exemplo, o mesmo dizia que: “A nova moda entre as jovens inglesas adeptas do PUNK é pintar nas unhas dos dedos os retratos (miniaturas, naturalmente) dos rapazes que elas já abateram. Isso, pelos menos, tira das moças o risco da promiscuidade: poderão ter, no máximo, dez homens de cada vez. Ah, esquecia: algumas andam também com as unhas dos pés à mostra”. Fonte: Revista Veja, 26 de abril de 1978, p. 16. 26 Revista Veja, 28 de setembro de 1977, p. 69.

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No Brasil, o movimento punk teve seus primeiros sinais de vida no final da

década de 1970, no contexto da ditadura militar27. No entanto, foi somente a partir do

ano de 1982, quando um projeto de abertura política no país já estava em andamento,

que esse movimento começou a ter uma maior expressão, sobretudo na cidade de São

Paulo. Segundo o historiador Antonio Carlos Brandão,

em 1977 o país recebia apenas algumas informações sobre esse movimento, em sua maioria pela grande imprensa e por discos importados. Eram informações que, geralmente, deixavam a impressão de mais um modismo. O número de punks era pouco representativo. No país, o movimento apenas tomou corpo em 1982, principalmente nas periferias das grandes cidades, apresentando grupos como Lixomania, Inocentes, Olho Seco, Ratos de Porão, entre outros, alheios aos grandes meios de comunicação28.

Importante lembrarmos que, nesta época, o modelo de desenvolvimento

capitalista adotado pela Ditadura Militar, após os breves anos da euforia do “milagre

econômico”, começava a resultar numa grave crise financeira. Crise esta que levou o

país, ao longo desses anos de transição para a democracia, a conviver com altas taxas de

inflação, um enorme endividamento (tanto externo quanto interno) e com uma grande

concentração de renda. E embora não haja estudos comparativos sobre a emergência do

movimento punk na Inglaterra e no Brasil, existem alguns indícios para pensarmos,

como afirmou Rafael Lopes de Souza, que tanto o punk inglês quanto o brasileiro

desenvolveram-se a partir de um quadro de desorganização econômica que “estimulou a

união de jovens excluídos dos benefícios sociais em torno de um mesmo movimento”29.

Foi neste contexto, marcado por um lado pelo início da abertura política, e por

outro pelo agravamento da crise social, que os punks começaram a estruturar mais

claramente uma cena musical no país, elaborando festivais e gravações em áudio. De

acordo com o pesquisador Antonio Carlos Brandão,

27 Segundo o historiador Roberto Camargo de Oliveira, foi “em meio à ditadura militar (1964/1985), época de intensa repressão a manifestações culturais, sociais e políticas com teor rebelde/contestador, que surgiram as primeiras bandas nacionais entre 1977 e 1978: Condutores de Cadáver, AI-5 e Restos de Nada”. OLIVEIRA, Roberto Camargo. Do punk ao hardcore: elementos para uma história da música popular no Brasil. In Temporalidades (UFMG), vol. 3, n. 1, janeiro/julho de 2011, p. 133. 28 BRANDÃO, Antonio Carlos. Movimentos culturais de juventude. São Paulo: Moderna, 2004, p. 110. 29 SOUSA, Rafael Lopes de. Punk: cultura e protesto. São Paulo: Edições Pulsar, 2002, p. 61.

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Os punks brasileiros [...] gravaram seu primeiro disco, uma coletânea chamada Grito Suburbano, em 1982, reunindo grupos como Inocentes, Olho Seco e Cólera, pelo selo independente Punk Rock. No mesmo ano, os punks conseguiram realizar o controvertido festival “O Começo do Fim do Mundo” (no Sesc Pompéia, em São Paulo), chamando a atenção da polícia e dos meios de comunicação para esse movimento de jovens, em sua maioria, suburbanos30

Embora tenhamos notícias de muitas brigas no interior do movimento punk no

início da década de 1980, sobretudo entre os punks de São Paulo e os do ABC paulista,

é fato que elas foram gradualmente sendo diluídas31. Assim, seria um equívoco

interpretarmos tal fenômeno somente pelo viés da violência juvenil, pois para além dele,

o movimento é algo intrinsecamente ligado à música, sendo possível afirmar que ele foi

uma forma de resistência às expressões musicais em voga no período e, em particular,

uma resistência ao rock progressivo – visto como um “desvirtuamento” do rock

tradicional. Sobre esse ponto em particular, a antropóloga Janice Caiafa escreveu que no

punk rock,

O som é muito simples, e muito rápido. Basicamente percussivo, com vocal violento. Contra a complicação do “rock progressivo” que se fazia na época, o punk rock é o uso imediato do instrumento. Produzir intensidade e lançar um desafio – essa a contundência do punk – e fazer isso com o mínimo. O punk surgiu então num momento em que a extrema complexidade de elaboração e execução fazia do rock uma obra de muitos anos de trabalho (as etapas de progresso e maturação) e muito dinheiro para comprar os mais sofisticados equipamentos32.

O que chamamos de punk, portanto, não existe como um movimento social

independente da cena musical. Além disso, segundo O’hara, a maioria das letras de

punk rock aproximava-se do anarquismo ou eram escritas sob sua influência, e isso

significava questionar o conformismo social, a submissão à autoridade e ao governo.

(Sobre essa relação entre o punk e o anarquismo, tema ainda pouco estudado no Brasil,

30BRANDÃO, A. C. Op. Cit., 2004, p. 130. 31 Acerca disso, ver o vídeo-documentário “Botinada: a origem do punk no Brasil”, dirigido por Gastão Moreira e lançado pela ST2 vídeo em 2006. 32 CAIAFA, Janice. Movimento punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989, p. 9.

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é importante citarmos que no recente artigo da historiadora Ivone Gallo – publicado na

revista Projeto História –, ela afirma que já existem pesquisadores sugerindo a hipótese

do anarco-punk ser uma matriz do pensamento social e, por isso, algo que poderia ser

incluído como um capítulo recente na historiografia sobre o anarquismo no país).33

De fato, no Brasil, muitas bandas surgidas na década de 1980 diziam-se

anarquistas. Evidentemente, nem todos os punks brasileiros tinham tal discernimento,

muitos entravam para o movimento ou curtiam as bandas somente pela energia das

músicas ou pelo fato de poderem pertencer a um grupo34. No entanto, como afirmou

O’hara, mesmo que muitos punks não fossem versados em história e teoria do

anarquismo, havia entre a maioria a “crença formada em torno dos princípios

anarquistas de não ter um governo oficial ou governantes”35. Assim, em uma entrevista

publicada em janeiro de 1988 pela revista Yeah! com Clemente, vocalista de uma banda

punk chamada “Inocentes”, por exemplo, o mesmo afirmava que os membros de sua

banda eram “absolutamente contra o Fascismo” e que a Anarquia era um ideal com a

qual simpatizavam 36. Além disso, Clemente também dizia ter acompanhado o PT

(Partido dos Trabalhadores) desde sua criação por acreditar nele como o partido “menos

corrupto de todos”37. Ao final da entrevista, Clemente ainda recomendava aos seus

leitores que lessem “1984, de George Orwell”38.

33 GALLO, Ivone. Por uma historiografia do punk. In Projeto História, n. 41, dezembro de 2010, p. 290. 34 Lembramos que, de acordo com Maffesoli, “as matizes da vestimenta, os cabelos multicoloridos e outras manifestações punk servem de cimento. A teatralidade instaura e reafirma a comunidade”. MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades pós-modernas. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2006, p. 134. 35 O’HARA, Craig. Op. Cit, p. 74. 36 Revista Yeah!, nº 7, janeiro de 1988, p. 52. 37 Idem, p. 52. 38 Ibidem, p. 52.

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Figura 27: Imagem de um Festival Punk realizado no ano de 1983, no Circo Voador, Rio de Janeiro. A fotografia, de autoria de Marcio Roberto Vicente, pertence ao arquivo pessoal de Guto Jimenez, o qual foi retratado entre os jovens (localizado no canto inferior à direita, olhando para a câmera e de camiseta branca) na platéia. Segundo Jimenez39, “nessa foto estão alguns skatistas lendários do Rio de Janeiro, como Ayrton “Cavalo”, Marcelo “Bruxa”, Alexandre Calmon e Cesinha Chaves, além do skatista e atual jornalista Tom Leão”. Além dessa presença dos skatistas na platéia, é interessante notarmos a faixa localizada ao fundo da imagem, onde é possível deduzirmos a leitura do bordão anarquista: “foda-se o sistema”.

Com relação ao skate, numa entrevista com a mesma banda Inocentes, publicada

na primeira edição da revista Skatin’, de 1988, um outro integrante da banda, chamado

Tonhão40, dizia que “o skate saiu da rua, como a gente”, e afirmava que o paralelo

existia porque ambos tinham que “fugir da polícia”41. De fato, como apontou o skatista

Guto Jimenez, um dos articulistas da revista Yeah!, havia sim uma relação entre o skate

e o punk – relação essa que começou nos Estados Unidos e depois também ocorreu no

Brasil. Além disso, ele atesta que essa identificação também ajudou na diferenciação

entre o skate e o surfe, tal como havíamos demonstrado no início desta tese. Segundo

seu depoimento,

39 Em depoimento fornecido no dia 27/02/2012 (Arquivo do autor). 40 Tonhão era o baterista da banda. 41 Revista Skatin’, n. 1, 1988, p. 65.

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Nos EUA surgiu o movimento musical do punk hardcore, de música rápida e ignorante, que caiu imediatamente no gosto dos skatistas. Somente uns 5 anos depois é que a surfistada começou a curtir um som mais punk, por assim dizer; antes os surfistas ouviam bandas de hard rock, reggae e os primeiros sons identificados como "surf music”. O skate punk surgiu pra marcar a diferença entre as tribos42.

Outros depoimentos que serão demonstrados ao longo deste capítulo também

insistem nessa relação de proximidade entre a prática do skate (sobretudo do street

skate) com o punk rock. Assim, para avançarmos no universo do skate praticado durante

a segunda metade da década de 1980, iremos no próximo tópico analisar as mesmas

mídias de nicho (Yeah!, Overall e Skatin’) menos da perspectiva esportiva e mais da

ligação entre o skate, os espaços urbanos percorridos e o punk. Nosso interesse está em

verificar como elas associaram o skate a esse movimento e de que modo, ao divulgarem

essa manifestação “contracultural” em suas páginas, colaboraram para que se

formassem interpretações sobre o skate (e os skatistas) estranhas ao domínio puramente

esportivo.

Ao focalizarmos essas mídias, portanto, poderemos nos indagar não exatamente

sobre o que foi o punk no país, mas sim sobre o modo como elas, durante a década de

1980, traduziram esse movimento para seus jovens leitores.

UM OLHAR PELAS REVISTAS DE SKATE

Embora a revista Pop tenha feito uma matéria sobre o movimento punk em

junho de 1977, ela não o associou ao skate43. Também não houve referências ao punk

nas revistas de skate lançadas no Brasil durante a segunda metade da década de 1970,

como a Esqueite e a Brasil Skate. No entanto, com as publicações especializadas nesta

atividade que surgiram durante a década de 1980, como as revistas Yeah!, Overall e

Skatin’, tal associação tornou-se recorrente, pois a referência a diversas bandas punks,

tanto nacionais quanto estrangeiras, passou a ser algo constante nessas mídias. A

transcrição na íntegra – ou de trechos – de letras de músicas punks, resenhas de discos,

42 Em entrevista realizada no dia 03/12/2011 (Arquivo do autor). 43 Revista Pop, junho de 1977, p. 12 – 13.

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fotografias de shows e comentários a respeito da interação entre a prática do skate com

a contracultura punk tornaram-se uma parte importante dessas publicações.

O cotidiano da prática do skate passou a ser embalado por músicas de punk rock,

as revistas existentes no mercado traziam entrevistas, letras de música e comentários

sobre discos desse gênero musical. Além disso, tanto as estampas das roupas

(principalmente das camisetas) quanto dos grafismos44 existentes na parte inferior das

pranchas de skate (shapes), passaram a ostentar uma simbologia punk, nas quais

desenhos de caveiras, demônios ou animais ferozes buscavam traduzir a radicalidade e a

agressividade deste novo modo de praticar o skate nas ruas.

Desta forma, skatistas que gostavam de ouvir bandas desse gênero musical

podiam encontrar um elo entre ela e as novas manobras de skate que passaram a se

desenvolver e, com elas, “invadir” cada vez mais o espaço urbano. De fato, o tom

frenético e a atmosfera de caos que muitas das bandas de rock e punk rock assumiam

nos riffs de guitarra, nos ritmos da bateria ou na velocidade do contrabaixo provocavam

uma sensação de agito e movimento corporal que incitavam à prática do skate.

Ao pensar sobre este tipo de música, por exemplo, o filósofo Michel Foucault

afirmou que através dele o ouvinte pode se afirmar, pois “o rock oferece a possibilidade

de uma relação intensa, forte, viva e ‘dramática’, no sentido de que ele próprio se

oferece em espetáculo, de que sua audição constitui um acontecimento e é encenada”45.

Assim, como escreveu João Gordo, vocalista da banda Ratos de Porão, para uma coluna

da revista Yeah!, intitulada “Street Noise”, “só quem ama esse barulho entende a energia

transmitida, uma total violência sonora, um jeito maluco da juventude dos anos 80 se

exprimir, um vício que arrebanhou milhões de jovens do mundo todo”46.

Janice Caiafa, antropóloga que no início da década de 1980 realizou uma série

de etnografias com punks e skatistas, relata o que presenciou: “é muito som, sem parar,

as pessoas em volta ouvindo e vendo as manobras [...] e já nem é mais rock, é punk-

rock [...], cada vez mais veloz no som e na intensidade”47. De forma similar a Caiafa, o

skatista Fábio “Bolota” escreveu que,

44 Para uma análise pormenorizada da estética punk nas pranchas de skate, ver: AGUIAR, Tiago Cambará. O bom, o mau e o feio: o design gráfico da indústria do skate. Dissertação (Mestrado em Design), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2008. 45 FOUCAULT, Michel. A música contemporânea e o público. In FOUCAULT, Michel. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 393. 46 Revista Yeah!, n. 9, 1988. p. 65 47 CAIAFA, Janice. Movimento punk na cidade: a invasão dos bandos sub. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 75.

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O que fez o skate se tornar popular de verdade foi a roupagem do punk-rock que se incrustava nos praticantes de todo o mundo. No Brasil não foi diferente. Sai o estilo freak-heavymetal-cabeleira-surf e entra o estilo agressivo eu-quebro-tudo-mesmo do punk-rock. Quem virou a mesa de fato, ninguém arrisca dizer, mas a mesa foi totalmente virada. Calça descolorida e rasgada, com a camiseta da banda preferida e um bracelete de pontas. Skate or Die! Skate and Destroy! Go Skate or Go Home, ou qualquer frase de efeito estavam ecoando em cada quarteirão. Marcando muito bem essa atitude, o 2º Campeonato Brasileiro de Guaratinguetá foi um desfile de punks e simpatizantes. A cidade foi invadida por alfinetes e penteados que iam do moicano ao espigado ou pintado. Essa atitude começou a incomodar os moradores da pacata cidade, e logo após eles entraram em guerra contra os skatistas48.

De fato, tanto o punk quanto o skate promovem o espaço urbano e dele resultam.

São mesmo essencialmente asfalto, cimento... E é interessante percebermos, como

apontou Fábio “Bolota”, essa guinada do skate: do imaginário da praia, sol e surfe para

o do punk “urbanóide” (no qual São Paulo, mais que o Rio de Janeiro, aparece como

centro de invenção). O surfe não permite isso, pois depende do mar e do dia claro, é

muito solar e quase restritivamente solar. Já o punk, que vinha com todo esse espírito de

contestação, irreverência e rebeldia deu o tom, a estética e o ritmo da prática do street

skate ao longo da segunda metade de 1980. Possivelmente, o entrelace entre ambas as

formações culturais deu forças e coragem para que os skatistas deixassem de se

aventurar somente por locais como ladeiras ou praças e passassem, numa apropriação

que carregava um bom tom de transgressão, a utilizar outros aparelhos urbanos, tais

como corrimãos, escadas e bancos como um meio de expressão e expansão de suas

subjetividades, fazendo desses espaços nichos de heterotopias49 em meio às cinzentas

paisagens urbanas.

Nos Estados Unidos essa fusão (do punk com o skate) vinha sendo retratada (e

também estimulada) pelas mídias de nicho direcionadas ao skate, especialmente pela

revista Thrasher50, que teve seu primeiro número publicado em janeiro de 1981. Não é

errado afirmarmos que as publicações voltadas ao skate que surgiram no mercado

editorial brasileiro tinham como referência tanto essa quanto algumas outras revistas 48 BOLOTA, Fábio, Anos 80. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 33. 49 Abordaremos o termo nas próximas páginas. 50 PHELPS, Jake. Skate and destroy: the first 25 years of Thrasher magazine. New York: Universe Publishing, 2006, p. 20.

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existentes nos Estados Unidos, pois elas próprias aludiam a essas publicações em suas

páginas51. Essa referência à cena norte-americana é importante para sabermos que tal

associação entre o skate e o punk não foi um acontecimento singular do Brasil, mas sim

algo que fez parte de um contexto onde a revolução cultural juvenil, que envolveu

diversos países ocidentais, já interagia mesmo sem os recursos da Internet.

Voltando ao caso brasileiro, é preciso lembrar que a revista Yeah! – como

demonstramos no capítulo anterior – surgiu com o intuito declarado de “ajudar o esporte

e fazer nascer as bases sólidas para seu desenvolvimento”52. No entanto,

paradoxalmente, ao também declarar-se como uma revista de “arte e contracultura

jovem”53 – e assim reservar um grande espaço para as manifestações musicais,

especialmente àquelas advindas do punk, mas também abrangendo outros gêneros do

rock, como a new wave, o heavy metal e o thrash – ela acabou se constituindo como um

espaço ambivalente de opiniões sobre o skatismo, ora o associando ao “esporte” e ora o

articulando a formas de expressão surgidas nos embates e desdobramentos da

contracultura juvenil.

Embora tal associação, como iremos demonstrar, tenha sido algo corriqueiro

nessas três publicações, nem sempre ela foi aceita de forma homogênea. Pois há uma

nuance nessas representações que merece ser inicialmente sublinhada e que diz respeito

a uma diferença no modo como ela foi recebida pelos próprios skatistas. Pois ao

analisarmos de forma minuciosa essas mídias, podemos compreender que aqueles que

praticavam o skate em pistas – ou geralmente os que estavam buscando através dos

campeonatos a consolidação de uma carreira e/ou sua inserção no profissionalismo – ,

tomavam certa precaução na identificação imediata com o punk e, às vezes, chegavam

até mesmo a rejeitar essa associação, acreditando que ela poderia ser negativa para a

imagem do skate como um “esporte”.

Como exemplo do que estamos afirmando, podemos observar que para Jun

Hashimoto54, skatista profissional e praticante em pistas, essa associação entre o skate e

o punk não seria de todo correto. Para ele, a prática do skate requeria muita

concentração e preparo físico, sendo que “essa visão de que ser um skatista é sair

51 Numa edição da revista Overall, por exemplo, foi fornecido o endereço das revistas Thrasher, Transworld Skateboarding Magazine e Poweredge Magazine para que os skatistas brasileiros pudessem “escrever e falar o que quiser sobre o skate no Brasil”. Revista Overall, 1989, n. 13, p. 67. 52 Revista Yeah!, nº 1, 1986, p. 7. 53 Idem, p. 4. 54 Lembramos que se trata do mesmo skatista que entrevistamos no primeiro capítulo da tese.

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horrorizando, destruindo e arrepiando todo mundo na rua é furada!!!”55. Quando lhe

fora perguntado sobre como estruturar de maneira saudável e coerente o skate no país,

ele respondeu,

A imagem do skate no Brasil está totalmente deturpada e infelizmente faz juz a essa deturpação. O skate por aqui está obrigatoriamente ligado ao Punk, a ANARQUIA, a desordem, as drogas. Tenho certeza que essa imagem é unilateral e quem está mais em contato com os skatistas sabe que tudo isso é mentira!!! Não há nada mais saudável e relaxante que uma session de skate. O skate exige muita concentração, criatividade, preparo físico e mental... para se andar bem você tem que estar bem. Também é necessário que haja mais campeonatos e estamos trabalhando para isso56.

Como podemos perceber, essa associação com o punk produziu tensão entre os

próprios skatistas (principalmente entre aqueles que praticavam em pistas e/ou inseriam-

se na organização dos campeonatos). Além da Overall, também na revista Yeah!

encontramos depoimentos críticos sobre isso. Em sua primeira edição, o skatista

Marcelo Neiva, do Rio de Janeiro, se pronunciou afirmando que recriminava “a idéia de

colocar o skate como um esporte de punks. É agressivo e radical, mas longe de ser

punk”57. No entanto, na edição seguinte, um morador de Brasília/DF retrucava dizendo

“eu discordo do Marcelo Neiva, pois o Punk tem alguma semelhança com o Skate. A

relação é tão perfeita que música e esporte parecem ser uma coisa só”58.

De modo geral, observamos que os skatistas que praticavam em pistas (como era

o caso de Jun Hashimoto e Marcelo Neiva) buscavam certa precaução em assumir a

identidade de skate-punk ou mesmo não gostavam de serem assim identificados. Em

outros casos, notamos que havia a necessidade, entre os skatistas, de especificar o que

seria essa associação. Nas palavras do skatista Antonio Machado Junior, por exemplo,

“skater punk não é um skatista que é punk, nem um punk que é skatista, mas sim um

skatista que o dia inteiro fala, anda ou pensa em skate”59.

Em sua segunda edição, a revista Overall inaugurou uma seção chamada

“S.N.I.”, ou seja, “Skate Nacional Informação”, com o intuito de interrogar os principais

55 Revista Overall, nº zero, 1985, p. 07. 56 Idem, p. 07. 57 Revista Yeah!, nº 1, 1986, p. 21. 58 Revista Yeah!, nº 2, 1986, p. 14. 59 Revista Overall, número especial: “pôster”, 1986, p. 36.

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skatistas do Brasil sobre assuntos em voga no momento. Com os dois primeiros

skatistas entrevistados, Marcelo Bertolin e César Dinis Chaves, ambos cariocas e

praticantes de skate em pistas, o tema da ligação com o punk foi levantado. No entanto,

como podemos observar pelas respostas abaixo, eles também buscavam certa cautela

nesta associação, temendo que a imagem de vandalismo – geralmente associada ao punk

– viesse a estigmatizar skatistas como eles, cujo envolvimento, afirmavam, se dava por

“amor ao esporte”60.

Nas palavras de Marcelo Bertolin, “Punk, como todo movimento de protesto,

tem suas particularidades. Pena que os brasileiros definam punk como quebra-pau e

vandalismo. Pois uma das conseqüências é a má impressão que sobra para o skatista”61.

Na mesma linha de raciocínio, Chaves advertia:

Skate-punk é um conceito que precisa ser revisto. Um cara que está fundo no seu esporte, anda o máximo possível, lê tudo que pode a respeito, se veste skate, ouve, sonha, respira skate...este é um skate-punk! E não um cara fantasiado, dizendo ser mau, que come criancinha e quebra tudo. Este não é um skate-punk e sim um babaca. Anarquia não é quebrar. É skate! Um lance sem regras, limites... só atitude. Anarquia no intelectual e socialismo no material. Esse é o espírito do skate-punk. E como diz Jello Biafra (vocalista da banda californiana de punk rock, chamada Dead Kennedys): Punk não é culto religioso. Punk é pensar por si. Você não é hardcore porque usa cabelo espetado, quando um macaco babaca mora na sua cabeça62.

Ao analisarmos essas revistas, concluímos que o punk no Brasil foi algo muito

associado ao vandalismo, e por mais que muitos skatistas curtissem bandas surgidas

dessa cena musical e sofressem essa influência, alguns temiam que tal associação viesse

prejudicá-los enquanto “esportistas”. De fato, embora o skate estivesse sofrendo um

processo de esportivização, ele não era reconhecido socialmente como um esporte do

mesmo modo que o vôlei ou o futebol, por exemplo. Mesmo assim, muitos skatistas

desejavam “viver” do skate, ter patrocínios, ganhar dinheiro, premiações e assim

tornarem-se profissionais conhecidos e respeitados tais como eram muitos dos

esportistas tradicionais. Para tais objetivos, classificar o skate como um “esporte” era o

60 De acordo com o skatista Marcelo Bertolin, “Andar de skate para mim significa ser fã deste esporte; o chamado amor pelo esporte”, In Revista Overall, nº2, 1986, p. 34. 61 Revista Overall, nº2, 1986, p. 34. 62 Idem, p. 35.

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caminho mais fácil, rápido e, também, o melhor modo de se fazerem aceitos e

compreendidos perante outros atores sociais, como empresários e patrocinadores.

As revistas de skate partiam desse discurso, a maioria das páginas era dedicada à

cobertura dos campeonatos, à divulgação das classificações através de um ranking, das

fotografias com as melhores manobras realizadas nos eventos etc. No entanto, ainda que

alguns skatistas fossem reticentes às articulações do skate com o punk, não nos restam

dúvidas que elas fizeram do punk (e também de outras manifestações musicais ligadas

ao rock “pesado”) uma pedra angular em praticamente todas as suas edições,

complexificando a condução do skate para o domínio stricto sensu do esporte.

CRIANDO PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES

A revista Yeah! contava com colaboradores free lancer (oriundos da cena

musical paulistana) para desenvolver as resenhas dos discos punks, como o João

“Gordo”, vocalista da banda Ratos de Porão ou mesmo o baterista da banda Titãs,

Charles Gavin. Em seu primeiro número, por exemplo, numa seção chamada

“Cotonete”, essa revista chegou a elencar as 10 principais bandas estrangeiras e

nacionais que seriam interessantes para que os skatistas ouvissem ao praticar o skate.

Nas listas transcritas abaixo, observamos, pelos nomes das bandas, que todas

circulavam no universo do rock (principalmente do new wave e do punk rock), sendo

outros estilos musicais que tanto movimentaram a juventude nas décadas anteriores,

como MPB, Disco ou a Bossa Nova, formações culturais já estranhas ao universo do

skatismo.

Lista de bandas estrangeiras (EUA/Europa)

1 – Dead Kennedys 2 – T.S.O.L

3 – The Cure 4 – The Sister of Mercy

5 – Agent Orange 6 – Siouxsie and The Banshes

7 – Black Flag 8 – The Faction

9 – New Model Army 10 – The Jesus and Mary Chain

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Lista de bandas brasileiras

1 – Garotos Podres 2 – Plebe Rude

3 – Grinders 4 – Replicantes

5 – Ira! 6 – Muzak

7 – Voluntários da Pátria 8 – Akira S. e as Garotas que Erraram

9 – Lobotomia 10 – Maria Angélica não mora mais aqui63

Tal lista, evidentemente, não era externa à “tribo” dos skatistas e sim

correspondia a suas preferências musicais. A skatista paulista Mônica Polistchuk64, por

exemplo, dizia em entrevista publicada nesta mesma edição que gostava de praticar

skate ao som de bandas como “Dead Kennedys, The Cure, Legião Urbana e Ira!”65.

Tendo o rock e o punk rock como referências, o skatista Guto Jimenez, que ocupava um

espaço de articulista nesta mesma publicação, explicava em linguagem pouco

condizente com o jornalismo profissional66 que,

A música que acompanha os skatistas choca os que não estão acostumados. Tem que ser espontânea, ter uma batida rápida e um ritmo dançante, para que nas sessions [...] os praticantes do esporte mais radical da Terra possam debulhar e colocar toda a sua adrenalina nas manobras [...] Evidentemente, a resposta dos skatistas a “sons” do tipo Absyntho, Roupa Nova e outras merdas, é um brado a todo pulmão: FUCK OFF!67

63 Revista Yeah!, n. 1, 1986, p. 44. 64 Embora o skate tenha sido produzido como uma atividade mais direcionada às representações comumente associadas ao gênero masculino, em alguns momentos as revistas traziam citações ou pequenas entrevistas com skatistas mulheres. Não é nosso objetivo debater questões ligadas ao gênero na prática de skate. Para uma discussão aprofundada sobre o assunto, ver: FIGUEIRA, Márcia Luiza Machado. Skate para meninas: modos de se fazer ver em um esporte em construção. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano), UFGRS, 2008. 65 Idem, p. 20. 66 Como já escrevemos no capítulo anterior, dentre as principais características das “mídias de nicho” figuram a ausência de uma linguagem profissional e imparcial. 67 Revista Yeah!, n. 1, 1986, p. 42.

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Como podemos observar, se a Yeah! pretendia construir “as bases sólidas para o

esporte” – como expresso em seu primeiro editorial – ela também mandava um “Fuck

off” para todos que ouviam músicas românticas ou, nas palavras de Guto Jimenez,

“merdas” como os conjuntos musicais “Roupa Nova” e “Absyntho”. Assim, ao

desprezar tudo aquilo que fosse estranho ao universo musical dos skatistas, essa revista

assegurava certa coesão “tribal” aos mesmos, reforçando o aspecto coesivo dessa

atividade e a fundamentando na partilha de valores, lugares e ideais68. Ao mesmo

tempo, ao fazê-lo, assumia e atribuía a si mesma um papel normativo, estabelecendo

parâmetros para a definição sobre quem era e quem não era membro.

As primeiras edições retrataram mais as bandas de rock e punk rock, como Plebe

Rude, Garotos Podres, Replicantes e o Capital Inicial, geralmente enfatizando o fato de

que alguns membros dessas bandas andavam ou já haviam andado de skate. Dinho Ouro

Preto, vocalista da banda Capital Inicial, afirmava ter sido skatista no final da década de

1970, quando morava na Europa69. Já os integrantes da banda de punk rock Grinders

diziam que o “skate é o esporte mais urbano e o que mais tem a ver com o Punk”70.

Nessa mesma linha, em entrevista com a banda de punk Cólera, um dos integrantes,

chamado Redson, deixava a seguinte mensagem para os fãs: “Ande de skate, que é um

tesão”71.

No livro “A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil”, é relatado que o skatista

paulista Maurício “Shit” foi um dos integrantes da banda “Os Inocentes”, gravando dois

dos maiores clássicos do punk rock nacional: “Garotos do Subúrbio” e “Pânico em SP”.

Bandas como “Grinders”, “Lobotomia” e “Coquetel Molotov” contavam com skatistas

entre seus músicos. Em outras cidades fora do eixo Rio-São Paulo, como em Porto

Alegre, alguns skatistas fizeram parte da formação inicial da banda “Replicantes”; e em

Brasília, o skatista “Podrão” formou a banda “Detrito Federal”, sendo que uma de suas

músicas, chamada “Desempregado”, foi bastante tocada em algumas rádios no país72.

Mas o universo musical retratado por Yeah! não se restringiu ao punk, pois com

o crescimento do heavy e do trash metal, as bandas desse gênero também passaram a ter

espaço com resenhas, entrevistas e, em algumas ocasiões, até mesmo manifestavam em

68 MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades pós-modernas. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2006, p. 51. 69 Revista Yeah!, n. 4, novembro de 1986, p. 58. 70 Revista Yeah!, n. 2, maio de 1986, p. 48. 71 Revista Yeah!, n. 6, outubro de 1987, p. 54. 72 JIMENEZ, Guto. Skate-rock. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 97 – 98.

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cartas enviadas a redação o apreço que tinham pela prática do skate73. Em uma das

edições da Yeah!, por exemplo, um dos integrantes da banda Sepultura – chamado Igor

– era retratado pelo fato de, além de ser considerado o mais rápido baterista em

atividade no Brasil, praticar skate regularmente na cidade onde morava, Belo Horizonte.

Nas fotos, Igor aparecia ao lado de seu skate, deixando mais do que evidente a relação

entre a música “pesada” e a prática desta atividade74.

Figura 28: O baterista da banda Sepultura fotografado junto com seu skate. Fonte: Revista Yeah!, n. 9, 1988, p. 63.

Os cabelos compridos, como podemos observar na imagem, eram uma das

características associadas aos roqueiros adeptos do som “pesado”, como o heavy metal e

o thrash metal. Segundo Abda Medeiros, as longas madeixas funcionavam,

imaginariamente, como uma forma de identidade “construída pela experiência de ouvir

e tocar Metal”75. Além dos cabelos, notamos o uso de anéis de caveira e a calça rasgada

73 Como exemplo, citamos uma carta escrita pela banda de trash metal paulistana chamada Korzus: “Nós do Korzus piramos com skate e sempre que dá, compramos a revista”. Revista Yeah!, n. 8, 1988, p. 25. 74 Além da Yeah!, o grupo Sepultura também foi entrevistado pela revista Skatin’. Nesta ocasião, a relação com o skate foi igualmente enfatizada. O baterista Igor, por exemplo, dizia-se “totalmente streeteiro”, afirmando praticar skate até mesmo em cemitérios. Outra informação importante diz respeito a inclusão do skate num vídeo-clipe da banda, que estava em produção. Além disso, Igor também afirmava que “os skatistas são muito mais radicais que os surfistas”. Revista Skatin’, n. 8, 1989, p. 69. 75 MEDEIROS, Abda. O espetáculo dos “metaleiros”: cenários e encenações corporais. In ForCaos: muito além do sexo, drogas e rock and roll. Fortaleza: Editora da Universidade Estadual do Ceará (EDUECE), 2007, p. 14.

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na altura do joelho. Sem dúvida, tratava-se de um traje que não lembrava em nada

aqueles usados pelos esportistas convencionais. Os skates de Igor, na parte debaixo da

prancha (shape), exibiam adesivos de algumas bandas: no que está em suas mãos

podemos observar os nomes “Misfits” e “Suicidal Tendencies”, já no que aparece

apoiado do muro, do seu lado direito, é possível deduzirmos a escrita do nome da banda

“Metallica”, a partir das letras finais de seu logotipo.

Como já afirmamos, muito dessa estética que vinha com o punk e/ou o rock

pesado (heavy metal) encontrava vazão na arte (e também nos adesivos) que estampava

a parte inferior das pranchas de skate. Segundo afirma o pesquisador Tiago Cambará

Aguiar, durante a segunda metade da década de 1980, a maioria dos fabricantes de skate

(sendo que, entre eles, havia muitos que também eram praticantes ou ex-praticantes

dessa atividade), passou a demonstrar uma predileção por elementos gráficos

agressivos, os quais traduziam - mas também ajudavam a fomentar - a identificação

existente com esses movimentos de contracultura juvenil. Para representar o caráter

insurgente e também o fato do skate ser uma atividade perigosa e ousada, a maioria das

pranchas começou a apresentar designs contendo grafismos que tinham, segundo

Aguiar, “uma intenção de chocar e parecer subversivo ou transgressor”76.

No Brasil, o grande nome ligado a arte gráfica dos skates durante a segunda

metade da década de 1980 foi o paulistano Billy Argel, o principal responsável pela

concepção da maioria dos grafismos encontrados na parte inferior das pranchas de

skate. Através do contato inicial com o editor da revista Tribo Skate, César Gyrão, foi

possível chegar até Argel e realizar uma entrevista semi-estruturada em sua residência,

localizada na cidade de São Paulo.

O artista nos relatou que, embora formado em Publicidade e Propaganda, seu

interesse pela arte (principalmente pelos desenhos) nasceu muito antes de sua formação

acadêmica. No final da década de 1970, Billy foi um dos grandes freqüentadores da

Wave Park (que, como demonstramos no segundo capítulo, foi uma importante pista de

skate situada no bairro de Santo Amaro, em São Paulo), onde fazia grafismos na parede

dessa pista (ele desenhou, por exemplo, a caricatura de muitos skatistas que a

freqüentaram). No início da década de 1980, com o fechamento da Wave Park, Billy

começou a andar de skate nas ruas e também no Parque do Ibirapuera, local onde fez

muitos amigos que também eram skatistas. Foi por volta dessa época que ele começou a

76 AGUIAR, Tiago Cambará. Skate e seu design gráfico: uma breve análise. In BRANDÃO, Leonardo; HONORATO, Tony. Skate & skatistas: questões contemporâneas. Londrina: UEL, 2012, p. 126.

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se interessar pelo punk rock, fato que o motivou a montar, no ano de 1984, uma banda

específica desse gênero, chamada Lobotomia77.

Billy Argel não foi, portanto, alguém que surgiu de modo externo à cena do

skate, sendo recrutado pelas empresas para desenhar em seus modelos de prancha

(shape). Como ele ressaltou em diversos trechos de sua entrevista, tudo em sua vida

aconteceu de modo “natural”, isto é, nunca houve uma imposição do mercado ou algo

desse gênero para que ele viesse a desenhar nas pranchas. Por ser um skatista desde o

final da década de 1970, ele conhecia a maioria dos praticantes dessa atividade, sendo

que os mesmos também já sabiam do interesse de Billy Argel pelo universo dos

desenhos. Por isso o convite para ilustrar as pranchas de skate surgiu de modo

espontâneo.

Para ele, o interessante “era estar envolvido com uma galera que falava a mesma

língua”78, pois havia na época “um espírito que envolvia todos”. E este espírito, como

lembrou, estava muito associado ao punk-rock, ao new wave e ao rock pesado. Billy

Argel nos disse que ele buscava transportar para o seu desenho justamente aquilo que

tanto ele, quanto os demais skatistas, gostavam. Por isso os grafismos encontrados na

parte inferior das pranchas expressavam sempre o “inconformismo, a revolta, aquela

sensação hormonal da juventude, isto é, a sensação de que a gente (os skatistas) podia ir

contra todos os padrões engessados da sociedade”.

Mas essa arte inicial de desenhar na parte interna dos skates foi tomando grandes

proporções, fato que levou Billy Argel a abrir um estúdio (chamado Highgraph) e

também uma estamparia. Este estúdio, conforme nos relatou, virou um “verdadeiro

ponto de encontro” na cidade de São Paulo, pois por lá passaram inúmeras bandas,

como Sepultura, Ratos de Porão, fotógrafos e demais pessoas que se identificavam com

os desenhos por ele elaborados. No ramo do skate, Billy Argel relata que chegou a

desenhar para praticamente todas as marcas existentes na época, mas que as principais

foram a Urgh! e a Lifestyle, justamente as duas que mais promoveram seus trabalhos e

lhe trouxeram reconhecimento nacional. Nas imagens reproduzidas a seguir, podemos

observar uma série de grafismos elaborados por Billy Argel durante a segunda metade

da década de 1980. Em todas, não é difícil atentarmos para o fato de como sua técnica

correspondia-se com a estética punk e com o rock pesado.

77 Embora Billy Argel não faça mais parte da banda Lobotomia, ela continua em atividade até hoje, fazendo shows por diversas cidades do país. 78 Todos os depoimentos citados de Billy Argel fazem referência a sua entrevista concedida para o autor em abril de 2009, em sua residência na cidade de São Paulo (Arquivo pessoal).

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Figura 29: Um dos primeiros grafismos elaborado por Billy Argel para uma prancha de skate no ano de 1985. Como podemos observar, o desenho é composto por uma série de caveiras.

Fonte: revista CemporcentoSKATE, n. 167, 2012, p. 28

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Figura 30: A imagem demonstra a arte de Billy Argel em dois shapes (pranchas) de skate que foram lançados no ano de 1988. O primeiro, com uma caveira “terrorista”, foi da marca Urgh!, e

o segundo, repleto de monstros, pertenceu ao skatista Fernandinho “Batman”, da Lifestyle. Fonte: http://sesper.blogspot.com/2008_09_01_archive.html, acesso em 22/02/2012

Ao observarmos essas duas imagens, o que podemos perceber é que num espaço

muito curto de tempo as pranchas dos skates passaram a ser tornar objetos estilizados e

altamente elaborados. Durante a segunda metade da década de 1980, marcas como

Urgh!, Sims, Lifestyle, H-Prol, Plâncton, Narina, Kranio etc., passaram a divulgar uma

outra fase do skate, caracterizada, entre outros fatores, pelo surgimento dessa arte do

grafismo nos shapes (prancha do skate) com temas, quase sempre, que traziam

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referências ao universo do rock, sobretudo do punk e do heavy metal, como caveiras,

monstros e demais signos que podem ser interpretados como agressivos.

De fato, nesta época, passou-se a dar toda uma atenção especial à estética do

skate. Marcos Cunha Ribeiro, skatista durante os anos de 1980, afirma que neste

período o shape passou a ser “cultuado como uma obra de arte, tanto que seu desenho

era protegido por grabbers, duas tiras plásticas posicionadas uma de cada lado”79. As

pinturas encontradas na parte inferior do skate procuravam estabelecer um diálogo com

os skatistas, abrindo um canal de identidade e de expressão cultural; entretanto, além de

visar à venda do produto, a sedução pela imagem também buscava instaurar uma

estética para essa atividade, associando-o a diversos símbolos, desenhos e imagens que

já eram (e estavam sendo) utilizadas nas capas de discos de punk-rock e heavy metal. O

visual do skate, assim como o de algumas roupas, era fabricado de modo a atrair um

conjunto de jovens interessados em praticar e se expressar por essa prática corporal.

Nesse sentido, como escreveu o sociólogo David Le Breton, pela importância

fornecida ao look e ao design, podemos perceber, neste período, o fortalecimento de um

segmento de mercado que visava a valorização da aparência pelos auspícios da

comunicação, formando uma constelação de produtos desejados e destinados a fornecer

uma morada a quem os consumisse80.

Se as pranchas de skate passavam a sair das fábricas com uma perfectibilidade

nos acabamentos, um cuidado em sua pintura, no jogo de cores, formato etc., esses

fatores podem ser interpretados tanto pelo viés de uma preocupação com sua montagem

quanto pelo desejo de direcionamento a um segmento específico do público

consumidor. No entanto, como estamos aqui ressaltando, não se tratava de um

estratagema montado por grandes corporações empresariais. As fábricas da época eram

pequenas indústrias gerenciadas por skatistas ou simpatizantes, o próprio Billy Argel foi

um skatista influente no período. Tratava-se de um mercado que surgia do seio da

própria tribo, e que buscava um canal de comunicação com seus pares.

Com o passar do tempo, o aumento da produção e a longevidade que muitas

dessas marcas conquistaram (afinal, tanto a Urgh! quanto a Lifestyle são empresas que

existem até hoje!), refletiu também o grau de eficiência e o lugar encontrado no

mercado por essas empresas segmentadas à cultura juvenil. Além disso, o que podemos

constatar é o aumento considerável do número de pessoas que vieram a se interessar e

79 Revista Tribo Skate, n. 126, 2006, p. 64. 80 LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006, p. 78.

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se identificar com esta atividade, fornecendo toda uma demanda necessária para que

esse novo mercado aumentasse e se proliferasse.

*

Talvez seja desnecessário lembrarmos que revistas direcionadas a outras práticas

corporais – tradicionalmente tidas como esportes – não costumavam exibir em suas

páginas manifestações culturais de contestação juvenil nem grafismos que remetiam a

uma estética punk. Elas não noticiavam bandas de punk rock ou de heavy metal, por

exemplo, após o resultado do “Paulistão” ou do Mundial de Fórmula 1. Em quaisquer

jornais, o “Caderno de Esporte” trazia tão somente assuntos relacionados ao tema, como

notícias dos campeonatos e treinos, partidas de vôlei, basquete etc. Jamais misturavam

esporte com formas de expressão provenientes da contracultura.

Ao realizarmos uma entrevista com o editor da revista Yeah!, Paulo

Anshowinhas, ele nos explicou que tal associação era feita pelo fato de este “tipo” de

música (rock, punk rock, metal, new wave etc) ser algo existente e corriqueiro no

universo do skate, estando presente como trilha sonora em quaisquer eventos dessa

atividade, influenciando a moda, o comportamento e a atitude dos skatistas. Nas

palavras do próprio Anshowinhas,

O skate começou um namoro com a música no final dos anos 70, com o new wave e o punk rock. Em 1977, era a época que os Sex Pistols estava em ascendência, Exploited, GBH, e também bandas como Devo, B-52 e tudo o mais. E o skate era intimamente ligado, principalmente com uma banda chamada Devo, que tinha essa influência porque colocou em seus clipes um pessoal andando de skate, que era o Freedom of choice, e a música tem muito a ver com este movimento do skate. E aqui no Brasil havia essa importação cultural e social desse movimento californiano, que trouxe essa cultura musical, que era colocada nos eventos, campeonatos que aconteciam. Cada um escolhia uma música como trilha sonora, e a trilha sonora era punk rock, new wave, e isso refletia no próprio comportamento do jovem. Comportamento expresso nas roupas que utilizavam, nos tênis quadriculados, pintados à mão, customizados, a coisa do silver taipe, cabelo colorido etc81.

81 Em entrevista realizada no dia 16/10/2009 (arquivo do autor)

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Portanto, a presença da música não é aleatória ou casual. Não se toca qualquer

música, mas determinadas bandas e estilos, sobretudo aqueles já articulados com a

modalidade no plano internacional. Em outro trecho do mesmo depoimento, Paulo

Anshowinhas nomeia algumas das bandas brasileiras que passaram a se expressar

através do punk rock e se remete a Yeah! como um veículo em diálogo com essas

manifestações juvenis.

No Brasil houve um festival, chamado o “Começo do fim do Mundo”, organizado pelo Antonio Bivar, e quem era dessa época era o Kid Vinil, o Cólera, os Inocentes, os Ratos de Porão, 365, Lobotomia, eram essas as bandas que se apresentavam, e era coisa realmente visceral, gritavam, brigavam... e era esse o som daquela época, que rolava em campeonato de skate, era esse o som que era retratado pela revista Yeah!, que mais do que uma revista de skate, era uma revista de comportamento urbano, trazia moda, música e o skate como pano-de-fundo de todas essas manifestações artísticas82.

Assim como a Yeah!, as outras mídias de skate, embora buscassem desenvolver

o skate como um “esporte”, também trouxeram em suas páginas entrevistas e demais

matérias sobre o punk rock e demais gêneros similares. No caso da Overall, por

exemplo, lembramos que em sua edição de número quatro fora publicada uma entrevista

com o João “Gordo”, o vocalista da banda Ratos de Porão. Na foto que ilustrava essa

entrevista, João “Gordo” aparecia fazendo uma tatuagem (lembramos que, na época, a

tatuagem não tinha a aceitação social que hoje começa a ter) e, numa de suas respostas,

ele dizia que seu show era uma mistura de “skatistas, metaleiros e punks”83. Já a revista

Skatin’, em uma de suas edições, trazia um texto sobre a relação entre o skate e a

música punk, enfatizando tal relação a partir das bandas norte-americanas e dizendo

existir, inclusive, um neologismo para isso: “skaterock”. No texto escrito por Zé

Gonzales (que no final da década de 1990 integraria a famosa banda Planet Hemp,

nacionalmente conhecida por sua campanha pela legalização da maconha), era escrito

que,

82 Em entrevista realizada no dia 16/10/2009 (arquivo do autor) 83 Revista Overall, nº 4, 1986, p. 6.

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Skaterock. O que é? Quem inventou? Se foram os roqueiros que resolveram andar de skate ou se os skatistas é que foram fazer rock, não importa. Mas uma coisa é certa: muitas pedras rolaram. Skate e música caminharam lado a lado, se envolvendo cada vez mais. Assim como Steve Caballero [skatista norte-americano], que formou o grupo THE FACTION, muitos outros skatistas formaram suas bandas, como T.S.O.L, BLACK FLAG, J.F.A e BIG BOYS entre outros. Logo saiu a primeira de várias coletâneas lançadas pela revista Thrasher apenas com bandas de skaterock. A tendência então era o hardcore e, com o passar do tempo, muitas outras bandas vieram e o som foi ficando mais rápido e pesado. Nessa área podemos citar bandas como SEPTIC DEATH (do desenhista/skatista Pushead), SEVEN SECONDS e GANG GREEN. E o que antes parecia pura brincadeira virou febre e grupos como AGENT ORANGE, METALLICA, SOCIAL DISTORTION e MISFITS passaram a colocar seus nomes em milhares de shapes [pranchas de skate]84.

Deste modo, através dessas revistas, é possível visualizarmos que a relação entre

o rock (principalmente em sua vertente rápida: o punk, o hardcore, o metal etc) foi algo

noticiado porque, de fato, havia uma relação entre tais gêneros musicais e a prática do

skate. Jogar uma partida de Tênis ou Vôlei ao som do rock pesado do Sepultura, por

exemplo, parece ter sido algo pouco exeqüível no universo das práticas esportivas

tradicionais da segunda metade da década de 1980 e pelas décadas seguintes, mas não o

era para os praticantes de skate. Assim, em muitas das entrevistas que essas mídias

traziam, a pergunta sobre as bandas que os skatistas ouviam era recorrente. O skatista

Mauro Mureta, por exemplo, dizia ouvir “de Jimi Hendrix a Red Hot Chili Peppers”85,

Rogério Antigo, por sua vez, mostrava preferência pelo “rockabilly”86 e o skatista

carioca Lúcio Flávio afirmava que, em geral, escutava as bandas “T.S.O.L, Agent

Orange, Suicidal Tendencies, Sex Pistols e The Clash”87.

AS HETEROTOPIAS: O CASO DO STREET SKATE

Embora o skate praticado em pistas com rampas verticais (half-pipe, banks,

bowl) viesse se estruturando como uma modalidade esportiva, contando com

campeonatos, premiações e demais investimentos desse gênero tal como apontamos no

84 Revista Skatin’, n. 11, 1990, p. 54. 85 Revista Skatin’, n. 12, 1990, p. 21. 86 Revista Skatin’, n. 5, 1989, p. 18. 87 Revista Skatin’, n. 8, 1989, p. 22.

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capítulo anterior; o “ressurgimento”88 do skate de rua durante a segunda metade da

década de 1980, mas agora sob a roupagem do street skate, acabou se tornando um

grande fenômeno entre muitos jovens metropolitanos ao propor um outro lugar para

essa prática que desviava, efetivamente, da idéia moderna de esporte.

O street skate, portanto, proliferava-se na contramão, protagonizando percursos

onde o corpo atuava em territórios cujas fronteiras se cruzavam e se produziam a partir

de diferentes representações. De acordo com alguns pesquisadores norte-americanos, o

“street skate enaltecia uma identidade urbana que envolvia liberdade e não

conformidade”89. Tratava-se, pois, de cenários que nos lembram, recorrendo a Foucault,

as heterotopias90.

O termo “heterotopia” apareceu pela primeira vez nos escritos de Michel

Foucault, e de forma muito breve, no livro “As palavras e as coisas”, publicado

inicialmente na França no ano de 1966. No entanto, foi somente a partir de uma

Conferência ao Círculo de Estudos Arquiteturais de Paris, proferida em março de 1967

(e publicada posteriormente no Brasil com o título de “Outros Espaços”), que o filósofo

forneceu ao conceito algum estofo teórico e operacionalidade.

Ao analisar a noção de heterotopia em Michel Foucault, Rodrigo Valverde,

professor do Departamento de Geografia da USP, afirmou que o propósito de Foucault

fora o de trabalhar com uma forma de concepção espacial que valorizasse a “presença

de múltiplas representações conflitantes em uma mesma área”91. Nesse sentido, a

virtude de tal noção estaria em nos induzir a uma compreensão mais complexa e

heterogênea do espaço, permitindo-nos apontar a existência de percepções que fugiriam

da racionalidade instrumental moderna. Para Foucault, portanto, existiriam certos

espaços que, em função da movimentação de atores e de seus significados, poderiam ser

pensados como espaços de inversão, suspensão ou neutralização da ordem oficial.

88 Utilizamos o verbo “ressurgimento” para diferenciar o aparecimento do street skate do “surfe de asfalto”, praticado na década anterior. 89 ATENCIO, Matthew; BEAL, Becky; WILSON, Charlene. The distinction of risk: urban skateboarding, street habitus and the construction of hierarchical gender relations. Qualitative Research in Sport and Exercise, vol. 1, n. 1, 2009, p. 6. (tradução livre). 90 Segundo Michel Foucault, as heterotopias são “lugares reais, lugares efetivos, lugares que são delineados na própria instituição da sociedade, e que são espécies de contraposicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas nas quais os posicionamentos reais, todos os outros posicionamentos reais que se pode encontrar no interior da cultura estão ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis”. FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. In Ditos e Escritos (volume III). Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 415. 91 VALVERDE, Rodrigo. Sobre espaço público e heterotopia. In Geosul, Florianópolis, v. 24, n. 48, 2009, p. 10.

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A partir do experimentalismo estético/espacial que os skatistas de rua (street

skate) passaram a realizar a partir da segunda metade da década de 1980, e que

certamente não era o posicionamento esperado pelos urbanistas, arquitetos e demais

pensadores do urbano, podemos identificar nessa atividade uma série de

contraposicionamentos heterotópicos. De fato, esse novo uso do skate engendrava uma

forma de ver e utilizar o espaço que não era o previsto nem o aceitável

institucionalmente. Pois fazer de um corrimão um obstáculo e não um instrumento de

ajuda para apoiar o corpo, usar escadas para saltos e não como um auxílio para se passar

de um nível ao outro do pavimento são exemplos concretos, reais e localizáveis de

heterotopias; isto é, de invenção de outros espaços dentro dos próprios espaços.

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Figura 31: Skatista em São Paulo descendo um corrimão na rua em 1988. Fonte: BRITTO, E. (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 30.

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Figura 32: Na revista Overall havia uma seção chamada “Câmera Lenta” que buscava ensinar manobras aos seus leitores. Com o advento do street skate, também manobras nas ruas das cidades passaram a ser ensinadas passo-a-passo. Na imagem acima, o skatista “Beto or Die” salta e para com a ponta de seu skate numa mureta de concreto. Fonte: Revista Overall, n. 14, 1989, p. 51.

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A questão, entretanto, é que as heterotopias geram inquietações: um corrimão

não é mais um corrimão, nem uma escada é tão somente uma escada. Além disso, não

podemos nos esquecer da grande heterotopia citada por Foucault: o navio, figura por

excelência do seculo XIX, o navio inglês nos mares, por exemplo, o navio

transatlântico... Pedaço grande de espaço que flutua no imenso mar. Mas no nosso caso

em particular, parece que a heterotopia também pode ser a própria prancha de skate,

minúsculo pedaço de espaço - comparado com o navio - mais leve que ele, certamente,

metáfora do que se passa no século XX e não mais no XIX. Em Foucault há vários tipos

de heterotopias: abertas, fechadas, menores, maiores, umas que parecem fascistas,

outras não... Todas são espaços que incluem dentro deles vários espaços que seriam

incompatíveis. Mas o street skate é interessante porque é um espaço que literalmente

corre, sai do lugar, não tem lugar e é da sua essência não ter um. O skate corre sobre os

espaços da cidade e é um objeto ao mesmo tempo próprio (do skatista) e exposto a

todos. É um solo constantemente deslocalizado, um lugar sem lugar (porque se ele tiver

um lugar já deixa de ser o que é). Diferente do navio, um espaço fechado dentro de

outro, que oferece conforto, luxo e segurança, o skate seria uma heterotopia mesmo da

insegurança, do mínimo necessário, da raridade das coisas para se apoiar, do espaço

rarefeito.... O skate reenvia a imaginação ao tempo dos primeiros barqueiros, que não

tinham nada a não ser um pinguelinha de barco, prestes sempre a virar. Reenvia à figura

do andarilho, despojado e exposto.

Com a emergência do street, os discursos veiculados nas revistas de skate já não

se faziam exclusivamente em prol de sua efetivação como um “esporte radical”. Para

além dos vôos alçados nas pistas, esse novo uso do skate nos espaços urbanos ativava

formas de enunciações discursivas até então inexistentes (ou pouco relevantes) nessas

publicações, incitando a questionamentos e sentidos que fugiam ao par “esporte” e

“radicalidade”. Assim, tão logo ele surgiu, acabou ganhando a capa das três principais

revistas de skate existentes no período.

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Figura 33: Capa da revista Yeah!, com a manchete: “O skate invade as ruas”. Fonte: Revista Yeah!, n. 2, 1986.

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Figura 34: Capa da revista Overall, com fotografia de street skate. Fonte: Revista Overall, n. 2, 1986.

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Figura 35: Capa da revista Skatin’ com fotografia de skatista saltando a lateral de um banco localizado na praça Roosevelt, em São Paulo.

Fonte: Revista Skatin’, n. 6, 1989.

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Na figura 33 temos a capa da revista Yeah! – edição de maio de 1986 – e nela a

manchete: “O skate invade as ruas”. Na fotografia, de autoria de Daniel Bourqui,

observamos um skatista saltando sobre uma escada. No interior da revista, entretanto,

ficamos sabendo que o skatista se chamava César “Portuga” e que a escada retratada

ficava na cidade do Rio de Janeiro. “O skate invade as ruas” também foi o tema do

pôster dessa edição, localizado em suas páginas centrais. Além do pôster, uma matéria

intitulada “Pontos Indeterminados” apresentava, em 10 fotografias, a prática do street

skate em diversos “pontos” espalhados pelas cidades de São Paulo e alguns em

Florianópolis. Acompanhando as imagens, uma série de legendas, escritas por Paulo

Anshowinhas, buscava explicar ao leitor que, diferentemente do skate vertical, que

dependia de um half-pipe (“U”) ou de algum outro tipo de pista para acontecer92, a

prática do street skate podia ser exercida em qualquer lugar e a qualquer hora93. Por

isso, no meio das imagens que demonstravam skatistas em ação, deslizando e saltando

sobre os mais inusitados pontos da arquitetura dessas cidades (como bancos, muros e

paredes), havia inúmeras legendas que diziam, por exemplo, que “aproveitar o espaço é

antes de tudo uma questão de criatividade”, pois “ir à procura de locais skatáveis é uma

missão arriscada [...] é descobrir uma nova aventura a cada local encontrado.”94

Na figura 34 observamos a capa da revista Overall, também de 1986, a qual

apresentava o skatista paulista Fernandinho que, como explicado no interior desta

publicação, estava “horrorizando os obstáculos das ruas de Sampa”95. Nesta edição em

especial, o street foi o tema principal em uma matéria que recebeu um título bastante

irônico96: “Não acordem a cidade... Street Skate”97. A matéria, escrita por Fábio Bolota

92 Como as pistas que tinham um formato de feijão, chamadas “banks”, ou bacia, chamadas “bowl”. 93 Revista Yeah!, nº 2, 1986, p. 36. Também localizamos o mesmo discurso na revista Overall, que afirmava ser “o acesso ao street skating o mais fácil possível. As ruas estão aí para serem usadas, a qualquer hora de qualquer dia”. Revista Overall, nº 7, 1987, p. 16. 94 Revista Yeah!, nº 2, 1986, p. 37. 95 Revista Overall, nº 2, 1986, p. 5. 96 A ironia se deve ao fato do skate produzir muito barulho ao ser exercido nas ruas, fato que entrava em contradição com o título da matéria, que dizia: “Não acordem a cidade...Street Skate”. 97 Possivelmente este título “Não acordem a cidade” também faça alusão a uma canção de mesmo título da banda de punk rock chamada Inocentes, a qual é citada tanto na Overall quanto na Yeah! e Skatin’ como uma das principais influências dos skatistas da época, tendo entrevistas publicadas nessas mídias. A letra da música, transcrita no livro de Helena Wendel Abramo, diz assim “De noite quando a cidade dorme/anjos negros de asas sujas e escuras/saem de suas tocas/e tomam conta das ruas/são os reis da diversão/do ódio e da solidão/não têm esperança/nem de viver nem de vingança/em cada esquina que você passar/em cada beco que você entrar/não se espante/eles vão estar lá/vendem sexo e drogas/roubam ou matam/têm vida curta/não importa o que façam”. Apud ABRAMO, Helena Wendel. Cenas Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994, p. 102.

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(skatista e um dos colaboradores desta edição) se reportava ao street skate da seguinte

maneira,

Eu quero mais é asfalto e concreto, para pegar meu skate e sair por aí, gastando minhas rodas, descendo e subindo ladeiras puxado por ônibus, dropar de muros, horrorizar o trânsito, achar transições para uma boa diversão, entrar na contra-mão, subir guias, etc. Por que? Porque nós amamos isto, vivemos disto!!! Imagine a infinidade de coisas que uma cidade pode ter em suas ruas, postes, carros, guias, shits, bêbados, bitchs, transições, buracos, valas, velhas e muito asfalto. E o que isto significa? Obstáculos? Talvez sim, para aqueles que não possuem a ousadia de encarar ruas desconhecidas e terrenos inexplorados. Mas para outros, todos esses “obstáculos” se transformam num verdadeiro campo de batalha, em que o objetivo é demonstrar o domínio sobre a arma de ataque: o skate. E o ground de ação: as ruas!98

“Horrorizar os obstáculos das ruas”, “horrorizar o trânsito” e “entrar na contra-

mão” não parecem ser atitudes condizentes ao que geralmente identificamos como

“esporte”. Se com os campeonatos e o desenvolvimento do skate em pistas, como vimos

nos capítulos anteriores, a prática dessa atividade estava sendo associada ao termo

“esporte radical”, agora, para além dele (mas de modo concomitante) reivindicavam-se

certas características que em nada podiam ser comparadas às tradicionais formas de

organização esportiva.

Um outro exemplo nesse sentido podemos encontrar numa matéria especial

sobre street skate publicada na edição de junho/julho de 1989 da revista Skatin’, a qual

dedicou sua capa ao street (vide figura 35). Nesta edição, uma das matérias principais

chamava-se “Estritamente street” e tinha como subtítulo: “um modo especial de ver um

mundo bastante conhecido: as ruas”. Os textos abaixo são de autoria de Luiz Calado,

sendo que cada fragmento reproduzido vinha publicado na revista junto a uma

fotografia de um skatista explorando bancos, bordas e escadas. Ao lê-los, eles nos

ajudam a compreender melhor essas representações espaciais em curso no período:

“Não foi ele quem planejou aquilo. E não planejaram pensando nele. Aquilo simplesmente está ali. E não poderia ser melhor”;

98 Revista Overall, nº 4, 1986, p. 16.

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“Seus olhos brilham vendo o que ninguém mais vê. Sua mente viaja no que ninguém mais imagina. Seu coração acredita no que ninguém mais crê. E seu corpo vibra com o que ninguém mais sente”; “Em busca de emoções verdadeiras, ele foge das regras convencionais, cria novos conceitos e vence seus próprios limites. Misturando dimensões de tempo e espaço, ele transforma a ilusão de muitos numa realidade para poucos” “As ruas escondem perigos, abrigam incertezas e oferecem desafios. Nas ruas ele mostra coragem, revela precisão e se torna um vencedor”; “Entre formas frias e estáticas, ele se torna um ser colorido e móvel”; “Enquanto as pessoas se escondem em seus gigantes arranha-céus, ele encontra a liberdade a alguns centímetros do chão”; “Mesmo cercado por centenas de quilômetros quadrados de concreto, poucos metros são mais que suficientes para que ele concentre toda sua criatividade e energia”99.

Nessa revista, seguindo o mesmo tom das outras duas publicações citadas, o

skatista era apresentado aos leitores como alguém que “foge das regras convencionais”

e, por isso mesmo, “encontra a liberdade”. Não é difícil deduzirmos que a prática do

street skate era bastante diversa daquela praticada em rampas verticais, pistas

construídas em espaços delimitados e organizada nos moldes de um esporte de

competição. No street até haveria um “vencedor”, como nos diz a citação acima, mas o

derrotado não era um oponente (um outro skatista), mas sim os medos e limites dos

corpos, da criatividade.

*

Deste modo, ao retratarem o street skate em suas páginas, essas mídias

buscavam outros vieses discursivos e que pouco (ou nada) tinham a ver com o

99 Revista Skatin’, n. 6, 1989, p. 30 – 39.

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esporte100. Assim, em uma das passagens da revista Yeah!, por exemplo, localizamos o

seguinte trecho de autoria de Paulo Anshowinhas, seu editor,

Eles [os skatistas] não se preocupam com a etiqueta social, nem com o sistema que tentam lhes impor. Criam uma anarquia urbana e circulam sem nenhum tipo de autoritarismo. São os filhos do futuro! Não se importam com comentários ou críticas, pois banalidades já estão cansados de ouvir. Eles pensam diferente do Status Quo e se comportam como tal101.

Ora, como formar as bases sólidas para o desenvolvimento esportivo de uma

“anarquia urbana”? Pois não seriam anarquia e esporte termos imaginariamente

antagônicos? Pois o conceito moderno de esporte102 não é algo sempre relacionado ao

rendimento físico e ao tempo das provas, que exigem o espaço instituído e o gesto

preciso? Em sua organização ele não revelaria sempre “um programa temporal, um

calendário especial, com provas regulamentadas e rigorosamente escalonadas ao longo

do ano”?103

Esporte, destarte, é algo que se pratica com disciplina e respeito às regras

estabelecidas, jamais com “anarquia”. A questão, portanto, é que havia uma forte

relação entre a prática do skate de rua e as formas de anarquia criadas pelo movimento

punk; as quais se manifestavam como um “contágio”, isto é como uma influência na

forma como os skatistas de rua apropriavam-se da cidade e também no modo como essa

atividade passava a ser retratada por suas mídias especializadas. Frases como “subindo e

descendo ladeiras puxados por ônibus, dropar de muros e horrorizar o trânsito”, ou

ainda, ter a “ousadia de encarar ruas desconhecidas e terrenos inexplorados”, indicavam

algo de transgressor, rebelde, atitudes similares as que encontramos nas manifestações

punk104.

100 Salvo às vezes em que alguns promotores organizavam campeonatos de street skate em locais como ginásios esportivos. Nesses espaços eles fabricavam rampas de madeira e colocavam trilhos para os skatistas deslizarem. 101 Revista Yeah!, nº 2, 1986, p.23. 102 Para uma discussão sobre a formação do conceito moderno de esporte, ver: MELO, Victor Andrade de. Esporte e Lazer: conceitos: uma introdução histórica. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010. 103 VIGARELLO, Georges. O tempo do desporto. In CORBIN, Alain (org.) História dos Tempos Livres: o advento do lazer. Lisboa: Teorema, 2001, p. 231. 104 Em seus estudos sobre tatuagens, a pesquisadora Célia Maria Antonacci Ramos lembrou que os punks “vestiam-se à moda ultrajante para o sistema da época. Jaquetas de couro preto e roupas rasgadas e desbotadas misturavam-se às mutilações corporais, tais como: pequenas queimaduras com tocos de

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Como já abordado, tanto a Overall quanto a Yeah! e Skatin’ traziam seções com

comentários sobre a discografia desse gênero musical. “Punk´s not dead” era o nome de

uma seção da revista Yeah! que comentava os discos de músicos punks. Os LP´s tinham

títulos sugestivos: “Grito do suburbano”, “O começo do fim do mundo”, “Crucificados

pelo sistema”, “Tente mudar o amanhã”, “Brigadas de ódio”, “Mais podres do que

nunca”, “Ataque sonoro” etc. Desta forma, ao ler tais publicações, escutar as músicas,

informar-se sobre as resenhas dos LP´s e irem (eventualmente) aos shows de punk rock,

muitos skatistas ficavam cada vez mais familiarizados com as formas de pensar e agir

que vinham desse cena musical. Tal influência, contudo, passava a ser praticada nas

ruas. Enxergá-las como um “campo de batalha”, indica bem a guerra da qual as ruas

tornavam-se palco: guerra simbólica, heterotópica, busca por espaços e

(des)territorializações.

De certo modo, havia uma semelhança entre a atitude dos skatistas de transitar

por locais não projetados para essa prática com a atitude do movimento punk de negar

qualquer tipo de imposição social. Pois a partir dessas representações do urbano

advindas do street, os skatistas carregavam também um pouco do espírito irreverente do

punk, pois ambos questionavam as normas e padrões sociais até então estabelecidos.

Nesse sentido, por exemplo, de acordo com um leitor da Yeah!, chamado Sérgio Borin

Del Vale, de Atibaia/SP, a analogia entre o street skate e o punk estava no modo como

os skatistas representavam e se apropriavam da cidade. Em suas palavras, ele dizia,

O skate apareceu como um desafio à paisagem urbana e hoje [maio de 1986] se estendeu por todos os cantos do país. Acho o skate o esporte mais punk, pois andar de skate é uma anarquia saudável. Você se sente dono da cidade. Cria em cima daquilo que já foi criado. Enfim, inverte tudo o que está parado105.

Palco de manobras e aventuras do skate, a cidade foi sendo gradualmente

conquistada, interpretada e apropriada. E se as pistas levaram alguns skatistas a

trilharem os rumos do “esporte”, ou mais especificamente os rumos do “esporte

radical”, as “aventuras” do street demonstravam que também havia outros caminhos que cigarro, escarificações faciais com agulhas, piercing no nariz, lábios e peito, e tatuagens pelo corpo todo. Em suas apresentações encenavam rituais de provocação, dança transe regada a álcool e drogas [...] Tal provocação ao sistema estabelecido mais de uma vez foi interrompida por policiais”. RAMOS, Célia Maria Antonacci. Teorias da tatuagem: corpo tatuado. Florianópolis: UDESC, 2001, p. 124. 105 Revista Yeah! ano 1, n. 2, maio de 1986, p. 10.

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poderiam ser explorados, pois mesmo que os skatistas (como na citação acima) ainda

recorressem ao conceito de esporte para caracterizar essa prática, o desconforto era logo

amenizado por sua adjetivação como algo além ou aquém de um esporte. Neste caso, o

“skate era o esporte mais punk”. Assim, como apontado por Carmen Lúcia Soares,

devido à existência dessa mentalidade esportiva que a quase tudo permeia e contamina,

tornava-se difícil – até mesmo para os próprios skatistas – reconhecerem-se em registros

alheios à “cultura do esporte”106.

Mas se no caso do skate praticado em pistas com rampas verticais (“U”) é menos

problemático a ampliação do conceito de esporte para caracterizá-lo, a insistência em

denominar o skate de rua como um esporte chocava-se (e choca-se) com seu uso

irreverente e transgressor nas ruas dos grandes e médios centros urbanos. Nesses

espaços da cidade não havia competição, não havia um tempo cronometrado e nem

juízes. Neles, o que contava era a liberdade para criar, para passar por cima de

obstáculos imaginados, saltar sobre bancos, escadas, enfim, escorregar sobre as dobras

da matéria. O skate de rua, neste sentido, manifestava-se de maneira informal e não

através da formalidade esportiva (cronômetros, juízes, equipes etc). Tratava-se de uma

série de novas experiências juvenis que buscava singularizar a vivência do cotidiano,

deslizando pela cidade, explorando “outros espaços” e inventando maneiras de ser onde

o lúdico tinha – quase sempre - um lugar especial.

Quem poderia identificar skatistas nas ruas como “esportistas”? Afinal, eles

corriam da polícia, muitos escutavam punk rock e, de modo algum, utilizavam

uniformes de equipe tais como os jogadores de futebol, por exemplo. “Em 1981 já

usavam pulseiras de rebite, em 1982 pintavam os cabelos de verde ou roxo”107. O

skatista paulistano apelidado como “Pois é!”, por exemplo, “catava o que via pela frente

e transformava em pulseira. Cadarços, plásticos, arames, fios elétricos, varal... E como

ele era streeteiro e a rua era um prato cheio, sempre aparecia com braçadeiras enormes

para andar de skate no Parque do Ibirapuera”108, recorda a escritora Cecília Gonçalves,

que viveu o período junto aos skatistas de São Paulo.

Andar de skate na cidade, portanto, era desenhar um novo uso do tempo livre,

inventar algum estilo de vida que estivesse sempre mais próximo da criação e também

106 SOARES, Carmen Lúcia. Práticas corporais: invenção de pedagogias? In SILVA, Ana Márcia; DAMIANI, Iara Regina (orgs.). Práticas corporais. Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2005, p. 48. 107 GONÇALVES, Cecília Moisés. Eu não era feliz e sabia. In BRITTO, Eduardo (org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil. São Paulo: Parada Inglesa, 2000, p. 92. 108 Idem, p. 95.

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da rebeldia. Era conquistar, dessa forma, novos modos de subjetividade, de leituras do

espaço e de inserção mesmo nesse espaço. E isso implicava uma disponibilidade sempre

presente para o desejo, para um tempo de satisfação, de invenção de si e, portanto, de

“re-criação”109,

ESPAÇOS EM DISPUTA

Ao nos atermos a algumas das imagens publicitárias de street contidas nessas

revistas (Yeah!, Overall e Skatin’), podemos analisar que, ainda que muitos dos

discursos advindos dos próprios skatistas falassem em “esporte”; evidentemente havia

diversas outras mensagens que faziam referência a um universo de valores bastante

estranho ao âmbito “esportivo”.

Na imagem reproduzida a seguir, fruto de uma campanha publicitária da marca

de tênis Mad Rats (“Ratos Loucos”) veiculada tanto na revista Overall quanto na Yeah!,

o que encontramos é um uso do skate não como esporte, mas sim como resistência a

uma forma de sociedade – e, portanto, de concepção esportiva – que buscou exercer um

esquadrinhamento sistemático do espaço e do movimento.

109 Devemos a utilização do termo a Alain Corbin. CORBIN, Alain. A história dos tempos livres. In CORBIN, Alain (org.). História dos tempos livres: o advento do lazer. Lisboa: Teorema, 2001, p. 14

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Figura 36: Propaganda de tênis da marca Mad Rats. Fonte: Revista Overall, nº 3, 1986, p. 02.

Segundo Martine Joly, “entre as imagens mais propícias à análise estão as de

publicidade”110, pois elas são fabricadas, quase sempre, por intermédio de signos

enfáticos e que visam a sua interpretação. De fato, esta publicidade (que anunciava para

venda alguns modelos de tênis de skate da marca “Mad Rats”) é bastante representativa

dessa tendência, a qual notamos crescer a partir da segunda metade da década de 1980,

em produzir o street skate como uma atividade outsider, “rebelde” e avessa às regras do

esporte. Como podemos observar na figura 36, o salto do skatista de cima de uma

viatura da polícia não é um gesto esportivo, ele não busca quebrar algum recorde e nem

levá-lo a algum ranking. 110 JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996, p. 69.

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Ao analisarmos essa imagem, podemos refletir sobre o uso que ela faz do termo

“radical”. Pois acontece que tal uso difere, semanticamente, daquele fornecido ao

vocábulo pelas revistas da segunda metade da década de 1970, como a Esqueite, a

Brasil Skate e a revista Pop. Essas mídias referiam-se ao termo “radical” com a

finalidade de designar algum movimento mais arriscado do corpo e que corria o perigo

da queda. Eram “radicais” as manobras de vôos (Ilinx) que os skatistas estavam

começando a executar em rampas e transições. Mas nesta imagem, o sentido de

“radical” não foi atribuído a manobra em si, mas sim à atitude do skatista em saltar

sobre um carro da polícia. Era a esse comportamento desorganizador das normas sociais

que a publicidade intitulava como “radical”. Ser “radical”, neste contexto, estava menos

em realizar uma manobra de difícil execução e mais na atitude de afrontamento às

normas e à vida organizada nas cidades.

Lembramos, como já descrito por Michel Foucault, que a polícia representou,

historicamente, o principal agente disciplinarizador do Estado. Segundo esse filósofo, a

atuação da polícia cresceu de modo coextensivo ao aparelho estatal, mas com a

característica de se exercer “sobre tudo”, isto é, sobre “a massa dos acontecimentos, das

ações, dos comportamentos; (pois) o objeto da polícia são essas coisas de todo instante,

essas coisas à-toa”111. Com a polícia, afirmou Foucault, “estamos no indefinido de um

controle que procura idealmente atingir o grão mais elementar, o fenômeno mais

passageiro do corpo social”112.

Evidentemente, o aparecimento do street skate confrontou-se com a ação

disciplinarizadora da força policial113. De um lado passou a existir a presença de

inúmeros jovens nas ruas, fazendo barulho com seus skates e utilizando as calçadas e

praças de um modo bastante diferente do citadino comum; de outro, a presença

ostensiva da polícia como um elemento que buscava, ao menor indício de desvio,

corrigir seus efeitos. É por isso que, nesse sentido, o que essa imagem conclamava era

um uso intempestivo do skate, desorganizador das rotinas, combativo e contestador.

De fato, com o advento do street skate, a polícia passou a ser o grande problema

enfrentado pelos skatistas nos centros urbanos. O fato não é novo, apenas ganhou uma

maior intensidade. Pois como já demonstramos no primeiro capítulo, antes da invenção

das pistas de skate na segunda metade da década de 1970 e no momento mesmo de

111 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 202. 112 Idem, p. 202. 113 Abordaremos melhor esse fato no próximo capítulo.

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inserção do skatismo no país, os skatistas (“surfistas de asfalto”) também foram

fortemente coibidos pela força policial114.

Se o deslizar pelas ruas já era considerado uma “afronta”, o que dizer dessa nova

prática do skate, na qual os skatistas não só deslizavam por ruas e avenidas mas,

principalmente, pulavam escadas, desciam corrimãos e subiam pelas paredes. Sem

dúvida, este novo conjunto de técnicas corporais advindas e desenvolvidas com o street

fez do skate uma atividade muito menos aceita do que seu antecessor “surfinho”. Na

imagem a seguir, uma História em Quadrinhos publicada na revista Skatin’ – de autoria

de Speto – ironizava a força policial que buscava coibir essa prática do skate de rua.

114 Ver, no primeiro capítulo, o tópico “Prazeres (e perigos) sobre pranchas”.

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Figura 37: Revista Skatin’, n.6, 1989, p. 66.

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Se havia uma luta por espaços, essa luta era travada, principalmente, entre

skatistas e policiais. O que essas imagens faziam era tanto satirizar essa luta quanto

provocar os skatistas para o “combate”. Não faria tanto sentido se o skatista estivesse

saltando sobre uma ambulância ou um carro dos bombeiros. Tal ato seria,

possivelmente, lido como um ato de vandalismo por muitos skatistas, fazendo tal

discurso, se assim o fosse, cair num vazio de sentidos.

Mas saltar sobre um carro da polícia tinha um significado diferente, pois isso

apelava para um problema presente no cotidiano dos skatistas: a repressão ao uso do

skate nos centros urbanos. Enfrentar os policiais (não através do confronto direto, mas

através do uso de uma série de artimanhas115) era tanto lutar pela continuidade do street

skate quanto não ceder a um poder normatizador, indicativo de modos de conduta e

organizador da vida urbana.

Em certo aspecto, portanto, podemos interpretar o aparecimento de determinadas

tribos juvenis durante a segunda metade da década de 1980, em especial a dos skatistas

de rua ou a dos punk’s, como um fator sugestionável de resistência116 ao controle social,

configurando linhas de fuga às forças de coesão e esquadrinhamento. Pois, se “resistir

não é apenas opor-se, mas singularizar; criar o que faz deste mundo um outro”117, na

lógica dos praticantes de skate de rua, como vimos, resistir a polícia era exercer uma

115 Segundo Denise Bernuzzi de Sant’Anna, “uma artimanha, seja ela qual for, funciona conforme a circunstância, de acordo com o jogo das forças e dos poderes em disputa numa determinada situação”. SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Segregação e artimanhas nas cidades contemporâneas. In Varia História, n. 30, julho de 2003, p. 88. 116 Durante muito tempo, como explica João Freire Filho, a noção de resistência esteve vinculado a uma perspectiva do poder como algo que é possuído por um grupo dominante e exercido contra o subordinado; sendo o subalterno capaz, nesse sentido, de resistir e tomar o poder. No entanto, nas últimas décadas, com o desenvolvimento das novas abordagens sobre o fenômeno do poder (advindas de Michel Foucault), e levadas a cabo por muitos estudiosos interessados em enfatizar os fluxos complexos das relações de poder, as subjetividades construídas e fragmentárias, passou-se a um outro modelo analítico em que a contingência e a contradição vieram a desempenhar um papel relevante para a geração da resistência. Em suas palavras, o autor pontua que: “Tradicionalmente associada a protestos organizados ou insurreições coletivas de larga-escala contra instituições e ideologias opressivas, a noção de resistência passou a ser freqüentemente relacionada, desde os anos 1980, com ações mais prosaicas e sutis, gestos menos tipicamente heróicos da vida cotidiana, não vinculados a derrubadas de regimes políticos ou mesmo a discursos emancipatórios. Fazer gazeta ou corpo mole na escola e no trabalho, caminhar à toa, andar sem destino pelas ruas da cidade; reconfigurar os significados de espaços públicos e comerciais como zonas de autonomia e festa [...], adotar estilos de vida alternativos ou antimaterialistas [...], assumir comportamentos de risco, desde esportes radicais até sexo anal sem preservativo com indivíduos contaminados pelo vírus HIV... Eis aí uma módica amostra das inúmeras atividades e condutas realçadas como expressão de resistência”. FREIRE FIHO, João. Reivenções da resistência juvenil: os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 19. 117 STELA DE SÁ, Raquel. Do corpo disciplinar ao corpo vibrátil: uma abordagem libertária contemporânea. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003, p. 93.

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forma de poder (ou um contra-poder). Em termos de foucaultianos118, podemos intitular

o ato como uma estética da existência ou, de modo análogo, a uma tentativa de

construção da vida como obra de arte119.

*

Quando abordamos as relações entre o punk, o street skate e a cidade, devemos

ter em mente que essa última não foi (e não é) somente o espaço do concreto, dos

prédios e casas habitacionais; pois a cidade contemporânea, antes de tudo, constituiu-se

como o espaço privilegiado por onde ocorreram as relações sociais, as práticas culturais

e de subjetivação. Nesse sentido, a construção de uma experiência urbana configurou

espaços e lugares que permitiram a resignificação das experiências corporais de muitos

sujeitos e, nesse caso em questão, de seus jovens skatistas. Se cabe ao historiador ir

além do estudo institucional do fenômeno urbano120, a análise centrada nessas maneiras

de se apropriar dos lugares da cidade inventada pelos skatistas indica a existência, como

sugeriu o historiador Michel de Certau, de múltiplas “maneiras de utilizar o espaço que

fogem à planificação urbanística”121. Pois este, como escreveu o autor, “é incapaz de

articular essa racionalidade em concreto com os sistemas culturais, múltiplos e fluídos,

que organizam a ocupação efetiva dos espaços”122.

A partir do street skate, portanto, podemos invocar uma noção da cidade

enquanto o lugar do possível, das heterotopias, dos processos identitários articulados

aos modos de apropriação e subjetivação. Sem dúvida, as revistas Yeah!, Skatin’ e

Overall evidenciavam esses novos usos da cidade que os skatistas passaram a promover

com muito mais intensidade ao longo da década de 1980 do que na década anterior,

118 Lembramos que, para Michel Foucault, o corpo não é somente o lócus da submissão ao poder, mas também é o lugar de onde se pode construir novas formas de subjetividade. Em sua fase ética, por exemplo, que compreende os dois últimos volumes da História da Sexualidade, ele sugere a produção de práticas sociais que escapem das formas de dominação contemporânea. Práticas capazes de produzir subjetividades que não passem pelos dispositivos normatizadores. STELA DE SÁ, Raquel. Op. cit, p. 84. 119 FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul (orgs.). Michel Foucault: uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 331. 120 Sobre as muitas formas que a análise do fenômeno urbano se abre ao historiador ver, por exemplo: BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. 121 CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995, p. 233. 122 Idem, p. 233.

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procurando expressar tanto o desafio quanto a ludicidade que os acompanhavam em

suas incursões pelo urbano.

Essa fragmentação da prática do skate (o skate em pistas e o skate nas ruas), foi

o principal responsável por pulverizar as posições de sujeito que os skatistas poderiam

ocupar por intermédio dessa atividade. Se de um lado, como vimos no capítulo anterior,

havia organizações compostas por empresários e skatistas que visavam assegurar o

reconhecimento “esportivo” do skate, incentivando as competições, elaborando os

calendários, as regras etc; por outro havia a prática do skate nas ruas (street skate), que

através da transvaloração dos sentidos usualmente atribuídos aos espaços, colaborava

para o surgimento de heterotopias contrárias ao investimento “esportivo” dos corpos.

O skate, por ter se produzido com essas características ambivalentes123, ora

ligadas ao esporte e ora ligadas ao punk e/ou aos usos insólitos dos espaços, não

constituiu para si uma identidade estável. Se havia setores ligados a sua esportivização,

também havia aqueles que, senão contrários, certamente faziam dele um outro uso.

Deste modo, uma das conseqüências desse processo esportivo complexo, ou, em

outros termos, dessa dificuldade de condução da prática do skate pelas vias

politicamente corretas do esporte, foi sua proibição na cidade de São Paulo no ano de

1988, pelo seu então prefeito Jânio Quadros124. Esse fato, considerado “a maior

repressão e abuso de poder já vistos contra o skate”125, será nosso principal assunto do

próximo capítulo.

123 Entendemos por “ambivalência”, como explica o sociólogo Zygmunt Bauman, a “possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria”. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janerio: Zahar, 1999, p. 9. 124 Sobre a trajetória política de Jânio Quadros, ver: BENEVIDES, Maria Victoria. O governo Jânio Quadros. São Paulo: brasiliense, 1981. 125 BOLOTA, Fábio. Op. Cit, 2000, p. 38.

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CAPÍTULO V

ENTRE A EDUCAÇÃO E AS ARTIMANHAS DO CORPO

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JÂNIO QUADROS E A PROIBIÇÃO DO SKATE NA CIDADE DE SÃO PAULO

“Em cada canto de São Paulo ouvem-se os ruídos do street skate. Hoje, tentam silenciá-lo. Mas não está fácil. Segurar a energia dos paulistanos não é mole. E eles fazem da cidade sua própria pista”.

Revista Skatin’, n. 3, 1988, p. 28.

As representações inauguradas pelos skatistas de street sobre muitos dos

aparelhos e espaços urbanos no decorrer da segunda metade da década de 1980 – e isso

se estende até os dias atuais1 – não eram (e nem são), evidentemente, os mesmos modos

de representação espacial incorporados pela imensa maioria dos transeuntes que não fez

(e nem faz) uso dessa prática.

Se de um lado o skate exercido em pistas verticais (half-pipe, banks e bowls) não

interferia – e nem interfere – no cotidiano dos centros urbanos, distante que ficavam (e

ainda ficam) os skatistas dos olhos de quem percorria os espaços de circulação de

pedestres e veículos motorizados (lembramos que esses skatistas apenas apareciam

publicamente nos momentos de espetáculo competitivo e em locais planejados e

organizados para o show de manobras, como a construção de uma pista de madeira em

algum ginásio esportivo, por exemplo), por outro lado, os streetskaters (ou, os skatistas

de rua, na língua portuguesa) tornaram-se sujeitos, na maioria das vezes, indesejáveis, e

isso em razão de seus modos de ver e interagir com os espaços da cidade, os quais se

chocavam (e ainda se chocam) com os modos de ver e interagir dos demais citadinos2.

Como já indicamos nesta tese, desde o fim do século XIX o poder esportivo

manifestou-se espacializando as práticas corporais. Quadras (poliesportivas), campos

(de futebol, golf etc) e piscinas (olímpicas) são evidências de locais esportivizados,

1 Acerca das representações dos skatistas sobre os espaços urbanos nos dias atuais, ver: MACHADO, Giancarlo Marques Carraro. De “carrinho” pela cidade: a prática do street skate em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia), USP, 2011. 2 Em um artigo resultante de uma tese de doutorado em arquitetura, a pesquisadora Adriana Sansão Fontes, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), observou os conflitos existentes entre os citadinos e os skatistas que utilizam cotidianamente a Plaza de los Ángeles, internacionalmente conhecida como a Praça do MACBA e localizada no centro de Barcelona, na Espanha. Segundo ela, a apropriação que os skatistas fazem da praça motiva diversas formas de reação dos moradores e demais transeuntes, os quais se queixam dos skatistas para os guardas municipais que tentam, na maioria das vezes sem sucesso, coibir a prática do street skate neste local. FONTES, Adriana Sansão. O Skateboarding como intervenção: apropriação temporária e identidade no centro de Barcelona. V!RUS: Revista da USP, n. 4, dez. de 2010, p. 1 – 21.

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vistos e subjetivizados para as finalidades das competições e torneios. Com o advento

da prática do skate no país, essa tendência também se impôs. O que foram as Ruas de

Lazer no início da década de 1970 senão uma tentativa de estimular o lazer a partir do

controle espacial? A ela se seguiram as pistas, públicas e particulares, que passaram a

delimitar para o skatismo uma microterritorialidade, um espaço visto como legal e

próprio para o seu desenvolvimento. Com essas pistas, como abordamos no segundo e

terceiro capítulos (as quais no início tinham um formato de uma grande bacia e depois

passaram a ser também construídas no formato de um gigante « U »), o skate

desenvolveu-se como esporte, conduzido para o mundo dos espetáculos regrados, com

dia para acontecer e hora para terminar.

Agora, o que poderíamos dizer sobre o street skate? Seria possível esportivizá-lo

em campo aberto, longe dos marcos que sinalizam o começo e o fim de uma pista, de

um half-pipe (« U ») ou de uma Rua de Lazer? Como o poder esportivo poderia agir se

os corpos por ele visados apresentavam-se em constante movimento? Como disciplinar

o que não é estático? Ora, “o que se move escapa, por definição, à câmera sofisticada do

panóptico”3. Se o poder esportivo falha (e talvez possamos pensar o poder esportivo

também como um dos tentáculos do biopoder que tão bem nos indicou Foucault4), a

força policial deve entrar em cena, agindo para coibir aquilo que não pode ser por ele

alienado e, nessa perpectiva foucaultiana, por isso mesmo motivado. Assim,

diferentemente do skate vertical, praticado em grandes pistas e afeito à lógica do

espetáculo, o skate praticado nas ruas, que já fora alvo de repressão no início da década

de 1970 (vide capítulo um), voltou a ser combatido após a invenção, em meados da

década de 1980, do street skate. O auge disso fora o ano de 1988, quando a prática

chegou a ser proibida por decreto-lei (Lei 25871), “cortesia” do ex-presidente Jânio

Quadros, então prefeito da cidade de São Paulo, lugar onde se concentrava o maior

contingente de skatistas do país.

Na verdade, os desentendimentos entre Jânio Quadros e os praticantes de skate

na rua (street skate) começaram tão logo ele assumiu a prefeitura de São Paulo no início

de 1986. Nesta cidade, o Parque do Ibirapuera era um dos locais preferidos pelos 3 MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 25. 4 De acordo com Foucault, podemos compreender o biopoder como um complemento do poder disciplinar, mas uma das diferenças entre eles, entretanto, é que enquanto este agiria mais no tocante ao indivíduo, aquele visaria sua ação em coletivos, em populações. Os estudos de Michel Foucault sobre o biopoder podem ser lidos no primeiro volume da História da Sexualidade – intitulado “A Vontade de Saber” de Michel Foucault e, entre outros, também na transcrição de seu curso de 1975-1976 no Collège de France, publicado em 1999, no Brasil, sob o título de “Em defesa da sociedade”.

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skatistas em função do piso liso construído sob a marquise que interligava os cinco

museus lá existentes. Segundo um de seus freqüentadores, em função desse espaço, o

“Ibirapuera era o templo de todos os skatistas”5.

Em 2010, após um trabalho de seis anos com recuperação de imagens (filmadas

entre as décadas de 1970 e 1990)6, o diretor de cinema Daniel Baccaro lançou um

longa-metragem – em formato de vídeodocumentário – intitulado “Vida Sobre Rodas”7,

no qual aborda a trajetória de quatro skatistas brasileiros8 praticantes em pistas verticais

(“U”). O objetivo do filme (exibido em cinemas de várias capitais brasileiras e sob

patrocínio de empresas como Banco Bradesco e Guaraná Antártica) fora o de

demonstrar o sucesso atingido por esses quatro jovens – que numa expressão tomada de

empréstimo de Edgar Morin, podem ser considerados os quatro principais

“olimpianos”9 do skate brasileiro – através de suas excelentes colocações em

campeonatos nacionais e internacionais, grandes patrocínios conquistados e demais

façanhas realizadas com seus skates.

Embora este filme tenha por foco a trajetória desses quatro skatistas, em sua

parte inicial ele faz uma breve retomada de alguns episódios marcantes da história do

skate paulistano, enfatizando o uso do skate no Parque do Ibirapuera e a conseqüente

proibição dessa prática por Jânio Quadros. Em uma das imagens do filme, aparece Jânio

Quadros cercado por jornalistas, visivelmente irritado, bracejando e esbravejando pela

proibição do skate nas ruas da cidade.

De acordo com as imagens e depoimentos veiculados neste filme, mas também

com base em entrevistas que realizamos com alguns dos personagens-chave envolvidos

neste episódio – além da continuidade de nossa análise com as mídias de nicho

5 Depoimento do skatista Márcio Tanabe, colhido no dia 16/10/2009. 6 Segundo uma reportagem publicada no site da Folha de São Paulo, o cineasta Daniel Baccaro iniciou o processo de catalogação das imagens de época no ano de 2004, tendo recolhido 150 horas de vídeos e 5 mil de fotos. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm2211201001.htm, acesso em 22/11/2011. 7 Na contracapa do DVD do filme, também lançado no ano de 2011, encontramos a seguinte sinopse: ”Nos anos 80, Bob Burnquist, Cristiano Mateus, Lincoln Ueda e Sandro Dias já se destacavam no cenário marginalizado e amador que o skate ocupava no Brasil. Vida sobre Rodas narra com depoimentos de lendas do skate brasileiro e mundial, incluindo Tony Hawk e Christian Hosoi, as últimas décadas do esporte no país, seu vertiginoso crescimento e desenvolvimento técnico pela ótica de quem participou de toda essa revolução. Mais do que um registro sobre skate ou skatistas, o documentário conta histórias de superação, coragem, amizade e determinação de jovens que acreditaram em um sonho e realizaram o impossível”. In BACCARO, Daniel. Vida sobre Rodas (filme, 109 minutos). Goma filmes, 2011. 8 Bob Burnquist, Cristiano Mateus, Lincoln Ueda e Sandro dias (Dentro os quatro, o skatista Bob Burnquist é o que mais apresenta incursões pelo street). 9 Trata-se de como Edgar Morin intitula os indivíduos que se tornaram astros nos mais diversos segmentos, como no esporte, no cinema ou na TV. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 105.

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(Overall, Skatin’ e Yeah!) –, podemos afirmar com segurança que, na cidade de São

Paulo, o Parque do Ibirapuera era um dos principais locais onde os praticantes de skate

se reuniam, ouviam música e andavam de skate regularmente10. Na “terra da garoa”, o

“Ibira”, como era chamado pelos skatistas, os protegia das constantes chuvas que

precipitavam pela capital, fato que também facilitava a manutenção dessa atividade por

ser a área praticada, além de lisa, também coberta pela marquise.

Nesta época a sede da prefeitura de São Paulo ficava no Parque do Ibirapuera, e

essa proximidade acabava por facilitar os contatos visuais entre o prefeito, demais

autoridades, e a tribo dos skatistas que freqüentava o local. Descontente com a

utilização desta área pelos skatistas, em agosto de 1986, Jânio Quadros deu as suas

primeiras ordens para coibir a prática do skatismo por lá, como registrou em nota a

revista Yeah!,

O Parque do Ibirapuera tornou-se, a partir do fim de agosto último, um local proibido para a prática do Skate. Tudo começou quando a Polícia Militar apreendeu quatro skates por ordem do Prefeito Jânio Quadros (31/08/1986). [...] A alegação do capitão Armando Rafael de Araújo de que: “esporte é para ser praticado numa praça de esportes; o parque é uma área de lazer” é incoerente demais. Alguém já viu apreensão de bicicletas, bolas e patins?11

Embora coibidos, os skatistas continuaram freqüentando o Parque, desafiando as

medidas de Jânio. Como recorda Paulo Anshowinhas, editor da revista Yeah!, antes da

proibição definitiva de 1988, o prefeito já via com maus olhos a prática do skate, pois

“de 86 para 88 o skate estava vivendo um momento de grande repressão, não existia

uma legislação para o esporte em si, liberando ou proibindo, mas a polícia da época já

era muito restritiva. Andar de skate na rua já era algo visto como algo meio marginal”12,

argumentou. De fato, numa matéria publicada na revista Yeah! no ano de 1987, a qual

veiculava uma série de fotografias com diversos skatistas praticando nas ruas de São

Paulo (a matéria era intitulada “Street Images 87”), Paulo Anshowinhas já questionava:

10 Isso não quer dizer que os skatistas não transitavam pelas ruas. Pois, conforme demonstramos no capítulo anterior, as revistas existentes no mercado exibiam constantemente fotografias com esses skatistas nos mais variados pontos das cidades. O que estamos afirmando, entretanto, é que entre os espaços da cidade de São Paulo, o Parque do Ibirapuera era um dos locais preferidos pelos praticantes de street skate na época. 11 Revista Yeah!, n. 4, 1986, p. 12. 12 Depoimento colhido no dia 16/10/2009 (Arquivo do autor).

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“Por que tanta repressão? Sou eu um criminoso? Estarei eu transgredindo algum

preceito legal andando de skate?”13

De acordo com a jornalista Elaine Lavezzo (em reportagem publicada na revista

Skatin’14), após muitas rusgas entre skatistas e policiais que se estenderam durante anos,

a proibição efetiva no Parque foi decretada no dia 19 de maio do ano de 1988, quando o

então prefeito Jânio Quadros enviou um memorando, impresso no Diário Oficial,

proibindo “irrevogavelmente” o uso do skate neste local15. Segundo essa jornalista, essa

proibição atingiu em cheio os skatistas paulistanos, pois o Ibirapuera era onde a maioria

aprendia suas manobras e por isso um importante ponto de encontro para essa “tribo”.

Inconformados, ela relata que os skatistas se organizaram e, no dia 23 de junho

do mesmo ano, realizaram uma passeata com o uso de faixas e de um megafone, a qual

contou com aproximadamente 200 participantes. Essa passeata também foi noticiada

pelo Jornal Folha de São Paulo16, que no dia seguinte ao ocorrido, estampou uma

fotografia17 desses skatistas em sua capa principal. Na reportagem, a Folha lembrava

que “os adeptos do skate têm enfrentado dificuldades para treinar desde que o prefeito

decidiu proibir a entrada dos skatistas no parque, no dia 19 de maio”18.

Mas essa passeata – que partiu da Estação de Metrô Paraíso – e visava,

percorrendo algumas ruas da cidade, entrar no Ibirapuera para entregar “uma carta com

mais de 6 mil assinaturas”19 formalizando o pedido de reconsideração da proibição e

solicitando a “construção de uma pista no local ou em outra área pública”20, foi barrada

antes de atingir esse objetivo. Jânio Quadros não quis receber e nem dialogar com os

skatistas. De acordo com Márcio Tanabe, um dos principais skatistas engajados nesta

passeata (foi ele, por exemplo, quem comprou o megafone e mandou confeccionar as

faixas de repúdio a esta medida de Jânio), o grupo por ele liderado não conseguiu entrar

no Parque do Ibirapuera e chegar até a Prefeitura, pois Jânio Quadros ordenou para que

13 Revista Yeah!, n. 11, 1988, p. 31. (essa revista foi publicada em janeiro de 1988, mas a reportagem, como ela deixava claro, fora produzida no final de 1987). 14 Revista Skatin’, n. 3, 1988, p. 32. 15 No início, a proibição era aos finais de semana. No entanto, segundo relatos dos skatistas, a guarda metropolitana os coibia em quaisquer dias que fossem ao Parque “andar de skate”. 16 Folha de São Paulo, 24 de junho de 1988. 17 Abaixo da foto, encontrava-se a frase: “Cerca de 200 jovens participaram ontem de uma passeata sobre skate desde a estação Paraíso do metrô até o gabinete de Jânio Quadros, no Ibirapuera, em protesto contra a decisão do prefeito, tomada em maio, de proibir a prática do skate no parque”. 18 Folha de São Paulo (Caderno: Cidades: Educação e Ciência), 24 de junho de 1988, A – 12. 19 Revista Skatin’, n. 1, 1988, p. 21. 20 Revista Skatin’, n. 3, 1988, p. 32.

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os seguranças fechassem os portões de acesso ao Parque e impedissem a entrada dos

skatistas. “A gente ficou lá barrado”, recorda Tanabe.

Um dado curioso foi que essa passeata trouxe um efeito inverso ao esperado

pelos seus organizadores, que era a liberalização do uso do skate no Parque do

Ibirapuera e/ou a construção de uma pista pública na cidade. Segundo nota publicada

pela revista Overall, no dia seguinte ao ocorrido, Jânio Quadros “leu nos jornais sobre a

passeata e fez o contrário do esperado: ao invés de abrir um espaço para o skate, ele

cortou o principal, a rua”21. Assim, além do então prefeito manter a proibição do skate

no Parque do Ibirapuera, ele também ordenou que a prática fosse proibida por todas as

ruas da cidade de São Paulo. Por meio da manchete: “Jânio proíbe uso de skate em S.

Paulo”, o jornal Folha de São Paulo noticiou o feito da seguinte forma:

O prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, 71, irritado com a passeata promovida anteontem por praticantes de skate contra a proibição de seu uso no parque do Ibirapuera nos fins-de-semana, decidiu proibir que os skatistas circulem por todas as ruas da cidade. Em memorando ao secretário municipal dos Transportes, coronel reformado da PM Geraldo Penteado, Jânio solicitou “deter todos aqueles que praticarem esse esporte, no leito das ruas e nos logradouros públicos. Agravam o perigo que representam”22.

No dia 15 de agosto, somando-se a essa proibição, o juiz titular da Vara Central

de Menores, Valdir Augusto de Carvalho, determinou “todo empenho no sentido de

coibir a utilização de skate por menores, nas situações em que tal prática venha implicar

riscos à integridade própria ou à de terceiros”23. Enfim, escrevia Elaine Lavezzo na

revista Skatin’, a prática do skate na maior cidade do Brasil tinha se transformado “num

caso de polícia”24

*

21 Revista Overall, n. 10, 1988, p. 68. 22 Folha de São Paulo (Caderno: Cidades: Educação e Ciência): Esportes, 25 de junho de 1988, A – 16. 23 Revista Skatin’, n. 3, 1988, p. 32. 24 Revista Skatin’, n. 3, 1988, p. 32.

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Uma vez proibido, o street skate passou a ser um alvo legítimo da repressão

policial. Nas imagens veiculadas no vídeo-documentário “Vida sobre rodas”, é possível

visualizarmos o interior de delegacias repletas de skates no chão. Alguns depoentes

contam que as viaturas andavam pela cidade recolhendo os skates e que, em certas

ocasiões, os policiais já os abordavam aos socos e ponta-pé. O Skatista Thronn, numa

entrevista publicada na revista CemporcentoSKATE, diz ter sido alvo da força policial

no Parque do Ibirapuera, tendo inclusive lutado contra alguns guardas que visavam

confiscar seu skate. Abaixo, ele conta com detalhes o que aconteceu,

Por duas vezes eu fui preso, me colocaram numa cela. Uma vez fui preso porque estava dando fiftys [deslizando com os eixos do skate] nos arcos de ferro da igreja de Moema. Uma vez no Parque do Ibirapuera, fui ao banheiro da lanchonete e, quando voltei, todos meus amigos tinham sido abordados e seus skates confiscados. Aí os guardas vieram querer pegar o meu, e o pessoal, já meio derrotado e cabisbaixo, pediu pra eu entregar também, mas comecei a lutar, girando como numa roda de punk e saiu voando caneta, blocos de anotações, distintivos, moedas, tudo que os guardas tinham25.

Embora tenha lutado, Thronn, a exemplo de seus amigos, acabou tendo seu skate

confiscado também. Em um depoimento colhido com outro skatista, chamado Wilson

Rosa da Silva e apelidado de « Wilson Neguinho », o qual era um praticante de street

skate bastante conhecido na época26, foi declarado que,

Naquela época do Jânio foi muito ruim, porque a gente saia de casa com medo, quando via os guardas já virava qualquer rua e se escondia atrás dos carros. A gente andava sempre na Alameda Santos, geralmente à noite, eu, o Edu, o Tambor, um amigo meu que morava ali na Brigadeiro, e pô!, os guardas corriam atrás da gente com a arma mesmo, engatilhando e apavorando. Não sei como eu não tomei um tiro naquela época!27

25 Revista CemporcentoSKATE, n. 150, 2010, p. 71. 26 Wilson “Neguinho” chegou a se profissionalizar na prática do skate de rua, vencendo diversos campeonatos realizados em quadras fechadas e com a presença de rampas e trilhos que simulavam os aparelhos urbanos encontrados pelos skatistas nas cidades. Um dos pontos altos de sua carreira foi sua entrevista publicada na revista Skatin’, onde ele avaliava sua trajetória e, numa de suas respostas, dizia que ia para os campeonatos apenas para se divertir, dando pouca importância para as colocações. Revista Skatin’, n. 10, 1990, p. 23. 27 Em entrevista realizada no dia 02/12/2011 (Arquivo do autor).

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Em outros depoimentos colhidos por nós através do trabalho de campo (em

entrevistas semi-estruturadas), as respostas insistiam em evidenciar a repressão

desencadeada por Jânio Quadros na época. O skatista Rui Barbosa, apelidado no meio

como “Rui Muleque”, por exemplo, afirmou que após o decreto-lei de Jânio Quadros, a

Guarda Municipal ficou incubida de cumpri-la e por isso ele diz se lembrar do período

como uma fase de “terror” para os skatistas, uma vez que “o tempo todo eles

precisavam ficar fugindo da polícia, que apreendia os skates”28.

Nas revistas especializadas nesta atividade que existiam na época, muitos

leitores passaram a se manifestar por meio de cartas à redação, as quais eram publicadas

como sinais do descontentamento dos praticantes com essa medida de Jânio. O leitor

Luciano Pandinha, por exemplo, escrevia criticando o que “Jânio fez com os skatistas

de São Paulo”, e indagava “qual o mal de andar de skate nas ruas e no Ibirapuera?”29.

Certamente, este episódio da proibição da prática do skate nas ruas da cidade de São

Paulo pode ser visto como bastante emblemático nesta arte de governar os corpos, uma

vez que todo exercício de poder, como afirmou Foucault, é sempre “uma ação sobre

ações”30.

Embora a proibição ao skate imposta por Jânio Quadros em São Paulo tenha sido

a que melhor foi documentada, certamente ela está longe de ter sido a única no período.

Nos Estados Unidos, por exemplo, neste mesmo período “algumas prefeituras do Estado

da Califórnia baixaram leis proibindo a prática do skate nas ruas e calçadas”31. E se

olharmos para outras cidades do Brasil, como Mogi das Cruzes, por exemplo, há relatos

de que a prática nas ruas também chegou a ser proibida32. Na verdade, através das cartas

publicadas nas revistas analisadas, podemos observar que em muitas cidades do país, ao

final da década de 1980, instaurava-se um quadro análogo ao que havia em São Paulo.

“Aqui em São Luís (MA), a repressão é uma coisa negativa, pois não podemos evoluir com tanta repressão. Pra que tanta? Será que somos criminosos? Estamos praticando algum crime andando de skate? Esses policiais ao invés de procurar ladrão para prender vêm é nos repreender. A repressão ao skate em São Luís é uma coisa muito

28 Em entrevista realizada no dia 19/12/2011 (Arquivo do autor). 29 Revista Overall, n. 10, 1988, p. 65. 30 FOUCAULT, Michel. O Sujeito e o Poder. In DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul (orgs.). Michel Foucault: Uma Trajetória Filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 243. 31 Revista Skatin’, n.2, 1988, p. 24. 32 Revista Overall, n. 9, 1988, p. 68.

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séria”33 (Trecho da carta de Paulo Roberto Martins Gomes, de São Luís, MA).

“Somos do interior de São Paulo: Igarapava. Estamos querendo o nosso espaço aqui, pois a Lei não permite skate nas ruas”34 (Trecho da carta de Allan Ferreira de Paula, de Igarapava/SP) “Queria saber o que a moçada deve fazer quanto à polícia, que acha que andar de skate é ilegal. E, por isto, está apreendendo skates na nossa cidade”35 (Carta de Igor Santucci, de Cordeirópolis/SP) “Aqui em Lins é muito difícil andar, pois a polícia proibiu skate nas ruas. Transformaram o esporte em crime”36. (Trecho da carta de Edílson de Oliveira, de Lins/SP) “O vírus recentemente descoberto, o “Jânio Quadros Chatus”, pega!!! Já chegou aqui no Sul: um idiota que está na prefeitura proibiu a nossa única pista: a rua! O problema é o seguinte, proíbem sem ao menos reservar, por menor que seja, um espaço para andar”37 (Trecho da carta de Edu Salgado, de Sapucaia do Sul/RS) “Estou escrevendo para criticar a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que em 19 de agosto cometeu uma grande injustiça ao tomar meu skate e de meus amigos. Sempre fazemos sessions numa ladeira na Universidade, mas naquele final de semana aconteceu uma grande discriminação dos guardas locais. Já íamos embora quando um fusca parou do nosso lado e dele desceram quatro guardas armados que vieram em nossa direção. Tentamos correr mas outros dois guardas se aproximaram e tomaram nossos skates”38 (Trecho da carta de Tito Lívio Kremer Martins, de Viamão/RS) “Aqui em Leme, no interior de São Paulo, há algum tempo a polícia e o juizado de menores estão dando em cima [...] Por isso, muitos skatistas pararam de andar. Moçada, vamos arrepiar nas ruas, senão o skate em Leme vai acabar!”39 (Trecho da carta de Fábio Marcelo Rodrigues, de Leme/SP) “A praça do Can, que fica bem em frente da Basílica de Nazaré é um verdadeiro paraíso para a prática de street e free style, mas infelizmente somos proibidos de usufruir essa maravilha skatística, e

33 Revista Overall, n. 11, 1988, p. 65. 34 Idem, p.66. 35 Revista Overall, n, 14, 1989, p. 62. 36 Idem, p. 62. 37 Revista Overall, n.12, 1988, p. 62. 38 Revista Skatin’, n. 9, 1989, p. 14. 39 Revista Skatin’, n.7, 1989, p. 14.

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os que teimam em andar por lá já foram até levados à central de polícia”40 (Trecho da carta de Álvaro Roberto Tuji, de Belém/PA) “Gostaria de deixar meu protesto contra as autoridades dessa minha cidadezinha [...] O skate corre riscos aqui no interior do estado. Estamos lutando pelas nossas tendências, pelo nosso skate”41 (Trecho da carta de José Ricardo Lopes, de Assis/SP)

Dado, portanto, que a proibição ao skate de rua não se restringia a São Paulo e

que ela visava eliminar esse novo modo de utilização do skate nas mais diversas cidades

do país (lembramos que a prática do skate nas ruas era, segundo dados publicados pela

revista Veja em dezembro de 1987, a que angariava a imensa maioria do “1 milhão de

jovens”42 praticantes no período), podemos sem dúvida deduzir que isso afetaria, de

modo negativo, as vendas das revistas especializadas neste segmento. Assim, por correr

o risco de ter seu público consumidor drasticamente reduzido, e por isso sucumbirem

por falta de leitores e anunciantes, essas mídias não poderiam ficar passivas frente à

proibição.

Dentre as três mídias de nicho analisadas, foi a revista Yeah! a qual trouxe a

maior quantidade de elementos para a reflexão, sendo que as outras (Skatin’ e Overall)

detiveram-se em noticiar o fato tal como relatamos acima e publicar as cartas dos

skatistas que se viam impedidos de andar de skate em São Paulo e também em nas

demais cidades onde ele era repreendido. A seguir, portanto, iremos analisar a edição da

revista Yeah! dedicada, especialmente, a questionar a legalidade desta lei de Jânio

Quadros.

40 Revista Skatin’, n. 4, 1989, p. 12. 41 Revista Yeah!, n. 10, 1988, p. 12. 42 Este era o número estimado de praticantes de skate no país. Fonte: Revista Veja, 02/12/1987, p. 92.

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“ANDAR DE SKATE NÃO É CRIME”

Figura 38: capa da revista Yeah!, n. 10, 1988.

A imagem acima reproduz a capa da edição de número 10, de 1988, da Revista

Yeah!. Nela podemos ler, logo abaixo da fotografia do skatista, as palavras “andar de

skate não é crime”. Esse bordão virou um “slogan por um longo período entre os

skatistas, e isto como forma de contestação”43, explicou-nos Paulo Anshowinhas, editor

dessa publicação. De fato, tratava-se aqui de uma edição especial dessa revista, quase

toda voltada a noticiar (e também a repudiar) a atitude do prefeito Jânio Quadros de

proibir o skate nas ruas da cidade de São Paulo.

No interior da revista, Paulo Anshowinhas assinava uma matéria de várias

páginas noticiando, comentando e refletindo sobre essa proibição. O título geral de sua

reportagem era: “Legalizar ou permanecer marginal?”, e nela ele tanto se colocava

43 Entrevista com Paulo Anshowinhas em 03/02/2012 (Arquivo do autor).

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contrário a essa proibição quanto dizia ser necessário incentivar o uso do skate para que

esse não continuasse marginalizado.

Às vezes eu penso que o skate é um esporte moderno até demais para a sociedade em que vivemos. Quando você repreende, é porque você teme a ação. Afinal, o que é skate? Para nós, é um meio de transporte moderno para curtas distâncias, um estilo de vida jovem e dinâmico, um esporte complexo e saudável. Então, por que não legalizá-lo, antes que algum “crime” venha se associar a ele ou persegui-lo. Proibir alguém de andar na rua é castrar o próprio direito de ir e vir do cidadão. Esperamos que nossos constituintes e juristas notem que os praticantes de skate são jovens esportistas e que, na sua condição de jovem, são o futuro de nosso país. Não devemos ficar à margem de algo que é nosso! Incentivar para não marginalizar. Vamos todos crescer. O Brasil precisa. O skate também!44

É possível percebermos, neste editorial, diferentes modos pelo qual a palavra

“esporte” era evocada. Num primeiro momento, Anshowinhas se refere ao skate como

“um esporte moderno até demais para a sociedade em que vivemos”, logo em seguida,

ao responder a pergunta: “Afinal, o que é skate?”, ele diz que é tanto um meio de

transporte, quanto um estilo de vida e, também, um esporte complexo e saudável. Deste

modo, é interessante notarmos como Anshowinhas fez uso de adjetivos elogiosos ao

skate exatamente no momento em que este fora proibido. Sua adjetivação sobre o que

era o skate, portanto, atende a interesses específicos. Primeiramente o skate não era um

esporte como os outros, ele era mais “moderno”, por isso a dificuldade da sociedade em

compreendê-lo. Além de ser moderno, o skate também seria complexo, o que

dificultaria ainda mais sua compreensão. Seguindo-se a essa caracterização, ele também

escrevia que o skate é um esporte saudável, pois praticá-lo faz bem a saúde. Como

poderia, então, um prefeito ir contra a saúde de seus jovens?

Certamente esta não era a primeira vez que Anshowinhas referia-se ao skate

como esporte, mas é interessante lembrarmos como ele, em edições anteriores da Yeah!

também escrevia que os skatistas “não se preocupam com a etiqueta social, nem com o

sistema que tentam lhes impor. Criam uma anarquia urbana e circulam sem nenhum tipo

de autoritarismo”, reforçando a idéia de que “eles pensam diferente do Status Quo e se

44 Revista Yeah!, n. 10, 1988, p. 8.

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comportam como tal”45. Não obstante, lemos na citação acima que os skatistas são

“jovens esportistas” que, “na sua condição de jovem, são o futuro do país”. Tal aparente

contradição, entretanto, pode ser explicada se notarmos o uso, como uma artimanha

discursiva, da palavra “esporte”. Pois como escrevemos no início desta tese, “esporte” é

uma atividade que, no fio da história, passou a influenciar positivamente as mais

diversas esferas socais46, encarnando os códigos da modernidade, estimulando a vontade

de sempre progredir e de ter uma vida saudável. Neste caso, portanto, associá-lo ao

skate era criar um escudo a essa prática, isto é, buscar nessa articulação um modo de

combater à proibição imposta por Jânio Quadros. Pois quem, em sã consciência,

proibiria um esporte?

A questão é que, se retirarmos o skate das significações esportivas, o que sobra?

Como lutar pela legalização de uma prática corporal, de um estilo de vida? No caso do

skate, sua associação com o termo “esporte” funcionava como uma bandeira de luta, era

algo que gerava forças ao skate e por isso podia legitimá-lo perante a sociedade que não

o compreendia e, por isso, o marginalizava. Talvez possamos pensar essa duplicidade

como uma estratégia discursiva, uma espécie de reação aos poderes políticos

estabelecidos. Há um texto bastante interessante de Michel Maffesoli sobre a

importância do “jogo-duplo” nas relações de poder. Segundo ele, fingir que se está

fazendo ou dizendo uma coisa quando, na verdade, se quer dizer ou fazer outra; ratificar

o que é oportuno para não ser destruído, elaborar variações sobre um mesmo tema para

não sair do jogo são “maneiras suaves de desestabilizar o político”47. A duplicidade,

muitas vezes feita de modo não planejado, mas inconsciente, é um modo entranhado

daqueles que não estão “instalados no poder” resistir e conservar o grupo do qual fazem

parte.

Ora, se tal contradição discursiva pode ser observada ao verificarmos diferentes

exemplares da revista Yeah!, ela era salutar como mecanismo de defesa. Assim, nesta

edição em especial, tudo se passava como se Anshowinhas estivesse dizendo: vocês

estão marginalizando um esporte? Vocês vão mesmo proibir um esporte? Mas como?

45 Revista Yeah!, nº 2, 1986, p.23. 46 Sobre isso, ver: EHRENBERG, Alain. O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida: Idéias & Letras, 2010; e os trabalhos de Carmen Lúcia Soares, em especial: SOARES, Carmen Lúcia. Pedagogias do corpo: Higiene, ginástica, esporte. In RAGO, Margareth. VEIGA-NETO, Alfredo (orgs). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 75 – 85. 47 MAFFESOLI, Michel. Liberdades intersticiais. In MORIN, Edgar. A decadência do futuro e a construção do presente. Florianópolis: Editora da UFSC, 1993, p. 53.

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Estão loucos? Esporte é algo saudável, não se proíbe um esporte, pelo contrário, esporte

é algo que merece ser incentivado.

Mas Anshowinhas não estava sozinho nesse discurso. Pois além de contar com o

apoio óbvio da “tribo” da qual era um porta-voz autorizado, também o Jornal Folha de

São Paulo produziu uma matéria em que não só lembrava que o “Código Civil garante à

população os direitos quanto o uso de áreas públicas da cidade” como também trazia um

depoimento do advogado Walter Ceneviva – na época com 60 anos de idade e um dos

membros de seu grupo de articulistas – que apontava as contradições desta lei. Para

Ceneviva, portanto,

O prefeito não tem a menor condição de implementar a ordem, pois se assim fosse, ele também poderia impedir o uso de bicicletas e patinetes, que coincidentemente, estão sendo testados para utilização da Guarda Metropolitana. O máximo que se pode fazer é o alerta contra a imprudência de certos skatistas, numa atitude de proteção contra sua vida e de terceiros. Não se pode coibir genericamente o uso de um bem comum do povo48.

De acordo com este advogado, portanto, a proibição do skate nas ruas tornava-

se algo de difícil concretização, pois se tal lei fosse cumprida, também outros aparelhos

de deslizamento, como bicicletas e patinetes, poderiam ser coibidos. No entanto, ele

ressaltava que alguns skatistas cometiam imprudências (certamente uma referência aos

praticantes de street49), e esses sim deveriam ser advertidos “numa atitude de proteção

contra sua vida e de terceiros”.

A questão, portanto, é que Ceneviva, embora também se colocasse contrário as

imprudências cometidas por muitos desses jovens nas ruas – e cremos que podemos

interpretar essas imprudências como algumas das manobras mais ousadas que eles

tentavam realizar em escadarias, ladeiras etc –, pensava a cidade como um bem coletivo

e, por este ponto de vista, pertencente a todos. Fora isso, a comparação com as bicicletas

e patinetes era pouco fundamentada. Pois os praticantes de bicicletas e/ou patinetes não

48 “Para advogado, proibição de skate na rua é ilegal”, In Folha de São Paulo (Caderno: Cidades: Educação e Ciência), 26 de junho de 1988, A - 26. 49 Nesta época, além de utilizarem-se de aparelhos urbanos como escadas e corrimãos, os praticantes de street skate também deslizavam por ruas e declives, derrapando com as rodinhas no asfalto (downhill).

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pulavam escadas, subiam em bancos etc, eles apenas deslocavam-se de um espaço para

outro, assim como também faziam os pedestres.

Nesta perspectiva, portanto, cremos que faltava a Ceneviva a compreensão de

que o street skate não era somente uma prática de deslocamento geo-espacial, mas,

sobretudo, de apropriação espacial (ou, como afirmamos no capítulo anterior, de criação

de heterotopias). E se a invenção de um outro espaço era o que definia o street skate,

advertir essa imprudência era, obviamente, achar que se os skatistas utilizassem seus

skates somente como um instrumento de passeio – como faziam os praticantes de

bicicleta e patinente – a questão estaria próxima de ser resolvida, pois assim eles não

trariam mais riscos “contra sua vida e de terceiros”.

*

Mas voltemos os olhos novamente para a revista Yeah!. De fato, nesta edição

havia inúmeras fotos de repressão contra skatistas. As imagens, distribuídas ao longo da

revista, demonstravam a repercussão dessa medida autoritária de Jânio Quadros, pois

nelas skatistas apareciam em fila, de costas e com as mãos nas paredes, enquanto

guardas metropolitanos os revistavam. Junto a essas imagens, havia também diversos

textos, escritos e dirigidos para os praticantes de skate (os principais leitores dessa

revista).

Cuidado! Você é um skatista. E está sendo observado.

Coloque o seu skate no chão. E prepare-se para a guerra. Você não pode mais se divertir.

Você não pode mais praticar um esporte. Porque agora você é um criminoso!

E ao lado de milhares de outros criminosos, você terá que resistir. Você será recrutado. E lutará na legião dos perseguidos.

Você irá pras ruas. Armado com seu skate50.

50 Revista Yeah!, n. 10, 1988, p. 44.

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De fato, a proibição da prática do skate tornava, quem a desrespeitasse, um

suposto “criminoso”. No entanto, a mensagem acima também pode ser analisada por

outros vieses. Em primeiro lugar, devemos lembrar que essa revista dependia de seus

leitores para continuar sendo publicada. Além deles, as firmas que produziam skates

também não podiam entrar em falência, fato que automaticamente geraria graves

conseqüências para este segmento de mercado: menos skatistas, menos demanda, menos

consumidores etc. Jânio Quadros parecia não recuar, além de não receber os skatistas

para um possível acordo ou diálogo quando esses, numa passeata, o procuraram,

criminalizou a prática ao proibi-la através de memorandos. Assim, para não perder

leitores e nem ver sua “tribo” diminuída, a solução encontrada foi instigá-los a

“resistir”.

Fica claro nesta passagem como o poder, que a princípio poderia ser detectado

unicamente na figura do prefeito Jânio Quadros, não se restringe somente a ele e de

modo algum o pertence. Como nos ensinou Foucault em suas análises, o poder não

existe senão em ato, e por isso os grupos de skatistas e os indivíduos responsáveis por

editar suas mídias de nicho, como era o caso de Paulo Anshowinhas na revista Yeah!,

também contavam com certa margem de liberdade e possibilidades de ação. Nunca é

demais lembrar que, para Foucault, o poder

Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles51.

Não temos dúvidas de que a proibição do uso do skate nas ruas e no Parque do

Ibirapuera era uma medida coercitiva, que acessava mecanismos de controle e sistemas

de vigilância. Por outro lado, a recusa de muitos skatistas em aceitar passivamente as

diversas ações deste poder também nos incitam a pensar uma outra série de questões.

Assim, se formos analisar as matérias publicadas no Jornal Folha de São Paulo que

saíram nas semanas seguintes a essa proibição definitiva de Jânio Quadros, é possível

verificamos como os skatistas buscavam certa dose de autonomia perante essa

51 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 183.

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proibição. No dia 26 de junho de 1988, por exemplo, o Jornal Folha de São Paulo,

além de exibir em sua capa uma grande foto com diversos skatistas transitando pelas

ruas da cidade, escrevia em sua legenda que: “Alexandre Ribeiro e seu grupo de

skatistas da zona norte de São Paulo desafiam a proibição de andar de skate nas ruas da

cidade, determinada pelo prefeito Jânio Quadros”52.

O jovem citado pela reportagem da Folha de São Paulo, Alexandre Ribeiro, era

um praticante de skate de rua bastante conhecido entre os skatistas na época. Por ter

sido capa desta edição da Folha de São Paulo, nós buscamos localizá-lo para saber se

ele teria alguma história a contar acerca desta fase em que o skate fora proibido em São

Paulo. Após estabelecermos o contato com vários skatistas/jornalistas das mídias

especializadas em skate existentes atualmente, acabamos descobrindo que Alexandre

Ribeiro não mais residia em São Paulo, mas sim em Cuiabá, capital do Estado de Mato

Grosso. A mudança para este Estado se deu por sua aprovação no concurso público para

professor adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), na área de

veterinária, uma vez que Ribeiro doutorou-se em cirurgia veterinária pela UNESP.

Conseguimos entrar em contato com Alexandre Ribeiro através das redes sociais

virtuais e, por e-mail, ele nos relatou um episódio ocorrido entre ele, um grupo de

amigos, um guarda municipal e o próprio Jânio Quadros. O relato, bastante rico em

informações e com muitos detalhes, deixa evidente como o poder é sempre um campo

de disputa e, dependendo da situação, nem sempre o mais “forte” vence. Segue abaixo a

transcrição, na íntegra, do relato escrito por Alexandre Ribeiro,

Nos estertores do mandato de Jânio Quadros, ou seja, após a votação que elegeu Luíza Erundina, eu e mais um grupo de amigos skatistas estávamos no Parque do Ibirapuera (onde hoje é realizada a Bienal do Livro e a São Paulo fashion Week). O evento se chamava "Fest jovem" e muitos eram os espectadores, uma vez que Sergei Ventura e Christian Hosoi (dois skatistas norte-americanos profissionais de skate vertical) estavam se apresentado numa pista (“U”) montada especialmente para esta ocasião. Ao sairmos dessa demonstração de skate vertical, cruzamos uma das marquises pegando impulso sobre os skates. Estávamos entre oito a doze pessoas, todos com idade entre 14-16 anos, quando fomos surpreendidos por um guarda municipal, que utilizava uma espécie de troller ou moto... Ele empilhou todos os skates e disse que iriam ser recolhidos, pois era ilegal andar de skate na marquise do Ibirapuera. Nessa época, a sede da prefeitura de São Paulo era exatamente na frente do ocorrido. No meio do "bate boca"

52 Folha de São Paulo ( manchete de capa), 26 de junho de 1988.

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com o guardinha, eis que surge um "opalão comodoro preto" e de dentro dele sai o ILMO Sr. Jânio Quadros!! Ele veio em nossa direção, escoltado por dois seguranças. Ao vermos a cena, todos os queixos caíram (inclusive o do guardinha)!!!! Noooosssssaaaaaaa, pois uma coisa é você ser pego por um guardinha que aplica uma lei, e outra é você levar um "esporro" da própria pessoa que criou essa lei!!!!!! Exatamente, Jânio Quadros foi até nós e começou a perguntar: -Que baderna é essa aqui? Vocês não sabem que eu proibi a prática de skate nas ruas da cidade de São Paulo, inclusive aqui no Parque? Um dos meus amigos se desesperou e pegou o skate do meio da pilha, dizendo que a mãe dele iria dar uma bronca se ele perdesse o skate. Foi quando Jânio disse: -Dê-me este skate, ele foi apreendido (lê-se: apriendííídooo)!!!! “Vixe”, “gelei” após ouvir isso!! Deram-se início as explicações, que estávamos apenas de passagem, pois nossa ida ao Ibirapuera se devia a uma apresentação feita por dois norte-americanos (Fest jovem) que ocorria no mesmo local da Bienal. Lembro-me que ele disse: -Mas o que é a Bienal?? Onde é isso? O guarda e os seguranças começaram a apontar o local e afirmaram que o evento estava mesmo ocorrendo. De repente, Jânio disse: -Ah, mas vocês são mesmo terríveis, devolvam-lhes os skates!! Escutem, aguardem o mandato da nova prefeita Erundina que irá liberar a prática do skate; inclusive liberará a volta dos camelôs às calçadas!!53

Este relato de Alexandre Ribeiro (24 anos após o ocorrido) põe em cena dois

grupos de personagens: de um lado, representando o poder da lei, podemos localizar

primeiramente o guarda municipal e, somando-se a ele, o próprio prefeito Jânio Quadros

(o símbolo máximo dessa lei) e seus dois seguranças. Já do outro lado, representando

aqueles que deveriam ser os sujeitos sobre os quais essa lei se aplicaria, temos os

skatistas de rua, jovens de 14 a 16 anos e num número de oito a doze indivíduos, que

circulavam com seus skates no chão liso do Parque do Ibirapuera.

Uma questão que podemos nos colocar é: Por que o guarda deixou de apreender

os skates, como era de praxe na época e como a lei previa? Analisando o depoimento

escrito acima, podemos concluir que se tratava de indivíduos muito novos, jovens na

idade de 14 a 16 anos, sendo que um deles, ao ter o skate recolhido, entrou em

desespero, dizendo que levaria uma “bronca” da mãe caso ele perdesse o skate. Some-se

a isso o fato de Jânio Quadros ter demonstrado conhecimento de que sua sucessora, a

petista Luiza Erundina, logo que tomasse posse, optaria pela liberação da prática do

skate nas ruas de São Paulo. Sua proibição, portanto, tinha data para acabar. Além disso,

53 Em depoimento fornecido por e-mail (26/02/2012)

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havia o álibi de um evento de skate (“Fest Jovem”) estar ocorrendo nas proximidades do

local. Neste contexto, devolver os skates aos jovens parece ter sido a única forma que

Jânio Quadros encontrou para desatar uma situação que fora criada por sua própria

intolerância com os jovens. Pelos apelos da situação, foi esse grupo de jovens (e não o

prefeito) quem acabou vencendo a disputa. Ao final, os skates não foram

“apriendííídooosss”, como escreveu Ribeiro, em alusão a fala estridente dessa

controversa figura da história política brasileira.

“ERUNDINA: A PREFEITA QUE AMA O SKATE”54

Figura 39: Em novembro de 1990, Luiza Erundina, prefeita de São Paulo, foi fotografada na iminência de subir num skate. Fonte: arquivo pessoal de Paulo Anshowinhas. Nas páginas finais dessa tese, nos anexos, encontra-se a imagem da prefeita com os dois pés sobre o skate, a qual foi reproduzida pelo Jornal da Tarde, em sua edição de 15/09/1990, no caderno de “Esportes”.

54 Título de uma reportagem publicada no Jornal da Tarde, edição de 16 de julho de 1990.

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Um “terremoto” noticiava o jornal francês Le Monde55, um “soco das urnas”,

revelava em letras garrafais a principal manchete de capa da revista Veja. De fato, a

vitória de Luiza Erundina de Souza nas eleições de 15 de novembro de 1988 para a

prefeitura de São Paulo fora inesperada tanto para sociólogos petistas como Francisco

Weffort56 - o qual dava como certa a vitória de Paulo Maluf do PDS - quanto para os

próprios membros de seu partido, como José Genuíno, que teria dito que “a campanha

de Erundina foi um milagre”57.

No entanto, ainda de acordo com a revista Veja, em sua edição de 23 de

novembro de 1988, o inesperado de uma mulher de 53 anos, nordestina, defensora dos

sem-terras, lançada candidata com o patrocínio “daquela fatia do partido apelidada de

xiita”58, solteira, considerada “intransigente”59 e que ostentava sobre seu corpo obeso

“as formas de um Fusca”60, revelou que o eleitorado de São Paulo estava “cansado de

políticos carcomidos”, os quais se revezavam no poder “como atores de uma mesma

peça de teatro”61 e, no dia da eleição, optou pela “ruptura”62, isto é, pela “vitória da fera

radical”63, de Luiza Erundina, a chamada “prefeita marxista”64.

De fato, Erundina se definia com uma marxista, mas estava “longe de pretender

uma revolução em marcha na cidade de São Paulo”65. Talvez por isso, e com um misto

de espanto, entusiasmo e apreensão, Luiza Erundina fora noticiada nessa revista, ao

longo de 11 páginas, como a mulher de origem humilde, nascida em uma cidadezinha

do alto sertão paraibano – chamada Uiraúna - e que fez, contrariando as dificuldades

que a vida lhe impôs, a opção pelos estudos uma força motriz que agora ganhava

amplitude com sua vitória nas urnas.

Segundo Veja, Luiza Erundina foi a sexta filha de um total de dez rebentos

gerados de um pai artesão e de uma mãe feirante. A revista conta que em certa ocasião,

para sustentar a família, seu Antonio Evangelista – o pai de Erundina – chegou a vender

sua própria aliança de casamento. No entanto, mesmo em meio a vida dura do sertão

nordestino, Luiza Erundina revelou que fora o pai quem lhe incutiu o gosto pelos

55 De acordo com a reportagem da revista Veja, 23 de novembro de 1988, p. 31. 56 Revista Veja, 23 de novembro de 1988, p. 34. 57 Idem, p. 39. 58 Ibidem, p. 29. 59 Ibidem, p. 34. 60 Ibidem, p. 34. 61 Segundo a Veja, o “nome dessa ruptura é Partido dos Trabalhadores, ou PT”, p. 29. 62 Ibidem, p. 29. 63 Ibidem, p. 34. 64 Ibidem, p. 33. 65 Revista Veja em São Paulo, 23 de novembro de 1988, p. 14.

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estudos, fato que a levou a migrar para Campina Grande com o objetivo de completar o

2º grau e arrumar emprego como professora primária.

Com muito esforço, ela relata que conseguiu fazer faculdade e se formar na

Escola de Serviço Social de Paraíba. Em 1968 foi para São Paulo e obteve o título de

Mestre em Serviço Social. Após essa titulação, retornou a Paraíba e fez concurso para

tornar-se professora na Universidade Federal. Foi aprovada em primeiro lugar, mas não

conseguiu ocupar o cargo por ter sido acusada de “subversiva” pela Ditadura Militar.

Após essa frustração, Erundina estabeleceu-se em São Paulo, onde conseguiu

passar num concurso para a prefeitura e trabalhar como assistente social do município e

também como professora em faculdades particulares. Com a redemocratização do país e

com a fundação do PT, e sob convite do próprio Luis Inácio Lula da Silva, ela ingressou

no Partido dos Trabalhadores e lançou-se na vida pública, sendo eleita Vereadora em

1982 e Deputada Estadual quatro anos mais tarde.

Após o término da gestão de Jânio Quadros, foi essa nordestina de origem

humilde e empenhada em administrar a cidade de São Paulo para o benefício dos

“paulistas de baixa renda”66 quem revogou a Lei 25871, a qual proibia a prática do skate

nas ruas da maior cidade do país.

O primeiro contanto entre Erundina e os skatistas aconteceu em 1988, antes das

eleições municipais. Os jovens praticantes de skate estavam inconformados com a

proibição do então prefeito Jânio Quadros e foram até Erundina solicitar a revogação

dessa medida, caso ela fosse vitoriosa nas eleições. Segundo a candidata, tratava-se de

“uma reivindicação natural da juventude, uma disputa de espaço que tem sentido”67, e

por isso deu sua palavra que, se realmente fosse eleita, ela legalizaria o skate na cidade

de São Paulo, promessa que de fato cumpriu.

Após sua vitória, o Jornal Folha da Tarde, em sua edição de 16 de julho de

1990, deu evidência ao feito sob o sugestivo título: “Erundina: a prefeita que ama o

skate”68. Abaixo se encontra transcrita – e logo após analisada – os principais trechos

dessa entrevista.

Folha da Tarde – O fato de reabrir o Ibirapuera para a prática do skate a aproximou muito dos skatistas. Existe um compromisso com essa rapaziada?

66 Ibidem, p. 38. 67 Idem, p. 20. 68 Jornal Folha da Tarde, 16/07/1990.

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Erundina – Eu me sinto comprometida com os skatistas da cidade, tanto que está em estudo um projeto para a construção de um espaço próprio para a prática do skate no Ibirapuera. A partir desta experiência vamos tentar estendê-la a outros parques. Meu compromisso com eles é tão sério que ainda pretendo fazer parte de algum clube que reúna skatistas, embora já não tenha mais idade para fazer o mesmo que essa rapaziada maravilhosa de nossa cidade faz sobre um skate. Na nossa gestão vamos criar condições para que os adeptos deste esporte possam praticá-lo adequadamente. Folha da Tarde – Por que a prefeita continua apoiando os eventos promovidos pelos skatistas se eles ainda não são vistos com bons olhos pela sociedade? Isto não gera uma imagem negativa para a prefeitura? Erundina – Não, porque o esporte é uma prioridade do governo. Nós dedicamos atenção especial aos jovens e às crianças, pois, se não cuidarmos bem dessa meninada agora, não poderemos nos queixar do que venham a ser no futuro. Por isso, ainda este ano, espero me reunir com os skatistas para discutir o projeto do Ibirapuera e outras maneiras da prefeitura estar mais presente, ajudando de uma forma mais efetiva a prática do skate. Folha da Tarde – Uma das principais reivindicações dos skatistas são pistas públicas para a prática do skate. Existe a possibilidade da prefeitura vir a atendê-los? Erundina – Eu já pedi à Secretaria de Serviços e Obras, o departamento que cuida dos parques da cidade, que me apresente um projeto e seus custos para se fazer a pista do Ibirapuera. Minha idéia é conseguir, junto com os skatistas, o apoio dos empresários para a construção desta área, porque os usuários do parque, principalmente os idosos reclamam que a meninada fica usando a marquise. Por isso, vamos ver se nós criamos um lugar especial para a prática do skate, começando pelo Ibirapuera. Quem sabe ainda este ano nós viabilizamos este projeto para depois estendê-lo a outros parques da cidade. Folha da Tarde – Este compromisso com os skatistas nasceu quando, prefeita? Erundina – Nasceu antes das eleições. Uma das bases da minha campanha eleitoral foi os jovens, mesmo aqueles que não tinham idade para votar. Acho que por causa dessa minha cara de avó, de tia, acabei criando um vínculo muito forte com a juventude e as crianças. Então, os skatistas me pediram para liberar o Ibirapuera, quando fui eleita. Muita gente não gostou, mas eles adoraram. A partir daí começou o nosso amor com os skatistas da cidade.

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Nesta entrevista, dois pontos merecem se destacados. Primeiro: É nítido o

contraste entre essa atitude de Erundina em buscar o diálogo com os skatistas e a

postura de Jânio Quadros em não recebê-los e ainda proibi-los do direito de exercer a

prática por eles escolhida. Segundo: Luiza Erundina, embora tenha liberado o uso do

skate no Parque do Ibirapuera, não via esse local como sendo adequado para a prática

dessa atividade, a qual ela tratava como “esporte”. Segundo ela, o ideal seria a

construção de pistas de skate, as quais primeiramente seriam construídas neste Parque e

depois se estenderiam por outros espalhados pela cidade. Em sua concepção, ao

construir essas áreas, a prefeitura estaria influenciando positivamente essa atividade e

não somente reprimindo, como fez seu antecessor.

Se podemos enaltecer a atitude de Erundina em dialogar com os jovens e

repudiar a medida de Jânio Quadros em não lhes dar ouvido, negando-lhes o direito do

exercício da cidadania, não podemos perder de vista que ela, com toda a sua boa

vontade, apostava que, para o skate ser bem aceito, ele necessariamente deveria ser

praticado em pistas de skate. Através dela (e essa era uma vontade da maioria dos

skatistas), o poder esportivo manifestava-se.

A questão, portanto, é que após a legalização da prática do skate no início da

década de 1990, essa atividade expandiu-se. No ano de 1995, por exemplo, inventou-se

até mesmo uma data - 3 de agosto - para se comemorar o skate em São Paulo. O “Dia do

Skate”, como ficou conhecido, nasceu de um projeto do vereador Alberto Hiar e acabou

sendo aprovado e sancionado pelo então prefeito Paulo Maluf. Para comemorar o feito,

muitos skatistas foram convidados a uma sessão solene no Salão Nobre da Câmara

Municipal. No início de seu discurso, Alberto Hiar lembrava que “se movimenta mais

de 5 milhões de dólares nesse esporte”69, e que por isso o skate “é um esporte que tem

que ser representado numa casa parlamentar como a Câmara Municipal de São Paulo”70.

Assim, acompanhando o crescimento do número de skatistas nas ruas, o poder

público também foi percebendo suas benfeitorias. As pistas de street skate construídas

são um bom exemplo disso. Ao promoverem o skate como esporte, elas acabam por

fazer girar a indústria que lhe é correlata. Ao longo da década de 1990 elas começaram

a aparecer e tomaram um grande impulso na virada do milênio. Somente na gestão da

prefeita Marta Supliy (2000 – 2004), por exemplo, foram construídas mais de 60 pistas

69 Revista CemporcentoSKATE, n. 3, 1995, p. 21. 70 Idem, p. 21.

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públicas de skate dentro do projeto de revitalização de praças ‘centros de bairro’ e nos

centros educacionais unificados, conhecidos como CEUs71.

A presença dessas pistas de skate não só na cidade de São Paulo, como também

em muitas cidades brasileiras de pequeno, médio e grande porte (construídas em sua

grande maioria pelo poder público), revela a existência de uma tendência – crescente

desde o regime militar – de delimitação dos espaços de lazer e de vivência dos prazeres

coletivos. Como escreveu Denise Bernuzzi de Sant’Anna72, data desta época o início de

uma maior preocupação com o tempo livre, visto como perigoso se não estivesse em

sintonia com os interesses políticos vigentes e sendo, de algum modo, útil

economicamente. O tempo livre (pensemos aqui o tempo que os skatisas poderiam ficar

a deriva, nômades pelas ruas e avenidas), deveria ser obrigatoriamente transformado em

lazer (um tempo de treinamento nas pistas, que poderia gerar campeonatos,

investimentos empresariais, patrocínios etc). Deste modo, tratava-se de produzir o skate

no duplo sentido de esporte/lazer, isto é, como algo que extrapolasse a prática em si e

apresentasse conexões com outras esferas e interesses sociais, extrínsecos à

informalidade e à gratuidade das investidas lúdicas na cidade.

É por este viés, portanto, que Sant’Anna aborda o período como aquele que

começava a gestar novas formas de representação (as quais certamente chegaram até

Erundina e continuam a invadir os dias atuais) que visavam criar o lazer como regra de

certos prazeres. Nas palavras da autora, “fazer ginástica, usar o tempo livre com

atividades físicas e esportivas, cultuar a descontração e um certo tipo de corpo, saudável

e produtivo, passaram a fazer parte dos padrões de normalidade estabelecidos

socialmente”73. As pistas de skate, portanto, encarnavam essa vontade de “conhecer e

administrar o lúdico”74. Elas, enquanto áreas destinadas ao lazer esportivo poderiam ser

um meio útil de educar os corpos de grandes parcelas de uma juventude vista como

irreverente, ousada e perigosa, e ainda controlar os espaços por onde essa mesma

juventude circulava. Como escreveu Sant’Anna,

Em nome do lazer e da harmonia social ou da paz social, tratou-se de substituir espaços e atividades perigosas por espaços e atividades que, ao invés de ameaçar, fossem favoráveis à disciplina moral e social que

71 http://cemporcentoskate.uol.com.br/fiksperto.php?id=4013, acesso em 26/03/2012. 72 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. O prazer justificado: história e lazer (São Paulo, 1969/1979). São Paulo: Editora Marco Zero, 1994. 73 Idem, p. 11. 74 Ibidem, p. 11.

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se pretendia manter; [por isso] o lazer tornou-se mais assiduamente uma questão arquitetônica a ser discutida nos planejamentos urbanos, [era preciso, sugere a autora] decifrar e disciplinar o próprio corpo durante a diversão75.

De fato, é na existência e na manutenção dessas pistas que podemos encontrar a

positividade do discurso que enfatiza as “vantagens do esporte”76. No entanto, ao

delimitarem onde, quando e de que modo se deveria ou seria permitido praticar –

legalmente e sem represálias – a atividade corporal do skate, elas também fazem coro

(ao seu modo) às práticas de controle das quais nos falou Michel Foucault e Gilles

Deleuze.

Assim, se “é certo que entramos em sociedades de controle que já não são

exatamente disciplinares”77, a construção dessas novas áreas destinadas ao skatismo

demonstra que tais espaços foram e são concebidos pela lógica da modulação esportiva.

Elas apresentam, embora de forma bem mais diluída e branda do que outras instituições

sociais, uma tendência à disciplinarização dos corpos (uma vez que tentam ocupar os

jovens praticantes de skate num lugar em específico e assim evitar os fluxos e

ramificações desses pela metrópole). Esses espaços são fruto, como já afirmamos ao

longo desta tese, do poder esportivo.

75 Ibidem, p. 89. 76 SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpo e História. In Cadernos de Subjetividade: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade: Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP. São Paulo, volume 3, 1995, p. 256. 77 DELEUZE, Gilles. Conversações (1972 – 1990). São Paulo: Ed. 34, 1992, p. 215.

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Figura 40: Pista de skate do Sumaré, construída pela prefeitura de São Paulo em 200978. Fonte da imagem: http://www.viaskate.com.br/, acesso em 08/02/2012

Assim, é possível afirmarmos que as pistas destinadas ao skatismo fizeram-se

inseridas nessa imensa tendência, crescente desde o final do século XIX, de

“esportivizar” – ou de trazer para o registro “esportivo” – toda e qualquer manifestação

corporal passível de ser cooptada por sua lógica. Em poucas palavras, elas fizeram parte

de uma educação do corpo que visou tornar fixo o que é escorregadio. E, como nos

lembra Maffesoli, “fixar significa a possibilidade de dominar”79.

Deste modo, essas novas pistas de skate – que surgiram após sua legalização –

expressam tanto uma retomada de seu processo inicial de esportivização quanto,

também, um maior controle do Estado sobre essa prática corporal. Elas podem ser lidas

como o resultado da dimensão pedagógica do poder. Em outras palavras, elas revelam

formas de condicionamento dos corpos, de seus usos e liberdades, perfazendo um

78 O antropólogo Giancarlo Machado, ao realizar uma etnografia nesta pista, localizada na Praça Zilda Natel, no Sumaré, região nobre da cidade de São Paulo, escreveu em um artigo que, logo na entrada da pista, fica exposta uma placa com as seguintes recomendações: “1 - Skate é um esporte perigoso, com riscos de acidentes; 2 - O uso de equipamento de proteção individual (capacete, joelheiras, cotoveleiras e tênis) é extremamente recomendado; 3 - Respeite seus parceiros de sessão; 4 - Tenha consciência de seu nível técnico; 5 - Muita atenção com os outros usuários do parque; 6 - Informe-se sobre cada pista do parque, ou seja, o banks, a área de street e a mini-rampa; 7 - O aquecimento e o alongamento são práticas importantes para evitar e prevenir lesões; 8 - Consulte o regulamento completo na administração do parque”. MACHADO, Giancarlo Marques Carraro. Dilemas em torno da prática do street skate em São Paulo. In Esporte e Sociedade, ano 7, n. 19, março de 2012, p. 08. Disponível em: http://www.uff.br/esportesociedade/pdf/es1903.pdf, acesso em 12/04/2012. 79 MAFFESOLI, Michel. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 24.

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discurso material que, em um só golpe, tanto nega algumas das possibilidades lúdicas

do corpo quanto, por outro lado, afirma certos pressupostos que possuem, por base, a

noção de esporte engendrada na competição, no treino e no desempenho. Assim,

diagnosticá-las menos como uma força que diz “não” e mais como uma forma de

induzir e controlar o prazer ou, fundamentalmente, de construir o skate como um

“esporte” aceitável (e economicamente rentável) é uma forma de evidenciarmos, na

esteira de Foucault, a questão do poder como “uma rede produtiva que atravessa todo o

corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir”80.

O dado relevante (e curioso), entretanto, é que diferentemente das mídias de

nicho analisadas durante a década de 1970 (as quais faziam campanhas em nome da

construção de pistas de skate), tanto as mídias de nicho surgidas a partir de meados da

década de 1980 (Overall, Yeah! e Skatin’), quanto as mídias que passaram a ser

publicadas ao longo da década de 1990 (em especial as revistas Tribo e

CemporcentoSKATE), embora também prezem pela construção de tais áreas, elas

continuaram evidenciando, em paralelo aos campeonatos e pistas, o skate praticado nas

ruas.

A presença do skate de rua (street skate) nessas publicações, responsável pela

maioria das capas e fotos, explicita o grau de autonomia dessa prática perante o que

intitulamos aqui de poder esportivo. Deste modo, embora skatistas, arquitetos,

autoridades públicas, secretários de esportes etc, tenham se articulado para fabricar

locais representados como adequados à prática dessa atividade, como rampas e demais

obstáculos que simulam aqueles mais procurados pelos skatistas nos espaços urbanos,

muitos dos adeptos do street skate, como observou o pesquisador Paulo Carrano,

“combinam a utilização das pistas com a manutenção da prática nas ruas das cidades,

numa recusa em aceitar integralmente a realidade da cidade artificial das pistas”81. Em

estudos recentes efetuados por cientistas sociais que tomam como campo a cidade de

São Paulo, essa mesma dinâmica foi observada. Maurício Olic, por exemplo, num artigo

publicado pela Revista de Antropologia Urbana da USP, assinalou que um fator

relevante a ser notado é que,

80 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 08. 81 CARRANO, Paulo César Rodrigues. Os jovens e a cidade: identidades e práticas culturais em Angra de tantos reis e rainhas. Rio de Janeiro: Relume Dumará: FAPERJ, 2002, p. 124.

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mesmo que os aparelhos de captura estriem os skatistas em locais pré-determinados para a sua prática, o desejo de evasão e de apropriação da arquitetura urbana – que levam a produção de possíveis conflitos – não são eliminados, mas apenas controlados [...] Logo, o processo que leva ao fechamento do skatista em espaços exclusivos para sua prática, não implica de modo algum em um movimento fatalista (sem volta) de domesticação82.

Por inventarem fissuras na tarefa educativa que as pistas representam, e por

através delas ganharem a cidade para além da vigilância e do controle, os skatistas de

rua demonstram algumas das múltiplas “maneiras de fazer” que constituem as práticas

pelas quais os grupos sociais se apropriam do espaço organizado pelas técnicas da

produção sociocultural83. Se essas pistas podem nos colocar questões semelhantes às

investigadas pelos autores supracitados, as artimanhas criadas pelos seus praticantes,

que tanto as reivindicam quanto não se deixam por ela escravizar, demonstram que

muitos skatistas tanto escapam ao controle e à disciplina quanto, também, transitam

pelo campo onde essas são exercidas.

Se é certo que as operações do poder esportivo proliferaram-se pela trama social,

ocupando de cuidar dos “detalhes” do cotidiano e assim organizando a corporeidade,

podemos perceber, por outro lado, que tal poder não ficou imune à criatividade dispersa

ou a pluralidade das táticas de invenção espacial que a bricolagem dessa tribo juvenil.

Como afirmou um skatista entrevistado para a Folha de São Paulo: “Nós vivemos na

cidade grande. Por isso, o pessoal do skate tenta tirar o que pode desse concreto todo

que fica a nossa volta”84. Concreto, voltamos afirmar, presente tanto nas pistas quanto

nas ruas!

Deste modo, ao passo que são capturados, eles também ultrapassam os limites

fixos das pistas, não deixam de dialogar com os outros espaços da cidade. Aproveitando

os quebra-molas, as muretas e escadarias, acabam por combinar esses espaços com

aqueles das pistas. Junto aos pontos instituídos, não desistem de tecer as heterotopias.

82 OLIC, Maurício Bacic. “De quebrada para quebrada”: por uma nova cartografia dos skatistas na metrópole. In Ponto Urbe: Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP. Ano 2, n. 3, julho de 2008, s/p. Disponível em: http://n-a-u.org/pontourbe03/Bacic.html, acesso em 11/02/2012. 83 Nossa inspiração principal para abordarmos essas “formas de fazer” que superam a vigilância vem da leitura do livro do historiador Michel de Certeau. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2011. 84 Jornal Folha de São Paulo, Educação e Ciência: Esportes, 16 de agosto de 1986.

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ENTRE PISTAS E RUAS : O SKATE NO TEMPO PRESENTE

As três mídias de nicho (Overall, Yeah! e Skatin’) analisadas nesses últimos

capítulos não conseguiram se perpetuar ao longo da década de 1990. Parte do fracasso

pode ser creditada a instabilidade econômica do país, a qual dificultava a permanência e

o aumento da produtividade dos fabricantes de skate e, consequentemente, a dificuldade

em anunciar nessas publicações. Além disso, com a entrada em cena do Plano

Econômico colocado em prática pelo então presidente Fernando Collor de Melo, as

poupanças bloqueadas (que “retirou quase todo o dinheiro de circulação”85), a

continuidade da inflação e o corte de gastos ajudaram a dar um fim a quaisquer

pretensão de continuidade de seus editores. A Yeah! terminou antes mesmo da gestão de

Collor86, teve sua última edição publicada em 1988, quando da proibição do skate por

Jânio Quadros na cidade de São Paulo, a Overall resistiu até maio de 1991, quando

lançou uma edição pôster, e a revista Skatin’ circulou apenas até setembro de 1990.

Depois de um hiato de alguns meses sem nenhuma publicação sobre a prática do

skate no país, skatistas remanescentes dessas três mídias citadas87 se uniram e, sob a

direção de Cesar Gyrão e Fábio Bolota, lançaram, em setembro de 1991, uma nova

revista que acabou sendo chamada de Tribo, reforçando a noção do tribalismo como

algo bastante evidente nessa atividade.

De fato, essa revista seguia a mesma fórmula das anteriores: proclamava-se

como “o autêntico e permanente canal do esporte”88, trazia coberturas de campeonatos

(em especial do “Circuito Brasileiro Skatv”), perfis de alguns novos skatistas, fotos com

skatistas em ação tanto em pistas quanto nas ruas, propagandas com marcas de skate

(como da “Lifestyle”, “Mad Rats”, Cush”, entre outras), seção de cartas dos leitores e,

assim como nas três outras mídias anteriormente analisadas, um grande destaque para a

música, retratada numa seção intitulada como “crossover”.

Atualmente, a revista Tribo disputa esse segmento de mercado como outra

revista – chamada CemporcentoSKATE – que, apesar de ter tido seu início de modo

bastante singelo (a primeiro edição, de agosto de 1995, foi publicada com somente oito

85 PILAGALLO, Oscar. A história do Brasil no século XX (1980 – 2000). São Paulo: Publifolha, 2009, p. 49. 86 Com 35 milhões de votos, Fernando Collor tomou posse no dia 15 de março de 1990, renunciando ao cargo após a abertura de um processo de impeachment iniciado em 29 de setembro de 1992. 87 Como expresso no primeiro editorial da revista Tribo: “Somos todos remanescentes das antigas revistas nacionais de skate”. Revista Tribo, n. 1, 1991, p. 5. 88 Idem, p. 5.

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páginas em preto e branco), teve um rápido crescimento, ganhou inúmeros anunciantes

(muitos internacionais, como a Nike e a Adidas), passou a ser publicada em papel

couche colorido e com muitas páginas. A principal diferença entre ambas, entretanto, é

que se por um lado a revista Tribo trouxe em seu staff praticamente os mesmos nomes

que noticiaram e cobriram o skate durante a década de 1980, como Guto Jimenez, Hélio

Greco e Fábio Bolota, a revista CemporcentoSKATE passou a ser produzida por um

grupo de articulistas e fotógrafos, dirigido pelo skatista Alexandre Vianna, que se

originou da própria manutenção e evolução do skate de rua.

No editorial de estréia dessa publicação, por exemplo, Alexandre Vianna

escreveu que sua meta seria a de demonstrar “as qualidades dos skatistas tupiniquins”89.

De fato, essa revista contribuiu para o fortalecimento do skate brasileiro, não somente

divulgando os campeonatos como também retratando os skatistas em ação pelas ruas.

Nas palavras de Marcelo Viegas, atual editor da revista (e também skatista), “90% dos

skatistas fazem street skate, e para manter uma revista especializada em skate, é preciso

dialogar com quem efetivamente o pratica. Temos que falar daquilo que eles gostam e

vivem”90.

Tanto a revista Tribo quanto a CemporcentoSKATE são publicações específicas

sobre skate que se firmaram no mercado nacional e chegam, mensalmente, às bancas de

muitas cidades brasileiras. Elas, certamente, constituem-se como fontes imprescindíveis

para os novos pesquisadores que, num futuro próximo, venham a analisar outros vieses

acerca da constituição dessa atividade no tempo presente.

De todo modo, embora essas duas últimas mídias não tenham sido o foco de

nossa análise nesta tese, é possível afirmarmos que o poder esportivo, embora

represente nelas uma faceta, continua competindo com outros modos de interpretação

dessa atividade. Em certas ocasiões, ele chega a ser mesmo repudiado. Podemos notar

isso, por exemplo, numa recente coluna escrita por Douglas Pietro, um dos principais

redatores da revista CemporcentoSKATE. Pietro enumera em seu texto cinco expressões

que estão, nos últimos anos, contaminando o universo do skate. Segundo ele, as

expressões a seguir podem, a longo prazo, “causar danos irreversíveis” 91.

89 Revista CemporcentoSKATE, n. 1, 1995, p. 2. 90 Em entrevista realizada no dia 07/02/2012 (Arquivo do autor). 91 Revista CemporcentoSKATE, n. 28, 2011, p. 22. (Obs: A revista, após uma fusão com a revista SKT e lançamento da Editora ZY, refez sua numeração a partir da edição de março de 2009, por isso essa edição citada aparece como a de número 28).

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1 – ATLETA: Calça jeans, água de torneira, uma tragada no cigarro depois de um caballerial gigante [...] skate não é esporte, e, portanto, skatista não é atleta. Imagine a mídia criticando algum skatista porque ele apareceu na sessão com uma protuberância abdominal excessiva. Ou alguém que se afaste das sessões por algum tempo por estar fazendo regime: “depois que eu perder 30 kg, volto a andar”. 2 – BOLSA ATLETA: Uma grande conquista, sem dúvida alguma. Conseguir apoio público, num país de Estado ausente, é sempre um feito. Melhor dinheiro no bolso do skatista do que no do corrupto. Mas ver impresso no cartaz “válido para o bolsa atleta” transforma o campeonato de skate numa espécie de concurso público. Só faltam os espertinhos vendendo as apostilas. Pelo menos você pode falar pra sua mãe: “não realizei seu sonho de me ver trabalhando no Banco do Brasil, mas vou participar de um campeonato que vale bolsa atleta”. Bom era quando o velho “venha detonar” era suficiente pra animar os skatistas. 3 – BOARDSPORT: Quando o skate vivia o auge da marginalidade, proibido e perseguido, nunca vi ninguém levantando a bandeira de incorporá-lo numa categoria. Agora a situação é outra, bem mais conveniente. Desculpe: skate na água afunda, a lixa esfarela e o rolamento enferruja. E não fica preso no pé. 4 – CAMPEÃO: Seja lá qual for: estadual, mundial, feminino, do quarteirão. Claro que as confederações existem para homologar competições e proclamar seus vencedores, mas esse tipo de título pode servir como facilitador na apresentação de um skatista para leigos. Dentro do skate, é muito melhor dizer que é o cara que domina o IAPI, que acerta 540 body jar, que tem parte no Extremely Sorry. 5 – TREINAR: Outro termo de difícil aplicação no skate. Treinar pode ser bater 70 escanteios por dia, correr 40 minutos, socar um saco de areia repetidamente por 1h. Mas alguém repete a mesma manobra 70 vezes por dia? Aí, acrescenta-se outra expressão que começa a ser ouvida: centro de treinamento92.

Se o skate se constituiu como um esporte, ele também se constituiu como algo

muito distante de uma prática esportiva. Se o que intitulamos aqui de poder esportivo

incidiu sobre ele, isto é, se o poder esportivo se fez presente pela ação de políticos,

empresários e, como demonstramos ao longo desta tese, também pelas mãos (e pés) de

muitos skatistas, sua ação nunca chegou a ser absoluta. Não é possível afirmar que ele

92 Idem, p. 22.

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tenha conduzido o skate a uma identidade sólida e a qual nós poderíamos definir como

esportiva. Se essa identidade existe, ela não é outra coisa senão cambiante, fluída e em

perpétuo estado de negociação. Nos momentos em que alguns skatistas se sentem

ameaçados (hostilizados, perseguidos por policiais etc), ou também nos momentos em

que a prática precisa ser espetacularizada para o grande público (como nas exibições do

skate na televisão aberta, por exemplo) acessá-la é algo muitas vezes produtivo, que

pode trazer conforto ao telespectador, confundir o policial e reelaborar as

representações.

Mas a prática é em si polimorfa, há outras possibilidades de representação e

identificação que estão sempre presentes. Ao lado dos grandes campeonatos e por trás

de sua exposição midiática, eventos cotidianos demonstram que nem sempre sua

associação com o esporte é garantia de alguma segurança. No ano de 2007, por

exemplo, o Jornal Estado de Minas noticiou um evento envolvendo policiais e skatistas:

uma câmera de vídeo de segurança urbana filmou jovens skatistas sendo agredidos por

policiais no centro de Belo Horizonte. Este episódio entrou no ar pela TV Alterosa

(filiada do SBT) e acabou na Câmara Municipal e na Assembléia Legislativa da

cidade93.

Acontecimentos como esse demonstram que não podemos perder de vista a

diferença entre o skate vertical e o street skate. O vertical é uma modalidade que se

elitizou, é praticada por um grupo relativamente pequeno de skatistas. Mesmo assim,

quando a Rede Globo exibe skate em sua programação – como no Esporte Espetacular,

por exemplo -, é sempre ao skate vertical que ela recorre. Em raríssimos casos o street

skate é exibido94. Quando o é, ela o apresenta em pistas de street, em espaços com

rampas, corrimãos e demais aparelhos que simulam aqueles mais buscados pelos

skatistas no espaço urbano (vide figura 40).

Nas mídias de nicho, entretanto, o caso se inverte. Nelas, a presença do street

skate é muito mais ampla e determinante para o sucesso e a continuidade das

publicações. Essas revistas (ao contrário da Rede Globo ou demais canais da televisão

aberta) não visam o diálogo com o grande público, mas sim a manutenção daquele já

93 É possível visualizar as cenas de agressão contra os skatistas acessando o seguinte endereço eletrônico: http://uaimidia.com.br/html/webs/Módulos/streaming/getstreaming?fire=200707D0925484984.wmv, acesso em 15/12/2011. 94 Uma das exceções, por exemplo, foi o campeonato de street skate intitulado Nescau Energy Festival, realizado no Rio de Janeiro e exibido “ao vivo” em novembro de 2009 no Esporte Espetacular, da Rede Globo. Este programa encontra-se atualmente reproduzido na Internet, no seguinte link: http://www.youtube.com/watch?v=8aWo56aViW8&feature=related, acesso em 31/03/2012.

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conquistado com os próprios skatistas, quem de fato consomem essas revistas. Na quase

totalidade das capas da Tribo e CempocentoSKATE, por exemplo, as fotografias que as

estampam demonstram skatistas realizando manobras em determinados espaços da

cidade e não numa pista de skate. A originalidade, a dificuldade do “obstáculo”

utilizado (o tamanho do corrimão ou a quantidade de degraus de uma escadaria, por

exemplo), além de outros fatores como o caráter inédito do lugar (uma foto em um

espaço da cidade que nunca antes um skatista utilizou) ou a dificuldade técnica da

manobra são outros pontos levados em consideração. A seguir, duas imagens contendo

capas aleatórias dessas revistas ajudam a visualizar o que estamos afirmando.

Figura 41: Capa da Revista CemporcentoSKATE, n. 151, 2011

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Figura 42: Capa da Revista Tribo Skate, n. 154, 2008.

Esse universo construído pelos skatistas de rua, retratado e fomentado pelas

atuais revistas disponíveis no mercado, demonstra outras formas de exercício do corpo

distantes das preconizadas pelo esporte. Na capa dessas revistas, assim como em seus

conteúdos principais, não é o skate em campeonatos o foco das imagens. A lógica é

outra, o destaque é dado pelo estilo do skate apresentado, pela dificuldade das manobras

executadas ou pelo ineditismo dos espaços percorridos e apropriados.

Num dos muitos editoriais que podem ser lidos na revista CemporcentoSKATE,

um deles é bastante revelador dessa lógica interna que move tanto os skatistas quanto

essas mídias (em especial seus fotógrafos) a deambularem pela cidade em busca de

locais “skatáveis”,

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O desafio é encontrar picos [lugares] naturais de rua, resultado da engenharia e tecnologia dos centros urbanos, e neles acertar todas as manobras possíveis. Hoje temos de agradecer aos arquitetos e engenheiros que constroem a paisagem do caos urbano para que os skatistas possam transformá-la em playground. Temos de agradecer aos skatistas que transformam as ruas em uma grande pista em todas as partes do mundo. Temos de agradecer a sede de ser diferente que o skatista carrega. Andar de skate. Simplesmente andar de skate é o desafio95.

Ora, se a identidade esportiva persiste, ela não é a única e resta saber se um dia

será. Até o presente momento, o skate mantém um aspecto plural, complexo, polimorfo

e muitas vezes contraditório Tal como a metáfora da “casca de cebola”96 de Maffesoli,

sua identidade se esparrama por muitas camadas e “cascas” de identificação que são

quase sempre fluídas e movediças, eclodindo diante de nós como manifestações de uma

juventude que tanto se insere numa tradição (esportiva) quanto busca inventar um novo

mundo através de suas práticas corporais e de suas heterotopias.

95 Revista CemporcentoSKATE, n. 59, 2003, p. 14. 96 MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Rio de Janeiro: Vozes, 1996, p. 347.

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CONCLUSÃO

Não leve a sua geração para o túmulo, mas funde uma nova geração

Friedrich Nietzsche (2003, p. 75)

Pesquisar uma atividade corporal tão multifacetada como a do skate não se

esgota numa tese, é tarefa de uma vida inteira e de muitos outros pesquisadores do

presente e do futuro. Temos a consciência de que, no quadro atual das pesquisas sobre o

tema, esta tese traz avanços e inquietações. No entanto, muito ainda há o que investigar,

pois diversos pontos merecem ser mais cuidadosamente averiguados. A questão do hip-

hop, por exemplo, que adentra a cultura do skate a partir da década de 1990 precisará,

num porvir, de um capítulo especial. Histórias mais regionalizadas sobre o skate

certamente ainda encontram-se por fazer1. As mídias analisadas retrataram basicamente

São Paulo e Rio de Janeiro, mas e nas outras cidades e regiões, quais histórias elas

teriam para contar? Enfim, existem tantas outras possibilidades temáticas, ancoradas em

outras tantas perspectivas teóricas e metodológicas, que temos por obrigação afirmar

que se trata de um tema em formação. Tanto o skate quanto as demais práticas corporais

de origem californiana só recentemente passaram a ser “desbravadas” por alguns

(poucos) estudiosos que, ao se recusarem seguir a cartilha dos temas estabelecidos,

ousaram pensar de viés. Mas não custa recordarmos que até bem poucos anos as

pesquisas universitárias que investigassem assuntos relativos à homossexualidade, por

exemplo, eram consideradas chocantes e até estranhas à academia2. Hoje, se isso não

mudou por completo, certamente o quadro é outro! Há momentos em que é

indispensável ser herético para fazer circular uma maior corrente de ar.

Se não foi possível tratarmos de todos os aspectos que o tema incita, e se as

lacunas existem para servir como estímulos para novas pesquisas, devemos, entretanto,

recordar o que foi possível, dentro daquilo que nos propusemos – e dentro da linha

teórica que assumimos – produzir enquanto conhecimento histórico e também

multidisciplinar.

1 Destacamos, neste sentido, a existência da monografia de Gustavo Tomé, a qual buscou estudar a historicidade do skate em Bauru, cidade situada no interior do Estado de São Paulo. TOMÉ, Gustavo. A história do skate na cidade de Bauru. Monografia (Bacharelado em Educação Física), UNESP, 1999. 2 MAFFESOLI, Michel. A república dos bons sentimentos. São Paulo: Itaú Cultural, 2009, p. 108.

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Um primeiro ponto importante: partimos de uma dúvida sobre a classificação do

skate como um “esporte radical”, pois dada a nossa experiência com o tema, sabíamos

da existência de discursos que tanto o negavam quanto o afirmavam nessa perspectiva.

Deste modo, buscamos avançar nessa problematização através de um estudo centrado

em suas mídias de nicho e com o auxílio de revistas de grande circulação, como a Veja,

e também de depoimentos colhidos através do trabalho de campo. Em outras palavras,

partimos de uma questão atual, mas aprofundamos a pesquisa nas décadas de 1970 e

1980, período que, a nosso ver, concentrava os debates mais importantes. A década de

1990 e a virada do milênio, se pesquisadas, certamente trarão questões complementares,

mas elas não deixam de respirar a problemática gerada pelo street skate, a peça

fundamental que, afirmamos, desestabilizou a constituição da prática do skate como um

esporte. Em síntese, foi o street skate quem subverteu o poder esportivo. Diante dos

skatistas nas ruas, havia muito pouco o que o esporte poderia fazer: uma pista

simulando os aparelhos urbanos (corrimãos, bancos, canos etc), um campeonato, um

circuito de competições... Nada disso tirou – totalmente – os skatistas das ruas, e se eles

permanecem em atividade até hoje (em muitas cidades brasileiras e também em quase

todas as capas das revistas especializadas existentes atualmente no mercado), é essa

presença cotidiana que nos ratifica.

Sem dúvida é para o street skate, o skate praticado nas ruas, sobre calçadas,

corrimãos, escadas, muretas e bancos que devemos olhar se quisermos – para além dos

preceitos do esporte, de uma pretensa história da esportivização, como tradicionalmente

vendo sendo feita no país – construirmos um outro “tipo” de história, isto é, uma

história que leve em conta as artimanhas possíveis de serem detectadas nesse modelo

esportivo, condutor de tantas e tantas práticas corporais.

*

Ao compararmos, portanto, os anos finais da década de 1970 com aqueles que o

sucederam, e em especial com os da segunda metade da década de 1980, é possível

notarmos a existência de uma quantidade significativa de diferenças na configuração do

skate como uma prática juvenil e em vias de consolidação no país. Ao afirmarmos isso,

não estamos fazendo referências somente às transformações no mercado ligado a essa

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atividade ou no formato maquínico do skate (o aumento na largura e na qualidade da

prancha ‘shape’, o aprimoramento de peças como eixos, rodas, rolamentos etc). Tais

modificações certamente ocorreram e foram importantes; mas para os objetivos que

almejamos, dois fatores foram imprescindíveis: a emergência do punk rock como um

movimento de contracultura juvenil e a ascensão do street skate. Isso nos interessou de

forma mais imediata por terem sido os dois principais fatores que contribuíram para que

os skatistas não fossem conduzidos, somente, nos trilhos criados pelo poder esportivo

durante a segunda metade da década de 1970.

Em suma, o que notamos foi que em função desses fatores se desenvolveu uma

clivagem mais nítida na prática dessa atividade. De um lado, sua esportivização – como

vimos nos capítulos iniciais – continuou avançando por meio de uma série de propostas

e estratégias que buscaram transformar os usos do skate em formas esportivas

institucionalizadas. E isso ocorreu através do desenvolvimento de organizações que

objetivavam seu reconhecimento “esportivo” e, com elas, a manutenção dos

campeonatos promovidos nas pistas de skate, muitas das quais passaram a tomar o

formato de um grande “U” e/ou simular os aparelhos urbanos mais cobiçados pelos

skatistas nos centros das cidades.

Por outro lado, o skate praticado nas ruas, que já vinha ganhando uma nova

dinâmica com o desenvolvimento do street skate, acabou por ter reforçado sua condição

outsider ao se aproximar, ao longo da segunda metade da década de 1980, da cena punk.

Sem dúvida, esse diálogo entre os praticantes de skate e o movimento punk ajudou a

projetar sobre seu processo de esportivização uma série de ações, práticas e valores que

estimulavam atitudes e formações identitárias que pouco, ou absolutamente nada,

deviam ao esporte. O street skate tornou-se uma prática de deslocamentos geo-estéticos

sobre determinados espaços da cidade que, nesse fazer, pôde ser associado ao que o

filósofo francês Michel Foucault chamou de “heterotopias”, isto é,

contraposicionamentos que buscavam a invenção de outros espaços sobre aqueles já

instituídos.

Nesta tese buscamos demonstrar que o skate recebeu significações diferentes a

partir das práticas sobre as quais ele ganhou existência. Se em pistas verticais (e demais

formas de pistas e rampas) ele buscou para si a identidade esportiva – ou fabricar-se

como um esporte radical –, o mesmo não podemos afirmar sobre o skate praticado nas

ruas, praças e calçadas. Por isso, se levarmos em conta que são as práticas de

subjetivação que produzem identidades, essas só puderam estar, nesse caso, em um

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processo de fluidez constante. A questão, portanto, é que se a continuidade do skate em

pistas buscou integrar-se aos valores esportivos, o street skate passou a incitar uma série

de experiências que, mesmo “radicais”, já não eram exatamente esportivas. Deslizar

com um skate sobre um corrimão público, flanar pelas vias urbanas serpenteando por

entre carros, pular de cima de muros ou sobre degraus de escadarias eram práticas que,

pela subversão aos espaços percorridos, acabavam por desenhar um movimento anti-

disciplinar e contrário a qualquer etiqueta esportiva.

Classificar o skate como um esporte, portanto, ou mesmo como um “esporte

californiano” ou “radical”, em definitivo e sem brechas para a reflexão, é negar a

existência de outras formas de concepção dessa atividade, das tensões sociais que seu

uso no espaço urbano gerou, dos processos de estigmatização e das muitas lutas que

existiram (e ainda existem3) em seu interior (como sua proibição por Jânio Quadros no

ano de 1988, por exemplo). Classificá-lo como esporte é não enxergar, como nos

advertiu o filósofo Michel Foucault, que aquilo que muitas vezes alguns tentam reunir

sob uma máscara – neste caso, sob a máscara de um “esporte” – é apenas uma paródia:

“o plural a habita, almas inumeráveis nela disputam; os sistemas se entrecruzam e se

dominam uns aos outros”4.

Ao observarmos o processo de esportivização do skate através de suas mídias de

nicho (e também com o auxílio de entrevistas realizadas com personagens-chave dessa

atividade), afirmamos que sua classificação como um esporte tampona não somente a

existência de experiências ocorridas fora do domínio esportivo como também modos de

movimentação corporal que, como demonstramos, nem sempre estiveram ligados ao

rendimento ou à busca por boas colocações em campeonatos. Tratava-se, como no caso

do street skate, de novos modos de subjetivação elaborados a partir de enunciações

arquitetônicas, formas de ver e representar a cidade que a inventavam para além de suas

funções objetivas, imaginando espaços e percorrendo lugares onde o corpo se fazia, ele

próprio, como instrumento de relação.

Acreditamos que a idéia em voga de uma ampliação do conceito de esporte para

descrever essas novas práticas corporais (e aqui tratamos do exemplo específico do

skate) pode não ser a melhor hipótese conceitual possível e, talvez, seja mesmo uma

3 Em março de 2009, o vereador Adolfo Quintas (PSDB) formulou o projeto de lei nº 116/2009, que objetivava proibir a utilização do skate nas calçadas do município de São Paulo. Em função da união dos skatistas contra esse projeto, o mesmo não chegou a ser sancionado pelo prefeito Gilberto Kassab. Fonte: http://triboskate.globo.com/whatsup.php?id=3352, acesso em 01/04/2012. 4 FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 34.

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subordinação intelectual aos preceitos do esporte e de sua organização racional da

corporeidade.

Se compreendermos por este viés a história do skate (e quem sabe seja possível

pensarmos deste modo outras práticas de deslizamento ainda não historicizadas), talvez

isso nos ajude a refletir melhor sobre muitas das transformações engendradas nesses

últimos anos, e em especial aquelas que dizem respeito à proliferação de culturas

juvenis (tribos urbanas) e suas experiências corporais e subjetivas. Pois se o skate sofreu

e ainda sofre um processo de esportivização, esse está longe de estacionar num ponto

fixo ou, em outras palavras, numa identidade a qual poderíamos denominar como

esportiva.

Recentemente, por exemplo, em uma matéria publicada pela revista

CemporcentoSKATE, fora escrito que o ano de 2012 será de comemoração entre muitos

skatistas pelo simples fato dessa prática ter ficado de fora das Olimpíadas:

Algumas coisas me fazem acreditar que 2012 será um ano bem interessante para o Skate. O primeiro motivo a ser comemorado: é ano olímpico [Londres], e mais uma vez o Skate está fora dessa. Como não sabemos até quando dura a resistência, vamos celebrando a manutenção de nossa liberdade e independência cada vez que tivermos motivo para isso5.

Para além do Olimpo dos esportes, ouvem-se também os gritos punks, a ironia, a

rebeldia, traços de uma juventude transviada que o esporte ainda não apagou! Apagará

um dia? Não sabemos... Por isso e pelos demais motivos apresentados ao longo desta

tese, fazer história do skate não se resume à escrita de mais um capítulo sobre a história

do esporte. Pois se o poder esportivo há muito tempo vem conduzindo as práticas

corporais ao seu modo, uma história das resistências ao seu formato ainda precisa ser

mais bem investigada. Além do skate, por exemplo, outras atividades também se

expressaram de modo distinto daquelas preconizadas pelo esporte moderno? A história

do surfe, por exemplo, teria sido conduzida somente pelos trilhos de sua esportivização

ou haveria outros caminhos de interpretação que uma genealogia histórica poderia

revelar?

5 Revista CemporcentoSKATE, n. 167, fevereiro de 2012, p. 22.

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Neste estudo em específico, chegamos à conclusão que se por um lado muitos

agentes envolvidos com o skate (e isso tanto alguns dos próprios skatistas quanto

empresários e políticos) buscaram conduzi-lo ao porto seguro a qual denominamos

modernamente de esporte, essa condução nunca chegou a ser total, unânime ou linear.

Como vimos, para além dos preceitos da competição, essa atividade se constituiu

articulada à vivência de uma nova condição juvenil e, também, a uma inusitada e inédita

utilização do corpo e dos espaços urbanos.

Finalizamos essa tese com um depoimento muito especial de Cesinha Chaves,

um decano da tribo skatista e por isso alguém bastante respeitado no meio. As palavras

de Cesinha nos ajudam a perceber esse jogo de força identitário que vem fazendo parte

da história dessa atividade. Cesinha é uma das vozes que vem se levantando contra a

idéia do skate ser tratado com um esporte e, consequentemente, o skatista como um

atleta.

Em 1968 fui com minha família para Petrópolis, uma cidade imperial perto do Rio de Janeiro. Na bagagem levei o meu primeiro skate, que fora feito com um patins de rodas de borracha aberto ao meio e parafusado numa tábua reta. Me lembro muito bem quando meu pai me levou num ringue de patinação onde brinquei um tempão com meu skate. E também me recordo dos olhares das pessoas que viam aquilo como uma coisa estranha. Um garoto andando sobre uma tábua com rodinhas. Algo totalmente inusitado e fora de propósito para muitos.

Desde então reparei que o Skate era diferente. E esse foi um dos motivos para eu me amarrar no bicho. “Um lance diferente, só meu”, pensei. Com o passar do tempo vi que o Skate estava formando um mundo novo graças aos seus adeptos que não se cansavam de romper barreiras na busca de novos terrenos e por que não dizer, novas formas de expressão. Veio o uretano, os skateparks, as manobras e o Skate sofreu uma expansão atingindo um universo muito maior, que aos poucos foi solidificando-se, tornando-se um “mercado”.

O “sistema” começou a absorver o brinquedo inocente e logo o lado do Skate como esporte começou a ser explorado. O Skate sempre foi algo inovador e principalmente, anárquico, no sentido de não existirem regras para se praticar. Você simplesmente anda [...]

Sempre me senti orgulhoso de fazer parte de uma galera criativa que valorizava a expressão individual e a diversão entre amigos. Acho o máximo a reutilização que fazemos de objetos e estruturas para torná-los fontes de prazer.

[...] Mas o totalitarismo cultural provocado pela globalização foi aos poucos transformando o Skate. A firma de Skate norte-americana Consolidated mandou muito bem em um de seus adesivos polêmicos com a frase “Skate não é um esporte”.

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Sim! Skate não é um esporte. É muito mais que um esporte! Um estilo de vida, para muitos daqueles que querem dar um basta no excesso de regulamentações, códigos de conduta outras e imposições feitas pela sociedade e ter um controle maior sobre suas próprias ações.

[...] Pra mim, skatista é skatista. Não é atleta. É muuuuuuuiiito mais que isso! Atleta é pouco para se definir um skatista. Como disse no Congresso Brasileiro de Skate, “o skatista não cabe numa caixa de atleta”... Porque muita coisa vai ficar de fora...6

Enfim, se o poder esportivo fez com que o skate se tornasse um esporte, ele não

deixou (e ainda não deixa) de se defrontar com seus opositores. Para além do esporte, a

prática do skate também pode ser associada à criação. E se com Foucault aprendemos

que criar é uma forma de resistência, o skate, nesse viés, não deixa de nos apresentar

uma faceta artística e com dimensões políticas. Criar é inventar, dar vazão à rebeldia do

não convencional, do intempestivo. Criando, muitos skatistas teceram linhas de fuga

que obstacularizaram a condução efetiva dessa prática pelo poder esportivo... Sua

estruturação identitária, portanto, não poderia ser outra coisa senão deslizante!

6 Revista Tribo Skate, n. 74, 2001, p. 21.

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2 - Arquivos consultados (Revistas e Jornais)

2.1 - Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, Porto Alegre – RS

Revista Geração Pop, n. 1, 1972

Revista Pop, n. 4, 1973

Revista Pop, n. 11, 1973

Revista Pop, n. 15, 1974

Revista Pop, n. 28, 1974

Revista Pop, n. 34, 1977

Revista Pop, n. 36, 1974

Revista Pop, n. 38, 1975

Revista Pop, n. 41, 1976

Revista Pop, n. 42, 1976

Revista Pop, n. 44, 1976

Revista Pop, n. 58, 1977

Revista Pop, n. 60, 1977

Revista Pop, n. 61, 1977

Revista Pop, n. 63, 1978

Revista Pop, n. 68, 1978

Revista Pop, n. 70, 1978

Revista Pop, n. 72, 1978

Revista Pop, n. 78, 1979

Revista Pop, n. 79, 1979

2.2 - Arquivo Público do Estado de São Paulo

Folha de São Paulo, Folhinha, 19 de junho de 1988

Folha de São Paulo (Caderno: Cidades: Educação e Ciência), 24 de junho de 1988

Folha de São Paulo, Caderno: Cidades: educação e ciência: esportes, 25 de junho de 1988

Folha de São Paulo ( manchete de capa), 26 de junho de 1988

Folha de São Paulo, Ilustrada, 27 de junho de 1988

Folha de São Paulo, Educação e Ciência: Esportes, 16 de agosto de 1986

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Revista Veja em São Paulo, 23 de novembro de 1988

2.3 - Arquivo virtual da revista Veja - http://veja.abril.com.br/acervodigital/

Revista Veja, 24 de outubro de 1973

Revista Veja, 3 de novembro de 1976

Revista Veja, 28 de setembro de 1977

Revista Veja, 26 de abril de 1978

Revista Veja, 26 de dezembro de 1979

Revista Veja, 02 de dezembro de 1987

Revista Veja, 3 de fevereiro de 1988

Revista Veja, 20 de abril de 1988

Revista Veja, 11 de maio de 1988

Revista Veja, 22 de junho de 1988

Revista Veja, 23 de novembro de 1988

Revista Veja, 19 de outubro de 2005

2.4 - Arquivo pessoal de Carlos Eduardo Tassara “Yndyo”

Cartaz do I Circuito Hering de Skate de 1979

Cartaz do campeonato “Sea Club Overall Skate Show”

Revista Esqueite, n. 1, setembro de 1977

Revista Esqueite, n. 2, novembro de 1977

Revista Brasil Skate, n. 1, 1978

Revista Brasil Skate, n. 3. 1978

Revista Manchete, 25 de outubro de 1975

Revista Manchete, 18 de março de 1978

Jornal do Skate, n. 1, 1978

Jornal O Globo, 13 de janeiro de 2005

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2.5 - Arquivo pessoal de Giancarlo Machado

Jornal do Brooklin, Ano VIII – São Paulo, 24 de setembro de 1978, n. 334

Revista Visual Esportivo, n. 2, 1981

Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984

Revista Visual Esportivo, n. 16, 1985

Revista Imprensa, dezembro de 1987

Revista Overall, n. zero, 1985

Revista Overall, n. 1, 1986

Revista Overall, n. 2, 1986

Revista Overall, n. 3, 1986

Revista Overall, n. 4, 1986

Revista Overall, número especial: “pôster”, 1986

Revista Overall, n. 7, 1987

Revista Overall, n. 9, 1988

Revista Overall, n. 10, 1988

Revista Overall, n. 11, 1988

Revista Overall, n.12, 1988

Revista Overall, n. 13, 1989

Revista Overall, n. 14, 1989

Revista Overall, n. 19, 1990

Revista Yeah!, n. 1, 1986

Revista Yeah!, n. 2, 1986

Revista Yeah!, n. 4, 1986

Revista Yeah!, n. 6, 1987

Revista Yeah!, n. 7, 1988

Revista Yeah!, n. 8, 1988

Revista Yeah!, n. 9, 1988

Revista Yeah!, n. 10, 1988

Revista Yeah!, n. 11, 1988

Revista Skatin’, n. 1, 1988

Revista Skatin’, n. 2, 1988

Revista Skatin’, n. 3, 1988

Revista Skatin’, n. 4, 1989

Revista Skatin’, n. 5, 1989

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278  

Revista Skatin’, n. 6, 1989

Revista Skatin’, n.7, 1989

Revista Skatin’, n. 8, 1989

Revista Skatin’, n. 9, 1989

Revista Skatin’, n. 10, 1990

Revista Skatin’, n. 11, 1990

Revista Skatin’, n. 12, 1990

Revista Tribo, n. 1, 1991

Revista Tribo Skate, n. 50, 1999

Revista Tribo Skate, n. 74, 2001

Revista Tribo Skate, n. 113, 2005

Revista Tribo Skate, n.126, 2006

Revista Tribo Skate, n. 154, 2008

Revista Tribo Skate, n. 187, 2011

Revista Tribo Skate, n. 194, 2011

Revista CemporcentoSKATE, n. 1, 1995

Revista CemporcentoSKATE, n. 3, 1995

Revista CemporcentoSKATE, n. 59, 2003

Revista CemporcentoSKATE, n. 114, 2006

Revista CemporcentoSKATE, n. 146, 2010

Revista CemporcentoSKATE, n. 150, 2010

Revista CemporcentoSKATE, n. 28, 2011

Revista CemporcentoSKATE, n. 151, 2011

Revista CemporcentoSKATE, n. 154, 2011

Revista CemporcentoSKATE, n. 167, 2012

Revista Radical Skater, n. 1, 2009

Revista Trip, n. 133, 2004

Revista Veja São Paulo, 13/02/2012

Revista Marketing, n. 430, 2008

Jornal Folha da Tarde, 16/07/1990

3 – Entrevistas

- Alexandre Ribeiro

- Billy Argel

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- Carlos Eduardo Tassara, “Yndyo”

- Guto Jimenez

- João Bruno Leonardo Júnior, “Bruno Brown”

- Jun Hashimoto

- Leonides Melo

- Marco Antonio Berto, “Paneleiro”

- Márcio Tanabe

- Marcelo Viegas

- Paulo Anshowinhas de Oliveira Brito

- Rui Barbosa, “Rui Muleque”

- Sérgio Torres Moraes

- Wilson Rosa da Silva, “Neguinho”

4 – Filmes

Skaterdater. EUA, 1968 (Dir. Marshal Backlar)

Dog Town and Z-Boys. EUA, 2001 (Dir. Stacy Peralta)

Maria Angélica. Brasil, 2005 (Dir. Vanessa Favilla e Alexandre Moreira Leite)

Botinada: a origem do punk no Brasil. Brasil, 2006 (Dir. Gastão Moreira)

Vida sobre rodas. Brasil, 2010 (Dir. Daniel Baccaro) 5 - Literatura infanto-juvenil

BRANDÃO, Tony. Bagdá, o skatista. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2006.

ZIRALDO. Esportes Radicais. São Paulo: Globo, 2010. 6– Literatura específica sobre skate (artigos, livros, dissertações e teses)

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ANEXOS

O jovem Mário Raposo nas ruas do Rio de Janeiro em 1975.

Fonte: Arquivo de Carlos Eduardo Tassara (“Yndyo”)

Passado 3 anos, o mesmo jovem agora numa pista com rampa: o “surfe de asfalto” já era skate

Fonte: Arquivo de Carlos Eduardo Tassara (“Yndyo”)

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O “espetáculo do corpo”: Lemuel Dinho voa impulsionado pelas rampas montadas para a realização, no ano de 1989, da Copa Itaú de Skate na praia de Ipanema, Rio de Janeiro.

Fotografia de Daniel Bourqui. (Fonte: Arquivo de Carlos Eduardo Tassara)

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O skatista Rui Muleque deslizando com seu skate sobre um corrimão na rua

(Fotografia de 1990 - Arquivo pessoal de Rui Muleque)

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A prefeita de São Paulo, Luiza Erundina (1989 - 1993), vence o medo e coloca os dois pés sobre um skate. A fotografia foi capa do Jornal da Tarde, em sua edição de 15/09/1990

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A continuidade do street skate: o skatista Luciano realiza uma manobra no Memorial da América Latina em pleno século XXI. Fonte: http://tudosobreskate.wordpress.com/category/1/, acesso em 10/03/2012.